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Brettas Nasscimento1

INTRODU
N UÇÃO

Ao o mesmo teempo em q que a infânccia tem sido o colocada como centtro das aten nções 


de  faamília,  legisladores,  educadores
e s,  políticos,,  há  uma  im
magem  de  desqualificcação 
das  mesmas  ao o  colocá‐la  numa  possição  daqueeles  que  naada  sabem
m,  nada  pennsam, 
nadaa conhecem m que preciisam ser ed ducadas parra que o co onhecimentto que lhess falta 
seja transmitid do. Diante ddesta visão adultocênttrica acercaa da infânccia, consideera‐se 
impo ortante  vallorizar  a  criança 
c commo  ator  soocial  com  direito  a  p
participaçãão  na 
consstrução do eespaço urb bano. 

Esstamos  diaante  de  um


ma  cidade  pensada, 
p projetada  e  construídaa  por  adulltos  e 
paraa  adultos  que 
q não  con nsidera  a  infância 
i co
omo  portaddora  de  um
m  conhecim mento 
própprio sobre o o espaço urrbano que h habita. 

Issso  evidenccia  a  imporrtância  de  discutir  a  presença  da 


d infânciaa  na  cidadee  que 
nos eensina quee os espaço os podem ser (re)criad dos, (re)deesenhados,  (re)ocupad dos e 
transsformados  a todo o m momento,  a não ser n
a necessário  seguir um
ma racionaliidade 
unilaateral dos eespaços, elle pode terr múltiplas  funções. O O mundo ad dulto conceebe e 
atribbui  aos  esp
paços  funçõ ões  específficas  para  atender 
a a  um 
u determminado  fim,,  se  o 
bancco  está  po osto  ali  naa  praça  é  para  sentaar  e  pronto  e  não  para  serviir  de 

 Univ
1
versidade do M
Minho –IEC. nay
y.brettas@gm
mail.com 
NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 
 
esconderijo como fazem as crianças. A criança com sua inventividade e ludicidade 
próprias das culturas de infância nos mostra outras cidades possíveis num ato de 
criação  de  inúmeras  possibilidades  de  construir  e  desconstruir  os  espaços 
urbanos. 

Busca‐se descobrir como as crianças da cidade de São Paulo (re)criam e como se 
relacionam no/com o espaço urbano. 

De  um  lado  temos  o  mundo  adulto  que  se  coloca  como  o  detentor  de  um 
conhecimento  sobre  quais  devem  ser  os  espaços  destinados  à  infância, 
configurados em um brincar na cidade, em locais fechados e institucionalizados, 
enquanto  que  do  outro  lado  temos  a  infância  a  mostrar  que  pode  construir  um 
outro conhecimento possível sobre o espaço urbano em um brincar com a cidade. 

Para que se possa compreender a criança como detentora de um conhecimento 
e saber do espaço urbano é importante pontuar e clarificar a concepção de infância 
com  que  se  vai  trabalhar.  A  perspectiva  que  se  vai  adotar  é  a  da  sociologia  da 
infância  tendo  a  “infância  como  categoria  social  e  as  crianças  como  sujeitas  de 
direitos, com voz e ação nos seus cotidianos”. (SOARES, 2005, p: 3) 

A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA
A  sociologia  da  infância  entende  a  criança  como  ator  social  produtora  de 
conhecimento  e  saber  e  reivindica  que  se  considere  a  criança  por  si  própria  com 
autonomia  epistemológica  de  forma  a  romper  com  as  adjetivações  negativas 
pautadas nos conceitos de incompetência, imaturidade, ainda não sabe, não pode, 
não conhece, atribuídas a esta categoria geracional da infância. Propõem‐se revelar 
a criança na sua positividade como ser ativo, participante e atuante da sociedade 
em  que  está  inserida,  e  não  como  mero  objeto  passivo  de  socialização  imposta 
pelos adultos. 

As crianças não devem ser vistas como sujeitos passivos que apenas incorporam 
a  cultura  adulta  que  lhes  é imposta,  mas  como  sujeitos  que  interagindo  com este 
mundo  cria  formas  próprias  de  compreensão  e  ação  a  serem  parte  integrante  da 
sociedade. 

O  que  vemos  é  uma  infância  colocada  na  “sala  de  espera”  em  espaços 
institucionalizados  e  destinados  à  elas  aonde  só  é  sujeito,  cidadão,  integrante  e 
participante da sociedade ao se tornar adulto, daí a importância e a contribuição da 
sociologia  da  infância  de  reconhecer  a  infância  como  grupo  específico,  mas  não 
isolado. 

É  preciso  repensar,  desconstruir  conceitos  confirmados  de  infâncias  e 


crianças enquanto seres de  outras  espécies,  enquanto  entidades isoladas 
do mundo material, físico, afetivo, histórico, cultural e social dos adultos e 
não pensar na criança, por isso, como um adulto em miniatura ou sujeito 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 

inacabado da condição humana (…) sujeitos de pouca idade sim, mas que 
lutam  através  de  seus  desenhos,  gestos,  histórias,  falas,  imaginação  e 
outras  tantas  formas  de  ser  e  de  se  expressar  pela  emancipação  da  sua 
condição de silêncio. (SARMENTO, CERISARA, 2004, p: 184­185) 

São  estas  múltiplas  formas  de  expressão  das  crianças  que  à  sua  moda 
compreendem o mundo que as cerca que se busca observar na relação destas com 
o  espaço  urbano.  Estas  manifestações  infantis  presentes  no  cenário  urbano  são 
provenientes  de  uma  cultura  própria  das  crianças  que  precisam  ser 
compreendidas e levadas em conta por aqueles que pensam os espaços da cidade. 

AS CULTURAS DA INFÂNCIA
A flor 

Pede‐se a uma criança: desenhe uma flor! Dá‐se‐lhe papel e 
lápis. A criança vai sentar‐se no outro canto da sala onde não 
há mais ninguém. 

Passado  algum  tempo  o  papel  está  cheio  de  linhas.  Umas 


numa  direcção,  outras  noutras;  umas  mais  carregadas, 
outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A 
criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase 
não resistiu. 

Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era 
demais. 

Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma 
flor! 

As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma 
flor! 

Contudo,  a  palavra  flor  andou  por  dentro  da  cabeça  da 


criança, da cabeça pro coração e do coração para a cabeça, à 
procura das linhas; ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos 
seus  lugares,  mas  são  aquelas  as  linhas  com  que  Deus  faz 
uma flor! 

José de Almada Negreiros 

Este poema português deixa evidente que a criança tem uma cultura que lhe é 
própria e precisa ser respeita na sua especificidade. 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 
 
O  que  vemos  nos  espaços  urbanos  são  vários  desenhos  desta  flor,  aonde  as 
crianças imprimem suas formas e dão novas atribuições e significados ao ambiente 
que está a sua volta, onde os bancos da praça se transformam em barco e carro, os 
postes  de  iluminação  em  árvores que  podem  ser  escaladas.  Mesmo  que  o  mundo 
adulto não consiga enxergar no banco um barco ou um carro, a criança o consegue 
perfeitamente a revelar que existe culturas de infância. 

Como  aponta  SARMENTO  (2003)  esta  alteração  da  lógica  formal  não  significa 
que as crianças tenham um pensamento ilógico, pelo contrário há uma organização 
lógica  que  possibilita  que  a  criança  transite  entre  o  mundo  real  e  o  mundo 
imaginário de forma a apropriar, reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia. 

“As crianças são capazes de inventar, em contextos criados pelos adultos, 
os  seus  próprios  subcontextos,  que  permanecem  a  maior  das  vezes 
invisíveis  para  os  adultos,  mas  que  são  bem  visíveis  e  notórios  para  as 
crianças”. (CORSARO, 1985 apud GRAUE, WASLH, 2003, p: 29) 

O conceito de culturas da infância tem sido discutido no âmbito da sociologia da 
infância.  Por  este  conceito  entende‐se  “a  capacidade  das  crianças  em  construírem 
de forma sistematizada modos de significação do mundo que são distintos dos modos 
de significação dos adultos”. (SARMENTO, 2003, p:54) 

As  crianças  apresentam,  portanto,  modos  específicos  de  significações  e 


comunicação e criam modos próprios de interpretar e se relacionar com o mundo. 
Elas  são  “atores  sociais  de  pleno  direito  e  não  como  menores  ou  componentes 
acessórios,  implica  o  reconhecimento  da  sua  capacidade  de  produção  simbólica  e  a 
constituição  das  suas  representações  e  crenças  em  sistemas  organizados,  isto  é,  em 
culturas”. (SARMENTO; PINTO, 1997, p: 20) 

São os elementos constituintes das culturas de infância: a ludicidade, a fantasia 
(transposição  do  imaginário  do  real)  e  a  reiteração  (princípio  do  qual  as  coisas 
podem ser feitas várias vezes, ela não tem fim) que se busca detectar no ambiente 
urbano. 

Coloca‐se em questão as culturas de infância no espaço urbano da cidade de São 
Paulo de forma a desvendar como a cidade participa do mundo das diversões das 
crianças. 

A  experiência  de  viver  na  cidade  pode  ser  muito  diferenciada  a  constituir 
culturas  da  infância  no  seu  plural  aonde  fatores  geográficos,  sociais,  econômicos 
têm  que  ser  levados  em  conta.  Para  uma  criança  que  mora  na  periferia  de  uma 
grande metrópole como São Paulo a busca de lazer e diversão implica deslocar‐se 
enquanto que aquelas crianças que moram em bairros nobres têm mil formas de 
divertimento a serem consumidos, ainda que confinados e pré‐estabelecidos. 

De um lado ficam os parques, shoppings, clubes, cinemas, parques de diversão 
erguidos sob uma noção de lazer criado para o consumo que é vendido. Do outro a 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 

casa, quintal, a rua com a noção do lazer gratuito sem infra‐estrutura. O que vemos 
são  culturas  de  infância  que  se  constroem  em  situações  e  oportunidades 
diferenciadas num mesmo espaço urbano. 

Se por um lado há para classe média e alta um lazer em espaços  segregados e 
exclusivos  aonde  as  crianças  são  confinadas  em  espaços  planejados  e 
programados, por outro há uma institucionalização das crianças da periferia aonde 
são  oferecidos  como  lazer  o  seu  próprio  espaço  escolar  através  do  programa 
recreio nas férias2, escola aberta3 e a construção dos CEUS.4 Isso porque o mundo 
adulto tem uma visão protecionista da criança aonde a cidade oferece perigos para 
ela, por isso o melhor é que fiquem seguras a brincar nestes espaços fechados. 

Formas  de  confinamento  da  infância  que  negam  a  vertente  lúdica  da  vida 
urbana,  mas  as  crianças  nos  mostram  que  não  estão  condenadas  a  este 
confinamento  como  enuncia  SARMENTO  (2003)  nos  estudos  das  crianças  de 
guerra  que aponta  que  é  possível  criar  um  outro  mundo.  As  crianças  “ganham”  a 
cidade que lhes foi interditada a brincar com os espaços de modo a ressignificá‐lo a 
atribuir novas funções aos mesmos a criar seus mundos e culturas num ambiente 
urbano construído por adultos e para adultos. 

A CRIANÇA E A CIDADE
Ao contrário, as cem existem 

A  criança  é  feita  de  cem.  A  criança  tem  cem  mãos,  cem 


pensamentos, cem modos de pensar, de jogar e de falar. Cem 
sempre  cem  modos  de  escutar  as  maravilhas  de  amar,  cem 
alegrias  para  cantar  e  compreender.  Cem  mundos  para 
inventar, cem mundos para sonhar. 

A criança tem cem linguagens (e depois cem, cem, cem), mas 
roubaram‐lhe  noventa  e  nove.  A  escola  e  a  cultura  lhe 
separam  a  cabeça  do  corpo.  Dizem‐lhe:  de  pensar  sem  as 
mãos,  de  fazer  sem  a  cabeça  de  escutar  e  não  falar,  de 
compreender sem alegrias, de amar e maravilhar‐se. 

Só  na  Páscoa  e  no  Natal  dizem‐lhe:  de  descobrir  o  mundo 


que já existe e de cem roubaram‐lhe noventa e nove. Dizem‐
lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência 
e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho são coisas 

2
 Recreio nas férias é um projeto que o governo criou para oferecer atividades recreativas, brincadeiras para as 
crianças que estão em período de férias. 
3
 Escola aberta é um projeto criado pelo governo com o intuito de promover atividades de lazer nas escolas nos 
fins‐de‐semana para as crianças participarem. 
4
 CEUS são centros educacionais unificados. Foram construídos 21 ceus  pelo governo de Marta Suplicy aonde 
centraliza no espaço escolar os espaços de lazer das crianças: piscina, teatro, parque, pista de skate. 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 
 
que  não  estão  juntas.  Dizem‐lhe:  que  as  cem  coisas  não 
existem,  a  criança  diz:  ao  contrário,  as  cem  existem.  (Loris 
Malaguzzi, 1996) 

A cada momento as crianças nos mostram que a cidade pode ser conhecida de 
cem  maneiras.  Se  hoje  aquele  banco  pode  ser  uma  casa,  amanhã  já  pode  ser  um 
carro  e,  assim  elas  vão  imprimindo  no  espaço  urbano  seu  caráter  lúdico  e 
imaginativo através de cem modos de pensar, de jogar, de falar a dizer que as cem 
existem,  cem  maneiras  de  ver  e  conhecer  a  cidade,  mesmo  que  o  mundo  adulto 
diga que não há por uma falta de compreensão da epistemologia, do sentimento e 
da realidade infantil. 

A infância persiste em seus modos de ser. O criar, o brincar, o sonhar esbarram 
nos  ideologismos  dos  adultos:  “agora  não  pode”,  “agora  não  é  hora”,  “este  não  é 
lugar  para  isto”,  no  entanto  elas  persistem  a  tornar  claro  que  a  criança  possui 
inúmeras  formas  de  expressão,  de  comunicação,  de  ser,  existir  e  conhecer  o 
mundo. 

Benjamin (1992, apud FORTUNA, 1999, p: 27) “assinalava que mais importante 
do  que  conhecer  uma  cidade  era  saber  perder­se  nela,  sobreviver  na  ausência  de 
guias, sem orientações ou trajetos pré­estabelecidos”.  

Nos tempos atuais foi negada a infância a possibilidade de perder‐se na cidade 
porque  esta  é  vista  como  local  de  perigo  e  risco,  portanto,  não  é  lugar  onde  as 
crianças devam estar. Configura‐se o que denomino de territorialização da infância 
aonde a escola e a família se constituem como território do cuidado, da proteção e 
da educação e a cidade como território do risco e do perigo. 

Na  construção  desta  tríade  criança‐escola‐família  não  há  espaço  para  a  cidade 
como território que a criança possa conhecer, participar, aprender. 

É importante recorrer a história para ver como a cidade vai definindo através de 
fronteiras  imaginárias  o  lugar  de  cada  coisa  e  de  cada  uma  das  categorias 
geracionais (adulto, criança e idoso). 

Até o século XVIII as muralhas eram tidas como características das cidades. As 
cidades  eram  todas  cercadas  por  muralhas  onde  do  lado  de  fora  desta  estava  o 
perigo,  os  animais  selvagens,  assaltantes  nômades,  exércitos  invasores,  e  do  lado 
de dentro esta a segurança aonde se podia desfrutar da liberdade longe dos medos 
e perigos. Hoje o que temos é uma insegurança dentro da própria cidade. 

Nas  cidades  medievais  não  havia  segregação  entre  os  locais  de  moradia  e 
trabalho.  A  casa  do  artesão  era  simultaneamente  uma  unidade  de  consumo  e 
produção  na  qual  se  engajavam  os  adultos,  jovens  e  crianças  que  compunham  a 
família.  A  vida  cotidiana  das  crianças  estava  misturada  com  os  adultos  sendo 
notável a abundância das crianças nas cenas da multidão no qual a vida privada se 
passava mais na rua do que em casa. 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 

Na idade média, no início dos tempos modernos as crianças misturavam­
se  com  os  adultos  assim  que  eram  consideradas  capazes  de  dispensar  a 
ajuda  das  mães  ou  das  amas,  aproximadamente  aos  sete  anos.  A  partir 
desse  momento  ingressavam  imediatamente  na  grande  comunidade  dos 
homens, participando com seus amigos, jovens ou velhos dos trabalhos e 
dos jogos de todos os dias. (ARIES, 1981, p: 275) 

As  ruas  neste  período  se  configuravam  como  espaço  coletivo,  e  as  crianças 
perambulavam com ou sem finalidade. Elas não eram segregadas ou separadas dos 
demais porque a rua fazia parte do seu mundo. 

Na  sociedade  medieval  a  atividade  lúdica  era  um  dos  principais  meios 
disponíveis para estreitar laços coletivos, isso acontecia durante as festas quando 
as  crianças,  jovens  e  adultos  participavam  dos  folguedos  de  modo  igual.  Era  o 
espaço onde se dava o aprendizado da criança realizado a partir dos cuidados de 
muitas  pessoas  sem  distinção  etária  aonde  a  diversidade  era  encarada  com 
naturalidade e o espaço de brincar era o espaço público. 

No  fim  do  século  XIX  as  crianças  começam  a  ser  separadas  do  mundo  dos 
adultos e sua aprendizagem que antes era tida na rua com o contato com os outros 
que ali circulavam passa a ser substituída pela escola. 

A criança foi separada dos adultos e mantida a distância numa espécie de 
quarentena, antes de ser solta ao mundo. Essa quarentena foi a escola, o 
colégio.  Começou  então  um  longo  processo  de  enclausuramento  das 
crianças  que  se  estenderia  até  nossos  dias,  e  ao  qual  se  dá  o  nome  de 
escolarização. (ÀRIES, 1981, p: 11) 

As  crianças  começam  neste  momento  a  perder  o  espaço  da  rua,  o  direito  à 
cidade, seus novos espaços passam a ser a escola e a família. 

“A família e a escola retiraram juntas a criança da sociedade dos adultos. 
A escola confinou uma infância outrora livre num regime disciplinar cada 
vez mais rigoroso”. (ÁRIES, 1981, p: 277) 

Segundo PRIORE (2006) a modernidade passa a ver a criança como um futuro 
adulto em construção que precisa ser educado e a família passa a valorizar o foro 
íntimo e a vida privada. 

Para  a  burguesia  o  espaço  público  deixa  de  ser  a  rua  e  passa  a  ser  a  sala  de 
visitas da sua casa. Do ponto de vista do modelo burguês de morar casa e rua são 
dois termos em oposição: a rua é terra de ninguém, perigosa que mistura classes, 
sexos, idades, posições na hierarquia, e a casa é o território íntimo e preservado. 

As  crianças  que  até  então  viviam  desde  pequenas  no  mundo  dos  adultos  a 
aprenderem  na  prática  o  que  necessitariam  para  sobreviver  passam  a  ser 
separadas  por  grupos  de  idade  e  mandadas  a  escola.  O  espaço  público  vai 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 
 
perdendo seu uso multifuncional, a deixar de ser local de encontro, de prazer, de 
lazer, de festa, de espetáculo aonde a vida privada emerge marcada cada vez mais 
pelo medo e enclausuramento. 

PROTEÇÃO DA CASA E A INSEGURANÇA DA RUA


Para as crianças, o deslocamento se restringe porque a cidade, como obra 
dos adultos, reflete a divisão social do trabalho onde casa e escola são os 
lugares  onde  a  criança  deve  estar,  enquanto  a  rua,  ou  a  cidade  de 
maneira  geral,  são  os  lugares  onde  só  os  maiores  têm  livre  circulação. 
(CASTRO, 2004, p: 73) 

Podemos  estabelecer  uma  relação  entre  casa  e  rua  com  família  e  cidade 
respectivamente.  É  impossível  pensar  em  cidade  sem  imaginar  de  imediato  um 
aglomerado de casas e ruas que surgem como espaços distintos quer do ponto de 
vista físico quer do ponto de vista sociológico. 

A rua é o espaço aberto, público, onde se desenvolve a vida coletiva, é o lugar do 
movimento, das novidades, dos deslocamentos, do desconhecido, das descobertas, 
mas é também lugar dos riscos e perigos. A casa é o contrário de tudo isso, abriga 
uma  coletividade  muito  mais  restrita,  organizada  pelo  parentesco,  pelos  laços  de 
sangue, um espaço protegido separado da rua onde não há lugar para o estranho. 

Enquanto a casa é o lugar da família, é o espaço íntimo, privado e de proteção, a 
rua é o lugar do perigo, do anonimato. Casa e rua se encontram, portanto, num jogo 
de oposições entre risco e proteção.  

À infância foram designados dois espaços: casa e escola, aonde lhe foi atribuída 
o ofício de aluno e de filho, estou a procurar o ofício de criança a revelar o sujeito 
criança  que  está  no  filho  e  no  aluno.  “Casa  e  escola  são  os  novos  espaços  que  se 
erguem  em  oposição  ao  espaço  externo,  e  as  crianças  são  encerradas  nesses  novos 
locais  onde  ocorrerá  sua  preparação  para  entrada  no  mundo  adulto”. 
(VASCONCELLOS; MOREIRA, 2005, p: 29) 

A cidade se constitui como lugar de passagem das crianças que estão a transitar 
entre  as  suas  duas  instituições  socializadoras:  família  e  escola,  a  cidade  se 
transforma no elo de ligação, metaforicamente uma ponte entre a casa e a escola a 
colocar  a  infância  na  “sala  de  espera”  de  sua  condição  de  cidadão  com  direito  a 
cidade.  Se  durante  os  dias  da  semana  não  vemos  as  crianças  na  cidade  porque 
estão  nos  espaços  que  lhes  foram  designados  pela  divisão  do  trabalho:  casa  e 
escola,  durante  os  fins  de  semanas  encontramos  as  crianças  nos  parques, 
playgrounds, shoppings, outras formas de confinamento da infância. 

Não  queremos  ver  as  crianças  na  cidade  porque  esta  é  tida  como  perigosa  e 
violenta, uma vez que o sentimento da nova urbanidade se sustenta no medo e na 
desconfiança aonde a “sociedade se organizou em torno de uma procura infinita de 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
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proteção e insaciável aspiração à segurança”. (BAUMAN, 2005, p: 11). Temos medo 
das  crianças  circularem  sozinhas  pela  cidade,  medo  de  se  machucarem,  medo  da 
violência,  isso  porque  temos  uma  visão  protecionista  acerca  da  infância  o  que 
resulta cada vez mais no seu confinamento em espaços institucionalizados. 

A todo o momento escutamos “expressões corriqueiras como “lugar de criança é 
na  escola”  ou  “a  rua  não  é  lugar  de  criança”  e  outras  do  gênero  delimitam 
espacialmente  o  que  os  adultos  definem  por territórios destinados ou  vedados para 
as crianças”. (VASCONCELLOS, MOREIRA, 2005, p: 41) 

Crianças e jovens permanecem como atores invisíveis a não ser quando se 
viabiliza  de  forma  negativizada:  quando  muros  e  prédios  da  cidade 
aparecem pichadas elas, então, aparecem como personificações do caos e 
da desordem citadina, ou quando se inicia o ano letivo escolar, e as ruas 
aparecem  congestionadas  de  carros,  então  crianças  aparecem  como 
problema do trânsito. (CASTRO, 2001, p: 38) 

A espacialidade complexa que é a cidade não contempla os desejos e interesses 
das  crianças,  já  que  a  visão  adultocêntrica  vê  a  criança  somente  no  ambiente 
escolar  e  familiar,  não  havendo  sentido  levar  em  conta  suas  opiniões  já  que  a 
cidade não é o espaço que lhe foi designado. 

“Distanciados de participarem da construção e da ocupação do espaço da 
cidade, às crianças fica destinado o espaço da casa, do play, da escola e, 
cada  vezes  menos  freqüentemente,  de  rua.  Espaços  que  são  construídos 
para ela e não por ela”. (CASTRO, 2004, p: 74) 

Se  antes  as  crianças  podiam  circular  e  brincar  livremente  pelos  diversos 
espaços  da  cidade  como  mostra  Florestan  Fernandes  (1979)  nas  “Trocinhas  do 
Bom  Retiro”  com  o  rápido  processo  de  urbanização  os  espaços  públicos  de 
socialização  foram  cedendo  terreno  para  os  espaços  privados.  A  infância  passa  a 
ser  confinada  em  espaços  institucionalizados  aonde  é  o  adulto  que  organiza  o 
tempo  e  o  espaço  da  criança,  “os  adultos  que  decidem  e  dispõe  sobre  as  formas 
geográficas  e  físicas,  sentimentais  e  sociais  de  viver  na  cidade”.  (CASTRO,  2004,  p: 
19). Os adultos configuram na cidade quais espaços destinados as crianças e como 
estes  devem  ser  a  constituir  um  brincar  na  cidade,  enquanto  que  a  criança  quer 
brincar com a cidade. 

BRINCAR NA/COM A CIDADE


Estou  sentada  na  mesa  da  sala  do  meu  apartamento  a  ler  Aventuras 
Urbanas  de  Lúcia  Rabello  Castro  e  pensar  na  relação  da  criança  com  a 
cidade.  Divago  nos  meus  pensamentos,  me  perco  nos  meus  olhares,  na 
sala há uma enorme porta de vidro aonde posso ter uma visão da rua de 
Braga,  o  que  vejo  é  o  estacionamento  do  supermercado  Macro,  ele  está 
vazio, sem carros, é domingo, crianças brincam de bola. Este espaço que o 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
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mundo adulto constrói com a finalidade única de ser um estacionamento 
neste  momento  é  recriado  e  resignificado  pelas  crianças  que  dão  a  este 
espaço  outra  função  e  sentido.  As  linhas  brancas  impressas  no  asfalto 
estão  ali  para  demarcar  o  espaço  reservado  para  cada  carro  agora  se 
transforma  em  delimitações  do  tamanho  do  gol  e  do  campo  do  jogo  de 
futebol.” (notas de campo – 18 de Fevereiro de 2007 – Braga) 
 

“Ando pelas ruas da Avenida Central a acompanhar as crianças que estão 
a ir para o encontro de fantasias, é Carnaval. Caminho junto à elas até a 
Câmera  Municipal  e  observo  que  as  crianças  fazem  de  sua  diversão  e 
brincadeira  a  vala,  o  bueiro  que  o  mundo  adulto  designa  para  ter  a 
função de  escoar a  água. As crianças transformam os buracos da vala a 
sua  diversão  de  jogar  os  confetes  de  Carnaval,  e  vê­los  cair  naquele 
buraco  escuro,  imenso  e  sem  fim  é  o  que  estimula  a  imaginação  das 
crianças.” (notas de campo – 16 de Fevereiro de 2007 – Braga) 

As  crianças  buscam  fazer  da  cidade,  dos  pequenos  espaços,  dos  becos,  dos 
trajetos,  dos  espaços  uma  obra  também  sua,  já  que  a  cidade  especialmente  seus 
espaços públicos foi planejada, organizada e implantada por adultos. 

Estamos  diante  de  uma  cidade  pensada,  projetada  e  construída  por  adultos  e 
para  adultos  que  adota  como  “parâmetro  o  cidadão  adulto,  abandonando  os 
cidadãos  não  adultos”.(TONUCCI,  1997,  p:  181)  onde  as  crianças  buscam  o  seu 
espaço  porque  não  gostam  dos  espaços  rigidamente  definidos,  separados, 
dedicados  a  elas.  Preferem  os  espaços  utilizados  de  formas  diferentes  de  acordo 
com  as  exigências  da  brincadeira,  isso  porque  “os  espaços  para  as  crianças 
brincarem separados e especializados não é para satisfazer as exigências do brincar 
das crianças, mas sim responder as preocupações dos adultos”. (TONUCCI, 1997, p: 
95) 

LIMA  (1989)  critica  esta  pretensão  dos  adultos,  arquitetos,  planejadores 


urbanos  e  políticos  acharem  que  podem  construir  espaços  voltados  para  os 
interesses  e  desejos  que  não  são  os  seus  sem  consultarem  e  escutarem  o  que  a 
criança tem a dizer. 

Instala‐se aí uma tensão na (re)criação da cidade entre “territórios de criança” e 
os  “territórios  pensados  para  elas”,  de  um  lado  o  mundo  adulto  a  dizer  que  as 
crianças devem brincar na cidade em espaços fechados e monitorizado, do outro as 
crianças  a  mostrar  que  pode  brincar  com  a  cidade  reinventando‐a  e  adotando 
outras  maneiras  de  imaginá‐la  e  conferir‐lhe  sentido  a  questionar  o  “status  quo”. 
Isso  evidencia  que  o  espaço  vivido  e  percebido  da  criança  se  opõe  ao  espaço 
concedido do desenhador das cidades e do político. 

É  na  cidade,  fora  de  casa,  que  as  crianças  buscam  uma  certa  independência  e 
autonomia  em  relação  aos  adultos  de  forma  a  construir  sua  identidade  social  e 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
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cultural a atiçar o imaginário, daí a importância de ver as crianças “movimentando­
se  atuando  exatamente  no  mesmo  mundo  em que  as  outras  pessoas  o  fazem,  e  não 
somente  dentro  desses  limitados  mundos  de  brincadeira,  do  cuidado  e  da 
aprendizagem que tem sido indicados para eles”. (CASTRO, 2001, p: 76) 

A cidade deve ser, portanto, o lugar onde crianças e adultos possam viver juntas, 
mas é evidente a incompreensão da infância como ator social com direito a cidade. 
Isso  porque  ainda  consideramos  as  crianças  como  seres  imaturos  e  incompletos 
com  direitos  de  provisão5  e  proteção6  somente,  sem  a  concessão  ao  direito  a 
participação7. 

As práticas sociais dos adultos face à infância são dominadas pelo paradigma da 
propriedade  (meu  filho,  meu  aluno,  sei  o  que  é  melhor  para  ele),  paradigma  da 
proteção e do controle que considera a criança um ser frágil sem autonomia, ainda 
incapaz que precisa ser protegido e paradigma da periculosidade onde a criança se 
desloca pela cidade com bastante restrição. 

Quando falamos das crianças na cidade é importante deixar claro de que cidade 
estamos  a  falar.  A  cidade  de  que  falo  é  a  cidade  de  São  Paulo,  uma  grande 
metrópole do Brasil que assistiu um crescimento populacional sem precedentes na 
sua história acompanhado de um crescente medo, insegurança perante a violência. 

O  espaço  da  rua  antes  tido  como  lugar  para  brincadeira  das  crianças  se 
transforma em via de passagem para carros e, as crianças passam a ser confinadas 
nos  playgrounds,  condomínios,  praças  e  parques  onde  “jogam  jogos  em  clubes 
esportivos  melhor  que  nas  ruas,  escalam  o  playground  melhor  que  as  árvores”. 
(CHRISTENSEN, 2002, p: 66) 

São Paulo, hoje em dia é uma cidade de muralhas. Levanta­se por toda a 
parte barreiras materiais. Uma nova estética de segurança preside a todo 
o  tipo  de  construções  e  impõe  uma  lógica  sem  precedentes  baseado  na 
vigilância e no isolamento. (BAUMAN, 2005, p: 35) 

A  cidade  apresenta‐se  como  espaço  das  diferenças  sociais,  culturais,  étnicas  e 


religiosas a compor um cenário diverso, por isso, é importante falar dos lugares na 
cidade  destinados  às  crianças  da  periferia  e  às  crianças  de  classe  média  e  alta.  A 
organização espacial da cidade e a distribuição dos equipamentos e dos espaços de 
lazer  é  feita  de  forma  desigual,  muitas  vezes  eles  estão  concentrados  nos  bairros 
onde moram pessoas de melhor poder aquisitivo restando ao morador da periferia 
a casa, a rua, a escola para suas vivências. 

“Para cada criança do local existe também um lugar de criança, um lugar 
social  designado  pelo  mundo  adulto  e  que  configura  os  limites  de  sua 
vivência”. (VASCONCELLOS, 2005, p: 39) 
5
Direitos de provisão estão relacionados aos direitos sociais: saúde, educação, segurança.
6
Direitos de proteção contra abuso físico, exploração, injustiça.
7
Direito de falar, ser consultada e ouvida.

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
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As crianças de classe média e alta vivem isoladas da cidade por meio dos vidros 
das  automóveis,  janelas  de  suas  casas,  muros  dos  condomínios,  paredes  do 
shopping,  grades  dos  clubes,  parques  e  escolas,  espaços  limitados  que  se 
constituem  como  ilhas  infantis  em  meio  à  cidade  onde  as  crianças  vão  de  um 
espaço privado a outro espaço privado. 

O  brincar  ao  ar  livre  foi  sendo  substituído  pelo  brincar  em  espaços  interiores 
cobertos,  de  menor  dimensão  no  qual  dinheiro  e  lazer  apresentam  uma 
incompatibilidade  que  opõe  os  interesses  do  mundo  adulto  aos  anseios  infantis. 
Como o espaço urbano pode gerar renda e multiplicar capital, os adultos tendem a 
apropriar‐se  das  áreas  que  devem  ser  das  brincadeiras  e  transforma  o 
divertimento em atividade lucrativa aonde “as áreas de lazer não foram feitas para 
jogar  bola,  brincar  de  mocinho  e  bandido,  bater  pique­esconde,  soltar  pipa,  pular 
amarelinha e exercitar o corpo e o movimento”. (VOGEL; LEITÃO, 1995, p: 125) 

Enquanto que as crianças de classe média e alta possuem um leque de opções de 
lazer, as crianças da periferia, ao contrário, são carentes destes equipamentos e a 
falta  de  dinheiro  manifesta  nestas  o  poder  criativo  o  que  resulta  numa  grande 
diversidade  de  brinquedos  feitos  com  materiais  nada  convencionais:  bonecas  de 
pedras, tijolos, barro, casca de melancia, etc. Para quem mora na periferia a busca 
de  lazer  e  diversão  implica  deslocar‐se  o  que  demanda  disposição,  tempo  e 
dinheiro. 

As  políticas  públicas  buscam  ofertar  para  estas  crianças  da  periferia  práticas 
esportivas  e  de  lazer  com  o  intuito  de  retirá‐las  da  rua,  ou  seja,  da  proximidade 
com  a  violência,  drogas  e  marginalidade.  As  construções  dos  vinte  e  um  CEUS 
(centros  educacionais  unificados)  nas  áreas  da  periferia  da  cidade  de  São  Paulo 
que  tem  como  objetivo  ser  um  centro  de  lazer  da  comunidade  com  piscina, 
quadras,  teatro,  pista  de  skate  e  os  programas  de  governo  Recreio  nas  Férias  e 
Escola  Aberta  são  formas  de  institucionalização  e  confinamento  das  crianças  no 
seu espaço escolar diário para que não fiquem na rua onde há violência, perigo e 
risco. 

Para a classe média e alta o shopping se apresenta como um lugar seguro onde 
os pais podem deixar suas crianças a brincar tranqüilamente no piso do lazer em 
espaços cercados como uma ilha, enquanto fazem as suas compras. 

Os  espaços  e  elementos  do  cotidiano  comuns  nas  cidades  se  contrapõem  aos 
equipamentos e dispositivos especializados para o lazer porque consideramos que 
os parques de diversão, as áreas de lazer, as quadras de esporte, clubes cumprem 
com mais eficiência e perfeição a função de recrear e divertir em relação às ruas, 
praças,  calçadas,  o  que  é  uma  ilusão  porque  o  lazer  na  rua  se  revela  portador  de 
uma criatividade. 

Não devemos, portanto, cair no simplismo de atribuir a rua um valor intrínseco 
de inadequação às práticas do lazer e, em conseqüência, tirar as crianças de lá para 
confiná‐las em espaços planejados, programados, segregados e repetitivos a negar 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 

a  vertente  lúdica  da  cidade.  Podemos  recorrer  a  ÁRIES  (1981)  para  abordar  a 
relação histórica do adulto com o lúdico. O autor apresenta a espontaneidade que 
os adultos tinham com os jogos e brincadeiras no início do século XVII aonde não 
existia  uma  separação  entre  brincadeiras  e  jogos  das  crianças  e  adultos  como 
acontece  hoje.  Os  jogos  e  festas  eram  o  principal  meio  de  socialização  que 
incentivava a coletividade das pessoas – era a época da valorização do lúdico, mas 
com o advento do capitalismo o trabalho passou a ser obrigatório para os adultos e 
o  lúdico  passou  a  não  fazer  mais  parte  de  suas  vidas  a  estar  presente  apenas  no 
mundo das crianças. 

Temos  que  atribuir  à  rua  seu  valor  instrutivo  e  educativo,  por  isso,  é  preciso 
compreender como já foi enunciado na Carta das Cidades Educadoras de Barcelona 
em  1990,  que  além  das  instituições  sociais  como  a  escola  e  a  família,  a  educação 
também  deve  ser  competência  da  cidade  uma  vez  que  “viver  na  cidade  implica 
aprender  com,  na  e  a  partir  da  cidade”.  (CASTRO,  2004,  p:  24)  Adotar  uma 
perspectiva da cidade como espaço de aprendizagem. 

“Sair  de  casa,  recorrer  às  ruas,  conhecer  seu  ambiente  é  uma  exigência 
importante  para  o  crescimento  não  só  social,  mas  também  cognitivo  da 
criança”. (TONUCCI, 1997, p: 61) 
 

Para além da cerca do quintal, do muro da casa, do portão do jardim e da 
grade  do  parquinho,  começa  um  universo  de  mil  formas,  possibilidades 
espaços  e  acontecimentos.  O  espaço  controlado  e  vigiado  do  lar  cede 
terreno  à  rua,  à  praça,  ao  bairro.  Aí  começa  a  cidade  e  com  ela  o 
variadíssimo leque de contatos, relações, espetáculos e equipamentos que 
podem  satisfazer  os  mais  ousados  e  fantasiosos  sonhos  de  lazer  e 
diversão. (VOGEL; LEITÃO, 1995, p: 118) 

A  criança  brinca  com  a  cidade  e  seus  espaços  a  imprimir  ativamente  sua 


presença neste espaço a realizar uma transformação lúdica dos objetos cotidianos 
e dos espaços urbanos, assim uma porta que para o adulto serve para passar, para 
a  criança  está  a  possibilidade  de  se  esconder  por  detrás  desta.  Os  objetos 
cotidianos  e  seus  espaços  se  transformam  através  de  uma  leitura  metafórica  e  o 
uso  lúdico  que  a  criança  realiza  sobre  eles,  onde  armários  se  transformam  em 
refúgios e esconderijos, as mesas em casas. 

As crianças buscam, portanto, apropriar‐se da cidade e transformar, resignificar 
e  recriar  os  espaços  que  os  adultos  constroem  de  forma  a  reconfigurarem  seu 
próprio  espaço.  Vemos  os  espaços  urbanos  serem  (re)criados  e  resignificados 
pelas  crianças  aonde  os  espaços  construídos  pelos  adultos  e  para  os  adultos 
ganham outro sentido e função. 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 
 
“Os espaços, prédios, ruas são permanentemente reinventados pelo modo 
como  grupos,  galeras  se  apropriam  desses  espaços  impregnando­lhes  de 
outras perspectivas de ser e viver na cidade”. (CASTRO, 2004, p: 163) 

IMPORTÂNCIA DA CRIANÇA NA CIDADE


É  importante  que  os  administradores  conheçam  os  pontos  de  vista,  as 
exigências  das  crianças  para  que  um  profissional  as  tenham  em  conta  quando 
projetam  os  espaços  (TONUCCI,  1997,  p:  126)  a  considerar  as  crianças  como 
leitoras da cidade que trazem valiosas contribuições com seus olhares e formas de 
apropriação do espaço urbano. 

A presença da racionalidade infantil na cidade nos ensina que os espaços a todo 
o  momento  podem    ser  (re)criados,  (re)desenhados  e  transformados  a  tornar 
evidente que os espaços e objetos podem ter múltiplas funções. 

As  crianças  têm  muito  a  contribuir  na  cidade  e  para  a  cidade,  seja  pela  sua 
interferência na construção dos espaços físicos, a dar suas opiniões que dão uma 
outra  perspectiva  que  o  adulto  não  tem,  a  configurar  um  ambiente  urbano  mais 
lúdico, a quebrar com as cenas repetitivas da cidade, seja pela sua espontaneidade 
que rompe com o clima de silêncio e estranhamento instaurado entre os adultos da 
modernidade urbana “que habitam um lugar cheio de desconhecidos que convivem 
em  estreita  proximidade”  (BAUMAN,  2005,  p:  33)  onde  as  pessoas  passam  umas 
pelas  outras  sem  se  falar,  se  olhar,  se  tocar  a  deixar  as  relações  sociais  cada  vez 
mais  distantes.  As  crianças  descontraem  o  ambiente  urbano,  olham  e  falam  com 
aqueles que não conhecem, fazem rir os rostos sérios, tensos e sisudos dos adultos 
a  desfrutar  da  “pedagogia  do  olhar  que  a  rua  promove,  olha­se  tudo  e  todos”. 
(CASTRO, 2004, p: 61) 

Essas  atitudes  das  crianças  são  condenadas  pelos  adultos  que  dizem  para  não 
falar  com  estranhos  e  não  chamar  a  atenção  em  público,  mas  “para  as  crianças  a 
cidade  apresenta­se  como  lugar  de  desfrute  e  diversão  algo  cheio  de  novidades  e 
atrações oferecidas sem cessar”. (CASTRO, 2004, p: 122) 

A  criança  colabora  para  alterar  a  cidade  seja  nas  relações  sociais  que  nela  se 
constrói  (contribuição  de  seu  contato  físico  e  social  com  os  adultos  e  suas 
reinvenções dos espaços) seja na participação do espaço físico da cidade a ajudar a 
pensar os espaços que se erguem no espaço urbano. 

A criança com sua inventividade e lúdico próprios das culturas de infância nos 
mostra outras cidades possíveis num ato de criação de inúmeras possibilidades de 
construir e desconstruir os espaços urbanos, a permitir “olhar o mundo através das 
infinitas recomposições que a imaginação nos permite”. (CASTRO, 2004, p: 215) 

Não  é  pelo  fato  das  crianças  falarem  diferente  do  adulto,  utilizar  meios  de 
expressões e linguagens que lhes são próprias que devem ser consideradas inaptas 

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NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na 
cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade 
do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora 

a  contribuir  para  a  vida  na  cidade.  Pelo  contrário,  por  trazer  sua  diferença  que 
dialoga com adulto a colocar um outro ponto de vista, uma outra perspectiva de se 
ver  a  cidade  é  que  evidencia  a  importância  da  construção  de  um  espaço  público 
que compreenda múltiplas perspectivas aonde a criança pode mostrar aquilo que 
está oculto aos olhos dos adultos. 

A criança nos ensina, portanto, que os espaços da cidade são multifuncionais e 
podem ser utilizados e conhecidos de diversas formas onde a cada dia adotam uma 
função diferente a tornar o conhecimento destes espaços sempre dinâmico, basta 
você brincar com a cadeira e ficar de ponta cabeça invertendo a posição habitual 
que um novo ponto de vista é conquistado. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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