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2001.
Farid Eid
Universidade Federal de São Carlos, (0xx16) 2608236 r. 211
farid@power.ufscar.br
2. METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO
2.1. Metodologia da Pesquisa-Ação
Para uma experiência autogestionária ser bem sucedida, sem dúvida que é importante,
distinguir-se entre o engajamento efetivo de cada uma das pessoas no coletivo
fortalecendo a coesão social de um envolvimento individual, formal e aparente. As
relações humanas devem estar elevadas em um patamar mais saudável, moralmente
mais maduro e politicamente mais consciente. Da mesma forma que não existe
autogestão sem um engajamento efetivo, apenas a vontade sincera do grupo não garante
nada.
Em relação à metodologia de incubação de cooperativas populares desenvolvida pela
equipe dos técnicos, estudantes e docentes da INCOOP/UFSCar, através das discussões
teóricas e conhecimento prático, percebe-se que, se para uns, há somente semelhanças
entre o processo de incubação e a metodologia da pesquisa-ação, para outros, adotou-se
a linha da pesquisa-ação. Essa linha associa diversas formas de ação coletiva orientadas
em função da resolução de problemas ou de objetivos de mudança/transformação social.
No caso desta atividade de extensão universitária indissociada das atividades de
pesquisa e de ensino, tem como um dos objetivos principais prestar assessoria a grupos
sociais excluídos do mercado de trabalho e interessados em re-inserção na economia na
forma da organização cooperativista como meio para geração de trabalho e renda direto
e indireto, além de emprego indireto.
A pesquisa-ação usa a participação e uma forma de ação planejada de caráter social,
educacional, técnico que nem sempre se encontra em outros tipos de propostas de
pesquisa. Um dos seus principais objetivos consiste em oferecer aos pesquisadores e aos
grupos de participantes os meios de se tornarem capazes de responder com maior
eficiência aos problemas da situação em que vivem, em particular sob a forma de
diretrizes de ação transformadora. Isto é feito através de um diagnóstico da situação no
qual os participantes tenham voz e vez. Os aspectos estruturais da realidade social não
ficam desconhecidos, a ação só se manifesta em um conjunto de relações sociais
estruturalmente determinadas. As técnicas de coleta de dados são as mais diversas. Entre
elas encontram-se: entrevistas coletivas e individuais; questionários; análise de
documentos; observação participante, diários de campo e histórias de vida; dinâmicas
de grupo e mapa cognitivo (a partir de um dado objetivo busca-se encontrar os desafios
a serem enfrentados e quais as relações necessárias para que o objetivo seja alcançado).
Para Thiollent (1998, p. 14), um dos maiores defensores no Brasil, “a pesquisa-ação é
um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita
associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os
pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo ou participativo”. É preciso que a ação seja uma ação
não trivial, onde exista uma problemática merecendo investigação para ser elaborada e
conduzida.
Na pesquisa-ação os pesquisadores desempenham um papel ativo no equacionamento
dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações
desencadeadas em função dos problemas (vide quadro abaixo que mostra a atuação, dos
integrantes da INCOOP, junto aos grupos sociais). É necessário, por parte dos
pesquisadores, ter cuidado para que haja reciprocidade por parte das pessoas e grupos
implicados nesta situação não podendo substituir a atividade própria dos grupos sociais
e suas iniciativas. Procura-se tomar este cuidado em relação aos grupos sociais em
processo de formação pela equipe da INCOOP.
A pesquisa-ação não se trata de simples levantamento de dados ou de relatórios a serem
arquivados. Através da pesquisa-ação os pesquisadores pretendem desempenhar um
papel ativo na própria realidade dos fatos observados. Para isso, é preciso definir com
precisão qual é a ação, os seus agentes, seus objetivos e obstáculos e, por outro lado,
qual é a exigência de conhecimento a ser produzido em função dos problemas
encontrados na ação ou entre os atores da situação. A pesquisa-ação é uma estratégia
metodológica de pesquisa social na qual: a) há uma ampla e explícita interação entre
pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada; b) desta interação resulta a
ordem de prioridade dos problemas a serem pesquisados e das soluções a serem
encaminhadas sob a forma de ação concreta; c) o objeto de investigação não é
constituído pelas pessoas e sim pela situação social e pelos problemas de diferentes
naturezas encontradas nesta situação; d) o objetivo da pesquisa-ação consiste em
resolver ou, pelo menos, em esclarecer os problemas da situação observada; e) há,
durante o processo, um acompanhamento das decisões, das ações e de toda a atividade
intencional dos atores da situação; f) a pesquisa não se limita a uma forma de ação, mas
também é pretensão que se aumente o conhecimento ou o “nível de consciência” das
pessoas e grupos considerados.
O quadro abaixo apresenta o estágio de desenvolvimento dinâmico de uma proposta de
metodologia de incubação (base: primeiro semestre de 2001), construída coletivamente,
ao longo de dois anos de experiência na Incubadora da UFSCar e cuja sistematização se
deu pelo esforço de um estudante da graduação. Importante frisar que o quadro
representa uma proposta coletiva mas, que ainda não foi aprovada, mesmo que, esse ou
outros similares, durante o processo de discussão para o fechamento de um convênio ou
contrato, são sempre enviados para a entidade interessada na incubação de cooperativas.
Encontra-se na fase de análise crítica sobre sua operacionalização e mostra como a
INCOOP busca desenvolver este processo, porém há que se tomar o cuidado de
considerar as especificidades e interesses propostos em cada grupo.
As nove etapas descritas abaixo não seguem necessariamente a ordem apresentada.
Diversas, podem ocorrer antes e/ou em paralelo, dependendo da dinâmica
organizacional interna de cada grupo social. Se o grupo não aceitar ou tiver dúvidas em
relação ao processo de incubação espera-se um tempo (indeterminado, pois depende de
cada caso) para prosseguir ou não com o processo de incubação.
1[1]
Este convênio ocorreu entre a Confederação Nacional do Metalúrgicos da Central Única dos
Trabalhadores (CNM/CUT) com algumas Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares - a
Incubadora da COPPE/UFRJ, a Incubadora da USP-SP, a INCOOP/UFSCar e a Incubadora da Fundação
Santo André (Guimarães, 2000).
buscou estruturar cursos de alfabetização de adultos, de desenvolvimento sustentável
em conjunto aos que tratavam de relações interpessoais, motivação para o
cooperativismo, auto-gestão, autonomia para ampliar a discussão de renda para uma
discussão mais abrangente sobre dignidade e cidadania, buscando, com isso, elucidar as
relações que movem política, legal e economicamente o conjunto da sociedade. Assim,
a iniciativa do trabalho cooperativo supera as razões apenas econômicas e traz à tona a
discussão das estruturas onde estão alicerçadas a Sociedade. O simples ato da
legalização da cooperativa exigia que os cooperados tivessem seus documentos pessoais
em ordem, o que não era o caso de muitos deles que sequer detinham um registro geral.
Obter esse documento (o RG) foi significativo, não apenas para a finalidade do trabalho,
mas como um passo no processo de resgate da dignidade e da cidadania dos cooperados.
O conjunto das ações em busca dos direitos e o acesso a novas oportunidades é que
garantem a saída definitiva da situação de exclusão. Em relação ao trabalho, por
exemplo, isso se efetiva quando o trabalhador não se satisfaz mais em vivenciar a
condição passiva e dependente da relação trabalhista tradicional e aspira por uma
relação onde possa dividir democraticamente direitos e deveres. Por isso, é papel da
Incubadora incentivar que as análises contextualizadas no bojo do modelo de gestão
cooperativa não sejam apenas internas aos cooperados, mas estendam-se ao bairro, que
é a unidade espacial onde grande parte dessas cooperativas estão surgindo, refletindo-se
em ações organizadas que procuram interferir sobre a realidade de tal modo a promover
mudanças para superar a situação de exclusão e promover a adesão de outros segmentos
(Valêncio et al.). Para concretizar essa expectativa, foram inicialmente realizadas no
bairro as reuniões abertas a toda comunidade - convidada através de divulgação por
carro de som, cartazes e com a participação de lideranças - elucidavam que o caráter da
proposta de envolvimento com a Universidade era o de conhecer os problemas
relacionados ao desemprego; elucidar, quando possível, os vários aspectos da situação,
ouvir as aspirações e as sugestões para a reversão da situação, ampliando a relação de
troca para um exercício de construção da cidadania e desenvolvimento da maturidade
das relações no trabalho coletivo. Todo o processo de constituição da cooperativa B
mostrou-se como uma ação na qual o propósito de pesquisa não pode ser
desconsiderado no fazer da extensão universitária. Não poderiam os docentes
envolvidos simplesmente induzir a montagem de uma estrutura organizacional e afastar-
se das etapas constitutivas, posto que o conhecimento envolvido no processo se
mostrava de uma complexidade que, a um só tempo, necessitava do apoio do saber
formal e necessitava ser acompanhado e avaliado por este mesmo saber a fim de que os
quadros de referência teórica fossem revisados à luz da experiência em acontecimento
(Venâncio et al.).
A Cooperativa B apresentava as seguintes características antes do processo de
incubação iniciar: a) 50% das pessoas não possuíam pelo menos 1 documento de
identificação, 10% não possuíam qualquer documentação (RG e CPF) e algumas
pessoas com o ensino fundamental incompleto ou sem alfabetização; b) pouca
participação em movimentos sociais, apenas local: pastoral e associação de moradores;
c) ação individual com trabalho através de "bicos", caracterizando a informalidade; d)
inexperiência de trabalho em equipe; e) desinformação sobre o cooperativismo; f)
experiência na atividade escolhida (limpeza), porém baixa especialização em limpeza
industrial; g) limitação de canal de diálogo com poder público; h) dificuldade de
visibilidade/ oportunidades enquanto vítima de preconceito quanto à localidade do
bairro na cidade.
Depois de iniciado o processo de incubação as habilidades que os dois grupos
adquiriram foram as seguintes: a) informações e regulamentações sobre a
necessidade/importância dos documentos pessoais; b) formação para o cooperativismo
oferecido pela Incubadora para conhecer todas as fases do processo; c) compreensão/
elaboração do Estatuto pelo grupo reconhecendo a sua importância; consolidação da
democracia participativa através de assembléias, diretoria, conselho fiscal, etc.; d)
capacitação/qualificação no trabalho específico (reciclagem/limpeza); e) capacitação em
coleta de dados como informações sobre o mercado/possíveis clientes; f)
informação/aplicação dos direitos e deveres trabalhistas; g) constituição/administração
de fundos da cooperativa; h) trabalho em equipe e autogestão; i) discussão e elaboração
da logomarca e marketing entre os cooperantes; j) participação em eventos em vários
municípios como forma de informação e intercâmbio com outros grupos.
O Grupo A destacou-se nas noções de planejamento estratégico para a definição de
metas e iniciativa na organização do trabalho como a coleta, separação, estocagem e
venda dos produtos adquiridos. O Grupo B passou pelas fases de treinamento para
contato com clientes através do desenvolvimento de habilidades de relações
interpessoais – curso oferecido pela Incubadora; capacidade na elaboração de critérios
de seleção para o trabalho - para demandas que não absorvessem todos os cooperantes;
elaboração, treinamento e realização de enquete, na UFSCar, para busca de possíveis
demandas (Castilho et. al., 2000). Parte das pessoas da cooperativa A e da B já está
prestando serviços à instituição pública, buscando também outras formas de inserção no
mercado em empresas privadas. Para isto, existe um estudo em andamento, sobre o
mercado de atuação e de divulgação das atividades que as cooperativas podem ofertar
ao mercado.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na matriz brasileira de relações sociais e no entendimento do que é ser excluído
predomina a lógica desumana do ‘estranho’, atingindo o limite de retirar o caráter de
humano ao outro. Essa diferenciação extrema se insere em uma cultura que envolve a
naturalização, a banalização, a indiferença, a fatalidade e o conformismo da pobreza que
passa a ser aceita, sem indignação e reações, como integrante estrutural, perene do
cenário social (Dejours, 1999). Situar a condição humana de miséria no espectro da
‘fatalidade’ implica na submissão ao imprevisível, ao destino, ao léu, à sina e ao arbítrio
(Escorel, 1999).
É nesse sentido, que uma incubadora universitária de cooperativas populares pode
constituir-se em um locus onde se desenvolvem pesquisas teóricas e empíricas sobre o
cooperativismo, cuja ação política pode voltar-se para atender uma classe social
desprovida dos meios de produção e pode, pelos princípios do cooperativismo popular,
vir a redefinir, em uma certa dimensão, a organização de parte dos trabalhadores
excluídos (Gallo et al., 2000).
A incubadora pode ter um papel fundamental de prestar assessoria técnica,
administrativa e política de forma integrada e continuada aos trabalhadores que
pretendam formar uma cooperativa popular autêntica. Assim, a cooperativa nasce a
partir de uma demanda dos trabalhadores e a incubadora, em trabalho conjunto com
essas pessoas buscam criar e motivar os valores cooperativistas. A cooperativa
permanece vinculada à incubadora, pretendendo-se que em um determinado tempo, que
varia a cada caso, adquira autonomia para atuar no mercado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS