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Aprendizagem Auto-Responsável e

Comportamentos do Facilitador
Por Silke Koerner*
Durante os últimos anos ficou cada vez mais claro para nós que os participantes de
programas de treinamento e desenvolvimento devem não só tomar parte ativa na
definição dos objetivos, como também assumir a responsabilidade pela
aprendizagem. O grupo de profissionais da área de treinamento experiencial na
Europa que favorece apóia a “aprendizagem auto-responsável” vem crescendeo
constantemente, como mostra a lotação do workshop “Sägen an der Krücke”
(Serrando as Muletas) apresentado por Silke Koerner na Conferência “Erleben und
Lernen”, na Universidade de Ausburg, Alemanha, outubro de 2002. Neste workshop
foram exploradas diversos aspectos do comportamento do facilitador e métodos
para promover a aprendizagem auto-responsável. Existem duas áreas de principal
influência:
1 - o design da atividade
É importantíssimo que dentro da estrutura de uma atividade haja espaço para os
processos do grupo ocorrerem, assim como para a descoberta. Isso permite que o
participante assuma a responsabilidade pela aprendizagem. Quanto “mais liberdade
de movimento” a atividade der para os participantes, maior será a gama de
experiências que eles poderão ter. Vamos comparar atividades que têm somente
uma solução com atividades que permitem diversas soluções.
Somente uma solução é possível. Um determinado insight é desejado, e quando
os participantes vencem o desafio apresentado, o mesmo é alcançado, mais ou
menos como quando vemos acender uma lâmpada dentro do balão de pensamento
de um personagem de história em quadrinhos. O problema é que este tipo de
atividade geralmente não têm espaço para nenhum outro tipo de aprendizagem. Ou
seja: quando o insight a ser alcançado com a atividade já é pré-determinado, sobra
pouco ou nenhum espaço para que os processos daquele grupo específico sejam
examinados. Além disso, quando um ou mais participantes já conhecem o que deve
ser aprendido, a atividade e – junto – o efeito “lâmpada acendendo em cima da
cabeça” morrem. Óbviamente, a riqueza do que pode ser aprendido é severamente
limitada.
Várias soluções são possíveis. Neste tipo de atividade, quais os insights a serem
alcançados é uma questão, em grande parte, aberta. O controle sobre a discussão é
menor, pois apesar apesar de poder direcioná-la, o facilitador não tem garantias do
rumo que ela tomará. Por isso o espaço para a descoberta, e conseqüentemente
para o aprendizado, é muito maior.
É interessante compararmos estes dois tipos de atividades com os tipo de
perguntas (aberta ou fechada) que podemos fazer a um participante durante um
processamento1 de uma experiência. Uma pergunta fechada oferece apenas
sim/não, é/não é, etc. como respostas possíveis. Este tipo de pergunta não leva o
participante a aprofundar-se na análise do processo ocorrido durante a atividade.
Na maior parte das vezes o facilitador já sabe a resposta que será dada e quer
apenas que o participante valide uma linha de pensamento que está sendo
desenvolvida. Ou seja, um efeito semelhante ao de atividades com uma só solução
e a lâmpada da história em quadrinhos. Um outro paralelo que se pode traçar é o
do controle. Tanto nas atividades de uma só solução como nas perguntas fechadas,
o nível de controle que o facilitador tem sobre o que pode acontecer é muito alto.
1
– Muitas vezes usamos a expressão “processar” a experiência/atividade ao invés de
“debriefing”. O termo “debriefing” sugere algo que acontece depois, enquanto o
processamento descreve o acompanhamento da aprendizagem do participante ao longo da
experiência ou do programa.

Já com as perguntas abertas, existem muitas respostas possíveis, e apesar de


muitas vezes o facilitador ter uma boa idéia da “direção” da resposta, ele não tem
o controle total do rumo do processo. As semelhanças com uma atividade que
permite diversas soluções são bastante claras.
Para permitir o aprendizado auto-responsável, uma atividade deve: Dentro de
uma área externa demarcada e limitada (a atividade) criar uma área
interna (o processo da aprendizagem) que possua a maior liberdade
possível. Isso se pode conseguir através da combinação dos seguintes fatores,
cada um deles com perguntas que devemos fazera nós mesmos quando planejamos
um evento.
Sequência e tipo de experiências
• Por que esta atividade agora?
• Quais os objetivos didáticos (tanto da atividade como de aprendizagem) que eu
quero alcançar colocando-a neste ponto do programa?
• Os objetivos são claros, relevantes para e acordado com os participantes?
• O objetivo físico da atividade tem alguma relação com os objetivos didáticos?
• Ele é realisticamente alcançável e adequado ao grupo?
• Existem paralelos ou metáforas relacionados a situações relevantes?
Regras e restrições
• Elas suportam a descoberta e o processo de aprendizagem, de forma a definir um
espaço externo deixando o máximo de liberdade interna?
• Quais são as regras “não-negociáveis2” da atividade e quais podem ser
negociadas e/ou modificadas pelo grupo?
As regras devem ser colocadas para maximizar “espaço da experiência”, ou como
Nelson Trindade da Sociosistemas, Portugal, explicou uma vez: “quando dizemos a
uma criança para sentar-se em uma cadeira, ela só pode se sentar na cadeira.
Quando dissemos à mesma criança que ela não pode sentar-se no chão, além da
cadeira, ela pode escolher qualquer outro lugar, abrindo um grande número de
possibilidades para a experiência (e consequentemente para o aprendizado) dentro
do espaço onde ela está.” Da mesma maneira regras e restrições que dizem ao
participante o que ele deve fazer são limitantes, enquanto as que apenas dizem o
que não pode ser feito, abrem espaço para a criatividade e a descoberta.
2
- “Não-negociáveis” são as regras essenciais para o funcionamento da atividade, e voltadas
para:
• assegurar a integridade física e emocional dos participantes.
• alcançar o objetivo didático.
• garantir o maios espaço possível para a experiência.
2 - o comportamento do facilitador
“A coisa mais humana que podemos fazer é confortar os aflitos e afligir os
confortáveis”
Clarence Darrow
Experimentar e aprender são elementos indispensáveis do processo de
crescimento. “Crescer significa empurrar…” (G. Herrick, durante uma discussão
informal sobre didática em Bratislava, 1998). O “empurrar” desta frase é
relacionado à área de conforto onde a pessoa atua. Para aumentar esta área, uma
pessoa tem que fazer coisas diferentes do que ela está acostumada, saindo um
pouco de si em direção ao que é novo. Desta forma, para apoiar o participante em
seu papel de responsável por seu próprio aprendizado, o facilitador deve muitas
vezes confrontá-lo com situações desconhecidas e/ou desconfortáveis. Como o
facilitador compreende este papel, e como ele o desepenha, são fatores que têm
influência direta sobre os participantes e:
• a sua vontade de aprender;
• a possibilidade deles experimentarem algo novo;
• a reflexão sobre as experiências e o ganho de novas percepções.
Existem duas perguntas básicas que o facilitador deve responder a si mesmo. Elas
servem para esclarecer em que área(s) ele tem de tomar cuidado para não limitar a
oportunidade dos participantes de assumirem a responsabilidade pela
aprendizagem.
a) O que torna o papel de facilitador de programas experienciais atrativo para
mim?

As razões pelas quais alguém pode querer trabalhar com treinamentos e/ou
educação experiencial são muitas, e por isso vamos utilizar algumas generalizações
mais comuns para explorar um pouco o assunto.
• o amigo. Quer queos participantes gostem dele. Tem dificuldade de dizer não
para o grupo, e de manter as regras das atividades.
• o ídolo. Quer ser admirado. Tem dificuldades de sair do “papel principal” e dá-lo
para os participantes.
• o professor. Quer ensinar, passar conhecimento. Tem de controlar-se para não
começar, inconscientemente, a dar dicas sobre o problema a ser resolvido pelo
grupo.
• o paternalista. Quer proteger os participantes, sofre ao vê-los em dificuldades e
acredita que sabe o que é melhor para eles.
b) Em qual papel eu suporto ou não, o aprendizado auto-responsável?
Um caso interessante, relativo ao aspecto de paternalismo, aconteceu conosco em
Outubro de 2002, durante um seminário para jovens socialmente desajustados em
Berlin.
Nós havíamos instalado um elemento high ropes chamado Postman’s Bridge em
uma floresta. Esta atividade consiste em um sistema de segurança acima de duas
cordas esticadas horizontalmente sobre um obstáculo, no caso um pequeno canyon
com uns 15 metros de profundidade. Os participantes poderiam atravessá-lo,
usando as duas cordas para as mãos e os pés, sendo assegurados por um sistema
de polias. Em um dos grupos, onde a acompanhante era uma professora que já
havia demonstrado algumas características da nossa generalização “paternalista”,
havia um jovem (vamos chamá-lo de Fritz) que, no início da atividade, já tinha
mencionado o quanto ele tinha medo de altura. Quase no fim da atividade, Fritz
havia juntado toda a coragem, e finalmente lá estava ele, no começo de uma
travessia. Ele estava impressionado com o que estava prestes a tentar, mas calmo
e decidido a dar o melhor de si para vencer o desafio. Após caminhar por uns
metros na corda, o chão começou a afastar-se, e na medida que Fritz progredia para
o meio do canyon as dúvidas se apossaram dele.
“Eu queria continuar, mas estou ficando com medo.” Disse Fritz
“Claro que vai!”, “Manda ver!”, “Nós também tivemos medo”, “Eu também tremi,
mas valeu a pena continuar…”, choveram respostas do grupo. Fritz queria
claramente continuar, mas todos podíamos ver que estava lutando contra um medo
intenso. Sem o suporte dos seus amigos ele provavelmente já teria desistido mais
uma vez, em uma história de desistências que já incluíam a escola, a aceitação na
sociedade, etc. Neste momento ouvimos a voz da professora: “Deixa pra lá Fritz,
você já foi tão bem até aí!”. Fritz imediatamente recuou, e voltou para a margem do
canyon, onde foi congratulado por todos pelo seu esforço.
É muito importante conhecermos as nossas necessidades como facilitadores, para
não confundi-las com as necessidades dos participantes. Algumas perguntas que
podem ajudar a evitar uma situação como a descrita acima são:
• Quais são as minhas necessidades agora?
• Elas têm um efeito positivo no aprendizado do grupo, ou vão bloqueá-lo?
• Qual o papel que apóia melhor a aprendizagem auto-responsável neste momento?
• Como devo me comportar para preenchê-lo?
Para concuir esta parte, segue uma lista das competências que nós descobrimos
como essenciais para um facilitador que realmente quer apoiar a aprendizagem
auto-responsável nos participantes. O facilitador deve ter:
• Confiabilidade: é íntegro, aberto ao feedback, construtivo.
• Soberania: ele mostra uma larga margem de competência (S. Priest e M. Gass,
1997) e as atividades conduzidas são completamente dentro da sua área de
conforto.
• Neutralidade: ele observa sem julgar.
• Distância: ele é empatico, mas sem envolvimento emocional.
• Flexibilidade: onde puder, ele abre espaço para lidar com processos,
dificuldades, aprendizados e insights.
• Delegação: ele sabe deixar o controle do poder e da responsabilidade para a
aprendizagem nas mãos dos outros.
Conclusão
A facilitação que promove uma aprendizagem verdadeiramente auto-responsável
aos participantes, é um método bastante complexo e difícil.
É um conjunto de técnicas, conhecimentos e experiências, que exigem não só a
auto-reflexão do facilitador e a consciência do seu próprio comportamento, como
também extensiva prática em situações e programas diversos.
Apesar de não sabermos como ensinar a receita de bolo de uma boa facilitação
somente com teoria – a prática é ainda mais importante - , esperamos que este
capítulo sirva para ajudar o leitor a compreender melhor a necessidade de certos
ingredientes. Favor temperar ao gosto do freguês…
* Silke Koerner é Consultora e Facilitadora Experiencial na Alemanha. Tem realizado nos
últimos anos diversos programas inovadores, e ministrado Workshops na Associação de
Educação Experiencial Européia. Ao lado de Gabriel Fonseca (brasileiro) formam a
KreativAktion <http://www.kreativaktion.de>

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