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Equações da Bio+ética….

Axiomas…Aquilo que se assume como verdade. “Axioma da escolha: Para qualquer


conjunto de conjuntos não vazios existe uma função escolha que atribui a um
conjunto s dessa colecção um elemento desse conjunto. ”

Proposições…Algo que se infere de axiomas ou de proposições. ”1+1=2” não é um


axioma. Prova-se a partir de um conjunto de axiomas (axiomas de Peano).

Teoremas… Proposições mais importantes ou então a generalização de alguma


proposição.
Ex: O célebre Teorema de Pitágoras que afirma (depois de provado) que num
triângulo rectângulo a soma do quadrado do comprimento dos catetos é igual ao
quadrado do comprimento da hipotenusa.

Lemas…Pequenas proposições, geralmente usadas no decorrer da demonstração de


uma proposição ou de um teorema. “Lema de Zorn: Num conjunto parcialmente
ordenado, se todos os subconjuntos têm majorante, então esse conjunto tem pelo
menos um elemento maximal”. Este lema prova-se usando o axioma da escolha.
Na verdade existe uma discussão latente no seio da comunidade Matemática
girando em torno do Lema de Zorn e do Axioma da Escolha. Em poucas palavras, há
quem afirme que eles são equivalentes, e há quem afirme que o Axioma da Escolha
não se pode aceitar por não ser um Axioma.

Toda esta pequena introdução mais formal à linguagem meta-matemática (lidando


com a linguagem da própria matemática) estaria incompleta sem a introdução das
definições de alguns objectos matemáticos, que veremos com algum detalhe a fim
de o usarmos para fazermos algumas análises éticas a outros objectos já
apresentados noutras “Ebulições”. Para sermos um pouco mais concretos,
comecemos por apresentar uma das mais importantes conjecturas de toda a
matemática, formulada em 1904 finalmente tornada teorema em 2006 por Gregory
Perelman.

Conjectura de Poincaré: Seja V uma variedade diferenciável 3-dimensional sem


fronteira. Se o grupo fundamental de V for trivial, então V é homeomorfa à esfera
tridimensional (no espaço tetradimensional).

Como se observa, o facto de saber o que é uma conjectura, ou até uma esfera
(embora não seja óbvio que esfera é que se trata) não implica que se possa fazer
alguma apreciação qualitativa ao conteúdo da conjectura de Poincaré.
A Importância das definições rigorosas

“Mas afinal o que tem a Conjectura de Poincaré a ver com a Bioética?”

Consideremos por exemplo as seguintes interrogações:

1)“Concorda com a Eutanásia?”


2)“Concorda com a terminação da vida com o auxílio médico assistido, em doentes
terminais?”
3)“Concorda com a Eutanásia medicamente assistida, em doentes terminais, no
limite dos cuidados paliativos?”
4)“Concorda com a Eutanásia, em doentes terminais, no limite dos cuidados
paliativos, desde que com o consentimento do doente?”

Poderíamos alguma vez comentar sequer uma das perguntas, sem sabermos
a definição precisa de cada um dos termos?! Suponhamos que dizemos sim á
primeira. Desde logo se levanta uma questão sintáctica de primeira ordem,
nomeadamente a definição de Eutanásia. Partamos da origem etimológica e
aceitemos por momentos a definição “Boa morte”.
Não é difícil de imaginar os problemas que se poderiam levantar a aceitar tal
definição, desde assassínios médicos até programas como o do holocausto
germânico de limpeza racial. Bastava que para isso os responsáveis pelo emprego
da suposta “Boa morte”, achassem “Boa” a morte de alguém ou de “alguéns”…
Além disso, não haveria restrições ao método empregue, uma vez que isso não
estaria contemplado na suposta lei. Tudo seria permitido desde que a morte fosse
“Boa”.
Quanto à segunda questão, levantar-se-ia o problema da autorização e a
multiplicidade de estados possíveis para um doente terminal, tal como a definição
de “medicamente assistida” (partindo-se do principio que “terminação da vida =
morte”).
No terceiro e no quarto casos, apesar da sua aparente conformidade com a
questão que estamos a analisar, note-se que não se está no terceiro a supor que
Eutanásia seja medicamente assistida à partida, e mesmo assumindo isto no último
caso, deparamo-nos com dois problemas já não de ordem sintáctica, mas de ordem
semântica, a saber: o consentimento dum doente terminal nos limites dos cuidados
paliativos. Sendo, por definição, a prestação de cuidados médicos de forma a
humanizar a dor e de cuidados pessoais destinados a dignificar a vida que resta (ao
afirmarmos “restar”, estamos a impor que podemos de alguma maneira quantificar
a vida e não parece aceitável a definição temporal. Caso contrário estaríamos a
atribuir a “medições” de vidas de tetraplégicos ou de doentes com doenças
neuromotoras degenerativas, valores passíveis de serem desenquadrados e
questionáveis) ao doente terminal (assuma-se que “terminal” designa o estado que
alguma doença fatalmente irreversível impõe a um ser humano), como poderá ser
levado ao limite algo que já lida com situações limite?! Alguém que se queira
remeter a uma interpretação meramente racional não deverá ser tido como culpado
por achar a pergunta algo recursiva, para não dizer absurdamente sem sentido. Se
os cuidados paliativos só acabam na morte e com a morte, então a interrogação
vista à luz do rigor dos conceitos usados, seria “Concorda com a Eutanásia
medicamente assistida, com o consentimento do doente, desde que este esteja
clinicamente morto?”.
O aparente exagero na interpretação drástica da última asserção, bem como
a análise das anteriores, alerta-nos para a importância capital de saber as
definições dos conceitos que se pretende tratar ou interpretar. Afinal o que nos
adianta comentar a conjectura de Poincaré, se não sabemos o que é uma 3-
variedade diferenciável?!

Lógica…

Quais são então os axiomas da Bioética?

Definição:

1) Diz-se que a condição A é suficiente para a B, quando a ocorrência de A implica a


de B.

2) Diz-se que A é necessária para B se a não ocorrência de A implica a não


ocorrência de B.

3) Diz-se que A é equivalente a B se a Ocorrência de A implica a de B e o contrário


também se verifica.

Exemplo:” Se hoje está a chover, então a rua a céu aberto está molhada.”

Repare-se que não é necessariamente verdade que se a rua está molhada então
choveu, mas é verdade que se não está molhada então é porque não está a chover.

Será que “Bio” é condição necessária para “ética”? Suficiente? Ou serão


equivalentes?

Direito à vida implica direito à morte?

Direito à morte implica direito à vida?

Direito à morte implica o dever da vida?

Terminação da vida equivalente a morte?

Infelizmente não são poucos os casos de pessoas que não morreram, mas
para quem a vida parece ter terminado. O facto de “1+1=2” ser uma proposição
decorre da estrutura que estamos a considerar, a saber o conjunto dos números
naturais munido da operação soma (“+”) como estamos habituados. Há entidades
matemáticas onde isto não é verdade.
No domínio estritamente biológico, é consensual que “morte = terminação
da vida”. È claro que reduzir uma questão de tamanha complexidade ao argumento
biológico torna-se inexoravelmente redutor e perigoso para uma correcta avaliação
do cerne do problema, uma vez que ao se falar em qualquer tipo de cuidados
direccionados a doentes terminais, já se está a conferir dimensão espiritual (o
simples deixar de sentir dor e ter a capacidade de o manifestar já nos diferencia do
puramente biológico, celular e, se usarmos “sofrimento” em vez de “dor”, essa
diferença já irá ser infinita á partida) ao doente em questão. Como isto acontece,
decorre que morte não é “equivalente” a “terminação da vida”.
Procuremos agora algo que nos permita concluir não apenas a relação lógica
entre dois conjuntos ou proposições, mas como se pode passar de um conjunto para
outro…

Transformações…
Definição: Diz-se que dois conjuntos A e B são homemorfos se for possível
transformar um no outro de forma suave (sem rasgões nem cortes). A uma tal
transformação chamamos homeomorfismo.

Exemplos: um cubo e uma esfera, um donut e uma chávena de café…

Abstraindo-nos da noção de conjunto…

“Vida” e “Morte” serão “homeomorfos”? Como transformamos vida em morte? Ou


morte em Vida? Não esquecer que temos de conseguir “transformar” morte em
vida sem cortes, sem “perdas de sentido”. Qual será o homeomorfismo que as
transforma uma na outra? Ocorre “ética”, “espiritualidade”…”Deus”…

Cuidados paliativos e Cuidados continuados?! Quem encontra fundamento em


quem?!

Abortamento e Eutanásia como o Cubo e a esfera?! Chuva e rua molhada?

Será possível a um nível meramente racional defender uma posição sem


automaticamente se estar a defender a outra? Ou serão irremediavelmente e
simplesmente incompatíveis? Por um lado aceitar a Eutanásia significa aceitar o
dever de não interferir no direito à morte de alguém que “sente” (para o caso,
sentir”=”ter motivos muito fortes para) que não quer a vida como ela se encontra e
que se exprime como tal. Por outro lado, aceitar o aborto, significa aceitar o direito
a interferir sobre o direito à vida de alguém que um dia vai sentir mas que não se
pode exprimir! Isto é, partindo do facto morte=~ vida, então se aceito o direito a
não decidir sobre a morte, não posso aceitar o direito a decidir sobre o direito à
vida, uma vez que se aceitar o direito a decidir o direito á vida, estou a aceitar o
direito à “não morte” e portanto a concluir que aceito o direito a decidir sobre o
direito à não morte e que não aceito o direito a decidir sobre a morte. Mas então
direito à morte não implica direito à vida e então teremos que esclarecer que tipo
de relações existem entre “morte”, “vida”, e “direito” (como se pode observar, não
pode haver “direito” sem um “dever”). È claro que podemos sempre aceitar o facto
de ser possível aceitar o direito sobre o direito á morte e á vida de uma pessoa
esclarecendo que no primeiro caso se trata da expressão de alguém que consegue
ordenar pensamentos e verbalizar ou expressar emoções e está numa situação
fatalmente irremediável, e no segundo alguém que ainda não tem a capacidade
neuronal para ser auto-consciente.

Uma breve conclusão por concluir…

Depois da apresentação de alguns conceitos matemáticos e a sua adaptação ao


domínio da Bioética, parece-nos relevante, à luz da abordagem desenvolvida,
apresentar o que nos parece ser as duas questões centrais desta disciplina:

Quais as relações entre “Morte” e “Vida”?

Quais as relações entre “Direito” e “Dever”?

Serão conjuntos homeomorfos, proposições equivalentes, ou umas


necessárias/suficientes para outras?!

Repare-se que qualquer questão que envolva a vida (Como tudo o que está
envolvido na bioética), está obrigatoriamente a envolver a morte. Por exemplo, a
questão da clonagem humana pode ser resumida simplesmente a “acabar com a
vida como valor único, inerente a um código genético que determina as estruturas
que se acredita que vão conferir a unicidade a cada ser humano”. Lembramos que
tudo o que foi apresentado não pretende constituir uma abordagem final ou
definitiva a este campo, mas ao invés, uma chamada de atenção ao facto de que
sem se apresentar definições concretas e as relações exactas entre os diversos
elementos constituintes de uma possível “Teoria da Bioética”, se pode cair em
relativizações perigosas e interpretações falaciosas de muitas questões relevantes,
pelo simples facto de nos tornarmos míopes se não sabemos exactamente o que
está em questão.
Não obstante este reparo poder-se ia finalizar propondo uma definição
rigorosa de Bioética como:

Bioética= {“Morte”,”Vida”,”Deveres”,”Direitos”: Relações entre estes elementos


optimizam a consciência individual de cada ser humano na medida em que
contribuem para um esclarecimento do que é realmente “bom” ou “mau” à luz de
valores tidos como inquestionáveis e inalienáveis.}

A impossibilidade de, hoje em dia, definirmos que valores devem ser tidos,
universal e irrestritamente, como inquestionáveis e inalienáveis, sugere que antes
de se debater a questão das relações entre alguns conceitos bem definidos, é
imperioso analisar se os valores são entidades estáticas e inamovíveis ao longo do
tempo, ou, pelo contrário, objectos com vida própria que se adaptam às sociedades
que inquestionavelmente evoluem. Mais ainda, deverá ser esclarecido se os valores
podem ser hierarquizados entre si, ou antes se não há nenhuma possibilidade de
escolha de uma ordenação possível, um “axioma da escolha ou lema de Zorn dos
valores”.
Tanto esta questão de ordenação como a questão da evolução de valores
caberia no ramo denominado “Sistemas Dinâmicos e Teoria do Caos”. Mas a simples
sugestão de evolução de valores, já implicaria que a própria Bioética fosse passível
de modificações ao longo dos tempos e já seria aconselhável, no aniversário da
Teoria da evolução, entregar estes esclarecimentos não aos domínios matemáticos
dos “Sistemas Dinâmicos” ou “Teoria do Caos”, mas antes a Darwin e à sua Biologia
Evolutiva…

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