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PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME
ERGUNTE
e
Responderemos
ANO //
ÍNDICE
ras.
I. CIENCIA E RELIGIAO
III. DOGMÁTICA
IV. MORAL
V. HISTORIA DO CRISTIANISMO
Ano II — N9 23 — Novembro
H. M. (Rio de Janeiro) :
— 447 —
Da possessáo distingue-se a «obsessáo diabólica», que
consiste em ataques mais brandos de Satanaz, o qual, no caso, t
nao chega a fixar mansáo no corpo da vítima ; foi o que se
verificou na vida de S. Joáo Vianney, o cura d'Ars.
— 448 —
Nao se poderia alegar que Jesús e os Evangelistas, no seu
modo de falar, se tenham acomodado simplesmente á con-
cepcáo popular, a qual (dizem os críticos) atribuía as doen-
cas a intervengáp diabólica. Tal acomodacáo equivaleria a
confirmar um erro comum, e erro importante — coisa que
justamente Cristo nao quis fazer quando O interrogaram sobre
a causa da enfermidade que acometía o cegó de nascenga
(pecara ele ou haviam pecado seus pais ?, perguntaram os
Apostólos, recorrendo a urna lógica popular ou infantil). Sa-
be-se que o Senhor entáo fez questáo de dissipar o erro
comum sobre a origem da doenga. Ora Cristo, que em tal caso
assim procedeu, nao teria confirmado sistemáticamente urna
crenga popular errónea concernente á possessáo diabólica.
Mais ainda: quando os fariseus acusaram o Senhor de
expulsar demonios em nome de Beelzebul, Jesús, longe de
replicar que a crenga em exorcismos era coisa vá, muito ao
contrario reivindicou para Si o poder decisivo e absoluto de
exorcizar; em suas palavras, nada transpareceu que fósse
atenuagáo do estrito conceito de exorcismo e, conseqüente-
mente, de possessáo diabólica (cf. Le 11,17-22 ; Me 3,23-27;
Mt 12,25-29).
Observe-se outrossim que em certas ocasióes o Senhor
curou interpelando um ser diverso do paciente, ameagando-o,
mandando-o sair, etc. (tais sao evidentemente os casos de pos
sessáo), ao passo que, em outros episodios, Jesús curou apenas
mediante gestos simbólicos e palavras interpretativas desses
gestos (assim nos casos que parecem ter sido de simples doen-
gas, como o do surdo-mudo da Decapóle, em Me 7,32-35 ; o
do cegó de Betsaida, em Me 8,22-26 ; o do servo paralítico do
centuriáo de Cafarnaum, em Mt 8,5-13).
b) Além de táo claros depoimentos dos Evangelhos, tém-
-se fatos históricos posteriores que comprovadamente atestam
a possessáo diabólica. '
— 449 —
mente em diversos idiomas. Nessas mesmas ocasióes, aparecia-lhe
um tumor no rosto; ésse tumor esvanecia-se logo que um sacerdote
lhe aplicasse o sinal da cruz; mas voltava á tona sem demora na
garganta, depois no peito, no estómago, chegando por fim aos pés...
A tal jovem disse urna vez o Pe. Ribadeneira que Inácio de Loiola
estava para voltar á casa e que havia de expulsar o demonio, pres-
suposto causador dos tormentos do rapaz. Ao ouvir tal noticia, a
vitima entrou em grande agitacjío e exclamou: «Nao me fale de Inácio;
é meu maior inimigo, o inimigo mais ferrenho de todos». Ora S.
Inácio de fato foi ter á casa; após lhe haverem relatado o que
acontecía, tomou o jovem á parte... Ninguém soube o que disse ou
fez; o fato, porém, é que em breve Mateus recuperou suas íacuidades,
ficando plenamente livre da tiranía do demonio; féz-se mais tarde
monge camaldulense, com. o nome de Frei Basilio» (Acta Sanctorum,
Julho t. VIII pág. 761, n« 716).
No caso ácima, convém chamar a atencáo para o seguinte: a
a$áo diabólica se evidencia nao tanto pelos fenómenos psíquicos e
somáticos registrados (fenómenos que talvez pudessem ser explicados
naturalmente) como pelos sinais de adversidade á cruz e ao homem
de Deus professados pelo jovem doente.
Els outro caso, datado de nossos tempos, também geralmente tido
como auténtico:
Em 1920 na cidade de Piacenza (Italia) u'a mulher entrou na
sacristía da igreja franciscana de Santa María, e a um dos sacerdotes
presentes disse que sentirá, durante algum tempo, estarem o seu
corpo e a sua alma sujeitos ao dominio de um poder estranho. Por
influencia désse poder, ela cantava operas que jamáis havia ouvido,
dansava até cair exausta, rasgava camisas e lengóls 'Com os dentes,
via coisas a grande distancia, que posteriormente eram comprovadas
como reais!...
O religioso franciscano assim interpelado era capeláo de urna
clínica de psiquiatría; na base de suas experiencias, julgou que a
mulher estava histérica ou louca. Quando esta conclusáo lhe aflorou
á mente, a mulher declarou que nao era enferma em absoluto e que
desejava ser ajudada a se libertar... O sacerdote entáo lhe pediu
que voltasse dentro de alguns días. Tendo ela regressado em breve,
o padre resolveu aplicar-lhe urna fórmula de béncáo (nao de exor
cismo) na igreja; durante éste rito, a mulher pós-se a uivar como
um cao; a seguir.tomando voz de soprano, entoou maviosa cangáo;
depois, repentinamente comec.ou a falar idioma estranho como se
estivesse a conversar com pcssoa invisível; por fim, prorrompeu em
pranto...
Sem demora, o bispo, informado do ocorrido. mandou ao referido
franciscano (que ainda nao se convencerá da pretensa possessáo
diabólica), rezasse o exorcismo sobre a paciente. A primeira aplicacáo
déste rito teve lugar aos 21 de margo de 1920 em presenga de outro
sacerdote franciscano, de dois médicos psiquiatras de Piacenza, da
máe, do esposo e de duas amigas da infeliz vitima.
Logo ao serem proferidas as palavras iniciáis do Ritual («Eu
te exorcizo, espirito imundissimo,...»), a mulher deu um pulo nos
ares e exclamou para o exorcista: «Quem és tu, que ousas medir-te
comigo? Nao sabes que sou Isabó, e que tenho poderosas garras
e fortes punhos?»
O padre a principio julgou que ia perecer, mas, recuperando
ánimo, disse ao Maligno:
_ 450 —
«Sou sacerdote de Jesús Cristo. Pelos misterios da Encarnacáo
da Paixao e da Ressurreicáo de Jesús Cristo, pela sua Ascencáo aos
céus e pela sua promessa de volta no dia do juizo final, mando-te
que nao causes daño algum a esta criatura de Deus, nem aqueles
que lhe assistem nesta casa, nem a algum de seus bens e haveres-
ordeno-te cumpras tudo que eu te disser!»
Prosseguiu entao o exorcista:
«Donde vens?»
— «Ouve bem : queres mandar a mim como se eu íóra teu
escravo», respondeu o Maligno pela boca da mulher.
— «Dize-me: donde vens?»
— «Nao o direi».
— «Em nome de Deus, de Deus a Quem conheces bem, dize-me
donde vens!»
Ao ouvir esta forte íntimagáo, a possessa comecou a retorcer-se
convulsivamente, tomando aspecto desfigurado.
O franciscano insistiu:
«Em nome de Deus, pelo Sangue e a Morte de Cristo, dize-me
donde vens».
— «De desertos lonpinquos».
— «Estás só ou trazes companheiros?»
— «Trago companheiros».
— «Quantos?»
— «Sete».
— «Porque entraste nesse corpo?»
— «Por causa de um amor violento, que nao encontrou correspon
dencia».
— «Nao encontrou correspondencia da parte de quem?»
— «És um idiota».
— «Responde: quem foi que nao correspondeu a ésse amor?»
— «Ésse_ corpo aqui».
E, ao dizer isto, o demonio agarrou invislvelmente a possessa,
espancando-a no tórax.
— «E porque nao quis corresponder?»
— «Porque nao é justo», disse o Maligno em tom de zombaria,
como se a resistencia da mulher fóra ridicula.
Depois de novas sessSes, o demonio, mostrando sempre resisten
cia ao exorcista, declarou entre convulsSes que aos 23 de junho
sairia do corpo possesso! Explicou também que a causa de sua
entrada no corpo da vítima fóra um homem adepto do ocultismo,
o qual quisera aliciar a mulher para as práticas ocultistas, a fim
de se apoderar déla.
Finalmente, chegou o dia 23 de junho, que a paciente esperava
em tensáo frenética. Nessa data o sacerdote dirigiu-se mais urna
vez ao Maligno:
«Ent nome de Deus, conjuro-te a que me obedegas em tudo
que estou para te preceituar».
Nao tendo resposta, mas, ao contrario, vendo a paciente ainda
mais angustiada, prosseguiu:
«Ouvlste?»
Nenhuma resposta.
«Mando-te em nome de Deus e da SSma. Virgem».
Silencio absoluto.
«Se compreendeste o que disse, levanta um braco; em caso
contrario, levanta os dois bracos».
Entáo muito lentamente e como que a contragosto a paciente
levantou um braco.
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A vista disso, o sacerdote em tom solene ordenou ao demonio
que abandonasse ¡mediatamente o corpo da possessa.
Urna voz débil e alquebrada respondeu em tom de lamúria:
«Vou a...»
A possessa entáo prostrou-se por térra; foi acometida de tremen
das convulsoes. pondo-se a vomitar grande número de objetos miste
riosos. O exorcista continuou a dar suas ordens com renovada
seguranca:
«Deixa-a, deixa-a...!»
Em breve a mulher ergueu-se; sorriu, tomou a atitude natural
e a voz suave de urna jovem, exclamando:
«Estou curada».
Durante os ritos de exorcismo, o demonio se referira_ varias
vézes a um pequeño globo que a mulher fóra forcada a ingerir havia
sete anos. O psiquiatra Dr. Lupi exam'nou a bacia que a mulher
usara para lancar seus vómitos: no íundo da mesma, encontrou
realmente um pequeño globo de carne de porco em estado duro e
seco, do tamanho de urna avelá, munido de sete saliéncias pontia-
gudas... Misterioso troféu...
Quanto á mulher, nunca mais tornou a ser acometida pelo
demonio a sentir os incómodos físicos anteriores. Aínda vivía há
poucos anos atrás num povoado dos ar.redores de Piacenza, como
avó muito feliz em meio aos seus familiares.
O caso ácima, tido como de auténtica possessáo diabólica, é
cartamente raro no seu género. O relato foi extraído da obra «La
entrevista de Alberto Vecchi con el Diablo», ed. Paoline. Modena 1954.
Tornou-se famoso também o caso do Pe. Surin S. J. (séc. XVII),
que passou a ser possuído pelo demonio que ele expulsara da Irma
Maria dos Anjos.
— 452 —
Romano, De exorcizandis a daemonio n. 3). Em presenga de
um pretenso possesso, portante, o cristáo aplicará o chamado
«principio de economía» (economía de explicacóes preterna-
turais), isto é, primeiramente procurará elucidar o caso se
gundo os mais modernos conhecimentos da psicología e da
medicina, proporcionando ao paciente o íratamento que estas
ciencias Ihe possam eventualmente indicar. Sómente se tal
terapéutica se mostrar de todo vá, será plausível pensar em
intervengáo preternatural. E, para que se possa falar propria-
mente de possessáo diabólica, tornar-se-á necessário outrossim
que o paciente dé sinais de evidente revolta contra Deus ou
de impiedade, imoralidade, falsas érenlas, etc., de sorte que
nao se possa admitir seja o Senhor ou algum dos santos a
causa dos fenómenos analisados. — Ás vézes, dizem os teólo
gos, sao sómente estes sinais de oposigáo a Deus que caracte-
rizam o estado de possessáo diabólica ; os síntomas concomi
tantes de neurastenia podem nao se diferenciar, em absoluto,
dos que acompanham a epilepsia ou a histeria. Verifica-se,
pois, que há estados patológicos (histéricos, epiléticos, neuró
ticos ...) causados por possessáo diabólica, assim como há os
que nada tém que ver com tal intervengáo do Maligno : por
vézes, é difícil, á primeira vista, distinguir entre uns e outros.
O demonio parece mesmo servir-se de certas propensóes pato
lógicas da vítima para manifestar a sua presenga no corpo
da mesma.
_ 453 —
ou pelo complexo de inferioridade... pode ser fácilmente levada ao
estado de possessáo almejado pela malicia do demonio (a pessoa aflita,
porém, nao chegará a tal estado, se consultar o sacerdote e o médico)»
(El libro de los Milagros 73s).
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do que do ministerio dos exorcistas (documento citado por F. X.
Maquart, em «Satán» 330).
Ainda nos últimos anos, ou seja, em 1953, a sabedoria da Santa
Igreja se reafirmava pela palavra do Arcebispo Mons. Afonso Carinci,
Secretario da Sagrada Congregacáo dos Ritos:
«Muitos católicos julgam servir aos interésses de Deus e da
Igreja, uns negando o sobrenatural, outros atributado quase todos
os íenómenos a urna acáo sobrenatural.
A Igreja, sociedade sobrenatural, admite necessáriamente a pos-
sibilidade e a existencia de íatos sobrenaturais, mas Ela exige,
para os mesmos, provas seguras, que pairem ácima de qualquer
dúvida. Ela quer a verdade, nao a probabilidade, por maior que
esta seja.
... A Igreja é amiga da Verdade; recorre a todos as meios para
chegar a ela, e nao tem escrúpulos em nao admitir como milagre
um íato que dé ocasiáo á mínima uuspeita de ter sido produzido por
um agente natural» (transcrito de «Documentation Catholique» t.
LVI, 7 juin 1959, col. 718).
R. M. (Rio de Janeiro) ;
— 456 —
1. Jesús, certa vez tendo atravessado o mar ou lago de
Tiberíades, foi ter á regiáo dos Gerasénios. Dispensando-nos
de discutir as questóes que tal nome propóe aos críticos, dire
mos que com probabilidade éste territorio ficava a SE do
citado lago. O Senhor terá desembarcado na localidade hoje
chamada Koursi (em grego Chorsis), a qual corresponde á
cidade mencionada em Mt 8,33 ; Me 5,14; Le 8,34; ao sul
de Koursi ficava o promontorio de Moqa' a'dla, largo de 30 m
apenas (há vinte séculos devia ser ainda mais estreito), donde
os porcos se teráo precipitado ñas aguas, conforme Mt 8,32 ;
Me 5,13 ; Le 8,33.
Já esta reconstituicao de ambiente geográfico elucida
um dos pontos obscuros do episodio. Costuma-se indagar como
pode Jesús defrontar-se com u'a manada de 2.000 porcos,
quando o consumo de tais animáis era proibido aos judeus
pela Lei de Moisés. — Leve-se em conta que a regiáo de Gerasa
era habitada em grande maioria por pagaos ; a cidade de
Gadara, que ai ficava, foi o bergo de varios homens ilustres,
poetas ou filósofos, todos pagaos. Flávio José narra que, ao
se revoltarem contra os romanos no séc. I d. C, os judeus,
sob a chefia de Justo de Tiberíades, devastaram os territorios
de Gadara e Hippos; em conseqüéncia, os habitantes destas
duas cidades se yingaram, condenando á morte ou ao cárcere
os judeus que nelas moravam (Bel. jud. II XVm 1 e 5). As
circunstancias etnográficas, portanto, explicam muito bem a
cria^áo de porcos em Gadara ; os numerosos habitantes pa
gaos da regiáo nao estavam sujeitos as proibigóes da Lei de
Moisés.
2. Eis que, ao desembarcar, Jesús viu caminhar ao seu
encontró dois possessos (segundo S. Mateus) ou um só (se
gundo S. Marcos e S. Lucas).
A divergencia nao causa dificuldades a quem tem pre
sente a distingáo, observada pelos autores semitas, entre o
uso precisivo e o uso exclusivo dos números (cf. E. Betten-
court, Para entender o Antigo Testamento, cap. IV). Na rea-
lidade, admitam-se dois possessos, como refere S. Mateus ; os
Evangelistas S. Marcos e S. Lucas, ao falarem de um só, pres-
cindiram ou abstrairam do outro, mas nao o excluiram nem
negaram (prescindiram, porque provávelmente um só demo
níaco chamava de fato a atengáo ; ademáis bastava men
cionar urna só das duas vítimas para que a narrativa fósse
testemunho do poder taumaturgo de Cristo).
— 457 —
3. Os demoníacos mencionados pelos Evangelistas habi-
tavam em sepulcros ou cavidades rochosas habitualmente re
servadas aos mortos (na Palestina as sepulturas eram, sim,
abertas artificialmente na roca, quando nao se podiam apro-
veitar grutas, naturais para colocar os cadáveres ; eram táo
espacosas que sem dificuldade podiam servir de mansáo a um
homem). A permanencia dos possessos em tais lugares en-
tende-se pelo fato de que se haviam tomado indesejáveis aos
concidadáos ; nao podiam viver senáo em lugares desertes,
dada a agressividade de suas atitudes no convivio social. Nem
causará estranheza a circunstancia de que Satanaz, o intro-
dutor da morte néste mundo, levasse suas vítimas para a
regiáo dos mortos.
As manifestagóes de furor que S. Marcos atribui ao pos-
sesso, explicam-se bem á luz de quanto foi dito atrás : pode-
ráo ser tidas como reacóes doentias, neurasténicas ; nao resta
dúvida, porém, de que Satanaz as fomentava. Sim ; a posses-
sáo diabólica no caso é evidente, pois Jesús, ao ver o infeliz,
ínandou ¡mediatamente que os espíritos impuros o abando-
nassem. Ao que estes replicaram (segundo Mt) : «Porque te
ocupas conosco, Filho de Deus Altíssimo ? Vieste antes do
tempo atormentar-nos ?». Dotados de ciencia penetrante, os
demonios haviam reconhecido em Jesús um Mensageiro Di
vino, cuja vinda possivelmente acarretaria o juízo final da
historia.
O título «Filho de Deus Altissimo», na linguagem usual
de Israel aqui pressuposta, nao era própriamente um título
do Messias ; muito menos significava, ocorrendo nesta passa-
gem do Evangelho, que o demonio tivesse conhecimento do
misterio da Encarnacáo. No caso apenas servia para exprimir
o receio que os maus espíritos tinham de estar diante de urna
hora decisiva para a sua sorte : nao há dúvida, éles sabiam,
e sabem, que até o juízo final a Providencia Divina lhes con
cede tentar os homens sobre a térra, a fim de que estes com-
provem sua fidelidade a Deus ; nao ignoravam, porém, nem
ignoram, que no fim dos tempos os anjos maus seráo definiti
vamente entregues á sua sorte no inferno ; cf. Jud 6 (é o in
ferno que éles designam pelo nome de «abismo» em Le 8,31).
Enquanto tentam os homens sujeitos á provagáo desta vida,
os demonios nao deixam de experimentar em seu íntimo o
tormento do inferno (que é primariamente o tormento de
haver repudiado a Deus) ; contudo aínda se «consolam» me
diante o exercício de suas artimanhas contra os mortais. Era
a cessagáo déste consoló precario que os demonios gerasénios
temiam ao verem Jesús aproximar-se.
— 458 —
4. O Senhor perguntou entáo aos maus espirites qual o
seu nome, nao porque o conhecimento do nome fósse neces-
sário para realizar o exorcismo, mas porque era útil aos Após
telos saberem exatamente o alcance do feito de Jesús. Os
demonios responderam que constituiam urna legiáo. — A legiáo
romana nos tempos de Augusto contava 6.826 homens (6.100
infantes e 726 cavaleiros). Está claro que o vocábulo, no epi
sodio do Evangelho aquí analisado, significa apenas que grande
era o número dos espirites que infestavam os dois possessos.
Os demonios rogaram entáo ao Senhor que os deixasse
entrar nu'a manada de 2.000 porcos situada ñas cercanías.
Estranho pedido !... Entende-se, porém, tal súplica : os maus
espirites sabiam que estavam á mercé de Cristo e que, por
conseguinte, deveriam sair de suas duas vítimas humanas,
como lhes mandara Jesús; contudo, a fim de nao abandona-
rem a térra, visando prosseguir mais tarde sua agáo nefasta,
desejavam encontrar abrigo ao menos em animáis irradonais
da regiáo. Possivelmente também julgavam que, prejudicando
o gado, tornariam os ánimos dos gerasénios infensos a Jesús.
O Senhor concedeu aos malvados o que desejavam. Em
conseqüéncia, os suínos entraram, por sua vez, em estado de
convulsáo diabólica, e convulsáo táo veemente que, já nao
podendo controlar os seus passos, se precipitaran! no lago. A
perda, que provávelmente nao estava ñas intengóes dos espi
rites maus, causou notável prejuízo aos habitantes da re
giáo... Quanto ao possesso, referem S. Marcos e S. Lucas
que ele imediatamente se viu livre, em plena posse de suas
faculdades, sentando-se como discípulo aos pés de Jesús.
Fergunta-se, porém : por que motivo terá Jesús permi
tido o afogamento dos animáis ?
Esta questáo, que preocupa o moderno leitor do Evangelho,
parece nao ter tido importancia aos olhos dos Evangelistas.
Com efeito, nenhum déstes experimentou a necessidade de
explicar e justificar o procedimento de Jesús : parecem só ter
focalizado os beneficios daí decorrentes para os habitantes
do país, os quais foram destarte libertados da tremenda sanha
diabólica. Observam alguns comentadores que nem os mora
dores do territorio parecem ter ressentido mágoa contra o
Senhor Jesús ; em verdade, o texto sagrado nao refere queixa
alguma dos mesmos contra Cristo ; apenas narra que, cha
mados a tomar conhecimento do ocorrido, se surpreenderam
por verem o antigo possesso sentado aos pés de Jesús a ouvir
o Divino Mestre em plena compostura. O contraste entre o
que o homem fóra e o que ele era, os terá impressionado :
pagaos em maioria como eram, devem ter percebido que es-
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tavam em presenga de uma fórga sobrenatural; nao sabendo
donde vinha nem de quem era, foram conseqüentemente aco
metidos de temor (nao, porém, de furia nem de odio) ; é, sim,
espontáneo ao homem conceber timidez todas as vézes que se
sinta em presenga do Divino. Atemorizados em sua mentali-
dade simples, pediram entáo ao taumaturgo desconhecido (Je
sús) que se retirasse da regiáo (á semelhanca, alias, do que
fez Sao Pedro ao tomar consciéncia de que estava em pre
senga do Filho de Deus, por ocasiáo da pesca milagrosa ;
cf. Le 5,8-10).
O prejuízo material perde o seu significado diante dos
beneficios espirituais que o episodio acarretou tanto para os
Gerasénios como para os Apostólos. É evidente que o Senhor
Jesús podia ter realizado o exorcismo sem permitir a perda
dos porcos. Nao toca a nos, porém, pobres criaturas, pedir-Lhe
contas de seus gestos ; nem Ele tem obrigagáo de no-las pres
tar. O que podemos dizer com certeza, é que, em toda e qual-
quer hipótese, a conduta de Cristo nao foi injusta ; o Senhor
procedeu conforme a sua sabedoria e santídade, manifestan
do-nos, da maneira que Ele julgou oportuna, seu absoluto do
minio sobre todas as criaturas : sobre os irracionais, sobre
as almas e os corpos humanos, até sobre os demonios, que os
homens tanto costumam temer! Os maus espíritos nada po-
dem sem a permissáo de Deus...
Eis as idéias que devem guiar a mente do cristáo ao ler
o episodio dos possessos libertados em detrimento de uma
vara de suínos.
G. J. M. (Diamantina) :
— 460 —
deu o titulo triunfante: «Und die Bibel hat doch rceht! — E, apesar
de tudo (o que a crítica racionalista tem dito), a Biblia tem razáo!»
O livro se apresenta como eloqüente apología em favor da
Escritura Sagrada e da fé crista, de mais a mais que o seu autor nao
íaz profissáo de determinado credo religioso, mas, no limiar do
volume, se apresenta como observador objetivo. Nao poucos leitores
da obra reconhecem ter sido largamente beneficiados por ela, corrobo
rando a sua fé. Tendo aparecido em outubro de 1955 numa tiragem
de 10.000 exemplares, a edicao alema tres meses depois, ou seja,
em Janeiro de 1956, já estava na sua sexta tiragem, atinando um
total de 100.000 exemplares publicados. As traducSes se tém repro-
duzido em diversos idiomas.
Tal é o livro qué devemos agora submeter a urna apreciacáo
serena.
1. «Pros» e «contras»
- 461 - /©*»
A travessia do Mar Vermelho, sugere aínda Keller (Parte III
cap. 1), se terá dado por meio de um vau que em determinadas
épocas se abria (como atestam documentos arqueológicos) e que o
Senhor Deus terá tornado transitável íora das previsóes comuns,
precisamente pelo espaco de urna noite, para dar passagem á caravana
israelita (note-se bem: o maravilhoso do íenómeno terá consistido
na modalidade segundo a qual se abriu a via entre as aguas, n&o
na própria abertura de passagem no mar). Por parte da fé católica,
nada se opoe a tais interpretares dos fenómenos do éxodo de
Israel, pois, como foi dito atrás, Deus costuma utilizar as leis e os
acontecimentos naturais para realizar seus designios acerca dos
homens.
Embora estas verificac6es concorram para dar ás narrativas
bíblicas um sentido vivo e bem assentado na historia, impóem-se
contudo importantes restricóes ao método e á obra de W. Keller.
— 462 —
Está claro que, ao expor o sentido «metafisico» das cria
turas, a Biblia tem que aludir a um ou outro dos aspectos da
«Física» ou das ciencias humanas. Tais aspectos, porém, sao
acidentais na perspectiva da S. Escritura, ao passo que éles
sao essenciais dentro do programa do dentista. Donde se vé
que, indepsndentemente do que as ciencias naturais fornecam
para comprovar as narrativas bíblicas, estas tém sua mensa
gem própria e muito importante : mensagem religiosa, teo
lógica. É para esta que o exegeta deve voltar primeiramente
a sua atencáo e a dos seus discípulos. Caso se encontrem do
cumentos que ilustrem a queda dos muros de Jericó ou as
guerras dos israelitas contra os cananeus ou episodio bíblico
semelhante, o exegeta agradecerá ao dentista tal documen-
tagáo ; nunca, porém, se julgará obrigado a «forjar» teorías
e hipóteses aptas a colocar urna narrativa bíblica no plano
das descricóes profanas, como se ésse «forjar» fósse traba-
lho de importancia decisiva para se dizer que a Biblia tem
razáo. O exegeta bem orientado sabe de antemáp que nao há
contradicáo entre ciencia e fé e que, por conseguinte, quando
os autores sagrados desceram ao plano dos dentistas, nao
cometeram falhas (desde que os seus dizeres sejam entendidos
dentro das regras do género literario que adotaram; muitas
vézes bastava-lhes falar de maneira pré-científica, popular,
geralmente aceita entre os homens nao imbuidos de técnica);
o exegeta, porém, sabe que os hagiógrafos geralmente versa-
vam num plano superior ao dos estudiosos da natureza e que,
conseqüentemente, as coincidencias com as afirmacóes déstes
sao de certo modo acidentais.
Pois bem ; a posigáo que Keller mediante o seu livro po-
deria sugerir, é a que acabamos de censurar : seria a posigáo
de quem pensa estar obrigado a encontrar documentos pro
fanos que comprovem os quadros bíblicos á luz da razáo
humana, como se nao houvesse outra mensagem, e mensagem
muito mais importante, a deduzir das páginas sagradas, O
sentido sobrenatural, teológico da S. Escritura se esvaneceria
em conseqüéncia dessa posigáo exegética. - ^
2. O concordismo.. .
— 463 —
crever o mesmo objeto do mesmo ponto de vista (isto é, a
face externa, emperica da realidade).
— 464 —
déstes nao «espanta» o exegeta católico) nem também o
«gósto» do maravilhoso ou o désejo de contemplar a Onipo-
téncia de Deus a se manifestar continuamente através da
historia sagrada. Nao ; nem racionalismo nem mística precon
cebidos poderáo servir de normas de orientagáo para o exe
geta ; éste interpretará o texto bíblico norteando-se prima
riamente por criterios literarios e filológicos, pois a Biblia é,
segundo o seu primeiro aspecto, um documento literario, redi-
gido conforme as leis do estilo e do expressionismo orientáis
e, como tal, ela tem que ser abordada (Pió XII na ene. «Di
vino afilante Spiritu» lembrava que toda interpretagao teoló
gica da S. Escritura há de se basear estritamente no sentido
literal do texto bíblico). O exegeta sabe que, procedendo dessa
maneira objetiva, destituida de preconceitos (preconceitos
ditados ou pelo «médo» dos milagres ou pelo «gósto» do ma
ravilhoso), chegará sempre a conclusóes aptas a fomentar a
edificagáo e a piedade. Para tirarmos um proveito espiritual
da leitura da Biblia, nao é preciso que de antemáo ditemos
aos estudiosos quais as proposigúes de piedade ou de ciencia
natural a que éles devem chegar, mas deixemo-los trabalhar
sem preconceitos, a Iu2 da filología e da Revelagáo bíblicas
em geral, e certamente os resultados obtidos redundaráo em
sólido alimento da piedade.
— 465 —
III. DOGMÁTICA
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sob a assisténcia do Espirito Santo. Nunca se poderá inculcar demais
que a Igreja nao é simplesmente urna escola, muito menos urna
Cámara Legislativa, mas um organismo vivo, o Corpo de Cristo
prolongado na térra, Corpo onde tudo se processa segundo as leis
da vida, ou seja, passo por passo, homogéneamente, mediante a
colaboracáo de membros superiores e membros inferiores.
— 467 —
mesmo, assim como a autoridade integral e exclusiva da Igreja
sobre o matrimonio cristáo. A redacSo das frases, porém, nao permite
asseverar que tais doutrinas estejam ai solenemente definidas; nao
obstante, a todos os cristaos incumbe estrito dever de as aceitar,
porque sao verdades ensinadas pelo magisterio universal e trad'cio-
nal da Igreja. — O mesmo se diga da encíclica Providentissimus Deus
(18 de novembro de 1893), em que o mesmo Pontífice afirma a nocáo
católica de inspiracáo bíblica, assim como a absoluta verac'dade do
texto sagrado. S. Santidade, embora nao tenha ai usado as expressóes
características de urna definicáo solene, incutiu verdades que, em
vista do ensinamento comum da Igreja, sao obrigatórias para
todos os fiéis.
— 468 —
no Concilio de Éfeso (431). — Tomou vulto entáo, á guisa de reacjio
contra o erro condenado, a teoría oposta, propugnada por Eutiques,
de Constantinopla, e Dlóscoro de Aloxandria: em Cristo haveria urna
só natureza (a natureza divina, a qual teria ahsorvido a natureza
humana). Tal era a doutrina do Monofisltismo... Pois bem; S. Leáo
Magno rejeitou esta tese como contraditória ao genuino conceito de
Encarnac.üo, asseverando em 449 haver em Cristo urna só Pessoa
(ou um só «Eu»), a Pessoa Divina, a qual se manifestava por duas
auténticas naturezas (a Divina e a humana) nao mutiladas nem
confundidas. Destarte punha-se fim a urna etapa importante da
Cristologia.
— 469 —
(cujos dizeres sao assaz gerais) no sentido da chamada «potestas
indirecta», nao no da «potestas directa»; o que quer dizer: o Romano
Pontífice tem jurisdieao sobre toda e qualquer criatura humana
«ratione peccatb, isto é, na medida em que a consciéncia e a morali-
dade estáo em causa ou na medida em que as atividades de determi
nada pessoa dizem respeito á vida eterna; foi, com eíeito, a Pedro
e aos sucessores de Pedro que Cristo confiou as chaves do Reino
dos céus. Nao pertence á missáo dos Papas interferir na técnica
administrativa dos governos civis.
— 470 —
«Pelagianos» e «Semi-pelagianos» foram herejes dos séc. V/VI
que acentuaram exageradamente as possibilidades da natureza humana
no tocante a salvagáo eterna.
O Jansenismo, ressentindo-se dos debates excitados por Lutero
sobre as conseqüéncias do pecado original, nutria um conceito pessimis-
ta da natureza humana, julgando-a escravizada á concupiscencia e
ao pecado; em conseqüéncia, admitiam que o homem só pode praticar
o bem em virtude de irresistivel iníluxo da grasa divina. O pessimis-
mo jansenista ainda era acentuado pela tese de que Cristo nao
remiu todos os homens, mas apenas os predestinados. — Como se
vé, tais proposites sao totalmente alheias á genuina mensagem
do Evangelho, que visa nao abater, mas soerguer o homem pecador,
lazendo que as almas considerem mais a Misericordia do Salvador
do que a própria miseria. É o que explica a condenacáo proferida
por Inocencio X.
— 471 —
Justamente em plena crise jansenista se deram as aparigoes do
Sagrado Coragáo de Jesús (1673-1675), que, sob forma simbólica,
queriam lemhrar ao mundo que Deus é o Amor, e o Amor que
se fez companheiro dos homens.
— 472 —
Antes da deíinigao do dogma da Imaculada ConceigSo, pergunta-
vam alguns teólogos que motivo havia para que o Sumo Pontífice
se pronunciasse em tom solene e extraordinario sobre urna proposigáo
que era pacificamente professada pela Cristandade. A tal questáo
foi dada a seguinte resposta: a afirmacáo de alguma verdade concer-
nente a María equivale sempre á afirmacáo sucinta de toda a
dogmática crista; com efeito, em María a fraqueza do homem e a
graca de Deus, a Encarnacao, a RedencSo, 0 misterio da Igreja
e a gloria final se acham compreendidos de maneira estunenda. Em
conseqüéncia, urna definigáo mariológica em meados do século
passado teria o valor de urna profissáo compendiosa de fé crista
frente ao racionalismo e ao materialismo que pesavam sobre a cultura
da época. Tal foi o sentido profundo do pronunciamento de Pió IX.
— 473 —
e da Igreja nos termos mais auténticos possiveis, merecendo
por isto plena aquiescencia por parte dos fiéis.
» * *
IV. MORAL
— 474 —
Esquemáticamente, tem-se o seguinte quadro :
— 475 —
Em conseqüéncia, verifica-se que ao homem toca o direito,
que também é dever, de fazer que as criaturas inferiores sir-
vam a ele, para que ele, homem, possa servir a Deus.
Acontece, porém, que as criaturas irracionais nao servi-
riam ao homem se éste nao tivesse sobre elas dominio per-
feito, isto é, se nao as pudesse vender, transferir ou mesmo
destruir (há seres que só podem prestar servigo ao homem
destruindo-se : tais sao os alimentos e as vestes). Disto se
segué naturalmente que o homem possui sobre os seres infe
riores o direito de propriedade ou de dominio perfeito. Tal
direito compete a todo e qualquer individuo como tal, nao
sómente á sociedade, visto que todo individuo precisa das
criaturas inferiores para viver como homem, desenvolvendo
as suas faculdades características, e dar assim a devida gloria
a Deus.
Donde se conclui que legítima é a propriedade particular.
2. O argumento filosófico que acabamos de expór, foi
no séc. Xm explicitado por S. Tomaz de Aquino, o qual para
isto se valeu de doutrinas já expostas por Aristóteles (t 322
a.C.) em seus livros de «Política».
O Doutor Angélico, na S. Teol. TL/Il q. 66, a.2, obser
vando a realidade social concreta, ensina que a propriedade
particular é elemento necessário ao sadio desenrolar da vida
humana pelos tres seguintes motivos :
a) a propriedade particular estimula o trabalho. Com
efeito, todo homem é espontáneamente atraído pela perspec
tiva da recompensa direta e pessoal de seus esforgos; é esta
que incita nao poucos a aceitarem tarefas arduas, tarefas que
éles de outra forma nao empreenderiam ou só empreenderiam
negligentemente.
— 476 —
se contentar com um gasto de esforcos meramente mecánico
ou mesmo dispersivo.
c) A propriedade particular favorece a paz entre os
liomens. Com efeito ; se cada individuo possui o dominio dos
bens de que precisa, é menos tentado a empreender rixas e
-contendas, que se verificam nos casos em que todos possuam
indistintamente os mesmos direitos sobre os mesmos objetos.
— 477 —
bam as injustigas e fraudes, .. .procurando fomentar a cola-
boracáo de empregadores e empregados, ... estipulando os
títulos legítimos de apropriagáo, etc.
— 478 —
a materia e o uso dos bens materiais na conta de algo de mau ou
de satánico; assim o Ebionitismo (de ebion, pobre, em hebraico) no
séc. II, o Maniqueismo nos séc. III/IV, as correntes dos Cataros,
dos Valdenses e dos Joaquimitas, do séc. XI ao séc. XIII.
Verlficaram-se também, entre as cristáos, tendencias socialistas
e comunistas anarquistas, que a Igreja reprovou: no séc. II, por
exemplo, o gnóstico Epifánio preconizava o comunismo integral,
apelando para a justica de Deus, como se esta tivesse outorgado
a todos os homens os mesmos dtreitos sobre toda e qualquer coisa;
no séc. III apareceram os «Apostólicos» ou «Apóstatas» (= os que
renunciavam), os quais se gloriavam de imitar os Apostólos, nada
possuindo. No séc. XIV urna corrente mística franciscana exagerava
a pobreza de Cristo e dos Apostólos, negando-lhes o direito de
possuir ou mesmo de usufruir, íósse em particular, fósse em
comum..., negando-lhes, por conseguinte a liceidade de se servir
de bens materiais. de os vender, comprar ou trocar...; tais teses
provocaram explícita declaragáo por parte do Papa Joáo XXII:
«Será considerado hereje todo aquéle que sustentar que Jesús
Cristo e seus Apostólos, em relacáo as coisas de que se serviram,
nao praticaram senao o mero uso de fato (nao de direito); dal se
poderia concluir que tal uso era ilícito, conclusáo esta que seria
blasfematoria» (Constituigáo «Quia quorumdam» de 10 de novembro
de 1323; cf. outrossim a bula «Cum Ínter nonnulos» de 12 de
novembro de 1323, Denziger 494).
Tal é o chamado erro da «pobreza absoluta de Cristo».
No séc. XVI os Anabatistas provocaram a guerra das camponeses
na Alemanha (1522-1525), pregando com anarquia e pilhagem a
vinda de novo Reino de Deus, em que haveria comunháo de bens.
Nenhum désses movimentos subversivos da propriedade parti
cular prevaleceu na Cristandade, porque, em última análise, signifi-
cavam a negacáo da Encarnagáo, ou seja, da .santificado de tudo
que há de humano e material, pela vinda do Filho de Deus a éste
mundo; também a materia íoi. do seu modo, objeto da Redencáo,
ensina o misterio da Encarnaeáo; em conseqüéncia, toca a todo
individuo humano nao sómente o direito, mas também o dever,
de a dominar e a fazer concor.rer para a gloria de Deus.
— 479 —
2. Os dizeres de antigos autores cristaos
— 480 —
entreque a terriveis castigos» (hom. II sobre o ecónomo infiel, ed.
Migne gr. 40, 188).
— 481 —
b) Considere-se outrossim que os antigos autores cris-
táos, ao manifestarem pessimismo no tocante ás posses tem-
porais, se deixavam por vézes guiar pela consciéncia do perigo
que os bens materiais podem acarretar para o respectivo pro-
prietário: fácilmente, sim, excitam a cobica desregrada e,
mediante esta, o pecado. Em vista disto, já o Senhor no Evan-
gelho afirmava ser difícil aos ricos entrar no Reino dos Céus,
ao passo que os pobres sao muito mais felizes sob ésse ponto
de vista (cf. Mt 19,24 ; 5,3 ; Le 6,24, , aqueles tém freqüen-
temente o coragáo embotado e o ólho da mente fechado para
. os bens espirituais, enquanto estes se acham livres das ilusóes
que os haveres materiais ocasionam, podendo, por conseguinte,
muito mais certeramente aderir ao Bem Infinito, Deus ; daí
a exortagáo de Cristo a que o discípulo venda tudo que possui
e abrace a pobreza voluntaria (Mt 19,21).
— 482 —
grupos habita seu territorio bem delimitado, ao qual membros
de outro clá nao tém acesso a nao ser que os proprietários o
permitam ; em geral, um clá só concede que outro penetre
no seu territorio, caso ésse outro nao encontré mais na térra
que habitava, os meios de subsistencia necessários.
No interior de cada grupo, as familias gozam de inde
pendencia económica ; cada qual possui sua cabana própria,
onde marido e mulher guardam as provisóes alimentares. Tudo
que um individuo produza mediante o seu trabalho, assim como
tudo que receba de presente, é-lhe reconhecido como proprie-
dade pessoal: assim armas e utensilios, vestes e ornamentos,
canoa e a própria cabana.. .
Ésse direito de propriedade é unido a elevado sentimento
altruista, de sorte que entre tais povos é comum o costume
de dar presentes. Também sao habituáis as visitas de amizade
entre as familias, as vézes mesmo á custa de urna caminhada
de varios dias. Verifica-se outrossim que as familias mais
abastadas nao desdenham emprestar aos indigentes, sem exi
gir compensacáo; por sua vez, quem recebe emprestado, cos-
tuma devolver com pontualidade. Os estudiosos sao unánimes
ao reconhecer a honestidade désses clás: os selvagens geral-
mente nao tocam nos objetos dos exploradores brancos, mesmo
que fiquem expostos ao público; utensilios esquecidos ou per
didos sao restituidos aos respectivos proprietários, ainda que,
para encontrar o destinatario, o selvagem deva percorrer
grandes distancias.
— 483 —
os homens semelhante direito de propriedade, com o caráter
religioso e moral que ainda hoje os etnólogos assinalam. Cf.
«P. R.» 13/1959, qu.l.
V. HISTORIA DO CRISTIANISMO
— 484 —
juvenil, serao designados para agir junto a elas; visitá-las-áo, exaltarao
o seu estado de viuvez, procurando dissuadi-las de novas nupcias.
Trataráo de por a seu servigo um grupo de domésticos dedicados
aos jesuítas. Caso alguma viúva adoeca, enviar-lhe-áo um médico
de confianca, que ponha os Religiosos a par de possivel perigo de
morte. Se as viúvas tiverem filhos, os padres as exortarao a mandar
as donzelas para o convento e esforcar-se-áo por ganhar os rapazes,
junto com a respectiva heranga. para a Companhia.
Mas nao sómente o dinheiro dos ricos, também o favor dos
príncipes e poderosos há de ser captado pelos jesuítas. Bajularáo,
por conseguinte, os governantes civis, imiscuindo-se em seus litigios
para terem a honra e a vantagem de os apaziguarem; trataráo de
obter missóes junto aos nobres vizinhos e aos grandes monarcas.
Os Superiores colocaráo á disposigáo dos principes alguns casuistas
relaxados, que optem pelas solugóes mais cómodas para os monarcas.
Também junto aos prelados e dignitários eclesiásticos exerceráo
urna atividade de conquista, prestando-lhes grandes homenagens e
procurando ediíicá-los pela pregagáo de exercícios espirituais: assim
os jesuítas ganharáo para si priorados, paróquias e beneficios ecle
siásticos (sic!)...
Em suma, para obterem a prosperidade temporal da Companhia,
os seguidores de S. Inácio sao exortados nos Mónita Secreta a sacri
ficar Deus e os homens, a própria alma e a vida eterna!...
2. O histórico do libelo
— 485 —
Zahorowski, desde 1613 membro egresso da Companhia. Em
virtude de desafetos varios, resolverá difamar seus antigos
Irmáos de hábito ! — Tal assergáo é hoje comumente aceita
pelos críticos mais abalizados.
Como se compreende, o panfleto foi, sem demora, con
denado pelo bispo de Cracovia e, em 1616 e 1621, colocado
no Índice dos Livros proibidos pela Igreja. Embora Zahorowski,
antes de morrer, se tenha arrependido da sua fraudulencia,
como sugerem alguns cronistas, o opúsculo mereceu grande
crédito no decorrer dos sáculos XVH-XDC : a pega era, sim,
muito hábil, pois deixava de parte as graves calúnias (acusa-
góes de assassinios, envenenamentos, tiranicidios...) comuns
nos panfletos protestantes da época, para recorrer á male
dicencia moderada e velada, suficientemente burilada, porém,
para impressionar a fundo a opiniáo pública. O número de
reedicóes do opúsculo, ora intato, ora retocado e aumentado,
se" multiplicou, espalhando-se pela Italia, a Franca, a Espa-
nha, Portugal e a Alemanha; nao faltavam a Companhia
inimigos varios... (cf. «P. R.» 20/1959, qu. 6). Apesar das
múltiplas refutacóes que iam sendo opostas ao libelo, havia
sempre quem respóndesse com Ch. Sauvestre : «Os jesuítas
negam.. .; por conseguinte, é verdade !»
— 486 — .
se depreende que os informantes do filósofo provávelmente
Ihe fizeram ver o caráter espurio dessa pega.
Ademáis alguns comentadores observam o seguinte : en
tre os «Mónita Secreta», de um lado, e, de outro lado, as
Regras oficiáis e outros documentos normativos, certamente
genuínos, da Companhia de Jesús, verifica-se por vézes fla
grante contradigáo. Assim, por exemplo, sempre vigorou entre
os jesuítas expressa proibigáo de aceitarem dignidades ecle
siásticas (a nao ser que o Sumo Pontífice o mande) ; pois
bem, os «Mónita Secreta» contradizem frontalmente a essa
proibigáo. A «Instrucáo aos Confessores dos Principes» bai-
xada pelo Superior Geral Pe. Aquaviva em 1602 prescreve
aos Religiosos manterem-se á parte dos movimentos políticos
e recusarem qualquer favor ou presente ; ora é ao mesmo Pe.
Aquaviva que se atribuem os «Mónita», os quais promulgam
orientacáo oposta a esta...
Nao nos alongaremos na enumeracáo de dados e depoi-
mentos. Os que foram citados já bastam para evidenciar que
os «Mónita Sscreta» carecem de credenciais para ser utili
zados por algum historiador consciencioso. Constituem um
depoimento contra os adversarios da Companhia e da Igreja
antes do que contra os próprios jesuítas. Sim ; quem precisa
de recorrer á fraude para impor urna tese, parece defender
causa desesperada !
CORRESPONDENCIA MIÚDA
— 487 —
vitiosum, vel prohibendo opus virtutis, sed non manifesté opus virtutis,
teneretur Ecclesia credere vitia esse bona et virtutesjmalas, nisi vellet
contra conscientiam peccare. Tenetur enirn inrebus dubiisEcclesiaacquies-
cere indicio summi Pontificis, et faceré quod ille praecipit, non faceré
quod ille prohibet, ac ne forte, contra conscientiam agat, tenetur credere
bonum esse quod ille praecipit, malum quod ille prohibet" (S. Roberto
Belarmino, Controversiarum de S.ummo Pontífice 1. IV, c. V).
Segue-se a tradugáo da passagem ácima :
"Eis como se. prova que o (Sumo) Pontífice nao pode errar ao de
finir assuntos referentes aos costumes, sejam virtudes, sejam vicios.
Suposto que pudesse errar, a Igreja nao poderla ser chamada
santa, tal como é dita no Símbolo dos Apostólos... ,
Em segundo lugar, suposto que o Papa pudesse errar no caso ácima,
também a Igreja erraría em materia de fé. Sim ; a fé católica ensina
que toda virtude c boa e todo vicio é mau. Ora, se o Papa errasse, pre-
eeituando vicios ou proibindo virtudes..., a Igreja, se nao quisesse pecar
contra a sua consciéncia, estaría obrigada a crer que os vicios sao bons
e as virtudes más... Pois a Igreja em casos dúbios é obrigada a aquies
cer ao juízo do Sumo Pontífice e a fazer o que ele manda e_a deixar
de fazer o que ele proibe; para nao agir contra a sua consciéncia, ela
está obrigada a crer que é bom o que ele (o Papa) ordena, mau o que
ele proibe". ., . _
Como se vé, éste texto de modo nenhum visa atribuir ao Romano
Pontífice os poderes de mudar as categorías do bem e do mal, como insi-
nuam os adversarios. Ao contrario, a intengáo de S. Belarmino é a de
afirmar que o Papa, ao promulgar urna definigáo moral válida para a
Cristandade inteira, jamáis pode preceituar algo que seja vicio ou proibir
algo que seja virtude. Porque, diz o S. Doutor, se pudesse errar désse modo,
a Igreja escaria obrigada a crer que o vicio é coisa boa e a virtude é coisa
má. Tal crenca, porém, seria um verdadeiro absurdo, urna inconcebível
hediondez. Por isto, concluí o Santo, seria também um verdadeiro absurdo
imaginar que o Papa pudesse mandar praticar o vicio e evitar a virtude;
o Sumo Pontífice, por conseguinte, ao promulgar algum preceito para to
dos os fiéis, só pode promulgar coisa boa e santa; o Espirito Santo o pre
serva de erro em tal caso, isto é, garante-lhe o dom da infalibiLidade, de
que tratamos na qu. 4 déste fascículo, assim como em "P.K." 14/1959, qu. 3.
Para tentar insinuar algo contra a fé católica mediante os dizeres
de S. Belarmino, os adversarios tém que isolar do seu contexto algumas
frases, as quais atribuem sentido exatamente oposto ao do autor, como
se ésse oposto fósse o sentido mesmo ensinado pelo S. Doutor ! Talvez,
porém, seja mais provável que os adversarios jamáis tenham visto as
obras que eitam, nem tenham lido os textos origináis de S. Belarmino e
de outros autores católicos. Citam posslvelmente de segunda ou tercena
máo, sem conhecer o terreno em que pisam...
Na verdade, só combate a Igreja de Cristo quem nao a connece
devidamente. _ ,
Rogamos a nossos demais coi-respondentes que nao nos manuaram
enderéco, tenham a bondáde de nos dizer como lhes poderemos enviar
resposta. Muito desejaríamos ser-lhes úteis ; mas isto so sena possivel
por carta.
D. ESTÉVÁO BETTENCOURT O. S. B.
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
REDAgAO .huiiihih ADRIDíISTBAg&O
Caixa Postal 2666 ^^^j' H XL-^t^Granüexa, 108 —Botafogo
Eio de Janeiro J^MB II. M&WlNS2 ~ BI° de Janeir0