You are on page 1of 54

Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memorístm)
APRESENTTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
„ controvertidas, elucidando-as do ponto de
j|_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
¿ dissipem e a vivencia católica se fortaleca
^i" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.
Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


nassamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
HI HUÍ < ► I KCj
(ENT ¿TAL,

CICMCIA «

REUOÍÁÓ
ÍSOUTC2INA

MORAL

MO XII — N» 139
índice

Pág.

"SOU UM HOMEM DE ESPERANZA" 287

RESSURREICAO DE CRISTO : NOVAS INTERPRETAC6ES

A fé e a razSo em diálogo 290

RESSURREICAO DE CRISTO: QUE SIGNIFICADO TEN! PARA O

HOMEM DE HOJE?

O valor profundo de urna afirmacSo aparentemente desafiadora 303

HORÓSCOPO SEMPRE EM FOCO I

Rapto do Embaixador Bucher predlto pela Astrologia ? 303

"A DANCA DOS OR1XAS" DE FRANCISCO SPARTA S.J.

Critica severa e benevolencia numa sintese sem precedentes 319

JOHREI, A SINTESE DO BEM E NOVA RELIGIAO

Um pouco do Japáo a se expandir no Brasil 328

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


"SOU UM HOMEM
DE ESPERANZA"

Os historiadores dizem que se pode reconstituir, com certa


exatidáo, a historia do género humano pelo espago dos últimos
3.400 anos; o que para tras fica, sao historias de dinastías ou
povos ¡solados. — Désses 3.400 anos, observam, 3.166 foram
de guerra e 234 de paz... de paz que, em última análise, era
preparacáo para nova guerra,
Quem hoje em dia observa ésse passado, pode tomar urna
de duas atitudes:
— ou d desespero, a angustia, diante do «absurdo» da
historia da humanidade e da existencia do próprio homem; se-
quioso de amor e vida em plenitude, o ser humano se vé con
denado á frustragáo e ao vazio. — Tal é a posiQáo existencia-
lista de extrema;
— ou a sesperansa e o otimismo. A ciencia, a técnica, os
estudos de psicología, pedagogía, sociología ajudaráo o homem
a superar odios e divisóes, de modo a construir um mundo novo,
urna sociedade de vida mais feliz e mais fraterna. Há quem
chegue até á Utopia, concebendo um maravilhoso ano 2000,
inicio do estupendo sáculo XXI. Adlous Huxley tornou-se fa
moso por S9U livro «O Admirável Mundo Novo».
Diante das diversas opcóes, pergunta-se naturalmente: qual
a posicáo do Cristáo?
— Nao o desespero e o pessimismo... A esperanga é urna
das virtudes características do cristáo.
— Mas também nao a utopia, que espere obter da materia,
em sua dtalética histórica, a redencáo da humanidade; a cien
cia, a técnica e os estudos humanistas, por si apenas, nao liber-
taráo do odio e das guerras a humanidade. É do Supremo Bem,
Alfa e Omega da historia... é de Jesús Cristo, o Homem Novo
por excelencia (porque assumiu a dor e a morte para transfi-
gurá-las), que o género humano pode esperar dias memores e

— 287 —
a consumagáo de suas expectativas. Esta consumacáo se dará
quando Cristo vencer a última inimiga — a Morte — e entregar
o Reino ao Pai (cf. 1 Cor 15, 24-28); é esta perspectiva que da
inabalável fundamento á esperanga crista. É também na me
dida em que esta perspectiva se torna realidade que o cristáo
vai desfrutando a sua esperanga. É, sim, o fato de que em
Cristo ressuscitado entrou nova realidade na historia que co
munica ao cristáo a mais firme das esperangas.
Estas ideáis repercutem também no modo como o cristáo
considera a presente fase da historia da Igreja: fase de mu-
dangas e tensóes, reflexo (em parte) idas tensóes do mundo
inteiro. Falando a propósito, dizia o Cafdeal Léon-Joseph Sue-
nens, urna das figuras mais em foco nos últimos anos da
Igreja:
«A quem me pergunla por que conservo a esperanca apesar da
crise presente, respondo:
Porque creio que Deus é novo cada manha.
Porque creio que Ele cria o mundo nesle instante mesmo. Ele nao
o criou num passado distante nem o perdeu de vista depofs de o t»r
criado. Ele cría agora; por conseguinte, é preciso este¡amos prontos
a, esperar os Imprevistos de Deus.
As vías da Providencia sao, normalmente, surpreendentes. Nos
nao somos escravos do deterninismo nem dos sombríos prognósticos
dos sociólogos.
Deus está junto de nos, hnprevisivel e eheto de amor. Eu sou
homem de esperanga, nao por motivos humanos nem por oHmismo
natural.
Mas tenho esperansa simplesmente porque creio que o Espirito
Santo esté em ajáo na Igreja e no mundo, mesmo onde o seu nome
é ignorado.
Sou otitrdsta porque creio que o Espirito Santo é sempre o Espirito
Criador. A quem o sabe aeolher, Ele dó todas as manhás urna ISber-
dade luvenll e urna nova provlsáo de alegria e confianja.
A historia da Igreja, ¡á bastante longo, está chela das maravilhas
do Espirito Santo.
Pensemos nos profetas e nos santos que em horas sombrins sus-
cltaram urna corrente de grajos e prajetaram sfibre a estrada um
feixe de luzes.
Creio ñas sorpresas do Espirito Santo. Jofio XXIII veio de im
proviso. E o Concilio também. Nao o esperávamos. Quem ousaria
dizer que agora a imaginac.So e o amor de Deus estáo esgotados ?

— 288 —
Esperar é um dever, nao um luxo. Esperar nao é sonhar; é o
meto de transformar um sonho em realidade.
Felfees aqueles que tSm a audacia de sonhar e que estao prontos
a pagar o preso para que o seu sonho tome vulto na historia dos
homens!»

Que estas palavras sejam fennento de despertar e perse-


veranga para quantos vierem a conhecé-las!

«o horóscopo sempre em foco»


(ver p. 308)

— 289 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XII — N« 139 — Julho de 1971

ressurreicáo de jesús:
novas interpretares

Em sínlese: A ressurrelcSo corporal dé Cristo tem sido focalizada nos


últimos tempos pelas correntes demitlzantes; Bultmann, Marxsen, Schlette
¡nterpretaram-na como expressáo de um fenómeno puramente subjetivo
©corrido com os Apostólos; nada de objetivo se terla verificado em Jesús
mesmo.

A estas teses podem-se fazer algumas observac,5es:

os Apostólos nao estavam em condlcaes psicológicas para projetar


a Idéia ou a figura de Jesús redivivo; haviam capitulado ao vé-lo preso, e
fugiram; quando Ihe's anunciáram as aparicdes do Ressuscltado, relutaram
para aceitá-las; só o fizeram vencidos pela evidencia do fato;

— as concepgóes messlánlcas dos Judeus nio sugeriam a Idéia de


um Messias morto e ressuscltado, mas apenas a de um Messlas glorioso;

a Crlstologia (doutrina referente a Cristo) da Igreja primitiva nao


se explicarla sem o fato da ressurrelgSo de Jesús; os antlgos crlstSos tinham
consclencla de que Jesús vencerá a morte, estava vivo na sua Igreja e
voltaria no flm dos tempos para consumar a sua vltórla sobre o pecado
e a morte;

a conversüo de Sao Paulo também nSo se entenderla sem a aparlcSo


de Cristo glorioso; o Apostólo em suas epístolas menciona freqüentemente
o Senhor Jesús ressuscltado, que o Impressionou profundamente;

— o sepulcro vazlo é urna realidade. Quem tlvesse forjado a ¡déla do


sepulcro vazlo, nSo terla apresentado como testemunhas do fato mulheres
(ciue eram outrora pouco acreditadas), mas, slm, homens. Ademáis os judeus
nao negaram a realidade do sepulcro vazlo, mas tentaram explicá-la de
diversos modos.

— 290 —
RESSURREICAO DE JESÚS E HISTORIA

O sepulcro vazio mostra a contlnuidade entre o Crucificado e o Ressus-


cltado,... a continuldade entre o sofrimento da vida presente e a glorlficagáo
da vida futura, tanto em Cristo como nos discípulos de Cristo.

Comentario: Nos últimos tempos tém-se multiplicado os


estados que visam a reinterpretar a mensagem da ressurreigáo
de Cristo, levando em conta o modo de pensar e os expressio-
nismos dos antigos semitas. Certa hesitagáo faz-se notar a res-
peito tanto em alguns meios católicos como em náo-católicos.
Em vista disso, proporemos abaixo algo das novas sentengas;
ao que se seguirá urna reflexáo sobre a questáo.

T. Demitiza$So e ressurreicao

Sendo a ressurreigáo de um morto algo de estritamente


sobrenatural, torna-se difícil, se nao impossível, a muitos estu
diosos admitir que Jesús morto tenha, ao pe da letra, ressus-
citado corporalmente. Em conseqüéncia, entendem a noticia
transmitida pelos Evangelistas e por Sao Paulo como um dado
da linguagem semita e mítica da antiguidade. A propósito vém
as posigóes dos autores contemporáneos (protestantes) Rudolf
Bultmann, Willi Marxsen e H. R. Schlette.

a) Rudiolf Bultmann (cf. PR 93/1967, pp. 375-387; 97/


/1968, pp. 18-28) julga que nada de objetivo ocorreu a Jesús
no domingo de Páscoa, mas, sim, algo de meramente subjetivo
se deu paulatinamente com os Apostólos, os quais, em conse
qüéncia, passaram a acreditar na ressurreicao. Eis como se
exprime:

"A verdade da ressurreigáo nao pode ser compreendlda antes da fé


que reconhece o Ressuscltado como Senhor. A realldade da Ressurreigáo
— n3o obstante 1 Cor 15,3-8 — nSo pode ser demonstrada ou tornada evi
dente como se tora um fato objetivamente constatável e digno de crédito.
Todavía ela pode — e sómente asslm pode — ser acreditada na medida
' em que ela — ou seja, o Ressuscltado — está presente na palavra da pre-
gacSo. A fé na ressurrelcSo de Cristo e a fé em que, na palavra da pregacao,
Cristo mesmo, ou Deus mesmo, fala, s§o idénticas" ("Theologle des Neuen
Testaments". Tübingen 195B, p.305).

— 291 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

Por conseguinte, na Páscoa nada de real se verificou no


corpo de Cristo colocado no sepulcro; o acontecimento de
Páscoa se reduz a algo de subjetivo nos discípulos: estes aos
poucos foram «acreditando» que Deus ressuscitara Cristo cru
cificado e compramderam que a cruz fora um acontecimento
salvifico para os homens que créem em Jesús. Em conseqülncia,
todas as vézes que se prega a palavra de Jesús, pode-se dizer
que é Jesús mesmo quem prega; Cristo ressuscitou na sua
palavra. Nao se julgue que é a pessoa mesma de Jesús vivo
que fala; mas admita-se que Jesús, «na medida em que é anun
ciado» como homem ressuscitado, é o Mediador do qual Deus se
serve para nos dizer que Ele nos salvará se confiarmos n§le.
Por isto, os únicos elementos pascoais acessíveis a nos sao
a fé dos discípulos (elemento subjetivo) e a proclamacáo de
que Deus nos salva por Cristo crucificado e «ressuscitado».
Ademáis, afirma Bultmann: nao se deve perguntar se de
fato Jesús ressuscitou corporalment»; seria impossível sabé-lo.
Mesmo que o viéssemos a saber com seguranca, ésse saber de
nada adiantaria, pois a fé nao se funda em fatos; a procura
de tal fundamento só concorre para desvirtuar a fé e torná-la
estéril. Na realidade, o cristáo nao vé motivo para tentar saber
o que aconteceu na Páscoa: ele encontra Cristo «ressuscitado»
únicamente na fé que néle nasce quando se Ihe prega a «res-
surreicáo» de Cristo; ao ouvir tal pregao, o cristáo entende que
Deus o está convidando para abandonar-se a Ele (Deus) a fim
de ser salvo.1
Na base destas reflexóes, segundo Bultmann, deve-se dizer
que Cristo nao ressuscitou, se por «ressurreieao» se entende a
reanimagao do corpo morto de Jesús e seu regresso á vida.
b) Wflli Marxsen também nega que a ressurreieao corpo
ral de Cristo tenha sido um fato objetivo:

i Como sa vé, Bultmann, em nials de um ponto, segué fielmente a


doutrlna de Lulero, que concebía a fó como mera conflanga, despreocupada
de fundamentaefio objetiva ou histórica. A ambos parece que a fé perde o
seu significado e o seu valor quando se dá satlsfacSo é Inteligencia e se
procura saber exatamente o que houve em torno da pessoa em quem eremos:
Jesús Cristo. A fé, segundo Bultmann, nSo se Interessa pela hlstorloldade
dos episodios descritos nos Evangelhos; estes podem ser Imbuidos- de
mitos, sem que por Isto se abale a confianca em Deus, que nos salva por
Jesús Cristo.
Em urna palavra: segundo Bultmann, somos salvos mediante a Palavra
da Escritura receblda por nos numa atltude de conflanca. Essa palavra nfio
pretende transmitir a noticia de fatos, mas suscitar vida nova e conversSo
em nos.

— 292 —
RESSURREICAO DE JESÚS E HISTORIA

"Históricamente, só se pode estabelecer (e Isto com certeza!) que após


a morte de Jesús alguna homens aflrmaram ter tldo urna experiencia; e a
reflexSo sobre essa experiencia levou-os & Interpretacfio: Jesús ressuscltou"
("Dle Auferstehung Jesu ais historisches und ais thoologlcties Problem".
GOtereloh 1965, p. 20).

Com outras palavras: os Apostólos, depois da ressurreigáo,


compreenderam que «a causa de Jesús continuava» (die Sacbe
Jesu geht weáter); nao perecerá com a morte do Senhor, mas,
ao contrario, a mensagem de Cristo tendía a se propagar, so-
brevivendo aos obstáculos e adversarios que a contradítavam.
Por conseguinte, éles deveriam continuar a pregar o Evangelho.
Esta vitória da palavra de Cristo sobre os seus opositores foi
expressa pelos Apóstelos mediante o termo «ressurreicáo». Tal
expressáo interpretativa (Interpnetament) ou tal metáfora, tal
figura mítica foi inspirada aos discípulos de Cristo pelo seu
ambiente cultural semita (para o hebreu, a sobrevivencia im
plica sempre algo de corpóreo; os judeus nao eram capazas de
compreender vida desvinculada do corpo; daí dizerem que Jesús
ressuscitara). Se os Apostólos tivessem sido gregos, e nao
judeus, teriam afirmado que Jesús deixara sen cottpo.
«Deixar o corpo» ou «ressuscitar corporalmente» seriam
duas expressóes aparentemente contraditórias, mas convergen
tes entre si, pois mima linguagem figurada ou interpretativa
(dependente ora da mentalidade grega, ora da mentalidade he
braica) significarían! a exaltacáo de Jesús: Cristo após a sua
morte foi exaltado mediante a propaga$áo do Evangelho.

Por conseguinte, quando os primeiros cristáos diziam que


Jesús ressurgira, usavam urna fórmula interpretativa, derivada
de determinado ambiente cultural. Nos, que pertencemos a
outra cultura, nao estamos necessariamente obrigados a repe
tir tal fórmula. Para o homem moderno, a apregoada ressurrei
gáo de Cristo signiñca apenas que «a causa de Jesús vai adian-
te», ou seja, que pela palavra do Evangelho chega a nos a
mensagem de Jesús, como outrora ela chegava aos discípulos
de Cristo.
c) H. R. Schlette adota posicáo muito semelhante a de
Marxsen, afirmando que «a fé na ressurreicáo se manifesta
como expressáo interpretativa (Interpretament), ou seja. co
mo a explicagáo dada a determinada experiencia» («Epifanía
come storia». Brescia 1969, pp. 72s).
Essa experiencia consistía em que, para os Apostólos, se
tornava «cada vez mais inconcebivel que Jesús tivesse morrido
e desaparecido como Abraáo, Davi e Jeremías. Todas as vézes
que falavam déle, sempre que se reuniam para comer e beber

— 293 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

juntos, nao podiam furtar-se a crer que Jesús estava com éles.
Julgavam que Javé, o qual o enviara, continuava a fazé-lo
viver em meio déles. É bem possível que a ésts profundo sen-
timento tenham sobrevindo feitos e acontecimientos que os
Apostólos interpretaram como sinais de Deus... Todavía, mes-
mo sem ésses sinais, podia acontecer que se criasse urna atmos
fera na qual ia amadurecendo a experiencia de que Jesús e a
sua causa nao haviam terminado;... de que nos devemos
aderir as suas palavras e a Ele mesmo, se queremos estar do
lado de Javé» (ib. pp. 74s).
Ora tal experiencia da grandeza única da obra de Jesús
foi pelos discípulos interpretada com as palavras: «Jesús res-
suscitou».
Em conclusa**, a escola demitizante ensina quie Jesús nao
ressuscitou objetivamente, mas, sim, e apenas subjetivamente,
na fé dos seus discípulos.

Passemos agora a urna

2. Reflexao sobre as teses demitizantes

Nos últimos anos tém-se realizado suoessivos encontros de


teólogos e exegetas interessados em estudar as questóes lan-
gadas pela crítica moderna sobre a ressurreigáo de Cristo. Um
dos mais relevantes teve lugar em Roma, de 31 de margo a 6
ide abril de 1970, sob o patrocinio da Comissáo Romana dos
Congressos destinados a estudar a teología do Concilio do Va
ticano II. Déle participaram estudiosos católicos de renome (K.
Schubert, B. M. Ahern, J. Coppens, J. Blinzler, J. Kremer, J.
Schmitt, A. Vogtle, X. Léon-Dufour, J. Guitton, J. Dupont, D.
Mollat, C. Pozo, F. Festorazzi, C. Martini, D. Dhanis, K. Leh-
mann), além do profiessor protestante J. Jeremias e do arqui-
mandrita ortodoxo A. Scrima.
No decurso das palestras e estudos désse Simposio, foram
naturalmente abordadas as teses de Bultmann e Marxsen. Visto
que estas se baseiam mais em pressupostos de filosofía do que
na leitura objetiva dos textos do Novo Testamento, os congres-
sistas, atendo-se principalmente á exegese e & historia do Cris
tianismo, houveram por bem reafirmar que «a ressurreigao de
Cristo é um fato objetivo, real, independiante da fé dos discípu
los e anterior a esta». A ressurreigáo quer dizer que o Pai
glorificou — comunicando-lhe vida nova e transcendente — a
humanidad© sagrada de Jesús Cristo.

— 294 —
RESSÜRREICAO DE JESÚS E HISTORIA

E que argumentos poderiam fundamentar essa afirmagáo?

2.1. O cenceito de Messias

Note-se que os judeus do Antigo Testamento nao tinham


o conceito de um Messias que morrena e ressuscitaria. Espera-
vam, antes, a vlnda do seu reino em poder e gloria. Se, nao
obstante, a idéia da ressurreigáo do Messias logo após a sua
morte foi apregoada por Pedro e seus companheiros, parece
lógico admitir que os Apostólos tiveram a experiencia de um
encontró pessoal com Cristo redivivo após a morte na cruz.
Sem esta experiencia jamáis teriam chegado a proclamar que
Jesús ressuscitara dentre os mortos.

Com outras palavras: a idéia ide um Messias nao glorioso,


mas crucificado, era um «escándalo para os judeus» (cf. 1 Cor
1,23). O fato de que os Apostólos a aceitaran!, seria um enigma
se nao tivessem visto Jesús ressuscitado.

Observa-S3 mesmo que os Apostólos, longe de imaginar


que Jesús morto voltaria á vida, perderam o ánimo ao vé-lo
presa de seus inimigos, e fugiram. Quando lhes foi dada a
noticia da ressurreicáo, relutaram para aceitá-la; nao estavam
subjetivamente predispostos a conceber a Vitoria de Cristo
sobre a morts. Fizeram-no, porém, vencidos pela evidencia
objetiva do fato; cf. Jo 20,9.19-29 (episodio de Tomé); Le
24,13-35 (os discípulos de Emaús); Le 24,36-43 (Jesús nega ser
mero espirito, dá a palpar máos e pés).
Em outros termos: quem lé os Evangelhos, observa que as
aparigóes de Jesús nao se dáo após urna expectativa ansiosa
dos Apostólos ou discípulos. Ao contrario, Jesús aparecía de
maneira totalmente imprevista, quando os discípulos menos O
esperavam.

Ñas aparigSes, é Ele, e sámente Ele, quem tem a iniciativa


ou quem vai ao encontró... Jesús também desaparece impre
vistamente, quando os Apostólos desejariam té-lo por mais
tempo consigo. Estes dados tornam inaceitáveis a tese de
Marxsen, segundo a qual as aparigóes de Jesús nao teriam sido
senáo visóes subjetivas — visóes que, após madura reflexáo,
haveriam sugerido a interpretagáo: «Jesús ressuscitou». Segun
do os Evangelhos, os discípulos tiveram experiencia imediata
do Senhor Ressuscitado, que éles puderam identificar com o
Crucificado.

— 295 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

2.2. A pregajáo da Igreja primitivo

Seriam incompreensiveis também o éxito e a fórga per


suasiva da pregagáo dos Apostólos, se, depois de haverem feito
a dolorosa experiencia da Paixáo do Mestre, nao O tivessem
visto realmente ressuscitaido.
Sem o encontró com Cristo vencedor, também nao se ex
plicaría a Cristologia pascoal (ou seja, a doutrina concernente
a Cristo morto e redivivo) da Igreja antiga. Com efeito, os
Apostólos e os primeiros cristáos nao somente se reconciliaram
com a idéia de um Messias padecente, mas também com a de
um Messias ausente que voltará no fim dos tempos. Leve-se
em conta outrossim que, apssar do seu estrito monoteísmo, os
Apostólos no culto sagrado associaram Jesús a Deus Pai, re-
conhecendo-lhe grandeza e dignidade divinas. Nada disto teria
podido ocorrer, se os discípulos nao tivessem visto o Senhor
ressuscitado e se Ele nao vivesse de fato na Igreja nascente
mediante o Espirito Santo prometido aos Apostólos.

2.3. O Apostólo Paulo

A conversáo de Sao Paulo, que de perseguidor se tornou


incansável arauto de Cristo ressuscitado, desenvolvendo ativi-
dade admirável e fecunda, é outro fato que difícilmente se po-
deria entender sem a realidade da ressurreigáo de Cristo.
O próprio Apostólo Paulo atesta em 1 Cor 15,3-5 ter
recebido urna profissáo de fé que testemunha a ressurreicáo de
Cristo em época muito próxima do apregoado acontecimento,
ou seja, pouco depois de sua conversáo: por volta de 35 ou, no
máximo, em 40, estava redigido o texto de 1 Cor 15,3-5, qus
o Apostólo transcreve em sua carta. Éste texto já foi analisado
em PR 93/1967, pp. 381-383; déle se depreende que a profissao
de que Cristo ressuscitou nao é algo de tardio na Igreja ou
algo que se tenha formado paulatinamente por influencia de
falsa mística ou de elementos religiosos orientáis heterogéneos,
mas, sim, algo de essencial na fé dos antigos cristáos.

2.4. O sepulcro vazio

O texto de Me 16,1-8 fala das mulheres que encontraram


vazio o sepulcro de. Jesús na manhá de domingo. A mesma
descoberta foi feita por María Madalena, segundo Jo 20,ls, e
por Pedro, conforme Le 24,12.

— 296 —
RESSURREICAO DE JESÚS E HISTORIA U

Pergunta-se: qual o valor histórico destas narragóes?

Bultmann assevera que «os relatos do sepulcro vazio sao


lendas». Outros autores (mesmo entre os católicos), se nao
falam de lendas, tendem a atribuir ao sepulcro vazio valor se
cundario: julgam que Jesús teria podido ressuscitar mesmo
que seu cadáver tivesse permanecido no sepulcro, pois a res-
surreicáo, para éles, nao significa revivificafiáo de cadáver,
mas, sim, criaeáo de um corpo novo e glorioso; Sao Paulo, em
1 Cor 15, insiste em que o modo de viver do homem ressusci-
tado muito difere do modo anterior á morte.
Ora outros e abalizados estudiosos admitem a realidade
histórica do sepulcro vazio, apelando para as seguintes razóes:
1) Os Evangelhos dáo a entender que Jesús foi sepultado
por José de Arimatéia, homem rico, que se serviu de urna rocha
ainda nao utilizada para tal fim. Por conseguinte, o sepulcro
de Jesús devia estar em lugar conhecido; a visita das mulheres
ao túmulo correspondía bem aos costumes da época.

2) A noticia de que as mulheres encontraram vazio o


sepulcro de Jesús nao pode ter sido forjada pala Igreja antiga;
quem a inventasse, nao teria apelado para dizeres de mulhe
res, já que as mulhisres outrora eram tídas como testemunhas
pouco fidedignas. Refere Sao Lucas que as mulheres, tendo
encontrado o sepulcro vazio, «disseram isto aos Apostólos, mas
suas palavras pareceram-lhes um desvario e éles nao acredita-
ram. Pedro, no entanto, pos-se a caminho, e correu ao sepulcro.
Debrugando-se, apenas viu as ligaduras e voltou para casa,
admirado com o que sucederá» (Le 24,10-12).
3) Os inimigos de Jesús nao negaram que o túmulo esti-
vesse vazio, mas únicamente trataram de explicar o ato por
vias diversas. Eis, por exemplo, o que se lé em Mt 28,11-15:

"Enquanto as mulheres lam a caminho, alguns dos guardas foram á


cldade participar aos principes dos sacerdotes tudo o que havla sucedido.
Estes reuniram-se com os anclaos e, depols de terem deliberado, deram
muito dlnhelro aos soldados com esta recomendagSo: 'Dlzel isto: os seus
discípulos vleram de nolte e roubaram-no enquanto dormíamos. E, se o
caso chegar aos ouvidos do govemador, nos o convenceremos e taremos
com que vos delxe tranquilos*. Recebendo o dlnhelro, files fizeram como Ihes
tinham enslnado. E esta mentira dlvulgou-se entre os judeus até o día de
hoje".

Vé-se, pois, que a tradigáo do sepulcro vazio é histórica


mente bem fundada. Ela tem sentido profundo para os cristáos.
Sim? ela quer dizer que a mensagem da ressurreicáo de Jesús
implica algo mais que o fato de que «a causa de Jesús continua»

— 297 —
n «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 139/1971

(Marxsen). Ela incute que existe continuidade entre o Cruci


ficado e o Ressuscitado; a vida terrestre de Jesús nao foi urna
fase ultrapassada da existencia de Cristo, mas continua pre
sente no corpo do Senhor. O Cristo que ressuscitou, é o mesmo
que morreu na cruz; possui o mesmo corpo, embora de maneira
diversa.

Deve-se dizer também que a ressurreigáo de Jesús, á qual


ninguém assistiu, deixou de si um sinal impressionante na
historia humana: o sepulcro vazio. Eis por que a questáo do
sepulcro vazio nao é secundaria ou pouco importante.
Difícilmente se poderia conceber a ressurreigáo de Jesús
sem o sepulcro vazio. Com efeito; como entender que Jesús
esteja ressuscitado, mas que seu cadáver haja permanecido no
túmulo? Verdade é que a identidad© de Jesús ressuscitado e
Jesús crucificado é assegurada pela alma de Cristo (sempre a
mesma). Mas o homem nao é alma apenas; nem o corpo é mero
revestimento exterior do espirito, mas constituí parte integrante
do ser humano. Daí julgar-se muito conveniente que a mesma
materia corporal em que Jesús padeceu, tenha sido glorificada
mediante a ressurreicáo, dsixando o sepulcro vazio.
Admitindo o sepulcro vazio, Hermann Samuel Reimarus
(1694-1768) levantou a hipótcse de que foram os discípulos
que furtaram o corpo do Mestre para apregoar a sua rsssur-
reigáo. — Ora, tal teoría está ultrapassada. Os Apostólos nao
tinham ánimo para admitir a ressurreigáo do Mestre; muito
menas o tinham para tentar impó-la mediante fraude e embuste.
Ademáis qualquer tentativa de mentira e falsidade da parte
dos Apostólos cedo ou tarde teria sido descoberta pelos judeus
hostis, que haveriam conseqüentemente desprestigiado toda a
pregagáo dos discípulos de Cristo — o que na realidade nao
se deu.

3. Outras tentativas de explicando crítica

Os autores da demítizacáo sao os mais recentes críticos


da nsssurreigáo de Jesús. Negam-na movidos, em grande parte,
por principios de filosofía moderna (existencialismo. sociologis-
mo. racionalismo), associados a consideragóes lingüistico-cultu-
rais. Vé-se. oorém, que atendem mais á sua filosofía que á letra
e ao conteúdo do texto bíblico e á real historia do Cristianismo.
No sáculo passado já se registraram tentativas de negar
a nessurreigáo de Cristo, tentativas, porém, que hoje sao tidas

— 298 —
RESSURREICAO DE JESÚS E HISTORIA 13

como superadas, pois a crítica prefere as posigóes de Bultmann,


Marxsen, Schlette...

Como quer que seja, a título de complemento, referimos


aquí:

3.1. O Cristo sepultado vivo

Karl Friedrich Bahrdt (1741-1792) e Eberhardt Gottlob


Paulus (1761-1851) afirmaram que Jesús foi enterrado aínda
vivo, de modo que, com o odor dos aromas, recuperou conscién-
cia e vigor para se levantar do túmulo. Esta hipótese, recente-
mente aventada de novo pelo Prof. Kurt Berna, estudioso do
Sudario de Turim, é artificial e carece de toda probabilidade,
como se depreende do artigo de PR 119/1969, pp. 464-473:
Jesús morreu realmente na cruz; o golpe de langa desferido
contra o ssu lado após os sofrimentos da Paixáo é suficiente
para gerar tal certeza. De resto, a mortalha de Turim é teste-
munho controvertido, fornecendo base insegura para se recons
tituir a Paixáo do Senhor. Veja-se a propósito, além do artigo
de PR ácima citado, a obra do Dr. Paúl Barbet: «A Paixáo
de Cristo segundo o Cirurgiáo». Sao Paulo 1966.

3.2. A ressurreijao e os mitos orientáis

Certos estudiosos da historia afirmam que as «religióes


de misterio» do Oriente próximo conheciam, no limiar da era
crista, mitos de deuses que voltaram a vida depois de haver
morrido; assim na Asia Menor, Adonis, Astarté, Átis, Cibele;
no Egito, Isis e Osiris... Tais mitos se inspiravam no fato de
que a natureza morre no outono e renasce na primavera se-
guinte. Ora as narrativas evangélicas nao seriam senáo urna
nova edigáo de tais lendas religiosas.

A respeito já saiu um artigo em PR 123/1970, pp. 116-127,


onde se mostra que os deuses da mitología estavam longe de
«ressuscitar» própriamente; a ressurreicáo ou volta da alma
ao corpo nunca foi um ideal, mas, sim, um espantalho para
gregos e orientáis (estes tinham o corpo na conta de cárcere
da alma). Ademáis a ressurreicáo de Jesús nada tem que ver
com os mitos da vegetagáo que morre e renasce.

Leve-se, por último, em conta que a fé se manifestou desde


os primeiros días da Igreja. Ora a Palestina nao era terreno
favorável ao sincretismo religioso; os judeus, mesmo converti
dos ao Cristianismo, eram ferrenhamente infensos aos mitos

— 299 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

pagaos. Para que a infiltracáo de lendas pagas se desse no


Cristianismo, tena sido necessário que éste tivesse tido origem
mun ambiente geográfico e numa populacáo tais como a Siria,
a Asia Menor ou o Egito; além do que, exigir-se-ia notável
espaco de tempo entre a morte de Jesús e a pregacáo de sua
ressurreicáo.

Urna última dúvida ainda merece atengáo neste contexto.

4. Ressurreicóo de Jesús é fato histórico?

As respostas dadas a esta pergunta sao por vézes sutis,


podendo ser interpretadas em sentidos diversos.
Em certas escolas católicas tenvse-lfie dado resposta me
diante distincáo entre «fato diretamente histórico» e «fato
indiretamente histórico».

É dinetamente histórico aquilo que se nos torna accessível


e capaz de ser reconhecido como tal mediante os métodos
próprios da investigagáo histórica: assim a existencia e os feitos
de Carlos Magno, Napoleáo Bonaparte, Beethoven, Schubert...
Indiretamente histórico é o que nao se pode reconhecer
por via direta, mas apenas por reflexáo sobre outros fatos
históricos.

Ora a ressurreicáo de Cristo é tida como um fato nao


diretamente histórico, pois
ninguém a viu; ninguém presenciou Jesús sair do se
pulcro;
Jesús ressuscitado nao voltou a viver a vida dos demais
homens mortais, como Lázaro, mas passou a pertencer a um
mundo novo, impregnado <ía gloria de Deus;
a ressurreicáo de Jesús é um acontecimento escatoló-
gico, ou seja, a antecipacáo do que se dará no fim da historia
com todos os homens.
Eis por que dizem que a ressurreicáo de Cristo nao pode
ser colocada no nivel dos demais feitos históricos; ela se sitúa
além das categorías da historia.
Todavía deve ser tida como fato indiretamente histórico.
Com efeito, refletindo sobre os fatos históricos da morte_ e
sepultura de Jesús, sobre o sepulcro vazio, sobre as apancoes
do Ressuscitado aos discípulos, sobre a fé déstes e das comu-

— 300 —
RESSURREICAO DE JESÚS E HISTORIA 15

nidades cristas primitivas, pode-se ter a certeza moral do fato


da Ressurreigáo. Em outros termos: a ressurreiQáo de Cristo,
embora se tenha dado sem testemunhas e no plano dos acon-
tecimentos milagrosos, deixou na historia os seus sinais ou os
seus rastos a partir dos quais se cria a certeza — certeza
moral, a certeza própria da historiografía — de que Jesús
ressuscitou.

Merece especial atengáo a expressáo «ressuscitou ao ter-


ceiro «lia, confoínne as Escrituras» (1 Cor 15,4). — Para certas
autores contemporáneos, nao haveria aqui indicacáo cronoló
gica, mas apenas urna qualificagáo teológica: a apregoada res
surreigáo de Cristo teria sido concebida pelos Apostólos de
modo que seu pregáo fizesse eco a textos bíblicos antigos, em
particular ao de Oséias 6,2 (que prediz a restauracáo do povo
de Israel tres días após grave humilhagáo).
Ora, é mais natural ver ñas palavras «ao terceiro día»
urna indicagáo cronológica, que coloca a ressurreiQáo em meio
a urna serie de fatos históricos: morte, sepultura, ressurreicáo
e aparicóes. A insistencia da Igreja antiga sobre o terceiro dia
parece revelar a clara intengáo de afirmar que a ressurreicáo
foi um fato realmente histórico, a ponto de se poder indicar
a respectiva data. Tal intengáo é muito clara no discurso de
Sao Pedro proferido em casa do oenturiáo Cornélio:

"Sabéis o que ocorreu em toda a Judéla, a comecar pela Gallléla, depols


do batlsmo que JoSo pregou: como Deus ungiu com o Espirito Santo e
com o poder a Jesús de Nazaré, o qual andou de lugar em lugar, fazendo
o bem... E nos somos testemunhas do que Ele fez no país dos Judeus o
em Jerusalém. A ele que mataram, suspendendo-0 de um madeiro, Deus
ressuscltou-0 ao terceiro dia e permltlu-Lhe manlfestar-se nSo a todo o
povo, mas ás testemunhas anteriormente designadas por Deus, a nos que
comemos com Ele, depols da sua ressurreicáo dentre os morios. E mandou-
-nos pregar ao povo..." (At 10, 37-42).

Como se vé, a ressurreigáo ao terceiro dia é inserida entre


fatos históricos de que os Apostólos e seus ouvintes sao tes-
temunhas.
É verdade que a certeza moral — a certeza da historio
grafía — ainda nao é a certeza da fé. A fé pertence a outro
plano; tem a sua origem e a sua motivagáo decisiva na atragáo
interior que Deus exerce sobre a pessoa aue Ele chama á fé.
Todavia a certeza moral fomece a justificativa á razáo do
homem, fazendo que a adesáo (a fé na ressurreicáo seja um
ato razoável, inteligente, digno, e nao cegó ou infantil, imaturo.
O hotrem do século XX, pois, pode crer na ressurreiQáo
corporal de Cristo sem recear cair no infantílismo ou na mito-

— 301 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

logia. Quem nega a ressurreigáo, fá-lo nao porque ela saja em


si um absurdo ou porque nao naja argumentos que a incutam,
mas talvez por nao ter refletído suficientemente sobre tais ar
gumentos ou quigá por nunca ter sido esclarecido a respeito
dos mesmos. Quem, ao contrario, sem preconceitos, sem negar
de antemáo a possibilidade do milagre, estudar o assunto, per-
ceberá que crer na ressurreigáo de Cristo é atitude correspon
dente as exigencias da razáo, para nao se dizer «altamente
razoável»? cf. PR 134/1971, pp. 63-74.

De resto, quem profiessa as verdades da fé, aos poucos


encontra nessa própria fé a demonstracáo de que nao se en-
ganou; a fé se comprova através da experiencia ou da vivencia
respectivas.

A distíngáo entre «fato diretamente histórico» e «fato in-


diretamente histórico» é aceitável nos termos atrás propostos.
Ela nao implica detrimento ou diminuigáo da realidade histó
rica da ressurreigáo corporal de Cristo.

Bibliografía:

Dentre os numerosos escritos que se vem publicando sobre o assunto,


destacaremos

G. de Rosa, "II Cristiano oggl di fronte alia rlsurrezlone", em "La Clvlltá


Cattolica" de 5/IX/1970, anno 121, pp. 367-377. Traducfio déste artigo se
encontra na revista argentina "Criterio" XLIV, 25/111/71, pp. 142-147.

ídem, "II cristiano di oggl di fronte alia rlsurrezlone di Cristo", Ib.


3/IV/71, anno 122, pp. 3-17.
L. Boff, "A fé na ressurreigáo de Jesús em questlonamento", em REB
XXX, dezembro 1970, pp. 871-895.
P. Cerrutti, "O Cristianismo em sua orlgem histórica e divina". Rio de
Janeiro 1963.
H. Schlier. "Ober die Auferstehung Jesu Christi". Einsiedeln 1968.
X. Léon-Dufour, "Présence de Jésus ressusclté", em "Études", abril
1970, pp. 593-614.
De Surgy, Grelot, Carrez..., "La résurrectlon du Christ et l'exégése
moderna". París 1969.
Ponthot, Hltz, Watte, Llmbaerts, Jéslerskl, "La résurrection du Christ",
Bruxelles 1967.
A. M. Ramsey, "The résurrectlon of Christ".
F. X. Durrwell, "La résurrectlon de Jésus, mystére de saiut". París 1963
(também em traducfio brasllelra).
P. Benolt, "Passlone e rlsurrezlone del Signore". Torino 1S67.
J. Mlchl, "Le problema de Jésus". París 1968.

— 302 — .
ressurreicáo de cristo: que
significado tem para o homem de hoje?

Em sintese: A ressurrelcio de Cristo significa

— a autenticagáo dada por Deus Pal á pregagao e á obra de Cristo.

é o sinal de Joñas, que confirma as palavras e a vida de Jesús;

— restaurado da humanidade e do mundo Intelro no plano de harmonía


concebido por Deus e violado pelo homem. Cristo ressuscltado é a nova
criatura, o segundo Adáo, penhor de que todos os homens, assim como as
criaturas Inferiores, serSo libertas do pecado, da morte e da ruina para
constituirem o reino de Deus e glorificaren! definitivamente o Criador;

— fundamento inabalável da esperance dos cristaos através dos séculos.


Embora os lempos contlnuem marcados pelo odio e a destrulcfio, oles ca-
minham para um desfecho em que a Vida dirá a última palavra. Nutrido pela
Eucaristía (corpo de Cristo glorioso dado ao homem mortal), o crlstao val
preparando um novo mundo; faz-se artesSo da paz, manso, misericordioso,
puro de coracáo, vlvendo as bem-aventurancas evangélicas e testemunhando
a presenca de bens eternos em meló ás realidades temporals.

Resposta: Pergunta-se ás vézss por que motivos a Escri


tura Sagrada e a teología católica dáo tanta énfase á ressurrei
cáo corpórea de Cristo, quando, mesmo sem esta, se poderia
reconhecer a sublimidade da mensagem de Jesús; o Evangelho
teria valor ainda que Cristo nao tivesse ressuscitado corporal-
mente.

A resposta a esta dúvida procederá em duas etapas suces-


sivas ñas páginas seguintes. Supóe, como se compreende, as
reflexóes do artigo anterior déste fascículo, em que se evidencia
a realidade histórica da ressurreigáo de Cristo.

— 303 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

1. Ressurreigáo : autentícaselo de mensagem


1. A ressurreigáo de um defunto (entendida no sentido
estrito e próprio das palavras) é algo que sómente Deus pode
realizar, pois ultrapassa a capacidade da ciencia e da técnica
humanas. A ressurreigáo de Cristo-homem, portante, vem a
ser obra da onipoténcia de Deus Pai, que desta forma quis
confirmar e autenticar a pregagáo de Jesús.
O próprio Senhor, interpelado pelos fariseus a respeito de
sua missáo (pediram-Lhe um sinal), indicou o sinal de sua
nessurreigáo: «Outro sinal nao será dado a esta geragáo a nao
ser o do profeta Joñas. Assim como Joñas estéve no ventre
do cetáceo tres dias-e tres noites, assim o Filho do homem
estará no seio da térra tres dias e tres noites» (Mt 12,39s).
Ésse sinal é táo importante para a mensagem crista que
Sao Paulo chegava a dizer: «Se Cristo nao réssuscitou, é yá a
nossa pregagáo e vá a nossa fé... Se Cristo nao ressuscitou,
é vá a vossa fé e permanecéis ainda nos vossos pecados»
(1 Cor 15, 14.17).

Aos olhos do historiador das Religióes, Cristo sobressai


entre os demais mestres e líderes religiosos nao sómente por
sua sublime doutrina, mas •também por essa cháncela singular
e de máximo valor, a Cristo-'homem concedida pelo Pai: a res
surreigáo. dentre os mortos.

2. Note-se igualmente que a ressurreigáo manifesta em


plenitude quem era Jesús de Nazaré durante a sua vida ter
restre. Jesús se apresentou semelhante aos demais homens em
tudo exceto no pecado (cf. Hebr 2,17; Rom 8,3); conforme
S Paulo, Ele se aniquilou, assumindo a condigáo de escravo
(Flp 2,7). Ora, o misterio de Cristo — Deus feito homem vian
dante na Palestina — se patenteou com a ressurreieáo; a gloria
latente no íntimo de Cristo e fugazmente manÜSestada na trans-
figuragáo tornou-se fúlgida após a ressurreigáo do Senhor.
A luz desta, portante, compreendem-se melhor a vida de
Cristo e os episodios narrados pelos Evangelistas. Alias, o
Evangelho de Sao Joáo de maneira especial realga a transpa
rencia dos feitos de Jesús e seu relacionamento com a ressur
reigáo final. Assim, por exemplo, ao descrever o primeiro
milagre ou sinal de Cristo — a conversáo da agua em vinho
ñas bodas de Cana — nota o Evangelista que Jesús désse modo
«manifestou a sua gloria» (Jo 2,11). — A morte de Jesús, des
concertante e escandalosa para os discípulos, foi iluminada pela
vitória final: essa morte apresentou-se como via que leva á

— 304 —
RESSURREICAO DE CRISTO E HOMEM DE HOJE 19

vida como instrumento de Redengáo. É morte envolvida em


um designio salvífico do Pai: «Jesús comegou a ensillar aos
Apostólos que o Filho do Homem devia padecer mvüto e ser
entregue á morte» (Me 8,31).

Outro aspecto do tema aínda se impóe a nossa reflexáo.

2. Ressurrei$5o «te Cristo : fonte de esperanza

A ressurreicáo do Senhor é outrossim fonte de esperanca


para os homens e para o mundo inteiro. Com efeito,

a) Para as homens... A natureza humana de Jesús, ven-


cendo a morte, tornou-se primicias de urna humanidade nova
e glorificada.

O homem e o mundo anteriores a Cristo estavam marcados


-pela agáo do Pecado e da Morte (que Sao Paulo personifica
lusitanamente; cf. Rom 5,12-21; 6,2.10.12). Ora, Cristo na cruz
venceu ésses elementos em nosso favor; Ele mesmo, tendo vol-
tado a vida como novo homem, jé. nao morre; a Morte nao
tem mais dominio sobre Ele (Rom 6,9). Também os homens
sao doravante dotados de um penhor de Vitoria sobre a Morte;
«Cristo destruiu pela sua morte aquéle que tinha o imperio da
morte, isto é, o demonio, e libertou aqueles que, pelo temor da
morte, estavam toda a vida sujeitos á escravidáo» (Hebr 2,14s).
Cristo ressuscitado tornou-se a «nova criatura» (2 Cor 5,
17). Atualmente pelo Batismo Ele comunica aos homens urna
sementé dessa sua vida nova (cf. Rom 6,4-6). Esta vida, con
forme Sao Paulo, se desenvolve no Espirito Santo, cu seja, num
plano superior, sob a mogáo delicada e eficiente do Espirtio
Paráclito (= Consolador e Advogado) enviado por Cristo (cf.
Rom 7,5; 8,9; Jo 15,26). Essa vida aos poucos deve desabrochar
dentro de nossos corpos moríais, dirigindo todos os atos do
cristáo, preparando-os assim para a ressurreigáo final e a plena
configuracáo com Cristo.
Eis, porétn, que nao sómenta os homens sao beneficiados
pela ressurreicáo de Cristo. Algo de análogo se dá também
b) Em favoír do mundo inteiro... Sao Paulo ensina que
o pecado idos primeiros pais submeteu o mundo material á
vaidade; as criaturas inferiores ao homem sao freqüentemente
utilizadas para a desordem e a ofensa a'Deus, em vez de con
correr com o homem para a glorificacáo do Criador (cf. Rom
8,15-22).

— 305 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 139/1971

Ora Cristo, abrindo para o homem as perspectivas de urna


re-criacáo, proporcionou também ao mundo inferior um prin
cipio de renovagáo. O Apostólo afirma que as criaturas irra-
cionais, arrastadas pelo homem na queda, seráo também soli
darias com ele na consumagáo final: personificando-as, Sao
Paulo assevera que elas aguardam, em ansiosa expectativa, a
manifestacáo gloriosa idos filhos de Deus (cf. Rom. 8,19-22).
Embora nao se possa descrever com precisáo qual será a sorte
final do mundo material que nos cerca (as Escrituras falam
misteriosamente de céus novos e térra nova; cf. 2 Pe 3,13),
pode-se dizer que a ressurreigáo de Cristo é o inicio de restau-
ragáo de todo o mundo material no servigo e no louvor ao
Criador. No fim dos tempos, Cristo, voltando como Juiz, ven
cerá definitivamente a" última inimiga (ou seja, o último res
quicio do Pecado) — a Morte— e entregará o reino a Deus
Pai, a fim de que Deus seja tudo em todos (cf. 1 Cor 15,24-28).

Conscientes destas verdades, os cristáos concebem e revi-


goram constantemente a sua esperanga através dos séculos; *
éles sabem que a historia caminha nao para a vitória do
Pecado e da Morte, mas, sim, para o contrario, ou seja, para
a destruigáo do mal e a implantagáo do Amor e da Vida entre
os homens que aspirem a tais bens. Os séculos que decorrem
entre a ressurreigáo e a segunda vinda do Senhor, estáo prenhes
da «potencia ida ressurreigáo» (cf. Flp 3,10), a qual vai agindo
no mundo á guisa de fermento vital. Essa potencia da ressur
reigáo ou ésse penhor de vitória sobre a morte se comunica a
cada ser humano mediante o Batismo e principalmente a S.
Eucaristía; pela comunháo eucarística, o cristáo recebe em seu
corpo mortal o corpo glorificado de Cristo, a fim de que éste
sejá penhor de que as dores e a morte do cristáo seráo, como
as de Cristo, passagem para a vida eterna. A cruz já nao é
patíbulo de ignominia, mas árvore de vida, para a visáo da fé.
Nao há dúvida, as reflexóes otimistas do cristáo sobre a
historia nao o impedem de reconhecer que a existencia dos
homens sobre a térra é dolorosa, marcada muitas vézes pelo
odio, as rivalidades e as guerras. Todavía ésses males nao sao
suficientes para langar o desanimo no discípulo de Cristo. Muito
ao contrario, revigorado pela Eucaristía, o cristáo procura
viver as bem-aventurangas evangélicas; tenta ser um artesao
da paz, onde há rixas;... mando, onde há violencias e brutali-
dade;... pobre em espirito (desprendido e simples), onde há
opressáo;... misericordioso, onde há rancor e odio;... puro
fle comea», onde há degradagáo e deboches sensuais (cf. Mt
5.3-12. Assim é que, a partir da ressurreigáo de Cristo comu
nicada pelos sacramentos ao cristáo, se pode formar dentro

— 306 —
RESSURREICÁO DE CRISTO E HOMEM DE HOJE 21

dos moldes de um mundo velho e contaminado uma nova Cidade


marcada pelo amor e a justica. Em suma: dado que Cristo
ressuscitou, o homem de hoje ainda pode crer e esperar na
eficacia definitiva e irrefragável do amor.

Eis em breve sintese o significado da ressurreigáo de Cristo


no conjunto da mensagem do Evangelho e no diálogo entre os
cristáos e o homem de hoje interrogativo e sequioso.

0 grande líuro de Dietrich uan Hilde-


brand, best-seller na Franca e na Ríe-
manha, agora em edicaa brasileíra.
"É um Mvro de saúde e
cólera. Nele, encontramos
a marca de um Péguy,
de um Chesterton, de um
Bernanos. É preciso, de
terñpos em tempos, que
um forte sópro varra
os escombros e Umpé a
paisagem."
Cardeal Daniélou

Preco Cr$ 16,00


Adquira na livraria de sua
preferencia ou diretamente
na Livraria AGIR Editora,
rúa México, 98-B,
Rio de Janeiro.

— 307 —
horóscopo sempre em foco:
Rapto do Embaixador Bucher predito pela Astrologia ?

A guisa de introdugáo no tema, vai aquí transcrito um


texto que se á'cha na. revista «Fatos & Fotos» de 4/Ü/1971, p.
15, juntamente com tres fotografías:

' •'■• O ASTRÓLOGO DE BUCHER — "A equipe astrológica de


■FéF (fotó maior) rejubila-se com a retumbante Vitoria de seu
integrante Cicero Sandroni (de turbante), que, com apenas
um breve estágio no Oriente, deu um baile em seus colegas
Ramath e Ornar Cardoso (abaixp), prevendo com precisáo
su fea o que acontecería ao Embaixador Bucher. O horóscopo
de Cicero, a estas alturas, já foi transcrito nos principáis jor-
nals do mundo, e mais urna vez a Europa curvou-se ante o
Brasil. Cicero, agora conhecido como "o Mario Vianna do
astral" (falou tá talado), será homenageado pela classe com
um zodfaco-dancante na Estudantina, quando receberá o Tro-
féu Nostradamus. Seráo servidos o coquetel Capricornio e
batida de Escorpiáo. Virgem nao entra".

Em síntese: O horóscopo é a tentativa de definir características da


personalidade e principalmente da vida de alguóm a partir da poslcao que
os astros tenham tldo por ocasISo de seu nasclmento.
Acontece, porém, que o sistema astronómico su posto pelos cuttores do
horóscopo está totalmente ultrapassado (o horóscopo comecou a ser culti
vado no tempo do geocentrismo, Inclulndo o sol entre os planetas); as
correcSes que se Ihe tenham feito, nao sanelam os vicios radicáis de toda
essa "arte". Nfio há anel que envolva a térra e onde se encontram as casas
ou os slnais do zodiaco. ■

— 308 —
HORÓSCOPO E EMBADCADOR BUCHER 23

Se os astros tém alguma Influencia s6bre os aconteclmentos do nosso


plan6ta (condicSes climatéricas e posslvels repercussdes na psicología dos
homens), tal Influencia nunca extingue a liberdade do homem; éste é nor
malmente responsável por seus atos e sua sorte. — Todavía pode-se reco-
nhecer que os oráculos do horóscopo sugestlonam certas pessoas a ponto
de Induzl-las a praticar.o que o horóscopo Ihes predlz; a pessoa age entfio
como se tivessé de agír na direcfio indicada pelo oráculo.

Comentario: Constantemente em nosso mundo civilizado


vem á baila o horóscopo, que a imprensa escrita e o radio
exploram com intsrésse, e murtas pessoas consultam, ora com
maior, ora com menor credulidade.

A propósito já foram publicados dois artigos em PR; cf.


16/1959, pp. 146-153 (exposigáo direta do assunto) e 116/1969,
pp. 329-341 (crengas e crendices em geral). Abaixo voltaremos
ao tema, a fim de acrescentar novos dados ao que já foi
proposto.

1. Astrologia e horóscopo que sao?

1. Astrologia é a arte de predizer o futuro mediante a


observacáo dos astros e a interpretagáo de suas posicSes na
órbita celeste. Essa interpretagáo se faz segundo criterios filo-
sófico-religiosos.
Embora até o fim da Idade Media astrologia e astronomía
tenham sido cultivadas conjuntamente, elas se distinguem urna
da outra. A astronomía observa os astros, e, mediante cálculos
matemáticos, leis de física e de lógica, val penetrando ñas rea
lidades distantes do espago e prediz fenómenos cósmicos, per-
manecendo sempre no setor da ciencia estrita (por isso é dita
«astrologia natural ou meteorológica»). A astrologia, ao con
trario, apela para crengas religiosas e místicas que nao estáo
sujeitas ao controle da razáo; é também chamada «astrologia
judiciária», porque pretende julgar o temperamento pessoal e
a futura sorte dos homens.
Horóscopo (do grego horoskópos) designa a arte de obser
var (skopein) a posigáo dos astros por ocasiáo (hora) do
nascimento de urna enanca. O momento preciso da natiyidade
e a respectiva configuragáo dos astros sao tidos como impor
tantes para se descrever a futura sorte do individuo.
2. Os primeiros astrólogos de que nos fale a historia,
sao os caldeas da Mesopotámia, por volta de 2500 a. C. Con-
sideravam os astros como seres dotados de vida e inteligencia;
seríam mesmo deuses, cada um dos quais tinha suas disposigóes

— 309 —
24' «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

moráis, benéficas ou maléficas; cada astro trazia o nome de


urna divindade da mitología. Na biblioteca do rei babilónico
Assurbanipal (668-626 a.C), por exemplo, encontraram-se ta-
buínhas cuneiformes portadoras de oráculos astrológicos, dos
quais eis um espécimen: «Mercurio está visível. Quando Mer
curio é visível no mes de Kasleu, há ladróes no país».

E por que tal predigáo?

Porque, segundo a mitología, Mercurio roubou a espada


de Marte, o tridente de Netuno, o cinturáo de Venus, o cetro
de Júpiter, os bois día Apolo!

Nos séculos VI/V a.C, a astrologia se propagou da Babi


lonia para a Pérsia, a India e o Oriente greco-romano.

Na Magna Grecia (Italia Meridional), Pitágoras (t 496


a.C.) atribuiu influencia capital as constelagóes ou as figuras
oriundas do agrupamento de estrélas. Matemático e geómetra,
Pitágoras via nos números e ñas figuras a explicagáo de todas
as coisas; julgava, pois, que as figuras tragadas na abobada
oeleste pelas estrélas desempenhavam papel importante no de
senrolar da historia do nosso planeta.

Foi, porém, o astrónomo e geómetra Claudio Ptolomeu


(séc. II d.C), helenista nascido no Egito, quem desempenhou
papel decisivo no estudo científico-religioso dos astros. A astro-
logia até hoje, na sua procura de perceber e entender a lingua-
gem dos astros, seguiu os principios e os conceitos formulados
por Ptolomeu!

3. Vejamos, pois, as grandes nogóes que inspiraram a


astrologia até nossos dias.

Supóe-se a térra no centro do nosso sistema planetario. Sete


planetas a cercam:

o Sol, a Lúa, Júpiter e Venus (planetas benéficos);

Saturno e Marte (planetas maléficos).

— 310 —
HORÓSCOPO E EMBAIXADOR BUCHER 25

Dos planetas, alguns sao quentes, outros fríos; alguns secos,


outros úmidos; alguns masculinos, outros femininos.1 Cada qual
exerce sobre os homens urna determinada influencia física, fi
siológica ou mesmo psicológica.

A posicáo dos planetas na abobada celeste desempenha


papel de grande peso. Cada hora do dia está sob o reinado ou
o dominio de um planeta. Saturno, por exemplo, reina na pri
meira hora do sábado (daí dizer-se em inglés «Saturday»);
Júpiter, na segunda; Marte, na terceira; a seguir, vém o Sol,
Venus, Mercurio, a Lúa. No domingo a primeira hora do dia
era tida como colocada sob o signo do Sol (daí os nomes
«Sunday» em inglés; «Sonntag», em alemáo). A segunda-feira
teria a sua primeira hora sob o reinado da Lúa (dai os designa-
tivos «Monday, Montag, lundi, lunedl, lunes...»). Terca-feira
comecaria sob o patrocinio de Marte (donde «mardi, martedl»);
quarta-feira, sob o de Mercurio (donde «mercredi, mercoledl,
miércoles»); quinta-feira, sob o de Júpiter (donde «jeudi, gio-
vedi»); sexta-feira seria o dia regido por Venus (donde «ven-
dredi, venerdi»)...

Ao planeta reinante na hora em que urna crianca nasce,


a astrologia atribuí papel primordial no decorrer de toda a vida
dessa pessoa. Todavía a influencia de um planeta, pode ser
modificada ou mesmo anulada pelos sinaís do Zodíaco.

4. Que vem a ser, pois, o Zodíaco?

Imagine-se urna faixa ou um anel que cerque a térra: essa


faixa estende-se 8«,5 ácima e 8»,5 abaixo da eclíptica.2 Nessa
faixa — digamos — movem-ss o Sol, a Lúa, os planetas maiores
e grande parte dos menores.

A circunferencia désse anel imaginario (360») é dividida


em doze segmentos (cada qual de 30»). Em cada um désses
segmentos existe um compartimento chamado «casa do horós
copo». Tais compartimentos tém um símbolo ou um sinal pró-

i"A lúa é fría e magnética... Mercurio é ativo e seco... Venus é


quente e úmida... Marte é quente e seco... O sol é o reí do céu, mas
nem sempre um astro benéfico" (Arme Oumo Osmont, "Ciarles sur l'occul-
tlsme". París 1927, pp. 138s).

2 Eclíptica em astronomía é o círculo da esfera celeste que corta o


Equador, formando com ele um ángulo de 23° 28', e que corresponde á
órbita aparente do sol em volta da Térra.

— 311 —
26 «PERGUNTE E RESFONDEKEMOS> 139/1971

prio; ésse símbolo é o da constelagáo com a qual cada compar


timento estava relacionado segundo os astrólogos de 2.000
anos atrás.

Os doze símbolos assim concebidos constituem os famosos


sinais do zodíaco (do grego zódfon, figura de animal ou de
vívente), que assim se denominam:

1. Carneiro (Ariete) 7. Balanga


2. Touro 8. Escorpiáo
3. Gémeos (Irmáos) 9. Arqueiro (Sagitario)
4. Cáncer (Caranguejo) 10. Capricornio (cabra com
5. Leáo cauda de peixe)
6. Virgem 11. Aquário
12. Peixes

Os sinais do zodiaco, reunidos em grupos de tres, corres


ponden! as estagóes do ano, de tal sorte que a primavera abran-
ge Carneiro, Touro e Gémeos. Ver figura á pág. 3 déste fascículo.

Cada um dos sinais do zodíaco significa, por sua vez, um


aspecto ou urna situagáo de vida da pessoa. Imaginiem-se agora
as múltiplas combinagóes possiveis dos sete planetas com os
doze sinais do zodiaco; cada urna dessas combinagóes vem a
ser um oráculo do destino, que marca decisivamente o temps-
ramento e o curriculo de vida da pessoa que nasce sob a sua
hégide. Deve-se ainda observar que cada qual dos sete planetas
tem, dentre as doze casas do horóscopo, a sua própria, na qual
o astro é mais enérgico e a partir da qual pode exercer influ
encia mais eficaz do que ñas outras casas.

Os planetas se relacionam com as diversas partes do orga


nismo humano segundo a seguinte tabela:

Saturno influencia a orelha diréita, a bexiga, o bago, a


pituita, os ossos.

Júpiter: o sentido do tato, os pulmóss, as arterias, a se


menté vital humana.

Marte: a orelha esquerda, os rins, as veias, os órgáos ge-


nitais.

Venus: o odorato, ó figado, a carne.

— 312 —
HORÓSCOPO E EMBADCADOR BUCHER 27

Mercurio: a inteligencia, a língua, a fala, a bilis, o assento.

O Sol: os olhos, o cénebro, o coragáo, os ñervos, a parte


direita do corpo.

A Lúa: o paladar, a garganta, o estómago, o abdomen, o


útero, a parte esquerda do corpo.

Estes dados, singulares ou surpreendentes, podem ser com


pletados pela indicagáo das fungóes de alguns dos comparti
mentos ou casas do horóscopo:

Casa n (associada a Touro e a Venus): descobre-se ai tudo


que diz respeito aos bens materiais, as riquezas (lucros e per-
das), ao trabalho, aos negocios, aos bens movéis. Interessa
especialmente aos banqueiros, empresarios e as pessoas preo
cupadas com sua situagáo financeira. — Influencia o pescogo
e a garganta.

Oasa m (Gémeos): Informa a respeito de irmáos e irinás,


primos irmáos, consanguíneos ou aftns. Também responde ao
que se refere a deslocamentos, transferencias, mensagens di
versas, relagóes de sociedade.

Interessa a quem lida com transportes, correio, radio, bi


bliotecas e instrugáo. Tem influencia sobre os ombros, os bragos
e as máos.

Gasa XII (Peixes): Fornece indicagóes sobre os inimlgos,


principalments secretos, os odios, as traigóes, as perseguigóes,
as calúnias... Admoesta a respeito de futuras denuncias, pro-
cessos, quedas, mordidas de caes raivosos. Comunica as dificul-
dades que se preparam sem que o saibamos, revela os pangos
de decepgáo, de pobreza. Tal é a casa das desgragas! Toca de
perto as prisóes, os hospitais, os asilos... Exeras influencia
sobre os pés.

Esta é urna amostragem muito sumaria do que a astrologia


tem para dizer ao público. A linguagem dos astros, segundo
os astrólogos, é prodigiosamente rica e variada; éles revelam
urna multídáo de cóisas, entns as quais as datas favoráveis para
empreender viagens por térra, por mar, pelo ar; para comprar
carro, casa, roupa, calgado, mobilia...; para fabricar doces,
produtos em conserva; para pintar, para por as galinhas a
chocar, etc. Certos fenómenos de maior envergadura sao, por
vézes, apontados pelos oráculos: escándalo na corte de um

— 313 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

rei, luto nacional, catástrofe ferroviaria, terremoto, explosóes,


desoobertas arqueológicas, etc.

Verdade é que nem todos os astrólogos, tratando da mes-


ma pessoa ou do mesmo assunto, concordam entre si. Muitas
vézes caem até em contradigáo. Os próprios códigos para in
terpretar os sinais do zodíaco ou do horóscopo nao convergem
sempre isfntre si, mas, ao contrario, freqüentemente se destroem
uns aos outros.

Procuraremos agora avaliar os principios e as práticas


da astrologia.

2. Consultar horóscopo : sim ou nao ?

Urna reflexáo serena sobre o assunto leva a dizer decidida


mente:

2.1. Nao!

E por que nao?


Eis as razóes que vém ao caso:

a) Os pressupostos da astrologia e do horóscopo estáo


tdflos ultrapassacfos. Com efeito, a astrologia baseia-se na cos
mología geocéntrica de Ptolomeu: conta sete «planetas» apenas,
entre os quais é enumerado o Sol!' Hoje conhecemos mais pla
netas e nossa visáo do grande cosmos se alterou profundamente
com o heliocentrismo.

A existencia das casas? do horóscopo ou dos comparti


mentos do zodíaco é algo de totalmente arbitrario e irreal.

Os sinais do zodiaco nao sao unidades cosmológicas,


mas sao estrélas separadas urnas das outras por vastos mundos
ou sistemas.

De modo' geral, as figuras, os sinais, as casas, os ángulos


com que lida a astrologia, só existem como tais na imaginagáo
do homem. O retartgulo da «Grande Urso» só existe na retina
do homem e nao na realidade do espaco; as estrélas que popu
larmente parecem próximas e relacionadas entre si, muitas
vézes nao estáo no mesmo plano nem á mesma distancia de nos.

Mais ainda: há cérea de dois mil anos a passagem do


Sol pelo ponto vernal (inicio da primavera) coincidía com a

— 314 —
HORÓSCOPO E EMBAIXADOR BUCHER 29

entrada do Sol no compartimento correspondente á constelagáo


do Cameiro. Mas verifica-se que o ponto vernal retrocede sobre
a eclíptica segundo o ritmo de 50" ,26 por ano, ou seja, de 30»
(um sinal do zodiaco) em 2.150 anos. Nos tempos atuais,
quando se inicia a primavera, o Sol já ultrapassou a metade
da constelagáo dos Peixes, mas continua-se a dizrar que ele entáo
entra na casa do Cameiro. Existe, pois, urna defasagem entre
os nomes das pretensas casas do zodíaco e os nomes das
constelagóes correspondentes. Seráo necessários 25.790 anos
para se restabelecer a coincidencia entre essas pretensas casas
e as constelagóes de que tiram o nome.

Com outras palavras: o sinal do Cameiro corresponde hoje


nao á constelagáo do Carneiro, mas á constelagáo dos Peixes.
Por conseguinte, a pessoa a quem os astrólogos dizem: «Vocé
nasceu sob o signo do Cameiro!», na verdade foi, ao nascer,
irradiada pela constelagáo dos Peixes. Nao obstante, dar-se-lhe-á
o horóscopo do Cameiro! Esta verificagáo por si só evidencia
quáo pouco científica ou quáo anticientífica vem a ssr a ho-
roscopia.

— Por último, hoje sabe-se que os astros existentes no


cosmos sao quase inumeráveis; conhecem-se interferencias dos
rmesmos no espago e nos planetas que outrora se ignoravam.
É notorio também o fato de que os astros modificam incessan-
temente a sua posigáo no .espago. Por que entáo a astrologia
leva em conta a influencia de urna constelagáo apenas?

É por ser anticientífica (dada á fantasía exuberante e


primitiva) que a astrologia nao encontra aceitagáo por parte
dos astrónomos ou dos homens de ciencia. Estes, ao desoobrirem
mais e mais a existencia, a distancia, a composigáo, as trans-
formagóes e atividades dos planetas e das estrélas, verificam
que as afirmagóes dos astrólogos sao arbitrarias ou mesmo
falsas.

Leve-se em consideragáo o testemunho de Paúl Couderc,


astrónomo do Observatorio de París, que, depois de haver es-
tudado cuidadosamente o assunto, escreveu o livro «L'Astro-
logie» (colegáo «Que sais-je?»), onda se lé:

"NSo existe em nossos dias na térra um só astrónomo, grande ou


pequeño, que acredite na astrologia. Nao tenho a Intencáo de me refugiar
no principio de autoridade, mas a unanlmldade dos dentistas que conhecem
o cosmos ó um falo que tem seu valor. Em número de alguns mllhares,

— 315 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 139/1971

munidos de poderosos melos de Inveatlgacfio, ávidos de encontrar novida-


des, e encontrando-a» realmente todos os dias, os astrónomos, com pteno
conhectmento de causa, opdem á astrologia urna total Incredulldade, e aos
charlataes que déla se servern, urna hostilidad» declarada...

Ate a Idade Media nao houve astrónomos — e de fama — que pratl-


cavam a astrologia? Por que seus sucessores abandonaran) o comercio?
i A resposta é evidente: os progressos da ciencia convenceram-noo da falsl-
dade da doutrfna astrológica" (ob. clt. p. 52).

A Sociedade Internacional de Astronomía («Astronomische


Gesellschaft»). num congresso realizado em Bonn (1949), pu-
blioou a seguinte declaragáo:

"Em nossos días, o que se chama Astrologia, Cosmobiología,... nao


e senfio urna mistura de superstlcao, charlatanismo • comercio. Por corto,
nam todos os astrólogos se limitan» a fornecer Impressos padronlzados, em
que se encontram anállses do cariter ou conselhos rotativos a tfldas as
situacfies da vida. Exlstem circuios astrológicos que opOem a essas tollces
a sua próprla astrologia pretensamente seria. Mas nem ésse tipo de astro-
logia pode lomecer a prova de que seja urna ciencia e de que seus métodos
sefam científicos... As predicóos quo por acaso se tenham cumprldo, nSo
derrogam a este Jufzo... A astrotogla nfio passa de um sistema de regras
aceitas arbitrariamente".

Outra categoría de dentistas — os psicólogos — deram


testemunho semelhante. Com efeito, a Sociedade Americana de
Estudos Psicológicos publicou em 1940 a seguinte declaracáo:

"Os psicólogos nSo véem Indicio de que a astrologia seja de algum


valor para Indicar o paseado, o presente ou o futuro, para revelar a vida
ou o destino de quem quer que seja".

b) Basta examinar de perto os oráculos do horóscopo para


verificar como sao superficLais, genéricos ou mesmo corriquei-
ros: suas recomendagóes poderiam dirigir-se a qualquer pessoa
em qualquer época do ano (cuidado com a saúde, prudencia nos
negocios, boa sorte no amor, coragem ñas depressóes psíqui
cas...).

É interessante comparar entre si os periódicos portadores


de horóscopos: verifica-se entáo que nao sómente nao coincidem
entre si, mas as vezes sé contradizem mutuamente.

— 316 —
HORÓSCOPO E EMBADCADOR BUCHER 31

Quando acertam, acertam por se basearem em leis de


valor global e estatístico ou em normas de bom senso.

Também se pode observar que o horóscopo produz no seu


destinatario urna sugestáo — sugestáo esta que o poderá, talvez
inconscientemente, induzir a realizar aqirilo que lhe foi predito.
Com efeito, urna pessoa convicta de que em tal ou tal data lhe
acontecerá urna desgraca, ou será vítima de um desastre ou
de urna molestia, pode assumir um corportamento tal que de
fato ésse mal lhe sobrevirá; tal pessoa passa a viver em funcáo
de um quadro irreal, que ela, por seu comportamento artificial,
torna real. Tal é o poder da sugestáo e da auto-sugestao. Os
homens sao vítimas destas mais freqüentemente do que julgam;
nao tendo consciéncia de que estáo sendo sugestionados, nao
podem resistir ao artificio.

c) É preciso realcar que nao) existe fato, destino ou fórca


oega algoma capaz de oonstranger a liberdade do bomem. Nao
há associagáo ou vinculo entre a livre vontade do homem e o
deslocamento das estrélas. No sistema geocéntrico dé Ptolomeu,
talvez se pudesse admitir a dependencia do homem em relacáo
aos astros, porque se julgava que a térra (e, em última análise,
o homem) era envolvida pelos astros. Os antigos eram propen
sos ao fatalismo cegó. Hoje em dia em virtude das viagens
espaciáis, após tres alunissagens, os «mitos do espaco» tendem
a se dissipar mais e mais.

d) Aceitar o horóscopo significa renunciar a sa razáo e


a refléxáo. É dar-se a crendice e á superstigáo. Ora, mesmo
frente as realidades trancendentais ou místicas o homem jamáis
deve abdicar de sua razáo: é preciso que ele indague os motivos
para crer e os julgue criticamente, a fim de nao se entregar
ao désarrazoado ou irracional. A verdadeira mística está na
linha das grandes intuigóes da inteligencia humana; ela resiste
ao mais severo exame das ciencias exatas e dá filosofía humana.

Como quer que seja, a voga da astrologia e do horóscopo


em nossos dias tem seu significado positivo: é um sinal de
quanto, em pleno sáculo da técnica, o homem está aberto para o
Misterio, que, em última análise, é Deus. É o senso religioso e
místico do cidadáo do século XX que assim se manifesta: ape
nas seria para desejar que a alma religiosa de nossos semelhan-
tes fósse mais esclarecida e sadiamente nutrida.

Impóe-se agora

— 317 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

2.2. Urna concessáo legítima

Nao se pode negar que os astros exercem alguma influen


cia sobre a térra. É certo, sim, que o estado do sol, com suas
erupgóes pujantes, e que as fases da Lúa podem de certo modo
repercutir nos acontecimentos físicos (mares, pressóes, depres-
sóes atmosféricas), biológicos e até psicológicos; as estagóes do
ano, o bom ou mau tempo nao deixam de se fazer sentir favo-
rável ou desfavorávelments sobre a psicología humana, alteran
do o seu estado nervoso e as suas disposigóes para o trabalho.
Seria váo, porém, admitir que tais influencias extingam,
via de regra, a liberdade de arbitrio do homem.

Bibliografía:

Réginald Omez, "L'occultisme devant la science". París 1963.


ídem, "Est-ll vral que les astres ne mentent jamáis?"
Alee Mellor, "Cathollques d'aujourd'hul et selences oceultes". París 1968.
Johannes Fasbender, "Astrologle", em "Sacramentum Mundi" I. Frelburg
im Brelsgau 1967, cois. 356-358.

M. Gauquelin, "Les hommes et les astres". París 1960.


K. Puker, "Psychologie des Aberglaubens". Heldelberg 1948.

A NOSSOS AMIGOS,

LANZAMOS INSTANTE APELO NO SENTIDO DE QUE


SALDEM QUANTO ANTES OS DÉBITOS FINANCEIROS
QUE TENHAM PABA COM PR. O AUMENTO DAS TARD7AS
POSTÁIS NOS OBRIGA A PEDIR TODA A SOLICITUDE
PARA COM A ADMINISTRAgAO DA REVISTA.
ATÉ HOJE NAO SUSPENDEMOS A REMESSA MEN-
SAL A QUEM NAO TENHA PAGO A ANUIDADE 1971.
ESPERAMOS NAO SER OBRIGADOS A FAZÉ-LO.

GRATOS PELO DIALOGO QUE OS LEITORES EM-


PREENDAM COM A REDA£AO DE PR.

E. B.

— 318 —
"a danca dos orixas"
de Francisco Sparta S.J.

Em slntese: O P. Francisco Sparta considera os cultos religiosos afro-


-brasileiros com benevolencia, procurando "compreender néles tudo que
possa ser compreendldo": exalta, pois, o senso religioso do homem negro
e a índole espontánea (ou mesmo artística) de suas manlfestacSes religiosas.
Julga que os "país e filhos de santos" sao cristSos slncretistas ou adeptos
de um monoteísmo diluido: Em conseqüéncla, pensa que a teología católica
poderla encarar com nova compreensio de valdres os cultos afro-brasilelros.

Na verdade, o P. Sparta tem razSo ao realcar o profundo senso religioso


do homem negro. Parece, porém, jue nao se pode dizer que o candomblé e
o xangd sejam formas monoteístas de rellglfio; nem os adeptos dessas
crencas podem ser tidos como crlstáos (multas yezes mesmo, éles nSo fazem
questáo disto). Devem-se reconhecer os valdres artísticos africanos que se
exprimem no candomblé e no xangd (poderiam talvez alguns ser aprovelta-
dos em certas assembléias litúrgicas católicas). Mas nSo se pode esquecer,
como nota o próprio Padre Sparta, que os cultos afro-brasilelros sfio fonte
de allenacáo e obscurantismo Intelectual, fomento de doencas psíquicas e
freqüentemente clima de perversdes sexuais. A medicina e o bem comum
estSo Interessados em que os "país de santos" sejam esclarecidos e delxem
de ceder ¿s suas prátlcas, as quals representara urna rellgiosidade Inferior,
"opio do povo", e nSo a auténtica Retlgifio.

O livro do P. Sparta é bem documentado e de leitura multo agradável,


mas parece ambiguo em suas poslcSes e conclus6es.

Comentario: O P. Francisco Sparta, da Companhia de Je


sús, é um grande estudioso das manifestagóes religiosas das
populagóes africanas e afro-brasileiras. De origem italiana,
estéve dez anos na África e já se encontra no Brasil há cinco
anos. Entre nos, tem realizado pesquisas sobre os cultos afro-
brasileiros (C.A.B.), principalmente na Bahía (onde se pratica
o candomblé) e em Pernambuco (regiáo do xangó). De posse
de rica documentacjio, escreveu o livro ácima, em que procura

— 319 —
34 «PERGUNTE E RESFONDEREMOS> 139/1971

estudar o senso religioso e as atitudes que caracterizam tais


cultos; compara-os com elementos religiosos atestados pela Bi
blia e pelos pensadores gregos antigos (Esquilo, Eurípedes, Pla-
táo, Aristóteles, Plotino...). Termina seu estudo, deixando al-
gumas interrogagóes abertas: nao poderia a Igreja Católica no
Brasil aproveitar em sua Liturgia as expressóes dos cultos
afro-brasileiros? Nao poderia mesmo reformular seu clássico
modo de considerar tais cultos, realgando néles urna serie de
pontos positivos? Como procedería hoje o Apostólo Sao Paulo,
caso realizasse sua missáo em meio aos afro-brasileiros?

Ao laucar tais perguntas, o autor é movido principalmente


por intengóes pastorais, ou seja, pelo desejo de aproximar da
verdadeira fé os freqüentadores do terreiros.

Ñas páginas seguintes, procuraremos por em realce os


principáis tragos do livro de Sparta, a fim de ponderar melhor
as suas interrogagóes.

1. «A Danga dos Orixás»

Merecem especial atengáo quatro tópicos do livro:

1.1. Motiva$oo do culto afro-brasileiro

O autor propóe com minucias as observagóes que concebeu


ao freqüentar celebragóes de candomblé e xangó; descreve par
tes do respectivo ritual e a mentalidade dos adeptos. Relata
também o teor de entrevistas que teve com país e máes do.
santo:

"A mlnha pergunta: 'Por que o Sr. (a Sra.) entrou neste culto?', 90%
dos mals de duzentos entrevistados responderán)! 'Estava doente'... Mullos
comecaram a consultar um pal-de-santo sómente depols do Insucesso da
medicina científica em curá-los. Os demals 10% tlnham outras respostas,
geralmente ligadas a doencas de párenles ou a outro tipo de desgraca.
Pouqufsslmos responderam Tol vocac9o* ou 'Fol destino', sorrlndo para mlm
com um olhar que n§o saberla definir bem se Ingenuo, se malicioso. As
vOzes, simpático," As v6zea, cruel" (p. 19s).

Comenta mais adiante o autor do livro:

"Para eles, a rellglño n2o á euforia transformadora, alegría de construir


um mundo mals humano, e, por Isto, mals divino. A rellgiao déles é, aobre-
tudo, fArca conservadora, ajuda para sobrevlver, n9o obstante a falta de
higiene" (pp. 22s).

— 320 —
«A DANCA DOS ORIXAS» 35

Sendo assim, pergunta o autor se, num país em que a


assisténcia médica aínda é insuficiente para todos os cidadáos,
se deve refrear e impugnar tal tipo de psiquiatría que é o
curandeirismo. Para encaminhar a resposta (em sentido, alias,
positivo), lembra o P. Sparta que «os tratamentos de pais-de-
-santo nao sao temporarios, mas urna obrigagáo e quase escra-
vidáo psíquicamente contagiosa por toda a vida, porque os
espirites voltam, se no seu tempo a pessoa nao cumprir as suas
obrígagóes de presentes e dangas sagradas» (p. 22).

Abordaremos de novo o assunto sob o titulo n» 2 déste


artigo.

1.2. A psicología religiosa do homem negro

O P. Sparta, tendo estudado as manifestagóes do homem


negro, se insurge contra todo preconceito racial (anti-racismo,
no caso). Julga que no homem negro se conservaram a natu-
ralidade e o senso místico que o homem branco, desgastado e
alienado pela civilizacáo, perdeu: «O eu natural e sao, do qual
o homem civilizado se divorciou, aínda vive puro na alma
negra. 0 homem moderno aborrece o negro e as vézes o odeia,
porque se aborrece a si mesmo e secretamente se odeia. Quando
o homem moderno reencontrar o seu ©a natural, quando...
alcangar novamente o equilibrio e a paz, só entáo compreenderá
profundamente o irmáo negro — poderíamos escrever, o pai
— ainda nao desarraigado da terra-máe» (p. 207).

Em particular, o autor realga a notável inclinagáo religiosa


dos negros do mundo inteiro, «que conservam a fé mais do
que os outros homens, ainda em época de cetismo» (p. 5).

7.3. Negro brasiletro e negro africano

É muito interessante o confronto que o P. Sparta estabe-


leoa entre d negro da África e o do Brasil no tocante aos
cultos religiosos.

O folclore e os ritos tém raízes antigás nos poyos africanos.


Nota-se, porém, que, postos em contato com a ciyilizagáo e a
cultura ocidentais mediante escola, imprensa, igreja, os povos
da África se tornam rápidamente independentes de seus mitos;
recusam a veneracáo de seus orixás, como os italianos de hoje
recusariam o culto dos deuses sabinos e etruscos. — Algo de
diverso se dá com os afro-brasüeiros; postos em contato com
os costumes civis e religiosos dos ocidentais, persisten! no culto

— 321 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

de seus mitos ancestrais, mesmo quando estes entram em


contradigáo com as práticas da civilizagáo ocidental por éles
adotadas.

Por que táo estranho fenómeno de incoeréncia e apego


ao passado arcaico?

O P. Sparta apela para os tres sáculos de escravidáo a


que foram submetidos os negros do Brasil. Sendo éste regime
urna inibigáo antinatural, compreende-se que tenha provocado
fenómenos desnaturáis, entre os quais o enfraquecimento da
faculdade crítica e da capacidade de revoltar-se contra as con-
digóes, o embotamento do instinto de olhar para a frente...
Voltados para o passado e fossilizados sob certos aspectos, os
afro-brasileiros estariam fechados as exigencias da lógica e da
plena aculturagáo.1

Alias, Joaqtrim Nabuco já denunciara a «fossilizagáo da


exuberante vitalidade de nosso povo» como «processo natural»
causado pela escravidáo, e nao hesitara em apontar o perigo:
«A obra desta irá por diante mesmo quando nao haja mais
escravos» («O Abolicionismo». Sao Paulo, p. 7).

Nao há dúvida, tais consideragóes merecem atengáo.

1.4. Problemas moráis

O P. Sparta aponta, em seu livro, urna serie de problemas


causados pelos cultos afro-brasileiros.

a) Desvíos psicológicos

Nao há dúvida de que a procura do transe, do sugestiona-


mento, os estados hipnóticos ou pré-hipnóticos, habituáis nos
terreiros, sao prejudiciais á saúde dos respectivos adeptos; sus-
citam fenómenos de personalidade dissociada, com reagóes con-
traditórias e aberrantes. Assim dáo origem ou persistencia, no
Brasil, a urna sociedade civil e religiosa de segunda ordem.
Podem-se mencionar também inercia intelectual e esmo-
recimento do dinamismo de trabalho entre os adeptos do can-
domblé e ido xangó:
"O espSlho da alma é o rosto. Othal nos terrefros e no mercado aqueles
roslos mullas vezas desdentados. Pode-se ndles ler a presenca de urna

i Aculturagüo é a adaptagáo de urna pessoa ou lnstltul$9o á cultura da


regido onde se encontra.

— 322 —
«A DANCA DOS ORIXAS» 37

conscléncia moral de fazer o bem e evitar o mal, ou lambém urna grande


fdrea de contormldade e resignacao. Mas está quase de todo ausente a
vontade... de transformacáo, pacifica ou violenta, da sociedade na qual
vivemos.

Jamáis Carlos Marx poderla ter talado melhor de 'opio do povo' do que
assistindo a um candombló ou a um xangd, e rodeado, para usarmos urna
das expressSes Irreverentes de tíllberto Freyre, de tal detrito humano.

Nada poderiam fazer de melhor do que estimular a difusáo do culto


afro-brasilelro os que querem conservar o povo adormecido e com os carac*
teres geralmenle atribuidos aos negros.

Quem procurar atratr a mocidade a éste culto, atrasa a sua marcha e


adormece a sua inteligencia, como faziam os avós de nossos pretos com
as ervas 'amansa-senhores'. E os pollctals que toleran, apesar da prolblcao
da lei, a presenca de menores durante estas testas, se tomam réus do en*
venenamento das raizes humanas da nagáo. Nao é misterio o que psiquiatras
e psicanalistas sallentam: os delirios dos cultos de possessao sao psíqui
camente contagiosos" ("A Danca dos Orlxás", p. 168s).

b) Desvíos moráis

O autor do livro enuncia também um bom número de


perversóes sexuais, vingangas, homicidios e crimes inspirados
pelas práticas do orixismo*: transcreve noticias de jomáis que
publicam a imolagáo de criangas, o seviciamento de mogas, a
tragedia de familias envolvidas em práticas de terreiro (pp.
139-155). E concluí:

"Nio quero levar em conta urna ou oulra figura superior que se destaca
no meto da balxeza dos terrelros. Mas é para se revoltar querer confrontar
seriamente as personalidades colossals que a eubllmacfio crista do Instinto
sexual produzfu e produz na historia da Igreja com essa massa de hornera
(quase sempre flácldos, sem dorsos ou com dorsos femlnls), com estas
mulheres de rosto masculino, com esta contraria que, multas vfizes, care-
cendo da fdrca para vlver segundo os costumes humanos moráis, se margl-
naliza em comportamenlos irrefutávelmente Imorals" (pp. 1S4s).

O autor leva em conta também a inocencia que há em


muLtas dangas e práticas idos cultos afro-brasileiros. Menciona
outrossim o fato de que os negros escravizados foram nao raro
vitimas de outros homens. Lembra que os cultos africanos
eram como que urna compensacáo que os negros escravos en-
contravam para suas amarguras e humilhagóes Julga, porém,
que é necessário esclarecer o público e, de modo especial, a
juventude a respeito das aberragóes provocadas pelos cultos
afro-brasileiros: «prostituigáo sagrada, sacrificios humanos, ex-
ploragáo de feiticeiros, atraso intelectual» (p. 183).

1 Orixismo: culto dos orlxás.

— 323 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

1.5. Mas. ..«compreendamos o que pode ser compreendido»

Embora descreva urna serie de males causados pelos ritos


supersticiosos, o P. Francisco Sparta nao oculta benevolencia
para com seus adeptos. De principio a fim, em seu livro, ele
manifesta o desejo de compreendsr a psicología dos afro-bra-
sileiros, realgando o que nela haja de positivo e aproveitável.
Podem-se resumir os principáis tópicos do seu pensamento
nos seguintes ítens:
— As expressóes religiosas dos cultos afro-brasileiros sao
erróneas. Todavía as intengóes dos seus adeptos nao sao sempre
más. Freqüentemente'revelam profundo senso religioso, infe
lizmente mal orientado.

— Os orixistas sao até certo ponto cristáos. Nao poucos


fazem questáo de mandar batizar seus fllhos na Igreja e fre-
qüentar a S. Missa. Os seus orixás podem ser identificados com
os Santos. Se a Igreja reconhece a legitimidade do culto dos
Santos, nao poderia aprovar também o dos orixás? Candomblé-
zeiros e xangózeiros seriam adeptos de um monoteísmo diluido,
isto é, seriam cultores de um só Deus, encoberto, porém, pela
veneragáo de muitos espirites intermediarios entre Deus e o
homem. Assim as concepcóes dos teólogos católicos a respeito
dos cultos afro-brasileiros se deveriam transformar, de modo
a procurar ver néles auténticos valores a ser aproveitados para
que haja integragáo das populagóes afro-brasileiras no Catoli
cismo.

— A arte traduzida ñas cangdes e ñas dangas de tais


cultos é valor humano capaz de caracterizar a populagáo do
Brasil, merecendo a estima dos estudiosos e dirigentes da nagáo.
As posigóes do P. Sparta incitam naturalmente a refletir.
É o que faremos na secgáo abaixo.

2. Ponderagóes sdbre «A Dan$a...»

O autor deixa o leitor um pouco perplexo, pois, ao encarar


os fenómenos dos terreiros, passa de severas críticas a expres-
sóes benévolas: «As vézes nosso estilo de avanzos e recuos
dará a impressáo de estarmos em contradigáo com o que escre-
vemos em outros capítulos e em diferentes páginas déste mesmo
capítulo. Mas certa contradigáo é imánente a éste próprio
culto» (p. 159).

— 324 —
«A DANCA DOS ORIXAS> 39

Tentando psnetrar fielmente no pensamento de Sparta,


sugerimos as seguintes observagóes:

1) É inegávelmente simpática a atitude do autor que pro


cura entender a psicología dos adeptos dos terneiros. Estamos
mima época em que a tendencia dominante é aproximar e unir
os homens, tentando compreender os valores latentes em cada
personalidade, mesmo que esta se exprima erróneamente.
O P. Sparta dá um passo nesse sentido; procura chamar
a atencáo para quanto há de positivo no fundo da alma dos
«filhos-de-santos». Ésses elementos positivos podem ser consi
derados «cabecas-de-ponte» para se comunicar a plenitude da
verdade religiosa aos nossos irmáos afro-brasileiros.

Todavía certas afirmagóes do autor inspiradas por tal


orientacáo sao discutiveis. Com lefeito...

2) Nao se pode dizer que os candomblézeiros e xangózeiros


sejam cristáos. Através de suas concepgóes religiosas (por
mais simples e primitivas que sejam), percebe-se que estáo
longe de professar as grandes verdades do Cristianismo: a SS.
Trindade, a Encarnagáo do Filho, a RedengSo pela Cruz, o Sa
cramento da Igreja... Nem se poda afirmar com seguranga
que sejam monoteístas; a religiáo dos terreiros se dirige aos
espirítos bons e maus, deixando Deus em plano muito elevado
ou distante. O próprio P. Sparta o reconhece: «Um filho-de-
-santo gsnte-se numa relagáo muito mais viva com o espirito
que o livra da doenga... com o Exu que o ajuda a ensañar
o próximo. Deus é esquecido... Deus fica para lá» (p. 167s)...
«A religiáo (do candomblé e do xangó) nunca se eleva ácima
do primeiro degrau do egoísmo terreno: a busca de protegáo
e saúde» (p. 168).

Se alguns pais-de-santos enviam seus seguidores á igreja


para ser batizados ou fazrar suas devogSes, isto ocorre por sin
cretismo ou tradicionalismo, mas está longe de significar ade-
sáo ao Cristianismo. — Principalmente nos últimos decenios se
moveram campanhas de esclarecimento no Brasil (como no
Haití também) a fim de mostrar ao povo interessado que nao
é possível ser católico e ser «filho-ds-santo» ao mesmo tempo.
Tais campanhas concorreram para estabelecer distingáo cada
vez mais consciente entre essas duas atitudes religiosas. Pode-
-se dizer que os próprios «filhos-de-santo» cada vez mais tém
consciéncia de que nao sao católicos.

3) Os santos, segundo a fé católica, sao irmáos que, na


amizade de Deus, passaram para a Casa do Pai e que Deus

_ 325 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

permite sejam nossos humildes interosssores junto a Ele. Nao


sao ssmideuses, nao sao todo-poderosos; nem existem oragóes
onipotentes ou preces mais eficazes do que outras. O povo cris-
táo, na Idade Media, realgou o culto dos santos. Em nossos
dias, a Igreja Católica continua a sustentar a legitimidade do
mesmo, mas recusa exageros e incute ser Cristo o único Me
diador (Redentor) entre Deus e os homens. A evocagáo dos
morios é terminantemente proibida pelas Escrituras (cf. Is
9,19s; Dt 18, 10-14) e pela doutrina católica; nao temos meios
(«receitas») para fazer «baixar» o espirito de um defunto; as
incorporagóes de espíritos do Além se reduzem geralmente a
fenómenos parapsicológicos ou psicopatológicos.

4) Nao há dúvida de que nos cultos afro-brasilsiros há


elementos litúrgicos aproveitáveis: símbolos, ritos, melodías...
A Liturgia ideve exprimir de maneira lúcida a fé da assembiéia
que a celebra; por isto ela pode, até certo ponto, recorrer as
expressóes religiosas espontáneas vigentes em cada povo (é o
que se chama «aculturagáo da liturgia»). Mas é necessário que
esta conserve sempre seu caráter próprio e reverente; ela é
sempre culto prestado a Deus e, como tal, deve sempre ser dis
tinta de qualquer outra manifestagáo humana. Daí nao se
aceitar que gestos e ritmos já marcados por uso profano ou
pagáo nela sejam introduzidos sem reserva; poderiam evocar
recordagóes profanas e fúteis, em vez de levar a Deus em ora-
gáo profunda.

5) A existencia dos anjos e, em particular, dos anjos que


pecaram ou demonios, é deixada sob interrogagáo as pp. 218-
-222 do livro em foco. Ora tal posicáo nao condiz com a doutri
na da Igreja, que incluí a existencia dos anjos e demonios
entre os artigos da fé.

O «Catecismo Holandés» em seu corpo (edigáo brasileira,


pp. 553s) levantou e deixou aberta a questáo. Todavía em seu
Apéndice (ed. brasileira, pp. 3s) propSe as seguintes obser-
vagdes:

"A Escritura tata mullas vézea de semelhantes criaturas: os anjos. Sfio


mensagelros ou virtudes que provem de Deus, 'esplrltos servidores' (Hebr 1,
14), treqQentemente representados na Bllblta em forma humana. Os anjos
mantfestam a vontade de Deus. Foram por Ele criados como espfrltoa benfa-
zejos, que eolaboram conosco... A existencia dos anjos — como também
a dos demonios — é também urna verdade que faz parte da doutrina católica,
existencia essa que é mencionada, por exemplo, no 49 Concillo do Latrao.
istes sfires misteriosos sempre aparecem como totalmente relacionados á
nossa historia da salvacSo".

— 326 —
«A DANCA DOS ORPCAS» 41

Éste testemunho é altamente significativo, pote resulta de


reflexóes realizadas por teólogos peritos em conseqüéncia da
dúvidá lancada pelo «Catecismo Holandés».
6) Em suma, nao padece dúvida que se devem olhar com
o máximo de carinho humano e cristáo os adeptos dos terreiros;
leve-se em canta o ardor religioso que éles manifestam. Mas
parece que a benevolencia mesma para com tais pessoas leva
a esclarecé-las a respeito nao sómente dos seus erros religiosos,
mas também dos males psíquicos e moráis que os cultos afro-
-brasileiros acarretam: quem assiste a urna celebragáo déste
típo, nao pode deixar de se sentir confrangido ao observar que
as saúdes, em conseqüéncia, se deterioram e o dinhteiro é mal
aplicado ou injustamente explorado; as autoridades responsá-
veis pela saúde pública teriam ampia tarefa a desenvolver
nesse setor.

Os cultos afro-brasileiros exibsm urna imagem de religiosi-


dade primitiva, amedrontada, coisa de se defender ou assegurar
mediante intercambio com fórcas protetoras invisíveis. Ora tal
nao é a face auténtica da Religiáo: esta excita o amor e á
confianca para com um só Deus, que é Pai; é fator de magna-
nimidade e dinamismo que pode chegar ao heroísmo; está longe
de ser opio do povo. Por isto é que, eflém de considerar os
pontos positivos ida alma religiosa africana, é absolutamente
necessário levar em conta tudo que de aberrante há em suas
manifestacóes primitivas; é o próprio bem dos afro-brasileiros
e da nagáo brasileira que leva o cristáo a evitar confusáo reli
giosa. O cristáo há de ser arauto do. Cristo junto aos seus con-
cidadáos orixistas com todo o amor fraterno, mas também
com a devida clareza de atitudes.

"Eu dormía e sonhava


Que a vida era alegría.

Acorde] e verifique!
Que a vida era servir.

Serví e descobri
Que servir era alegría"

(Tagore)

— 327 —
johrei, a síntese do bem e nova religiao

Em sinlese: Johrei ou "Messlanlsmo Universalista" é um movimento


religioso que, oriundo no JapSo, se estabeleceu também no Brasil. As cren-
cas messiartlcas professam um Deus que é Luz, Energía, assaz semeltiante
á Dlvindade das filosofías pantefstas; alias, o budismo, que se estendeu da
india ao Japlo, é pantelsta* (= a Divlndade é urna substancia Identificada
com tudo, pan). O Johrei propoe elevacfio do nivel moral da hurnanldade,
que asslm chegará a desfrutar do Paraíso na térra mesma; para tanto, de-
verá concorrer também a agricultura religiosa ensinada pelo "Messlanlsmo",
a qual rejelta toxinas e utiliza apenas as forcas da Nalureza; desta forma
as vlbracñes espirituais do corpo humano se tornarSo mals puras.

Embora o culto do Johrei apregoe os conceitos do amor e da concordia,


e chegue a rezar o Pal-Nosso, a nova RellgISo difere radicalmente do Cris
tianismo pelos conceitos que tem de Deus e da salvacáo humana. O Cristia
nismo propoe ao homem o monoteísmo, e nao o panteísmo: um Deus
(Inteligencia e Amor), que ó transcendental, mas também multo próximo ao
homem por haver criado e remido o genero humano. Plena concordia e
harmonía entre os homens ser&o a conseqüencla da vltórla de Cristo sobre
o pecado e a morte, vitórla que so se consumará no flm dos tempos.

Comentario: Tem-se propagado no Brasil urna nova cor-


rente religiosa, oriunda no Japáo, com o nome de Johrei ou
«Igreja Messiánica Mundial» ou aínda «Messianismo».1 Como
se diz, tem suscitado curas e derramado beneficios espirituais,
além do que utiliza belas fórmulas de oracáo, entre as quais
o Pai-Nosso do Evangelho. Visto que o assunto vem chamando
a atengáo do público, dedicar-lhe-emos algumas páginas déste
fascículo.

i Até 1950, a organizacáo se chamava "Nippon Kannon Kydam" (= Igreja


Kannon do Japáo); fol-lhe entáo trocado o nome, que é atualmente "Sekai
Kyusel-Kyo" (= Igreja Messiánica Mundial).

— 328 —
JOHREI, S1NTESE DO BEM 43

1. Histórico do Johrei

Corría o ano de 1926. Na Tóquio Imperial, o místico


Meishu-Sama sentiu ter recebido de Deus a missáo de estabe-
lecer na térra urna nova corrente fílosófico-religiosa: o nosso
globo debcaria de ser regiáo de noite e trevas para transformar-
-se em sede da Luz e do Dia; um jorro vibratorio capaz de
dissipar a escuridáo, e a Energía purifícadora baixariam sobre
o mundo.

Meishu-Sama comegou a sua agao profética em 1947.


Passou dez anos a organizar a nova entidade religiosa. Prepa-
rou os ministros respectivos; escreveu ensinamentos, artigos e
livros. Fundou centros de cultura e arte.

Eis um dos espécimes mais significativos do pensamento


de Meishu-Sama:

"Nos acreditamos que o Supremo Deus Criador do Universo planejou


o estabeleclmento do Paraíso sobre a Térra, desde o comeco da Sua CrlacSo,
e atravds das eras paseadas tem operado para a sua concretizacfio. Para
0880 propósito file usa o homem como Seu Instrumento e crlou tAdas as
coisas no mundo para o beneficio da humantdade. Acreditamos por Isso
que a passada historia da humanldada mala nlo fol que um ostagto prepa
ratorio para o Paraíso Terrestre. Para cada era, Deus envlou as noeessirlas
pessoas e as necessárlas relIglSes, cada qual com urna mlssSo por cumprlr.

O mundo agora está em tSo caótica sltuacSo que nlnguém sabe dlzer
o que val suceder. Para essa era, Dau9 envlou-me com a missSo de purificar
o mundo através da canallzacio da Sua Divina Luz para asslm realizar o
Seu Plano.

Acreditamos que a doerifa, a pobreza e o confuto, as trfts grandes


miserias da especie humana, podem ser erradicadas através do Programa
da Luz Divina e um Ideal mundo de eterna paz onde a verdade, a vlrtude
e a beleza prevalecam pode ser estabelecido.

Nos nos empenhamos por fazer o molhor pela reallzacBo de um tal


mundo".

Quando Meishu-Sama faleceu, sua esposa continuou a obra,


com o cognome de Nidai-Sama, vioe-lider espiritual. Esta cons-
truiu o santuário-mor da seita no solo de Atami, a 80 km de
Tóquio. Atualmente o Movimento é llderado pela terceira filha
de Meishu-Sama: Kyoshu-Sama — nome que significa «Líder
Espiritual». Os adeptos da nova corrente dispóem de centenas
de templos, onde trabalham mais de tres mil ministros. Meio
milháo de japoneses pertencem á «Igreja Messiánica», esparsos
nao sómente pelo Japáo, mas também pelas ilhas Havai, os
E. U. A., o Brasil...

— 329 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

Em nosso país, o Movimanto tem sua sede central em Sao


Paulo (capital), onde funciona em grandioso templo da Vila
Mariana. Propagou-se para os Estados do Paraná, do Rio Gran
de ido Sul, da Guanabara, do Rio de Janeiro e de Minas, trans
pondo as fronteiras raciais. Como se lé nos impressos, os mes-
siánicos oferecem aos seus visitantes aulas religiosas, práticas
esportivas e iniciativas culturáis; fundaram a revista «Gloria»,
difusora de suas proposicóes doutrinárias, e traduziram para
o portugués alguns livros, como «Fragmentos dos Ensinamen-
tos de Meishu-Sama», «O Alicerce do Paraíso», «A Igreja Mes-
siánica Mundial e seu significado» (a quanto parece, essa
bibliografía está esgotada).

Pergunta-se agora -qual seja

2. A mensagem do Johrei

2.1. Johrei

O «Messianismo Universal» se apresenta como urna religiáo


para o homem de hoje. A sua palavra-síntese é JOHREI. Em
japonés, joh significa purificar; rei quer dizer espirito ou corpo
espiritual. Portante Jiohrei (palavra empregada em contexto
religioso) vem a ser «purificagáo do corpo espiritual pela luz
divina». Essa purificacáo é entendida como agáo detergente
que emite vibracóes baixas ou negativas no físico ou na mente
dos seres terrestres.

2.2. Deus

Nao é muito fácil depreender dos textos «miessiánicos» o


conceito que a nova seita tem de Deus: Éste parece identificar-
-se com Energía fluida que penetra nos seres visíveis déste
mundo. Neste caso, ter-se-ia urna concepcáo mista de mono
teísmo (um so Deus) e panteísmo (Deus identificado com todas
as coisas). O panteísmo, alias, constituí o fundo doutrinário
do bramanismo, do budismo e das religióss da China e do
Japáo em geral.

Notem-se as seguintes pálavras de Meishu-Sama:

"Tudo o que urna pessoa pensa, dtz ou faz 6 Indelevelmente gravado


no mundo espiritual... Cada pessoa está ligada com o mundo espiritual por
um elo, que opera como as ondas do radio, ligando um mlcrofone a um
aparelho receptor.

— 330 —
JOHREI, SÍNTESE DO BEM 45

A gravacao ó Impecávelmente exata e tudo está em total equilibrio


para cada pessoa. Um mau (eito chama por má experiencia como paga
mento, bem como um bom felto 6 recompensado em proporcSo".

Meishu-Sama é o grande arauto de Deus, que veio incitar


os homens a realizar o Paraíso na térra. É difícil de se enten
der a passagem do artigo de «O Cruzeiro» (n* indicado na bi
bliografía), p. 84:

"Há apenas um Deus, Criador e Doador da Vida, fonte de toda energía.


Um Brahma para os hindus, um Cristo para os católicos, Meishu-Sama um
deus para os seus mllhOes de fiéis".

Meishu-Sama, o fundador do Messianismo, sería Deus?...


Deus talvez no sentido de um avataí do budismo? O avalar é
um ser humano no qual a Substancia Divina Universal se rea
liza e manifesta de maneira mais plena e densa.

O Paraiso intencionado pelo Messianismo implica elevagao


moral do género humano, culto da justica, harmonia fraterna,
prática do Bem em geral.

2.3. Agricultura Natural

O novo ideal dá também grande énfase á agricultura: esta


deve proporcionar aos homens alimentos naturais, puros, nao
contaminados por produtos químicos. Acontece que, para com-
bater os insetos, os lavradores costumam usar inseticidas pre
parados com venenos mortíferos; estes contaminam as colheitas
e os respectivos alimentos; ingeridos pelo homem, tais produtos
da térra tornam a corrente sanguínea impura — o que nao
sómente causa doengas, mas reduz as vibracóes espirituais do
corpo, formando neste nuvens deletérias. Pois bem; dizia
Meishu-Sama: «Deus revelou-me o cultivo natural, para que
pudesse salvar a humanidade do infortunio da alimentacáo de
gradada. O que defendo, é a Divina Ciencia Natural do Criador».
A Agricultura Natural, conforme o Messianismo, é espiritual,
e está em sintonía com as leis da Natureza. Esta agricultura
religiosa conserva a vitalidade e fertilidade do solo.
Nao se poderia crer que neste tópico da mensagem «mes-
siánica» transparece algo do seu panteísmo? A Natureza, dei-
xada a si mesma (sem intervengáo de elementos artificiáis),
possui fórca vital e facunda da própria Divindade; ela poderia
(sem violencia) ser tida como divina ou, própriamente, parcela
de Deus.

— 331 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

Leve-se em conta também a seguinte advertencia colhida


na revista «Gloria» n« 22, Janeiro de 1968, p. 11:

"Se as sementes threrem sido contaminadas com fertilizantes e InsetK


cldas, os membros de nossa Igreja podem purlflcá-Ias com o Johrel —
canalizacSo da Luz Divina — antes de semoá-laa. Johrel é oracSo em acao.
Anula a vlbracáo negativa dos venenos, e as sementes receberfio a energía
da Luz Divina, assegurando colheitas melhores".

Para facilitar a aproximacáo dos homens entre si e a


instauragáo de paz e bonanza sobre a térra, o «Messianismo
Mundial» cultiva o esperanto, língua internacional.

2.4. Belas-Arfes '

Outra grande atividade do «Messianismo Mundial» é o


cultivo das Belas-Artes. O próprio Meishu-Sama construiu dois
museus de arte, respectivamente em Atami e Hokone, proje-
tando um terceiro em Kyoto. Verdade, Virtude e Beleza cons-
tituem os tres valores básicos do Movimento. A Beleza tem a
fungáo de elevar a alma humana através da visáo, ao passo
que a Verdade e a Virtude ficam, muitas vézes, invisíveis.

2.5. Curas

Ao «Messianismo Mundial» também se atribuem curas de


molestias físicas e psíquicas; estas «grasas» seriam preparacáo
para a instauracáo do Paraíso na térra.
Eis um dos testemunhos contidos em cartas que a revista
«Gloria» (n« citado) publicou:

"Informado, no mes de Julho do corrente ano (1967), da existencia de


certa Igreja dirigida por Japoneses, que tlnha por finalldade curar; doencas
sem uso de remedios, eu, que me encontrava deprimido, pesslmlsta e doente
físicamente, Interessel-me em conhecft-Ia.

Já no mea de agftsto nada mal» sentía da doenca, tornando-me alegre


e bem diaposto, encarando meu trabalho e mlnha razSo de ser com bastante
otlmlsmo.

No mesmo mes procurel o Reverendo e expus que deaejava tomar-mo


membro da Igreja Messlanlea Mundial, tendo-ma declarado o mesmo que
sftmente após tres meses de freqUoncla Isso poderla oeorrer".

(a) Souza Coutlnho


setembro de 19S7

Asslm exposta sumariamente a mensagem do «Messianis


mo Mundial» interessa-nos indagar:

— 332 —
JOHREI, S1NTESE DO BEM

3. Que dizer ?

Resumiremos nossas reflexóes em dois ítens.

3.1. Pontos luminosos

Deve-se reconhecer que a nova seita religiosa apregoa


elevado ideal de vida, recomendando a prátíca do amor, da
concordia e da justica entre os homens. Pode dar estrutura e
vigor á existencia de muitas pessoas. A promessa de um paraíso
terrestre corresponde a urna inspiragáo inata em todo ser hu
mano. Além disto, o uso de fórmulas habituáis no Cristianismo
torna o «Messianismo» simpático ao público, em particular no
Brasil. Assim lemos em «Gloria» (n« citado, p. 16s):

"Deus é amor. £!o envolve tudo e a todos no seu manto da amor. £la
protege, orienta, ajuda, guarda, mas também castiga, langa no abismo, puri
fica o faz tudo que é necessárlo para que o homem consiga entrar no
seu reino.

Deus nao aprecia a mentira, a falsidade, o odio, a Ira, etc. Assim sendo,
lógicamente 6 necesario pratlcar... a alncerfdade, a honestldade, a tole
rancia, a pontualldade, a abnegacSo, o sobretudo salvar o Próximo".

Todavía estas expressóes positivas nao bastam para reco


mendar o «Messianismo» de Meishu-Sama, como abaixo se verá.

3.2. Mas...

1. O homem nao é somante sentimentos, afetos e aspira-


coes. É também inteligencia. E a esta se deve atender nao
apenas no plano das ciencias exatas, mas também nos da
filosofía e da teología.
Ora o conceito de Deus Energía Fluidica, esparsa na Na-
tureza, Luz que pode e deve ser canalizada, nao satisfaz as
exigencias da sá razáo. Com efeito, tudo que é fluido, é comen-
surável; por conseguinte, é quantitatívo, é corpóreo, é limitado.
Deus nao pode ter quantidade, por mais tenue ou etérea que
seja. Deus, para ser infinito (Amor infinito, Bondade infinita,
Sabedoria infinita, Justica infinita...), tem de estar emanci
pado dos limites que a materia sempre acarreta. Dai dizer-se
que Deus é Espirito infinitivamente perfeito. Espirito nao é
fluido, nao é energía semelhante a energía elétrica, nao é v?por;

— 333 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 139/1971

também nao é metáfora ou entidade meramente poética, mas


é um ser dotado de inteligencia (sabsdoria) e vontade (amor),
nao unido, necesariamente, á materia.

Se Deus está presente a todas as criaturas, isto nao se dá


porque Deus se identifique (total ou parcialmente) com os seres
visíveis, mas, sim, porque sustenta ininterruptamente todas as
criaturas, dando-lhes subsistencia continua. É ésse contato da
agáo que torna Deus mediatamente presente ao mundo e aos
homens, sem os identificar com algo ou alguém outro.
2. A idéia de um. Paraíso na térra é um velho sonho...
A fé crista ensina que nao haverá plena concordia e harmonia
entre os homens senáo depois que Cristo tiver consumado sua
vitória sobre o pecado e a morte no fim dos tempos. Entremen-
tes hitaremos sempre contra o egoísmo e o amor próprio que,
cedo ou tarde, corroem as mais belas iniciativas dos homens.
A experiencia dos séculos, máxime de nossos tempos, parece
confirmar esta verdade: o homem progride na ciencia e na técni
ca, mas parece que fácilmente se deixa fascinar por suas obras,
caindo, as vézes sem o sentir, sob o jugo e os ditames das
conquistas materiais; o próprio homem é, nao raro, sacrificado
á máquina e á materia. Estas fazem que o homem venha a ser
realmente lobo para o homem («homo homini lupus», como diz
o velho adagio romano); pensadores e futurologistas de nossos
dias chamam a atencáo para tal fenómeno.
3. Nao há dúvida dé que o consumo de tóxicos contídos
nos inseticidas é nocivo ao organismo. A fé preconiza um corpo
sadio esteio de mente sadia. É de crer, porém, que Deus tenha
deixado ao homem a procura dos meios de se imunizar contra
os tóxicos, sem menosprezar os recursos da agronomía moder
na; é a inteligencia do 'homem que se deve aplicar a esta tarefa
(guardando, sem dúvida, reverencia ao Criador). A «agricul
tura religiosa», a «agricultura espiritual», que está em sintonía
com as leis da Natureza», nao supóem urna nocáo panteista de
Deus ou um Deus identificado com a natureza visível?... Nocáo
errónea de Deus.

4. O que tem atraído muitos brasileiros á «Igreja Mes-


siánica», sao as curas obtidas por intermedio do Johrei (purifi-
cacáo do corpo) e do Ohikari (rito «messiánico»). Tais fenó
menos, descritos em cartas de pessoas beneficiadas, apresentam
o estilo e as características de processos emocionáis, em que a
sugestáo desempenha papel importante. A religiáo e a mística,
por serem valores de primeira grandeza, tém poder altamente

— 334 —
influíante sobre o psíquico de pessoas combalidas por males e
calamidades da vida presente. Seria, pois, temerario afirmar
que as gragas obtidas em contato com a nova seita sejam sinais
da veracidade das crengas ai professadas.

Eis o que de mais importante ocorria observar sobre a


religiáo do Johrei: ainda que proponha aos seus adeptos o
Pai-Nosso do Evangelho, transmite concepgóes acerca de Deus,
do homem e da historia assaz diversas das do Evan^slho, e
filosóficamente insustentáveis.

Bibliografía:

As sedes do "Messianlsmo Mundial" no Brasil nSo fornecem senáo


restrlta bibliografía sdbre as suas crencas. Estas sao transmitidas principal
mente de viva voz. Nos templos "messlánlcos" distribuem-se folhetos de
oraches e números antigos da revista "Gloria". — A revista "O Cruzeiro"
de 12/X/1968, pp. 82-87, publicou urna reportagem sdbre o Johrei.

Éste artigo já estava composto, quando o «Jornal do Brasil» de


3/6/71, 1' cad., p. 12, publicou a noticia de que o Chanceler do «Mesia-
nimo Mundial», Sr. Takaaki Nakano, estéve em visita ao Brasil; tendo-se
hospedado primeiramente na Guanabara, íoi a Brasilia, onde se encon-
trou com o Ministro Gibson Barbosa e ilustres parlamentares.
O Chefe do «Messianismo» declarou entáo aos jornalistas:
«Toda a estrutura da Igreja Messiánica repousa no Johrei, luz
divina que se origina de Deus, o Criador.
Nossa Igreja, com base ñas revelacóes recebidas por Meishu-Sama,
prepara os homens para tornarem-se veiculos dessa luz e irradiá-la aos
semelhantes, a íim de que possamos, pela luz divina, purificar nossos
espiritos e, conseqüentemente, nossos corpos, objetivando criar condi-
goes para que possamos habitar no paraíso terrestre, reino da Virtude,
da Verdade e da Beleza».
Estas palavras parecem confirmar quanto acaba de ser dito ñas
páginas anteriores déste fascículo: o Johrei é urna das muitas exprés-
soes do senso místico e dos anelos a Felicidade congénitos no ser
humano. Todavia a filosofía religiosa do Johrei é vaga e subjetiva:
as visóes e revelacóes hoje em dia devem ser encaradas com senso
crítico assaz agudo; Deus pode-se manifestar em visóes, sem dúvida;
mas a maioria das que Lhe sao atribuidas, sao fenómenos meramente
psicológicos. Perdem todo crédito desde que insinuem panteísmo.

Esteva» Retteneaurt O.S.B.

CORRESPONDENCIA MIÚDA

N.S.S....: Pode acontecer que a pessoa em foco tenha faculdades


ou legitima delegagao para dirigir a Liturgia da palavra ou realizar
certas fungóos paralitúrgicas.
E. B.

— 335 —
NO PRO XJMO NÚMERO:

«O estranho caminho de S. Tiago» de Buñuel


Limbo e sorte das enancas mortas sem batismo

«Igreja chegou tarde demais no campo social»

«Por que fico na Igreja», de H. Küng


Salvar a vida ou respeitar consciéncia alheia

«PERGUNTE »E" RESPONDEREMOS» *■"'•


, .. , f porte comum >..-.~. - 6r$' 25,00
II porte aéreo
Assinatura anual I ^ •..-.-.,..•■-
1971 Cr$ 30,00
Número avulso de qualquer mes e ano Cr$ 3,00

Volumes encadernados: 1957 a 1969 (prego unitario) .. Cr$ 20,00

Volume encadernado de 1970 CrS 25,00

índice Gcral de 1957 a 1964 Cr$ 10,00


Índice de qualquer ano Cr$ 2-00
•j" v Encíclica «Populorum Progressio» Cr$ 1,00«
Encíclica «Humanae Vitae» (Regulacao da Natalidade). Cr$ 1,00

EDITORA BETTENCOUET LTDA.

BEDAQ&O ADMINISTRAC&O
Caixa postal 2.6G6 Búa Senador Dantas, 117, sala 1134
ZC-00 TeL: 2219178
Blo de Janeiro (GB) Rio de Janeiro (GB) - ZC-06

You might also like