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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMCS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriarrt)
APRESErsfTAQÁO
DA EDIpÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
ÍL vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.
Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte_ e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
CIEWCIA «

60UTQINA

MOOAL

SETEMBRO DE 197!
ANO Xllt — N? 153
índiice
Pág.

"AS MÁOS QUE ORAM" 389

Continuando a revolver a grande questfio:


JESÚS É DEUS?
II. O TESTEMUNHO DE JESÚS 391

Sim? Nao?
"JESÚS CRISTO, SUPERSTAR" 408

Fora e dentro da Igreja:


CRISE DE AUTORIDADE 4H

As sensacdes da prospectiva :
MÁE DE ALUGUEL? 428

RESENHA DE LIVROS 407 e 432

# • •

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Absolvicao sem confissáo? Protestantes comungam na Igre-


¡a Católica? Descobertas Bíblicas. Pío XI envenenado? «O
Interrogatorio» de Peter Weiss. Encontró de bsneditinos.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual Cr$ 30,00

Número avulso de qualquer mes Cr$ 4,00

Volumes encadernados de 1958 e 1959 (prego unitario) CrS 35,00

índice Geral de 1957 a 1964 Cr$ 10,00

índice de qualquer ano CrS 3,00

EDITORA LAUDES S. A.

REDACAO DE PR ADMINISTRACAO
Caixa Postal 2.666 Rúa Sao Rafael, 38, ZC-09
ZC-00 20000 Rio de Janeiro (GB)
20000 Rio de Janeiro (GB) Tels.: 268-9981 e 268-2796

COM APROVAQÁO ECLESIÁSTICA


K. t.

°ram"
Muitas e muitas pessoas já te-
rao visto e admirado o guadro das
«Máos Postas» de Albrecht Duerer
(1471-1528). Talvez, porém, nem to
dos saibam a origem de táo signifi
cativa imagem. Quem a conhece, é
de modo especial interpelado pala ri
queza da mensagem dessa obra de
arte.

No fím do sáculo XV, dois 30-


vens amigos na Alemanha desejavam
ardentemente tornar-se pintores. To-
davia eram pobres e nao podiam cus-
tear seus estudos; um deles, Albrecht
Duerer, vinha a ser um dos 18
filhos do ourives Albrecht Ajtol de
Nürenberg. Os dois amigos viviam numa pensáo; diante da
impossibilidade de estudarem e trabalharem ao mesmo tempo,
Albrecht propós ao colega urna solucáo: um dos dois comecaria
os estudos, enquanto o outro trabalharia para sustentar a ambos;
guando o artista tivesse feito seus primeiros quadros e, com
isto, lucrado algum dinheiro, o segundo deixaria de trabalhar
para comecar a estudar pintura. E acrescentou Albrecht: «Eu
serei o primeiro a me dedicar ao trabalho, enguanto tu estu-
darás». «Nao, replicou o companheiro; eu sou o mais velho,
e já tenho emprego num restaurante. Tu é que comecarás a
estudar».
Cedendo as insistencias, Albrecht iniciou os estudos de
pintura, enquanto o amigo trabalhava. Um belo dia, o estudante
produziu o seu primeiro quadro; vendeu-o e disse ao compa
nheiro: «Agora temos o suficiente para viver durante algumas
semanas; doravante eu trabalharei para vocé estudar». O ami
go entáo deixou o trabalho, e voltou a segurar a palheta e os
pincéis. Inútilmente, porém. Nao conseguía pintar coisa algu-
ma, pois a rude labuta anterior lhe tornara as máos rígidas
e os músculos endurecidos; tinha as artículagóss grossas e os
dedos torcidos, de modo que já nao podía manejar os pincéis.
Compreendeu assim que deveria renunciar ao grande sonho de
ser pintor e voltar conseqüentemente ao antigo trabalho, que
lhe calejara as máos.
Foi o que se deu. Eis, porém, que certo dia Albrecht re-
gressava do estudio, quando ouviu a voz do amigo que estava

— 389 —
ajoelhado, de máos postas; orava para que Albrecht tivesse
pleno éxito na sua carreira de pintor.
Profundamente comovido, o artista pensou consigo mesmo:
«Jamáis poderei devolver a essas máos a agilidade que perde-
ram. Mas posso demonstrar ao mundo a gratidád que sinto pelo
que meu amigo fez por mim: pintarei essas máos tais como as
vejo agora. Pode ser que, ao vé-las, o mundo aprecie o que elas
fizeram. Talvez essas máos cheguem a servir de inspira-
Cáo a outros, para que realizem atos de generosidade e despnen-
dimento».
Albrecht entáo reproduziu as máos do amigo, dando as-
sim ao mundo urna das suas mais belas obras de arte: «Die
betenden Hánde» (as máos que oram).
Para quem as vé, essas máos significam um mundo de
valores, que cada observador saberá descobrir em sua refle-
xáo...
Com efeito, «por as máos» é símbolo espontáneo de sú
plica da criatura que se volta para o Criador. «É a oragáo que
sustenta o mundo», diziam os antigos,... e com multa razáo;
embora o homem jamáis se possa dispensar de itrabalhar — e
trabalhar com todo o afinco —, o homem cristáo sabe que é a
prece que obtém a fecundidade para o trabalho.
As máos pintadas por Albrecht Duerer sao as máos do
trabalhador: grossas e calejadas pela dureza da luta. Mas
sao também máos de amigo, máos de quem ama, e, por isto,
soube sacrificar-se em favor do amigo. Oragáo, trabalho, amor
ao próximo, capacidade de sacrificio e renuncia generosa, eis
a mensagem das «Máos que oram».
Tais sao as máos que construiram e constroem o mundo.
Muitas vezes essas máos pertenosm a grandes vultos da vida
pública; há, sim, aqueles que lideram orando e trabalhando
generosamente. Mas também — e talvez mais fnsqüentemente
— essas máos pertencem a pessoas modestas e desconhecidas,
que sabem amar profundamente a Deus e ao próximo, e der-
ramam esse seu amor na oragáo e no trabalho. Sem perigo de
errar, pode-se dizer que tais pessoas contribuem poderosamente
para sustentar o mundo e sua historia!
Com mais este número, PR deseja ofereoer ao público como
que um eco da mensagem de Albrecht Duerer, ou seja, urna
modesta contribuigáo para que o amor a Deus e aos homens
se traduza, entre nos, em profunda oracáo e esmerado trabalho.
«Talvez essas máos sirvam de inspiragáo a outros para que
cultivem generosidade e desprendimento!» (Albrecht Duerer).
E.B.

— 390 —
«PEROUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIII — N« 153 — Setembro de 1972

Continuando a revolver a grande questao:

jesús é deus?

II. O TESTEMUNHO DE JESÚS1

Em síntese: Suposto, como é consentáneo com a critica sadla, que


os Evangelistas nos transmiten) urna imagem fiel de Jesús histórico, ñas
páginas segulntes procura-se examinar a pessoa de Jesús que se dellnela
nos Evangelhos. Ora verlflca-se que
— Jesús aflrmou repetidamente ser o Fllho de Deus, nSo em sentido
metafórico, mas em sentido próprio; Ele era Igual ao Pal.
— Jesús gozava de perfeila saúde física, capaz como era de levar
a dura vida de viandante pobre pelas estrada^ da Palestina; na hora da
tnorte deu o supremo testemunho de resistencia física.
— Jesús gozava também de perfeíta saúde psíquica. Possula Inteli
gencia perspicaz e ampia. Tinha também vontade firme e enérgica, que
bem sabia o que quería e para seu objetivo se encamlnhava apesar de
todos os obstáculos.
— Jesús era moralmente Integro. No momento em que os adver
sarios quiseram condená-Lo á morte, nSo encontraram um titulo de acu-
sacSo contra Ele; cf. Mt 26,59s. Jesús mesmo desafiava seus Interlocu
tores : "Quem de vos me argüirá de pecado ?" (Jo 8,46).
— A historia, por sua vez, levou a serlo as palavras de Jesús. A
historia da humanidade é dividida em periodo anterior e periodo poste
rior a Cristo; milhSes e milhdes de heróis deram a vida para nao tralr a
Jesús. Os efeitos da mensagem de Cristo até hoje perduram e estáo docu
mentados na .civilizarlo ocidental. Ora ninguém leva a serlo um doente
(físico ou mental) ou um Impostor e Ilusionista.
Donde se vé que há fundamentos racionáis e eloqüentes para se
admitir que Jesús Cristo tenha sido realmente Deus, como Ele disse. Asslm
a fé em Jesús Deus e Homem nao é mera expressao de sentimentalismo
ou Instinto cegó, nem é dom de Deus dlssoclado da razáo e do espirito
critico do homem estudioso. Leve-se em conta, porém, que, para crer
em Jesús como Deus, nao bastam os testemunhos da historia e da cri
tica, mas se requer também a disponlbilidade Interior á grasa de Deus,
que Implica Isengao de paixoes, retldSo e sinceridade da parte do homem.

1 Continuacio do artigo de PR 152/1972, pp. 343-358.

— 391 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

Comentario: Em PR 152/1972, pp. 343-358, iniciamos o


estudo das provas da Divindade de Jesús Cristo, levando em
consideragáo, antes do mais, a veracidade dos Evangelhos
(que constituem o documentário principal para conhecermos
Jesús Cristo). A critica dos Evangelhos leva a afirmar a fíde-
lidade dos mesmos á historia, dentro do género literario res
pectivo (os Evangelhos nao sao crónicas no sentido moderno,
mas apresentacáo dos ditos e feitos de Jesús em vista da ca-
tequese). Embora os Evangelhos nao refiram a vida de Jesús
Cristo segundo a ordem cronológica dos fatos, pode-se dizer
que as suas narragóes sao fontes fidedignas para reconhecer-
tnos a pessoa e a obra de Jesús Cristo.

Procuramos agora deduzir dos Evangelhos urna respos-


ta para as perguntas: Jesús, por suas palavras e seus feitos
ou gestos, se apresentou realmente como Deus? Tinha sani-
dade física e mental para propor o que Ele propós? Era reto
e honesto?

Antes de entrar no presente estudo, cate-nos observar que,


em última análise, é a fé que leva alguém a aceitar a Divin
dade de Cristo; todavía essa fé pode ser preparada e robus
tecida pelo exame científico dos Evangelhos. A razáo tem algo
a dizer diante da questáo: «Jesús era Deus?» Nao raro é o
uso deficiente ou superficial da razáo que leva a negar o que
há de transcendente em Cristo; bem aplicada ao estudo, a ra
záo dissipa numerosas dúvidas e preconceitos, apontando con-
clusóes positivas.

1. Que disse Jesús a respeito de si mesmo ?

Dentre as afirmacóes de Cristo, distinguiremos testemu-


nhos diretos e testemunhos indiretos.

1.1. Testemunhos diretos

Jesús se afirmou «Filho de Deus». Verdade é que os israe


litas nao recusavam tal titulo aos homens justos e retos; cf.
Sab 2,13.18. Os cristáos também ss designavam como «filhos
de Deus» (cf. Rom 8,14.19; Mt 5,9.45). Tratava-se, conforme
Sao Paulo, de filiagáo adotiva ou da filiagáo por graga de
Deus. Em conseqüéncia, será necessário examinarmos em que
sentido terá Jesús entendido a sua autoafirmagáo.

— 392 —
JESÚS, DEUS E HOMEM?

É o que procuraremos depreender da análise dos textos


do Evangelho.

1) O testemunho mais importante é o que Jesús profere


perante os seus adversarios no Sinedrio (tribunal dos judeus),
dando assim ocasiáo a que O condenassem á morte:

Me 14,61s: "O Sumo Sacerdote perguntou a Jesús: 'és tu o Cristo, o


Filho de Deus Bendito?1 Jesús respondeu: 'Eu o sou. E veréis o Fllho do
Homem sentado á direita do poder de Deus vindo sobre as nuvens do
céu1" (Cf. Mt 26,63).

Os juízes no Sinedrio entenderam esta afirmagáo de Jesús


como blasfemia: «Blasfemou; é réu de morte!» (Mt 26,65);
Jesús parecia-lhes usurpar um título que só a Deus competía.
Nao interpretaram, pois, a expressáo «Filho de Deus» em sen
tido metafórico, figurado, mas, sim, em estrito sentido meta-
físico. Ademáis o «sentar-se á direita de Deus» que Jesús atri-
bui a si mesmo, significa igualdade com Deus (Deus nao tem
direita propriamente dita, pois nao é corpóreo, mas o «sentar
se á direita», no caso, indica colocagáo em plano de igualdade
com Deus). A 1-eagáo do sinedrio («Blasfemou!») revela bem
como a resposta de Jesús foi entendida: a blasfemia se dirige
contra Deus diretamente; Jesús nao protestou contra a inter-
pretagáo dos sinedristas; mas aceitou a morte por ter-se pro
clamado «Filho de Deus» no significado próprio desta ex
pressáo.

Alias, também o Evangelho de Sao Joáo, ao referir o fi


nal de urna altercagáo de Jesús com os judeus, afirma: «Por
esta razáo os judeus com maior ardor procuravam tírar-lhe
a vida, porque nao somente violava o repouso do sábado, mas
afirmava ainda que Deus era seu Pai e se fiazia igual a Deus»
(Jo 5,18).

2) No decorrer da sua vida pública, Jesús referiu-se ás


disposigóes necessárias para conhecer a Deus; prorrompeu en-
táo em urna afirmagáo que manifesta o seu singular relacio-
namento com o Pai Celeste:

Mt 11,27: "Todas as coisas me foram dadas por meu Pai, e nln-


guém conhece o Fllho senfio o Pai; e nlnguém conhece o Pai senSo o Fllho
e aquele a quem o Fitho quiser revelá-lo".

Jesús aqui estabelece nítida distingáo entre Ele, que co


nhece o Pai (isto é, Deus) e outros que nao O conhecem, mas
O podem conhecer caso Jesús O queira revelar. Esta distin-
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

Cao supóe que, para Jesús, conhecer o Pai seja inerente á sua
natureza de Filho. Os outros, nao tendo a natureza de Deus
(que Jesús tem), nao podem conhecer plenamente a Deus a
menos que Deus mesmo lhes conceda esse conhecimento. O
que a Jesús compete por natureza (porque é Deus como o Pai
é Deus), aos outros compete por graea, ou seja, por um ato
de benevolencia do próprio Deus.

Doutra parte, Jesús afirma que conhece o Pai como o


Pai O conhece. Isto indica que o conhecimento que Jesús tem
do Pai, é de alcance infinito, porque Deus é infinito. Ora um
conhecimento de alcance infinito supóe urna natureza infini
tamente perfeita. É este o motivo pelo qual os outros homens
nao podem conhecer a Deus como Jesús O conhece; somente
um privilegio ou urna graca de Deus pode levá-los a conhecer
o Infinito face-a-face.

Mais aínda: as palavras de Mt 11,27 dáo-nos a entender


que a realidade intima de Jesús é táo profunda, táo rica e
transcendente, que somente o Pai (Deus a conhece adequada-
mente; ela ultrapassa as possibilidades e o alcance de qualquer
criatura. Assim Jesús enfáticamente se apresenta igual ao Pai.

3) Estando certa vez a sos com os discípulos, perguntou-


-lhes Jesús: «Que dizem os homens a respeito do Filho do
Homem?» Os Apostólos apresentaram-lhe as opinióes varia
das da multídáo, as quais Pedro acrescentous «Tu és o Cristo,
o Filho do Deus vivo». Jesús o confirmou, dizendo: «Feliz és
tu, Simáo, filho de Joñas, porque nao foi a carne nem o san-
gue que te revelou, mas o meu Pai que está nos céus» (Mt
16,13-17).

Perguntamo-nos: que foi revelado a Pedro? — O fato de


ser Jesús o Filho de Deus em sentido próprio. A messianidade
de Jesús já se tornara conhecida aos Apostólos através da con
vivencia e dos feitos de Jesús. Quanto iá Divindads de Jesús,
Pedro a reconhecera claramente em virtude de urna interven-
gáo direta do Pai.

4) Merece atencáo também a parábola dos vinhateiros ho


micidas reletada em Me 12,1-12; Mt 21, 33-46; Le 20,9-19:
Um homem tlnha urna vlnha, que ele arrendou a vinhateiros a
flm de receber deles os frutos no tempo oportuno. Mandou-lhes, pote, na
época próprla tres servos sucesslvamente para pedir a parte do produto
da vlnha que I he competía. Foram, porém, duramente maltratados. "Resta-
va-lhe aínda um filho único, a quem multo amava. Envlou-o também por
último a Ir ter com eles, dizendo: 'TerSo respeito a meu filho!'... Os

— 394 —
JESÚS, DEUS E HOMEM?

vlnhatelros, porém, disseram uns aos outros: 'Este é o herdeiro. VInde,


matemo-lo, e será nossa a heranga!' Agarrándolo, mataram-no, e langa-
ram-no fora da vlnha". Nota, por fim, o Evangelista: "Os judeus procu-
ravam prendé-lo, mas temfam o povo, porque tinham entendido que a
respeito deles dissera essa parábola".

Em tal parábola, o «filho» designa Jesús com toda a evi


dencia, ao passo que o senhor da vinha simboliza Javé ou Deus
Pai. Segundo alguns críticos, porém, nao foi Jesús quem con-
tou essa parábola; ela terá sido forjada pelas primeiras co
munidades cristas. Contra tal hipótese levantam-se bons exe-
getas, que afirmam a índole primitiva e auténtica dessa pará
bola. De resto, a hipótese da critica liberal só faz diferir o pro
blema, pois deixa aberta a pergunta: como as comunidades
cristas puderam chegar a estabelecer urna afirmacáo de táo
ampias conseqüéncias? Nao será mais reto e sabio dizer o se-
guinte: a consciénda que a Igreja tinha de que Jesús era Filho
de Deus originava-se da consciéncia que o próprio Jesús tinha
da sua Divindade?

5) No Evangelho segando Sao Joao, a Divindade de Cristo


é afirmada em termos ainda mais explícitos:

No prólogo, diz o Evangelista que «o Lógos (o Verbo)


era Deus»; ora «o Verbo se fez carne e ergueu sua tenda en
tre nos. Vimos a sua gloria, gloria do Unigénito do Pai, cheio
de graca e de verdades (cf. Jo lr 1.14). Donde se depreende
que, segundo o Evangelista, Jesús é Deus feito homem.

Em um discurso aos judeus, exclamava Jesús: «Eu e o Pai


somos um só» (Jo 10,30). Um só, em que sentido? — Tém a
mesma natureza; Jesús é Deus como o Pai é Deus. Ouvindo tais
palavras, ios judeus se escandalizaran!, pois as julgavam con
trarias ao monoteísmo — pilastra da religiáo de Israel —, e
apanharam pedras para lancá-las em Jesús como blasfemo.
Ao que Jesús replicou: «Mostrei-vos muitas coisas boas da par
te de meu Pai; por qual délas me queréis apedrejar?» Respon-
deram-lhe entáo os judeus: «Nao te apedrejamos por causa
das obras boas, mas porque, sendo homem, te fazes Deus»
(Jo 10,33). — Note-se: se os judeus tivessem mal entendido
as palavras de Jesús, Este certamente os térra esclarecido. Ao
contrario, porém, o Mestre insistiu: «Se fago as obras de meu
Pai e nao queréis dar crédito as minhas palavras, credo ao me
nos ñas minhas obras, a fim de que saibais e creáis que o Pai
está em mim e eu estou no Pai» (Jo 10,37s).

— 395 —
8 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

A afirmagáo de mutua imanéncia volta na última ceia,


quando Jesús se dirigiu ao apostólo Fllipe nestes termos: «Quem
me vé, vé o Pai. Como podes dizer: Mostra-nos o Pai? Nao eres
que eu estou no Pai e o Pai está em mim?» (Jo 14,9).

Passemos agora aos

1.2. Testemunhos ¡ndiretos

Existe nos Evangelhos uma fórmula relativamente fre-


qüente que nao era usual na linguagsm dos tempos de Cristo:
«Em verdade, em verdade, eu te (vos) digo». Esta fórmula é
tida como uma das que se padem atribuir diretamente aos la
bios de Jesús. Ela serve para introduzir declarares as quais
se comparam os oráculos dos Profetas do Antigo Testamento,
que comegavam por advertencia semelhante: «Assim fala o
Senhor Deus». Há, porém, uma diferenga capital entre as ssn-
tengas de Jesús e as dos Profetas; estes apelavam para Deus
a fim de dar autoridade ás suas paiavras; ao contrario, Jesús
só invocava sua autoridade própria, que Ele mostrava ser igual
á de Deus mesmo. — Embora fossem fortes e claras, as paia
vras de Jesús nada tinham de soberba ou de vá oratoria; os
guardas do Templo enviados para prender Jesús deram o tes-
temunho: «Jamáis homem algum falou como este homem» (Jo
7, 46).

Apoiando-se, pois, sobre a sua autoridade própria, Jesús


manifestava o designio e os preceitos de Deus, ainda que con-
tradissesse ás normas vigentes em Israel.

1) Assim tomou a liberdade de declarar que o que fora


revelado na Lei antiga era incompleto:

a) no sermao sobre a montanha, ouve-se seis vezes a antltese:


"Ouvistes o que foi dito aos antlgos... Eu, porém, vos digo..." (cf. Mt
5,17-47). Com este confronto Jesús ultrapassa as normas da ¡e¡ antiga,
exlgindo maior perfeicáo da parte de seus ouvintes. Por exemplo, ao
passo que o adulterio era denunciado pela Lei de Moisés, Jesús reprova
até mesmo as más Intencdes do coragáo humano; ao passo que a Lei
permitía o taliáo — "dente por dente..." — Jesús manda tratar o adver
sario com magnanlmidade.

Tenha-se em vista que o legislador do Antigo Testamento, Moisés,


talara em nome de Deus; a Lei de Moisés era a Lei de Deus, adaptada á.
compreensáo do povo de Israel rude e infantil. Compreende-se entáo a
"audacia" de Jesús: Ele ousou retocar e rematar o que Deus havia feito.
Ora só Deus pode atribuir a si o dominio sobre as coisas de Deus e o
direito de aperfeigoá-las. E — note-se bem — as paiavras de Jesús no
sermSo da monlanha, em vez de provocar escándalo nos seus ouvintes

— 396 —
JESÚS, DEUS E HOMEM?

judeus, despertaran) admiracSo: "Quando Jesús terminou o discurso, a


multldfio ficou impressionada com a sua doutrlna. Com efeito, Ele ensl-
nava como quem tinha autoridade, e nSo como os seus escribas" (Mt 7,28s).

b) Em consonancia com estas considerares, podem-se citar os dl-


zeres de Jesús em Me 2,27s: "O sábado foi feito para o homem, e nao o
homem para o sábado; e, para dlzer tudo, o Filho do Homem é senhor tam-
bém do sábado". Jesús acabara de permitir urna justificada transgressño
do sábado. Ora o precelto do sábado era dos mals sagrados da Lei de
Deus; Jesús, porém, nao recusa dlzer que Ele é o Senhor do sábado.

c) No tocante á pureza e impureza legal, Jesús mostra que a Lei


antiga é incompleta; cf. Me 7,1-23; Mt 15,1-20.

d) Quanto ao divorcio, extingue o costume vigente em Israel e In-


cute o matrimonio indissolúvel; cf. Me 7,1-2; Mt 19,3-9; Le 16,18.

2) Nao somente Jesús proclamou a insuficiencia da Lei


antiga, mas ainda apresentou-se como criterio de perfeigáo e
salvacüo. Com efeito,

—mandou que os homens assumlssem o jugo (a doutrina) de Jesús


sobre as suas espáduas; cf. Mt 11,29s;

— proclamou felizes os que fossem perseguidos por causa dele*


cf. Mt 5,11;

— anunciou que os homens serlam julgados na base do que tl-


vessem felto a Ele (Jesús). Dirá Ele no julzo final: "Vinde, benditos...,
toma) posse do Reino..., porque Uve fome e me destes de comer; tive
sede e me destes de beber; ful peregrino e me recebestes; estlve nu, e
me vestlstes..." E a quem se admirar por tais afirmacSea, Ele explicará:
"O que fizestes a um dos meus IrmSos, fol a mlm que o flzestes" (Mt 25,
31-46). Aos maus Jesús condenará por nfio haverem asslstldo aos seus
irmfios, nos quais Jesús se tornara presente.

Estas frases merecem atencSo: segundo Jesús, quem dá ou recusa


ao próximo, dá ou recusa ao próprlo Cristo. E o julz das acóes boas ou
más será Ele, o Cristo. Ora é obvio que o Julz dos homens é Deus; Deus
é o ponto de referencia de toda a lei moral.

— Em outra passagem, Jesús reafirma ser o criterio segundo o qual


será julgado o comportamento dos homens: "Se alguém... se envergo-
nhar de mim e de minhas palavras, também o Filho do homem se enyer-
gonhará dele, quando vier na gloria do seu Pal com os seus santos anjos"
(Me 8,38; cf. Mt 10,33: Le 12,9).

3) Jesús reivindicou para si um amor superior ao que une


esposo e esposa, pais e filhos. Ora amor táo forte somente a
Deus pode e deve ser prestado. É o que leva mais urna vez a
ver que Jesús quis afirmar sua dignidade divina e falou como
Deus:

"Quem ama pal ou m9e mais do que a mim, nao é digno de mim.
Quem ama seu filho mais do que a mim, nSo é digno de mim" (Mt 10,37).

— 397 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

A própria vida é outro valor que, segundo Jesús, deve ser


subordinado ao amor a Cristo. Pergunta-se, porém: qual o ser
capaz de exigir o sacrificio da vida humana se nao Deus?
Jasus, conseqüentemente, se insinuou como Deus quando disse:
«Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida,
perdé-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por
minha causa, recobrá-la-á» (Mt 16,24s).

Em suma, á psssoa de Cristo (urna vez clara e devida-


mente conhecida) ninguém pode ficar indiferente. É objeto de
opgáo moral; o homem escolhe por Cristo ou contra Cristo:
«Quem nao está comigo, está contra mim, e quem nao recolhe
comigo, (dispersa» (Mt 12,30). Ora somente Deus pode preten
der ser táo absoluto e inevitável ao homem.

4) Note-se também que Jesús atribuiu as suas palavras


urna infalibilidade tal que só pode convir á Palavra de Deus:
«Passaráo o céu e a térra, mas as minhas palavras nao passa-
ráo» (Me 13, 31). Confronte-se tal afirmacáo com o que di-
zem as Escrituras (Is 40,8) sobre a palavra de Deus: «A erva
seca e a flor fenece; mas a palavra de nosso Deus permanece
eternamente». Cf. SI 118,89; 1 Pe 1, 23-25.

Jesús tem consciéncia de ultrapassar, em importancia, o


profeta Joñas e, em grandeza, o reí Salomáo: «No dia do
juízo, os ninivitas se levantaráo contra esta geragáo e a conde-
naráo, porque fizeram penitencia ia voz de Joñas. Ora aqui
está alguém que é mais do que Joñas. No dia do juízo a rainha
do Sul se levantará contra esta geragáo e a condenará, porque
veio das extremidades da térra para ouvir a sabedoria He Sa
lomáo. Ora aqui está alguém que é mais do que Salomáo»
(Mt 12,41s).

Impóe-se agora a pergunta:

2. Que fez Jesús em testemunho do que disse?

Interroguemos o comportamento de Cristo, procurando pe


netrar, através dos feitos de Jesús, em sua consciéncia intima,

1) Menace especial destaque o episodio do paralitico apre-


sentado a Jesús. I^te nao o cura de imediato, mas diz-lhe pri-
meiramente: «Filho, os teus pecados te sao perdoados». Os
escribas entenderam estas palavras como blasfemia: «Qusm

— 398 —
JESÚS, DEUS E HOMEM? 11

pode perdoar pecados senáo Deus?» Jesús nao recusou a acu-


sagáo; ao contrario, confirmou-a dando um sinal sensível de
que tinha o poder divino de perdoar pecados; disse, pois, ao pa
ralitico: «Levanta-te, toma o teu leito, e vai para casa» (cf.
Me 2,3-12).

Em síntese, perdoando os pecados, Jesús exerceu um di-


reito que compete a Deus só; e, curando o paralítico, mostrou
que tal direito realmente convinha a Ele (Jesús).

2) O mesmo poder se manifestou quando urna pecadora


ungiu os pés de Jesús. O Mestre aceitou o seu arrependimento,
dizendo-lhe (como dissera ao paralítico): «Os teus pecados
te sao perdoados» (cf. Le 7,37-50).

3) Devem-se mencionar também os milagres de Jesús, que


nos Evangelhos tém caráter de sinal (seméion, segundo o Evan-
gelho de Sao Joáo) ou comprtovante das afirmagóes de Cristo;
cf. Jo 2,11; 20,30.
Verdade é que a crftlca racionalista hoje em dia nao aceita a histo-
rlcidade dos' milagres de Jesús; corresponderían! apenas a maneiras de
(alar alegoristas ou tenderlas da antigüidade. Todavía note-se que tal tese
nao se deriva simplesmenle do exame literario do texto do Evangelho; eta
é, antes, inspirada por preconceitos filosóficos, ou seja, pela aflrmacSo
gratuita de que nao pode haver intervencSes extraordinarias de Deus na
historia dos homens.

A respeito da autentleidade dos milagres do Evangelho, já foram pu


blicados artigos em PR 110/1969, pp. 54-67; 111/1969, pp. 110-114.

Importa aqui frisar que os milagres de Jesús no Evange


lho fazem corpo com as palavras e os discursos do Mestre, de
sorte que quem nega a autenticidade dos milagres se vé, de
certo modo, na impossibilidade de entender as palavras mes-
mas de Cristo. Tres exemplos sejam citados:

a) MI 11,2-6: Joáo Batista encarcerado envia alguns discípulos para


perguntar a Jesús se era realmente o enviado prometido por Deus ou
se deveria esperar outro; Jesús respondeu referindo as curas de cegos,
paralíticos, leprosos, surdos e as ressurrelcóes de morios que Ele rea-
lizava. — Esta passagem é tida como multo antiga na tradigSo oral dos
Evangelhos.

b) Mt 11, 20-24: Jesús censurou as cidades da Galllé'ta (Corozalm,


Beisaida, Cafarnaum) por terem ficado insensiveis aos apelos de Jesús a
penitencia, apesar das manlfestacSes de poder (dynámeis = portentos)
que o Mestre Ihes tinha apresentado. — Passagem igualmente multo
antiga.

c) Me 3,22-30. Os fariseus acusaram Jesús de expulsar demonios


mediante Beelzebul. Atestavam assim que Jesús realizava feitos extraor-

— 399 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

diñarlos. Jesús, em sua resposta, nBo negou tais obras, mas apenas cuidou
de mostrar que Inconsistente ou v3 era a explfcacáo dada pelos fariseus.

4) O principal dos portentos de Jesús foi a sua ressurreigao


dentre os mortos, cuja autenticidade histórica tem sido parti
cularmente impugnada pela crítica liberal em virtude de pre-
conceitos. Um exame tranquilo do assunto pode levar á acei-
tacáo segura do fato da ressurreigao, como foi evidenciado em
PR 93/1967, pp. 381; 112/1969, pp. 148-159.

Merece atengáo a seguinte reflexáo sobre o binomio «pala-


vras-milagres» na vida de Jesús:

"Em Jesús, Deus nSo se contentou com dlzer-nos, por palavras, que
nos ama. Em Jesús, a Palavra de Deus se fez carne e sangue. Em con-
seqüéncla, também o corpo de Jesús — e nSo somente a sua llnguagem
— ó portador de amor e de reveladlo. Deus n8o se contentou com falar
para que o homem ou?a, mas também quis manlfestar-se vlslvelmente para
que o homem veja...

As narracSes de milagres nos dlzem precisamente que o encontró


de Deus com o homem — e do homem com Deus — nSo se dá apenas
na Interlorldade do corapao e da mente, mas em toda a nossa existencia
corporal. E, dado que a nossa corporeldade nos vincula com o mundo, o
encontró de Deus com o homem leva em conta também o fato de que nos
encontramos no mundo. A revelacSo de Deus ocorre nio somente por pala
vras, mas também por feitos: os feltos contingentes da vida de Jesús"
("Selecciones de Teología" n? 33, 1970, p. 94; condensacáo do artigo de
Franz Kamphaus, "Die Wunderberlchte der Evangelien", em "Bibel und
Leben" 6 [1965] pp, 122-135).

Em conclusáo deste exame de textos do Evangalho, ve-


rifica-se que Jesús teve consciéncia de ser mais do que um ho
mem,... de estar relacionado com Deus de maneira singular;
mais ainda:..¿ de ser igual ao próprio Deus. Ele afirmou esta
sua consciéncia perante os juízes que o acusavam e, por causa
disto, foi condenado á morte.

Pode-se, porém, perguntar: Jesús nao era um doente, pa


ranoico, obcecado por urna idéia fixa, de modo que sua auto-
afirmagáo nao passa de expressáo psicopatológica? Ou, caso
Jesús tenha sido sadio, nao foi um impostor, fraudulento e
ilusionista?

É a estas perguntas que vamos responder a seguir.

— 400 —
JESÚS, DEUS E HOMEM? 13

3. A personalrctade de Jesús

Distinguiremos o aspecto psicofísico e o aspecto moral da


figura de Jesús.

3.1. Perfil psicofísíeo

a) Os estudiosos, após atenta leitura do Evangelho, cos-


tumam concluir que Jesús devia ser físicamente robusto, dota
do de saúde vigorosa.

Durante tres anos levou vida intensamente movimentada,


caminhando de urna cidade para outra, exposto a todas as in
temperies. Enquanto as aves do céu tinham seus ninhos e as
raposas as suas tocas, Jesús nao tinha onde repousar a cabeca
(cf. Mt 8,20). Aos seus discípulos deu o conselho: «Nao levéis
coisa alguma para o caminho, nem bordáo, nem mochila, nem
pao, nem dinheiro» (Le 9,3). Iniciava cedo as suas jornadas
(cf. Le 6,13) e as vezes nem sequer tinha tempo para co
mer, cercado como estava pelas multidóes (cf. Me 3,20).
Finda a jornada, acontecía que se retirasse para a solidáo e
passasse a noite em oracáo (cf. Le 6,12; Mt 14,23).

Ém seus padedmentos fináis, Jesús deu a suprema prova


de sua fortaleza física e psíquica, demonstrando perfeito domi
nio sobre os ñervos, de tal modo que o centuriáo, estupefeito,
exclamou: «Verdadeiramente esta homem era Filho de Deus»
(Mt 27, 54). Observa sabiamente Karl Adam: «Qualquer tem
peramento doente ou simplesmente delicado, teria cedido ou
sucumbido. Nunca em lugar nenhum Jesús se retirou, nem mes-
mo ñas situacóes mais enervantes e perigosas. Ele dorme tran
quilo, repousando sobre o seu travesseiro, em meio á tempes-
tade que agita o lago de Tiberiade; quando os discípulos O des-
pertam, logo vencendo o sonó profundo, Jesús toma conscién-
cia da situagáo e a domina. Tudo isto mostea quáo longe estava
de ter um temperamento excitável, nervoso; ao contrario, era
sempre senhor dos seus sentidos. Numa palavra, era inteira-
mente sadio» (Karl Adam, «Gesü il Cristo». Bresda 1954,
p. 88).
A respeito de muitos místicos se refere que tiveram éx-
tases e arrebatamentos, que os tornavam msensíveis ao mundo
visível. Quanto a Jesús, nao se sabe que tenha passado por éx-
tases ou transes que lhe tirassem o dominio das facilidades
sensitivas. Em sua linguagem — que nada tinha de pomposo

— 401 —
14 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

ou esotérico — Ele recorría as imagens do mundo que o cer-


cava: as flores do campo, as aves do céu, as mancas que brin-
cavam ñas pragas públicas, os pescadores que puxavam as re
des e faziam a triagem dos peixes, a mulher que varre a casa,
a festa nupcial, o angariamento de trabalhadores para a vinha,
o administrador que trapaga, o semeador e a sementeira nos
campos, a videira e os ramos...

b) No plano psicológico, Jesús revelou inteligencia ampia


e perspicaz. Em cada situagáo, sabia de pronto apreender o es-
sencial, sem perder de vista os particulares. Assim, por exem-
plo, dizia: «Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro,
se vier a perder a sua vida? Ou que dará um homem em tro
ca dé sua vida?» (Mt 16,26).

Á conquista da vida é necessário subordinar tudo: «Se o


teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e langa-o
longe de ti, porque te é preferivel perder um so dos teus mem-
bros a que o teu corpo todo seja langado na geena» (Mt 5,29).

Principalmente ñas altercagóes com os judeus, sempre dis-


postos a insidias, manifesta-se a agudez de espirito de Jesús. As-
sim diante da questáo do imposto a ser pago a César, responde:
«Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus»
(Mt 22,21).

Por mais astutos que fossem, os adversarios jamáis conse-


guiram arrancar de Jesús urna palavra comprometedora.

No momentos de tribulagáo ou de gloria é que urna per-


sonalidade tem mais ocasiáo de se manifestar: pode entáo fá
cilmente perder o senso da realidade ou superestímar-se. Jesús,
porém, jamáis se deixou dominar pelos acontecimentos, Depois
da multiplicagáo dos páes, quando viu que o povo se dispunha a
aclamá-lo rei, fugiu a sos para urna montanha (cf. Jo 6,15).
Em vez de desfrutar a popularidade que os seus milagres Ihe
angariavam, Jesús impunha silencio as pessoas que ele bene-
ficiava (cf. Me l,43s; 3,11; 7,36; 8,26).

A vontade de Jesús era resoluta e inabalavelmente firme


em demanda de suas metas. Assim as primeiras palavras que
o Evangelho refere de Jesús, com doze anos de idade, paten-
teiam essa decisáo de vontade frente aqueles que o procuravam:
«Nao sabieis que devo ocupar-me com as coisas de meu pai?»
(Le 2,49).

— 402 —
JESÚS, DEUS E HOMEM? 15

Continuamente repetía Jesús: «Vim para... Nao vim


para...» (cf. Me 10,45; Le 5,32; 12,49; 19,10; Jo 3,15; 10,10;
18,37...). Tinha consciéncia de que o Pai o enviara á térra para
salvar o mundo mediante sua paixáo e ressurreicáo. Jesús nao
o esquecia por um momento. Mais de urna vez, os discípulos
quiséram dissuadi-ld de"tal obra; Jesús, porém, sempre superou
os obstáculos com a sua vontade tenaz, chegando a censurar
severamente a Pedro por nao compreender os designios de
Deus; cf. Me 8,32s; Jo 11,8-10; 18,11.
Depois de anunciar o pao da vida, Cristo viu que muitos
ouvintes, julgando demasiado duras as suas palavras, se afas-
taram ¿to Mestre. Voltou-se entáo para os doze discípulos que
ainda ficavam e perguntou-lhes: «Queráis vos também retírar-
-vos?» (Jo 6,68). Jesús colocava claramente a opeáo diante de
seus Apostólos sem desdizer &s palavras que havia anterior
mente pronunciado.
O derradeiro assalto contra a ventada de Jesús proveio
da própria natureza sensível do Mestre. Na noite de sua paixáo,
foi acometido de tristeza mortal; pressentia a tempestade que
se aproximava, e comecou a ter medo e angustíar-se (único
caso em que o Evangelho assinala tais sentimentos em Jesús;
cf. Me 14,33). Todavía mesmo entáo Cristo soube manter-se
na atitude devida: «Pai, nao se faca o que eu quero, mas o que
tu queres!» (Me 14,36). Jesús nao foi um apático e insensi-
vel, mas teve a firmeza necessária para subordinar seus senti
mentos e emocóes a realizagáo de sua missáo.
Nao é fácil a um herói compreender as fraquezas alheias.
Mas também nesse setor Jesús deu provas de equilibrio sur-
preandente. Como norma geral, ensinou aos seus discípulos que
nao julgassem o próximo (cf. Mt 7,1). A Pedro que perguntava
quantas vezes deveria perdoar, respondeu: «Setenta vezes sete»
(Mt 18,22), isto é, um sem número de vezes. Aos Apostólos
que queriam fazer desoar fogo sobre as cidades incrédulas,
replicou: «Nao sabéis de que espirito sois» (Le 9,55).
Jesús era particularmente comprcensivo para com os pe
cadores. É conhecido o episodio da mulher adúltera que os fa-
riseus queriam apedrejar. Sem derrogar á leí que mandava
realmente punir tal mulher, disse entáo muito sabiamente:
«Aquele de vos que nao tem pecado, lance a primeira psdra*
(Jo 8,8). Eles entáo foram-se retirando um por um; a sos dian
te da mulher disse o Senhor: «Mulher, onde estáo os que te
acusavam? Ninguém te condenou? — Ninguém, Senhor.
— Nem eu te condenarei; vai e nao peques mais» (Jo 8,11).

— 403 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

Jesús foi igualmente benigno para com a mulher infame


que penetrou na casa do fariseu Simáo. Em contraste com este,
que, por julgar-se justo, condenava interiormente a mulher e
Jesús, declarou o Senhor: «A quem muito ama, muito se per-
doa»; e, voltando-ee para a mulher, disse: «A tua fé te salvou;
vai-te em paz» (Le 7,36-50).

O amor aos pecadores sugsriu a Jesús as parábolas mais


belas de sua pregacáo: a do filho pródigo (Le 15,11-32), a
da ovelha desgarrada (Le 15,4-7) e a da moeda perdida (Le
15,8-10).

Pergunta-se agora: esse homem de inteligencia extrema


mente perspicaz, vontade férrea e extremada compreensáo hu
mana, terá levado urna vida íntegra? Nao terá sido um im
postor?

É o que passamos a considerar.

3.2. Perfil moral

Durante tres anos Jesús percorreu a Palestina, falando


em público, espreitado por seus adversarios, que se sentiam
importunados pelo comportamento sincero e leal do Mestre.
Mais de um vez prepararam-lhe armadilhas, a fim de poder acu-
sá-lo diante do povo judeu e das autoridades romanas. Quando
finalmente conseguiram prende-lo e levá-lo aos tribunais de
Anas e Caifas, nao puderam apresentar acusacóes definidas
contra Ele; levantaram-se falsas testemunhas cujos depoimentos
nao eram concordes entre si (cf. Me 14,56). Jesús pode mesmo
desconcertar os seus juízes quando respondeu a Anas: «Fatei
publicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no templo
onda se reunem os judeus, e nada disse ás ocultas. Por que me
interrogas? Interroga aqueles que ouviram o que lhes disse.
Eles sabem o que ensinei» (Jo 18,20-22). Ninguém entáo re-
plicou coisa alguma, mas um dos guardas, tomando a defesa
do Pontífice, deu urna bofetada em Jesús. Este insistiu: «Se
falei mal, prova-o; mas, se falei bem, por que me bates? (Jo
18,23).
Pilatos mais de urna vez qiris declarar Jesús inocente. Só
o entregou por medo de ser considerado inimigo de César.
A santidade de Jesús é fato único na historia. Somente
Ele pode, de cabega erguida, desafiar os seus adversarios, in
terrogando: «Quem de vos pode acusar-me de pecado?» (Jo

— 404 —
JESÚS, DEUS E HOMEM? 17

8,46). — Em sua sabedoria, os filósofos greco-romanos afir-


mavam sinceramente a impossibilidade de nao pecar. Assim
escrevia Epicteto (120/130 d. G): «Nao pecar é impossível.
Apenas nos é dado esforgar-nos continuamente por nao pecar.
E, se conseguimos evitar ao menos alguns pecados, já con
seguimos muitá coisa» (Dissert. IV 12). Séneca (t 65 d. C),
por sua vez, observava: «Todos temos pecado, uns mais grave
mente, outros menos gravemente... Nao somante temos pecado,
mas pecaremos até o fim. Mesmo aqueles que venham a puri
ficar a sua alma de modo que nada os perturbe ou seduza,
só chegam a tal inocencia depois de ter pecado» («De cle-
mentia» I 6). O gramático Libánio (f 394 d. C.) afirmava que
«nao pecar é próprio de Deus só» (epist. 1554).
O próprio povo de Israel, visitado pela Palavra de Deus
mediante sabios e profetas, nutria semelhante consciéncia: «Nao
há homem que nao peque», dizia Salomáo ao Senhor (cf. 1 Bs
8,46). E o sabio acrescentava em Prov 20,9: «Quem pode dizer:
*Meu coragáo está puro; estou limpo de pecado'?»

É sobre táo ampio fundo de cena que se deve entender o


desafio de Jesús aos seus inimigos: «Quem de vos pode acu-
sar-me de pecado?» (Jo 8,46).

Os dados até aqui registrados permitem-nos agora for


mular urna breve

4. Conclusao

Para medir a estatura de um homem, nao há padráo mais


seguro do que o da historia. Quantas pessoas e obras grandes,
que pareciam ter envergadura para desafiar os sáculos, nao
vieram a cair no esquecimento?! Quantas ilusóes nao se dis-
siparam sob os golpes do tempo! Quantas mensagens apre-
sentadas como mais firmes do que o bronze («aere perennio-
ra») conseguiram sobreviver aos ssus arautos?! «Securus iudi-
cat orbis terrarum. — O orbe profere o seu juízo seguro».

Ora em relacáo a Jesús o vensdito da historia foi intei-


ramente positivo. Pode-se mesmo notar ai algo de único na
sucessáo dos fatos humanos: a figura de Jesús tornou-se o
centro da historia; ela divide o tempo em duas secgóes: antes
e depois de Cristo. Nem Buda, nem Confúcio, nem Maomé,
nem algum outro líder espiritual ou político obteve tal laudo.
Verdade é que os maometanos contam os anos a partir da
Hégira (622 d. C); trata-se, porém, de urna praxe ¡solada e

— 405 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

restrita; o mundo inteiro aceita — ao menos ñas relagóes in-


ternacionais e oficiáis — o nascimento de Cristo como ponto
central da historia.

Passando desta verificacáo de índole histórica para a con-


sideracáo do impacto que a mensagem de Jesús exerceu sobre
as consciéncias humanas, registramos um efeito geral sem ter
mos de comparacáo. Em PR 111/1969, pp. 126-137, foi publi
cado um artigo sobre a revolucáo moral e social que o Cristia
nismo provocou em prol da humanidade.
Surge entáo oportunamente a pergunta: Seria possivel que
aquele que de tal modo transformou a face da térra e o inti
mo dos homens tenha sido um iludido e um ilusor ou impostor?
A historia conheceu, sem dúvida, muitos impostores. Mas
quantos sobreviveram a sua impostura?! Nietzsche julgou ser
o profeta de nova era, apresentando-se como o carrasco de Deus
e o Anticristo; foi vítíma, porém, de sua ilusáo, pois terrninou
os dias em urna casa de alienados. Ao contrario, é inegável o
fato de que as idéias que poderiam ser as ilusóes de Cristo, o
produto de mente doentia, se transmitiram aos pósteros e to-
maram vulto concreto através dos sáculos. Jesús quis ser amado
mais do que qualquer outro ente caro no mundo: mais do que
genitores, consortes ou filhos. E esta sua reiyindicacáo encon-
trou eco em milhóss de coragóes. Quantos jovens, homens e
mulheres, em vinte séculos de historia deixaram os pais, re-
nunciaram a constituir familia para amar a Jesús, de maneira
indivisa e total?! Centenas de milhares de mártires preferiram
a morte á vida vivida sob o marco da traicáo a Jesús. Doutro
lado, pode-se lembrar que muitos e muitos perseguiram a Cristo
no decorrer dos séculos. O amor e o odio sao os mais veementes
afetos humanos; Jesús foi objeto deles como nenhum outro
herói. Isto significa que a historia levou Jesús a serio. Ora a
historia nao leva a serio nem os iludidos nem os ilusores (im
postores) .

Bibliografía:

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J. Jeremías, "Le probléme hlstorlque de Jésus-Christ". París 1968.


ídem, "El mensaje central del Nuevo Testamento". Salamanca 1966.
W. Trllllng, "Jésus devant l'hlstolre". París 1968.
I. de la Potterle, "De Jésus aux Évanglles. Tradltlon et rédactlon dans
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J. Mlchl, "Le probléme de Jésus. De Jésus de l'histoire au Chrlst de
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L Boff, "Jesús Cristo Libertador". Petrópolls 1972.
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G. Albanese, "A procura da fé". Sao Paulo 1971.
P. Cerruti, "O Cristianismo em sua origem histórica e divina". Rio
de Janeiro 1963.
P.-R. Bernard, "Le mystére de Jésus. La personne du Christ á
travers les quatre Évangiles". Mulhouse* 1961.

resenha de livro
Cantigas do povo de Deus, por Jocy Rodrigues; apresen tacáo de
D. José Delgado, arcebispo de Fortaleza. — Ed. Vozes, Petrópolis 1972,
125 x 180 mm, 286 pp.

O livro dos salmos é o clássico livro de oragáo da Igreja. Du


rante muitos séculos, nutriu a piedade crista, e entrou em grande
parte\ do Oficio Divino ou do Livro de Horas, que ele integra até hoje.
Em nossos tempos, porém, nota-se dificuldade, da parte do povo de
Deus, para entender a linguagem arcaica e oriental das belas preces
do salterio, que falam de Jerusalém, Davi, Siao, Og, BasS, Amalee....
supondo ambientacto bem diferente da nossa (ocidental e moderna).
Daí o interesse do Pe. Jocy Neves Rodrigues, de Freí Carlos Mes-
ters e de outros estudiosos em proporcionar aos fiéis de hoje urna
traducSo popular e compreensivel do livro dos salmos.

O Pe. Jocy Rodrigues, conhecido músico nordestino, nos apre-


senta sua obra sob o titulo ácima; tentou aculturar os salmos, ou
seja, revestir de expressOes próprias da cultura brasileira a men-
sagem do salterio; procurou dizer o que tena dito o salmista se vi-
vesse hoje no Brasil. Como espécimens desse trabalho, temos os se-
guintes textos:

«Tuas vestes exalam mil aromas:


baunilha, incensó, rosas e jasmins.
Ouves cantos alegres pela estrada?
Sao os amigos que vém com seus viol5es>
(salmo 44)
«Essa igreja no meio da chapada...»
(salmo 47)

E o Pe. Jocy em nota de rodapé acrescenta: «Em lugar de da


chapada, diga-se, conforme o caso: do sertáo, desta praca, deste mor
ro, dusta mata, desta serra, etc.» (p. 93).
(Continua na pág. 427)

— 407 —
Sim ? Nao ?

"jesús cristo, superstar"

Em sínlese: A peca "Jesús Cristo Superstar", de orlgem inglesa,


apresenta-se como paráfrase da Paixao e da Morte de Cristo, é obra
grandiosa do ponto de vista do teatro moderno: cantos, cenarlos, luzes,
cores, atores constituem um conjunto Impressionante. Infelizmente, porém,
pode-se dlzer que todo esse valor artístico nSo transmite mensagem ou
é mesmo portador de mensagem negativa. Com efeito, a peca se abre e se
encerra Interpelando Jesús Cristo sobre a sua missio e sobre o sentido
do seu sacrificio. A Interrogacao como tal pode ser válida e sincera; por si
nada tem de irreverente. Contudo o desenrolar da peca reveste-se de traeos
um tanto sarcástlcos ou deprecativos para com Cristo: o relaclonamento
de Jesús com Maria Madalena, a prostituta que faz Jesús adormecer sobre
as suas pemas, é pouco digno ou mesmo deboehante. Jesús, no horto das
Ollvelras, nSo somente sofre, mas tambóm se desespera; parece um Idea
lista que comecou sua missSo de arauto de llberdade movido por gran
de fé mas se ve decepcionado pelo plano de Deus, que é cruel. Nao há
menefio direta e explícita da ressurrelcflo de Cristo (apenas um ambiguo
jogo de luzes após a morte do Senhor).
A figura de Judas é fortemente caracterizada como a do adversarlo
de Jesús, que se op5e aos planos de Cristo; tem algo de satánico. Marta
Madalena é figura que ocupa em "Superstar" um lugar que os Evangelhos
nao Ihe atribuem. Na verdade, a exegese bíblica mals abalizada distingue
tres mulheres que geralmente sfio confundidas sob o único nome de Marta
Madalena: a pecadora anónima que unge os pés de Jesús em casa de
SimSo- María Madalena, da qual foram expulsos sete demonios; e final
mente a Irma de Marta e Lázaro, santa mulher que unglu os pos de Jesús
em casa de Lázaro seis días antes de Páscoa.
Em suma, a peca é Impresslonanfe do ponto de vista artístico, mas
assaz negativa do ponto de vista da mensagem ou do conleúdo.
• • •

Comentario: Está em foco no mundo do teatro ocidental


a peca inglesa «Jesús Cristo Superstar» (Jesús Cristo Super-
estrela), da autoría dos dois jovens Tim Rice (poesía) e Andrew
Lloyd Webber (música), aquele contando 26 anos de idade, e
este 23 apenas. A tradugáo brasileira e adaptacáo ao nosso
ambiente é de Vinicius de Moráis.
Trazida a Sao Paulo (Brasil), a peca tem sido exibida no
Teatro Aquarius por iniciativa e dineeáo de Altair Lima, que
move 60 intérpretes, 36 músicos, 11 técnicos e 3 publicitarios.

— 408 —
«JESÚS CRISTO, SUPERSTAR» 21

Os ensaios duraram tres meses e meio; ao que se deve acrescen-


tar mais um mes de preparagáo, escolha de elenco, testes...; tém-
-se entáo 130 días de preparativos para a exibicáo da pega; a
despesa diaria nesse período era de qüase 7.000 cruzeiros.
O público que aflui ao espetáculo, é denso e vibrante —
o que promete compensar amplamente as despesas efetuadas
pelo empresario para produzir o mais caro espetáculo de tea
tro já montado no Brasil. O sucesso de «Superstar» no mundo
inteiro tem superado o de «Hair».
Os comentarios da imprensa e dos estudiosos (críticos de
teatro e literatura, teólogos, biblistas, jornalistas...) tém sido
numerosos, mas assaz contraditórios, fator este que contribuí
para tornar aínda mais densa a afluencia do público. Visto
que o assunto é candente e rico em facetas, ñas páginas que
se seguem, apresentaremos algumas reflexóes atinentes a «Jesús
Cristo Superstar», tendo em vista principalmente o conteúdo
da peca e seu significado para a consciéncia crista.

1. «Jesús Cristo Superstar»

A pega apresenta, com algumas particularidades (a ser


analisadas oportunamente), a historia da Paixáo ou dos seis
últimos días de Cristo, desde a ungáo dos pés de Jesús em
casa de Lázaro e Marta (cf. Jo 12,1-8) até a morte do Senhor
na Cruz; nao há mengáo de ressurreigáo. Tres figuras sao sali
entes no enredo: Jesús, María Madalena (mulher de má vida)
e Judas. Aparecem os outros Apostólos de Jesús, os juízes «Ja
Sinedrio (tribunal judeu), Pilatos e seu tribunal, Herodes e seu
tribunal, além de um coro misto de canfcores(as) e bailari-
nos(as). Todos se movem e cantam frenéticamente, acompanha-
dos por orquestra de estilo «pop-rock» num jogo de luzes, co
res e trajes belos e variados. «O meu espetáculo, disse Altair
Lima, nada tem a ver com a montagem norte-americana ou
francesa, nem é inspirado em qualquer outro. É urna criagáo
sob o ponto de vista das marcagóes, de coreografía, das roupas,
da luz, inteiramente brasileira, pensada e criada aqui por mim
e pela minha equipe» («Correio da Manhá» 25 e 26/6/1972,
anexo, p. 1).
Inegavelmente, como criacáo artística, a pega é grandiosa,
se nao empolgante. Dotada de forte poder de impressionar,
pode cativar a platéia (como, alias, o teatro moderno, com suas
canjees, suas correrías, seus clamores bruscos e violentos,

— 409 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 153/1972

costuma iropressionar). Nao lhe falta o «picante erótico», que


pretende agradar ao público. De resto, Altair Lima declarou
que o seu espetáculo «é urna visáo leiga de Cristo, nunca urna
visáo teológica. Um dos autx>res, Tim Rice, é inclusive ateu»
(«Correio da Manhá», 1. c).

Após esta sucinta apresentagáo do conteúdo da pega,


passamos ao nosso objetivo principal contido na pergunta que.
nenhum cristáo pode deixar de formular a si mesmo:

2. Que dizer de «Superstcir» ?

Podem-se tomar como .tragos muito significativos de «Su-


perstar» a cena inicial e a final da pega. Em ambas, deixa-se
aberta urna interrogagáo ou um desafio. Corrí efeito, a repre-
sentagáo se abre com um coral a cantar diante de Jesús posto em
pé, de bragos abertos e com trajes brancos: «Jesús, vocé foi
cair nessa de se autopromover!... Em que fría vocé se meteu!
Sua gente está maluca. Está com muito céu na cucaf» No fi
nal, á guisa de conclusáo, o coro ainda interpela: «Jesús Cristo,
qual a razio do teu sacrificio? Só quero saber».

Na cena inicial (como, alias, em todo o decurso de pega),


Judas tem lugar saliente, aparecendo por vezes com o traje ou
porte que lembra o demonio ou o «demoniaco» no teatro. No
final, para saudar a platéia, apresenta-se destacadamente o trio:
Jesús, Judas e Madalena. Esta, alias, tem igualmente grande
relevo em todo o enredo da pega.

Vamos, pois, considerar, antes do mais, as tres figuras:


Jesús, Madalena e Judas.

2.1. Jesús

Pode-se crer que «Jesús Cristo Superstar» pretende ser


um repto a Jesús Cristo. Apresenta Jesús com suas carac
terísticas bem numanas e um pretenso sonho de ser Messias, Rei
ou Libertador de Israel. Ele seduz as multidóes com a sua pre-
gacáo. Para María Madalena, é o melhor dos homens. Morre
por se haver apresentado como Messias ou como Deus, con
denado por instigagáo dos judeus.

A morte trágica dz Jesús impressiona os seus seguidores,


que ficam perplexos diante do desfecho. O próprio Jesús pa-

— 410 —
«JESÚS CRISTO, SUPERSTAR» 23

rece incerto de como há de acabar seus dias: «Eu quero ver,


meu Deus, se eu vou morrer!», diz Ele no horto das Oliveiras.
Em sua oragáo ao Pai no Getsémani, Jesús diz estar cansado:
«Quando comecei, tinha tanta fé! Mas agora estou cansado.
Sao tres anos... Tua vontade é urna crueldade». :

Jesús termina na cruz, sem que haja evidente aceno á sua


ressurreicáo. Apenas um rodamoínho de luz e trevas ou de luzes.
branca e coloridas após a morte de Jesús pode sugerir a vitó-
ria da vida sobre a morte ou a continuacáo da vida. Todavía
esse simbolismo nao é claro, prestando-se a mais de urna inter
pretacáo (há quem julgue que os raios luminosos dessa figura
representam o sangue de Cristo a se derramar sobre o mundo
inteiro). — Nada há, em toda a peca, que caracterize Jesús
como Deus: a predigáo de que Pedro o trairia, perde ai o sea
caráter de profecía, pois em dado momento na ultima ceia Jesús
diz, referindo-se aos Apostólos: «Basta olhar essas caras para
ver que ninguém vai-se lembrar de mim!»

Considerando estes tragos, podemos dizer: embora o en


redo nao negué diretamente a Divindade de Jesús, atribuí ao
Senhor atitudes que o reduzem á qualidade de mero homem...
mero homem sonhador, idealista, mas iludido. A interpelacáo
final: «Jesús Cristo qual a razáo do teu sacrificio?» pode ser
entendida como eco as exclamagóes iniciáis: «Jesús, vocé foi
cair nessa de se autopromover! Em que fria vocé se meteu!»
— Ou será que tais dizeres admitem interpretacáo divensa? Po-
deriam ser considerados como interrogacóes sinceras conce
bidas pela juventude de hoje sequiosa de conhecer o segredo
do comportamento heroico de Jesús Cristo? Essas interroga-
góes revelam sarcasmo descrente ou sao dúvidas langadas sem
preconceitos pelo homem de hoje ao contemplar Jesús Cristo?
Parece-nos difícil admitir a intsrpretagáo benigna, desde que
se leve em conta a cena inicial, o teor e o andamento gerais
da pega, assim como o reladonamento de Jesús com María
Madalena; esses tópicos insinuam descrédito e certa depreciagáo
no tocante a Jesús Cristo. Este, frente a Maria Madalena, faz
o papel de «garoto» simplório e iludido que a prostituta sabe
atrair.

Nao se pode negar, porém, que, fora o seu comportamento


em rela^áoo a Madalena, Jesús se apresenta com porte e con-
duta sobrios e dignos (note-se a diferenga para com o Cristo
de Luiz Buñel no filme «Vía Láctea»; o Cristo de Buñel é jo
vial e gozador). De modo especial, é digna de atengáo por sua

— 411 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

beleza artística a cena da flagelagáo de Jesús; 39 acoites lhe


sao infligidos sucessivamente, enquanto Jesús vibra de dor —
o que deixa o público teso e emocionado.

2.2. Madalena

A María Madalena é dado na peca um realce que os Evan-


gelhos nao lhe atribuem. É explícitamente dita «prostituta»;
apaixona-se por Jesús, e por duas vezes o faz adormecer sobre
as suas pernas: «Dorme em pazi Vem um soninho bom. As
estrelinhas váo subir. Fecha os olhos em paz, meu Senhor!»,
canta Madalena. Jesús lhe retribuí o amor, defende-a de seus
acusadores e sai com ela de máos dadas.
Depois de certo convivio com o Senhor, essa mulher se
diz mudada; nunca encontrou homem táo bom apos ter tido
mil outros.
A conduta de Jesús para com tal mulher na pega é a
de um menino inexperiente, se nao apaixonado. Este relacio-
namento de Jesús com Madalena é produto da ficcáo do tea
trólogo. Na verdade, o Evangelho nao dá a entender que Jesús
tenha tido paixáo ou afeto desregrado. Falou mesmo aos seus
seguidores em termos de renuncia á familia: «Se alguém vier
ter comigo e nao aborrecer a pai, máe, esposa, filhos, irmáos,
irmás e até a própria vida, nao poderá ser meu discípulo. Quem
nao toma a sua cruz para vir a mim nao pode ser meu discípulo»
(Le 14,26s).
A atitude de Jesús para com Madalena é o «picante» da
peca ou o tempero que nao raro aparece no teatro e no cinema,
mesmo quando os personagens focalizados sao os mais ve-
neráveis.
A própria figura de Madalena como prostituta ou mulher de
má vida é algo de discutido pelos exegetas. Embora se cos-
tume apresentar Maria Madalena como a pecadora infame
arrependida que ungiu os pés de Jesús (e é isto que os autores
de «Jesús Cristo Superstar» supóem), a exegese contemporá
nea prefere distinguir tres mulheres debaixo dessa figura tra
dicional. Seriam

a) Maria de Mágdala ou Madalena, "da qual tinham safdo sete de


monios", mencionada em Le 8,2 e Le 24,10;
b) a pecadora infame que ungiu os pé9 de Jesús em casa de Slm|o
o fariseu e que o Evangelista deixa no anonimato; cf. Le 7,36-50. Nao
há motivo para ldentHIcá-la com Maria de Mágdala; esta ó mencionada

— 412 —
«JESÚS CRISTO, SUPERSTAR» 25

logo após a cena da uncSo dos pés em casa de Simáo, sem alusáo a
pecadora infame; o fato de que de Madalena haviam safdo sete demonios,
nao é suficiente para identlflcá-la com a pecadora de Le 7;

c) a IrmS de Marta e Lázaro, que também unglu os pés de Jesús,


conforme Jo 12,1-8. Essa mulher parece ter sido sempre digna em seu
comportamento (cf. Le -10,38-42). O fato de ter ungido os pés de Jesús
nSo basta para Identifica-la com a pecadora Infame de Le 7.

Nao há, pois, fundamento para crer que Jesús tenha tido
amizade especial a Madalena e que esta lhe tenha ungido os
pés (quem ungiu, foi Mana, irmá de Marta e Lázaro; foi
também, de outra feita, urna pecadora que o Evangelista nao
nomeia).

2.3. Judas

Judas é, como dito, urna das figuras mais em foco na


pega. Faz as vezes de tentador ou adversario de Jesús. Opóe-se
á ascensáo e ao prestigio do Mestre. Por isto acaba-o traindo.
Sao características as palavras com que Judas interpela Jesús
logo no inicio da peca:

"Jesús, vocé comecou a crer ñas coisas que dlzem de vocé. Vocé
realmente acredita que é verdadelro o plano de Oeus a seu respelto.
Todo o bem que vocé tem felto, será brevemente banldo. VocS comecou
a interessar mais do que as coisas que vocé diz. Ouca, Jesusl Nao estou
gostando do que vejo. Tudo que peso, é que vocé me ouca. E lembre-se:
tenho sido tua müo dlrelta todo esse lempo. Vocé incltou a todos; eles
vSo ferl-lo quando descobrlrem que estfio errados. Lerr.bro-me de quan-
do Isto tudo comecou. Nada dessa conversa de Deus; nos o conslderáva-
mos mero homem. E creia-me: mlnha admirac3o por vocé nSo morreu.
é destorcida de alguma manelra. E vSo feri-lo, se pensarem que vocé
mentiu. Nazaté, teu filho deveria ter permanecido um grande desconhecldo
como seu pal, entalhando madelra; térla felto boas mesas, cadeiras, e co
fres de carvalho... Ele nfio teria causado prejufzo a rlnguém... Ouca,
Jesusl Vocé cuida de sua gente? NSo vé que devemos manter-nos em
nosso lugar? Vocé esqueceu como estamos dominados? Estou assustado
por causa da multidSo, pois estamos dando multo na vista e nos esmaga-
ráo se tormos multo longe..."

É digna de nota a cena em que Judas reluta consigo


mesmo diante da oferta de dinheiro que o Sinedrio (tribunal
dos judeus) lhe faz; tentado por figuras diabólicas, resiste á
proposta dos adversarios de Jesús, que lhe dizem: «Um pouco
de prata nao mata ninguém». Finalmente aceita e comprome-
te-se a entregar Jesús na quinta-feira e no Getsémani. Por
último, arrepende-se e, desesperado, morre enforcado, enquan-
to o coro exclama repetidamente: «Pobre Judas!»

— 413 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

Táo grave relevo dado a Judas supSe determinada in-


terpretacáo dos textos ido Evangelho. Por alguns estudiosos
Judas é tido como «sicario» ou nacionalista judeu extremado
que vivía a tramar contra as autoridades romanas. Teria visto
em Jesús um chefe revolucionario capaz de levar avante o
nacionalismo de Israel e promover a independencia do país.
Decepcionado, porém, pela brandura e a capacidade de con-
ciliacáo de Jesús («Dai a Deus o que é de Deus, e a César
o que é de César»), ter-se-á desiludido de Jesús, acabando fi
nalmente por trai-lo. O enredo que assim se constrói em tor
no de Judas, é hipotético e, por isto, sujeito a contradicáo.
De resto, também a figura de Simáo o Cananeu ou Ze-
lot° é apresentada em «Superstar» como a de um revolucio
nario que instigava Jesús contra os romanos. Tenham-se em
vista as palavras de Simáo ao Mestre:
"Há clnqüenta mil pessoas... e mais, que proclamam o seu amor
por vocé. Cada um dos cinqüenta mil fará tudo que vocé qutser. Olhe
Dará a sua dedlcacao, mas acrescente-lhe um toque de odio contra Roma.
Vocé subirá a um poder maior; nos ganharemos um lugar para nos mesmos.
Vocé conseguirá poder e gloria por todos os séculos dos séculos. Amemi
Amém!"

Os demais personagens que se sucedem no cenário (Apos


tólos juízes, pagens, dancarinos e idancarinas) desempenham
papéis brilhantes (embora um tanto livres) no conjunto da
pega.

Passemos agora a urna

3. ConctusSo

Procurando formular um julgamento sobre «Jesús Cristo


Superstar», diremos que

1) os aspectos artísticos e teatrais da pega sao grandio


sos e imponentes; decoragáo, luzes, cores, assim como os pró-
prios atores, concorrem para produzir um espetáculo de ele
vado nivel.

2) Infelizmente, porém, esse brilhantismo é dado a um


enredo que nao tem mensagem, Propóe questóes sobre Jesús
Cristo; a quanto parece, porém, nao sao questóes neutras, de
quem despretensiosamente queira refletir sobre Cristo, mas
sao interrogagóes ambiguas, se nao sarcásticas. O deboche apa
rece de maneira particularmente clara no comportamento as-

— 414 —
«JESÚS CRISTO, SUPERSTAR» 27

sumido por Jesús e Madalena: Jesús é entáo o «bom menino».


Em suas relagóes com Deus, Jesús é o iludido e desiludido, in
seguro do seu desfecho. Tenha-se em vista, para confronto, o
Cristo do «Evangelho segundo S. Mateus» de Pasolini (autor
que nao professa a fé crista).: é forte, convicto, enérgico e viril.
O sarcasmo e o debocheem «Jesús Cristo Superstar» sao ele
mentos negativos.

3) A capacidade de penetracáo da pega no grande público


se deve, em grande parte, ao fato de que explora um dos te
mas mais belos da historia e um dos que mais prendem a atencáo
dos nossos contemporáneos: Jesús Cristo. A figura de Cristo
está «na moda»; ela parece ser a resposta ia sofreguidáo do
homem de hoje, que se cansou do ritmo materializante da so-
ciedade de consumo. «Jesús Cristo Superstar» nao apresenta
devidamente a face de Cristo a quem O procura, mas ao me
nos pode despertar o interesse de muitos espectadores para que
váo diretamente ao texto do S. Evangelho, a fim de ai en-
encontrar-se com a mensagem límpida do Senhor Jesús. Se «Je
sús Cristo Superstar» for motivo para que o público se volte
mais atentamente para os Evangelhos e estude as proclama-
góes destes, ter-se-á, em parte ao menos, resgatado o que de ne
gativo tenha produzido a táo famosa peca.
Segundo a reportagem de Edllson Martins no "Jornal do Brasil" de
28/4/1972, cad. B, p.l., Eduardo Conde, um dos dois alores que repre-
senlam Cristo em "Superstar", é um engenhelro de 24 anos formado pela
PUC do Rio de Janeiro, que resolveu dedlcar-se ao teatro e mudou de
vida. Era frivolo, e dado ás pratas de Ipanema; depois que se engajou
em "Superstar", diz continuar agnóstico em relacSo á religISo propria-
mente dita, mas sente-se envolvido, pensativo e dado ao silencio... Vai
descobrindo talvez algo de novo. Este será um resultado positivo de
"Superstar". Pode-se perguntar, porém: será que multa gente sentiu o
impacto de Cristo através de "Superstar"? Oremos que nao poucos es
pectadores da peca sentem o impacto da música e da arte moderna vei-
culado por "Superstar"; todavía, no tocante á fé, nada lucram, caso nao
percam!

A imprensa no mundo Intelro tem-se ocupado com "Jesús Cristo

Newsweek 15/ii/19íi; Li-iomme roouveau , ¿i/ii/is/i; luihib ,


10/10M971; "Trie Tablet", 27/11/1971; "América", 30/10/1971; "The Chrls-
lian Century" 10/10/1971. ,

Veja-se também o artigo de G. Arledier: "Jesús Christ Superstar",


em "La Clviltá Cattollca" 4/3/1972, pp. 477-481.

A respeito dos julgamentos críticos emitidos pelo Emo. Sr. Cardeal


D. Vicente Scherer, de Porto Alegre, e pelo Sr. Arcebispo D. Paulo Evaristo,
de Sto Paulo, ve¡a-se "O SSo Paulo" de 27/5/72 e 24/6/72.

— 415 —
aínda e tempo

DE COMPRAR

ESTE MES

A NOVA

ENCICLOPEDIA

CATÓLICA*

* Veja a apresentapáo no número de agosto de "PR"


Fora e dentro da Igreja:

crise de autoridade

Em sínlese: O concelto e o exercfclo da autoridade estáo em crlse


na socledade contemporánea por motivos diversos: nova valorizacio da
pessoa humana e da sua llberdade, senso democrático cada vez mals vivo,
abusos e dlstorcSes ocorridos no passado provocam fácilmente a contes-
tacáo da autoridade.

Todavia a autoridade é fator necessário ¿ coesáo e á eficiencia de


qualquer comunidade; seu fundamento está no direito natural. O que hoje
se requer, nSo é a extincfio da autoridade, mas, sim, a revisSo do respec
tivo conceito onde esteja deformado: autoridade é, antes do mals, servlco.
é para desejar que a autoridade recorra ao diálogo, sendo, porém, que a
última palavra no diálogo toca ao dirigentu; embora todos os membros
de urna sociedade sejam corresponsávels pelo bem comum, há diversos
graus de responsabilidade, cabendo a principal responsabllldade ao chefe
ou Superior. A contestacSo da autoridade pode ser legitima, desde que nfio
haja outro recurso para remediar as deficiencias experimentadas por urna
comunidade e se inspire realmente no amor a Deus e ao próximo; nSo
a movam paixdes ou interesses desregrados.

Na Igreja, apllcam-se á autoridade as notas comuns a toda autoridade.


é preciso, porém, realcar que a autoridade na tgreja nao é delegada
pelo povo de Deus aos seus mandatarios ou pastores, mas vem de Deus
por via sacramental. Daf o respeito e a reverencia com que háo de ser
acatadas as palavras da hlerarquta eclesiástica (máxime as do Sumo
Pontífice e dos Bispos). Gozam de infalibllldade, assegurada por Cristo,
o magisterio ordinario (representado pelos bispos em consenso moralmente
unánime) e o magisterio extraordinario da Igreja (definieres do Papa ou
de Concilios ecuménicos, quando versam sobre questóes de fé e de moral).

Comentario: Muito se fala, hoje em día, de crise de auto


ridad®. Varios fatores da vida contemporánea suscitam situa-
góes difíceis tanto para aqueles que devem mandar, como para
os que háo de obedecer. A fungáo de autoridade é tida como
antipática e vem a ser freqüentemente obíeto de contestagáo.
Dentro da própria Igreja, sente-se a repercussáo da crise de
autoridade, como atestam nao poucos documentos e fatos con
temporáneos.

Eis por que, ñas páginas que se seguem, procuraremos es-


tudar algumas das principáis facetas que o problema hoje em
dia apresenta. Já em PR 149 e 150/1972, pp. 195-208 e 252-263

— 417 —
30 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

foram abordadas certas dimensóes da questáo sob o título


«Contestacáo na Igreja».

1. Autoridade em crise

1. A palavra «autoridade» vem do latim auctoritas. Este


vocábulo, por sua vez, se deriva de auctor, substantivo que pro-
vém do verbo augere, aumentar. — Auctor vem a ser, pois,
«aquele que faz crescer ou que aumenta», ou ainda, «aquele
que tem a iniciativa de um empreendimento ou que transmite
a outrem um direito».

Através da historia, a palavra auctoritas significou a ga


rantía jurídica do valor de um ato ou coisa. Em sentido ampio,
passou a .designar a qualidade em virtude da qual um homem
(magistrado, escritor, testemunha, sacerdote) é digno de cré
dito ou de consideragáo (fala-se 'da autoridade de um historia
dor ou de um filósofo). Em sentido posterior, «autoridade»
significa o direito que alguém tenha, de se fazer ouvir ou obe
decer; é o legitimo poder de comandar.

2. A autoridade, entendida neste último sentido, está hoje


em dia em crise, ou seja, em situacáo de juízo e de revisáo
de valores.

Qaais seriam os motivos da crise?

1) Sabe-se que o exercício do mando, ao lado de numero


sos frutos positivos, tem dado lugar a abusos e males diversos
através dos séculos: prepotencia arbitraria, sufocagáo de per
sonalidades, erros de orientagáo... decorreram copiosamente do
uso destorcido da autoridade. Na verdade, mesmo aqueles que
sao legítimamente escolhidos ou nomeados para orientar seus
irmáos ficam sujeitos á fraqueza humana, por mais merito
rios e significativos que sejam os seus títulos.

2) Da modo especial, acusa-se a autoridade de haver-se


por vezcs tornado patemaúsmo, ao qual correspondeu um certo
infantilismo por parte dos súditos. Em outros termos: o exer
cício do mando chegou, em certas ocasióes, a .tais minucias que
nao mais deixou margem á iniciativa e ao exercício da respon-
sabilidade por parte dos subalternos. Nao há dúvida, em nao
poucos casos eram a bondade e o zelo que inspiravam tais ex-
cessos de paternidade (e maternidade). Hoje em dia, porém,
registra-se forte e legitima reacáo contra tipo tal de autoridade.

— 418 —
CRISE DE AUTORIDADE 31

A autenticidade do homem o leva a querer fazer-se segundo o


que é em si e nao a ser feito por outrem, segundo modelos
artificiáis ou estranhos a ele mesmo. O homem moderno esti
ma mesmo, de modo especial, ser tido como responsável e par
ticipar das responsabilidades da sociedade.
3) Ademáis as tendencias democráticas de nossos tempos
tém concorrido para diluir o conceito de autoridade. O chefe
ou govemante de um grupo ou comunidade é tido como re
presentante ou delegado dessa comunidade; fica, pois, sujeito
ao controle idesta. Conseqüentemente, a comunidade se senté
estimulada á crítica e á contestagáo. É cada vez mais vultoso
o fenómeno da contestagáo em nossos dias, tanto fora como
dentro da Igreja. Frente as diversas manifestagóes da contes-
tacáo contemporánea, torna-se nao raro insegura a posifiáo
de quem governa. A autoridade se mostra por vezes hesitante
quando se vé na contingencia de dar normas; nao ousa falar
diante de problemas que surjam, instaurando-se assim clima
de mal-estar em nao poucos ambientes.

4) A valorizagáo da pessoa humana, o respeito a cons-


ciéncia alheia, a estima da liberdade contribuem também for-
temente para que se diluam ou mesmo se rejeitem por com
pleto as nogóes de clieBa, comando, suborilinacáio, obediencia.
É comum o apelo para a idade adulta ou a mentalidade escla
recida e madura daqueles que a autoridade pretende subordi
nar aos seus preceitos. É notorio que, entre os «hippies», quan
do se pergunta quem é o chefe do grupo, a respósta soa: «É
vocé mesmo que pergunta!» Este dado revela deboche ou a-
cinte em relagáo ao conceito de autoridade. — Em nao poucos
livros e artigos de nossos tempos, exalta-se a coragem dos
que resistem á autoridade ou a desautoram mediante réplicas
veementes. Em suma, o brado de «Liberdade, igualdade e fra-
ternidade!1», que animou os revolucionarios franceses de 1789,
concorrendo para destronar a monarquia, ainda hoje é atuante,
contribuindo para derrogar aos novos tipos de autoridade que
a sociedade vai conhecendo.
A impugnagáo ou a diminuida estima do conceito de auto
ridade, assim ocasionada em nossos dias, leva-nos a perguntar:

2. Necessária, a autoridade?

Apesar dos abusos e das distorgóes ocorrentes no exer-


cício da autoridade, verifica-se que nao seria razoável pleitear a

— 419 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

sua extincáo, como se a autoridade fosse a expressáo contin


gente de determinada fase da cultura ou da historia. Com
efeito, nao é possivel urna comunidade sem autoridade. E isto,
por dois motivos principáis:

— A autoridade vem a ser o principio de coesáo dos di


versos membros e das variadas iniciativas do grupo. A-autori
dade é o fator de unidade do conjunto; é ela que mantém a
consciéncia de que a multiplicidade no grupo tem sua ¡unidade.
Sem autoridade, o grupo carece ide ordem e se desmantela.

— É a autoridade que orienta o grupo na conquista de


seus fins; é ela que o ajuda día por dia a escolher os meios
de acáo comum mais aptos e eficazes. É ela que mobiliza o gru
po e o anima para que cresca.

Nunca houve grupo sem autoridade ou chefia. Esta po-


dia ser confiada a um individuo — o .piaterfamilias, o pai de fa
milia, por exemplo — ou a um colegiado de cónsules, anciáos,
sacerdotes, etc. Mas sempre se cuidou de instituir a autoridade
respectiva em todo e qualquer grupo, a fim de que atingisse
os seus objetivos.

Por isto se diz que a autoridade é de direito natural, ou


seja, algo que aos homens nao compete abolir, porque nao foi
instituido pelos homens. O Concilio do Vaticano II afirma tais
verdades referindo-se á autoridade na sociedade política. As
suas palavras, porém, aplicam-se igualmente á autoridade em
geral:
"Muitos e variados sSo os homens que Integram a comunidade
política e podem legítimamente seguir opInISes diversas. Para que nSo se
divida a comunidade política, segulndo cada um a sua própria oplnllo,
requer-se a autoridade que dirija as energías de todos os cidadSos para
o bem comum, nao mecánica nem despóticamente, mas, antes de tudo,
como autoridade moral, que se apoia na llberdade e na conscléncia do
cargo e da responsabilidade assumlda.
Portanto, é evidente que a comunidade e a autoridade se fundamen
tan) na nalureza humana e por Isso pertencem á ordem predeterminada
por Deus, embora sejam entregues á llvre vontade dos cldadSos a esco-
Iha do reglme e a designacSo dos governantes" (Const. "Gaudium et Spes",
n? 74).

3. Autoridade renovada

O que importa em nossos dias, nao é cancelar a autoridade


nem entravar o legítimo exercício de suas fungóes, mas, sim,
por em plena luz o significado da autoridade, removendo os
tragos que deturpam o conceito respectivo.

— 420 —
CRISE DE AUTORIDADE 33

Como se poderia, portanto, renovar a nogáo de autoridade?

— Segundo o Evangelho, «ser o primeiro» significa «ser


o servidor de todos». Assim diz Jesús:
"Os reis das nacSes imperam sobre elas e os que nelas exercem
a autoridade sao chamados benfeltores. Convosco nao deve ser assim;
que o maior entre vos seja como o menor; e aquele que mandar, seja
como aquele que serve" (Le 22,25s).

"Se alguém qulser ser o primeiro, há de ser o último de todos e o


servo de todos" (Me 9,35).

"Vos me chamáis Mestre e Senhor, e dlzels bem, visto que o sou.


Ora, se eu vos lave! os pés, sendo Senhor e Mestre, também vos devels
lavar os pés uns aos outros. Del-vos o exemplo, para que, como eu vos
fiz, tacáis vos também" (Jo 13, 13-15).

Vé-se, pois, que, segundo o Evangelho, a autoridade é


um servico; visa, antes do mais, o bem dos subalternos — o
que requer grande humildade e abnegagáo por parte dos di
rigentes. O Concilio do Vaticano n realga com insistencia a
noció de autoridade como servigo. Tenha-se em vista, por
exemplo, urna passagem entre muitas outras: «Em espirito de
servico, os Superiores exergam a autoridade em favor dos
irmáos, de forma a exprimir a caridade pela qual Deus os ama»
(Decr. «Perfectae caritatis» n» 14).

J.-M. Le Blond, em notável artigo sobre o assunto, mos-


tra que atualmente a autoridade tende a ser concebida como
responsabilidade e como fungáo mais do que como dignidade;
«ela nao é propriamente um direito que impóe deveres, mas é
um dever que, para ser executado, implica direitos e pode
res» *. A autoridade é, sim, o dever de servir, ao qual estáo
necessariamente associadas certas facilidades ou certos pode
res. — A fórmula é feliz porque afirma simultáneamente o
primado do servigo e a necessidade dos meios sem os quais
nao poderia haver auténtico servigo.

Inspirando-se em S. Inácio de Loiola (f 1556), tido como


famoso mestre da obediencia, Tullo Goffi num livro recente
também apresenta um visáo profunda e bela do que seja au
toridade:
" A autoridade é urna co-partlcipacSo do governo que Deus exerce
sobre os homens a (¡m torná-los mais eficientes no saber orlent&r-se para
o mesmo Deus em meló ás varias escolhas dos amores terrenos" ("Obe
diencia e Liberdade pessoal". SSo Paulo 1970, p. 14).

* "Problémes nouveaux d'autorité dans l'Église", em "Eludes", Julho-


-agosto 1966, p. 104.

— 421 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

A partir da etimología da palavra "autorldade", pode-se também dlzer:


aauele que recebe autorldade, recebe-a para se tornar autor do bem que
ele deve governar ou para aumentar esse bem (autor vem de augere,
aumentar em latim).

É preciso agora levar em conta algumas modalidades do


reto exercício da autoridade.

4. Autoridade e diálogo

Como foi dito, á autoridade toca nao sufocar as persona


lidades e os talentos dos subalternos, mas, ao contrario, desco-
bri-los e concorrer eficazmente para que se desabrochen!.
Desta proposigáo deduzem-se importantes corolarios:
A fim de que a autoridade possa conhecer exatamente os
talentos, as aptidóes, as interrogagóes, limitacóes e dificulda-
des dos seus súditos, é altamente oportuno o diálogo com es
tes. O diálogo pode mesmo manifestar a existencia de alvitres
coiitraditórios no chefe e nos subalternos respectivamente. Na
da impede que estes proponham francamente o que pensam,
tendo em vista o maior bem da comunidade. O Superior, ao
ouvir serenamente a exposigáo franca de motivos apresentada
pelos súditos, será mais bem informado e poderá avaliar me-
Ihor a situagáo em foco. Todavía a última palavra do dialogo
tocará sempre ao Superior. Este nao pode ser reduzido a con-
dicáo de mero executor da vontade dos súditos ou da comuni
dade; pois neste caso já nao seria responsável pela sorte da co
munidade; mas ao Superior compete sempre assumir a respon-
sabilidade de encerrar o diálogo, ainda que julgue dever con
trariar os súditos e mesmo que tenha recebido dos súditos a
sua escolha ou nomeagáo para chefiar o grupo.
A cowesponsabilidade é um bem a ser obtido e cultivado
dentro de todo grupo. Todavía ela se distribui em gratis di
versos que também devem ser respsitados. Nao seria lícito
proceder como se todos os membros de urna sociedade fossem
igualmente corresponsáveis do bem comura, ficando ofusca
das as funcóes próprias dos respectivos dirigentes. Esta verdade
é ilustrada pelo S. Padre Paulo VI, cujas palavras se referem
dinstamente á sociedade que é a Igreja, mas se aplicam a toda
e qualquer sociedade:
•'Se a Igreja é urna comunh§o, ela comporta urna base de iguatdade:
a dionldade pessoal, a fratemldade comum. Ela comporta urna solidarte-
dade progressiva (Gal 6,2). Ela comporta disciplina e urna colaboragao

— 422 —
CRISE DE AUTORIDADE 35

leal. Ela comporta urna corresponsabllldade relativa na promocSo do bem


comum. Mas ela nSo comporta urna igualdade de funcSes; estas, ao
contrario, sao bem distintas dentro da comunhao da Igreja, a qual ó or
gánica, hierárqulca, e constituí um corpo com responsabilidades diferentes
e bem determinadas" ("La Documentation CathoÜque" 21/VI/1970, p. 559).

O .diálogo, fator e esteio da corresponsabilidade bem en


tendida, está associado também a outro elemento, que é a con
testagáo.

5. Auforídode e contesfasSo

A contestagáo é urna recusa que pretende ser, ao mesmo


tempo, um testemunho. Quem contesta, recusa como «testis»
(testemunha), empenhando suas convicgóes íntimas e sua pes-
soa. A contestagáo se distingue ida murmuragáo: quem mur
mura, critica a autoridad© «por detrás», ou seja, em presenga
dos irmáos apenas; diante do seu chefe guarda deferencia apa
rente, mas desfigura-o diante dos irmáos.

Tal atitude é, evidentemente, condenável; muito destrói, e


pouco ou nada constrói.
Existe urna contestagáo sadia (como também há tipos de
contestagáo moralmente doentios). A contestagáo, segundo bons
autores, é urna atitude que pode ser válida e crista dentro de
certas condigóes:
Nao haja outro meló — menos público e forte — de corriglr ou re
mediar a urna sltuacSo de comando deficiente. Seja inspirada estritamente
pelo desejo — concebido na presenga de Deus — de fazer progredlr a
autorldade e a respectiva comunidade.

Quem contesta, evite tornar-se duro, Intransigente, indolente. Evite


também dividir os Irmáos, provocando partidos e rupturas. Empenhe-se
seriamente por nao dar escándalo; as manelras violentas e, por vezes,
Injuriosas de fazer oposlcao & autoridade sup3em palxSes desregradas,
prejudlcam moralmente os irmáos, e nao podem ser Inspiradas pelo Espi
rito de Deus

Quem contesta, deve fazé-lo porque desoja realizar a obra de Oeus,


procurando fazer que os homens se abram mais á acáo do Espirito Santo.

Ve-se, pois, que nao é fácil contestar de maneira autén


tica e construtiva. Fácilmente ressentimentos, mágoas, afetos
melindrados inspiram a contestagáo ou tomam a dianteira so
bre as inten<;5es puras que possam ter movido as primeiras ex-
pressóes de quem contesta. Como quer que seja, os teólogos,
moralistas e psicólogos nao condenam todo e qualquer tipo de
contestagáo; admitem que, em certos casos, esta possa ser re-
conhecida como lícita e positiva. As autoridades deveráo acei-

— 423 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

tar a possibilidade de ser legítimamente contestadas e procu-


raráo discernir o que o Sennor lhes quería dizer atraves dos
contestadores.

Sobre conteslacáo veja-se igualmente PR 149/1972, pp. 195-208 e


150/1972, pp. 252-263.

Pergunta-se agora:

6. E quais os principáis defeitos da autoridade ?

Sejam enumerados os cinco seguintes:

1) Procuro de ¡nterejies príprios

O chafe pode ser tentado a usurpar sua posicáo a f!m de angarlar


ascendencia e influencia ou para adquirir vantagens, honrarías e sucesso
pessoal. O chefe esquece, em tais casos, que a autoridade é servlco e
ministerio.

Essa falsa atitude da autoridade pode gerar, por parte dos súditos,
ser/Mismo e adulacáo hipócrita. Contra essa deturpacáo do servlco admoes-
tava Sao Pedro: "Apascentai o rebanho de Deus a vos confiado... segundo
Deus, nem por amor do lucro torpe, mas generosamente, nem como opres-
sores dos dependentes, mas tornando-vos modelos do rebanho" (1 Pe 5,2s).

2) Despotismo

A autoridade pode degenerar em autoritarismo, tomando-se arbi


traria e prepotente. Nao deixa aos súditos iniciativa alguma, o que os reduz
ao infantilismo avlltante. Ao invés, a funcSo do Superior é procurar fazer
que seus subalternos se tornem adultos em Cristo.

Deve-se cuidar igualmente de que os súditos possam recorrer a


instancias superiores, desde que se vejam em confuto com as respec
tivas autoridades. O recurso legítimamente exercido nio seja tachado de
InsubordinacSo nem se torne ocasISo de desconflanca e suspeita do
chefe em relagáo aos subalternos.

Pode acontecer que o melhor alvitre em determinada sltuagáo pro


ceda nao dos Superiores, mas dos súditos.

3) Asperidada e dureza

O Superior deve aspirar a ser amado mais do que temido pelos


seus subalternos. Caso se resslnta de angustias, frustraedes e traumas
Íntimos, cuide de nao transferir seus problemas para os súditos nem de se
compensar neles de modo quase vingativo. "Por tal sensacSo inebriante
de poder, o Superior diría nSo, quando poderla dizer sim, como que recon
quistando o conceito de si que perderá. Modo de agir semelhante á ino
cente tolice de menina que, com o rosto enrubescido e encolerizado, dá
repetidas palmadas na sua boneca. Ingenua expressSo de urna autoridade

— 424 —
CRISE DE AUTORIDADE 37

que ó escrava das HusSes do Inconsciente e que age em forma de patoló


gica compensacfio" (Goffi, "Obediencia e llberdade pessoal". Sao Paulo
1970, p. 1968).

4) Recusa de diálogo

"Pode haver Superiores sistemáticamente propensos a identificar seus


pontos de vista com a vontade de Deus ou com a Sabedoria, quando na
verdade sSo movidos freqüentemente por principios estrltamente pessoals,
se nfio mesquinhos. A graca de estado, que Deus concede a toda pessoa
dotada de encargo, nio exclui a fallbllldade. dessa pessoa nem a necessi-
dade de vigiar constantemente sobre seus'atos, a flm de nao ser traída
por paixSes e sentimientos desregrados.

Tal tipo de chefe tende a afastar de si os colaboradores que se mos-


trem mais inteligentes e perpicazes, a flm de que o prestigio de sua auto-
ridade nSo venha a correr perigo. Cerca-se de súditos menos capazes —
o que o coloca praticamente numa solidSo infeliz.

5) Parcialidad*

Um Superior pode dispensar a seus súditos tratamentos diversos,


levando em considerado motivos poucos retos: categoría social, posses
financeiras, simpatía espontánea, lagos de parentesco, ote. Tal acepcSo de
pessoas é frontalmente contraria á índole do Cristianismo, que ensina a
igualdade de todos os homens perante Deus; cf. Gal 3,28; Rom 2,11.

Por último, será preciso dizer algo de especial sobre

7. Autoridade na Igreja

O conceito de autoridade até aquí explanado aplica-se


inegavelmente á autoridade na Igreja: compete-lhe garantir
unidade, coesáo s eficiencia das respectivas comunidades, em
espirito de servico e amor a Deus e ao próximo.
Deve-.se porém, acrescentar que a autoridade hierárqui-
ca da Igreja se distingue da de qualquer outra sociedade: os
poderes de jurisdigáo, pastoreio espiritual e magisterio na Igre
ja nao proosdem do povo de Deus para os respectivos pastores;
os Papas, os bispos, os presbíteros e os diáconos que governam
a Igreja, uns em sua totalidade (de Igreja universal), outros
nesta ou naquela circunscricáo, nao sao meros delegados das
comunidades, mas recebem por via sacramental o fundamento
de sua autoridade; ordenados segundo os diversos degraus do
sacramento da Ordem, participam do sacerdocio de Cristo e em
nome do Senhor Jesús exercem o seu ministerio.

De maneira especial, os bispos, quando unánimemente ensinam pro


posites de fé e de moral, constltuem o magisterio ordinario da Igreja,

— 425 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

magisterio este que goza de infalfvel asslsténcla de Cristo e, por isto,


nao pode errar (cf. Mt 28,20).

Quanto ao Sumo Pontífice, exerce magisterio particularmente autori


zado, é o sucessor de Pedro, a quem dlsse Cristo: "Roguel por ti para
que tua fé nao desfaleca. E tu, urna vez convertido, confirma teus IrmSos"
(Le 22,32). Os pronunclamentos do Sumo Pontífice merecem, pois, espe
cial respeito, podendo mesmo gozar de Infallbilldade em algumas ocaslOes,
ou seja, quando S. Santidade intencione definir, em favor da Igreja Intelra,
alguma proposicSo de fé ou de moral. As definlcBes doutrlnárlas pro-
postas pelo Sumo Pontífice s§o válidas por si mesmas, ou seja, Indepen-
dentemente da aprova;So ou da conflrmacSo dos teólogos.
A faculdade de ensinar auténticamente na Igreja compete nio aos
teólogos ou aos mais eruditos dos estudiosos da Igreja, mas, slm, ao
episcopado e, de modo especial, ao sucessor de Pedro. Diz o Concillo do
Vaticano II que os blspos "com a sucessáo do episcopado receberam o
carlsma seguro da verdade" (Const. "Del Verbum" nn. 8 e 10). Donde se
vé que "ensinar auténticamente na Igreja" nao é slmplesmente a expres-
sao da ciencia e da erudicao de quem enslna, mas é exerelelo de um ca-
risma ou de um dom especial de Deus aos seus ministros que partlcipam
da sucessSo apostólica. Conseqüentemente, os pronunciamentos doutrlná-
rios e disciplinares das autoridades da Igreja partielpam ora mals, ora me
nos da índole sacramental que caracteriza o servlco da hierarquia ecle
siástica.

Compreende-se que se possa falar de crise de autoridade


na Igreja. Tal crise deriva-se do fato de que o povo de Deus
consta de homens sujeitos las vicissitudes dos tempos atuais:
possiveis deficiencias pessoais e influxo de correntes hetero
géneas explicam a crise. Todavia esta há de ser encarada de
maneira um tanto diversa do modo como se considera a crise
■da autoridade civil ou leiga; a fé do cristáo nao pode esquecer
que os pastores da Igreja partícipam do sacerdocio de Cristo
e do carisma de ensinar e apascentar o povo de Deus que o
sacramento da Ordem lhes confere. Reverencia e respeito ñor-
tearáo sempre os fiéis católicos frente á hierarquia da Igreja.
Isto nao quer dizer que nao se empenhem firmemente por
solucionar problemas, transformar situagóes difíceis, levar re
medios a falhas que notem até mesmo ñas fungóes mais ele
vadas do ministerio eclesiástico. O diálogo será sempre desejá-
vel em tais casos, contanto que se deixe inspirar por intengáo
reta e pura. Com referencia ás possiveis convergencias que no
confronto de posigóes ou opinióes surjam na Igreja, é digno de
nota o trecho seguinte emanado da Conferencia Nacional dos
Bispos do Brasil no seu documento «Unidade e Pluralismo na
Igreja» (29/11/1972):

"O diálogo deve levar a urna agáo pelo bem de todos. N3o se pode
contentar com o litigio intermlnável de idéias. É verdade que o apostólo
prefere agir com bondade, ató como urna mSe, mas é também verdade
que ele pode usar, e usa mesmo, de autoridade, onde o bem da comunldade

— 426 —
CRISE DE AUTORIDADE 39

o exige. Ele deve dlzer o Nao, pondo flm ao debate; ele nSo elimina nem
suplanta o carlsma, mas exige o seu uso com ordem".

Aqui terminam as nossas reflexóes — que desejávamos


fossem bem equilibradas — sobre o delicado tema «autoridade
e obediencia na Igreja de hoje».

Bibliografía: :

Conferencia Nacional dos Blspos do Brasil, "Unldade e Pluralismo


na Igreja", documento datado de 29/11/1972.
B. Harlng, "Dinámica da renovacSo". Sao Paulo 1967.
T. Goffl, "Obediencia e Llberdade pessoal". Sio Paulo 1970.
A. Hayen, "A obediencia na Igreja hoje". Sao Paulo 1972.
J. Wrlght, "Conscléncla e autoridade: terísáo é harmonía". SSo Paulo
1971. ,
IDO-C, "Catolicismo e Llberdade". Petrópotls 1971.
P.-R. Régamey, "La volx de Dleu dans les volx du temps". París 1971.
A. Tange, "L'Égllse et la contestaron", París 1970.
J.-M. Le Blond, "Obélssance et autorlté dans l'Égllse11, em "Études"
n? 325 (1966), pp. 100-114.

X -

(ContlnuagSo da pág. 407) .

Esse tipo de aculturacáo é discutido. Há quem julgue que ba-


naliza o texto bíblico, retirando-lhe o.seu aspecto singular, inconíun-
divel, ligado com o Oriente e a antiguidade. Outros acham-no válido.
Parece-nos viável com restrigOes, ou seja, contanto que se conserve
sempre para os salmos urna linguagem digna, sem glrlas nem termos
marcados por conotacOes burlescas, e nao se perca o contato com os
textos origináis. Nao é fácil encontrar o meló-termo entre o hieratis-
mo hermético da linguagem e o banal quase ridiculo. O livro do Pe.
Jocy parece nao ter abusado da aculturacáo; apresenta um texto bem
elaborado, que será útil a certos ambientes, ao passo que outros pre-
ferirao urna traducSo mais próxima ao sabor oriental dos salmos. Nao
há por que condenar uns ou outros. Saudamos, pols, o trabalho do
Pe. Jocy e lhe desejamos copiosos frutos em favor do povo de Deus.

.427.
As sensa$6es da prospectiva:

máe de aluguel?

Em sfntese: Tem-se anunciado o transplante de ovo fecundado em


determinada mulher para o útero de outra mulher. Esta farla o papel de máe
Incubadora ou máe dadeira, "de aluguel", durante nove meses e, após
ter dado á luz, entregarla a crianca áquela pessoa de quem tlvesse rece-
bldo o ovo fecundado. Os estudos respectivos já estSo em curso, constl-
tulndo o setor da Engenharla Genética.

Oíante de táls noticias, pode-se observar o seguinte:

— a concelcSo, a gestacBo, o parto e a educacSo de urna crlanca


estfio essenclalmehte vinculados ao amor; sfio a expressBo do amor dos
genitores. Por Isto o transplante de ovo fecundado constituí urna desper-
sonalizacBo e mecaniclzacfio da maternldade; o útero materno jamáis pode
ser considerado como mera enmara de Incubacfio. É precisamente na ges-
tacBo que a mfie mais realiza o seu papel de doacBo ao fllho. No gado
tais experiencias sfio perfeitamente compreensiveis, em vista de se obler
mala e melhores crias, pols no gado nflo há Ideal nem amor conjugáis,
mas instinto Impessoal.

— Quem quer ter fllhos e nfio os pode procrlar, adote urna ou mais
das numerosas crlancas que hoje em día morrem de fome por falta de
asslsténcla humana. A mulher que queira pratlcar a generosldade, em vez
da o fazer na qualldade de infle dadeira ou de "aluguel", faca-o na quall-
dadé de mBe adotlva.

é pouco simpático dizer Nfio a certas tentativas dos dentistas, é


preciso, porém, dlze-lo por vezes em nome do bem da próprla humanidade.
Ciencia sem consclfincla ética e sem filosofía é arma perlgosa, posslvel
fator de autodestrulcBo da humanidade.

Comentario: Tem-se divulgado a noticia de que no Brasil


haverá, dentro de dois a quatro anos, máes sem gravidez nem
parto, ao lado de máes de aluguel ou máes «dadeiras». Eis,
por exemplo, o que se lé em «O Globo» de 13/VT/72, p. 10:

"A Santa Casa está realizando estudos para que, dentro de dols
a quatro anos, as mulheres possam ter fllhos sem dar a luz: o óvulo fe
cundado de mulher casada serla Introduzldo em outra mulher, na qual
se desenvolverla e, afinal.vlrla ao mundo.

Quem faz es estudos nesse sentido é o Professor Alvaro de Aquino


Sales, no laboratorio da 28* Enfermarla da Santa Casa, onde funciona

— 428 —
MAE DE ALUGUEL? 41

o Servico de Ginecología da Instltulcáo. Ele esté esperanzoso de que o


Brasil seja ploneiro no assunto — apesar dos aspectos Jurídicos e mo
ráis que terio de ser discutidos — pols até agora nenhum país consegulu
tal proeza.

Sem gravidez

O Professor Alvaro de Aqulno Sales está desenvolvendo estudos para,


brevemente, poder realizar na Santa Casa transplante de úteros, trompas
e ovarlos, o que posslbllitarla a procrlacfio de mulheres com o aparelho
genital Incompleto. Inglaterra, Italia e Estados Unidos fazem já esse tipo
.de transplantes, com sucesso, e o nosso plonelrlsmo ocorrerla se flzósse-
Vnos logo a outra Intervencáo, ou seja, a gestacáo sem gravidez da mSe.
Diz o Professor Aqulno Sales que Já fez estudos de fecundacSo
In vitro há multo tempo. Ele reconhece, poróm, que nfio exlstem apenas
problemas médicos, e que as questSes Jurídicas tém de ser resolvldas
antes que se processe a experiencia.
Poder-se-á perguntar — argumenta — depols do parto, de quem
é o filho. E a dadelra poderla dlzer que ó déla, porque fol ela quem o
manteve durante varios meses no ventre e o trouxe ao mundo.

Nos Estados Unidos

Mals adlantada que a fecundacfio artificial, a lnseminacfio artificial


é hoje materia vasta para a sclence fictlon, e pertencente ao cotidiano.
Na Inglaterra, por exemplo, desde 1970 exlstem filas de mulheres Inca-
pazes, por um motivo ou por outro. de dar á luz, esperando por "mfies
de aluguel", que recebem o óvulo já fecundado e, após os nove meses
'reglamentares, trazem ao mundo a crlanca. Os responsávels por essa ex
periencia, doutores Robert Edwards, Patrlck Steptoe e Barry Bavlster, sflo
responsávels pelo laboratorio da Universldade de Cambridge.
Em agosto de 71, em Nova lorque foram abortos os dols prlmelros
bancos de espermatozoides com flns lucrativos. Naquela data, somente os
Estados Unidos contavam com 400 crlancas nascidas de InsemlnacSo
artificial, além de um jovem de 17 anos, que gozaya perfelta saúde. Em-
bora nSo contem com bancos de espermatozoides;- Iguáls aos de Nova
lorque, a Franca e a Inglaterra tém registrado numerosos casos de Inse-
minacBo artificial nos últimos anos".

Tal tipo de experiencias e realizagóes constituí o objeto


ida chamada «Engenharia Genética», que prevé a montagem
artificial de tipos humanos previamente selecionados: homens-
cérebro, homens atletas, homens músicos, homens líderes, etc.
Tais noticias nao podem deixar de despertar, além de ou-
tras, as seguintes interrogacóes: as novas táticas de colocar
filhos no mundo, assim preconizadas, sao moralmente licitas?
Sao compativeis com os principios da ética crista?

O assunto já foi abordado em PR 116/1969, pp. 317-329;


122/1970, pp. 51-58, quando se divulgaram prognósticos de

— 429 —
42 «PERGUNTE "E RESPONDEREMOS» 153/1972

Engenharia Genética e as experiencias dos Drs. Edwards, Step-


toe é Bavister. Visto, porém, que o problema volta á baila no
Brasil, dedicar-lhe-emos algumas breves reflexóes.

1. Mñe incubadora?

1. Deve-ee, antes do mais, notar que o processo da ma-


ternidade sem gravidez, por mais sedutor que pareca, afeta se
riamente urna das mais nobres características da maternidade,
isto é, o aspecto de doagáo e entrega da máe ao filho naquele
periodo, ao menos, em que o filho mais recebe de sua máe —
o período da gestagáo. Em conseqüéncia, a gestagáo e o parto
sao dissociados do amor materno. A máe dadeira ou a máe
de aluguel torna-se urna funcionaría, que jamáis pode tomar o
lugar da genitora.
Nao se pode esquecer que entre seres humanos o filho é
sempre expressáo do amor dos pais. Supóe que duas criaturas
se tenham encontrado, hajam concebido o ideal da vida a dois
dentro de um amor total e, em conseqüéncia, hajam contraído
matrimonio e realizado a uniáo carnal. O amor dos esposos
se tornou fecundo na prole. Por isto, a conceicáo, a gestacáo,
o parto e a educacáo de urna críanga estáo estritamente liga
das ao amor,... ao amor da genitora e do genitor respectivos.
Quando falta.esse amor,- a crianca sofría duramente a carencia;
os filhos precisám de auténticos pais e da familia.
2. A» se tratar de gado é que se podem, sem hesitacáo,
admitir Engenharia Genética e outros processos artificiáis para
obter mais e melhores crias. O gado nao» tem ideal, nao concebe
amor conjugal, nao realiza doagáo consciente e generosa, mas
guia-se pelo instinto... O instinto é sabio, certeiro, mas está
desvinculado de qualquer doagáo generosa. Por isto o indus
trial nao comete injuria contra seus animáis quando os subme-
te a processos de fecundagáo ou incubagáo artificiáis. Em suma,
no gado nao há personalidade. ;
Ao contrario, quando nos voltamos para os senes humanos,
defrontamp-nos com personalidades, de tal modo que as fun-
góes biológicas e sensitivas participam, na homem e na mulher,
das características da personalidade respectiva; sao expressáo
de um ideal e de urna nobreza de alma. Em vista disto, deve-se
dizer que maternidade sem gravidez e gravidez sem maternida
de sao formas de despersbnalizagáo, dé mecanicizagáo de fun-
góes altamente dignas e humanas;

— 430 —
MAE DE ALUGUEL? 43

Vé-se, pois, que a consciéncia crista nao pode dizer Sim


as tentativas da Engenharia Genética que despersonalizam a
geracáo da vida humana. O cristáo nutre profundo respeito
pelo misterio do ser humano; sabe que a vida dd homem — com
suas funcóes de reproducáo e desenvolvimento — está indisso-
luvelmente associada ao. amor.

2. Generosrdade será frustrada?

Talvez, porém, objete alguénn: existem esposas legitima-


mente casadas que desejariam ter filhos, mas, por motivos de
saúde, nao podem suportar a gravidez e o parto. Existem tam-
bém mulheres generosas que estáo dispostas a socorrer a essas
senhoras casadas, aceitando em seu lugar os incómodos da ges-
tagáo e do parto; estas sao pessoas abnegadas que querem dar
alegría a quem a merece. Por que nao lhes dizer Sim?

Eis o que se poderia responder:

No tocante aos casáis que desejam ter filhos, mas nao os


tém, nada de melhor se lhes pode sugerir do que a adocáo de
filhos. Há numerosos bebes á espera de quem os nutra e edu
que, de tal modo que é realmente obra profundamente huma
nitaria e crista fomentar a adogáo de filhos desde que esta
seja devidamente ponderada e legalizada. Hoje em dia é com
énfase especial que os pensadores encaram o valor da adocáo
de crianeas.

Quanto as mulheres generosas que se dispóem a gestar


em favor de determinado casal, cobrando ou até mesmo nao
cobrando pelo servico, pode-se dizer a essas pessoas que, sem
dúvida, cultivem a generosidade... Mas apliquem-na em tarefas
para o bem, para a auténtica dignificacáo da sociedade, e nao
para o rebaixamento humano e moral dos 92us semelhantes. O
sentimentalismo e a compaixáo tém que ser iluminados pela
sá razáo e pela fé. Ora a, razáo e a fé dáo a saber claramente
que nao se promove o bem comum da sociedade instituindo nela
o oficio de máe de aluguel. Tais tipos de máe sao tipos muti
lados, que contribuem para esvaziar um dos valores mais ele
vados e caros da sociedade, que é o valor da maternidade.
Quem quer ser generoso ou generosa hoje em dia, tem vas-
tíssimos campos de trabalho. O número de criangas no mundo
ja é táo vultoso que se pensa seriamente em limitar a nata-
lidade; esta é urna das grandes preocupagóes de sociólogos e

— 431 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 153/1972

economistas contemporáneos. Por que entáo pensar na apli-


cacáo de artificios requintados para colocar mais fdhos nó
mundo? Por que nao cuidar mais generosamente dos filhos que
já nasceram e estáo morrendo de fome porque nao tém quem
lhes sirva de pai ou de máe? — Por este motivo ainda,
a sá razáo e a fé crista náút justificam as táticas da Engenharia
Genética que só contribuam para aumentar a miseria física e
moral das populagóes do Brasil e de outros paises.

Eis, em síntese, algumas reflexóes sugeridas pelo noticiario


de jomáis mencionado no inicio deste artigo. Verdade é que
seria mais agradável dizer Sim a todas as novidades que a
ciencia e a técnica atualmente apresentam a humanidade. Mas,
se o cristáo as vezes tem que lhes dizer Nao, ele o faz justa
mente para ser mais amigo dos seus irmáos e para sustentar os
direitos e a dignidade dos homens e da sociedade. A ciencia,
deixada a si, nem sempre leva em conta e garante os direitos
e o respeito á dignidade da pessoa humana. A ciencia sem
consciéncia ética, ou sem avaliacáo do que sejam o homerñ e
suas aspiragóes mais fundamentáis, é incapaz de assegurar a
felicidade do género humano. Ela pade fascinar e seduzir, mas
nao dá a plena resposta as grandes interrogacóes da inteli
gencia. É através da filosofía e da fé, sob a luz de Deus e em
Deus, que finalmente e por certo o ser humano vai encontrar,
após as luzes e sombras desta vida, a plenitude dos bens que
ele espera.
Estóvalo Bettencourt O.S.B-

livros em resenha
A masturbacSo na adolescencia, por André Alsteens. Tradugáo
do francés pelo Pe. Angelo José Busnardo. — Editora Herder, Sao
Paulo 1972, 140 x 210 mm, 171 pp.

A masturbagáo é fenómeno sexual assaz freqüente, principal


mente na fase de adolescencia do jovem, causando angustia e pertur
bares de ánimo ao paciente, assim como certo embarago ao educa
dor ou ao diretor espiritual. O presente livro, abordando o problema
do ponto de vista psicológico, concorre positivamente para a terapéu
tica do mencionado fenómeno. Primeramente apresenta um histó
rico da manelra como a masturbacáo tem, sido considerada através
dos tempos, mostrando o importante papel da psicanálise na deseo-
berta das causas e dos fatores psicológicos que motivam a'mastur-
bacao. Urna vez consciente de que existem tais íatores, o educador
ajudará o jovem a descobri-los em sua personalidade, de modo a trans
ferir seus impetos e instintos a objetos que realmente merecam a
sua estima. Em vista disto, o autor acentúa fortemente o papel do
diálogo entre o educador e o jovem: tenha este a chance de falar,

— 432 —
saiba o mestre escutar, compreender e, por íim, fale também o educa
dor, recorrendo a um aconselhamento que nao tire ao jovem as suas
responsabilidades; a paz, a alegría e a comunhao que o adolescente
procura na masturbacáo, ele as procurará numa comunhao mais real
com a sociedade (íugindo da solidáo), na prática do esporte, na doacáo
ao próximo, etc. (el. pp. 137-141).

O autor nao aborda diretamente a questáo da moralidade ou cul-


pabilidade da masturbacáo; considera-a apenas em anexo (pp. 153-157).
E evidente, porém, que considera o fenómeno como algo de anómalo,
que é necessário conter e sanar. A culpabilidade será proporcional
ao grau de consciéncia lúcida e voluntariedade com que o paciente
pratica o ato (ou o hábito) da masturbacáo. É esta, de resto, a po-
sicáo proposta em PR 110/1969, pp. 71-81.

Em suma, o livro veio trazer luz e subsidios importantes para o


discernimento e o tratamanto do hábito da masturbacáo.

Vitoria sobre as drogas. Um programa de acáo, por Donald B.


Lourian. Traducáo de Luís Carlos do Nascimento Silva, revista pelo
Prof. Lauro Sollero. Ed. Agir, Rio de Janeiro 1972, 135 x 205 mm,
252 pp.

O uso de substancias entorpecentes tornou-se um dos mais


graves problemas tía sociedade contemporánea nao somente nos EE.
UU. da América, mas também em outros países. No Brasil, o Governo
Federal iniciou íorte campanha antitóxica, tendo, entre outras metas,
o esclarecimento e a conscientizaejio dos estudantes, vitimas de tra
ficantes exploradores.

O livro escrito pelo médico norte-americano Dr. Donald Lourian


e agora editado pela Agir vem ampliar a nossa bibliografía sobre o
assunto, constituindo um contingente útil ao programa de combate
ás drogas. Comeca expondo o grau de. difusao dos tóxicos nos EE. UU.
e os porqués do fenómeno: moda, desejo de reduzir inibigoes sociais,
curiosidade, pressáo de grupos, tedio, solidáo... O uso de drogas nao
é um fenómeno isolado, mas está intimamente associado ao tipo de
vida de familia do jovem, aos padrdes da sociedade e ao grau de
agitacáo desta. A seguir, o autor aponta os graves inconvenientes deri
vados do consumo de tais substancias e sugere principios ou normas
de acáo para educadores, organizaedes comerciáis... O livro é enri
quecido pelo relato de numerosos casos concretos e dados de estatis-
ticas, que possuem notável valor e concorrem para conscientizar vi
vamente o leitor. Em apéndice, vem apresentada urna lista das prin
cipáis drogas e de seus efeitos sobre o organismo — o que será par
ticularmente importante para palestras de esclarecimento. Especial
mente interessante é o cap. 3, em que o Dr. Lourian propde urna serie
de perguntas (com as respectivas respostas) que lhe foram feitas no
decorrer de palestras sobre o uso de drogas. O titulo do livro é oti-
mista; o autor, alias, diz a p. 235: «Eu gostaria de terminar com urna
nota de esperanza. Embora nossos problemas com as drogas fiquem
progressivamente plores, as perspectivas de afastar os jovens das dro
gas se tornam paradoxalmente melhores».

Possam as palavras do Dr. Lourian ser lidas por muitos e des


pertar pais e educadores para 0 serio problema assim encarado!

E. B.
MELBOURNE - AUSTRALIA
18 a 25 de fevereiro de 1973

A CREDIBRÁS TU
RISMO, sucessora de Camilío
Kahn, orgulha-se de ter organizado
com total éxito, peregrinajes aos Con-
gressos Eucarísticos de-MUNICH, BOM-
BAIM.e BOGOTÁ, e agor4 esíá organizando
úniaap 4Ó.° Congressp Eucaristico que terá a
'Asáisténcia Espirituaí de D. Esteváo Brtten-
■Vc6uft,O.S. B, e que visitará: Papéete, Nandi,
Auckland, Melbourne, Sidney, Hong Kong,
Teherán, Térra Santa/Roma e Paris. Vocé ■•
poderá participar deate ato de fé crista
com tudo financiado á longo prazo e
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P ALEGUE - RÚA OOS ANDRADAS. 1354 -1° AND. - TEL Í5BI73
R HORIZONTE - AV. JOAO PINHEWO. 148- 7." AND. - TELS: S2-6957 o 22S1Í0
ou «irqualqi.» Agencia da UNIAGCEBANCOS
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