You are on page 1of 4

A crise do capitalismo, um tema para 2009

Um pano de fundo

Todos sabemos que o momento é delicado. O desencadear da crise


financeira, com os novos episódios que se lhe seguirão demonstra, na
prática, a falência do neoliberalismo. Falido e francamente
desacreditado ideologicamente mas, não morto ou enterrado.

Esta crise, seguindo-se a várias outras mais localizadas umas


(colapso da banca japonesa em 1995, crise russa de 1998, entre
outras) ou, mais alargadas, outras (a dos “tigres asiáticos” em 1997,
a bolha dos “dot.com” em 2000/2004, por exemplo) era francamente
previsível quer por analistas anticapitalistas e, mais
envergonhadamente, por defensores do modelo keynesiano do
capitalismo. Entre os primeiros, esta crise e a dimensão que assumiu,
vem acelerar a necessidade de crítica do sistema capitalista, agora
em fase de readaptação e recuperação dos seus próprios fracassos.
Entre os que defendem a utilização maciça da intervenção de
medidas de carácter keynesiano destacam-se os conceituados
Krugman e Stiglitz. Na sua senda atropelam-se em pânico, os
naufragados mandarins, os seus mandantes da alta finança, os
“investidores”. A questão que discutem é se iremos ter uma
combinação de neoliberalismo com um tempero de keynesianismo (os
mais à direita) ou de keynesianismo com concessões neoliberais (os
menos à direita).

Na nossa opinião, apesar de desgastado como modelo de gestão do


capitalismo, o neoliberalismo irá manter-se vivo, uma vez que é o
único modelo que, hoje, permite a rápida acumulação capitalista.
Pretendemos sublinhar, de modo bem claro, que a maciça
intervenção dos Estados nacionais ou plurinacionais constitui apenas
e tão somente um reforço da capacidade operacional do
neoliberalismo e jamais um retorno a qualquer modelo do tipo social-
democrata. Embora isso esteja nos planos de muitos elementos das
esquerdas institucionais sempre em busca de argumentos para se
arrumarem no doce recato dos partidos ditos socialistas, há muito
convertidos em liberais.

É, evidentemente, menos difícil haver consenso entre anticapitalistas


e keynesianos quanto à análise da crise actual do que, naturalmente
quanto às receitas a aplicar. Os primeiros, entre os quais nos
encontramos, defendem a destruição do capitalismo, sabendo de
antemão que essa destruição exige sacrifícios, acerbos conflitos e,
nesse contexto, muitas vidas humanas sendo, porém, uma destruição
criativa. Já os segundos, procuram medidas para um capitalismo
menos desumano, com mais preocupações sociais, num modelo entre
a social-democracia e um assistencialismo que nada mudam e que
perpetuarão o sacrifício de milhões de pessoas através do
desemprego, da guerra, da fome, da doença, dos desastres
ambientais, etc.

Há, naturalmente, quem já procedeu à sua reciclagem para posturas


menos associadas ao descalabro actual e, os próximos tempos serão
férteis nessas mudanças oportunistas e despudoradas de casaca.
Vamos assistindo, mais lentamente, à reconversão do jurássico
pensamento de muitos académicos, mormente da área da economia.
Os mesmos empresários que despedem e promovem leis laborais
adoptam um vocabulário mais “social” e clamam, emocionados, por
apoios públicos ao pagamento de salários. Nas colunas dos jornais os
notáveis dizem que desde sempre apontaram para os perigos do
neoliberalismo, mesmo lambuzando a gamela do poder, como
sempre. E, finalmente, mandarins como o pantomineiro Sócrates
passam a afirmar as virtudes do papel do Estado, depois de passarem
todo o seu tempo a privatizar, desregulamentar, favorecer o sistema
financeiro e a elogiar o lucro fácil e fraudulento; a multidão, por seu
turno, continua a ser ensinada a aceitar a virtuosa via do sacrifício,
pois há tempos difíceis no horizonte e a contenção do deficit é um
desígnio patriótico.

Sempre que se está em época de mudança eles, como os répteis,


mudam de pele. Em 26 de Abril de 1974, foi espantoso como debaixo
da cada pedra saltavam firmes defensores da democracia, do
socialismo, do comunismo, adoptando as roupagens ideológicas que
condenavam dois dias antes. O mais caricato talvez seja o CDS ter
chegado a defender uma sociedade sem classes, por ocasião das
nacionalizações de 1975!

Uma postura anti-capitalista para encarar a crise actual

Já neste blog afirmámos que a esquerda não detém ainda um corpus


teórico capaz de produzir um modelo de análise global da crise
capitalista de hoje, e, menos ainda de um leque de soluções globais
exequíveis. E, isso, nomeadamente, porque entre as esquerdas e a
grande massa da multidão há um fosso quanto à compreensão da
realidade e às formas de a modificar.

Esse fosso é alimentado por ilusionistas da redenção no seio da


“democracia” representativa das forças do mercado, a partir das
virtudes de um aparelho de Estado nas mãos de “gente séria”;
quaisquer ungidos na qualidade de redentores da humanidade não
são aceitáveis para a multidão, que cada vez mais exige que a gestão
social seja feita por gente normal e não por profissionais da política.
Mesmo que gente séria e eleita democraticamente, ninguém se pode
erigir num lugar acima dos demais, num qualquer aparelho de Estado
alicerçado na violência e na autoridade.

A exequibilidade de um conjunto real de soluções da crise capitalista


de hoje não passa pela intervenção maciça do Estado, da mobilização
das receitas fiscais, ou de acordos políticos entre dirigentes políticos
baseados numa legitimidade assente numa representação abusiva,
consentida e não conquistada.

Politicamente, as sondagens lisonjeiras para a esquerda tradicional


não dão relevo a duas coisas fulcrais. Uma é a grande margem de
abstencionistas que retiram legitimidade aos partidos, no seu
conjunto e que revelam o desinteresse, a desconfiança e a rejeição
pelas suas propostas. Outra, é que o avanço da esquerda institucional
é muito mais um custo calculado de Sócrates para proceder às tais
“reformas” do que o produto de um enraizamento popular dessa
esquerda. A esquerda institucional, privilegiando essa actuação nas
instâncias do Estado e dos media corre o risco de ser esvaziada
quando a conjuntura melhorar, como sucedeu durante a ascensão de
Cavaco como primeiro-ministro e gerar, por conseguinte, um
acrescido desânimo na multidão.

Para o evitar há que construir na base social uma cultura de protesto


e desobediência, de boicote e perturbação do funcionamento das
várias instâncias da máquina de acumulação e de sacrifício da vida de
todos, em favor do interesse de uns poucos; e nesse contexto,
aproveitar a crise económica, as dificuldades do capitalismo, para
consolidar forças, habituar um grande número de pessoas, sobretudo
jovens, trabalhadores e desempregados, à contestação, à luta, a uma
cultura de exigência e desafio.

Não há soluções reais à margem da multidão, soluções que não sejam


emanadas e testadas pela prática social, dos povos em luta por uma
sociedade radicalmente diferente. Nenhuma solução pode surgir
enquanto não houver uma grande faixa das classes trabalhadoras
empenhadas e confiantes nas transformações exigidas; enquanto não
surgir uma multiplicidade de forças sociais unidas num protagonismo
colectivo e articulado de transformação social. E, em termos mais
gerais e a longo prazo, nenhuma solução se pode tornar duradoura se
confinada a um pequeno recanto do mundo; o princípio dessa
transformação, para se consolidar, precisa de uma massa crítica de
território, de população, de recursos capaz de fazer frente a todos os
boicotes e atitudes agressivas do capitalismo, mesmo que este se
encontre enfraquecido.

Não é grande compensação, no cenário actual, que as instituições


capitalistas e os seus mandarins não tenham também verdadeiras
alternativas para uma oleada continuidade do roubo organizado,
como antes vinha ocorrendo. Na sobranceria neoliberal, atingido o fim
da História (?) o Estado pretendia-se mínimo e, nesse contexto, o
mandarinato pretendia-se constituído, basicamente, por instrumentos
acéfalos, verdadeiras pegas, em ambas as acepções da palavra. E
agora, vêm-se patetas sorridentes e impotentes, centuriões sem
visão, à procura de soluções; Sarkozys, Merkels, Berlusconis burlões,
o poliglota Barroso… e irá sentir-se, em breve, entre eles, a ausência
da erudição do Bush!

Na ausência do tal corpus teórico à esquerda, é preciso combater os


espíritos simples ou messiânicos que vierem anunciar a morte breve
do capitalismo, que soube sobreviver à crise de 1929/33 com o New
Deal, que soube construir o capitalismo de Estado, abafando as
brasas da revolução de Outubro, que aproveitou a reconstrução do
segundo pós-guerra para construir um temporário “modelo social
europeu”, que contornou as ânsias libertadoras dos povos colonizados
para gerar o neocolonialismo, etc. Cautelarmente diremos como
Brecht, “devemos tomar o inimigo pelo seu lado mais forte”, para
evitar sermos “comidos pelos percevejos”, também segundo Brecht.

www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt

You might also like