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Esteróides Anabolizantes

Artigos e Depoimentos

As ações biológicas dos androgênicos, dos quais a testosterona é o principal e mais potente representante,
são classificados conforme o sítio em que são exercidas. Os efeitos relacionados ao aparelho reprodutor e
caracteres sexuais secundários são denominados “androgênicos”, enquanto os efeitos sobre outros tecidos,
como músculos, ossos e fígado, referidos como “anabólicos”. Os mecanismos moleculares dessas ações
biológicas são semelhantes, sendo a diversidade de resultados determinada pelo órgão onde se processa a
atividade hormonal. A crença de que os efeitos anabolizantes poderiam ser independentes das ações
androgênicas levou a pesquisa e síntese de inúmeros compostos, na busca de uma molécula em que a
atividade androgênica predominasse, de modo a permitir sua utilização em situações de catabolismo
intenso, como traumas, queimaduras, doenças conjuntivas e recuperação pós-operatória. Também seriam
úteis na indução da massa muscular para atletas. Infelizmente, entretanto, até o momento não foi possível
sintetizar esse esteróide anabolizante ideal, pelo simples motivo que os receptores são os mesmos em
todos alvos. As alterações moleculares induzidas, sejam elas esterificações, alquilações no carbono 17 ou
alterações estruturais nos anéis hexacarbônicos, só lograram modificar a meia vida, a absorção, a potência
ou a velocidade de degradação dos androgênios, não contribuindo para aumentar o seu poder anabólico.
Como acontece com todos os esteróides, a penetração da testosterona nas células se dá por difusão
passiva. Uma vez no citoplasma, dependendo do tipo de célula em que se encontre, a testosterona (T)
pode atuar na sua forma original ou sofrer a ação de enzimas, como a 5-alfa-redutase, que a converte a
dihidrotestosterona (DHT), ou o complexo aromatase, que a transforma em estradiol (E2). Estes
esteróides são conduzidos ao núcleo celular por receptores de androgênios (T e DHT) ou de estrogênios
(E2), e no interior do núcleo, vão exercer suas atividades específicas sobre a cromatina. Quando são
administrados em doses fisiológicas, a homens hipogonádicos, os androgênios, além de promoverem
virilização, causam aumento de retenção nitrogenada, aumento de peso, retenção de sódio e aumento de
massa óssea e muscular, notadamente na musculatura peitoral e proximal dos membros superiores.
Comprova-se, nestes casos, um aumento do diâmetro das fibras e fibrilas musculares. Estas mesmas
doses, entretanto, são incapazes de produzir quaisquer efeitos em homens normais. Doses capazes de
elevar a testosterona plasmática acima do limite superior da normalidade reduzem os níveis dos
hormônios folículo estimulante (FSH) e luteinizante (LH), diminuindo também suas respostas ao estímulo
pelo hormônio hipotalâmico liberador de gonadotrofinas (Gn-RH). Como resultado há uma diminuição do
volume dos testículos, da ordem de 20 por cento e da espermatogênese, de cerca de 90 por cento. Não há
modificação do volume ejaculado, que depende fundamentalmente da ação androgênica sobre vesículas
seminais. A azoospermia induzida por esteróides anabolizantes deve estar sempre presente no diagnóstico
diferencial de infertilidade masculina em atletas, sendo geralmente reversível com interrupção do uso da
droga e/ou estímulo com gonadotrofinas (Tuerk et al, 1995). O aumento de peso verificado em usuários
de androgênicos se deve principalmente à retenção de sódio e líquidos. Estudos controlados não
sustentam a crença de que doses excessivas de esteróides ditos anabolizantes contribuam
significativamente para aumento de massa muscular em homens normais. Em mulheres não há estudos
controlados desse tipo, porque seriam eticamente inaceitáveis. As situações de hiperandrogenismo
patológico, como síndrome dos ovários policísticos, defeitos de síntese do cortisol, tumores ovarianos e
adrenais, podem aumentar discretamente a massa muscular mas evoluem com hirsutismo, acne,
engrossamento da voz e hipertrofia de clitóris. Apesar da ausência de comprovação científica de possíveis
benefícios e da proibição legal vigente na maioria dos países, o uso de esteróides anabolizantes por atletas
é muito difundido, o que tem ocasionado inúmeros problemas. Pesquisa conduzida em Flandres (Delbeke
et al, 1995) mostrou que, entre 1988 e 1993, de 38 por cento a 58 por cento dos fisioculturistas
consumiam anabolizantes esteróides, variando conforme a federação a que pertenciam. É preocupante a
constatação de que o consumo de esteróides anabolizantes é referido por 7,6 por cento de estudantes
adolescentes homens e 1,5 por cento das mulheres (Komoroski e Rickert, 1992). Esses números não
diferem muito entre as comunidades metropolitanas ou rurais, nos Estados Unidos (Whitehead et al,
1992). Esses autores chamam a atenção para o maior consumo também de drogas ilícitas e de cigarros
pelos adolescente usuários de esteróides. A motivação desses estudantes era predominantemente social,
em busca dos supostos efeitos benéficos, com a negação dos eventuais malefícios a que se expunham. As
autoridades esportivas tentam coibir essa prática, fazendo testes de “dopping” que incluem identificação
de esteróides, mas cujos resultados nem sempre são inquestionáveis. A ingestão de carne de gado ou
frango tratados com metenolona injetável, para melhor desenvolvimento, pode resultar em exames
positivos para esteróides urinários, com sério prejuízo para a carreira do atleta (Kicman et al, 1994).
Também foi descrita presença de clostebol na urina de atletas que comeram carne contaminada com este
esteróide (Debruyckere et al, 1992). Por outro lado, os riscos não são desprezíveis. Os compostos
tomados por via oral exercem efeito tóxico quando de sua passagem pelo fígado, levando a aumentos da
bilirrubina conjugada e da fosfatase alcalina. Os próprios efeitos do hiperandrogenismo no homem são
perigosos, se considerarmos a possibilidade, já descrita na literatura (Wemyss-Holden et al, 1994), de
hipertrofia prostática e estreitamento do fluxo urinário. No aparelho locomotor, uma grave complicação
do uso de esteróides anabolizantes é a ruptura do tendão do tríceps, em levantador de peso (Stannard e
Bucknell, 1993), e de ruptura bilateral de quadríceps (David et al, 1995). Estudos desenvolvidos por
Huntler e colaboradores sugerem que o uso de esteróides anabolizantes orais pode comprometer as
propriedades mecânicas do tecido conjuntivo. Existem também evidências de que os esteróides
anabolizantes promovem aumento da agregação plaquetária (Ferenchick et al, 1992) e induzem a geração
de fatores da coagulação, especialmente trobina e plasmina, com aumento do risco de trombose
(Ferenchick et al, 1995). Têm sido publicados casos de infartos e tromboses em levantadores de peso e
outros atletas usuários de esteróides, sem evidências de arterosclerose. No metabolismo lipídico existe
uma tendência ao aumento da relação colesterol/HDL-colesterol, favorecendo a aterogênese, que também
pode contribuir para o aumento de incidência de acidentes trombo-embólicos. Diversas síndromes
psiquiátricas parecem ser mais frequentes entre consumidores de esteróides anabolizantes. Pope e Katz
(1994), numa casuística de 88 atletas em uso de esteróides e 68 não usuários, observaram que 23 por
cento dos usuários manifestavam distúrbios maiores do humor: mania, hipomania e depressão. A
sintomatologia era mais exuberante nos períodos de uso de esteróides e mais frequente nos usuários do
que nos não usuários. Su et al, 1993, em cuidadoso estudo controlado com placebo, observaram alteraçoes
psicológicas, durante o uso de metiltestosterona, em 20 voluntários masculinos. Nos períodos de uso do
esteróide ocorreram aumentos significativos de alterações do humor, quer positivas (euforia, excitação
sexual), quer negativas (irritabilidade, flutuações do humor, sentimentos violentos e hostilidade). Também
foi observado comprometimentos cognitivo nessas ocasiões (falta de concentração, diminuição de
memória e confusão). Alguns casos de suicídio e homicídio foram relatados como associados ao uso e
esteróides anabolizantes (Brower, 1993). A pele do atleta que usa esteróides anabolizantes também sofre
suas consequências. Há maior incidência de acne, oleosidade aumentada, cistos sebáceos, alopécia
androgênica, dermatite, seborréia e estrias atróficas (Scott e Scott, 1992). Mais raramente podem ocorrer
quelóides lineares (Scott et al, 1994). Por todos esses motivos, os atletas dever ser alertados sobre os
riscos que correm ao consumir esteróides anabolizantes, competindo ao médico esclarecer possíveis
dúvidas e desestimular a automedicação, geralmente responsável pelas piores complicações.

RICARDO M. R. MEIRELES É PROFESSOR ASSOCIADO DE ENDOCRINOLOGIA DA PUC/RJ E


DIRETOR DO INSTITUTO ESTADUAL DE DIABETES E ENDOCRINOLOGIA LUIZ
CAPRIGLIONE, DO RIO DE JANEIRO.

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