Professional Documents
Culture Documents
- Introdução ................................................................................................................. 2
- I - Deus e a Lei ......................................................................................................... 5
- II - O Nascimento da Lei ....................................................................................... 6
- III - A Função da Lei .............................................................................................. 9
- IV - Mandamentos da Lei e Mandamentos do Senhor .................................... 11
- V - Rompimento Necessário ................................................................................ 20
- VI - Rejeição ao Pecado e Processo de Restauração .................................... 23
- VII - Mas, e os Nossos Pecados? ...................................................................... 29
- VIII – A Mente Autojustificada ....................................................................... 34
- IX - O Relacionamento com os Legalistas ........................................................ 71
- X – Acerca do Mérito Humano ............................................................................ 80
- XI - A Inutilidade da Lei ..................................................................................... 88
- XII – Lei e Graça: Absolutamente Excludentes Entre Si ............................ 91
- XIII – A Verdade Que Liberta .......................................................................... 93
- XIV – Sempre Atuantes, Mesmo Diante das Dificuldades .......................... 95
- XV – O Mundo ......................................................................................................... 98
- Considerações Finais ............................................................................................. 99
INTRODUÇÃO
- Por que Paulo jamais citou a Lei como parâmetro de conduta para os
discípulos?
- Por que a Lei é fraca e inútil para o aperfeiçoamento? (Hb 7:18)
- Por que o poder de Cristo se aperfeiçoa na nossa fraqueza? (II Co
12:9)
- Por que as discussões e debates sobre a Lei são inúteis e fúteis? (Tt
3:9)
- Para Paulo, o que era “desfazer o escândalo da cruz”? (Gl 5:11)
- Por que, para Pedro, impor a Lei aos discípulos era “tentar a Deus”?
(At 15:10)
- O que significa: “A Lei não procede de fé”? (Gl 3:12)
- Se a Lei não procede de fé e “sem fé é impossível agradar a Deus”
(Hb 11:6), qual a utilidade da Lei?
- Se a justificação pela Lei anula o sacrifício de Cristo (Gl 2:21), por
que a igreja ainda exige a sujeição ao estatuto mosaico?
- O que é estar sujeito à Lei e o que é estar livre da Lei? (Rm 7:6)
- O que eu destruí e que, se eu tornar a edificar, constituir-me-ei
transgressor? (Gl 2:18)
- Qual a opinião de Paulo sobre a tentativa de conciliar Lei e Graça? (Gl
1:6-9; 5:11)
- O que é servir em novidade de espírito e não na caducidade da letra?
(Rm 7:6)
- Se Cristo veio para que tivéssemos vida em abundância (Jo 10:10), por
que sujeitar-nos ao ministério da morte e condenação? (II Co 3:7-9)
- Por que as cartas paulinas se caracterizam pelas advertências contra
o legalismo (justificar-se e servir na caducidade da letra/Lei) e
contra os legalistas (os que se autojustificam e servem na caducidade
da letra/Lei), e não pela neurose contra a transgressão da Lei?
- O que significa “ser achado em Cristo, não tendo justiça própria”? (Fp
3:9)
- A igreja deu ouvidos às advertências de Paulo ou “entronizou” os
legalistas, “judaizou-se” e adotou de vez o “outro evangelho” (mistura
de Lei e Graça), abominado pelo apóstolo dos gentios (Gl 1:6-9)?
- Por que, em vez de serem conhecidos pelo amor gratuito que deveriam
dispensar ao próximo, muitos cristãos são conhecidos pelo espírito
julgador, rotulador, isolacionista e desprezador do próximo?
- Se “a misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg 2:13), por que tantos
cristãos são conhecidos exatamente pela notória falta de
misericórdia e pelo duro juízo sobre o próximo?
- Por que a Lei suscita a ira (Rm 4:15)?
- Por que tantos cristãos odeiam tanto?
4
I - DEUS E A LEI
II - O NASCIMENTO DA LEI
Paulo foi muito claro: separado está de Cristo todo aquele que procura
justificar-se na Lei; e, se esse alguém um dia pensou estar na Graça de
Cristo, dela decaiu (Gl 5:4). Tais palavras exigem uma séria e urgente
reflexão...
9
Mas se a Lei não é Deus, e Deus não é a Lei, qual o papel dela no plano
de salvação dos pecadores? Sabemos que Deus é o juiz, mas um juiz apenas
dá a sentença do réu, que é baseada nas acusações que contra ele pesam e
na defesa que lhe presta o seu advogado. Sabemos ainda que o Senhor
Jesus é o advogado de todo aquele que nele crê e que, obviamente, o tem
como seu advogado (I Jo 2:1), e que esses nem entram em juízo (Cristo é o
nosso advogado hoje, pois os seus não entrarão em julgamento - Jo 5:24); no
próprio Cristo de Deus já fomos julgados, condenados, sentenciados à morte
e tivemos a nossa pena executada. Quem será, então, o acusador?
Sempre que o Senhor Jesus falava da sua própria obrigação de, como
Messias, guardar infalivelmente toda a Lei, ele referia-se a ela como
“vontade do meu Pai” ou como “mandamentos do meu Pai” (Jo 15:10). Mas
sempre que ele falava da sujeição dos homens à Lei, na tentativa de
justificarem-se diante de Deus pela obediência a ela, ele a separava da
pessoa de Deus (“vossa Lei” - Jo 8:17) e a ligava à figura de Moisés (Jo
7:19), e fazia isso porque Deus não tem nada a ver com justificação dos
homens pela Lei.
Foi fazendo justamente essa separação que o Senhor Jesus respondeu
de forma bastante clara à pergunta sobre quem será o acusador do homem:
“Não penseis que vos acusarei perante o Pai. Quem vos acusa é Moisés (a
Lei), em quem tendes firmado a vossa confiança” (Jo 5:45). Quem não crê
que a Lei aponta para Cristo, e busca justiça própria mediante a obediência
às suas ordenanças (da Lei), está dormindo com seu próprio algoz. A vontade
do Pai para o Filho (entre outras coisas) era que ele cumprisse cabalmente a
Lei. A vontade do Pai para os homens é que todos, morrendo para a Lei,
creiam na justificação através do Filho e, assim, tenham a vida eterna (Jo
6:40).
É função da Lei, portanto, acusar os pecados dos homens – e só! Ela não
ama, não tem misericórdia, não dá chance de arrependimento, não perdoa,
não aperfeiçoa nem salva ninguém. Há um só que faz tudo isso: DEUS; e
Deus não é a Lei, e a Lei não é Deus. Ela acusa - e só acusa - os pecados do
mundo inteiro, mas a interferência amorosa de Deus foi para assumi-los
todos (I Jo 2:2), e a sua vontade é “que todos os homens sejam salvos e
cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (I Tm 2:4). Para isso ele
“estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens
as suas transgressões” (II Co 5:19).
10
A Lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom (Rm 7:12). Mas, como
meio de justificação diante de Deus, ela é, para o pecador (por não lhe
permitir um tropeço sequer – Tg 2:10), ministério de morte e condenação
(II Co 3:7-9), inútil para o seu aperfeiçoamento (Hb 7:18-19), de modo que o
mandamento que fora para vida, tornou-se (por causa do pecado) para
morte, porque a Lei é espiritual, mas o pecador é carnal, vendido à
escravidão do pecado (Rm 7:10-14).
A Lei vigorou até Cristo (obviamente para quem nele está), pois ele
aboliu na sua própria carne a Lei dos mandamentos em forma de ordenanças,
para, de judeus e gentios, criar um novo homem (Ef 2:15). Por causa do
pecado, os santos mandamentos da Lei são caminhos de morte, e está
12
debaixo de maldição todo aquele que, sendo das obras da Lei, não as cumpre
sem um tropeço sequer (Gl 3:10). Mas, em Cristo, tudo se fez novo (II Co
5:17), e quem está nele tem agora novos mandamentos. Não mais
mandamentos da Lei, em forma de ordenanças - que, por causa do pecado,
levam a condenação e morte eterna - mas mandamentos do Senhor (I Co
14:37), que são parâmetros de Deus para a vida de todo renascido na Graça
e no Espírito de Cristo, pois a questão da nossa condenação já foi resolvida
quando ele mesmo assumiu os nossos pecados e sofreu a sentença que seria
nossa.
Nos ensinos de Jesus e dos apóstolos estão os mandamentos para todo
renascido em Cristo, os quais têm os mesmos princípios espirituais dos
mandamentos da Lei (que é santa), mas não são penosos (I Jo 5:3), pois, não
tendo punições estabelecidas para infrações (como na Lei), são
absolutamente despidos de qualquer possibilidade ou intenção de julgamento
para condenação; são para vida e nos ensinam a viver e a andar no Espírito
(Gl 5:25), como um discípulo de Cristo deve andar, discernindo a vontade
divina e corajosamente tomando decisões em cada situação na vida real, e
não no mundo fantasioso e hipócrita da religiosidade legalista. Por isso os
mandamentos do Senhor serão de muito maior glória, pois são ministério do
Espírito e da Justiça (II Co 3:7-9), e têm no amor a sua causa e efeito,
porque amar a Deus de todo o coração e ao próximo como a si mesmo excede
a todos os holocaustos e sacrifícios (Mc 12:33), e quem ama não pratica o
mal contra o próximo, de sorte que o cumprimento da lei é o amor (Rm
13:10).
Cristo anunciou um novo mandamento - base de muitos outros ensinados
por ele mesmo e, posteriormente, pelos apóstolos - que é também o
referencial identificador de seus discípulos (“Novo mandamento vos dou:
que vos ameis uns aos outros. Assim como eu vos amei, que também vos
ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos os que sois meus discípulos,
se tiverdes amor uns aos outros” - Jo 13:34-35). Convém lembrar que tais
palavras de Jesus não são um conselho ou uma advertência, mas um
mandamento para os seus discípulos. Quem anda nele “é aperfeiçoado no
amor e deve andar como ele andou” (I Jo 2:5-6). Diferente da expectativa
religiosa mais comum, a maior característica do discípulo de Cristo –
determinada por ele mesmo – não é o “pecado zero”, mas, sim, o amor ao
próximo.
Sempre que leio aqueles que o Senhor Jesus chamou de principais
mandamentos, eu me pergunto: “O que é e para que serve uma fé,
supostamente em Cristo, mas que não gera humildade nem leva o indivíduo a
13
permanência [dos judeus] e a sujeição [dos gentios] ao jugo da Lei, para que
possamos ser guiados pelo Espírito – Gl 5:8).
Paulo contemporizou em algumas situações com relação aos judeus (que,
como cidadãos, mesmo convertidos, tinham que observar os aspectos civis
da Lei Mosaica - At 23:1-5), como foi o caso da circuncisão do judeu
Timóteo pelo próprio Paulo (At 16:1-3), que jamais circuncidaria o gentio
Tito (Gl 2:3), pois quanto aos gentios convertidos, Paulo sempre exigiu a
separação total da Lei, proibiu a nossa sujeição a ela (Gl 5:2-4), e o seu
ministério caracterizou-se pela luta contra a influência mosaica e todas as
suas formas de legalismo na igreja gentílica (no início houve uma nítida
separação entre igreja judaica e gentílica – At 15:1-28; Gl 2:7) e a sua
conseqüência direta, o farisaísmo; de modo que, quem está justificado em
Cristo não pode sujeitar-se à Lei nem sentir-se nem declarar-se justificado
pela obediência a ela (Gl 5:4).
A vontade de Deus para judeus e gentios convertidos é que todos
abandonem o jugo da Lei (justiça própria). Mas para judeus convertidos,
mesmo não sendo mais julgados pela Lei (Tg 2:12), o referencial de conduta
continuou sendo o estatuto Mosaico, que era a sua lei civil. Em epístolas
dirigidas aos judeus, tal fato fica bastante claro (At 23:1-5; Tg 2:8-11, 4:11;
Epístola aos Hebreus).
Mas, em suas epístolas, o apóstolo dos gentios (e nós somos gentios
convertidos) deu instruções claras e detalhadas sobre o padrão de
comportamento a ser buscado pelos renascidos na Graça de Cristo, bem
como listou valores espirituais que deveriam guiar todos os discípulos,
tratou de condutas seriamente reprováveis para uma nova criatura em
Cristo, e fez tudo isso sem recorrer à Lei Mosaica. Antes, apontou-a como a
força do pecado (I Co 15:56), instrumento de domínio do pecado (Rm 6:14) e
mandou-nos manter distância de quem busca e quer impor aos outros a
justificação pela obediência à Lei (Tt 1:10-11). Era na doutrina dos apóstolos
que a igreja perseverava (At 2:42), e não na observância da Lei.
A absoluta rejeição de Paulo à Lei Mosaica como referencial de conduta
para os gentios era escândalo para os fariseus e não foi facilmente
compreendida nem pelos demais apóstolos (II Pe 3:14-16).
Voltando à questão do voto, nada impede que um renascido no Espírito
tome uma decisão radical e comprometa-se diante do Senhor (com a devida
seriedade) para redirecionar os rumos de uma determinada situação ou para
corrigir uma postura constante e inadequada para uma nova criatura em
Cristo (Rm 7:19). Entretanto, sua decisão deve ser um “sim” (ou um “não”, se
for o caso) diante de Deus, sem recorrer a barganhas (se me deres isso,
faço aquilo) nem fazer acordos (punições ou “prêmios”) nem tampouco
16
gostaríamos de ser tratados (Lc 6:31) e que nos ajudemos mutuamente (Gl
6:2), amando-nos uns aos outros como ele nos amou (Jo 15:12).
Os mandamentos da Lei, Cristo já os guardou por nós. Ele agora quer
que guardemos os seus mandamentos (Jo 15:10), que são referenciais de
amor, de modo que um renascido no Espírito pode e deve ser repreendido e
exortado (com toda longanimidade - II Tm 4:2), não por desobediência à Lei
(para a qual ele está morto), mas por falta de amor.
A igreja precisa entender que não existe nos mandamentos do Senhor
a linearidade e a generalização (coletivização) característica da Lei, pois
eles não são um estatuto de condenação. O Espírito conhece as fraquezas e
os limites de cada um de nós e nos trata individualmente. Diferente do que
acontecia quando estávamos debaixo de lei, agora que estamos em Cristo,
podemos e devemos ser nós mesmos, para que assim possamos ser
aperfeiçoados, pois o processo precisa começar do zero. Então, em vez de
tentarmos policiar, monitorar, julgar e sentenciar a vida dos irmãos - como
se a igreja de Cristo fosse uma fábrica de biscoitos absolutamente iguais -
devemos ouvir o que o Espírito tem a nos dizer sobre a nossa própria vida.
As diferenças na igreja com relação à liberdade cristã são claramente
mencionadas pelos apóstolos e, desde que não procedam de puro legalismo, o
mandamento do Senhor é que sejam aceitas e que se busque conviver com
elas em paz (Rm 14:1-3) e sem forçar a barra (I Co 3:2). Tentar ressuscitar
a Lei como parâmetro da nossa liberdade a fim de se conseguir uma falsa
homogeneidade na igreja é uma atitude absolutamente inadmissível na
caminhada com Cristo (Rm 14:4).
20
V - ROMPIMENTO NECESSÁRIO
que só pode ser discernida e vivida sem a justiça própria que provém da Lei,
exclusivamente pela ação do Espírito Santo de Deus em nossas vidas, que
nos revela e também nos ensina como andar no Espírito. E Paulo deixou bem
claro que isso ocorre à medida que formos rompendo os laços com a Lei, e de
uma forma tão definitiva quanto a morte.
Assim como nós morremos em Cristo, a Lei também se foi no Calvário.
Para os que estamos em Cristo, a Lei está definitivamente morta e
enterrada, mas nós nascemos de novo, agora no Espírito (Jo 3:3-8). A idéia
é, portanto, que tudo tem que ser zerado, esquecido e reiniciado em um novo
formato (II Co 5:17). Nada do que era velho pode adentrar o que é novo,
pois ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha (Mt 9:16).
A morte da Lei significa a extinção da forma de relacionamento com
Deus que ela representa (mediante a autojustificação do homem). Que,
aliás, nunca foi uma forma de relacionamento, mas, sim, de não-
relacionamento com Deus. Quem está debaixo da Lei - ou seja, buscando
justiça própria diante de Deus por boas obras, através do esquema de
obediência a mandamentos e ordenanças – não mantém relacionamento com
Deus. Ela, a Lei, simplesmente diz: “Cumpra-me e viva ou desobedeça-me e
morra!”. Entenda-se com a Lei quem sob a Lei está (Rm 3:19). Deus está fora
desse relacionamento. O desafiante está por sua própria conta e risco, pois
quem está debaixo da Lei está debaixo de maldição (Gl 3:10). Não se pode
ser justificado por Cristo e pela Lei ao mesmo tempo (Gl 5:4).
A Lei morreu para nós, e nós para ela. E isso significa que precisamos
desistir de qualquer forma de barganha com Deus e rejeitar todo e qualquer
espírito de altivez que tente incutir em nosso coração a idéia de
justificação por mérito próprio, bem como tudo que possa contribuir para
esse fim: a postura julgadora e sentenciadora do próximo (sempre
disfarçada de “boas intenções”), bem como os rituais pessoais e os
procedimentos litúrgicos que tenham sua origem na Lei, pois não se põe
vinho novo em odres velhos, eles não o suportam (Mt 9:17). Devemos ainda
abandonar as atitudes arrogantes, típicas de quem se sente mais “santo” do
que os demais e justificado pela obediência a ordenanças. Tudo que estiver
adequado ao regime (esquema) da Lei em nossas vidas deve ser abolido.
Precisamos exercitar nossas mentes a nem mais pensar conforme a
estrutura e a natureza da justificação pela Lei, pois ela é referencial de
condenação, e nós não somos comprometidos com a condenação de ninguém.
Somos, sim, comprometidos com o perdão e salvação de toda a humanidade
e, para isso, temos um novo referencial – o amor de Deus.
A sentença da justiça da Lei é condenação e morte eterna. O “povo do
perdão” não pode se amoldar a tal instrumento, pois para ele já morremos
22
não existe medo. Antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo
produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor (I Jo
4:18), pois foi por amor que Deus abandonou toda a sua glória (Fp 2:7) e,
como homem, ofereceu a sua própria vida (absolutamente santa) para sofrer
a condenação da Lei que pesava sobre nós, livrando-nos da morte eterna e,
ao ressuscitar, fazer-nos co-participantes de sua natureza divina (II Pe
1:3-4). É com muita gratidão a Deus por tão grande amor e com total
confiança (fé), que devemos buscar e submeter-nos à transformação que
gradativamente nos levará não somente a viver no Espírito, mas também a
andar nele.
Mas esse processo de restauração do pecador - viabilizado na cruz do
Calvário – não é muito bem compreendido nem aceito por muitos que se
dizem convertidos, mas que, ainda embriagados com o vinho velho – a Lei
(ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo, porque diz: o velho é
excelente! - Lc 5:39) - vêem aqui o que é para eles uma inaceitável
relativização do pecado. Para os tais, a Graça é um tanto confusa, frouxa e
carente da exatidão e do absolutismo da Lei. Ora, ora... Nada há de mais
legalista do que tal postura, pois é a Lei que olha para o homem e apenas diz
se ele está sadio ou doente. Nela, todo e qualquer pecado é para condenação
eterna. Não há nenhum envolvimento nem possibilidade de restauração nem
aperfeiçoamento, mas apenas análise, diagnóstico, condenação e morte
eterna (Rm 6:23).
Os pecados de quem está debaixo da Graça de Cristo (renascidos no
Espírito – Jo 3:1-8) não são mais motivos para condenação (Rm 8:1), pois não
são mais transgressões da Lei. Eles são agora uma questão de desobediência
ao padrão (amor) no qual Deus quer que andemos. E esse processo de
adaptação a esse novo padrão - o ser nova criatura - não pode acontecer sob
o absolutismo condenatório da Lei, por isso ela está morta para os que estão
em Cristo Jesus.
Chamar de incentivo ao pecado o processo divino de restauração do
pecador requer realmente muita coragem, pois quem apregoa o rigor da Lei
(infalibilidade) para os outros puxa para si esse mesmo rigor (Mt 7:2),
trazendo sobre a própria alma angústias, culpas e sofrimentos que seriam
absolutamente desnecessários.
Além disso, o medo da condenação apenas leva o pecador a esconder e
não tratar do seu pecado, e a não ser transparente e verdadeiro diante dos
homens, pois o ser humano simplesmente não suporta nem aceita a verdade
acerca de si mesmo (imagine com medo da condenação!). Aquele que disse:
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14:6) também disse: “Vim causar
divisão entre o homem e seu pai, entre a filha e sua mãe, e entre a nora e
26
sua sogra” (Mt 10:34-36). Portanto, a verdade pode causar divisão, sim;
mesmo entre as pessoas mais próximas (entre as não tão próximas, então...).
Muitas vezes, a divisão é o primeiro efeito da verdade, a sua primeira
conseqüência. Mas, ainda assim, a verdade é amor, pois aquele que se
quebranta e a aceita encontrará o descanso e a paz que ela proporciona aos
que nela vivem.
Contudo, não é verdadeiro diante de Deus quem não é primeiramente
diante dos homens. Deus quer tratar dos seus pecados reais, com você
mesmo, com você de verdade, e não com um cristão virtual (um impostor)
que você tenha criado para exibir justiça própria no convívio da igreja. Deus
quer muito de você, mas ele não quer que você se apresente como alguém
que você, na verdade, não é. A cura da sua alma começa aqui...
Deus prefere verdades horríveis a lindas mentiras, pois o campo de
ação dele em nossas vidas é sempre a verdade. Sinceridade, ainda que
chocante, é algo que deve ser sempre encorajado e bem recebido, já que
Deus sempre esteve interessado justamente em quem se reconhece doente
(Mt 9:12), e não em quem finge ter saúde. Ele sempre quis sarar as feridas
de quem se reconhece enfermo.
As transgressões do homem impediam a comunhão com o seu santo e
perfeito Criador (até entre Deus e o seu próprio Filho - igualmente santo e
perfeito - houve separação no momento em que este recebeu sobre si todas
as transgressões da humanidade - Mc 15:34). Por isso, movido por seu
infinito amor, ele mesmo assumiu as transgressões humanas (II Co 5:19), a
conseqüente condenação e ainda sofreu a execução da pena que seria nossa.
A Lei e a justiça meritória – que mantêm o homem sob condenação - são um
caso encerrado para todos aqueles que recorrem à Justiça do Calvário e
nela depositam a sua confiança, nos quais o Pai e o Filho fazem morada (Jo
14:23). Em Cristo, o amor de Deus reconquistou o que, por causa das
transgressões, estava dividido e separado por um abismo intransponível para
o homem. Tal fato aconteceu historicamente há dois milênios, mas, por
desígnio divino, a Graça nos foi dada, em Cristo, antes dos tempos eternos
(II Tm 1:9), antes que o homem fosse criado e ainda muito antes que
houvesse lei.
Deus já criou o homem com o acesso aberto para restaurá-lo. Não cabe,
portanto, atribuir a ele uma inflexibilidade que é tão-somente da Lei (e a Lei
não é Deus), e ainda debochar do processo divino de resgate do pecador,
acusando o próprio Deus de, mediante a Graça, incentivar o pecado (é a Lei
que desperta toda sorte de concupiscência – Rm 7:8). Tal postura passa ao
mundo uma imagem divina que, de forma alguma, corresponde à realidade,
pois apresenta características que são da Lei, e não de Deus. E o mais
27
A fé, obviamente, não anula a Lei (Rm 3:31). Ela continua viva e à
disposição de quem quiser estar submisso a ela e nela buscar justificação
(Gl 4:21). Mas, seguramente, a fé liberta da Lei e de seu jugo todos os que
recorrem à justificação no escândalo da cruz (Rm 6:14; 7:6 Gl 5:1). Estes
morreram para a Lei do pecado e da morte (Rm 8:2) e o ministério da morte
e da condenação não tem exerce mais nenhum domínio sobre eles.
Não se pode ter como referencial de vida o próprio ministério da morte
(II Co 3:7). Em Cristo tudo é vida; ele é o nosso referencial (Cl 3:11) e o seu
mandamento é este: “que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei” (Jo
15:12), pois “o amor não pratica o mal contra o próximo” (Rm 13:10).
Então, quanto aos nossos pecados, devemos reconhecê-los e rejeitá-los
sempre (porque não procedemos do diabo), mas jamais preocupar-nos com
eles sob a perspectiva da condenação eterna. Na verdade, estaremos
ofendendo ao Senhor com tal preocupação, pois estaríamos desprezando e
anulando o seu sacrifício no Calvário (Gl 2:21), onde ele afastou
definitivamente a possibilidade de condenação de todo aquele que nele crê
(Rm 8:1). Pecamos, portanto, se consideramos a possibilidade de sofrermos
a condenação eterna por causa dos nossos pecados.
Confiar na misericórdia divina, no seu amor incondicional, na sua
irreversível aceitação de todo aquele que nele crê e confia, é o que faz um
homem segundo o coração de Deus.
Ficarmos tranqüilos quanto à impossibilidade da nossa condenação - em
qualquer situação, mesmo quando andamos fora dos caminhos de Deus e
sujeitos, portanto, à sua disciplina (lembremos de Davi, o “homem segundo o
coração de Deus” – I Cr 21:13; At 13:22) - é perfume agradável ao nosso
Deus, pois isso é precisamente a essência do que a Bíblia chama de fé em
Jesus Cristo, e só podemos prová-la nos piores momentos de angústia,
dúvidas e incertezas, quando, sem ela, daríamos lugar ao desespero. Todos
os demais aspectos da fé provêm dessa confiança inabalável na suficiência
da obra de Cristo para a nossa salvação e, sem fé, não se pode agradá-lo (Hb
11:6).
Tudo acabou no Calvário, mas só nós ressuscitamos com Cristo, e agora
como novas criaturas, para as quais tudo se fez novo (II Co 5:17). Estamos
livres do estatuto das transgressões e da morte (Rm 8:2) e vivemos agora
uma nova vida, sem possibilidade de condenação, mas em constante processo
de aperfeiçoamento no Espírito, que pode, este sim, nos dar (e efetivamente
nos dá) a vitória contra o pecado.
Na cruz do Calvário, Cristo já sofreu a “punição” pelos nossos pecados.
Agora somos filhos amados, precisamos de “correção”, e o Pai corrige a
31
quem ama (Hb 12:5-8). E como qualquer pai zeloso, à medida que vamos
crescendo em discernimento espiritual, Deus espera que nos corrijamos a
nós mesmos, para que ele não precise interferir (I Co 11:31-32). Quem não
prevê nem admite nenhuma queda pelo caminho é a Lei. Ela exige perfeição
linear e absoluta, para todos, sem um tropeço sequer (Tg 2:10).
Deus não é a Lei, e ele sabe que ainda cairemos, mas, de modo algum,
nos abandonará nem permitirá que pereçamos (Jo 10:28), por isso ele
assumiu a nossa condenação (ora, se fosse possível não cairmos, viveríamos
pela Lei, sem precisarmos da Graça de Cristo!). Deus se coloca ao nosso lado
para nos erguer e quer que aprendamos a caminhar com equilíbrio.
Obviamente, devemos evitar as quedas, mas, uma vez caídos, o
levantar-se para caminhar corretamente glorifica a Deus e a Jesus, o seu
Filho. Ele é longânime e misericordioso, por isso muitas vezes nos parecerá
que ele não está vendo o nosso pecado. Mas ele está apenas dando um tempo
para que tomemos, nós mesmos, a atitude correta – o arrependimento -
como adultos no Espírito. Mas, saiba, se não nos arrependermos do pecado,
mais cedo ou mais tarde, ele interferirá, e fará isso, não segundo a frieza e
a generalização (coletivização) da Lei, mas individualmente, na medida certa
da nossa necessidade, pois ele sonda os nossos corações e sabe a dose exata
do “remédio” de que precisamos, havendo, certamente, disciplina dura para
os duros de coração e tardios em arrepender-se.
Deus não está, de forma alguma, obrigado a exercer a sua disciplina de
modo a satisfazer a mentes autojustificadas e corações carnais que nada
tenham a ver com o problema. O disciplinado seguramente sentirá a
correção de Deus, mas, para decepção dos sedentos de lei e de juízo (sobre
o próximo...), ele faz isso por amor, para restauração e não para condenação.
Quem se julga a si mesmo e se arrepende do erro sem demora não
precisa de disciplina (I Co 11:31-32). Entretanto, em todo aprendizado há o
risco de falhas e, além disso, o caminho que não admite a possibilidade de
falhas por parte do pecador é o caminho da Lei...
Não devemos temer a condenação eterna por causa dos nossos
pecados, mas devemos rejeitá-los sempre, com firmeza, pois somos novas
criaturas, que não estão sem lei para com Deus, mas debaixo da Lei de
Cristo (I Co 9:21). Ora, se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito
(Gl 5:25), apartando-nos da injustiça (II Tm 2:19), fazendo tudo com amor
(I Co 16:14), sofrendo o dano (I Co 6:7) e levando as cargas uns dos outros
(Gl 6:2). Se pecarmos, temos um advogado competentíssimo junto ao Pai (I
Jo 2:1), mas sempre corrijamo-nos a nós mesmos (resolvendo também a
questão com as possíveis vítimas do nosso pecado), conscientes de que, se
morremos para a Lei e não estamos mais sujeitos à condenação, temos um
32
(Rm 7:6) - para as quais as coisas velhas já passaram e se fizeram novas (II
Co 5:17).
Mas o que seria, exatamente, livrar-se do jugo da Lei, ou morrer para
ela (Gl 2:18-19; Rm 7:4)?
Todo o universo funciona mediante regras. Leis naturais de causa e
efeito regem tudo que existe. Há uma conseqüência equivalente e justa para
cada ato, e é este o princípio natural (e correto – Gl 6:7) de justiça, que
está gravado no coração do homem natural, ou carnal. Quem anda conforme
as regras usufrui as boas conseqüências equivalentes; quem as desobedece,
ou as ignora, também sofre (merecidamente) as más conseqüências.
Essa lógica legalista é inata e profundamente intuitiva ao homem
natural, de modo que, em qualquer situação, a sua primeira percepção e
primeira análise (julgamento) será automaticamente mediante a justiça
meritória. Daí a sua dificuldade em discernir as coisas espirituais, pois elas
não se encaixam nessa lógica (I Co 2:14). Justiça, injustiça, santidade,
impiedade, sucesso, fracasso, sensatez, insensatez, coerência, incoerência,
miséria, prosperidade... Tudo isso é racionalizado e compreendido pelo
homem natural, segundo a lógica individualista, meritória e justa do
legalismo que lhe é natural.
Em nenhum momento a Bíblia afirma que a justiça meritória – que
provém de obediência à lei - não é justa. Mas, diante da impossibilidade
humana de apresentar justiça própria perfeita mediante obediência infalível
(Tg 2:10), Cristo satisfez toda a Justiça da Lei, a fim de justificar - pela
Graça, mediante a fé (Ef 2:8) - a todos os que crêem na sua obra, para que
agora vivamos pela Justiça do Calvário (Justiça de Deus), que é superior (Hb
8:6) e provém da fé (Fp 3:9).
A lógica meritória e legalista - que alimenta a busca da justificação
pelo bom desempenho diante de leis e regras - obviamente baseia-se no
merecimento e no direito adquirido. Essa “dupla do barulho” está no centro
de problemas conjugais, familiares, de relacionamento no emprego, de
atritos entre vizinhos, de brigas entre crianças e de guerras entre nações,
pois o ser humano já nasce julgando-se merecedor das melhores coisas da
vida: o melhor brinquedo, a mãe mais bonita, a(o) namorada(o) mais
atraente, o melhor emprego, a(o) esposa(o) mais digna(o), os filhos mais
lindos e mais inteligentes, o melhor carro, a melhor casa, a melhor
aposentadoria, o melhor cemitério e, finalmente... o céu.
Muitos sentem, porém, que não basta simplesmente apresentar saldo
positivo (boas obras x más obras) diante de Deus para ter garantida a
merecida obtenção de tudo isso. O direito adquirido precisa ser legitimado
36
em diversos níveis, a sua vida nas mãos do primeiro, que será o seu
honorável líder e guia. Em busca do direito ao céu, ambos cairão no barranco
(Mt 15:14).
Em todo lugar há pessoas com o senso de observação mais aguçado, que
cedo identificam a convicção de merecimento do ser humano e a sua busca
por legitimação do “direito adquirido” e, de variadas formas e em diversas
áreas, manipulam essa realidade para satisfação de suas ambições pessoais.
Nas conquistas amorosas, por exemplo, a manipulação dá-se em um jogo
de interesses de ambas as partes. Aqui, basta sugerir que o alvo da
conquista já tem merecimento (ou direitos) só por seus atributos físicos
naturais. De um modo geral, ressaltar o merecimento tem sido o método
utilizado pelo homem (provavelmente desde Adão) para conquistar uma
mulher. E ela merece o quê? Ora, tudo de bom que ela consiga imaginar.
Inclusive o que nenhum ser humano normal conseguiria realizar para aquela
que é o alvo da conquista.
Mas o conquistador nem precisa trazer à realidade tudo a que a
“princesa”, por mérito natural, teria direito. Basta, sabiamente, manter o
clima de merecimento. E isso pode funcionar por alguns anos, até que a
“merecida” - decorrido um tempo considerável, que varia de conquistada
para conquistada - faça uma avaliação e veja que mimos, aos quais teria
“direito”, ela já recebeu, e qual a possibilidade de receber os que ainda lhe
faltam, no tempo que provavelmente ainda lhe resta. Caso essa avaliação
seja negativa, o conquistador conhecerá e sofrerá as conseqüências de seu
engano, pois saberá o que é viver com uma “merecida insatisfeita, frustrada
e enfurecida” (Pv 21:19; 27:15-16).
Relacionamentos iniciados e mantidos sob tal distorção da realidade
são fadados ao fracasso (se não houver mudança), mesmo que, por vários
motivos, a encenação se prolongue até que a morte os separe. Entre outros
problemas que têm tornado difícil e rara a durabilidade dos casamentos
estão as expectativas irreais e a auto-imagem distorcida que o amor
romântico pode gerar nos indivíduos. Viver com quem amamos
apaixonadamente torna a vida muito mais leve e alegre, e o romantismo pode
e deve ser cultivado. Mas, para que esse sentimento não se torne algo
doentio e destrutivo, ele precisa estar bem ajustado à exata realidade do
ser humano. O amor romântico pode – e deve – voar para que seja belo e
valha a pena, mas com os pés firmes no chão, sem criar expectativas irreais
nem falsas imagens de si mesmo ou do parceiro.
No meio religioso, essa manipulação do direito adquirido acontece
quando algumas dessas pessoas (que identificam mais nitidamente a
tentativa humana de legitimar direitos) enxergam um pouco além dos
38
- “Você merece!”
- “Você tem direito!”
- “Você obedece (às nossas regras) e Deus fica obrigado a lhe
recompensar!”
- “Você contribui e Deus fica obrigado a lhe retribuir!”
- “Deus quer que você tenha sucesso!”
- “Deus quer que o seu povo seja rico!”
- “Deus vai trazer os teus inimigos para debaixo dos teus pés!”
- “Deus vai te dar a terra prometida (aqui na Terra, tal qual aos
judeus), onde mana leite e mel!”
Deve-se ter a mente aberta para uma renovação que substitui a justiça
própria humana (procedente de lei) pela justiça de Deus, ou justiça do
Calvário (procedente de fé), que torna todos os homens iguais diante do
Criador, viabilizando a possibilidade de amarmos ao próximo (quem quer que
seja ele) como a nós mesmos.
A justiça própria gera apenas o religioso arrogante. A Justiça do
Calvário gera uma nova criatura em Cristo - misericórdiosa e que ama ao
próximo.
Mas quem está interessado em amar ao próximo, e não em manipulá-lo
de alguma forma, seja ele quem for? Quem está interessado em uma vitória
sentida e celebrada mesmo no fracasso? Quem está interessado em uma
inexplicável paz que excede todo entendimento (Fp 4:7), pois se pode senti-
la mesmo em meio a grandes e inevitáveis tribulações (Jo 16:33)? Quem
está interessado em abrir mão de direitos? Quem está interessado em
sofrer o dano? Quem está interessado em oferecer a outra face ao que lhe
bate no rosto? Quem está interessado em bendizer os que o maldizem?
Quem está interessado em amar seus inimigos, em fazer o bem aos que o
odeiam e orar pelos que o caluniam? Quem dará também a túnica ao que lhe
toma a capa? Quem verá sensatez e justiça em ser benigno até mesmo com
ingratos e maus?
Esta é a misericórdia do Pai Celeste, mas quem quer ser perfeitamente
misericordioso como ele (Mt 5:38-48; Lc 6:27-36)? Quem está disposto a
abrir mão de seu direto e sofrer a injustiça e o dano (I Co 6:7)? Quem
enxergará que foi isso que Cristo fez por nós? Quem entenderá que há
Justiça de Deus em tal atitude? Quem se alegrará com estas coisas? Quem
verá a glória de Deus em tudo isso? Quem se sujeitará a este escândalo e
desejará esta loucura (I Co 1:18, 23)?
Brennan Manning conclui o seu livro “Convite à Loucura” com as
seguintes palavras:
despertaria a fúria dos que nela se sustentam, por isso avisou que não traria
paz à Terra, mas espada; e que essa espada causaria divisão e inimizades,
mesmo nos relacionamentos mais íntimos do homem (Mt 10:34-36).
Após tantas gerações, a parábola dos trabalhadores na vinha (Mt 20:1-
16) segue verdadeira e atual – até na igreja, infelizmente. Somos todos
trabalhadores que chegaram para o serviço ao meio-dia e dão glórias por
receber salário igual ao dos que chegaram de manhã cedinho, mas acham um
absurdo inaceitável que os trabalhadores que chegaram no fim do
expediente recebam também o mesmo salário.
Festejamos o perdão daquilo que nos deixa em desvantagem, mas não
aceitamos a anulação daquilo que nos faz mais justos do que o próximo. Em
nossa visão egoísta e presunçosa, a misericórdia de Deus tem que parar em
nós, na nossa medida, e não se estender para alcançar pessoas com justiça
inferior à nossa. A minha justiça é o meu parâmetro e a minha alegação para
tentar desqualificar e condenar o meu próximo.
Aceitar a anulação da minha justiça implica reconhecer a plena
igualdade entre mim e quem quer que seja o meu próximo e em qualquer
situação em que ele se encontre. E, sendo assim, inevitavelmente terei que
servi-lo (se realmente sou um discípulo de Cristo), por isso a Graça de
Cristo - quando anunciada sem a justiça meritória da Lei - tira o sono de
qualquer religioso...
O cristianismo identifica o bom cristão (católico ou evangélico) pelo seu
perfil moral. Cristo disse que seus discípulos seriam identificados pelo amor
ao próximo (Jo 13:34-35). Ora, só ama ao próximo (como Cristo exige) quem
não vê nenhuma justiça própria em si mesmo, o que, logicamente, não é o
caso dos moralistas. Essa incompatibilidade entre o moralista e o discípulo
de Cristo é abundantemente mostrada na Bíblia.
O simples fato de tentar mostrar ao homem, principalmente ao
religioso, que sua justiça própria não o torna merecedor do favor divino mais
do que qualquer outro ser humano já revela o quanto haveremos de sofrer
pelo nome de Jesus (At 9:16). Depois do encontro com Cristo, o furioso
Saulo, que tinha total confiança em sua justiça própria, agora iria dedicar o
resto de sua vida a anunciar que a nossa justiça não vale nada diante de
Deus (Is 64:6). Toda e qualquer justiça em nosso favor diante de Deus dá-
se através de Cristo (Ef 2:8-9; I Co 1:26-31; Gl 6:14) e, por isso, mesmo
aquele que crê e é justificado pela Justiça do Calvário não é superior a
ninguém e não tem motivos para gloriar-se em si mesmo (I Co 1:30-31).
Até entre muitos dos que se dizem reformados, renovados, batizados,
congregados, iluminados... enfim, mesmo entre os que se dizem convertidos
44
vestimos, o que comemos, o que bebemos, o que falamos, com quem falamos,
onde andamos, a que denominação pertencemos, o que lemos, o que vemos, o
que ouvimos, como nos divertimos (quando a diversão é permitida)... Para o
legalista, cada um desses itens deve ser praticado de modo a gerar
“direitos” diante de Deus.
Quem crê na justiça plenamente consumada no Calvário anda por fé (II
Co 5:7), mas o legalista anda estritamente pelo que vê.
Ora, o que fica evidente nesse comportamento é a falta de fé na obra
de Cristo no Calvário, por isso ele foi tão duro nas críticas aos fariseus.
Para Deus, não há insulto nem ofensa mais grave do que tentar exibir justiça
própria diante dele (Is 64:6; 65:5). Se o que fazemos ou não fazemos
interfere na nossa salvação, a Graça já não é Graça (Rm 11:6) e Cristo
morreu em vão (Gl 2:21).
A busca por justiça própria – duramente condenada por Jesus e pelos
apóstolos – tem duas características básicas. Ela é sempre “legitimada” pela
Lei/religião e gera desprezo pelo próximo. Por isso, aquele que confia na
justiça do Calvário, e não na sua própria justiça (na sua própria carne – Fp
3:3), “mediante a própria Lei, morreu para a Lei, a fim de viver para Deus, e
está crucificado com Cristo” (Gl 2:19).
Falar em perdão de pecados agrada a platéia; fazer sermões pouco
detalhados sobre a salvação pela Graça mediante a fé (e não pela obediência
à Lei) dá ares de doutor do Evangelho; mas falar em anulação da nossa
justiça própria causa uma dor aguda, algo semelhante ao corte da mais
afiada espada de dois gumes que, em seu caminho para o coração do homem,
vai dividindo alma e espírito, juntas e medulas (Hb 4:12). Ora, o reflexo do
homem natural (ainda vivo dentro de nós) é defender-se de tamanha
violência.
A anulação da justiça própria é a maior e mais necessária confrontação
entre o Evangelho e o homem carnal, de modo que, sem essa confrontação, a
tendência natural é que o perdão dos pecados, apresentado isoladamente,
seja bem aceito e as igrejas-templo lotem.
Para os pequeninos de alma isto soa como uma melodia doce e suave,
mas para pretensos sábios e entendidos é um enigma indecifrável (Lc 10:21).
E é só por causa desta verdade que os loucos podem confundir os sábios; os
fracos podem envergonhar os fortes; e os humildes, os desprezados e os
que nada são no mundo podem reduzir a nada os que julgam ser alguma coisa
em si mesmos, a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus (I Co
1:26-29), pois o poder de Cristo se aperfeiçoa na fraqueza (II Co 12:9).
Ora, falar em amar ao próximo, perdoar ofensas, praticar boas obras,
fazer o bem sem olhar a quem... isto todas as religiões falam; por isso se diz
que toda religião é boa. Mas a queda e a anulação da justiça própria do
homem são exclusivas do Evangelho de Cristo. É isso que o diferencia das
religiões; inclusive, em muitos casos, da própria religião cristã. Sem a
anulação da justiça própria do homem, a Graça já não é Graça (Rm 11:6).
Para quem está sob a Lei, um único erro lhe terá sido fatal (Tg 2:10).
Para quem está na Graça de Cristo, nem um único “acerto” lhe é necessário
para a justificação, mas apenas a fé naquele que justifica o ímpio (Rm 4:4-
5).
O cristianismo judaizado (que mistura Graça e Lei) anuncia o perdão
dos pecados em Cristo, mas não ensina a rejeição da justiça própria, pois é
nela, na justiça própria do religioso, que estão muito bem instalados os seus
instrumentos de controle sobre os fiéis (Gl 6:12-13). Contudo, onde não há
anulação da nossa justiça não há igualdade dos homens diante de Deus (Rm
11:32), não há amor ao próximo e, conseqüentemente, não há Evangelho de
Jesus Cristo.
Para os que nele crêem, Cristo aboliu aquela que é o parâmetro de
justiça própria que divide os homens (a Lei - Ef 2:14-15), de modo que, além
de perdoar os nossos pecados, ele anulou a nossa justiça, deixando patente
que somos todos iguais perante Deus e que não temos absolutamente nada
para barganhar com ele.
Portanto, quem é de Deus e quer andar segundo a vontade do Senhor
deve tratar o próximo como gostaria de ser tratado (porque esta é a Lei e
os profetas - Mt 7:12); e isto não é uma sugestão divina, mas um
mandamento de Cristo para a sua igreja. O diferencial (contra-intuitivo para
o homem natural) não é a nossa justiça; é crer ou não crer na Justiça de
Cristo em nosso favor (Jo 17:19).
O pecador que se confessa justificado por Cristo, e não por sua justiça
própria, deixa o juízo vertical (que é mediante a justiça do Calvário) sempre
a cargo de Deus, e ainda, no que depender dele, também sempre permite que
47
o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:7-8), e não pela Lei, que
apenas realça o pecado (Rm 7:5) e avulta a ofensa (Rm 5:20). E, se somos
guiados pelo Espírito, não estamos debaixo da lei (Gl 5:18), mas somos
transformados pela renovação da nossa mente (libertando-a da lógica
meritória legalista), compreendemos (Ef 5:17) e experimentamos a boa,
perfeita e agradável vontade de Deus (Rm 12:2), escrita pelo Espírito, não
em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, isto é, nos nossos corações
(II Co 3:3). É o amor de Cristo que nos constrange (II Co 5:14), e não a Lei.
O Espírito do Senhor, que habita em nós, renova a nossa mente e capacita-
nos a discernir como convém que caminhemos (I Co 6:12).
misturam), o que ainda lhes resta a fazer? De repente ouvem dizer que
devem abrir mão de tudo isso – que foi conquistado com tanto sacrifício... -
considerando como perda o seu ganho mais precioso (Fp 3:7-9), anulando
méritos pessoais e igualando-se a todos diante de Deus? Tem alguém maluco
nessa história. Provavelmente é o apóstolo Paulo...
Ora, tais adesões ao padrão moral religioso mais adequado às
necessidades pessoais de autojustificação dos “convertidos” podem
camuflar aqueles que o apóstolo Paulo chamou de falsos irmãos (Gl 2:4-5)
que incitam à rebeldia (Gl 3:12) e precisam ser confrontados e ainda
render-se ao Evangelho, pois rejeitam a liberdade que há em Cristo
(ausência de parâmetro legalista) e tentam reduzir-nos à escravidão da Lei.
Não somos uma patrulha moralista que deve sair apontando os pecados
do mundo e julgando os homens. Foi-nos confiada a palavra da reconciliação,
para que anunciemos que “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o
mundo, não imputando aos homens as suas transgressões” (II Co 5:19), pois
é a tolerância, a longanimidade e a bondade de Deus que conduzem o homem
ao arrependimento (Rm 2:4).
Em vez de agir como aferidora da moral, a igreja de nossos dias deve
abraçar a causa da justiça que provém da fé (a Justiça de Deus), ou seja,
aquela que torna todos os homens iguais perante o seu Criador. Se é nessa
justiça que cremos, e por ela e para ela vivemos, então a bandeira da igreja
(dentro de sua missão evangelizadora) deve ser a luta contínua em favor dos
injustiçados (Mt 5:6; I Pe 2:24; I Jo 3:10), amparando aqueles que se
encontram em alarmante estado de desigualdade (pobres, desamparados,
desabrigados, enfermos, desprezados, famintos... – Tt 3:14), para que o
Reino e a vontade de Deus sejam assim na Terra como no céu (Mt 6:10). E
hoje há muito mais instrumentos para fazermos isso do que nos tempos
politicamente nada democráticos da igreja primitiva.
Em tempos democráticos como os que vivemos hoje, a
representatividade comunitária é o maior poder de influência nos rumos da
nação através dos mecanismos políticos. A igreja é sustentada por Deus,
através dos fiéis (II Co 9:7), e não deve recorrer a esses mecanismos
(legítimos, mas geralmente exercidos de modo conflitante com os princípios
bíblicos) a fim de barganhar benefícios para si mesma, como instituição
(para que não se faça refém de manipuladores – Mt 4:9), mas não pode ficar
indiferente e deixar de utilizar o seu potencial representativo para
legitimamente pressionar os legisladores e governantes da nação em
questões diretamente relacionadas aos princípios da Justiça do Calvário, ou
seja, da igualdade dos homens diante de Deus. Se não é possível acabar
totalmente com as desigualdades (e não é mesmo – Mt 26:11), podemos
53
Ora, como poderia a Graça ser atraente para legalistas (os quais
buscam direitos diante de Deus)? Como poderia uma idéia, tão absurda para
a mente humana autojustificada, ser bem recebida e propagada por
instituições religiosas cujos líderes empenham-se exclusivamente em
incentivar a busca pelo direito ao céu?
A primeira providência dos tais líderes é determinar (ou dar a
entender) que só a vida de Jesus não é um modelo completo para o cristão.
A vida de Cristo, sua misericórdia desenfreada e descabida para com os
pecadores confessos e sua clara rejeição aos religiosos legalistas são,
segundo tais líderes, apenas parte de um perfil mais completo. Ainda
segundo eles, é necessário que se olhe também para a “verdade” que há no
Velho Testamento (a Lei). Ora, segundo essa tal verdade (Pv 17:15), os
acusadores de Jesus estavam certos, e ele, errado (Rm 4:4-5).
Por não admitir o escândalo do Evangelho, o cristianismo judaizado não
aceita a plenitude de Deus em Cristo nem o fato de que não existe Jesus - a
encarnação da Graça de Deus - e uma outra verdade complementar (a Lei)
para dar o equilíbrio necessário. Por isso é que ouvimos distorções como
“Deus é amor, mas também é justiça”, que, traduzido, significa: “Deus é
Graça, mas também é Lei” (Ora, Deus é amor, e a sua justiça é a do
Calvário).
Um Deus que é amor (I Jo 4:8) e cuja justiça é a do Calvário (que
justifica o ímpio que crê - Rm 4:4-5) não se encaixa nos propósitos e
60
porque eu estou declarando, com a minha boca, que quem faz isso merece um
duro castigo”.
A postura julgadora é sempre muito perigosa para quem a adota. O
Senhor Jesus disse: “Não julgueis para que não sejais julgados, pois com a
medida com que tiveres medido vos medirão também a vós” (Mt 7:1-2), e
ainda: “Porque se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso
Pai celeste vos perdoará. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas
ofensas, tampouco o vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas” (Mt 6:14-15),
de modo que, “o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de
misericórdia” (Tg 2:13).
É evidente que nem Cristo nem Tiago estão falando de salvação (que é
pela Graça, mediante a fé – Ef 2:8), mas do relacionamento com o próximo,
na vida diária. Quem quiser receber misericórdia de Deus no seu dia-a-dia,
deve ser misericordioso com o próximo.
Necessário se faz esclarecer que, ao dizer que não devemos julgar,
Cristo refere-se a não sentenciarmos ninguém à condenação eterna. Como
pode alguém que é salvo pela Graça, sem que lhe sejam imputadas as suas
transgressões (II Co 5:19), julgar e condenar quem quer que seja?
Mas isso não significa que devemos ser pessoas sem opinião acerca do
pecado, com medo de estar “julgando”. O princípio bíblico para nós é julgar
tudo e reter o que é bom (I Ts 5:21). Mas esse “julgar” tem a ver com
analisarmos situações e examinarmos a nós mesmos (II Co 13:5-6), sem
fazer disso um padrão de julgamento condenatório sobre indivíduos ao nosso
redor. Acerca de tal atitude, o apóstolo Paulo foi bem claro: “Portanto, és
indesculpável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque, no que
julgas a outro, a ti mesmo te condenas, pois praticas as próprias coisas que
condenas” (Rm 2:1), e ainda: “Quem és tu que julgas o servo alheio? Para o
seu próprio Senhor está de pé ou cai. Mas estará em pé, porque o Senhor é
poderoso para o suster” (Rm 14:4).
No episódio da mulher adúltera (Jo 8:3-11), Cristo não foi conivente
com o pecado em questão nem tinha prioritariamente a intenção de livrar a
mulher da legítima punição prevista (para os judeus) na lei judaica. Se ela
estivesse, naquele instante, sendo penalizada pelas autoridades
competentes, Cristo não teria interferido em seu destino, embora ainda a
tivesse perdoado (assim como não interferiu no cumprimento da sentença do
ladrão, seu companheiro de crucificação, quando este suplicou-lhe
misericórdia em seus últimos instantes). A idéia de Jesus foi desautorizar -
mediante a contundente revelação da hipocrisia – aqueles que, sendo
igualmente pecadores, não deviam sentir-se superiores e, sem nenhum
direito nem moral para tanto, julgar e condenar a pecadora. E ainda, de
64
parte dos herdeiros de Lutero. O que acabou prevalecendo foi apenas uma
mudança de lado e a troca dos nomes de alguns “suportes técnicos e
administrativos”, para serem utilizados em estruturas menores.
O Evangelho precisa ser lido de dentro para fora, e não de fora para
dentro, segundo as conveniências institucionais da igreja, pois é o
cristianismo-religião que precisa se amoldar à Graça de Cristo, e não o
contrário. Mas o institucionalismo e o corporativismo (mesmo contra a
vontade de Lutero, que também os combateu o quanto pôde) passaram
imunes pela Reforma e, até hoje, os seus defensores seguem
arrogantemente fazendo-se de desentendidos para qualquer advertência,
em ambos os lados.
A Reforma Protestante enfrentou o “sinédrio” católico, e quando tal
confronto ocorre, o rebelde não leva em consideração os interesses do
sinédrio, pois está lutando contra eles. Mas a institucionalização
protestante (com suas muitas ramificações) rapidamente criou, não um, mas
vários sinédrios, cujos interesses tornaram-se igualmente sagrados e
inquestionáveis. Fica a lição para a Igreja: quem é rebelde hoje pode ser
sinédrio amanhã...
Ora, a Igreja não é o lugar onde nos reunimos. Não há, na Bíblia,
expressões (tão corriqueiras entre nós) como “ir à igreja hoje ou amanhã”,
“entrar na igreja” ou “sair da igreja”. A igreja reúne-se para comunhão e
edificação mútua (sejam dois ou três ou uma multidão) em casas, praças,
hotéis, shopping centers ou, mais comumente, no lugar mais adequado,
legalmente institucionalizado como igreja, onde há mais possibilidades de,
organizadamente, (entre muitas outras coisas) se disponibilizar para os
discípulos as várias formas de alimento sólido para seu crescimento na
Palavra e viabilizar a necessária comunhão de todos os que caminham na
mesma fé.
Mas tratar a instituição igreja como Igreja de Cristo (fato que - para
fins de controle e poder - foi oficializado por Constantino, continuou no
cristianismo do Vaticano, atravessou a reforma protestante e adentrou o
cristianismo evangélico) cria vícios institucionais que fazem muito mal à
própria instituição, tornando-a um fator de dificuldade (ou até de
impedimento) para a propagação do Evangelho da Graça, pois, num claro
retorno à Lei, induzem a conclusões que são essencialmente contrárias ao
ensino neotestamentário, entre elas a idéia da habitação de Deus em
santuários e templos feitos por mãos humanas (a “casa de Deus” - At 17:24),
e não em nós mesmos, os verdadeiros santuários de Deus, onde realmente
habita o Seu Espírito (I Co 3:16).
68
Por isso, para quem tem ouvidos, o grito do Evangelho se faz ouvir tão
claramente: “Não julgueis para que não sejais julgados” (Mt 7:1-2).
Para quem se sente autojustificado por sua suposta obediência, a
transformação pelo amor e pela misericórdia (como ensina o Evangelho) - e
não pela obediência à Lei - é uma historinha fantasiosa que só deve ser
contada para crianças. Mas, segundo o próprio Cristo, aquele que não crê
nessa historinha tal qual uma criança não entrará no Reino de Deus (Lc
18:17).
Nenhuma instituição igreja é totalmente livre do veneno legalista e
autojustificador, pois onde houver um ajuntamento da igreja, haverá sempre
batalhas entre o legalismo (autojustificação) natural do homem e a loucura
da justificação pela fé na justiça do Calvário (independentemente de obras
– Rm 4:6), pois nessa dualidade está a luta de todo renascido no Espírito do
Evangelho da Graça de Cristo (Gl 5:17).
Igreja relevante, contudo, é a que se engaja nessa luta e, com uma
auto-imagem bem ajustada à realidade, rejeita os delírios institucionais que
têm envenenado o cristianismo desde o fim do período apostólico, pois o
problema com a instituição igreja não está na instituição em si (que, via de
regra, é solução), mas na visão que os fiéis – e principalmente os líderes -
venham a ter dela e no rumo que lhe possam dar, os quais, se equivocados,
podem sombrear a visão da cruz de Cristo em função dos muitos atrativos
da institucionalidade (poder, domínio e riqueza).
As Santas Madres Igrejas ainda são cultuadas em todo o cristianismo,
mas a Palavra Viva – que tem vida própria - sempre esteve e permanece
atuante, com seu poder libertador do jugo da lei e da escravidão ao pecado,
dentro de instituições encasteladas e também fora delas...
Povo que diz: “Fica onde estás, não te chegues a mim, porque
sou mais santo do que tu”. És no meu nariz como fumo de fogo,
que arde o dia todo (Is 65:5)
honra, diante de Deus, do que qualquer outro pecador, pois sabe que, sem a
obra do Calvário, estaríamos todos, lado a lado, no mesmo barco a caminho
da condenação, e nossas diferenças no quesito “justiça própria” - ou “mérito
humano” – em nada ajudariam (mérito diante de Deus é a fé no mérito de
Cristo).
A fé, se em conformidade com o Evangelho da Graça de Cristo, sempre
amadurece na direção da humildade e do sentimento de igualdade com o
próximo. E este senso (reconhecimento) de igualdade dos homens diante de
Deus leva o renascido a buscar essa igualdade na realidade do seu dia-a-dia
(Mt 6:10). Então ele socorre ao enfermo, porque sabe que a vontade de
Deus é que o enfermo também tenha saúde; ele dá comida ao faminto,
porque sabe que Deus quer que o faminto também esteja alimentado; ele dá
guarida ao desabrigado, porque sabe que Deus quer que o desabrigado
também tenha um lar; ele aquece o que está com frio, porque sabe que Deus
quer que todos estejam aquecidos; ele veste aquele que está nu, porque sabe
que Deus não quer que ninguém esteja envergonhado; ele faz tudo o que
estiver ao seu alcance para suprir os necessitados, como se fossem suas as
necessidades deles (e cada um de nós pode fazer muito...). Ter com que
acudir ao necessitado é, segundo o apóstolo Paulo, uma das principais
finalidades do nosso trabalho (Ef 4:28).
Essas são atitudes reais que manifestam amor ao próximo. São obras
que revelam a nossa fé (Tg 2:18) em um Deus que ama a todos os pecadores
igualmente. São ações feitas na plena liberdade do Espírito, movidas
exclusivamente pelo amor a Deus e ao próximo, realizadas por alguém que
ouviu, entendeu e creu na Graça de Cristo e no seu amor incondicional.
No único momento em que se colocou claramente como juiz, o Senhor
Jesus Cristo revelou o critério que definirá quem são os benditos do Pai que
entrarão no seu reino (Mt 25:31-46). E o referencial do julgamento (já
realizado na cruz do Calvário – Jo 3:18) não foi uma lista interminável de
pecados “simples, graves e gravíssimos” nem um padrão moral pré-
estabelecido. O referencial foi o amor ao próximo. Crer no perdão em Cristo
é crer no amor de Deus por toda a humanidade, e a única forma possível de
evidenciarmos a nossa fé nesse amor, bem como de retribuí-lo a Cristo, é
manifestando-o através de atitudes de amor ao próximo. Por isso Cristo
disse que o amor seria o sinal identificador de seus discípulos (Jo 13:34).
Precisamos entender e crer que é no amor (e não na Lei) que somos
aperfeiçoados, pois “o amor não pratica o mal contra o próximo, de modo que
o cumprimento da Lei é o amor” (Rm 13:10), por isso “quem ama ao próximo
tem cumprido a Lei” (Rm 13:8).
73
“Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos
vorazes, que não pouparão o rebanho” (At 20:29)
76
precisamos crer que Cristo pagou pelos nossos pecados e cuidará, ele
mesmo, de nos transformar em uma nova criatura, nascida no seu Espírito, o
comentário do evangélico, bastante sinalizador, foi: “Mas, assim, fica tudo
só nas mãos do Espírito Santo...”. Realmente, um grande problema para
instituições religiosas...
Minha primeira reação foi de decepção, tanto com o sumo-pontífice
católico quanto com o evangélico. Hoje lembro dos dois com uma certa
admiração, pois expressaram o que muitos pensam - em todas as
denominações cristãs - mas falta-lhes coragem para assumir, preferindo
fazer sutilmente uma adaptação Graça-Lei (e a ela submeter os fiéis), para
supostamente garantir o bom andamento, a “segurança” e a estabilidade de
suas instituições.
Se devemos fazer vista grossa para o legalismo na nossa casa, temos
que deixar de apontar o dedo para o legalismo da casa dos outros (que é o
mesmo, só que com outros nomes). Mas se o legalismo é algo que deve ser
“apontado”, desmascarado e combatido (para o bem da Igreja), devemos
começar na nossa própria casa (e temos bastante material...).
Quem realmente ama e almeja uma igreja sadia e poderosa deve, sim,
empenhar-se diariamente em livrá-la do vírus maligno da institucionalização
legalista e farisaica que a tem contaminado desde o início do período pós-
apostólico, e que - uma vez retirada a grande multidão de renascidos que
nela se congregam – chegará ao seu nível máximo de contaminação,
transformando-a na maior instituição religiosa, legalista, de todos os
tempos - A Grande Babilônia - a qual, enfim, estabelecerá uma nova LEI: a
Nova ORDEM Mundial.
A liberdade que Cristo nos deu custou-lhe o próprio sangue, a própria
vida, e homem nenhum pode arrancá-la de nós. Para a liberdade foi que
Cristo nos libertou, por isso não ultrajemos o seu sangue submetendo-nos a
novo jugo de escravidão (Gl 5:1), pois quem deve nascer de novo é o velho
homem, e não o velho jugo.
80
Morremos para a Lei a fim de vivermos para Deus (Gl 2:19) e ela não é
mais o motivo para não fazermos o que desagrada a ele, pois não estamos
buscando justiça própria. A nossa convicção de que somos
incondicionalmente amados por Deus é o que nos leva a amar ao próximo
como a nós mesmos, tratando-o como gostaríamos de ser tratados (Mt
7:12). Ora, ”quem ama ao próximo tem cumprido a Lei”, pois “o amor não
pratica o mal contra o próximo, de sorte que o cumprimento da Lei é o amor”
(Rm 13:8-10).
Quanto à sua salvação, aquele que crê na justiça do Calvário considera a
sua justiça própria como perda, por causa de Cristo, a fim de ”ser achado
nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a
fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé” (Fp 3:7-9).
Aqueles que ainda têm a mente cauterizada pelo velho hábito de buscar
justiça própria diante de Deus e só vêem sentido na obediência por força de
mandamentos, saibam que os ensinos de Paulo – inclusive quando ele exige o
rompimento com a Lei - são mandamentos do Senhor (I Co 14:37), os quais,
diferentemente dos mandamentos da Lei, não trazem condenação (Rm 8:1)
nem tampouco justificam a ninguém diante de Deus, mas apontam o caminho
do que já é expectativa da obra do amor de Deus na vida de cada um de nós.
83
Espírito (Ef 4:30) são nossa motivação para andarmos em justiça, sempre
fazendo o que é bom, justo e edificante. Absolutamente seguros, porém, de
que, se falharmos, ”mesmo que o nosso homem exterior se corrompa” (II Co
4:16), temos um ótimo advogado junto ao Pai (I Jo 2:1).
A anulação da nossa justiça para a salvação não altera o fato de que
devemos andar em justiça, respeitando e nos submetendo às leis que regem
a sociedade em que vivemos (Rm 13:1-5), assim como também não anula o
mérito humano nos relacionamentos horizontais.
O mandamento do Senhor é que sejamos diligentes e sempre façamos
tudo “de todo o coração, como para o Senhor, e não para homens” (Cl 3:23),
tendo domínio próprio, não sendo displicentes com os nossos talentos e
procurando ter bom testemunho diante dos homens em tudo, sendo ainda
abundantes em boas obras, para as quais fomos criados, tendo Deus, de
antemão, preparado-as para que andássemos nelas (Ef 2:10), pois são
”excelentes e proveitosas aos homens” (Tt 3:8).
Quem faz tudo com zelo e seriedade, apresentando bons resultados em
tudo a que se propõe, tem mérito, não para a salvação, mas diante dos
homens (Rm 4:2), e é sempre justa a sua recompensa, pois o princípio da
justiça é o mérito, e assim funciona tudo na vida. A nova criatura em Cristo,
porém, sabe lidar de modo espiritualmente sadio com esse reconhecimento.
Mas, quanto ao mérito humano, percebe-se uma inversão de valores na
religiosidade cristã. Muitos cristãos buscam apresentar justiça própria
diante de Deus enquanto desprezam e até acham maléfico o mérito diante
dos homens, recusando-se até a aceitar qualquer reconhecimento pela sua
dedicação e bom uso de suas habilidades.
Ora, os talentos que Deus lhe deu são seus, e ele os concedeu para que
você os utilize com zelo e diligência e, evidentemente, usufrua as justas
recompensas de seu esforço. Na próxima vez em que o seu mérito for, de
alguma forma, publicamente reconhecido, lembre-se de que foi Deus quem o
capacitou e receba o reconhecimento com tranqüilidade, mas jamais
menospreze quem não se sai tão bem quanto você. É assim que se honra o
Deus dos dons e talentos.
É inútil fazermos algo bem feito e tentarmos ficar no anonimato, com
medo do reconhecimento (mesmo na igreja). A palavra do Senhor é “... a
quem honra, honra” (Rm 13:7), por isso não deixemos de reconhecer, elogiar
e aplaudir quem não desperdiça seus talentos.
Seremos avaliados pelas nossas obras (não para salvação ou
condenação) no tribunal de galardões. O zelo com o fazer tudo bem feito é
mandamento do Senhor, pois é assim que deve agir um nascido do Espírito
85
XI - A INUTILIDADE DA LEI
“... tudo que a Lei diz, aos que vivem na Lei o diz” (Rm 3:19)
9:23-24), tem a sua própria justiça como perda, a fim de ser achado não
tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em
Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé (Fp 3:7-9).
A Lei morreu porque Cristo já cancelou, removeu inteiramente e
encravou na cruz o escrito da dívida que tínhamos para com Deus, referente
à nossa justiça própria, o qual constava de ordenanças, era contra nós e nos
era prejudicial, e assim despojou principados e potestades, publicamente os
expôs ao desprezo e triunfou deles na cruz (Cl 2:13-15). Agora precisamos
ser aperfeiçoados no amor (I Jo 2:5-6), e a Lei, que é fraca e inútil, não
serve para este fim, pois nunca aperfeiçoou coisa alguma (Hb 7:18-19).
A Lei é inútil porque as coisas velhas já passaram e tudo se fez novo
(II Co 5:17) e, quando se muda tudo, inclusive o sacerdócio, há também
necessariamente mudança de lei (Hb 7:11-12; I Co 9:21).
A Lei é inútil porque é desnecessária como referencial de conduta para
aquele que é nova criatura em Cristo, pois ele é guiado pelo Espírito (Gl 5:18)
e sabe discernir o que convém (I Co 6:12).
A Lei morreu para que o pecado não mais tenha domínio sobre os que
estão debaixo da Graça (Rm 6:14). Portanto, estar debaixo da Graça e
continuar alimentando alguma forma de justiça própria diante de Deus para
obtenção de direitos pela obediência à Lei e seus derivados sujeita a nova
criatura a permanecer sob o domínio do pecado.
Nós, nascidos do Espírito (Jo 3:8), morremos relativamente à Lei para
pertencermos àquele que ressuscitou dentre os mortos e, deste modo
(mortos para a Lei), frutifiquemos para Deus (Rm 7:2-4).
Talvez precisemos de algumas pregações onde apenas se anuncie,
repetidamente, por horas seguidas: “É pelo Espírito, e não pela Lei! É pelo
Espírito, e não pela Lei! É pelo Espírito, e não pela Lei...”.
91
Lei e Graça não caminham juntas. Sabemos que, ou se está cativo da Lei
ou na liberdade da Graça. Não se pode estar na Graça de Cristo e ainda
depender do desempenho em obras da Lei para obter e manter a salvação.
Quanto à nossa condição espiritual (salvação), a transição da Lei para a
Graça se dá imediatamente, no momento da conversão, ao confessarmos a fé
na obra do Calvário e no senhorio de Jesus Cristo em nossas vidas, mas
precisamos conscientizar-nos de que há uma luta constante para nos
livrarmos do domínio da Lei (Rm 7:1), caso contrário ela poderá atrapalhar, e
muito, o nosso relacionamento com Deus e com o próximo, emperrando e
estagnando a nossa vida espiritual.
Muitos dos que se confessam convertidos à Graça de Cristo ainda
trazem consigo o ranço legalista e, vivendo apenas uma religiosidade
autocultuadora e absolutamente inútil ao reino de Deus, afirmam viver na
plenitude da Graça e, achando que as muitas algemas que ainda trazem
consigo são aceitáveis e úteis na caminhada com Cristo, ainda as usam como
argumentação contra a liberdade que há no Espírito, pois algumas dessas
algemas têm um nome bonito, bíblico, inspirador, que sugere espiritualidade
e compromisso com Deus. Mas algemas são algemas, e onde está o Espírito
do Senhor, aí há liberdade (II Co 3:17). O novo nascimento implica um novo
crescimento, e só se pode crescer na Graça mortificando a Lei, de modo que
crianças e adultos na fé discutem e questionam coisas diferentes.
A Lei precisa ser mortificada a cada dia em nossas vidas, pois livrar-se
do seu domínio (trocar a justiça meritória da Lei pela justiça do Calvário) é
um processo gradual, que caminha em ritmo diferente em cada um de nós
(espera-se, entretanto, que todos progridam – Hb 5:12). Às vezes imagino
como seria interessante ouvir de cada renascido na Graça de Cristo um
testemunho sobre o que significou a morte da Lei na sua vida. Que mudanças
cada um já observou em si mesmo, no processo de abandono da Lei rumo à
liberdade da Graça no Espírito... O que ouviríamos?
Uns são mais livres, outros nem tanto. Os mais livres são aqueles que
corajosamente reconhecem que ainda têm áreas de sua vida sob domínio da
Lei (justiça meritória), mas estão em constante processo de libertação dela,
92
XV - O MUNDO
CONSIDERAÇÕES FINAIS