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Facilitação no Treinamento Experiencial

Por Gabriel da Fonseca e Silke Koerner

Intrudução
Em conversas sobre treinamento experiencial, o termo “facilitação” é quase uma
constante. Mas o que é, realmente, facilitação? Facilitação, basicamente, é a arte
de liderar os processos de um grupo, de forma a ajudá-lo a alcançar os seus
objetivos de aprendizado. É claro que esta definição não explica como um
facilitador pode chegar lá. Tendo trabalhado com facilitacão na Europa desde 1996,
gostaríamos de compartilhar o que temos feito aqui deste lado do oceano, em
termos de envolver o participante no processo de aprendizagem. Vamos então
conversar um pouco sobre técnicas de facilitação em programas experienciais.

As formas de facilitação
As técnicas de facilitação podem ser tão ou mais diversas quanto os objetivos de
aprendizado a serem alcançados pelos participantes. Dependendo do contexto e do
objetivo do programa, diferentes formas de facilitação são necessárias. Em 1997,
M. Gass e S. Priest apresentaram uma seqüência sobre a evolução das técnicas de
facilitação e seus vários estágios de desenvolvimento, agrupando-as em seis
diferentes estilos de facilitação. Hoje em dia, especialmente na Europa, há uma
tendência para se ir além disso. Antes de apresentar o modelo com que
trabalhamos no momento, gostaríamos de analisar rapidamente estes estilos.

Os três primeiros são:


Deixar a experiência falar por si própria. Este método consiste em
proporcionar experiências para que o participante possa extrair delas o seu próprio
aprendizado.
Falar pela experiência. Aqui o facilitador interpreta a experiência para os
participantes, explica quais os aprendizados que êles devem extrair dela, e como
aplicar este conhecimento em outras situações.
Debriefing. Durante um debriefing, o facilitador ajuda o participante a processar
a experiência através da reflexão. Com o uso de perguntas abertas, o facilitador
cuidadosamente guia os participantes de forma que eles possam trazer os
assuntos importantes para o forum de discussão, assim como assumir
compromissos uns com os outros e consigo mesmos. O processamento da
experiência é a pedra fundamental do treinamento experincial, o espaço onde a
maior parte das conexões entre o que aconteceu durante a atividade e a “vida lá
fora” são feitas.

Os próximos três estágios, são utilizados além do debriefing, para ativamente


direcionar a aprendizagem para os objetivos dos participantes.

Frontloading direto. Durante a apresentação da atividade, o facilitador já cita


alguns tópicos relacionados com os objetivos do grupo, direcionando a atenção dos
participantes desde o início.
Framing. Com este método, o facilitador enquadra a experiência, utilizando
paralelos que levam os participantes a fazerem conexões metafóricas relevantes
antes da atividade. Desta forma, o facilitador transforma a experiência em um
reflexo da realidade do participante, levando-o a criar conexões entre o seu
comportamento durante a atividade e fora dela.
Frontloading indireto. Este é um método muito utilizado em programas
terapêuticos, onde o facilitador utiliza comportamentos paradoxais para ajudar o
participante a sair de um círculo vicioso.

Aprendizagem auto-responsável
Durante os últimos anos, ficou cada vez mais claro para nós que os participantes
devem não só tomar parte ativa na definição dos objetivos, como também assumir
a responsabilidade pela aprendizagem. O grupo de profissionais da área de
treinamento experiencial na Europa que favorece e apoia a “aprendizagem auto-
responsável” vem crescendo constantemente, como mostra a lotacão do workshop
“Sägen an der Krücke” (Serrando as Muletas) apresentado por S. Koerner na
conferência “Erleben und Lernen”, na Universidade de Augsburg, Alemanha,
outubro 2002. Neste workshop foram exploradas diversos aspectos do
comportamento do facilitador e métodos para promover a aprendizagem auto-
responsável. Existem duas áreas de principal influência:

1- O design da atividade
É importantíssimo que dentro da estrutura de uma atividade haja espaço para os
processos do grupo ocorrerem, assim como para a descoberta. Isso permite que o
participante assuma a responsabilidade pela aprendizagem. Quanto mais
“liberdade de movimento” a atividade der para os participantes, maior será a gama
de experiências que eles poderão ter. Vamos comparar atividades que têm
somente uma solução com atividades que permitem diversas soluções.
Somente uma solução é possivel. Um determinado insight é desejado, e
quando os participantes vencem o desafio apresentado, o mesmo é alcançado,
mais ou menos como quando vemos acender uma lâmpada dentro do balão de
pensamento de um personagem de história em quadrinhos. O problema é que este
tipo de atividade geralmente não tem espaço para nenhum outro tipo de
aprendizagem. Ou seja: quando o insight a ser alcançado com a atividade já é pré-
determinado, sobra pouco ou nenhum espaço para que os processos daquele grupo
específico sejam examinados. Alem disso, quando um ou mais participantes já
conhecem o que deve ser aprendido, a atividade e - junto - o efeito “lâmpada
acendendo em cima da cabeça” morrem. Óbviamente, a riqueza do que pode ser
aprendido é severamente limitada.
Várias soluções são possíveis. Neste tipo de atividade, quais os insights a
serem alcançados é uma questão, em grande parte, aberta. O controle sobre a
discussão é menor, pois apesar de poder direcioná-la, o facilitador não tem
garantias do rumo que ela tomará. Por isso, o espaço para a descoberta, e
conseqüentemente para o aprendizado, é muito maior.
É interessante compararmos estes dois tipos de atividades com os tipos de
pergunta (aberta ou fechada) que podemos fazer a um participante durante o
processamento1 de uma experiência. Uma pergunta fechada oferece apenas
sim/não, é/não é, etc. como respostas possíveis. Este tipo de pergunta não leva o
participante a aprofundar-se na análise do processo ocorrido durante a atividade.
Na maior parte das vezes o facilitador já sabe a resposta que será dada e quer
apenas que o participante valide uma linha de pensamento que esta sendo
1
Muitas vezes nos usamos a expressão “processar” a experiência/atividade ao invés de
“debriefing”. O termo “debriefing” sugere algo que acontece depois, enquanto o
processamento descreve o acompanhamento da aprendizagem do participante através do
longo da experiência ou do programa.
desenvolvida. Ou seja, um efeito semelhante ao de atividades com uma só solução
e a lâmpada da história em quadrinhos. Um outro paralelo que se pode traçar é o
do controle. Tanto nas atividades com uma só solucão como nas perguntas
fechadas, o nível de controle que o facilitador tem sobre o que pode acontecer é
muito alto.
Já com as perguntas abertas, existem muitas respostas possíveis, e apesar de
muitas vezes o facilitador ter uma boa idéia da “direção” da resposta, ele não tem
o controle total do rumo do processo. As semelhanças com uma atividade que
permite diversas soluções são bastante claras.
Para permitir o aprendizado auto-responsável, uma atividade deve: Dentro de
uma área externa demarcada e limitada (a atividade) criar uma área
interna (o processo da aprendizagem) que possua a maior liberdade
possível. Isso se pode conseguir através da combinacão dos seguintes fatores,
cada um deles com perguntas que devemos fazer a nós mesmos quando
planejamos um evento.

Seqüência e tipo de experiências.


• Por que esta atividade agora?
• Quais os objetivos didáticos (tanto da atividade como de aprendizagem) que eu
quero alcançar colocando-a neste ponto do programa?
• Os objetivos são claros, relevantes para e acordados com os participantes?
• O objetivo fisico da atividade tem alguma relação com os objetivos didáticos?
• Ele é realisticamente alcançável e adequado ao grupo?
• Existem paralelos ou metáforas relacionados às situações relevantes?

Regras e restrições.
• Elas suportam a descoberta e o processo de aprendizagem, de forma a definir o
espaço externo deixando um máximo de liberdade interna?
• Quais são as “não-negociáveis”2 da atividade, e quais podem ser negociadas
e/ou modificadas pelo grupo?
As regras devem ser colocadas para “maximizar espaço da experiência”, ou como
Nelson Trindade da Sociosistemas, Portugal, explicou uma vez: “Quando dizemos a
uma criança para sentar-se em uma cadeira, ela só pode se sentar na cadeira.
Quando dizemos à mesma criança que ela não pode sentar-se no chão, além da
cadeira, ela pode escolher qualquer outro lugar, abrindo um grande número de
possibilidades para a experiência (e conseqüentemente para o aprendizado) dentro
do espaço onde ela está”. Da mesma maneira, regras e restrições que dizem ao
participante o que ele deve fazer são limitantes, enquanto as que apenas dizem o
que não pode ser feito abrem espaço para a criatividade e a descoberta.

2- O comportamento do facilitador.

2
“Não-negocáiveis” são as regras essenciais para o funcionamento da atividade, e devem
ser voltadas para:
• assegurar a segurança física e emocional dos participantes
• alcançar o objetivo didático
• garantir o maior espaço possível para a experiência
“A coisa mais humana que podemos fazer é confortar os aflitos e afligir os
confortáveis”
Clarence Darrow
Experimentar e aprender são elementos indispensáveis do processo de
crescimento. “Crescer significa empurrar…” (G. Herrick, durante uma discussão
informal sobre didática em Bratislava, 1998). O “empurrar” desta frase, é
relacionado à área de conforto onde a pessoa atua. Para aumentar esta área, uma
pessoa tem de fazer coisas diferentes do que ela está acostumada, saindo um
pouco de si em direcão ao que é novo. Desta forma, para apoiar o participante em
seu papel de reponsável por seu próprio aprendizado, o facilitador deve muitas
vezes confrontá-lo com situações desconhecidas e/ou desconfortáveis. Como o
facilitador compreende este papel, e como ele o desempenha, são fatores que têm
influência direta sobre os participantes e:
• a sua vontade de aprender,
• a possibilidade deles experimentarem algo novo,
• a reflexão sobre as experiências e o ganho de novas percepções.

Existem duas perguntas básicas que um facilitador deve responder a sí mesmo.


Elas servem para esclarecer em que área(s) ele tem de tomar cuidado para não
limitar a oportunidade dos participantes de assumirem a responsabilidade pela
apreendizagem.

1. O que torna o papel de facitlitador de programas experienciais atrativo para


mim?
As razões pelas quais alguém pode querer trabalhar com treinamento e/ou
educação experiencial são muitas, e por isso vamos utilizar algumas
generalizações mais comuns para explorar um pouco o assunto.
• O amigo. Quer que os participantes gostem dele. Tem dificuldade de dizer não
para o grupo, e de manter as regras das atividades.
• O ídolo. Quer ser admirado. Tem dificuldades de sair do “papel principal” e dá-
lo para os participantes.
• O professor. Quer ensinar, passar conhecimento. Tem que controlar-se para
não começar, inconscientemente, a dar dicas sobre o problema a ser
resolvido pelo grupo.
• O paternalista. Quer proteger os participantes, sofre ao vê-los em dificuldades
e acredita que sabe o que é melhor para eles.

2- Em qual papel eu suporto ou não, o aprendizado auto-responsável?


Um caso interessante relativo ao aspecto de paternalismo, aconteceu conosco em
Outubro de 2002, durante um seminário para jovens socialmente desajustados de
Berlin.
Nós havíamos instalado um elemento high ropes chamado Postman`s Bridge” em
uma floresta. Esta atividade consiste em um sistema de segurança acima de duas
cordas esticadas horizontalmente sobre um obstáculo, no caso um pequeno
canyon com uns 15 metros de profundidade. Os participantes poderiam atravessá-
lo, usando as duas cordas para as mãos e os pés sendo assegurados por um
sistema de polias. Em um dos grupos, onde a acompanhante era uma professora
que já havia demostrado algumas características da nossa generalizacão
“paternalista”, havia um jovem (vamos chamá-lo de Fritz) que, no início da
atividade, já tinha mencionado o quanto ele tinha medo de altura. Quase no fim da
atividade, Fritz havia juntado toda a coragem, e finalmente lá estava ele, no
começo da travessia. Ele estava impressionado com o que estava prestes a tentar,
mas calmo e decidido a dar o melhor de si para vencer o desafio. Após caminhar
por alguns metros na corda, o chão comecou a afastar-se, e na medida que Fritz
progredia para o meio do canyon as dúvidas se apossaram dele.
“Eu queria continuar, mas estou ficando com medo.” disse Fritz.
“Claro que vai.”, “Manda ver!”, “Nós também tivemos medo” “Eu também tremi,
mas valeu a pena continuar...”, choveram as respostas do grupo. Fritz claramente
queria continuar, mas todos podíamos ver que estava lutando contra um medo
intenso. Sem o suporte dos seus amigos ele provavelmente já teria desistido mais
uma vez, em uma história de desistências que já incluíam a escola, a aceitacão na
sociedade, etc.. Neste momento ouvimos a voz da professora: “Deixa pra lá Fritz,
voce já foi tão bem até ai!”. Fritz imediatamente recuou, e voltou para a margem
do canyon, onde foi congratulado por todos por seu esforco.

É muito importante conhecermos as nossas necessidades como facilitadores, para


não confundi-las com as necessidades dos participantes. Algumas perguntas que
podem ajudar a evitar uma situacão como a descrita acima são:
• Quais são as minhas necessidades agora?
• Elas têm um efeito positivo no apendizado do grupo ou vão bloqueá-lo?
• Qual o papel que apóia melhor a aprendizagem auto-responsável neste
momento?
• Como devo me comportar para preenchê-lo?

Para concluir esta parte, segue uma lista das competências que nós
descobrimos como essenciais para um facilitador que realmente quer apoiar a
aprendizagem auto-responsável nos participantes. O facilitador deve ter:
• Confiabilidade: é íntegro, aberto ao feedback, construtivo.
• Soberania: ele mostra um larga margem de competência (S. Priest e M. Gass,
1997) e as atividades conduzidas são completamente dentro da sua área de
conforto.
• Neutralidade: ele observa sem julgar.
• Distância: ele é empático, mas sem envolvimento emocional.
• Flexibilidade: onde puder, ele abre espaço para lidar com processos,
dificuldades, aprendizados e insights.
• Delegação: ele sabe deixar o controle do poder e da responsabilidade para a
aprendizagem nas mãos dos outros.

Conclusão
A facilitação que promove uma aprendizagem verdadeiramente auto-responsável
por parte dos participantes é um método bastante complexo e difícil.
É um conjunto de técnicas, conhecimentos e experiências, que exigem não só a
auto-reflexão do facilitador e a consciência do seu próprio comportamento, como
também extensiva prática em situacões e programas diversos.
Apesar de não sabermos como ensinar a “receita de bolo” de uma boa facilitacão
somente com teoria - a prátca é ainda mais importante -, esperamos que este
capitulo sirva para ajudar o leitor a compreender melhor a necessidade de certos
ingredientes. Favor temperar ao gosto do freguês...

Os autores:
Gabriel da Fonseca (brasileiro) e Silke Koerner (alemã) trabalham desde 1992
como treinadores independentes com o método experiencial. Antes foram
treinados e qualificados principalmente através de organisações e instituções nos
EUA.
No Brasil comecaram prestando serviço para a Dinsmore Associates no Rio de
Janeiro, que introduziu os percursos de corda no treinamento empresarial no
Brasil. Eles foram responsáveis pela contrução de vários percursos fixos e móveis,
bem como pelo desenvolvimento e treinamento da equipe de treinadors da
empresa. Em 1995 fundaram, junto com Alexandre Canella, a Adventure
Experiences Ltd.
1996 mudaram para a Alemanha e fundaram a KreativAktion, mas continuam
trabalhando regularmente no Brasil até hoje. Silke e Gabriel trabalham
internacionalmente com parceiros e projetos na Europa e países como Argentina,
EUA, Pánama ou Malaysia. Públicos alvo são empresas globais, pedagogos sociais,
jovens e professores. www.kreativaktion.de

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