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Globalização e fluxos de capitais: riscos potenciais

Por Solange Srour


20/06/2007

Apesar do fenômeno da
globalização já ser um assunto bastante difundido, principalmente
quando se trata do fluxo de comércio, a globalização financeira continua
a receber menos atenção do que deveria. Enquanto que a primeira
viabilizou uma maior competição e a manutenção de uma inflação baixa
na maioria dos países, a segunda permitiu uma interligação entre os
mercados financeiros mundiais jamais imaginada anteriormente. Seus
benefícios são evidentes, haja vista a melhora das políticas econômicas
adotadas nas mais diversas regiões e a diminuição das taxas de juros
globais. A maior integração financeira, juntamente com um ambiente de
crescimento econômico elevado, originou um fluxo de capitais nunca
antes visto para várias economias, principalmente as emergentes, onde os
retornos são mais elevados, resultando em uma diminuição considerável
nos prêmios de riscos dos ativos financeiros. Entretanto há pelo menos
três meios pelos quais a globalização financeira pode ter conseqüências
negativas, constituindo um risco significativo para os próximos anos.

Em primeiro lugar, os bancos centrais estão se tornando menos eficazes.


Enquanto a globalização comercial permite uma abertura maior das
economias e suaviza os impactos dos choques externos, a globalização
financeira, em um ambiente movido por busca por maiores retornos,
como as estratégias de carry trade, atua em muitos casos na direção
contrária aos objetivos da política monetária. A Nova Zelândia é um bom
exemplo: quanto mais os juros sobem, mais os capitais especulativos são
atraídos e maior é a liquidez doméstica, que neste caso é direcionada
para um setor imobiliário já bastante aquecido, forçando as autoridades
monetárias a aumentarem novamente os juros. O Japão também é outro
exemplo: quanto mais a política monetária é acomodatícia, maior é a
saída de capitais, privando o país da liquidez que tanto necessita. No
Brasil, a política monetária também foi de certo modo impactada pelos
efeitos da globalização. Uma entrada significativa de novos participantes
no mercado de juros, principalmente os estrangeiros, resultou em uma
queda forte das taxas longas. Neste caso, o movimento dos mercados
financeiros não atuou na direção oposta à política monetária, mas
adicionou um forte estímulo à política de flexibilização gradual e
parcimoniosa dos juros.

Em segundo lugar, a globalização financeira traz também um risco


grande de protecionismo, assim como ocorre com a globalização
comercial. Em recente discurso, o secretário do Tesouro americano
enfatizou a importância da permanência dos investimentos internacionais
nos EUA e os esforços em aumentar a competitividade do mercado de
capitais doméstico. Há algum tempo, imaginou-se que a globalização
financeira iria aumentar tanto as correlações entre os ativos no mundo
que a diversificação por parte dos investidores internacionais diminuiria.
Chegou-se a falar que a globalização aumentaria o "home bias"
(tendência dos investidores de terem um viés para aplicar em ativos
domésticos, em oposição aos ativos externos, em proporções maiores do
que as previstas com base em modelos de otimização e princípios de
média e variância). Entretanto, a experiência recente mostrou justamente
o contrário: a globalização financeira, ao diminuir a variância e o risco
dos ativos internacionais, acabou por intensificar o apetite pela
diversificação (Lewis, Karen and U. Penn, "Is the international
diversification potential diminishing? Foreign equity inside and outside
the US", November 2006, NBER 12697). Países como os EUA e Suíça,
que sempre foram vistos como portos seguros, perderam parte de sua
atratividade tanto para os investidores privados como para os bancos
centrais, passando a constituir fontes potenciais de focos protecionistas.

Por último, a diminuição dos prêmios de risco embutidos em grande


parte dos ativos financeiros pode ter sido exagerada, aumentando a
probabilidade do surgimento de "bolhas especulativas". Em alguns países
emergentes, as bolsas de valores e os preços dos imóveis tiveram
crescimento aparentemente superior à melhora de seus fundamentos. O
forte fluxo de recursos para alguns países também tornou necessário que
os bancos centrais interviessem mais ativamente no mercado de câmbio,
acumulando um expressivo volume de reservas internacionais. Este
processo acabou gerando uma nova fonte de recursos para as economias
mais atrativas, na medida que intensificou a política de diversificação de
reservas dos bancos centrais. Assim, não só os investidores privados,
mas também as próprias autoridades monetárias, movidas por um maior
apetite ao risco, aumentaram a probabilidade dos ativos financeiros
terem seus preços desviados de seus fundamentos.

Como a globalização é hoje um fenômeno irreversível, as correções


dos problemas a ele inerentes virão com as próprias crises de
mercado
O caso da China é típico da perda de eficácia da política monetária e do
risco de bolhas especulativas. Sem conseguir esterilizar completamente
um fluxo mensal de cerca de US$ 50 bilhões desde o início deste ano e
mantendo os juros baixos a fim de não pressionar ainda mais a
valorização do câmbio, o banco central chinês tem se deparado com um
enorme aumento de liquidez no mercado doméstico, que está sendo
canalizado para outros ativos, principalmente para o mercado acionário.
A bolsa chinesa valorizou mais de 240% desde o início do ano passado.
Além de criar uma agência responsável pela aplicação de parte
significativa das reservas, o governo vem adotando medidas para
liberalizar a conta capital e estimular o investimento dos chineses no
exterior, mas ainda de forma muito gradual. Índia e Argentina também
têm tomado medidas para liberalizar a saída de capitais, mas este
movimento acaba na maioria dos casos estimulando ainda mais a entrada
de capitais por parte dos investidores que não estavam dispostos a ficar
sujeitos aos controles até então existentes. Outros países, como
Tailândia, Colômbia e Vietnã, foram na direção oposta, adotando ou
contemplando a adotar algum tipo de controle para a entrada de capitais,
a fim de reduzir a atratividade de suas economias.

Assim, vivemos hoje um momento onde os investidores parecem


descontar todos os benefícios da globalização, seja financeira, seja
comercial, diminuindo de forma impressionante os prêmios de riscos
embutidos nos principais ativos financeiros. As conseqüências vão desde
a criação de bolhas especulativas até a perda de eficácia da política
monetária e ao surgimento de focos de protecionismo nos países mais
afetados. Como a globalização é hoje um fenômeno irreversível, as
correções destes e dos outros problemas virão com as próprias crises de
mercado, que até o presente momento foram pequenas e pouco
duradouras. Entretanto, são nos momentos de euforia, como o atual, que
estes e outros riscos devem ser ressaltados e priorizados pelos governos
no desenho de políticas que, ao menos, minimizem os impactos
negativos acima descritos.

Solange Srour Chachamovitz é economista-chefe da Mellon Global


Investments.

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