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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.
Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
DOGMÁTICA'

ii MORAL -
SÍHKtORjA
CPlíTiANií,

tO IX N' 103 JULHO Tí


ÍNDICE

I. FILOSOFÍA E BELIGIAO

1) "Os homens perderam o senso do pecado, disse Pió XII.


Será isto realmente uvi mal ?

E como se explica ésse estado de coinas ?" 2G9

II. VIDA MODERNA E RELIGIAO

2) "Que diser do livro 'A Cidade do Homem' (The Secular


City> de Harvey Cox. ?

Como julgar a seciiiarizacüo do Cristianismo hoje táo pro


palada ?" 2S2

III. DOGMÁTICA

S) "Fala-se de 'Igreja em agonia'. Estaría a Igreja prestes


a acabar, sufocada por sitas propinas estruturas ?"

IV. MORAL

i) "Como julgar e tratar o homossexualismo numa perspec


tiva crista ?" SO1

CORRESPONDENCIA MIÜDA Sil

COM AFROVACAO ECLESIÁSTICA


« PERGUNTE E RESPONDEREMOS »

Ano IX — N? 103 — Julho de 1968

I. FILOSOFÍA E RELIGIÁO

1) «Os homens perderam o senso do pecado, disse


Pió XII. Será isto realmente um mal?
E como se explica ésse estado de coisas?»

Resumo da resposta: Nota-se realmente em nossos dias forte ten


dencia :a mudar ou cancelar a nocao de pecado.
O pecado é freqüentemente explicado como manifestacáo patoló
gica, eíeito de traumatismos psíquicos, que nao aíetam a consciéncia
moral. Pertenceria á aleada da medicina ou da psicanálise, e nao da
Religiáo.
Há também quem entenda o pecado como faina na vida civil ou
profissional de alguém; seria um «erro de técnica»...
Outros eritendem como pecado apenas as faltas cometidas contra
o próximo ou contra a justica social.
Em resposta, deve-se dizer que o pecado é sempre algo de obje
tivo: é sonegacáo de amor ao primeiro de todos os bens ou a Deus;
por isto é injuria cometida contra o Senhor. Deus fala a todo homem
mediante a voz da consciéncia ou a leí natural; contradizer a essa
voz é pecar. Todo homem de qualquer época ou qualquer grau de
cultura traz essa voz dentro de si; por isto a realidade intima do
pecado é e será a mesma em todos os tempos.
Todavía deve-se reconhecer que a época moderna proporciona
melhor compreensao do que seja o ato pecaminoso, com seus £atores
atenuantes e agravantes.
A psicología das profundidades leva-nos a ver, melhor do que
outrora, que nem sempre a pessoa que comete o mal é plenamente
responsável do que faz: deficiencias de saúde ou de educacáo a tor-
nam menos apta a compreender a gravidade de sua falta. Dai certa
brandura no julgamento de alguns casos que outrora talvez tivessem
sido mais severamente incriminados.
Hoje em dia, dada a evolugáo da questáo social, também se
reooTihece melhor o pecado de insensibilidade era relacáo ao próximo
neeessitado. Isto, porém, está longe de significar que só merecam
atencao as injusticas cometidas contra o próximo. A nogáo de pecado
«injuria a Deus» ficará sempre de pé.

Resposta: «O maior pecado de nossos tempos é que os


homens comegaram a perder o senso do pecado», eis o que di-

— 269 —
2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1963, qu. 1

zia Pió XII em mensagem ao Congresso Catequético de Bostón


(26/X/1946).
Por «senso do pecado» entende-se nessa frase a consci-
éncia de algo que é contrario á Lei de Deus ou, em termos
mais gerais, o discernimento entre o bem e o mal moral.
O senso do pecado supóe no homem a certeza de que existe
urna lei dada pelo Criador ao comportamento humano, lei se
gundo a qual devem ser julgados os atos de cada pessoa.
Paúl Claudel, em carta a André Gide, ilustrava bem o
problema de que aquí se trata:

«Urna coisa é alguém pecar, aíligindose, sabendo que está come-


tendo o mal e desejando proceder meUior. Outra coisa é alguém
admitir que, cometendo o mal, pratica o bem, dizelo e vanglonar-
-se disto».

Os homens sempre foram fracos e falíveis. Há, porém, os


que fraquejam e reconhecem as suas fainas. Existem tambem
os que fraquejam, mas nao fazem caso de suas faltas ou ten-
dem a apresentá-las como algo de louvável, condizente com
o pensamento esclarecido e a cultura contemporáneas.
O próprio Gandhi dizia: «O privilegio da nossa época é o de
chamar o vicio virtudes, (palavras citadas pelo Cardeal Gracias, de
Bombaím, em plena assemhléia conciliar, 4/X/1965).

É éste fenómeno que langa perplexidade em muitos espí-


ritos e suscita a dúvida: nao será a nogáo de pecado relativa
a determinada fase da cultura ou a certos estados psicológicos?
A fim de elucidar a questáo, procuraremos, antes do mais,
percorrer um pouco o histórico do problema e as suas facetas
atuais; a seguir, tentaremos fazer o balango do que possa
haver de sadio e menos sadio ñas afirmagóes contemporáneas.

1. O pecado outrora

Em geral, segundo a historia da Religiáo, os primeir.os


contatos do homem com Deus sempre foram concebidos como
umá conversáo ou como desdita ao pecado e propósito de
imitar a santidade divina.
Os mesmos conceitos se encontram nos livros sagrados
do Cristianismo: Joáo pregava e administrava um batismo
de penitencia dos pecados, em preparacáo á vinda do Messias

— 270 —
O PECADO MUDOU ?

(cf. Mt 3,7-12): O próprio Jesús iniciou sua pregagáo cha


mando os homens á mudanca de mente e de vida (cf. Mt 4,17).
Desde os primeiros séculos, estes textos do S. Evangelho
marcaram profundamente o modo de pensar e agir dos cris-
táos. O senso do pecado enchia as almas, na antigüidade e na
Idade Media; atestam-no nao sómente a ascese dos monges
orientáis e ocidentais, mas também as práticas de piedade
medievais (cuja exuberancia tomou por vézes formas singu
lares: tenham-se em vista, por exemplo, as procissóes de
«flagelantes» e as numerosas peregrinagóes penitenciáis por
térra e por mar a Compostela, a Roma («os romeiros»), a
Jerusalém, onde os fiéis percorriam descalcos a Via Dolorosa
e oravam junto ao Santo Sepulcro...
Algumas historietas (lendárias, sem dúvida) cristalizam
com certa graca a consciéncia penitente dos cristáos me
dievais:

Assim a crónica do «Cavaleiro do pequeño barril» narra que um


jovem cavaleiro, muito dado a blasfémiia e ao crime, foi certo dia
procurar um eremita, a quem manifestou o mal-estar de sua alma
por viver táo desregladamente. O homem de Deus impós-lhe entáo
a penitencia de encher de agua um pequeño tonel... Por mais fácil
que parecesse esta tarefa, o jovem herói Jiáo conseguía desempenhar-
-se déla: durante semanas, mergulhou b recipiente em fantes e nos,
sem o poder encher. Certo dia, porém, pungido de profunda dar por
seus pecados, derramou urna lágrima, a qual, caindo no barril, em
breve o encheu e fez transbordar...

Esta narrativa, por mais fantástica que seja, nao deixa


de exprimir o alto apréco que os cristáos devotavam á santa
cómpungáo.
Nao há dúvida, o senso do pecado na Idade Media era
acompanhado, nao poucas vézes, de médo supersticioso e de
atitudes contraditórias ou imaturas. É o que atesta oütra his
torieta assim concebida:

Um senhor feudal, após haver abandonado a esposa e procurado


outra mulher, réu de numerosos morticinios e outros crimes, foi
procurar um Bispo, a quem disse, apresentando a espada desem-
bainhada: «Dá-me a absolvicáo ou hei de te rachar o cránio!» Res-
pondeu-lhe entáo o prelado: «Podes desferir o golpe!» Diante disso,
o pecador deixou cair a arma, exclamando: «Nao, nao te amo sufici
entemente para te mandar diretamente ao Paraíso!»

Tal episodio, apesar da sua índole burlesca, bem manifesta


quanto o medieval tinha o senso do pecado e queria (nao raro
infantilmente) viver da fé.

— 271 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 1

Aínda no séc. XVI, que dá inicio á época moderna e


marca uma vertente na historia da civilizagáo, o senso do pe
cado era assaz vivo: Martinho Lutero experimentou profun
damente a sua condigáo de homem pecador e a exprimiu calo
rosamente.
Nos séc. XVII e XVIH as correntes de piedade do Janse
nismo se defrontaram com o problema do pecado, tomando-o
como base de seu sistema teológico e de suas atitudes práticas.
Eis, porém, que nos últimos tempos a mentalidade dos
homens ocidentais, nao excluidas certas esferas cristas, passa
por revolugáo, que em muitos casos é radical: preconiza-se
«um mundo novo, em que nao haverá nem Deus nem de
monio e, por isto, nem santos nem pecadores» (Bernard
Groethuysen, «Origines de l'esprit bourgeois en France»).
Jean-Paul Sartre, representante contemporáneo da nova
mentalidade, atribui ao herói de «Les Mouches» o seguinte
brado dirigido a Júpiter:
«Já nao há nem bem nem mal, nem alguém que me dé ordens,
pois eu sou um homem».

Mesmo entre os que guardam o ideal da perfeicáo crista,


nao poucos talvez digam como uma jovem militante de Agáo
Católica interpelada sobre o assunto em 1946:

«Os santos de amanhá serao menos homens penitentes, mais


.reis da criacáo« («La Vie Spirituelle» n° 304, fevereiro de 1946,
pág. 232).
i

Ou ainda, como declarava outro depoimento de inquérito:

«Nossa espiritualidade é um humanismo cristáo. A tendencia


mais acentuada, entre os jovens principalmente, é a de uma liber-
dade total que procura expansáo em todos os sotores. Praticam, é
verdade, a renuncia imposta pela necessidade, como, por exemplo,
a perda da saúde ou de um. noivo. Mas a luta contra si mesmo, a
procura da mortificagao contam com poucos adeptos; sao coisas que
escandalizariam» (cí. «La Vie Spirituelle», ib. pág. 233).

Procuremos agora compreender em breve esbógo as prin


cipáis atitudes do homem contemporáneo frente ao pecado.

2. Os dados do problema atual

Podem-se assinalar tres grandes posic.óes entre os que


negam ou esvaziam o conceito de pecado em nossos dias:

— 272 —
O PECADO MUDOU ?

1) Desajuste psíquico. As descobertas da psicología mo


derna e da psicanálise levam muitos a admitir que o senso
do pecado (transgressáo. das leis de Deus e da consciéncia
moral) nao é senáo a expressáo de um defeito ou de urna
enfermidade psíquica; nao há vicios moráis, mas vicios de
metabolismo e de funcionamento do organismo: a preguiga
nao é senáo astenia (indiferenca ou lerdeza de comporta-
mentó) ; o orgulho, urna atitude próxima á paranoia; a cóle
ra, urna forma de agressividade patológica; a luxúria, um
desequilibrio de hormónios. Os complexos, os recalques, as
censuras impostas pela educacáo seriam, em grande parte,
responsáveis pelos comportamentos erróneos que outrora se
chamavam «pecado». O remedio, portanto, para combater o
pecado vem a ser a plena libertado das tendencias ocultas
do individuo: freios e sanQóes prejudicam, ao passo que isen-
cáo de controle, condescendencia benévola apagam os comple
xos patológicos.
Apoiando-se nestas. idéias, alguns autores modernos (en
tre os quais o Dr. Hesnard, em «L'Univers morbide de la
faute» e «Morale sans peché») tém apregoado urna «Moral
sem pecado»; a solucáo dos problemas moráis se obteria nos
consultorios de psiquiatría e psicanálise, e nao nos ambientes
religiosos!
Sem nos deter por ora em comentarios, passemos á con
siderado de outro aspecto da negasáo do pecado em nossos
dias.

. 2) Fallía civil ou profissioiial. Embora nao admitam o


pecado «ofensa a Deus», muitos reconhecem que há «faltas»
(delitos e crimes) contra as leis civis ou contra regras esti
puladas para que os homens convivam em harmonía na so-
ciedade.. Quem viola tais regras, deve-se reconhecer réu pe-
rante as autoridades civis e passível de pena ou contraveneno.
É a isso que, segundo tais pensadores, se reduz o senso
de culpabilidades nao penetra até o íntimo da consciéncia
moral. Os adeptos de tais idéias nao reconhecem urna voz no
interior do homem, voz que se Ihe impóe, precedendo as de-
cisóes do seu livre arbitrio e julgando as suas agóes depois
de praticadas. Essa voz seria um elemento intruso; quem a
admitisse, cairia numa iíusáo que Ihe diminuiría a personali-
dade. Cada homem, deliberando independentemente, é o único
arbitro das suas atitudes; ele se compromete onde e como
bem Ihe agrada, assumindo sobre si os riscos e perigos de-

— 273 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 1

correntes de suas opcóes. A sabedoria de vida consiste entao


eiri confrontar as energías e capacidades do sujeito com as
«chances» e oportunidades que cada situagáo lhe oferece a
fim de obter feliz sucesso na vida doméstica e na carreira
profissional. Conseqüentemente, os revezes fia luta de cada
dia se devem apenas a falhas de apreciagáo (ou de técnica),
mas de modo nenhum definem as qualidades moráis da pessoa.
Em vez de falar de «pecado», diz-se entáo que o homem
falhou o seu alvo ou objetivo e perdeu a sua «chance».
Um terceiro tipo de negacáo do pecado seria o da

3) Omissáo social. A influencia de certas doutrinas so-


ciais leva nao poucos homens, mesmo cristáos, a esquecer, na
prática, algumas verdades de fé e de teología. O pecado
entáo passa a ser entendido preponderantemente ou quase
únicamente como falta de justica social; peca própriamente
quem .nao «se engaja» na luta contra a «alienacáo» econó
mica e política vigente na sociedade. O mal, a rigor, consiste
ñas estruturas sociais; sao estas que chamam a atencáo quase
exclusivamente. Em conseqüéncia, quem remedia ao desequi
librio social e político, elimina as razóes profundas das taras
moráis ou os chamados «pecados» da «Moral antiga». Torna-
-se assim desnecessário dar valor á ética individual ou á luta
do bem contra o mal no interior do homem. Nesse conjunto
de idéias, a existencia de Deus nem sempre é renegada, mas
pouco ou nada influí na esfera de interésses e .no comporta-
mentó prático do individuo; a procura de relacóes pessoais e
de intimidarte com Deus cede quase por completo ao engaja-
mento na sociedade.
Como breve expressáo de tal maneira de pensar, poder-se-ia citar
o editorial do jornal «La Libre Belglque» de 27/VIH/1948, o qual
trazia na sua primeira página em letras salientes os dizcres: «Le
taudis, ce peché capital — O tugurio, ésse pecado capital».

Procuremos agora formular um juízo sobre estas atitudes


do homem moderno perante o pecado.

3. Elementos novos e positivos

As tres posicóes ácima esbogadas, por muito surpreen-


dentes que sejam, contém suas ligóes, pois concorrem
para repudiar certas concepgóes deficientes do pecado; trazem
sua contribuigáo para que melhor em nossos dias se compre-

— 274 —
O PECADO MUDOU ?

enda em que consiste o pecado. É essa contribuigáo que pas-


samos a averiguar.

1) A identificagáo do pecado com desajustes psíquicos,


embora errónea, vem lembrar que a moralidade do compor-
tamento humano nao pode sen avaliada apenas segundo os
atos externos da pessoa. Dentro de cada ser humano há um
mundo de sentimentos e afetos, as «profundidades», que in-
fluem poderosamente na conduta do individuo, de tal sorte
que nem todos os seus atos podem ser integralmente atribuí-
dos á sua vontade livre e resppnsável: existem, sim, atos
materialmente ou objetivamente muito graves e pecaminosos
que, do ponto de vista formal (do ponto de vista da vontada
do sujeito), sao pouco graves, pouco ou nada culpáveis.

Esta distincáo, que tanto caracteriza a jurisprudencia e a Moral


em nossos tempos, era quase totalmente ignorada pelos povos primi
tivos e pelos próprios israelitas no inicio da historia sagrada. Conse-
qüentemente, professavam a lei do taliño; a gravidade dos atos era
julgada segundo a sua face externa ou conforme -o daño material
infligido a outrem, nao se .levando em conta nem as atenuantes nem
as agravantes da consciéncia do réu. Donde dizerse: «Dente por
dente; ólho por ólho; casa por casa!»

O aprimoramento das ciencias psicológicas constituí assim


um elemento valioso para se procurar determinar o grau de
culpabilidade e pecaminosidade das agóes de urna pessoa.
Nem tudo que tem a aparéncia de ato mau ou pecado
é táo máu como á primeira vista se poderia crer, por
que há realmente estados patológicos (obsessáo, astenia,
desequilibrios hormonais...) em que o ser humano nao é
plenamente senhor de si ou responsável por seus atos:
o que é feito de mau em tais circunstancias, pode nao
ser pecado, mas apenas o efeito de um transtórno mórbido,
cuja cura há de ser confiada principalmente a um médico ou
um psicólogo (em nao poucos casos, o médico e o sacerdote
háo de trabalhar conjuntamente a fim de sanear o compor-
tamento de seus pacientes).

As afirmagóes ácima, porém, nao devem ser generaliza


das a ponto de se dizer que todo ato outrora tido como
pecado hoje nao possa mais ser tido nesta conta, ou que já
nao há pecados, mas simplesmente doengas, taras, complexos,
defeitos de educagáo, dos quais o sujeito nao é culpável. Na
verdade, nem todo individuo humano em nossos dias perdeu
a lucidez de seu raciocinio e a liberdade de sua vont&de (nao
vivemos numa sociedade de anormais ou de bonecos movidos

— 275 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 1

por instintos cegos): assim como há graus de menor lucidez


e liberdade, graus de anormalidade (e, por conseguirte, de
menor culpabilidade), assim há estados de lucidez e liberdade
integras; há individuos normáis, capazes, portante, de trans
gredir a Lei de Deus ou de pecar.

2) A rejeicáo do pecado em nome da autonomia da per-


sonalidade humana, embora também seja errónea, concorreu
nos tempos modernos para sacudir o excessivo juridismo
ou legalismo que tenha entrado ñas concepgóes dos tem
pos passados. «Nao pecar» nao significa apenas «cumprir
mandamentos» (o que muitas vézes se faz de maneira mais
ou menos mecánica ou rotineira, sem que o sujeito conhega
exatamente o espirito e o significado dos preceitos). A obe
diencia á Lei de Deus nao sufoca a personalidade humana
com sua capacidade de julgar razoávelmente e querer livre-
mente; ao contrario, obedecer supóe, da parte do súdito, um
ato de vontade consciente e livre; o homem digno déste nome
obedece porque compreendeu que é um bem sujeitar-se á
vontade de¡ Deus e dos seus representantes e quer abracar
éste bem de maneira incondicional, sem mercadejar nem
recuar,. Um ato de vontade livre e deliberada, portante, está
na base de todos os atos de obediencia da pessoa humana.
Em outros termos:, hoje em dia o cristáo é levado a ter
mais viva consciéncia de que o bem nao é apenas o que a
lei permite fazer, mas é Deus mesmo e a ordem estabelecida
por Deus; o mal nao é apenas o que a lei proibe fazer, mas
é o afastar-se de Deus e violar a ordem instituida pelo Todo-
-poderoso (tal violagáo da ordem abala tanto o sujeito como
todo o conjunto das criaturas, pois estas, por designio de Deus,
sao solidarias entre si).

Removam-se assim as categorías infantis de pureza e impureza


legal; dissipese também o médo quase supersticioso do pecado, médo
que pode levar a atitudes ridiculas e contraditórias, como atesta a.
historia medieval mencionada á pág. 3 déste fascículo. Profligue-
-se todo senso de culpabilidade formalista, um tanto mórbida, carac
terística da religiosidade primitiva ou pouco esclarecida. Em conse-
qüéncia um cristáo do séc. XX saberá que nao lhe basta ser por-
tadar de urna medalha ou reliquia para ser declarado livre, urna vez
por todas, do pecado ou para se imunizar contra os males desta vida
e garantir a sua salvacao eterna.

Note-se, porém, o seguinte: a ccncepgáo mais profunda


do pecado, que muito louvávelmente ultrapassa o juridismo
formal e rotineiro, nao significa que.nao se devam admitir

— 276 —
O PECADO MUDOU ?

leis extrínsecas ao homem; éste nao pode pretender ser seu


legislador autónomo (isto seria soberba e arrogancia, a
hybris, que os moralistas gregos tanto censuravam). Como
criatura, é mister que o homem reconhega as leis do Criador,
leis naturais e positivas, comunicadas pelas autoridades legí
timas (tanto eclesiásticas como civis). Transgredir tais leis
vem a ser pecado na medida em que o sujeito o faca consci
ente e deliberadamente.

3) A redúgáo do pecado as faltas de engajamento em


pról da justicai social, embora seja deficiente, também tem
seu aspecto positivo: ela recorda aos cristáos que o pecado
nao consiste apenas em praticar o mal, mas também em omi
tir o bem que esteja ao alcance do sujeito... Nao basta ao
cristáo . examinar a sua consciéncia a respeito das relagóes
com Deus em sua vida individual, mas é preciso se tome
sensível a certas formas de pecado que outrora eram
encaradas de maneira um tanto vaga: a iniqüidade social, as
faltas de responsabilidade cívica e profissional, a displicencia
para com o bem comum e para com os concidadáos vitimados
pela ordem de coisas vigente.
Contudo a tomada de consciéncia de que há um pecado
contra o próximo no setor da justiga social, nao deve fazer
esquecer que o pecado é essencialmente urna falta contra
Deus. O amor que se dedica ao próximo, deve ser, antes do
mais, dedicado a Deus; em caso contrario, o amor se torna
algo de meramente humano, e, como tudo que é humano, pode
degenerar, aviltando o sujeito que ama e os objetos por ele
amados; o homem entáo se serve do amor ao próximo, mas
nao serve ao próximo com amor.
«Deus é Amor», escreve Sao Joáo (1 Jo 4,8), significando
que todo amor genuino nasce de Deus e tende para Deus.
André Gide parafraseou táo bela frase, asseverando: «O Amor
é nosso Deus». Embora parega idéntica á anterior, esta afir-
magáo difere radicalmente da primeira. Sim; na segunda
sentenga «Deus» já nao é o sujeito, sujeito que daría sentido
próprio ao predicado «amor»; o amor, amor sem Deus, amor
do homem aos homens, é colocado assim como algo de abso
luto. Ora tal amor meramente humano vem a ser urna cari
catura, que cedo ou tarde revela sua inconsistencia e decep
ciona, pois tudo que é meramente humano arrisca-se -a ser
contaminado pelo egoísmo.
Por isto, quando se fala de «pecados contra o próximo»,
nunca se pode esquecer que estáo intimamente associados a

— 277 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968. qu. 1

pecados contra Deus e que nunca poderio ser devidamente


expiados senáo por via religiosa, isto é, se o pecador nao pedir
ao próprio Deus perdáo e reconciliagáq.
Estas observacóes seráo completadas mediante breve ex-
planaeáo do que realmente é o pecado.

4. O misterio do pecado

1. O senso do pecado «injuria cometida contra Deus»


é algo de espontáneo em todo homem que comega a conhecer
a Deus ou d'Éle se aproxima. Atesta-o sobejameJite a historia
da Religiáo, como foi atrás assinalado (cf. pág. 2 déste
fascículo).

Mesmo ñas religióes náo-cristás onde a Mística é cultivada, veri-


fica-se que os homens mais justos tiveram vivo senso do pecado.
A titulo de ilustracáo, vai aqui transcrita a ora cao do «sufb ou
místico muculmano Yahya (t872):
«Meu Deus, Tu sabes que nao posso suportar o inferno. E eu
sei que nao sou bom para o paraíso. A que arte entáo .recorrerei
senáo ao teu perdáo?»

O senso do pecado, táo espontáneo e universal no género


humano, nao se explica como produto da fantasía ou de esta
dos psicopatológicos; supóe e exige algo de objetivo, isto é, a
existencia de Deus, de urna lei de Deus gravada no íntimo do
homem, e de transgressóes a essa santa lei.
No Cristianismo, a nogáo de pecado se tornou mais pun
gente em virtude da Revelacáo, aparentemente desconcertante,
que o Senhor fez aos homens:
Deus mesmo é Amor (cf. 1 Jo 4,8); é o Amor que se
comunicou em primeiro lugar, dando inicio á historia. Ao
criar o ser humano, Deus o marcou com o sélo do seu Autor,
destinando-o a aderir ao Criador. A fim de facilitar esta ade-
sáo, Deus faz ouvir a sua voz, o seu chamado, no mais íntimo
da natureza de cada homem: é a voz da consciéncia ou da
lei natural, que em todo individuo, quaisquer que sejam a sua
linhagem e a sua cultura, profere um axioma geral a ser
desdobrado e aplicado paulatinamente: «Faze o bem; evita
o mal».
Tal ditame e suas conseqüéncias (nao matar, nao roubar,
nao maltratar o próximo, cumprir os deveres de estado, ali
viar as miserias alheias, etc.) nao sao produtos contingentes
de urna civilizagáo ou de urna época, mas sao normas cons-

— 278 —
O PECADO MUDOU ? 11

tantes e universais. Em última ajiálise, constituem o reflexo


da infinita santidade de Deus manifestada pela natureza hu
mana, santidade que é imutável. Por conseguinte, as catego
rías do bem e do mal, tais como a consciéncia de todos os
povos as discrimina, nao dependem nem da moda/ nem dos
homens, mas do Ser eterno e imutável de Deus; sao a parti-
cipagáo, dada ao homem, na retidáo imutável de Deus.
É por isto que a Moral crista afirma haver atos humanos
que póem o homem em oposicáo direta a Deus. É a ésses atos
que na linguagem crista se dá o nome de «pecados»*
O pecado consiste, pois, em que alguém nao leve em conta
a voz do Senhor manifestada no seu íntimo pela consciéncia,
preferindo-lhe um bem transitorio. Em outros termos: consiste
no fato de que alguém nao respeite a escala dos valores:
ácima de Tudo, está o Criador, Bem Infinito; a seguir, vém
as criaturas, bens finitos. Violar essa hierarquia natural é,
sem dúvida, injuria ou ofensa a Deus.
Através do Evangelho o cristáo toma o conheecimento
mais exato do que é injuria ou ofensa a Deus. O Senhor
Deus se dignou unir a Si a natureza humana e, através desta,
proferiu instante convite aos homens para participaren! da
grande ceia da vida eterna. Contudo «veio ao que era seu, e
os seus nao o reconheceram» (Jo 1,11); esbofetearam-No (Jo
18,22), cuspiram-lhe na face (Mt 26,67), acusaram-No de
impostor e blasfemo (Mt 27,65), coroaram-No de espinhos e
escarneceram-No (Jo 19,2) e, por fim, crucificaram-No (Jo
19,18); mataram «o filho herdeiro» (Mt 21,39). Ele, que viera
salvar os homens e suscitar-lhes o amor, foi destarte ultra
jado. Por conseguinte, é na Paixáo do Filho de Deus, Amor
feito carne, que o cristáo aprende, em termos bem concretos
e com o mais requintado colorido, o que é ofender a Deus, o
que é o pecado.
É muito significativa a observagáo do Cardeal Charles
Journet:

«Já alguém escreveu que no Antigo Testamento o homem tinha


médo de Deus, mas que no Novo Testamento é Deus quem tem
médo do homem, médo de mim, médo de vos, do mal que aínda lhe
posso causar por mim mesmo ou por intermedio de outrem. Sim;
Deus tem mido do pecado, por causa de mim; Ele tem médo do mal
que lhe posso causar; é por isto que Ele manda seu Filho único e
dileto a me procurar pelas estradas do mundo e a me chamar para'
baixo da cruz» («Le Mal» 1960, 199).
Na verdade, em Deus nao pode haver médo nem dar. Contudo
estas expressóes antropomórficas foram escolhidas a fim de íncutir
de maneira muito impressionante (e sobre o fundo da Paixao de

— 279 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 1

Cristo) a monstruosidade do pecado. Éste é um golpe que o homem


¿esfera contra Deus, usando, porém, de um cútelo de papeláo...

2. As verdades até aqui expostas explicam que, quando


decresce o senso de Deus entre os homens (e éste é o caso
de jiossos días), decresce também o senso do pecador a indi-
ferenca para com o Senhor é a causa do embotamento das
consciéncias em relagáo ao pecado.
Ao contrario, verifica-se que, quanto mais urna alma
conhece ou experimenta Deus, tanto mais também possui
apurado senso do pecado. É o que se dá quase paradoxal-
mente com os santos: julgam-se pecadores em grau máximo
sobre a térra. Justamente por estarem mais próximos de Deus,
tém consciéncia do contraste existente entre a infinita santi-
dade do Senhor e a exigua perfeigáo da criatura; melhor do
que os demais homens, percebem quanto falta a esta para ser
conforme ao seu Ideal ou Exemplar.

O Santo Cura de Ars JoáoMaria Vianney (tl859), por exemplo,


após 25 anos de oracáo e penitencia, exclamava:
«Quisera' ter ainda dois anos pela frente para prantear a minha
pobre vida».
S. Inácio de Loiola (f 1556), já anciáo, dizia a seu fiel confidente
o Pe. Pedro de Ribadeneira:
«Sou apenas estéreo; devo pedir a Nosso Senhor que, quando
morrer, lancem meu cadáver ao lixo a fim de que seja devorado
pelas aves e pelos caes... Nao é isto o que devo desejar em castigo
de meus pecados?»

Tais palavras nao sao própriamente expressóes de pie-


dosos exageros. Na verdade, Deus é quem conhece adequa-
damente a hediondez do pecado; com Ele, conhecem-na os
Santos, que se consideram á luz de Deus. Escrevia urna
grande mística do séc. XVII, Madre María da Encamagáo:
«Minha alma vé-se á si mesma nesse grande Todo como que
em urna graga muito clara, onde ela descobre todas as suas
defeituosidades» (Escritos, t. I pág. 304). O pecador, como
tal, nao compreende o seu estado; urna só e mesma cegueira
o fecha ao conhecimento de Deus e ao conhecimento de si.
Quanto ao santo, embora tenha clara intuigáo da realidade,
está longe de desesperar; expande-se em viva agáo de gragas,
pois sabe igualmente que o pecado Ihe foi perdoado e que
lhe é restaurada a possibilidade de se unir a Deus; tem cons
ciéncia de que, quanto mais a criatura é misera, tanto mais
Deus é misericordioso; a miseria do homem atrai a miseri
cordia do Senhor (misericordia é justamente palavra com-

— 280 —
O PECADO MUDOU ? 13

posta de miser e cor, significando «ter coracáo para com os


míseros»). Muito melhor para o homem é reconhecer que é
pecador gratuita e liberalmente salvo por Deus do que querer
ignorar ou negar que é pecador.

A extincáo ou obliteracáo do senso do pecado, aínda a


outro titulo, é algo de trágico para o homem. O fato de que
a criatura humana pode cometer o pecado, dizendo «Nao» a
Deus, diferencia-a do mais perfeito dos animáis, irracionais;
o «mais sabio» dos macacos nao pode pecar, justamente por
que nao é pessoa, nao é ser inteligente chamado a conhecer
e amar a Deus com responsabilidade. O homem que nao re-
conhece o pecado, em vez de se emancipar e promover, en
trando no livre gozo de prazeres, degrada-se, avilta-se e sofre
as conseqüéncias disto: é urna criatura essencialmente feita
para o Infinito, mas hediondamente retorcida sobre si mesma
e sobre os bens finitos; tal criatura nao pode deixar de ser
infeliz.

Diga-se, por fim, que o reconhecimento do pecado em


cada um de nos é condigáo indispensável para que a nossa
luta contra a injustica social seja bem sucedida. Ninguém
pode pretender combater apenas o pecado dos outros ou da
sociedade. Cada um deve-se sentir «engajado» também no
pecado; cada um é pecador, como a sociedade é pecadora. Por
conseguinte, o primeiro passo que o cristáo há de dar em
prol dos irmáos, será o de se purificar dos pecados próprios,
reconhecendo suas faltas e expiando-as diante de Deus; «urna
alma que se eleva, eleva o "mundo inteiro». Caso nao faga
isto, o cristáo pode-se tomar mero acusador dos seus seme-
lhantes, acusador que, inspirado pelo orgulho, dissemina dis
cordia e desordens, em vez de ser um humilde servidor dos
irmáos e um eficaz construtor da Nova Cidade dos homens
sobre a térra.

«De todas as coisas divinas, a mais divina é colaborar


com Deus na salvacao das almas.»
(Pseudo - Dionisio, séc. VI)

— 281 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 2

II. VIDA MODERNA E RELIGIÁO

2) «Que dizer do livro 'A Cidade do Homem' (The


Secular City) de Harvey Cox?
Como .jnlgar a sccularizagao do Cristianismo hoje tao
propalada?»

Resumo da resposta: Harvey Cox, protestante norte-americano,


propugna um Cristianismo interessado exclusivamente pelos proble
mas déste mundo; a Hnguagem bíblica, ao apregoar conversáo, estaría
exigindo simplesmente a tomada de consciéncia dos deveres que cada

homem tem para com a sociedade. Seria preciso deixar de falar de


Deus a um mundo que ultrapassou as categorías religiosas.
Em resposta, diga-se que o Cristianismo é essencialmente desmi-
tizante, na medida em que ele profliga todo vestigio de politeísmo
ou supersticáo; nem por isto, porém, o Cristianismo é dessacnalizante
ou secularizante. Ao contrario, a Biblia ensina que todas as criaturas
tém sua origem em Deus e devem dar gloria ao Criador; tudo que
o cristáo faz, deve ser feito em nome de Jesús Cristo, com agao de
gracas a Deus Pai (cf. Col 3, 17).
Mais: a página final da Biblia (Apc 21) apresenta a Jerusalém
nova, a Cidade Sagrada, preparada como Esposa que se une ao seu
Esposo.
Em suma: «Cristianismo dessacralizado ou secularizado» no sen
tido de Cox é negagáo do próprio Cristianismo, é ateísmo «enver-
nizado».

Resposta: O livro de Harvey Cox, protestante norte-ame


ricano, é um dos mais representativos porta-vozes da tese dita
«da secularizacáo da Religiáo» ou do «Cristianismo sem
Deus». Esta mentalidade nao se identifica com a de Nietzsche,
que proclamava: «Deus mo.rreu!» Os arautos da tese de
H. Cox sao mais sutis, pois pretendem ser cristáos, e cristáos
realmente fiéis á missáo que o Evangelho lhes impóe no
sáculo XX (!).
Abaixo examinaremos as grandes linhas do livro «A Ci
dade do homem», * ao que se seguirá urna tomada de posicáo
diante de suas principáis idéias.

i A ser citado pela sigla C.H.

— 282 —
SECULARIZACÁO 15

1. Que é a 'Cidade Secular' ?

Cox parte do fato de que as condic.6es de vida do


homem moderno sao algo de inédito na historia da civiliza-
gáo: a aglomeracáo de multidoes em cidades (urbanizagáo)
e os recursos da técnica imprimem notas características nao
sonriente á face visível da sociedade, mas também ao modo
de pensar dos cidadáos. Estes váo dispensando mais e mais
os conceitos religiosos e julgam-se capazes de elucidar os
grandes enigmas da vida; o homem moderno assim vai-se
libertando dos principios religiosos. É a isto que se chama
«secularizagáo».

Sao palavras de Cox:

«A secularizacáo é a libertacáo do homem da tutela religiosa e


metafísica, a volta da sua atencáo dos outros mundos para éste»
(C. H. 27).

Na sociedade que se compóe de homens «secularizados»,


nao há mais interésse em falar de Deus. Verdade é que «as
fórgas da secularizacáo nao tém interésse serio em perseguir
a religiáo. A secularizagáo simplesmente contoma a religiáo
e avanga rumo a outras coisas... A religiáo passa a ser pri
vativa» (C. H. 13).
Conseqüentemente, segundo Cox, os cristáos hoje em dia
devem renunciar a professar publicamente a sua fe. Será
oportuno mesmo que renunciem a pronunciar o nome de Deus;
talvez a evolugáo dos tempos lhes sugira outro vocábulo que
nao Deus, para designar o Supremo Ser. A missáo do cristáo
há de ser exatamente a mesma que a dos demais homens:
construir a Cidade do Homens neste mundo; os valores, ditos
«transcendentais» se acham ñas criaturas mesmas. O mundo
presente, com suas iniciativas e realizagóes, satisfaz plena
mente aos interésses do homem secularizado.

O autor julga que a secularizagáo é atitude incutida pela


própria Biblia. Com efeito, segundo Cox,

o relato da criacjáo em Gen 1-3 significa a «seculariracáo da


natureza». A Biblia ensina que nao há forcas ocultas nem mágicas
neste mundo, nem. existem semi-deuses identificados com as fórcas
da natureza; Deus é o único Criador de todos os seres que vemos;
o livro do Éxodo (7,1-14,31), narrando a libertacáo de Israel ca
tivo no Egito, dá a ver que nao há monarcas ou governantes divinos

— 283 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 2

(tais eram os Faraós egipcios, na concepcáo dos seus súditos). A


Biblia preconizou assim a «dessacraliza$5o da política»;
o livro do Éxodo (7,1-1431), narrando a libertacáo de Israel ca-
Lei a Israel ao pé do monte Sinai e prescrevendo entre outras coisas
a destruicáo dos Ídolos, propóe a «desconsagTugSo dos valores». NSo
há valores absolutos neste mundo; todos sao «obra da máo do
homem». Como se depreende do desenrolar geral da tese, Cox tem
em vista principalmente os valores religiosos...

Por conseguinte, se hoje há cristáos que desejam dessa-


cralizar ou secularizar a vida social e religiosa, assegura Cox
que nao estáo' senáo aplicando as diretrizes da Biblia aos
tempos presentes!
O autor aborda aínda varios outros aspectos da secula-
rizagáo. O Reino de Deus, por exemplo, táo apregoado pelos
Evangelhos, nao seria senáo urna nova ordem de coisas na
térra, em que o homem se emanciparía de ditos «tabus» das
épocas anteriores (no tocante tanto á ciencia como á Moral).
«O equivalente moderno do arrependimento é o uso respon-
sável do poder» (C. H. 137); a vinda do Reino de Deus
. significaría «transformac.áo social» (C. H. 135); nao tem mais
cabimento entender o Evangelho como apelo á uniáo com
Deus e á vida anterior.. .
O livro é assaz prolixo e, as vézes, confuso. Todavia as
consideragóess propostas até aqui reproduzem fielmente o
pensamento filosófico-religioso do autor e sao suficientes para
que possamos procurar formular um juízo sobre a tese.

2. Reflexdo serena

A leitura da obra de Harvey Cox nao pode deixar de


sugerir ao leitor algumas ponderacóes.

1) Aínda estamos no Cristianismo?

O autor e sua corrente filosófica estáo fascinados pela


visáo da «Tecnópolis» ou da «Cidade da Técnica» contem
poránea.
Müitos daqueles que presenciam o desenvolvimento da
civilizacáo contemporánea, caem ¿no materialismo ateu, pro-
fessando explícitamente a incredulidade, pois Deus lhes parece
desnecessário ao homem hoje em día. A escola da «secula
rizado do Cristianismo» nao recusa as nocóes de «Deus».e
de «Reino de Deus», mas desvirtúa essas palavras, de modo
a redundar práticamente no ateísmo. Para a secularizacáo, o

— 284 —
SECULARIZACAO 17

homem é o Grande Valor, o ponto de convergencia de todos


os interésses; a construgáo da «Cidade do Homem» é a meta
final. Nesse conjunto de idéias, Deus aínda tem lugar, mas
como elemento que serve ao homem, ajudando-o a se desen
volver técnica é culturalmente. A idéia de um Deus trans
cendental e absoluto, frente ao qual o homem e sua transi
toria existencia sobre a térra sao algo de relativo, é estranha
á tese de Cox. Ora a genuína mensagem crista sempre en-
sinou que «servir a Deus é reinar»; a grandeza do homem
consiste justamente em elevar-se ácima de si messmo para
viver da fé, que é o inicio da visáo de Deus face a face; a
vida do homem sobre a térra só se entende á luz da eterni-
dade ou do encontró final com o Senhor Deus (cf. a parábola
das dez virgens em Mt 25, 1-13).

S. Agostinho (t430) escreveu a obra monumental «A Cidade de


Deus», propenda o sentido religioso da historia; Harvey Cox propóe
hoje a «Cidade do Homem», tentando laicizar a historia e cancelar
o aspecto religioso da civilizacáo! No ideal de S. Agostinho, o homem
se realiza em Deus, que é 9 Bem infinito («Tu nos fizeste para Ti
e inquieto é o nosso coragáo enquanto nao repousa em Ti»). Ao
contrario, na perspectiva de Cox, os horizontes do homem parecem
terminar nesta térra; é ás dimensóes da Tecnópolis que a mentali-
dade se deve adaptar; a escatologia ou a visáo do último íim se
esvanece nesse quadro.

É preciso, porém, reconhecer que o Cristianismo que nao


fale mais de Deus, já nao é Cristianismo. «Cristianismo nao
religioso» é um contra-senso ou a negacáo do próprio Cris
tianismo.

2) Secularizáoslo e Biblia

Para expor a sua tese, Harvey Cox recorre nao raro a


sofismas e preconceitos, em vez de se entregar a urna análise
objetiva dos fatos e documentos da historia.
Tenha-se em vista, por exemplo, o seguinte: como foi dito
atrás, o autor pretende deduzir da Biblia a tese da seculari-
zagáo ou dessacralizacáo. Ora os relatos da criagáo (Gen 1-3),
do éxodo (Éx 7,1-14,31) e do Pacto do Sinai (Éx 19,1-20,21)
podem ser dito «desmitizantes», sim, no sentido de «despa
ganizantes»; removem radicalmente qualquer concepeáo polite
ísta, mitológica ou mágica da realidade, mas nao sao «secula
rizantes» ou «laicizantes»; ao contrario, sao altamente «sacra-
lizantes». O que quer dizer: a concepeáo de vida civil que a
Biblia apresenta, é impregnada de profundo espirito religioso
ou sacral (nao politeísta ou pagáo, mas monoteísta); os sinais

— 285 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 2

da presenga de Deus caracterizam as principáis páginas da


Biblia; até os atos mais corriqueiros da vida humana tomam
caráter religioso, segundo os dizeres de Sao Paulo: «Tudo
que fizerdes, seja por palavra, seja por obra, fazei tudo em
nome do Senhor Jesús, dando por intermedio déle gragas a
Deus Pai« (Col 3, 17).

Os falsos deuses na Biblia sao profligados a fim de que os


homens reconhecam melhor o único Deus; deve-se mesmo dizer que
os textos do Antigo Testamenta instauram urna teocracia em Israel,
ou seja, urna ordem civil e religiosa em que Deus é constantemente
o ponto de referencia ou o criterio para se apreciar todo e qualquer
valor. Por conseguinte, quem queira seguir fielmente a inspiracáo
da Biblia, concebe lógicamente o ideal da Cidade de Deus e denuncia
as aberrag6es da «Cidade Secular».

3) Sacralizagao e Biblia

Mais aínda: quem eré em Deus e aceita a autoridade


das Escrituras Sagradas, só pode lógicamente admitir que o
mundo se vá sacralizando cada vez mais. Por certo, a visáo
que a Biblia nos comunica a respeito do mundo, é essencial-
mente religiosa: Deus está no inicio da historia do mundo;
cada criatura traz, pon assim dizer, a marca ou o vestigio
do seu Criador; é destinada a dar gloria a Deus mediante o
homem. A Biblia se encerra, apresentando-nos, no Apocalipse,
nao a Cidade Secular, mas a Cidade que se tornou por inteirp
um Templo — o Templo de Deus — ou ainda a Cidade que
é a «Esposa do Cordeiro» (cf. Apc 21, 2-5).
Nesta perspectiva, bem aparece o absurdo de urna secula-
rizagáo do Cristianismo; equivale — digamo-lo mais urna vez —
a negar o próprio Cristianismo. Quem excluí do mundo os
sinais sagrados, excluí o próprio Deus, porque Deus é o Cria
dor déste mundo, o qual, por conseguinte, nao pode deixar
de trazer a marca do seu Criador.

4) «Deuses» e Deus

Quando Cox quer provar a conveniencia de dessacralizar


(ou de «libertar o homem da tutela religiosa e metafísica»,
pág. 27 de C. H.), recorre a exemplos do paganismo ou de
sistemas religiosos erróneos. Politeísmo e superstigáo sao for
mas decadentes da genuína religiáo (nao sao os pontos de
partida donde procede o monoteísmo). Por isto é para desejar
que desaparecam da face da térra, para o bem da humani-
dade. A verdadeira Religiáo, porém, — que é a do Deus Uno

— 286 —
SECULARIZADO 19

revelado ñas Escrituras Sagradas — nao se identifica com


crendices, nem com as concepcóes infantis ou muito antropo-
mórficas que sao hoje em dia chamadas «mitos». O Cristia
nismo se coaduna com as categorías mais genuínas da filo
sofía e da inteleetualidade. Dentro do próprio Cristianismo,
os teólogos procuram hoje, com cuidado especial, distinguir
as verdades da fé de sua roupagem ou do expressionismo
contingente com que durante muito tempo foram apresentadas.
Isto, porém, nao quer dizer que a mensagem crista renuncie
aos seus artigos de doutrina revelada'ou aos aspectos que
superam a razáo do homem. Mais: o Cristianismo só faz
nobilitar o homem; ele incentivou as grandes realizares da
cultura de que hoje nos beneficiamos (cf. «P.R.» 19/1959,
pág. 267). A fé crista nao retorce nem desfigura a perso-
nalidade; ao contrario, confirma-a e estimula-a no exercício
de sua missáo terrestre; tudo que o homem faca por amor
a Deus, é, sem dúvida, mais esmerado do que as obras feitas
por motivos meramente humanos.

Note-se também que Harvey Cox (como os outros grandes arau-


tos da secularizagáo : Lesslin Newbigin. J. J. Altizer, William Ha-
milton Blackham, Gabriel Vahanían, Paúl van Burén, John Ro-
binson...) sao protestantes. Por muito fiéis que sejam ás suas
crencas, nunca tivoram o conhecimento do auténtico Cristianismo;
o Protestantismo depauperou a mensagem de Cristo, criando a «Re-
ligiáo da Palavra», quando na verdade Cristo instituiu a «Religiáo
da Palavra e dos Sacramentos». O genuino Cristianismo tem seu
centro na S. Eucaristía, que é a celebragáo da Paixao e da Ressur-
reicáo do Senhor; pela Eucaristía e pelos demais sacramentos, o
cristáo entra em íntima uniáo com Cristo e com a vida de Deus
Uno e Trino; ele entáo adquire a consciéncia de que é impossível
ao homem viver sem Deus; é no encontró com o Supremo Bcm
que o homem sorve as fórcas e o entusiasmo para cumprir a sua
tarefa ma tenra. Tenha-se em vista a Constituigáo do Vaticano II
sobre a Igreja no mundo de hoje: é notávelmente aberta para as
realidades terrestres porque profundamente inspirada por urna visáo
religiosa sobrenatural. Parece que só urna visáo depauperada do
Cristianismo pode inspirar a tese da «secularizacáo».

5) Secularizagao e senso do sagrado

O livro de Cox professa que, embora a crenga em Deus


seja um valor, o culto de Deus ou a Religiáo (as relacóes
diretas do homem com Deus) é algo de contingente, que de
pende da etapa de civilizagáo em que se encontré a huma-
nidade. A Tecnópolis (a Cidade da Técnica) de nossos días,
por exemplo, já Jiáo seria compatível com manifestagóes re
ligiosas ou sacrais (daí falar-se de um «Cristianismo nao

— 287 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968. qu. 2

religioso»); ao contrario, etapas de civilizacáo menos evoluída


exigiam sinais religiosos.

A esta tese pode-se responder o seguinte:

O senso do «sagrado» é algo de inato na natureza humana.


Atestam-no, entre outros documentos, as ciencias contempo
ráneas. Com efeito,

a) a etnología — estudo dos povos primitivos —


incrementada nos últimos tempos por obra de Schmidt, Gu-
sinde, Koeppers... revela que todas as tribos, por mais rudi-
mentares que sejam, tiveram a nocáo de que Deus existe e é
o Autor de todas as coisas; por conseguinte, tudo neste mundo
é manifestagáo da presenga e da providencia do Pai Supremo;
tudo é sacral. Cf. «P.R.» 39/1981, pág. 91; 19/1959, pág. 267.
b) Também a psicología das profundidades (princi
palmente na escola de Cari Jung) intervém, nesta hora de
dessacralizacáo, para dizer que na alma humana há certos
arquetipos (imagens e categorías de pensamento) religiosos
que sao constantes e perenes. Professe ou nao professe algum
Credo religioso, todo homem se exprime espontáneamente em
termos de religiáo e mística; a consciéncia do sagrado é máis
forte do que a filosofía materialista e o ateísmo que alguém
queira abracar. Ésses arquetipos religiosos nao dependem de
algum estadio da cultura, mas estáo naturalmente impregna
dos na alma humana.

Tenha-se em vista de modo especial o que se dá na Rússia


Soviética de 'nossos dias. — O seguinte depoimento procede de um
engenheiro russo, Vladimir Andreievitch, de vinte e tres anos de
idade, interpelado por Alice Mackellar, jovem francesa que passou
dez anos na Rússia. Viajando num trem para a Criméia, disse o
engenheiro á sua oompanheira:
«... urna igreja semelhante á que estamos vendo pela janela e
que vai desaparecer. Mas nao se perturbe: outra em breve apare
cerá... Os tesouros da nossa térra russa sao as suas igrejas com
seus maravilhosos icones, seus poetas e seus escritores, táo fecundos,
táo numerosos. Aprendí ina minha infancia a desprezar as igrejas. Na
escola diziam-nos que elas representavam um passado vergonhoso
para o nosso pais. Se encontrássemos urna, abandonada no campo,
sabíamos que podíamos brincar dentro déla, saqueá-la, sem ser cas
tigados. Hoje, porém, nos os jovens compreendemos mais e mais a
que ponto essas obras de arte sao essenclais para nos, como as
obras dos grandes poetas e escritores que precederam a RevolucSo
e que marcaram os primeiros anos desta — homens que foram
relegados ao silencio até os últimos tempos. Gracas a éles, podemos
crer no profundo valor cultural do nosso pais; sabemos que o Oci-
dente os admira. Matisse nao sofreu a influencia dos icones russos?
É coisa reconhecida. Em nossa cidade, nos os estudantes fundamos

— 288 —
SECULARIZACAO 21

um 'Comité de protecáo aos monumentos antigos e aos vestigios de


alto valor cultural'; no ano passado estudantes de Belas-Artes de
Moscou vieram ajudar-nos a restaurar um belo mosteiro do sáculo
XV situado nao longe da nossa cidade.
Seria eu um crente? Nao; fui educado íora de todo problema
religioso. Meus pais nao me falavam disto. As conferencias de ate
ísmo as quais eu assistia na escola, nao me interessavam. Por eos-
turne, até os últimos anos eu tomava urna atitude antes irónica para
com os eren tes; estes sao numerosos... principalmente entre os
camponeses, mesmo os que ainda nao tém quarenta anos...
Tive a ocasiáo de encontrar alguns crentes extremamente inteli
gentes. Ñas reunióes de ateísmo, geralmente há urna maioria de
crentes; sao muito astuciosos e confundem freqüentemente o confe
rencista.
Pessoalmente, a fé me interessa. Vocé sabe que pela primeira
vez depois de anos reeditaram a Biblia na Rússia, ilustrada com
gravuras de obras de arte e acompanhada de comentarios científi
cos. Quisera adquirir um exemplar, mas parece que estáo esgotados.
Minha lia, que vive em Moscou, comprou um.
Urna vez fui á igreja no dia de Páscoa. Tudo estaya muito belo.
Naquele dia, o Komsomol havia organizado no Palacio da Cultura
urna conferencia de ateismo, seguida de projegáo de filmes de vul-
garizacáo científica e de um baile. Na conferencia, havia apenas
vinte pessoas; a mor parte eslava no saláo do bar. Depois da con
ferencia, a responsável tentou atrair-inos para a sala do cinema, mas
muitos tomaram o seu manto e foram para a Missa. Meus amigos
iam para lá, e eu os segui. Na igreja, quase houve tumulto; uns
«droujiniks» (educadores comunistas) com um cao queriam impedir-
-nos de entrar. Lancavam-nos palavras injuriosas; nos lj-es respon
díamos... Havia realmente muita gente...
Quando éramos pequeños, diziam-¡nos que Stalin era o homem
mais forte do mundo, que nos amava, que nosso país era o maior
do mundo e que éramos as enancas mais felizes do mundo; acredi-
távamos nisto. Minha tia e minha máe sabiam que o que acontecía
era terrlvel e injusto. Comentavam-no com meus irmaos mais velhos,
que brigavam com elas. files acreditavam no ensinamento que lhes era
dado na escala. Lembrome, com vergonha, dessas conversas; dava
toda a razao aos meus irmáos e inr.ás contra minha máe e minha
tia» («Les 18-25 ans en URSS: si peu marxistes... et si profonde-
ment slaves», em «Réalités», janvier 1967, pág. 30-32).

Éste depoimento é profundamente interessante e valioso.


Com efeito, mostra como numa civilizagáo radicalmente anti
teísta (e, por isto mesmo, secularizada e dessacralizada ao
máximo) os símbolos religiosos (igrejas, icones...) continuam
a falar á alma do homem. Falam-lhe, mesmo quando ele diz
que nunca teve instrucáo religiosa, mas, ao contrario, foi sub-
metido á propaganda atéia; o senso de Deus e do sacral é
indelével na alma humana; mesmo o ateu o exprime sem saber
que é de Deus que ele está falando e que ele tem sede.

— 289 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 2

Numerosos outros depoimentos se poderiam colhér em


publicagóes recentes, através dos quais se manifesta o espirito
religioso que persiste na Rússia Soviética após cinqüenta anos
de dessacralizagáo sistemática: as questóes de fé, a procura
do sobrenatural e do transcendental continuam a empolgar,
consciente ou inconscientemente, os homens da Tecnópolis. Nao
seria a experiencia da Rússia Soviética o desmentido mais
eloqüente que a historia possa dar aos que apregoam a
secularizagáo nos países ocidentais? A realidade dos fatos evi
dencia que esta é uma aberragáo,... aberragáo que os homens
■nao reeeiam retratar quando sao coerentes consigo mesmos.
c) A psiquatría ensina outrossim que muitos daque-
les que pretendem banir o sacral da sua vida, se tornam
vítimas de desequilibrio nervoso ou neurose. Trazem em seu
intimo o senso religioso, do qual éles se querem tornar ini-
migos; compreende-se que tais pessoas se si»ntam desconcer
tadas ou percam o equilibrio de sua vida. Nao seria a dessa
cralizagáo da vida hodierna precisamente um dos elementos
que fazem da neurose a doenca do nosso secuto (como se
tem dito) ? A superstigáo e a falsa religiáo prejudicam
inegávelmente o ser humano; ao contrario, a verdadeira reli
giáo é fator sem o qual o homem, mesmo na Tecnópolis,
jamáis se poderá realizar plenamente.

6) Uma falsa apologética

Se algum pensador cristáo julga que, para sobreviver no


mundo atual, o Cristianismo tem de silenciar o nome de Deus
e compartí lhar simplesmente os interésses do humanismo mo
derno, ilude-se: faz uma falsa apologética. O homem de hoje,
consciente ou inconscientemente, tem sede de Deus e da men-
sagem sagrada do Evangelho; o que ele pede aos fiéis cató
licos, é justamente a manifestagáo das verdades que nao sao
proferidas ñas escolas de ciencias e técnicas de nossos días.
O homem contemporáneo tem consciéncia de que, se os cns-
táos de hoje nao falam de Cristo, sao incoerentes e carecem
de autoridade.

A propósito refere o Pe. Bouyer os seguintes episodios:


«Um de meus amigos relatou-me recentemente uma conversa típica
que teve com um dos maiores sociólogos contemporáneos.
Dizia o amigo: 'O Sr. outrora parecía aproximarse muito da
Igreja. Agora dir-se-ia que déla se afasta de novo. Por qué?
«Um de meus amigos relatou-me recentemente uma conversa tipica
cional bem poderia ter a chave de alguns de nossos problemas apa-

— 290 —
SECULARIZADO 23

rentemente mais insolúveis. Mas, desde que os homens da Igreja


parecem abandonar cada vez mais essa tradigáo, deixei de me
interessar pelo que dizem1.
Com eíeito, a resposta é típica.
Um dos homens mais bem colocados para observar a difusáo
da literatura católica dizia-me que pudera observar no último de
cenio um comégo de penetragáo do pensamento católico em ambi
entes nao católicos. Contudo, acrescentava, — íato curioso, mas
inegável — o íluxo madco das publicagoes que se seguiram ao
Concilio, longe de confirmar essa tendencia, íé-la mais ou menos
regredir a zero. A nova teología do mundo que os católicos pro-
duzem com euforia táo exuberante, imteressa apenas a éles. O vere
dicto do mundo parece ser simplesmente: 'Sao ooisas levianas!'»

Comenta o Pe. Bouyer:

«Com efeito, que pode a Igreja oferecer ao mundo senao a luz


e a férga da graga de que carece o mundo? Mas_, se os católicos
apenas sabem dizer ao mundo que ele já possui essa luz, essa
torga, essa graga em tal abundancia que o Evangelho apregoado
pela Igreja nada tem a acrescentar de substancial, como se pode
querer que o Evangelho ou a Igreja possam interessar o mundo?»
(«Notre Foi», Paris 1967, 25s).

7) Enfim...

Uma serie de outras observacóes se poderiam aínda fa-


zer ao livro de Harvey Cox. Leve-se em conta, por exemplo,
que o autor, usando de expressóes muito «prudentes», insi
núa possam ser justificadas as experiencias pré-matrimoniais
(cf. C. H. 236s). O homem é considerado criterio dos valores
moráis e do Direito, os quais, por conseguirte, podem variar
de época para época, segundo a convengáo estipulada pelos
próprios homens — o que redunda em positivismo moral e
jurídico (cf. C. H. 44-46).
Em conclusa»: a tese da secularizaeáo, na medida em
que faz da Religiáo um elemento de foro meramente privado,
é de todo errónea. Déla, porém, o genuino Cristianismo pode
aprender a necessidade de procurar transmitir sua mensagem
religiosa em termos lúcidos e acessíveis ao homem da Tecnó-
polis, que nao tem menos sede do sacral do que seus ante-
passados.
A respeito de «secularizagáo», vejase também a Corresponden
cia Miúda déste fascículo.

«Da-ñas, Senhor, a perseverancia das ondas do mar. Que


cada um das nossos recuos seja como o das ondas: o ponto de
partida para um novo avanco!»

— 291 —
7A «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 3

III. DOGMÁTICA

3) «Eala-se de 'Igreja em agonía'. Estaría a Igreja pres


tes a acabar, sufocada por sua própria estrutura?»

Resumo da resposta: O artigo de «Visao» (12/IV/68) intitulado


«Igreja em agonía» contém urna crítica amarga á Santa Igreja en-
quanto é instituicáo hierárquica. Supde que a missáo da Igreja seja
temporal ou socio-económica; esta missáo estaría entravada pela
organizacáo jurídica da Igreja. Por isto, o articulista Janea um
brado de .revolucáo dentro da Igreja. — Ora o enfoque é falso: a
missáo da Igreja é primelramente religiosa, como afirma o Vatica
no II; a institucionalidade (caráter hierárquico) da Igreja é de orlgem
divina e, por isto, intocável aos homens. A Igreja tern. consciéncia
de estar em agonía como Cristo estará em agonía até o íim dos
tempos (Pascal). Trata-se, porém, de urna agonía salvifica, que
beneficia até mesmo os que flagelam a Esposa de Cristo.

Resposta: A questáo ácima é sugerida por um artigo da


revista «Visáo» (12/IV/68, pág. 66-75), extremamente tenden
cioso como os anteriores artigos de «Visáo» aqui analisados. O
autor, José Kosinski Cavalcanti, apresentado como «intelectual
católico de vanguarda», se insurge contra o que chama «a
Igreja institucional», isto é, a Igreja organizada, dotada de
leis, hierarquia e fungóes devidamente distribuidas; julga que
tal estrutura entrava a vida e o amor dos cristáos. E por
«vida» e «amor dos cristáos» o articulista entende agáo social,
expansáo política, luta contra o subdesenvolvimento... A
Igreja parece a Kosinski estar dividida por causa da questáo
social; enquanto parte de seus membros fica presa a urna visáo
sobrenatural do mundo e do homem, respeitando leis e insti-
tuicóes sagradas, outra parte deseja enveredar franca e quase
exclusivamente pela luta nos setores político e social. Estes
últimos estariam com a razáo. Em conseqüéncia, o articulista
chega a exortar seus leitores a que saiam da Igreja, a fim de
viver mais «auténticamente» o seu Cristianismo ou «urna Igreja
sem padres».

A esta tese central Kosinski acrescenta varias outras afir-


macóes, referentes aos membros da Igreja e á sua atuacáo,
afirmagóes que por vézes contém um núcleo de verdade, mas
interpretam erradamente ou caricaturam maldosamente.

Abaixo proporemos algumas reflexóes sobre os principáis


tópicos do artigo.

— 292 — •"
«IGREJA EM AGONÍA» ? 25

1. «Igreja em agonía»

O diagnóstico de que a Igreja está em agonía, prestes a


sucumbir, nao é novo; a historia tem-se encarregado de o des
mentir repetidamente. Por isto quem hoje insiste em tal vati
cinio, parecer apregoar urna causa frustrada.
Com efeito, desde o fim do séc. XVIII diz-se que a Igreja
está para terminar. O Papa Pió VI morreu aos 29 de agosto
de 1799 em Valenca (Franca), para onde os franceses haviam
deportado «le citoyen pape» (o cidadáo papa). Humilhado,
detido em urna cidadela, vigiado por carcereiros, o Pontífice
havia terminado os seus días.
O oficial municipal da comuna de Valenga, o cidadáo Joáo
Luís Chaveau, averigüou o óbito «do dito Joáo Angelo Braschi,
que exercia a profissáo de Pontífice»; e enviou um relatório
a París em que, tentando profetizar, anunciava que o Papa
defunto por certo seria o último da sua serie.
Na verdade, ésse homem parecia ter razáo. Raras vézes
na sua historia a Igreja se viu em situacáo táo crítica. As na-
góes católicas se achavam impotentes para garantir a subsis
tencia do Papado.

A Franca, «filha primogénita da Igreja», caira .na incredulidade


apregoada e oficializada pela Revoluto de 1789.
A península itálica estava aniquilada pela Revolucáo Francesa.
a Bélgica fóra incorporada á República Francesa.
A Alemanha era contaminada pelo iluminismo (ou racionalismo).
A Polonia l&ra retalhada pelas tres potencias vizinhas.
A Espanha e Portugal eram governados por ministros hostis á
Igreja.
Na Inglaterra e nos Paises-Baixos, os católicos estavam reduzidos
a minorias ílutuantes.

Em urna palavra, o Catolicismo parecia realmente estar


em agonía. Pío VI haveria sido o último na lista dos Papas.
Oradores brilhantes proferiam a oracáo fúnebre da Igreja
com ironía blasfema; na Alemanha, historiadores serios, como
Spittler, anunciavam em tom magistral que o Catolicismo dei-
xara de existir.
Alias, como eleger um sucessor para o Papa Pió VI,
quando os Cardeais estavam dispersos, encarcerados, deporta
dos, subjugados, pelos poderes antieclesiásticos? Onde e como
os reunir?

— 293 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 3

Nao obstante, o próximo conclave se realizou em Veneza,


sob a tutela do Imperio austríaco, com a participacáo de 35
dos 46 Cardeais da Igreja. Foi eleito o Cardeal Chiaramonti
(Pió VII), que, como bispo de Imola, sabia dizer aos seus
fiéis:
«A forma do govérno democrático, adotada por vos, de modo
nenhum repugna ao Evangelho; ela exige, ao contrario, todas as
virtudes sublimes, que só se aprendem na escola de Jesús Cristo...
Sede bons cristáós e seréis bons demócratas».

Ora no decorrer de poucos anos verificou-se reviravolta


total. Se Pío VI atravessou os Alpes detido e maltratado em
1799, cinco anos mais tarde (1804) seu sucessor, Pío VII, os
atravessou de novo, já nao como detido, mas como triunfador,
a fim de sagrar na Catedral de Paris o Imperador Napoleáo I.
Assim se vé quanto se iludiram os que falaram de agonía
da Igreja após a morte de Pió VI. Alias, éste Pontífice, pouco
antes de partir para o exilio na Franca, escreveu aos Bispos
da Inglaterra:

«Deus quis, vos o sabéis, que a Igreja devesse a sua origem a


cruz e ao sofrimento, a sua gloria a ignominia, as suas luzes as
trevas do erro, os seus progressos aos ataques dos inimigos, a sua
fórca as privagSes e a adversidade. Por isto o seu fulgor nunca foi
mais puro do que quando todos os homens se esforgaram por recobn-
■lo; pois, como o ouro é experimentado no fogo, assim os amigos
de Deus sao experimentados na tribulagáo».

Se a historia é mestra da vida, os fatos concernentes a


Pío VI e Pío VII dáo a ver como pode ser váo apregoar que a
Igreja hoje em día esteja em agonía.
Passemos, porém, ao conteúdo do artigo de Kosinski.

2. Instituyete e carisma

1. A finalidade do Evangelho é, por certo, suscitar o


amor a Deus e aos homens. Todavía, para chegar á perfeigáo
do amor, os homens precisam de roteiro (leis, instituigóes)
que impegam o desvirtuamento do amor. De fato, toda criatura
humana traz em si amor próprio e egoísmo capazes de desviar
as mais nobres aspiragóes. Por isto quis o Senhor Jesús insti
tuir autoridade e leis na sua Igreja.

Tenham-se em vista os textos do Evangelho em que Cristo


estabeleee Pedro como fundamento visivel de sua Igreja (cf. Mt
16, 16-18);

— 294 —
«IGREJA EM AGONÍA» ? 27

ora pela fé de Pedro, e manda-lhe confirme seus irmáos na fé


(Le 22,31s);
ordena a Pedro, apascente as suas ovelhas (Jo 21, 15-17).
Os Atos dos Apostólos, as epístolas de Sao Paulo e os escritos dos
amtigos escritores cristáos atestam como aos poucos se foram desen-
volvendo a hierarquia e as leis da Igreja (cf. «P.R.» 13/1959, qu. 2).

Enquanto a humanidade se acha em peregrinaejio sobre


a térra, nao pode viver apenas de amor, mas necessita tam-
bém de normas objetivas e de Direito. Todavía é preciso frisar
que nao há oposigáo entre «Lei» e amor; principalmente na
Igreja as leis tém por objeto garantir o genuino amor, impe-
dindo-o de degenerar? todas as instituic.óes eclesiásticas visam
fomentar o amor a Deus e ao próximo.

Urna Igreja sem leis, sem instituicóes, viria a ser urna sociedado
de pessoas que cairiam na arbitrariedade subjetiva e no fanatismo
(tenha-se em vista o que oconre no Protestantismo). Por isto Deus
quis dar aos cristáos urna guia objetiva (o magisterio e as institui-
edes da S. Igreja) guia k qual assiste infallvelmente o Espirito Santo
(cf. Jo 14, 16).

Nao se pode duvidar de que a Igreja assim organizada


seja realmente «a Igreja do Evangelho», correspondente aos
designios de Cristo. Com efeito, foi o Senhor mesmo quem
instituiu as ordens sagradas no povo de Deus, entregando aos
Apostólos até o fim dos sáculos atribuicóes de magisterio e
govérno (cf. Mt 28,19s). Ao contrario do que afirma o arti
culista de «Visáo» (pág. 75), a estrutura institucional da Igreja
continua a ser tida pelos teólogos católicos como artigo de fé;
haja vista a declaracáo do Vaticano II na Constituicáo «Lumen
Gentium»:

«Para apascentar e aumentar sempre o Povo de Deus. Cristo


Senhor instituiu na Sua Igreja urna variedade de ministerios que
tendem ao bem de todo o Carpo. Pois os ministros que sao reves
tidos do sagrado poder servem a seus irmáos para que todos os que
formam o Povo de Deus e portanto gozam da verdadeira dignidade
crista, aspirando .livre e ordenadamente ao mesmo fim, cheguem á
salvacáo» (n' 18).

Kosinski, para apoiar sua tese de que as instituicóes na


Igreja nao constituem verdade de fé, cita os seguintes dizeres
de Pauío VI:

«A Igreja é misterio, quer dizer, realidade embebida da presenca


divina e, por isso mesmo, sempre objeto capaz de novas e mais
profundas investigagñes» (alocucáo de abertura da segunda sessáo do
Vaticano II).

— 295 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, gu. 3 ,

Nesta. passagem, S. Santidad» nao pretende em absoluto


dizer que algo se deva mudar na éstrutura essencial da Igreja
(nao se vé como esta conclusáo decorra das palavras do Sumo
Pontífice), mas, sim, que a Igreja, sendo humana e divina,
sempre oferecerá novas e novas riquezas de doutrma e vida
a ser consideradas pelos estudiosos.

2. É preciso mesmo dizer mais: mima reta visáo. crista,.


é impossível separar «Deus, Cristo, Igreja e Pedro». Isto está
lohge de significar que Deus e Pedro, Criador e criatura, te-
nham o mesmó valor. O sentido de tal afirniagáo é o seguinte:
a vida eterna que de Deus Pai se comunica a Déus Fllho no
seio da Trindade SS., essa vida eterna se derramou sobre a
carne de Jesús Cristo (Deus Filho feito homem). E a vida de
Cristo se prolonga no Corpo Místico ou na Igreja através dos-
sáculos. E a Igreja, por, sua vez, só subsiste onde está o%seu
Cabega visível instituido pelo próprio Cristo, isto é, onde está
Pedro. — Assim.como a vida de Deus Pai vem aos homens
por Cristo e pela Igreja, ■ assim também os homens vbltam áo
Pai por Cristo e pela Igreja.

De passagem note-se: há pessoas que nao conhecem (ou nao


conhecem ádequadamente) Cristo e a Igreja. Vivem tora da Igfreja
visível julgando estar no caminho reto. Se tais pessoas se acham-
em inteira boa fé, sem nutrir duvida religiosa alguma, sao membros
da Igreja, üwislvelmente a Ela vinculados. Também elas podeiñ (na
medida de sua fidelidade) chegar a Deus Pai por Cristo e pela
Igreja, embora nao saibam que estáo sendo beneficiadas por,Cristo
e pela Igreja; cf. «P.R.» 97/1968, qu. 4.
Interessa, porém, irisar que ninguém pode ser plenamente cris-
t&o (no sentido pleno da palavra) sem aderir também á Igreja qué
Cristo fundou. Quem separasse Cristo da Igreja, dilaceraría o pró
prio Cristo," negarla o misterio da Encarnacao, pois Deus se quer
comunicar aos homens através dos homens mesmos, congregando a
todos nüm grande Corpo, .que é a Igreja. . '

3. Hoje em dia é freqüente falar-se de «cansinas», e do


«carisma próprio» de cada cristáo. O Vaticano n chamou a
atengáo para esta realidade.

Carisma (em grego, dom) em linguagem teológica significa um


dom de Deus concedido a determinado individuo para o bem de toda
a comunidade. Há carismas extraordinarios, cómo a profecía, a glos-
solalia, o dom das curas... e carismas ordinarios, com os dons do
magisterio, da pregacao, da catequese, da chefia, da perspicacia inte
lectual, etc.

Conscientes disto, há cristáos que julgam dever opor


entre si carisma pessoal, subjetivo, e instituicao objetiva; o

— 296 —
tlGREJA EM AGONÍA»? ' / 29

carisma de cada um prevalecería entáo sobre as normas qué:-


regém a comunidade: Tal concépgáo de carisma levaría natu
ralmente a subverter a. Igreja institucional; todas as iniciativas:
particulares, desdé que apresentadas como carismáticas, teTiam
o direito de se* expandir na comunidade, com detrimento da
•rorganizagáó vigenter---T^r-^*— ; - ; < • r, ';.:;:
Bém se vé que tal riógáo é dé todo insustentáVel. Ñáb!lia
dúvida de que p.Espiritó Santo' sempre suscitóu éáinda..sus
cita nos fiéis.dons carismátícos;,(aptidóes próprias pará^mis-
teres importantes); também náoTha. dúvida de que é ñecessá-,
rio que as autoridades levem'ém conta a agáo do Espirito.
4Santo nás almas..Mas, doutro lado, é certo que os carismas
tém de estar subordinados á ordem comum e objetiva; se sao
dados para a edificacáo da comunidade, nao podem estar ém
conflito com a estrutura; sem a qual'náo há comunidade crista
nem Igreja. ' V í
'-'■ ''Ademáis, observe-se que,' por vézes, é difícil discernir\ entre^ ca
risma (genuino■dota1 do Espirito Santo) e capricho pessoal. Ilusáo.:e
voiitade própria podem nao rato ocultar-se sob o título: de.acansina»;
Em conseqüéncia; é preciso usar de cautela, .quando se íaia^ de
carismas... . .•-'-.: - . . • ■ '•-.ty-:'iy.'-:-'.-

i. ■•••■•;' -.'...' .,■."; 3. ■■ Igreja e

1. O artigó de'«Visáo»", em última an¿íse,:supóe: qué;<a


missáó da Igreja seja política ;e. social; ■Ó;^engajaménto»;da:;
Igreja na luta contra ■ o. subdesenvolvimento seria ó criterio
para se julgar ó Catolicismo. Ora esta pwsigáo é errónea:. ;^\
' 'A Igreja tem missáo, antes do mais, religiosa; Ela'existe
e atua a.fim de levar,Deus aos homens e os homens a Deus
(náó porque Déus ísíéja «lá éin cima» e os homens.■«aqui
em baixo», mas porque as, mentes e os costumes dos hóniens
estáo geralmente vazios de Deus). . . •, . ..'.'.
Nao se julgue, porém, que a Igreja deva ficar alheia aos
problemas mataríais que afligém a humanidade; o Evangelho
ensina-a dar.o pao a quém teni fome (cfj Mt 25, 31-46).
Todavia esta tarefa nao é específica da Igreja; existem instí-
tuigóes, como os governos civis, que por sua natureza mesma
sao incumbidos de promover o homem subdesenvolvido. A
Igreja atende a ésse dever por meio de seus filhos: leigos,
que Deus chama a atuar ñas diversas profissóes déste. século;

_^ 297 —
30 «PERGUNTE E' RESPONDEREMOS» 103/1968. qu. 3

sao éles que constituem a presenga e a acáo da Esposa de


Cristo ñas estruturas da sociedade. Ao clero ficará sempre
reservada outra incumbencia, característicamente religiosa e
sacerdotal: ensinar aos homens quem é Deus e como se cultiva
a unláo com o Senhor, antegózo da vida eterna neste tempo.
Ao sacerdote também toca mostrar aos leigos as grandes
linhas da agáo social inspirada pelo Evangelho. Contudo, para
que esta acáo mesma seja frutuosamente executada, é preciso--/
que o padre nao deixe de ser padre ou o embaucador do Eterno .
junto aos homens seus irmáos. — Eis as palavras do Vaü- i j
cano II: . . .

«Na construcáo da comunidade crista, os presbíteros hao< estSo' •


jamáis a servigo de alguma ideología ou íaccáó humana, mas, como
arautos do Evangelho i pastores da.Igreja, se desdobram por-conse
guir™ crescimento espiritual do Corpo de Cristo» (Decreto sobre os
Presbíteros, n" 6).

2 Diga-se mais: quem quisesse reduzir a vida crista á


acáo social, estaría depauperando nao sómente o Cristianismo,
mas também o próprio ser humano. Todo homem e natural
mente místico, isto é, aberto para o misterio e o transcen
dental.

É o que a historia, como mestra da vida, ensina: tenham-se em


vista os filósofos gregos Platáo (t 347 a.O, Plotino (t 270) e sua
escola, sequiosos de ver a Deus. Considerem-se também os orientáis
antigos e modernos, ma India, no Tibe, no Japao... dotados de pro
funda conáciémcia de que o homem precisa de recolhimento e silencio
para fazer a experiencia de Deus (infelizmente, no Orienté Deus
costumá ser concebido de maneira pahteista). Por sua vez, toda a
historia do Ocidente cristáo fol marcada pela presenca de almas
místicas; mesmo os mais apostólicos discípulos de Cristo foram ,
místicos (Sao. Paulo, Sao Francisco de Assis, Sao.Domingos de Gus-
máo, S. Inácio de Lólola, SSo Joaó Bosco.,.). •

É erróneo, portante, querer aquilatar o valor da S. Igreja 4


por süa agáo político-social; quem'o ñzesse, passaria cega7 \
menté ao lado do que há de mais profundo tanto.no Cristía- ^
nismo como na natureza humana.

4. «Mae e Mestra» • i ' ')'/'

1. O articulista opóe-se também á veracidadé ou'á infa-


libilidade do magisterio da Igreja, apontando divergencias' de ;'
orientagáo entre católicos (clérigos e leigos) progressistas^e "■
integristas. • •

— 298 —
«IGREJA EM AGONÍA» ? 31

É inegável tal dualidade de opiniáo. Alias, hoje mais do


que nunca, varios dos setores do pensamento humano se
acham afetados pela existencia de duas correntes, ditas res
pectivamente «dé direita» e «de esquerda» ou «conservadora»
e «avangadá». Déus permite que isto se dé entre os membros
dasüá Igréjá-no-tocante a questóes de disciplina e orientacáo
política, ficando íntegras a mesma fé e a adesáo aos mesmos
pastores. Bem se compreende tal estado da coisas: a situagáo
sócio-política dé nossos dias é táo complexa que os cristáos
a podem considerar sob diversos ángulos e daí tirar conclu-
sóes diferentes; Deus nao supre a limitagáo dos homens em
tal- caso, mas deixa que váo lentamente progredindo em sua
maneira de julgar os acontecimentos. Tenha-se por certo,
porém, que as divergencias entre «conservadores» e «progres-
sistas» nao recaem sobre o magisterio infalível da Igreja, pois
éste só se exerce em assuntos de fé e moral.

2. Diz-se também que o Concilio do Vaticano II reco-


nheceu faltas passadas da hierarquia da Igreja, abalando assim
a autoridade que a própria Igreja poderia ter. A esta obser-
vagáo dé-sé a seguinte resposta: os Padres do Concilio do
Vaticano II reconheceram que, em materia de disciplina e
Diréito (nao em materia de fé), os prelados da Igreja tomá-
ram outrora decisóés que hoje em dia tém de ser revogadas
(conservaran! o latim na Liturgia paroquial, assumiram posi-
góes fortemente antiprotestantes, desconfiaram de certas afir-
macpes da ciencia dos sáculos XVn/XIX...). Réconhecemos
hoje que, objetivamente falando, os antigos poderiam ter ^
optado por outras atitudes; o Vaticano II, porém, nao pos era v
dúvida a reta intengáo dos prelados.de outros. Note-se aa-
trossim: qualquer cristáo do séc. XX que tivesse vivido no .
sáculo XVI, por exemplo, teña, com toda a probabilidades
pensado como pensarám os fiéis católicos daquela época (é
^ preciso um pouco de distancia para que alguém julgiie com :
\ objetividade). . . .

O mesmo sé observa com relacáo á condenacSo de Galileu -no


sáculo'XVII. — Pode-se crer que qualquer dos cristáos (católicos é
protestantes) mais retos e' esclarecidos de nossos dias que vivesse no
tempcTda- celeuma suscitada pelo heliocentrismo, se teria pronunciado
contra Galileu. Com efeito, os conhecimentos de ciencias bíblicas e
profanas que os cristáos do séc. XVII possuiam, nao lhes permitiam
ver como concillar á teoría de Galileu com a sua maneira de eríten-\
der o episodio narrado no livro de Josué c. 10; hoje,, quando. os :
estudiosos dispfiem dos ricos recursos da lingüistica oriental, é-lhés
permitido entender melhor a Biblia e julgar de outro modo-o pré;

_ 299 — . -'2
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 4

tenso conflito «Galileu x Bitalia»; no séc. XVII, porém, nao era pos-
sivel (humanamente falando) nao concluir que Galileu se opunha ás
Escrituras Sagradas.

Contudo note-se que em nenhum dos casos apuntados foi


envolvido o magisterio infalivel da Igreja (o qual se exprime
por definigóes solenes de Concilio Ecuménico ou do Sumo
Pontífice). Por isto é que aínda em nossos dias, quando a
Igreja tenciona empenhar a autoridade que Cristo lhe outor-
gou (cf. Mt 16, 18s; 18,18; Le 22,31s), nao há motivo para
se julgar desprestigiado ésse seu magisterio.

Sabe-se outrossim que os prelados da S. Igreja em suas


atitudes pessoais sao sujeitos a vacilagóes e fallías. Isto nao
surpreende o fiel cristáo nem depóe contra o valor da Igreja.
Ao contrario, tais provas de limitagáo humana sao o mais
eloqüente testemunho de que Deus vive na sua Igreja; com
efeito, se as deficiencias dos homens ainda nao derrubaram
a obra de Cristo, pode-se crer que é Deus mesmo quem sus
tenta a sua S. Igreja. Esta é válida porque assegura a todos
os homens o dom de Deus (filiacáo divina, germen de vida
eterna), quaisquer que! sejam os ministros (santos ou nao)
que legítimamente a representam.

5. «Cristo e Igreja em agonia»

A expressáo «Igreja em agonia» lembra outra semelhante,


da autoría do grande pensador católico Blaise Pascal (t 1662):
«Cristo estará em agonia até o fim dos sáculos». Pascal assim
entendia dizer, de acordó com famosa palavra de S. Paulo
(Col 1,24), que a Paixáo de Cristo se vai estendendo a cada
um dos discípulos do Senhor até a consumagáo da historia;
Jesús padece em seus fiéis quando cada um déles padece.
Todavia essa Paixáo ou agonia é prenhe de gloria; longe de
ser derrota, é principio de triunfo ou ressurreigáo.
Ora neste sentido pode-se também dizer que a Igreja está
em agonia. Está em agonia justamente porque Cristo nela
vive e padece. Todavia essa agonia é a d'Aquéle que, exaltado
sobre a Cruz, tudo atraiu a Si (cf. Jo 12,32). Mal entendida,
injuriada (ás vézes, por seüs próprios filhos), a Igreja é a
grande ministra da salvagáo para todos os homens, mesmo
para aqueles que a desfiguram!

— 300 —
HOMOSSEXUALISMO 33

IV. MORAL

4) «.Como julgar e tratar o homossexualismb nnma pers


pectiva! crista?»

Resumo da resposta: Os estudiosos reconhecem cada vez mais


que o homossexualismo é a expressao de um desvio psicológico ou
de um estado de neitrose. Deve-se a fatdres varios:
deficiencias do processo educacional da crianca (lar desajustado,
pai ou mSe que nao cumprem seus deveres...);
influencias da sociedade (individuos pervertidos que pervertem,
leviandade e falta de pudor públicos, patnografia...).
O homossexualismo é um erro contra a natureza. Nao pode ser
legitimado, muito menos... fomentado (como por vézes se apregoa).
O educador e ó pastor de almas tém de ajudar o paciente a nao
condescender com suas inclinacoes aberrantes.
Para tanto, recomenda-se o tratamento psicoterapia). Éste, se nao
obtém a plena recuperacao sexual do paciente, deve ajudá-lo a su
blimar seus afetos, de tal modo que o individuo homossexual se sinta
realizado em sua profissáo ou em seu trabalho (por exemplo).
Requer-se também & profilaxia do homossexualismo. Esta con
siste entre outras coisas, em promover o saneamento moral dos lares
e da sociedade (em particular, da imprensa, do cinema, do teatro e
da televisáo).

X —

Resposta: O homossexualismo é problema que tem mais


e mais merecida a atencáo dos pensadores contemporáneos.
Afeta cérea de 10% do género humano, ao passo que ne-
nhum outro flagelo social atinge tal proporcáo. A tuberculose,
antes que se descobrisse a sua medicacáo específica, contami-
nava 7 % das populacóes ; o cáncer nao sobe a mais de 3 Jo.
Os enfartes do miocardio, a leucemia, os acidentes de viagens
automobilísticas ficam aquém de tais dados.
As pessoas homossexuais tomam crescente consciéncia de
si mesmas e de sua posigáo na sociedade; organizam-se em
entidades que defendem seus interésses próprios, procurando
principalmente obter dos demais homens reconhecimento legal.
Existem mesmo revistas oficiáis de grupos de homossexuais,
ñas quais se léem artigos que procuram justificar, filosófica e
psicológicamente, o fenómeno homossexual; tais sao os perió
dicos «Arcadie» de Franca e «Amizade» da Holanda.
A seguir, examinaremos alguns aspectos do homossexualis
mo (origem, tratamento...), baseandoinos principalmente nos

— 301 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 4

estudos recentes do Dr. Marcel Eck publicado, no livro «So-


dome» (París, 1966). Seráo assim completadas as nocóes já
propostas sobre o assunto em «P.R.» 99/1968, qú. 4.'

1. Origem do homossexualismo

Os estudiosos reconhecem cada vez mais que o homosse


xualismo é a expressáo de um desvio psicológico ou de um
estado de neurose.

1. Pode tratar-se de urna neurose obsessiva. A obsessáo


consiste em que o sujeito seja possuido por urna idéia ou um
tema de que ele nao se ccnsegue desembaragar. Ora o indivi
duo homossexual é alguém que está fíxo ao seu próprio sexo;
déseja encontrá-lo em tudo que ele escolhe; é urna vitima de
narcisismo ou de obsessáo narcisista.

As neuroses sao geralmente acompanhadas de médo do-


entio, pois a dúvida e a indecisáo neuróticas geram o médo.
— Ora o homossexual é muitas vézes também vitima de médo
neurótico: tem médo de compromisso com outrem. ...médo
do outro sexo,... médo de qualquer comunicagáo que nao
seja «circuito fechado» (sobre o mesmo sexo), mas abertura
para um futuro diferente, «engajador» (abertura para o outro
sexo, com os compromissos do lar e da prole).

O homossexual é também muitas vézes afetado por um


sentimento neurótico de culpa, mesmo que o negué:
A neurose que provoca o homossexualismo toma ainda
outros aspectos, que nao é possível enumerar nestas páginas.

2. O disturbio homossexual pode ser suscitado por fa-


tóres múltiplos, dos quais sejam realgados os dois seguintes:
educacao e influencia do meto social.

a) Fatóres educativos. Tém vultosa importancia no surto


do homossexualismo. É fácil que, em virtude de inconveniente
comportamento dos genitores, a sexualidade da prole se de-
senvolva erróneamente, tendendo para o mesmo sexo em vez
de se dirigir para o outro. O homossexualismo dos filhos re-

— 302 —
HOMOSSEXUALISMO 35

sultk muitas vézes do fato de que no lar nao se vé ou nao


aparece a necessária diferenciacáo sexual; é o que se dá

— quando o pai nao exerce as suas prerrogativas (o seu papel


especifico) de homem no lar;
— quando a genitora nao se comporta característicamente como
mulher; '
— quando o menino é educado como menina ou vice-versa.
Também sao nocivas as situares inversas em que
— o pai é abusivamente másculo, ditatorial;
— o menino é educado exclusivamente em ambiente masculino;
— a menina só entra em contato com mulheres.

Em suma, todas as vézes que a imagem do pai ou da


mié se deprecia aos olhos da prole, há perigo de surto de
homossexualismo nela. Dizem os psicólogos que os filhos,
mesmo após a infancia, conservam sempre uma certa tendencia
a conceber todos os homens á semelhanga do seu genitor e
todas as mulheres á imagem de sua máe.

Do modo especial, é influente o papel da genitora, de tal


sorte que entre os homossexuais se repete o seguinte adagio:
«Dize-me quem é tua máe, e te direi se és um dos nossos».
O menino formará de todas as mulheres uma nocáo pautada
pelo comportame.nto de sua máe no lar, principalmente ñas
relagóes com o marido; por isto o filho da máe solteira, o da
viúva e o da mulher separada do marido estáo mais expostos
ao homossexualismo do que os outros. É também muito para
desejar que toda máe evite tornar-se «a mulher dominadora»,
que tudo dirige, suplantando o marido, o qual vem a ser
entáo mero fator de sustento material ou máquina produtora
de dinheiro para o lar. Tal mulher toma o lugar do homem
em casa; em conseqüénda, o homem passa a ocupar o lugar
da mulher no coragáo do menino.
Todavía note-se que, se é grande a responsabilidade da
genitora no desenvolvimento sexual dos filhos, nao e menos
influente (ao menos indiretamente) o papel do genitor, pois
éste pode dar ocasiáo a que a genitora nao preencha devida-
mente as suas funcóes no lar. Tal é

— o pai que abdica da sua autoridade e obriga a máe a tomar


um .lugar para o qual ela nao está capacitada; .
— o pai demasiado autoritario, que só aparece em casa como
figura aterradora e vingativa;

— 303 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 4

— o pai que nao participa da vida aíetiva do lar, onde ele


apenas se aprésente como viajante que paga a pousada e as ¡refeigoes;
— o marido que despreza a mulher, atribuindo-lhe únicamente as
funsóes de gerar filhos e entreter o lar.

Tais tipos de homem estáo militas vézes ñas raízes dos


tiesvios homossexuais dos seus filhos. Ao invés, quando os
filhos percebem que seus genitores levam vida de amor irre-
preensível, correm menor perigo de desequilibrio afetivo. — Os
genitores nao devem fazer de seus filhos as testemunhas ou
os confidentes de seus dissabores conjugáis; as enancas ou os
adolescentes assim afetados arriscam-se a nao ver no matri
monio senáo fonte de discordia e falsidades; conseqüente-
mente, em vez de procurar o matrimonio legítimo, procuraráo
amizades do mesmo sexo.

b) Fatóres sociológicos. Tomam importancia crescente,


sendo responsáveis por contaminagáo cada vez mais perceptivel.
A vida moderna suscita novas e novas ocasióes de des
víos homossexuais: literatura, teatro, cinema, televisáo apre-
sentam de maneira complacente verdadeiras aberragóes se-
xuais como se nao fóssem desvíos, procurando mesmo justi-
ficá-las com pseudo-erudigáo. O próprio «mundo homossexual»
está organizado, exerce seu proselitismo, tem seus jomáis, seus
clubes, seus bares; estende as suas ramificagóes em todos os
ambientes; nao dissimula seus intentos de seduzir e fazer
«recrutas» devidamente iniciados.

A vida e a brincadeira ñas rúas se tornam verdadeiro


perigo tanto para meninos como para meninas. A primeira
seducáo ou experiencia homossexual parece ter caráter deci
sivo para a crianga. Nao raro urna vida homossexual comega
sob o signo da pureza, da generosidade, do altruismo... O
homossexual sedutor faz, muitas vézes, ñas suas relagóes com
o jovem, o papel de salvador ou libertador de urna situacáo
embaragosa; sómente mais tarde se manifestam as dolorosas
conseqüéncias de tais inicios aparentemente inofensivos.

Pergunta-se agora:

2. Qué diz a consciéncia moral ?

O homossexualismo, tendo um fundo patológico (ou psi-


copatológico, neurótico), nao dependente da vontade do paci-

— 304 —
HOMOSSEXUALISMO 37

ente, nao pode ser sempre tído como moralmente culpável; o


individuo homosséxual nao é sempre plenamente responsável
por seu estado de vida e por seus atos sexuais.
Nao obtante, o homossexualismo deve ser tido como des
vio ou erro contra a natureza, de sorte que legitimá-lo ou
fomentá-lo voluntariamente vem a ser gravemente ofensivo
á «á consciéncia. Ao moralista cristáo e ao diretor de consci-
éncia cabe o papel nao de confirmar o individuo homosséxual
em suas tendencias homófilas (procurando mesmo apaziguá-
-lo quando a estas se entrega), mas, sim, a tarefa de ajudar
o paciente a nao condescender com suas inclinacoes aber
rantes.

A ética existencialista ou «da situac&o» tem em mira adaptar os


principios da moral ás situagoes do homem, de sorte que as catego
rías do bem t» do mal podem variar segundo as circunstancias em
que o individuo se encontré; «é da minha situacáo e dos meus mte-
résses que deduzo o padráo da moralidade para mim», diz o pensador
existencialista. Tal atitude filosófica tem certo fautor no axioma de
Baruch Spinoza (tl677).: «Por realidad© e perfeicáo entendo a mesma
coisa». Donde se seguiría que, «se minha realidade é ser homosséxual,
o homossexualismo é perfeicáo para mim»? em conseqüéncia, «os
mestres de ética e a sociedade em geral devem reconhecer como legal
a minha prática de homossexualismo».

Em resumo, o juízo da Moral a respeito do homossexua


lismo está contido ñas duas seguintes proposicóes:

1) Nenhum ser humano é responsável pelas tendencias


que ele encontra em si mesmo.

2) Cada ser humano é responsável pelo uso que faz


livremente dessas tendencias.

Diga-se urna palavra de comentario a cada qual déstes


dois principios:

1) A primeira proposito nao quer isentar de responsa-


bilidade o individuo que voluntariamente se coloca em con-
digóes propicias ao surto ou ao desenvolvimento do homosse
xualismo. Também nao é isento de responsabilidade quem nao
se esforga nos limites do seu possível para libertar-se de tal
mal. Eesponsável outrossim é quem procura ver no homosse
xualismo urna perfeieáo maior (esta atitude é dita «pecado
dos anjos»).

— 305 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 4

2) «... responsável pelo uso que faz livremente». Os


atos obsessivos sao inculpados; os de liberdade diminuida sao
menos culpados, ensinam com razáo os moralistas.
Éste segundo principio atenúa o julgamento demasiado
severo que por vézes se tem proferido sobre pessoas homos-
sexuais. É importante também porque dá a ver a tais pessoas
que, pelo fato apenas de sua inversáo sexual, nao estáo bani-
das da prática da religiáo nem condenadas a viver em pecado.
Ao individuo homossexual pode ser particularmente útil
um diretor espiritual. Éste o ajudará a discernir entre mam-
festacóes da sexualidade involuntarias e voluntarias, o que e
especialmente difícil nos casos homossexuais.
O Dr. Marcel Eck encerra o livro citado imaginando a
voz do Criador a se referir aos homossexuais nos seguintes
termos:

«Sao como eu os íiz; nao tens o direito de nao os amar e de


nao socorrer teu irmao ou tua irmá. Se encontrares algum ou algu-
ma que esteja a sofrer na estrada de Sodoma e Gomorra, lembra-te
™e que deves ser aquéle que vem da Samarla» (ob. cit., pág. 349).

E que pode fazer a Medicina em favor dos irmáos ho-


mófilos?

3. O tratamento

O tratamento a se aplicar é Principalmente de índole


psicológica. O consumo de medicamentos, mesmo hormonais
é tido como ilusorio ou Ineficaz, no concertó de abalizados
clínicos Nao se quer com ísto dizer que seja necessano ore-
cS I pstcanálise e aos métodos déla derivados; por vezes
basta um tratamento psicoterápico bem aplicado.
O número de curas ou de casos ^ retificac^o das ten
dencias sexuais é relativamente exiguo. Nao obstante, pode-
-se obter que o individuo homófilo se desvéname de certos
sintonías neuróticos e sublime seus afetos, procurando realizar-
-se por completo no setor de sua profissáo ou do trabalho.

Sao palayras do Dr. Eck:


«Nao se passa um ano sem que eu tenha a alegría de levar a
feliz termo a cura de um ou mais pacientes homossexuais. Mas nem
todos os casos, mesmo os mais benignos, evoluem até esse ponto. Em

— 306 —
HOMOSSEXUALISMO 39

certo número de casos, o tratamento produz apenas a diminuigáo dos


desejos homossexuais e urna satisfatória valorizacáo da imagem femi-
nina todavia sem que se possa pensar em casamento» (ob. cit.,
pág. 249).

Infelizmente, porém, cérea de 10% apenas das pessoas


homófilas váo consultar o psiquiatra. Os outros 90% nao sao
cidadáos felizes, mas nao tém consciéncia (ou nao a querem
ter) do nexo vigente entre o seu homossexualismo e a neu-
rose. Se cada individuo homófilo se apresentasse a um psi
quiatra esclarecido (o que naturalmente supóe vontade e
possibilidade de o fazer), muito maior seria o número dos que
se libertariam, até certo ponto, de seu mal.
No decorrer do tratamento pode-se observar o feliz éxito
do mesmo mediante a análise dos sonhos do paciente: o mé
dico por vézes percebe, nesses sonhos, símbolos femininos,
como também imagens mistas ou hermafroditas. Nao ha,
porém, esquema geral de evolugáo dos sonhos no processo de
cura.

O Dr. Eck refere o seguinte caso, em que os sonhos foram


realmente expressivos:

Cfirto paciente, atraído pelo mesmo sexo, foi consultar o Dr. Eck,
ao terminar seis meses de prisáo. Costumava sonhar com aventuras
sexuais, cujas vítimas eram meninos; o seu erotismo desviado assim
se manifestava claramente. Aos poucos, porém, o paciente, submetido
á psicoterapia, foi modificando o tipo de seus sonhos: passou a ver-se
em situacóes, ñas quais involuntaria ou mesmo constrangidamentfi
era levado a realizar atos que correspondiam ao seu desvio sexual.
O seu erotismo erróneo se manifestava assim de maneira mais
discreta.
Como exemplo de tais sonhos, o Dr. Eck cita o seguinte: o pa
ciente lhe contou que em sonho salvara a vida de um belo menino
que estava para afogar-se, arriscando-se destarte a perder a própria
vida. Urna vez salva a crianga, o herói teve que procurar reanimá-la
ñor contatos que lhe causavam reacoes eróticas.
Posteriormente ainda, o mesmo paciente referiu outro sonho:
«Sofri um acídente automobilistico, prostrando por térra urna
crianca. Julgava nao lhe ter causado lesáo alguma, quando verifiquei
que ela estava com a perna quebrada. Comovi-me ao observar o daño
■ que causara: nesse momento, porém, sobreveio urna mulher, e com
ela parti tranquilizado».
Segundo o médico, éste sonho simbolizava profunda mudanca
no psiquismo do paciente: durante muito tempo ésse homem ali-
mentava em si a consciéncia de que se podia entregar a práticas
eróticas com meninos sem prejudicar a estes. Submetido, porém, a
tratamento psiquiátrico, tomara consciéncia de que tais aicoes podiam

— 307 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 4

marcar definitivamente os jovens que caiam em suas máos. Entáo


em sonho partiu tranquilamente com urna mulher, isto e, resolveu
em seu íntimo abandonar as práticas homófilas e normalizar a sua
sexualidade.

Nao basta, porém, pensar em tratamento para o homos-


sexualismo. Impóe-se também cuidadosa profilaxia.

4. Profilaxia

Certas medidas de índole moral concorrem poderosamente


para se evitarem casos de homossexualismo:

' 1) O compoítamento dos genitores

«Seiam os genitores, ele homem, e ela mulher; entáo seus


filhos seráo meninos, e suas filhas meninas» (Eck, ob. cit.,
pág. 253).
Já atrás notamos a influencia profunda que podem ter
os genitores sobre o desenvolvimento sexual da prole; desvíos
da parte de pai ou máe tornam-se, em. muitos casos, motivos
de aberracóes dos. pequeninos.
Nao se deve crer que a natureza sejá, por si mesma,
indiferenciada do ponto de vista sexual. Ao contrario, os
atuais conhecimentos da biología mostram que nao somente
cada individuo, mas até mesmo cada célula de um individuo,
traz a marca do respectivo sexo; existe, pois, em cada ser
humano urna diferenciacáo sexual radical anterior as fases da
historia désse individuo; tal diferenciagáo implica, entre outras
coisas em que cada ser humano seja naturalmente polarizado
pelo sexo oposto. Aos genitores e educadores cabe cansequen-
temente urna dupla fungáo:
a) Nao excitar prematura e imprudentemente a diferen-
ciacáo e a polarizacáo que cada jovem de constituigáo normal
experimenta em si; mas também

b) Nao negar essa polarizacáo, nao a ignorar nem tentar


suprimir, pois tal tática abriría a porta a outra erotizacao,
que é a sodomia.

— 308 —
HOMOSSEXUALISMO 41

Nem todos os homossexuais aceitam a diferenciacáo sexual como


obra da natureza; pretendem que esta.seja sexualmente imprecisa (o
que tiraría ao homossexualismo o caráter de desvio). Tenham-se em
vista as palavras de Lucien Farre, que é .reconhecidamente homos-
sexual:
«Quanto mais um ser é diferenciado — especializado — tarito
menos é apto a cómí>reerider o universo. Urna diferenciacao sexual
rápida e completa nao representa, por certo, o ideal do homem tal
como deveria ser... A intersexualidaáe, da qual o homossexualismo
nao é senáo urna forma, constituí um elemento de equilibrio, que é
preciso nao combater... É por sua intersexualidade que um homem
pode manter sua juventude por tempo infinitamente mais longo do
que o colega que "se diferencia sexualmente. Em muitos casos, a dife
renciacáo sexual aparece como um slnal de velhice, urna aquiescencia
dada á morte» {citado por Eck, ob. cit., pág. 254).

Tais idéias, arbitrarias como sao, nao tém merecido a


aceitagáo dos estudiosos mais abalizados, os quais acentuam,
ao contrario, a necessidade cada vez mais premente de se levar
em conta a providencial diferenciagáo dos sexos.

2) O perigo do contagio

Inegávelmente, o homossexualismo pode ser contraído


mediante abusos cometidos por aqueles.que se entregam a
éste mal: um adolescente, em período de instabilidade afetiva,
pode ser definitivamente orientado para a sodomía em conse-
qüéncia de urna primeira experiencia que lhe cause satisfagáo.
Ainde que esta nao lhe ocasione prazer (como as vézes o pri-
meiro cigarro nao satisfaz), o jovem é tentado a voltar a
experiencia; isto se dá mesmo quando o adolescente é violen
tado ou dominado á fórga (sodomía passiva).

O Prof. Jean Vagise observa:


«A sodomizacao ativa e principalmente a passiva deixam após si
certo oondicionamento em direcáo do homossexualismo» (citado por
Eck, ob. cit., pág. 255).
A propósito, o Dr. Eck refero o caso de um homem de 35 anos
de idade, homossexual notorio, o qual lhe confessou que até os 14
anos aproximadamente tivera atrativos femininos muito precocemente
manifestados. Nesta idade.^tendo passado urna noite em barracas de
acampamento, foi violentado por um adulto — o que muito lhe fez
sofreí. Todavía sua orientacáo homossexual datou definitivamente da-
quela época.

— 309 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 103/1968, qu. 4

O perigo de desvíos homossexuais por motivo de perver-


sáo pode durar até os 21 anos de idade (idade até a qual se
registra muitas vézes instabilidade afetiva) ou mesmo até
mais tarde. Há casos em que o paciente se revelou homosse-
xuaí apenas aos 25 anos ou mesmo aos 30 anos de idade (na
mulher, o fenómeno pode aparecer ainda mais tarde).

Estas observagóes levam a desejar que os jovens e adul


tos eyitem todas as ocasióes de contagio e perversáo homos
sexuais. O perigo homófilo existe e é contaminante. Conse-
qüentemente, urna das mais importantes medidas de profilaxia
consiste em nao o subestimar e, mais ainda, em nao permitir
seja enaltecido e legalizado (como se se tratasse de urna ten*
déncia normal da natureza humana ou de reconhecer um
terceiro sexo ou ainda de urna indiferenciagáo sexual melhor
do que a «especializagáo» sexual).

«Compreender o homossexualismo com benevolencia» e


«aprová-lo» sao duas coisas bem diferentes, das quais a
primeira é muito desejável, ao passo que a segunda merece
repudio.

3) Profilaxia da neurose

Se a neurose está intimamente associada ao homossexua


lismo, importa aplicar-se á profilaxia das doengas mentáis e,
em particular, dos estados de imaturidade afetiva que fácil
mente redundam em homossexualismo.

Claro está que tal tipo de profilaxia nao é sempre possivel;


nao poucos casos de neurose e homofilia lhe escaparáo; outros,
porém, seráo devidamente evitados.

4) ManifestasSes literarias e artísticas

Existem revistas de grupos homossexuais, que muitas


vézes defendem e propugnam o homossexualismo com argu
mentos capciosos, pseudo-cientificos, filosóficos e religiosos.
Tais publicagóes sao evidentemente nocivas ao bem comum e,
por isto, merecem ser enérgicamente combatidas.
Também as artes sao instrumentos que muitas vézes
veiculam o homossexualismo. Certos ambientes de teatro, co
reografía, moda e alta costura costumam atrair os homosse-

— 310 —
HOMOSSEXUALISMO 43

xuais. Ha mesmo um preconceito segundo o qual se julga que,


para ter éxito nesses setores da arte, é preciso ser sexual-
mente invertido. O Dr. Eck narra que conheceu um jovem,
de costumes muito ortodoxos,- o qual nos primeiros anos de sua
carreira artística quis dar ao público a impressáo de que con-
traira urna pseudo-ligacáo masculina, pois, segundo pensáva,
isto lhe permitiria ser levado a serio em sua profíssáo.
Como proceder contra tal associagáo de homossexualismo
e arte?
Nao se pode dizer que todas as producóes literarias e
artísticas dos individuos homossexuais carecam de valor. Mas
é preciso dissipar o falso preconceito de que o homossexua
lismo favorece as artes. Isto só se poderá obter se os homens
de responsabilidade e constituicáo normal na sociedade (escri
tores, jornalistas, poetas, artistas, modistas...) cultivarem:as
artes, levando um teor de vida heterossexual irrepreensivel;
assim mostraráo que a producáo artística nao está presa a
desvios sexuais. Infelizmente, porém, jornais e revistas estáo
cheios das noticias de divorcios, unióes ilícitas e escándalos
moráis de grandes vedetes. «Se tal é a 'ortodoxia sexual',
compreende-se que; muitos prefiram permanecer em Sodoma
ou passar-se para Sodoma» (Eck, ob. cit. pág. 258).
Vé-se, pois, que o problema da profilaxia do homossexua
lismo se enquadra dentro de outro muito mais ampio: o da
morigeracáo da sociedade moderna.
Urna sociedade que saiba disciplinar seus costumes, toma-
-se ambiente estéril para as grandes aberragdes sexuais, ao
passo que, onde nao há o senso da moralidade, os maiores
desvios tomam vulto avassalador, ocasionando lamentáveis
desgragas.

Que a consciéncia destas verdades se torne útil aos cida-


dáos de nossos tempos, máxime aos cristáos, de modo que, em
vez de quererem julgar a Moral la luz do homossexualismo,
continuem a julgar o homossexualismo á luz da Moral!

CORRESPONDENCIA MIÜDA
Jerónimo (Belo Horizonte) : A respeito de Seminarios e da forma-
;áo que tém ministrado, vai aqui transcrito o testemunho insuspeito e,
por isto mesmo, particularmente valioso de Renán.
Como V. S. sabe, Ernesto Renán (1823-1892) teve juventude reli
giosa, concebendo mesmo o desejo de ser sacerdote. Debcou, porém, o

— 311 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 103/1968

Seminario de S. Sulpício em 1845, pouco antes do compromisso definitivo,


ou da ordenadlo de subdiácono. Tornou-se, a seguir, um racionalista
famoso, causando grande mal á fe católica por sua obra literaria.
Eis as reminiscencias que Renán, incrédulo, guardava dos seus anos
do Seminario : .

«'Sao Sulpicio' é, antes do mais, urna escola de virtudes.


Quatro virtudes parecem-me resumir o ensinamento moral
que me deram, principalmente por seus exemplos, os piedosos
diretores que me cercaram de seus cuidados até a idade de
vinte e tres anos: o desprendimento de si mesmo ou a po
breza ; a modestia, a polidez, a deferencia extrema, a ver-
dadeira deferencia francesa, que se exerce nao sóme¿nte para
com as pessoas conhecidas, mas para com toda a gente sem
excecáo ; por último, a morigeragáo.

O que se diz dos costumes clericais, é, segundo a minha


experiencia, destituido de todo fundamento. Passei treze anos
de minha vida entre sacerdotes, nao vi a sombra de um escán
dalo, só conheci bons padres...

Muitos dos meüs modos de julgar surpreendem as pes


soas do mundo, porque nao viram o que vi... O que há de
virtude em 'Sao Sulpício' bastaría para governar o mundo ;
'depois que o vi, sou exigente em relagáo ao que tenho encon
trado «o mundo.

Ninguém saberá jamáis os tesouros que essas velhas es


colas de silencio, de seriedade e de respeito encerram para a
conservacáo do bem da humanidade» (texto transcrito do
álbum «Fétes et Saisons», marco 1952, pág. 22).

Oduvaldo (Sao Paula): O artigo n* 2 déste fascículo aborda o tema


da pergunta do amigo.

A vida religiosa, consagrada a Deus e norteada por criterios sobre-


natuiais (pobreza, castidade, obediencia, estima da orac.áo, silencio, re
nuncia á natureza desregrada...) terá sempre valor capital dentro da
S. Igreja. Aos olhos do mundo, justamente por suas características
sobrenaturais fielmente observadas, ela deve ser um sinal da presenta
e da ajáo de Deus entre os homens. Para poder preencher a sua missáo
de sinal, os Religiosos e as Religiosas deveráo sempre guardar o scu
cunho sacral ; nao lhes será lícito nortear-se simplesmente pelos criterios
de honestidade dos homens que vivem no secuto ; é preciso que saibam
procurar mais e mais em Deus e nos conselhos evangélicos a razáo de
ser de sua existencia. — É o que incutiu eloqüentemente o Concilio do

— 312 — •
Vaticano II na Constituigáo "Lumen Gentium" c. 6 e no decreto "Per-
fectae Caritatis".
Nao há dúvida, o texto de S. Tiago ("... conservar-se puro de tSda
mancha déste mundo", 1,27) tem e terá sempre seu pleno valor. Isto nao
quer dizer que os cristaos e Religiosos nao devam estar presentes a seus
irmáos homena, principalmente aos que_ sofrem, aos que estáo longe de
Deus, aos que sao pobres de bens espirituais e materiais. Orem e traba-
lhem pelo Reino de Deus em meio ao reino dos homens, mas nao esque-
c.am que, para ser realmente eficazes, é preciso que se reabastec.am
continuamente em Deus e no cultivo da vida interior.

Manuel (Santos) : Dinámica de grupo é o conjunto de normas ou


regras a serem observadas para que um grupo de trabalho (classe de
alunos, equipe de pesquisas, turma de admüiistracjío,) desenvolva efi
cazmente a sua atividade. Para tanto, é preciso que o líder ou chefe
saiba motivar e interessar todos os membros do grupo, impedir que uns
entrem no setor dos outros, exigir que cada um cumpra devidamente
a sua fungáo, sem que haja melindres. O chefe deve saber valorizar tudo
que haja de bom em seus colaboradores, beneficiando assim a cada um
e á coletividade ; o próprio chefe deve apresentar qualidades de lide-
ran?a, sem as quais frustrado é o seu papel. — A arte da dinámica de
grupo supóo conhecimentos de psicología assim como os resultados obtidos
em experiencias numerosas e prolongadas; é inegavelmente valiosa.
A propósito pode-se consultar o livro de George M. Beal, Joe M.
Bohlen e J. Neil Raudabaugh: "Lideran;a e dinámica de grupo", Zahar
Editores.
O próximo número de "P.R." terá um artigo sobre revisáo de vida,
assunto correlato.

Por falta de espago, é-nos forzoso omitir a Resenha de


Iivros neste fascículo.

D. Estéváo Bettencourt O. S. B.

A RADIO TUPI DA GUANABARA

aprésente o programa

«PERGÜNTE E RESPONDEREMOS»

todos os domingos, das 6h 30min és 7h, na palavra de


D. Estéváo Bettencourt O. S. B.

«CONVERSA DE TRES MINUTOS»

de segunda a sexta-feira as 6h 50min, por


monges de Sao Bento da GB
NO PRÓXIMO NÚMERO :

Como comecou a Religiao ?

Os magos e o morticinio dos inocentes (Mt 2)

Que é a revisáo de vida ?

E os sinais dos lempos ?

Psicodélicos : Moral Médica

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

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Assinatura anual ]
porte aéreo NCr$ 15,00

Número avulso de qualquer mes e ano NCr$ 1,00

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