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VALLADARES, A. C. A.; CARVALHO, A. M. P.

Promoção do desenvolvimento da
perspectiva nos desenho infantil durante o contexto hospitalar. Rev. Arteterapia:
Imagens da Transformação. Rio de Janeiro: Clínica Pomar, v.11, n.11, p.12-19, 2004.
ISSN: 1516-4128.

PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA PERSPECTIVA NO DESENHO


INFANTIL DURANTE O CONTEXTO HOSPITALAR

Ana Cláudia Afonso Valladares


Ana Maria Pimenta Carvalho

RESUMO
A hospitalização pode ter efeitos negativos sobre o desenvolvimento infantil. O
objetivo deste trabalho foi avaliar o desenvolvimento da perspectiva de desenhos,
antes e após intervenção em arteterapia, de crianças com idade de 7 a 10 anos
internadas devido a moléstias infecciosas. Foi utilizado um esquema quasi
experimental com grupo controle (n=09) e um grupo experimental (n=10)
submetidos às intervenções de arteterapia. Os resultados mostraram que estas
foram eficazes em promover o desenvolvimento da perspectiva das produções
gráficas.
Palavras chave: Psicologia da saúde, arteterapia, hospitalização

ABSTRACT
Hospitalization may have negative effects on child development. The aim of this
work was to evaluate the development of perspective on drew productions, before
and after art therapy intervention, during the hospitalization of 7 to 10 years old
children, with infectious diseases. It was proposed a quasi experimental design
with a control group (n=9) and a group that was submitted to art therapy
intervention (n=10). Results show that these interventions were effective in
improving the development of the perspective of the drawings.
Key words: Health psychology, art therapy, hospitalization
Introdução
A arteterapia é uma modalidade terapêutica que possibilita a comunicação,
especialmente não-verbal, entre as pessoas, permitindo assim não só a liberdade
de expressão, mas também sustenta a autonomia criativa, ampliando o
conhecimento dos indivíduos sobre o mundo e proporcionando seu
desenvolvimento tanto emocional, como social (VALLADARES, 2000/2001).
Philippini (2000) indica que a arteterapia trabalha com um vasto repertório de
modalidades terapêuticas, nos quais possuem propriedades terapêuticas inerentes
e específicas, cabendo ao arteterapeuta construir um repertório de informações
relativas a cada uma, com o intuito de adequar as modalidades expressivas e
materiais às analogias e quadros clínicos atendidos.
O desenho, uma das modalidades expressivas da arteterapia, objetiva a
forma, a precisão, o desenvolvimento da atenção, da concentração, da
coordenação viso-motora e espacial. Também concretiza alguns pensamentos e
exercita a memória, além e estar relacionado ao movimento e ao reconhecimento
do objeto (VALLADARES, 2001).
Francisquetti (1999/2000) explica que a leitura dos desenhos sinaliza as
palavras que não podem ou não conseguem ser ditas pelas crianças. Sendo que
as aferências de comunicação não-verbais se transformam em processo cognitivo,
e são importantes de serem comparadas em diferentes momentos para perceber
as mudanças externas, como também internas as crianças.
Desse modo, a arteterapia, junto com suas modalidades expressivas
inerentes, pode ser de grande valor para aquelas crianças que se encontram
doentes, internadas e estão submetidas a tratamentos invasivos (VALLADARES,
2000/2001).
De acordo com estudiosos, como Whaley & Wong (1989), Angerami-Camon
(2002) e Dias et al. (2003), o adoecimento, no caso específico das crianças,
favorece alterações na sua vida, como um todo, podendo, muitas vezes,
desequilibrar seu organismo interna e externamente, o qual, em conseqüência
disso, gerará um bloqueio no processo de desenvolvimento saudável das
crianças.
O desenvolvimento infantil é um processo complexo, que envolve as
diferenças individuais e as específicas de cada período, como mudanças nas
características, nos comportamentos, nas possibilidades e nas limitações de cada
fase da vida, indistintamente (WHALEY & WONG, 1989).
Conforme Sigaud & Veríssimo (1996), o período que vai de sete aos dez
anos de idade, objeto de estudo deste trabalho, e que se convencionou chamar de
escolar, é decisivo para a estruturação harmoniosa do indivíduo. Nesta etapa,
ocorrem transformações significativas nos vários aspectos cognitivos,
socioemocionais e da comunicação gráfica. O raciocínio da criança esta fase esta
mais lógico, compreende melhor os fatos (WHALEY & WONG, 1989).
Piaget (1990) complementa dizendo que o escolar se encontra no Estágio
Operacional Concreto (subperíodo da inteligência representativa), por isso é capaz
de realizar operações mentais, nas quais objetos, fatos e experiências podem ser
articulados abstratamente, ao nível do pensamento, melhorando a compreensão e
o entendimento. Nesse estágio, a pessoa começa a adquirir a capacidade de
relacionar vários atos e eventos com representações mentais que podem ser
expressas por meio de palavras ou símbolos. Em relação ao desenvolvimento
evolutivo da arte infantil, segue seu percurso paralelo ao desenvolvimento geral da
criança.
O objetivo deste trabalho foi avaliar o desenvolvimento evolutivo da
perspectiva da produção gráfica, antes e após intervenção em arteterapia, de
crianças com idade de 7 a 10 anos internadas devido a moléstias infecciosas.

Método
a) Tipologia: trabalhou-se com a abordagem quantitativa, com delineamento quasi-
experimental.
b) Amostra e local: foi caracterizada por dezenove crianças internadas no hospital
HDT de Goiânia - Goiás, no primeiro semestre de 2003, sendo dez do grupo
experimental (grupo que passou por intervenções em arteterapia) e nove do grupo
controle (grupo que não passou por intervenções em arteterapia), pois um recusou
a desenvolver esta modalidade. Os grupos foram constituídos por ambos os
sexos, na faixa etária entre sete anos e sete meses a dez anos e onze meses de
idade.
c) Procedimentos: este estudo é parte da dissertação das autoras e intitulada:
“Arteterapia com crianças hospitalizadas” que foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa Médica Humana e Animal do HAA/HDT/SES.
O instrumento empregado para análise dos dados foi: Fases Evolutivas da
Construção da Perspectiva no Desenho da Criança, modelo de Piaget & Inhelder
(1985) – no qual se avaliou o desenvolvimento da perspectiva do desenho infantil.
Os itens avaliados no desenho foram: incompreensão completa da perspectiva,
forma e dimensões do objeto, diferenciação dos pontos de vista, quantificação
extensiva e acabamento das alterações formais.
Este instrumento foi utilizado com a observação de um auxiliar de pesquisa
que compartilhou das avaliações com a arteterapeuta.
As intervenções em arteterapia consistiram de acompanhamento individual
em sete sessões, durante três dias e meio consecutivos, com duração variada de
uma hora a três horas e meia. Durante as intervenções foram trabalhadas várias
modalidades de arte e apoiadas às necessidades da criança. Essas intervenções
em arteterapia favoreceram a conduta focal e imediata. As intervenções
consistiram de técnicas lúdicas e de atividades artísticas e a condução das
dinâmicas foi espontânea, favorecendo a exteriorização da subjetividade da
criança. Durante as intervenções foram utilizados, no total, materiais de desenho,
pintura, colagem e recorte, modelagem, construção, gravura, origami, teatro,
brinquedos, jogos, livros de histórias e escrita criativa.
d) Análise dos dados: para análise comparativa foi aplicado o teste T de Wilcoxon
(SIEGEL, 1975) para as duas amostras dependentes. Nesses protocolos de
avaliação realizados, estão contidas escalas de classificação nas ordens de
qualidade do desempenho. Quanto ao desempenho, foram atribuídos níveis de
gradação de pontos na ordem crescente, isto é, do nível inferior para o superior de
qualidade.
Resultados e Discussão
O Quadro 1 exibe os resultados obtidos nas avaliações inicial e final
comparando-se os dois grupos A (experimental) e B (controle), quanto à
modalidade gráfica.

QUADRO 1 – Comparação* intragrupo dos escores obtidos na avaliação inicial e


avaliação final com relação às fases evolutivas da perspectiva no
desenho infantil, Goiânia – 2003

Modalidade GA GB
Desenvolvimento da AI < AF1 AI = AF
perspectiva

*Teste T de Wilcoxon (Siegel, 1975)


1 p < 0,01
GA (Grupo A - experimental): n = 10 GB (Grupo B – controle): n = 09
AI: avaliação inicial (antes das intervenções de arteterapia)
AF: avaliação final (após as intervenções de arteterapia)

A Figura 1, complementa o Quadro 1 no aspecto da relação


desenvolvimental da perspectiva a desenho da criança e indica a pontuação total
de sujeitos do grupo A - experimental (GA) e do B – controle (GB) nas fases de
avaliações inicial (AI) e final (AF).

Fases da Perspectiva

2,5

1,5 AI
AF
1

0,5

0
GA GB
AI: Avaliação Inicial AF: Avaliação Final
GA: Grupo A – experimental GB: Grupo B - controle

Figura 1 – Total de pontuação obtido nas avaliações inicial e final, nas fases
da perspectiva (desenho) das crianças dos grupos A (experimental) e B (controle)

Os dados do Quadro 1 referem-se às fases evolutivas da construção da


perspectiva no desenho da criança. No que se referem às fases da perspectiva, o
grupo A (experimental) evidenciou progresso, tendo a avaliação final demonstrado
diferenças estatisticamente superiores em relação à avaliação inicial, sobretudo
porque o desenvolvimento oscilou entre incompreensão completa da perspectiva a
um início de diferenciação dos pontos de vista, na avaliação inicial, ao passo que
na avaliação final não se encontrou nenhum caso com incompreensão completa
da perspectiva, atingindo-se níveis mais apropriados para a idade.
Quanto ao grupo B (controle), nele não se detectaram mudanças com
significância estatística nos dois momentos de avaliações (iniciais e finais),
especialmente pela estabilidade no desempenho.
Pela Figura 1, depreende-se que os grupos (A e B) apresentaram certa
uniformidade entre si e as ocorrências de desenvolvimento plástico das avaliações
iniciais para as finais, embora o grupo A (experimental) demonstrasse um
aumento no valor da avaliação final, e o B (controle), uma discreta diminuição. Os
níveis dos dois grupos (A e B) oscilaram, mostrando incompreensão completa da
perspectiva (nível abaixo do esperado pela idade) até um começo de
diferenciação dos pontos de vista.
Verifica-se que o nível de desenvolvimento não apropriado à idade
possivelmente tenha se modificado com as intervenções de arteterapia realizadas
no grupo A (experimental), ao contrário do grupo B (controle), que permaneceu
estável. Cabe salientar que estes dados são confirmados por Zimmermann (1997)
e Pain & Jarreau (2001), quando expõem que a arteterapia é promotora de
experiências reestruturantes e é muito eficaz no tratamento dos que sofrem de
déficits de aprendizagem, ao longo do período de desenvolvimento infantil.
Conforme as afirmações de Pain & Jarreau (2001), o sujeito tem tendência a
projetar seu próprio corpo sobre a imagem que ele mesmo produz. Assim, os
autores continuam esclarecendo que o procedimento arteterapêutico consiste em
despertar o desejo vital do gesto, em fazê-lo sentir fortemente no próprio corpo e
em encorajá-lo a buscar os meios plásticos para traduzir essas vivências sensório-
motoras em imagens.

Considerações finais
A criança, durante o seu desenvolvimento normal, explora e interage com seu
meio de forma contínua quando lhe são oferecidas oportunidades em ambientes
considerados como favoráveis. Cuidar de quem se encontra fragilizado e
internamente desorganizado em função de sua doença grave não é tarefa fácil e
cabe ao arteterapeuta, que é um facilitar do processo da criança, propiciar um
espaço não ameaçador, que propicie o restabelecer do diálogo (comunicação)
dessa criança com o mundo.
Portanto, providenciar um meio ambiente facilitador e propício ao
desenvolvimento artístico da criança, através das intervenções de arteterapia, é
importante.
Pode-se deduzir que o desenho é manifestação de uma necessidade
importante para as crianças conhecerem, agirem sobre o mundo e comunicarem
com ele. Ademais, o desenho é uma atividade que envolve um exercício mental,
emocional e intelectual.
Após a realização deste trabalho, acredita-se que instrumentos de avaliação
da desenvolvimento da perspectiva do desenho possam ser empregados de uma
forma mais produtiva, antes e após as intervenções de arteterapia, colaborando
com a confirmação de que o processo de arteterapia também poderá evitar
possibilidades de instalação de algumas disfunções no desenvolvimento infantil.
Ao mesmo tempo em que as crianças não conseguem facilmente comunicar
verbalmente o que sente, pensa e faz, assim o desenho é uma possibilidade de
comunicação não-verbal produtiva da criança.

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Ana Cláudia Afonso Valladares
Arteterapeuta, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), doutoranda
pela Universidade de São Paulo (USP) e representante da Associação Brasil
Central de Arteterapia na União Brasileira de Associações de Arteterapia
(UBAAT).
E-mail: aclaudiaval@terra.com.br

Ana Maria Pimenta Carvalho


Psicóloga e professora doutora da USP.
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