You are on page 1of 50

Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanza a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
Índice

AS FOMES DO MUNDO DE HOJE 369

Psicología e Religiao:
QUE É A "PASCOALIZACÁO" ? 371

Na ordetn do día:
QUE é A "PSICORIENTOLOGIA" 7 389

Medicina e Moral:
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO HOJE (I) 392

Palavra de um psicólogo:
SABER OAMINHAR ENTRE EXTREMOS 401

LIVRO EM ESTANTE 3? capa

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Igreja e Maconaria na Bahia (documentarlo importante). — Ma-


Conaria no Canadá. — Abortamento terapéutico hojo (II). — A
III Semana Internacional de Filosofía. — Comemoracáo do Cardeal
Mercier.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Assinatura anual Cr$ 60,00
Número avulso de qualquer mes CrS 6,00
Volume encadernado de 1975 CrS 85,00

EDITORA LAUDES S. A.
REDAQAO DE PR ADMINISTRADO
Calxa Postal 2.666 Rúa Sao Rafael, 38, ZC-09
ZC 00 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tela.: 268-9981 e 268-2706
AS FOMES DO HOMEM DE HOJE
O 41» Congresso Eucarístico Internacional realizado em
Filadélfia (U.S.A.) de 1* a 8 de agosto pp. teve por tema
«As fomes (aspiracñes) do homem de hoje». Os seus organi
zadores tiveram assim em mente dar ao Congresso um signi
ficado atual, visto que um dos temas mais comentados hoje
em dia é o da fome, que afeta vastas partes da populacho
mundial. Muito a propósito a formulacáo do tema fala de
«fomes» (embora o plural possa parecer estranho aos nossos
ouvidos). Na verdade, «nao só de pao vive o homem»
(Mt 4,4), mas também de valores imateriais e transcendentais,
como explícita o Jeque do temario do Congresso: «Fome de
Deus, Fome de Liberdade e Justiga, Fome de Amor, Fome
de Verdade, Fome de Compreensáo e Paz, Fome de Pao, Fome
de Jesús, o Pao da Vida»; cada qual desses tipos de fome tor-
nou-se objeto de estudo nos dias sucessivos do Congresso.

Para testemunhar a fome de compreensáo e paz que


marca de modo especial o povo de Deus, registrou-se entre as
celebracóes do Congresso a do mutuo lava-pés efetuado entre
cristáos (católicos e fiéis de outras denominagóes); o lava-pés
é o sinal da acolhida humilde, fraterna e servical,... acolhida
que será penhor da unidade muito almejada por cristáos sepa
rados. Fazendo eco ao Congresso de Filadélfia, os fiéis cris
táos se empenharáo por pedir cada vez mais ao Senhor aquilo
que todos desejam, mas que as forcas e a argucia humanas
parecem insuficientes para realizar: a unidade de todos os
discípulos de Cristo num só rebanho, sob um só Pastor.

Olhando para o panorama dos acontecimentos que carac-


terizaram as últimas semanas, desejamos destacar um, que é
especialmente significativo da fome de valores transcendentais
que afeta o homem de hoje.

Os Estados Unidos, embora sejam um país de bem-estar


material, tém sido a térra dos mais diversos e ousados movi-
mentos religiosos... Nao há quem nao conheca os grupos
jovens e adultos que manifestam em termos singulares as suas
aspiragóes místicas, tomando os nomes de «Jesús People»,
«Jesús Revolution», «Youth of Christ», «Straight People», etc.
Entre esses movimentos merece agora especial relevo o dos
«Jews for Jesús» (Judeus para Jesús). Esta designagáo mesma
é algo que nao tem precedentes; a justificativa que tais judeus
apresentam para professar a sua adesáo a Cristo, é a mais
Í»'. O- O. - U. (>. hT|I
BIBLIOTECA !
obvia e lógica possível; todavía só em nossos dias vem sendo
explícitamente formulada, como acontece no caso do depoi-
mento aquí transcrito:

"Jesús n&o tlnha cábelos louros, olhos azuls e pele delicada, como
aparece ñas Imagens das Igrejas; era um rosto típicamente judeu...
No entanto, sempre fol apresentado como gentio (nSo-judeu); dlsseram
que Ele era o Salvador dos cristSos, Ignorando que tinha sido prometido
aos judeus (ó o que dlzem os livros sagrados); por isto Ele nasceu fllho
de judeus. Quando os judeus nfio o aceitaram, Ele ofereceu salvacjo
aos gentíos. NSo estou inventando nada de novo, essas s5o verdades
antigás" ("O Globo", 8/08/76, Jornal de Domingo, p. 5).

Tem razáo o jovem que assim fala: Jesús é o Filho de


Abraáo e de Davi, que veio cumprir as Escrituras, trazendo a
salvacáo aos judeus e aos gentíos (Rm 1,17). Por que é que
hoje em día, de modo especial, esta verdade aflora á cons-
ciéncia de cerca de cem mil judeus nos Estados Unidos?
— Pode-se dizer que este fato, entre outros muitos, resulta do
estado de ansia e expectativa em que vive a humanidade; a
fome de resposta para o homem (que o pao, a máquina e a
técnica nao conseguem saciar) leva a descobrir valores pere
nes até hoje latentes. Muitos dos jovens que compSem o movi
mento dos «Jews for Jesús», fizeram as mais diversas expe
riencias de vida livre, recorrendo ás drogas e ao estilo «hippie».
Perceberam o vazio dessas presumidas formas de auto-reali-
zagáo e resolveram repensar nos valores originarios de sua
raga e de seu povo; descobriram entáo o Messias, sem o qual
a historia de Israel jamáis se explicaría.

Nao há dúvida, as expressóes do Cristianismo dos «Jews


for Jesús» sao tenues e inseguras; será preciso que o Espirito
de Deus prossiga a sua obra; como quer que seja, o fenómeno
é inédito e altamente representativo na historia da humani
dade.

O presente número de PR, atendendo á fome de valores


místicos da humanidade contemporánea, aborda também a
Psicorientologia. É outro movimento norte-americano ou outro
testemunho de que o homem cercado de bem-estar material
nem por isto é feliz; o invisível, o transcendental, a promessa.
de plenitude o fasdnam. — Infelizmente, porém, essa procura
sequiosa dos valores definitivos, 'ás vezes, é mais orientada pela
fantasia do que pela sá razáo. Quanto aos outros artigos
deste fascículo, procuram acompanhar a vida de hoje e ilu-
miná-la á luz da fé e da eternidade, para que entre as vicissi-
tudes da caminhada o cristáo saiba guiar seus passos com
seguranga em demanda da Casa do Pai!
E. B.

— 370 —
«PERdUHTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVII — N« 201 — Setembro de 1976

Psicología e Religiáo:

que é a "pascoalizacáo" ?
Em slntese: A pascoalizacáo é urna córrante de espiritualldade que
tem suas principáis expressdes em cinco etapas (series dé sete ou mais
dias), ñas quais o cristáo é convidado a refletlr sobre temas bíblicos e
sobre si mesmo. Um conjunto de quatorze sistemas ou pontos de refe
rencia é-lhe oferecldo para que se examine profundamente e tire conclu-
sóes aptas a fazé-lo viver urna vida nova ou pascal.

Observa-se que o movlmento de Pascoalizag3o, além de bons frutos


que tem produzldo, pode diluir o espirito de fé dos seus participantes,
pois da énfase excessiva ao fator psicológico na vida crista; acentúa tam-
bém, além do desejável, a sexualidade — o que nem sempre é construtivo.

Os Srs. Bispos do Brasil, em novembro de 1974, baixaram normas


referentes aos Retiros de Pascoalizagáo a fim de impedir desvíos e abusos,
que al já tém ocorrido.

Comentario: Nos últimos anos tém-se praticado, no Sul do


Brasil, os chamados «Retiros de Pascoalizacáo», cujo grande
mentor é o Pe. Octavio Ritter. Constará de cinco sucessivas
etapas de sete ou mais dias cada qual, em que o grupo de reti
rantes procura fazer urna nova experiencia de Páscoa, isto é,
de renovagáo de vida em uniáo com Cristo. As técnicas e os
resultados desses encontros tém sido objeto de comentarios
divergentes. Sendo assim, propomo-nos analisar de mais perto
o que seja a Pascoalizagáo, a fim de oferecer ao nosso público
a ocasiáo de se esclarecer a propósito.

Para tanto, valemo-nos dos livros oficiáis do Movimento


de Pascoalizacáo, publicados com os títulos «Libertagáo Pas
cal» (1 e 2) e «A vontade de Deus» (3); além destes, outros
subsidios seráo levados em conta. Estamos cientes da dificul-
dade de retratar um Movimento, que deve estar em constante
questionamento e aprimoramento de si mesmo. Todavía ere
mos que é sempre possível abranger o essencial do mesmo.

— 371 —
4 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

1. O roteiro do Pascoalizo;ao

1. Antes do mais, importa conhecer o currículo ou, como


diz a linguagem técnica da escola, o globograma da Pascoali-
zagáo.

1) A primeira etapa dura seis dias. Tem por meta «des


pertar o desejo de libertagáo pascal pelo questionamento da
própria realidade... e preparar a pascoalizagáo pelo fortaleci-
mento espiritual e pelos conhecimentos necessários ao traba-
lho» («Libertagáo pascal», p. 5).

Os fruitivos (ou destinatarios) do encontró sao «pessoas


que livre e auténticamente querem urna dinámica de renova-
gáo interior para a vivencia do misterio pascal, dispostas a
assumir a sua vocagáo profética, aceitando o risco da aven
tura na fé como Abraáo, Moisés, Paulo, etc.» (p. 5).

Entre as «agendas» desta etapa, encontram-se «nogóes de


anatomía, fisiología e psicología humanas», compreendendo
«sistema nervoso, sexologia, obstetricia, vida intra-uterina,
parto, puericultura, primeira e segunda infancias» (p. 5s).
Essas nogóes, porém, sao ministradas «fora do Retiro de Pas-
coalizagáo» (p. 6). Mencionam-se ainda entre as «agendas»
desta etapa: «Amorizagáo pascal, mentalizagáo pascal, fra-
ternalizagáo pascal, cosmificagáo pascal...» (p. 6). — Nao
faltam temas bíblicos ou aspectos da Historia da Salvagáo,
aptos a nutrir a vida espiritual.

2) A segunda etapa dura sete dias. Tem por meta «a


iniciagáo á Libertacáo Pascal, situando a pessoa dentro do
plano da salvagáo pela co-redengáo com a meditacáo de emer
gencia» (p. 6).

Entre as «agendas», sao enunciados: «A espiritualidade


do fortalecimento» (com temas bíblicos, em parte); «Auto-ras-
treamento» \ em que se trata de «Vida e Morte: Biofilias e
Necrofilias», «A descoberta das tanatofilias (desequilibrios)
dos sistemas eixo e sub-eixo objetivos e do sistema quero-
-quero», «Tanatofilograma», «Biofilograma»... Há também

* Por "rastreamento" entende-se "o ato de limpar a térra com ras-


trllho" ou também o de rastejar. No contexto da Pascoallzacao, significa
um exame de vida retrospectivo, em que a pessoa procura mais e mais
tomar conscléncia do que tem sido e do que é.

— 372 —
QUE É A <PASCOALIZACAO>?

temas referentes a oragáo, meio-dia de deserto ou de solidáo


do retirante, e os diversos aspectos da Pascoalizagáo (ativa-
gáo da paz, amorizagáo pascal, mentalizagáo pascal, fraterna-
lizagáo pascal, cosmificacáo pascal, a libertagáo pascal pela
meditagáo de emergencia de co-redencáo).

3) A terceira etapa dura de oito a dez dias. Tem por


meta: «por urna visáo mais ampia de Deus e do homem, pro-
grédir na libertagáo pascal, por meio da meditagáo minuciosa
de co-redengáo, redescobrindo a nova vida pascoalizada»
(P. 8).

No rol das «agendas>, léem-se tópicos como «A espiritua-


lidade do fortalecimento», com os subtítulos «Quem é Deus
para mim?», «Quem é Jesús Cristo para mim?>, «Quem é o
Espirito Santo para mim?», «Aprofundamento na bU9ca da
vontade de Deus nos sistemas eixo, sub-eixo objetivos e no sis
tema quero-quero». O auto-rastreamento continua com os
incisos: «Quem é o homem? Quem sou eu?», «Atualizacáo
do tanatofilograma», «Atualizacáo do biofilograma».

4) A quarta etapa dura um mes. Visa «á libertagáo


pascal intensiva e extensiva (os 14 sistemas com componentes
e metas) * a pessoas vocacionadas para um profetismo maior>.
— As «agendas» desta etapa nao sao indicadas no volume
1 e 2 do Manual de Pascoalizagáo.

5) A quinta etapa estende-se pelo espago de dez a quinze


dias. Tem em vista o seguinte: «Numa vivencia mais pro
funda do amor-agape, urna atualizacáo na busca da vontade
de Deus dentro da realidade da vida, pelos que assumem o
profetismo da Libertacáo Pascal».

Durante os dias de Retiro, seja qual for a etapa respec


tiva, o retirante é convidado freqüentemente a se examinar á
luz de 14 sistemas, que constituem a teoría da organizagáo
humana (TOH) proposta pelo Prof. A. R. Müller, da Escola
de Sociología e Política de Sao Paulo e adotada pelo Pe. Octa
vio Ritter.

Eis por que importa agora conhecer

respelto dos 14 sistemas, veja pp. 374-376 deste fascículo.

— 373 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 20171976

2. Os quatorze sistemas

A tabela dos sistemas propóe os seguintes itens:

S 01. PARENTESCO. Todo ser humano tem seu dia de


nascimento, sua residencia, seu estado civil, seu sexo, sua
parentela...

Neste sistema, o retirante pode descobrir .«capacidade de


procriacáo, instinto de reprodugáo, capacidade de ser co-gera-
dor de vida com Deus, ser homem incondicionado, aptidáp
interna de insergáo na familia de Deus pelo batismo» (p. 32).

S 0J5. SANITARIO. Todo homem procura saúde, higiene,


hospitais, medicina.

Neste sistema, as potencialidades. que o retirante pode


encontrar pela meditagáo sobre si mesmo, sao: instinto da
vida, existencia, eternizagáo, vocagáo para a imortalidade,
capacidade de ressurreiclo, aptidáo para a cura.

S 03. MANTJTEN4?AO. O homem, no sistema de manu-


tengáo, busca os alimentos adequados na hora oportuna.
Cuida também de.vestes para cobrir a sua nudez. Considera
outrossim o que esteja relacionado com esses subsidios, como
Iojas, bares, hoteis, asilos...

A palavra de Deus orienta o retirante a fim de que com-


preenda como fazer uso correto de tais elementos.

S 04. LEALDADE. O homem é um ser social, que deseja


amizade fiel; por isto cultiva a lealdade e o amor, vivendo em
comunidades como sindicatos, clubes, cooperativas e outros
tipos de agremiagóes.

A palavra de Deus nos faz crer em nossa capacidade de


amar, de integrar, de impulsionar.

S 05. LAZER. O homem necessita de lazer e de horas


de alegría, que estáo relacionados com tempo livre, esportes,
diversóes lícitas, «hobby»...

O retirante há de convencer-se de que tem potencialidades


para ser alegre e alegrar, os outros.

— 374 —
QUE É A «PASCOALIZACAO»?

S 06. VIARIO. Pelo sistema viário, o homem descobre


inúmeros meios para locomover-se fácilmente. Inventa técni
cas para entrar em comunicagáo e contato com os outros. Cul
tiva o diálogo.

Possa o retirante descobrir em si as suas capacidades de


locomocáo, comunicacáo, sintonía, empatia e a habilidade de
ser social!

S 07. PEDAGÓGICO. Em sua vocacáo para o desenvol-


vimento, o homem busca a cultura, tanto a geral como a
especializada. Freqüenta mestres, escolas, bibliotecas, centros
de pesquisa...

O retirante, portanto, tomará consciéncia de ter inteli


gencia, memoria, curiosidade especulativa, criatividade, capaci-
dade para instruir e exortar...

S 08. PATRIMONIAL. Outra aspirapáo do homem é a


que se dirige para a estabilidade patrimonial, para o exercício
da propriedade e o bem-estar económico. Todavía a sabedoria
ensina que é melhor ser do que ter. Quanto mais alguém tem
casas, empregados, carros, lazeres..., tanto mais costuma ter
problemas, insónias e até mesmo o seu analista; pessoalmente
esse sujeito nada ou quase nada é.

Por isto o retirante procurará atingir a liberdade inte


rior em relacáo aos bens de consumo, utilizará os valores ma-
teriais em atitude de desapego e táo somente em vista de ser
mais (e nao ter mais) em cada um dos quatorze sistemas e
servir melhor.

S 09. PRODUC.AO. O homem é criativo, construtivo e


chamado a levar o mundo ao seu aperfeicoamento técnico e
artístico. Cada um deve interessar-se pelo desenvolvimento de
todos os homens e do homem todo.

Por conseguinte, o retirante há de procurar descobrir em


si as suas capacidades criativas, os seus talentos para transfor
mar o mundo e a sua habilidade a fim de continuar a obra ini
ciada pelo Criador.

S 10. RELIGIOSO. O homem está em constante pro


cura de um humanismo que valorize o Transcendental. Busca
os meios aparentemente mais adequados para chegar á expe
riencia de Deus; a Biblia Sagrada é o quadro de referencia
da sua vida.

— 375 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 201/1976

Consciente disto, o retirante descobrirá, através da Biblia


Sagrada, «a capacidade co-redentora, a pascoalizagáo para
tornar realidade o misterio pascal,... a divinizagáo pela huma-
nizacáo,... a capacidade de ter urna experiencia de Deus, des-
cobrindo-o na historia de vocé, a capacidade de insergáo na
vida trinitaria, fazendo a equipe dos 4 e 'deslocando1 Deus e
a familia de Deus do S 10 para o S 01, surgindo assim urna
vida teocéntrica, cristocéntrica» («Libertagáo Pascal» 1 e 2,
p. 37). A p. 78 deste mesmo volume, lé-se que a «familia
dos 4» compreende «Deus-Pai, Cristo, Espirito Santo e Eu».
O deslocamento do S 10 para S 01 significa a intimidade do
relacionamento com Deus, que pode entáo ser assemelhado a
um parentesco.

S 11. SEGURANZA. O homem, que aspira á ordem


social, emprega as suas aptidóes para satisfazer á necessidade
de seguranza pessoal e social na sua vida.

Donde as perguntas feitas ao retirante: vocé confia na


sua capacidade de construir a paz? ... na sua combativa
vocagáo profética? ... na sua coragem de oferecer protecáo
aos fracos e temerosos?

S 12. POLÍTICO. O homem bem formado se interessa


pela vida política (em sentido ampio) da sua sociedade e da
sua nagáo, contribuindo para a organizado harmoniosa de
todas as atividades dos ambientes em que vive.

É por isto que o retirante procura tomar consciéncia da


sua corresponsabilidade, da sua habilidade de organizar e
administrar, das suas aptidóes para liderar, da sua capaci
dade de obediencia...

S 13. JURÍDICO. Todo homem precisa do amparo de


justas leis, que assegurem a cada um o que lhe é devido.

Consciente disto, o retirante se persuade da sua capaci


dade de assumir direitos e deveres, de aderir as leis, de con
quistar a maturidade, de praticar a compreensáo dos seus
semelhantes.

S 14. PRECEDENCIA. A pessoa que queira definir a


sua posigáo em relacáo aos outros, comeca por valorizar a si
mesma, aceitando-se como ela é. Sabe também valorizar o
próximo com humüdade, simplicidade e cortesía.

— 376 —
QUE É A «PASCOAUZAgAO» ?

Reconhece, pois, o retirante que tem aptidáo para viver


como filho de Deus e irmáo de Cristo, tem capacidade de esti
mar os valores humanos e de redescobrir a imagem de Deus
em sua vida.

Examinemos agora outra nota assaz característica dos


Retiros de Pascoalizacáo.

3. Rastreamento

A Pascoalizagáo procura fazer que a pessoa se torne,


tanto quanto possível, consciente do seu passado, levando o
retirante a freqüentes exames de si mesmo. O Manual do
Retiro de Pascoalizacáo (ns. 1 e 2) propóe mesmo o Calen
dario Obstétrico no qual a pessoa pode descobrir, mediante
cálculo aproximado, a própria data (dia do mes e dia da
semana) em que foi concebida no seio materno (cf. pp. 114-
-117); assim, por exemplo, quem nasceu aos 16/8/1938, po-
derá ficar cíente de que foi concebido na quarta-feira 9 de
novembro de 1937. Semana por semana, ano por ano, o reti
rante se esforca por tomar conhecimento do que tem sido a
sua vida. Isto é proposto ao cristáo com dois objetivos:

— liberte-se de traumas, complexos, defeitos adquiridos


em sua vida passada...;

A Pascoalizacáo, apregoando a perfeicáo crista, apoia-se


fortemente em técnicas psicanalíticas e recorre freqüente-
mente á Psicología das profundidades; déseja assim assentar
o ideal cristáo sobre sólidas bases humanas e psicológicas;

— procure o retirante reconhecer a agáo de Deus em sua


vida e conseqüentemente glorificar o Pai. Cada ser humano
recapitula nos decenios da sua existencia terrestre a historia
da salvagáo de toda a humanidade. É útil, pois, a cada um
contemplar a agáo do Senhor Deus no seu passado e admirar
a Providencia Divina como também impetrar a Misericordia
do Pai Celeste.

Em vista do autoconhecimento do retirante e dos resul


tados que este proporciona, o Pe. Octavio Ritter propóe aos
seus leitores varios outros esquemas, gráficos e tabelas, com
os nomes mais diversos:

— 377 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

Tanatofilogram» da personalidade (desequilibrios do com-


portamento): rigidez, angustia, tensáo nervosa, radicalismo,
imediatismo, precipitagáo.... Existem as tanatofilias (tenden
cias que destroem a personalidade) como existem as biofilias
(tendencias que levam a nascer e viver em plenitude).

Cibemoses (obstáculos á comunicagáo): deficiencias de


consciéncia global, de codificagáo verbal, de codificagáo nio-
-verbal, falta de método participativo...

Globograma para o fluxograma da pascoalizacáo da vida:


encontram-se ai as normas oportunas para a espiritualidade
do fortalecimento, a espiritualidade de co-redengáo, o «feed-
-back» da vida...

Muitos outros aspectos do Movimento de Pascoalizagáo


poderiam ser aqui realgados. Trata-se de um caminho de espi
ritualidade assaz longo e rico em facetas, mas de vocabulario
singular e, as vezes, obscuro. O que foi dito até aqui, pode
contribuir para por em relevo o que haja de original e carac
terístico nesse treinamento espiritual. Procuraremos agora
formular algumas reflexóes sobre táo comentado Movimento.

4. Reflexóes

O que mais impressiona o observador dos escritos e dos


exercícios de Pascoalizagáo, é a tónica que estes dáo á antro-
pologia ou a compreensáo do ser humano em sua psicología,
em sua fisiología, em sua vida social... A Pascoalizagáo
deseja fundamentar a espiritualidade católica sobre o conheci-
mento profundo do que é o homem com suas profundidades e
seus misterios.

Que dizer a propósito?

— Distinguiremos o que haja de positivo e o que de nega


tivo nessa abordagem da espiritualidade.

4.1. Até onde válido?

Costuma-se dizer, com S. Tomás de Aquino, que «a graga


nao destrói a natureza, mas a supóe e aperfeigoa» (Suma Teo
lógica, I, qu. 1, art. 8, ad 2). É este principio que leva muitos
teólogos e mestres de espiritualidade, principalmente em nos-

— 378 —
- QUE É A «PASCOAL1ZACAO»? 11

sos dias, a sondar profundamente a natureza humana, valen-


do-se do instrumental das ciencias modernas, a fim de indicar
melhor como dispor essa natureza a receber a graga divina.

O conhecimento do psiquismo humano permite distinguir


entre colpa formal e culpa meramente material, sendo a pri-
meira imputável áo sujeito e a outra nao. Alias, o Movimento
de Pascoalizagáo, em seu Manual, volume 1 e 2, acentúa tal
distingáo, afirmando, por exemplo: «Nem todo pecado é culpa,
mas toda culpa mclui o pecado» (cf. pp. 72s). Por «pecado»
entende-se entáo o ato materialmente mau (roubar, matar,
injuriar...); por «culpa» designa-se a participagáo consciente
e voluntaria do sujeito na realizagáo desse ato mau. É certo
que traumas de infancia, complexos, defeitos físicos e psíqui
cos podem atenuar a culpabilidade de quem erra, ou mesmo
extingui-la. Daí a importancia de se conhecerem as profun
didades do psiquismo do sujeito e o seu histórico, pois esse
conhecimento permitirá separar mais conscientemente pecado
material e pecado formal e ajudar o sujeito a dominar melhor
a sua natureza.

Eis, porém, que outras observagóes se impóem:

4.2. Naturalismo

Se é válido, e mesmo necessário, perscrutar o íntimo do


homem para melhor orientá-lo em sua caminhada espiritual,
deve-se acrescentar que essa sondagem nao há de ser prati-
cada a ponto de encobrir a auténtica face da vida espiritual
crista. Esta é, antes do mais, efeito da graga de Deus no
homem; nao se reduz a criterios psicológicos, nem pode ser
diagnosticada apenas segundo as normas da razáo humana.
Deus é maravilhoso em sua agáo nos fiéis, de tal modo que
até os menos prendados do ponto de vista intelectual podem
ser levados á culmináncia da santidade desde que se abram
dócilmente as inspiragóes do Espirito Santo. Cf. PR 188/1975,
pp. 344-355.

Mais: o axioma de S. Tomás «A graga nao destrói a natu


reza, mas a supóe e aperfeigoa» nao pode ser entendido sem
urna distingáo importante, a saber:

a) A graga supóe a natureza na ordem ontológica: sim.


Com efeito, a vida crista e a filiagáo divina supóem a raciona-
lidade do ser humano (ou a intelectualidáde do anjo) e nao

— 379 —
12 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

se podem enxertar ñas criaturas irracionais (pedra, flor, ani


mal). Sonriente o homem com sua natureza intelectiva é su-
jeito apto á vida sobrenatural; esta eleva a dignidade nova as
potencialidades da criatura humana.

b) A graga supóe a natureza na ordem histérica: nao.


— Isto quer dizer: a natureza humana, como ela se encontra
na realidade concreta, está marcada pelo signo do pecado ori
ginal e, por conseguinte, é portadora de tendencias desregra-
das. Este fato histórico exige que o cristáo se coiba e saiba
dizer Nao as suas inclinagóes naturais sempre que vir que estas
o podem levar ao pecado. A mortificagáo é indispensável na
vida crista, pois sem ela o cristáo se arrisca a ser vitima de si
mesmo. Ora verifica-se que a espiritualidade da Pascoalizagáo
é pouco propensa á ascese e á penitencia; antes, tem favore
cido certos comportamentos que nao corresponden! as normas
da prudencia e do recato cristáos, como adiante se dirá mais
longamente.

4.3. Peloglanistno

A valorizagáo da natureza, na Pascoalizagáo, concorre


para que as vezes esta escola silencie a agio da graga de Deus
quando esta deveria ser mencionada. Precisamente Pelágio e
seus sequazes, no inicio do sáculo V, afirmavam que o homem,
pelos esforgos da sua própria natureza, se pode salvar. É
certo que os mestres da Pascoalizagáo nao tencionam cair na
heresia pelagiana. Todavía seria para desejar clara referencia
á graga de Deus num texto como o que se segué abaixo:

"Nos designios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se


porque toda a vida é vocagáo. É dado a todos em germen desde o nasci-
mento um conjunto de aptidóes e de qualidades para as fazer renden
desenvotvé-las será fruto da educacao recebida do meló ambiente e do
esfonjo pessoat, e permitirá a cada um orientar-se para a meta que Ihe
propóe o Criador. Dotado de Inteligencia e de llberdade, ó cada um
responsável tanto pelo seu cresclmento como pela sua salvacio.

Ajudado, por vezes constrangldo, por aqueles que o educam e ro-


delam, cada um, sejam quais forem as influencias que sobre ele se exer-
gam, permanece o artífice principal do seu éxito ou do seu fracasso;
apenas com o esforco da inteligencia e da vontade pode cada homem
crescer em humanidade, valer mais, ser mals" (Manual 1 e 2, p. 31).

Na verdade, o Movimento de Pascoalizagáo é benemérito


pelo fato de incitar o retirante a descobrir suas potencialida
des e a se esforgar por mobilizá-las. Todavía seria mister
que acrescentasse sempre o que Sao Paulo tantas vezes afirma:
«É pela graga de Deus que sou o que sou, e sua graga, a mim

— 380 —
QUE É A «PASCOALIZACAO»? 13

dispensada, nao foi estéril» (ICor 15,10) ou ainda: «Nao


somos dotados de capacidade que possamos atribuir a nos mes-
mos, mas é de Deus que vem a nossa capacidade» (2Cor 3,5).

4.4. Amor

A Pescoalizagáo, preconizando o desenvolvímento das po


tencialidades da pessoa, convida ao «desenvolvimiento da sexua
lidades (Manual 1 e 2, p. 86).

Esta expressáo pode ser entendida em sentido construtivo,


pois na verdade todas as células do organismo humano sao
marcadas pela respectiva sexualidade; donde se depreende que
tudo aquilo que cada ser humano realize, tem as característi
cas do masculino e do feminino; é preciso mesmo que o jovem
e o adulto sejam cada vez mais viris, como também é neces-
sário que a jovem e a mulher adulta sejam cada vez mais a
expressáo da respectiva feminilidade.

Todavía verifica-se na prática que nos encontros de Pas


coalizacáo o intercambio entre pessoas de sexo diferente nem
sempre se mantém dentro dos limites do respeito devido. Sob
o pretexto de amizade e comunháo de interesses espirituais,
tém-se registrado atitudes livres demais no respectivo con
texto. Visando a libertar-se de tabus (o que é válido), os reti
rantes tém exagerado os valores da sexualidade e algumas das
expressóes da mesma. Ora é certo que nao se corrige um erro
extremo mediante outro erro extremo.

Sao estas, em suma, as principáis observacóes que, se


gundo parece, convém fazer aos Retiros de Pascoalizagáo.
Nao se negué a reta intencáo de quem os concebeu e estru-
turou, mas é de se reconhecer que nem sempre os frutos com-
provam o valor da árvore; antes mesmo, contribuiram, em
mais de um caso, para desaboná-la, visto que o espirito de fé
e os hábitos de autodominio parecem ter-se diluido em pes
soas que passaram pela Fascoalizacáo, justamente por efeito
dessa escola de espiritualidade.

A fim de que o leitor melhor ainda possa julgar a materia


em questáo, vai aquí apresentada a Declaragáo dos Bispos do
Brasil reunidos na sua XTV Assembléia Geral em Itaici (SP)
nos días 19 até 27 de novembro de 1974. Tal Declaragáo
supóe inconvenientes ocorridos por ocasiáo dos Retiros de
Pascoalizacáo, inconvenientes que deveriam ser evitados para
que tal espiritualidade ficasse ácima de qualquer reserva ou
suspeita.

— 381 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

APÉNDICE
A PALAVRA DOS BISPOS DO BRASIL

A Comissáo de BIspos designada para prestar esclarecimentos á XIV


Assembléia Geral da CNBB referentes aos asslm chamados "Retiros de
Pascoalizacio" nao pretende pronunciar-se definitivamente. Por um lado,
consta que esses Retiros tém assumldo aspectos diferentes; por outro
lado, falta-nos informagSo completa. Acrescente-se a esses motivos o da
ausencia de qualquer dos promotores do Movimento.

1. O sentido — Os Retiros de Pascoalizacáo sio retiros espfrltuais


em que o pregador apresenta aos participantes a RessurreicSo de Cristo
como tema central das motivacñes, e focaliza a Ressurreicio no seu aspecto
atual, dinámico e permanente — fonte perene de esperanca e otimismo.

2. O método — Os Retiros de PascoalizacSo comecam, multas vezes,


por um rápido exercfcio de dinámica de grupo, e costumam desenvolver-se
em diversas fases. As palestras realcam dois aspectos da vida do homem:
o psicológico e o espiritual.

No primeiro, a atencao das pessoas é concentrada sobre os equili


brios e desequilibrios de que sao portadoras, e sobre a necessldade e o
método de libertar-se dos efeitos negativos. O processo consiste na regres-
sao mental ao passado, as vezes até ao seio materno, para tentar loca
lizar as remotas origens de seus condicionamentos.

O segundo é fortemente calcado na Biblia, com énfase na agio do


Espirito Santo.

Para facilitar a insercáo na realidade, os promotores dos Retiros de


Pascoalizacáo passaram a adotar como pontos de referencia os 14 Siste
mas Sociais da Teoría da OrganizacSo Humana (do Prof. Rubio Mueller),
os mesmos que sao empregados nos treinamentos de Criatividade Comu
nitaria.

3. Orieniacao — Antes de aceitar os Retiros de Pascoallzacio na


Diocese, tendo em vista o fato de que, em alguns lugares, houve a tenta
tiva de se fazer em poucos dias urna psicanálise, que, normalmente, exige
multo tempo por psicanalistas de competencia científica e tendo ja havldo
o pronunclamento do episcopado de um Regional, ó importante:

1) conhecer a pessoa do pregador, seu equilibrio e prudencia, mesmo


que diga restringir a sua "psicanálise" a abrir pistas para a autoanállse
da personalidade;

2) deixar claro que o campo ficará aberto para outros tipos de


retiro;

3) prevenir contra o perlgo do fanatismo, da excessiva dependencia


do pregador, e do conseqQente divlslonlsmo ñas comunidades, como fá
tem acontecido;

4} decidir da conveniencia ou nfio de permitir retiro misto, isto é,


com partlclpacáo de pessoas de ambos os sexos.

— 382 —
QUE fi A «PASCOALIZACAO? 15

4. SugestSes: 1) Os Srs. blspos, em cada dlocese, déem ciencia


acs Superiores Malores das Ordens e Congregagfies do teor dessas orien-
tacSes, e, ao mesmo tempo, procurem aprofundar ou mandar aprofundar
o estudo dos Retiros em questño.

2) Empenhemo-nos para dar ás Casas Religiosas maior colaboragáo,


principalmente quando se tratar de Instituto ou CongregacSo que nSo con-
tam com apoio de Ordens ou Congregagdes de sacerdotes.

3) Incentive-se a formagSo teológica de Religiosas, para que pos-


sati colaborar com a hierarauia no sentido de dar maior riqueza aos retiros
femlninos, á semelhanga do que, com tantos frutos, vem sucedendo no
movimento dos Cursilhos, nos quais a cooperagSo de leigos e Religiosas
está sendo de grande eficiencia.

4) Será louvável que a CNBB, em conjunto com a CRB, promova,


periódicamente, urna revisao dos Retiros de Pascoallzagfio e dos Retiros
em geral; que organizem cursos de atualizagáo para pregadores de retiros
e, se julgarem oportuno, convoquem leigos e religiosas capazes de auxi-
Harem os mencionados pregadores a darem exercicios espirituais.

Itaici, 25 de novembro de 1974.

t José de Medelros Delgado


f Afonso Niehues
t Paulo Moretto
t Osórlo Stoffel, O.F.M.

PARA QUEM TENHA SOFRIDO UM GOLPE EM SUA


SAÜDE:

«TOMEI ÑAS MÁOS A MINHA DOR, COMO UM


INSTRUMENTO DE TRABALHO. ENCAREI-A SEM MÁ
VONTADE, E NUMA FOLHA DE PAPEL — QUE AÍNDA
GUARDO — ARMEI, EM DUAS COLUNAS, O PASSADO
E O PRESENTE. O QUE A DOR ME PERMITE: SILENCIO,
REFLEXÁO, CULTURA PESSOAL, VIDA ESPIRITUAL, ORA-
CÁO. O QUE ME PROIBE : ATIVIDADE, RELAOOES, ESTU-
DOS CONTINUADOS, PRESTIGIO. DESCUBRO, NESTAS
DUAS COLUNAS EM CONFRONTO, QUE O PASSIVO é,
LINHA POR LINHA, O RESGATE DO ATIVO E QUE, COM
ESTAS PEDRAS REJEITADAS, SE VAI EDIFICAR UMA CASA».

SUZANNE FOUCHÉ

— 383 —
Na ordem do día:

que é a "psicorientologia11?

Em sínlese: iA Psicorienlologla foi fundada na década de 1960 pelo


mestre José Silva, mexicano domiciliado nos Estados Unidos (Texas).
Visa a ensinar os seus discípulos a utilizar as torgas subconscientes e
inconscientes do psiquismo humano, fazendo-os descer ao nivel Alpha,
onde estáo latentes ricas e desconhecidas potencialidades da alma. Quem
se familiariza com as técnicas da Psicorientologia ou do "Mind Control"
(Controle da mente), torna-se apto a colher Informacóes contidas na mente
de outros homens ou mesmo de habitantes de outros planetas; é também
capaz de praticar cuas, pois pode Influir sobre a anatomia e a fisiología
alheias (como também sobre a sua). A base destas afirmagoes é o mo
nismo panteista professado por José Silva; as mentes humanas seriam
chispas divinas, que poderiam sintonizar entre si por estarem ligadas urnas
com as outras por urna rede de afinidades. Assim a Psicorientologia se
mostra otimista quanto ao futuro da humanldade, prometendo aos seus
discípulos a superacSo de todos os problemas.

Como se vé, trata-se de urna escola baseada nos fenómenos que a


Psicología e a Parapsicología já conhecem: telepatía, clarividencia, per-
cepgao extra-sensorial... O que a Psicorientologia tem de especifico, é
fantasista e ilusorio, nao compensando as altas despesas exigidas de
quem quer seguir seus cursos.

Comentario: Nos últimos tempos muitas pessoas tém sido


impressionadas por noticias de cursos de urna disciplina nova
chamada «Psicorientologia», que, como se diz, propicia gran
des beneficios a quem os segué. Visto que há incertezas sobre
o conteúdo e as implicagóes de tais cursos e de seus escritos,
propomo-nos abaixo transmitir as linhas essenciais da Psico
rientologia, procurando assim facilitar ao leitor urna aprecia-
gáo mais fundamentada do assunto.

1. Linhas básicas

1. A Psicorientologia tem por fundador o mestre mexi


cano José Silva, que se transferiu para os Estados Unidos (Te-
xas), onde concebeu e divulgou as suas idéias.

— 384 —
«PSICORIENTOLOGIA»: QUF. É? 17

José Silva, impressionado pelo avanco da humanidade na


área das ciencias exatas e tecnológicas e pelo exiguo progresso
das ciencias humanas e psicológicas, resolveu dedicar-se a
estas. Em 1944, realizava experiencias sobre o coeficiente de
inteligencia (QI) de meninos, quando verificou surpreendentes
manifestagóes de percepcáo extra-sensorial entre os pequeños.
Esta descoberta incentivou-o a explorar mais e mais a mente
humana e suas potencialidades; assim foi construindo aos pou-
cos a sua nova ciencia, que em 1962 tomou o nome de «Psico-
rientologia» (ciencia da orientacáo do psiquismo) ou «Mind
Control» (Controle da Mente). Associou-se-lhe nos estudos o
mestre Emilio Guzmán, que desde 1928 vem fazendo experien
cias de clarividencia telepática entre a California e Nova Ior-
que; este, concordando com José Silva em suas conclusóes,
resolveu aderir á obra do fundador da Psicorientologia.

2. O ponto de partida do «Mind Control» é a certeza de


que o ser humano possui em seu subconsciente capacidades de
conhecer e agir muito mais vastas e poderosas do que as suas
faculdades conscientes. Esta, alias, é urna verdade incontes-
tável, visto que temos habitualmente em nossa consciéncia
psicológica apenas 1/8 dos nossos conhecimentos adquiridos,
ficando 7/8 no subconsciente, submersos como o bloco de um
ice-berg fica submerso dentro da agua, enquanto apenas urna
ponta superior emerge e é vista pelos observadores.

O mestre José Silva, referindo-se á consciéncia, usa lin-


guagem própria. Fala, sim, de níveis de profundidade beta
(leve), alpha (medio), theta (profundo) e delta (inconsciente).

No nivel beta, a pessoa usa os seus sentidos externos


(visáo, audicáo, olfato, paladar, tato); está imersa no mundo
físico do espaco e do tempo. Este é o nivel consciente exterior.

No nivel alpha, a pessoa passa para o mundo espiritual,


onde nao existe tempo nem espago. Este é o nivel consciente
interior.

O nivel theta aprofunda o anterior.

O nivel delta é o do inconsciente, a respeito do qual José


Silva nada pode dizer.

O mesmo mestre reconhece que entre subconsciente e


inconsciente a linha demarcatóría é assaz tenue, podendo um
desses conteúdos permear para dentro do outro.

— 385 —
18 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

Ora a Psicorientologia quer ensinar todos os homens a


descobrir e utilizar as torgas naturais latentes em cada perso-
nalidade. A mente humana, em seus níveis profundos, teria a
capacidade de exercer influencia sobre a materia do seu corpo
ou de corpos alheios, nao importando a distancia a que este-
jam tais corpos.

3. A fim de conseguir utilizar tais forcas, o sujeito deve


recorrer a técnicas de concentracáo (controle da mente);
requer-se que se coloque em posturas adequadas, respire apro-
priadamente, suba ao laboratorio da sua mente; ai utilizará
a sua tela mental, na qual poderá projetar figuras humanas
ou nao humanas, a fim de as contemplar. A pessoa também
tem o direito de evocar espirites (de defuntos ou de persona-
gens vivos), que, na qualidade de guias, se tornem presentes
a quem os chame; esses orientadores aconselham os seus clien
tes, a fim de que resolvam mais fácilmente os seus problemas;
apenas é preciso cuidar para que espiritos-guias maléficos nao
se introduzam na mente de quem aguarda bons conselheiros.

Para entender o que sejam esses conselheiros, é impor


tante levar-se em conta a seguinte explicacáo proposta no
folheto «Um dia com José Silva». Ai aparece a pergunta:

"Meus conselheiros fazem parle da mlnha imaglnacáo ou sao reais?


Literalmente, serio eles espíritos que eu posso chamar quando quiser?"

Ao que responde o mestre:

"O que quer que seja que vocé faca com sua mente, é real. Se
vocé acha que eles sao criaedes da sua próprla mente, eles o slo. Se
vocd acha que sao espirites da sua própria mente, eles o sao. Se vocé
acha que eles nao erram, .nao erram. Se vocé acha que eles sao estúpidos,
Idiotas, sao estúpidos, idiotas. Eles sao, nem mais nem menos, o que vocd
pensa que eles sao. Imaginario e visualizado sSo os verdadeiros molos
de comunlcacSo em Alpha. Por Isso, o que quer que vocd pense, será
verdadelro para vocd".

Mais adiante lé-se o seguinte diálogo:

"Elmer Green diz que espíritos maus podem Invadir o sistema psí
quico. Que acha disso?

— No seu nivel, sua mente pode criar o que quer que vocd queira.
Se vocd imagina espirltoa maus, vocé criará espirites maus. Vocd se sin
toniza com seja o que for que deseje, através do seu pensamento. Se
voce acredita em espirites maus, entáo voce se conduzirá pelo pensamento
ao canal onde funcionara os maus espirites, e estes se tornarlo reais
para voce. Nos nunca Uvemos nlnguém que tlvesse sido lomado por espi
rites diabólicos, porque nao enainamos estas coisas em nosso curso".

— 386 —
«PSICORIENTOLOGIA»: QUE É? 19

Como se vé, é difícil compreender o pensamento de José


Silva. Nao é sem fundamento que ele fala freqüentemente de
Imaginagao Criadora...

4. O motivo pelo qual José Silva julga que as energías


profundas latentes no sujeito sao aptas a conseguir efeitos
maravilhosos dentro e fora do próprio sujeito, é a concepgáo
monista ou panteísta desse mestre. Sim; a Psicorientologia
supóe que todos os seres sejam partes e expressóes (chispas)
de uma substancia única, que seria a Divindade (em todos
os homens existiría uma chispa divina encerrada na materia).
Se todos os seres — eu e os habitantes da minha cidade ou
do meu pais ou do globo ou de outro planeta — somos liga
dos entre nos, como nos de uma rede, compreende-se que
cada pessoa possa influir nos demais seres existentes.

A Psicorientologia admite leis de afinidade entre os ho


mens e as coisas. Sao estas leis que nos permitem sintonizar,
de maneira mais ou menos feliz, com outras pessoas ou com
as coisas que se encontrem pelo mundo. As pessoas que se
exercitam ñas funcóes do nivel Alpha «podem perceber infor-
macóes gravadas nos neurónios de qualquer cerebro neste
nosso planeta ou nos de um cerebro de qualquer outro pla
neta do nosso sistema solar ou ainda num cerebro de outro
sistema solar em nossa galácia, ou num cerebro de qualquer
galácia do universo» (E. Guzmán, «Control Mental», p. 210s).

A Psicorientologia admite, pois, vida e seres inteligentes


em outros planetas além da térra.

O cerebro humano é como uma sonda que penetra, pro-


jetando-se nos espagos da térra e de fora da térra. O segredo
do éxito da «viagem espacial» depende da facilidade (ou nao)
de sintonizarmos com a freqüéncia de onda correspondente á
pessoa ou ao objeto com que desejamos comunicar-nos.

Projetando-se para fora do individuo, a mente humana


pode também exercer atividades em outros seres; de modo
especial, torna-se capaz de praticar a cura de certas moles
tias. Percebendo a anatomía interna de uma pessoa, a mente
pode tomar consciéncia de que ai há funcionamentos defeituo-
sos, há anomalías, corpos estranhos, deformagóes...; sabe
dora disto, a mesma mente pode provocar a restaurado do
que se acha defeituoso.

— 3S7 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

5. A Psicorientologia é otimista quanto ao futuro da


humanidade. Admite a evolugáo do género humano, a qual
doravante já nao se exerce no plano físico, mas no da mente.
Tendemos agora á perfeigáo do controle mental, de sorte que
nao haverá mais problemas ou doencas; o homem será o artí
fice da sua sorte, contanto que aceite utilizar as técnicas e
seguir as prátioas que a Psicorientologia lhe propóe.

A título de espécimen de receita apta a ajudar alguém


em apuros, transcrevemos a seguinte, extraída de um fascí
culo destinado a graduados do «Silva Mind Control»:

Técnica do copo de agua

Como usar o copo de agua para solucionar problemas.

Toda vez em que vocd esllver pronto para deltar-se, escolha qual-
quer problema que vocé desejarla solucionar; depols, pegue um copo e
encha-o com agua.

Enquanto vocd estlver tomando cerca de metade da agua, volte os


olhos levemente para cima e, mentalmente, diga a si mesmo: 'Isto é tudo
de que necessito para encontrar a solucSo do problema que tenho na
mente'.

Vocé entáo pora de lado a outra metade do copo de agua, para


que possa tomá-la ao acordar de manhS; depois disso, vocé se deltará e
dormirá.

Ao acordar de manhá, tome o resto da agua, voltando seus olhos


levemente para cima e mentalmente dizendo a si mesmo: 'Isto é tudo o
que necessito para encontrar a solucao do problema que tenho em mente'.
E assim será.

Com esta fórmula, nao haverá necessidade de usar o método 3 a 1


para entrar no nivel 1. Vocé entrará no nivel 1, automáticamente, ao voltar
seus olhos levemente para cima, enquanto toma a agua.

Resultados desta programacáo: vocé poderá acordar durante a noite


ou pela manhá, com a lembranca viva de um sonho que contém a infor-
macao para solucionar o seu problema ou, durante o dia, poderá ter um
clarao de introspeccao que contenha a InformacSo a ser usada na solucáo
do seu problema."

Eis também a técnica da luva anestésica:

"Luva anestésica é um tipo de fórmula técnica que poderá ser pra-


ticada para desenvolver o controle da dor fisiológica e, em muitos casos,
controlar a sangría e a hemorragia.

Luva anestésica é a manlfestacSo de urna sensagáo diferente da nor


mal, geralmente desenvolvida na máo mais fraca.

— 388 —
«PSICORIENTOLOGIA»: QUE É? 21

Poderla ser urna sensacao ou sensagdes de frescor ou frió, tal como


uma sensacSo de formigamento, urna vlbragio, como se sua mió estlvesse
adormecida, como se vocé tlvesse uma luva de couro, como se sua máo
fosse de madelra, como se vocé nao tivesse mió. Qualquer sensacSo dife
rente da normal será considerada como luva anestésica.

Prática para reforco de luva anestésica: sente-se em posicSo reta,


com espago suficiente para deixar cair os bracos aos lados. Vocd entio
deixará calr sua mfio mais forte para o lado de dentro de um balde ima
ginarlo de agua quente, tio quente quanto possa agüentar.

Vocd entSo se lembrará de quando teve sua mSo na agua quente


antes, qualquer ocasiáo que vocé possa lembrar vivamente. Vocd Imagi
nará o vapor da agua quente entre os seus dedos, sentirá sua máo suando
quente. Vocé entio tirará sua máo da agua quente e a repousará no seu
coló. Oepois disso, deixará sua mSo mais fraca calr para o lado, dentro
de um balde de agua gelada, contendo bastante gelo picado. Vocé entSo
se lembrará de quando já teve sua máo em agua gelada, qualquer oca
siáo de que vocé possa se lembrar vivamente. Vocé sentirá a agua gelada
e o gelo picado entre seus dedos, sentirá sua mió gelada.

Seu desejo de fazer sua m3o fria a fará assim. Seu desejo podará
fazer sua máo tSo fría que ela se sentirá diferente do normal. Qualquer
sensacio diferente da normal será considerada Luva Anestésica. Qualquer
sensagio, tal como formigamento, vibragSo, como se sua mSo estivesse
adormecida, como se vocé catcasse uma luva de couro, como se sua mSo
fosse de madeira, como se vocé nao tivesse máo, qualquer sensagio fora
do normal será considerada como Luva Anestésica.

Enquanto sua mió for fícando mais e mais fria, a cada segundo,
vocé poderá rever as dez chaves da memoria básica para melhorar a
visualizacáo. N? 1, a letra T, a palavra 'Taca'; vocé poderá projetar sobre
sua tela mental uma Taca. Continué da mesma maneira com o resto das
chaves até o n? 10.

Vocé entáo tirará sua mao da agua fria e a levantará para cima
atrás de sua cabeca. Vocé nao permitirá sua máo tocar em sua cabega.
Vocé a deixará secar e ficar mais fría naquela posicáo.

Vocá deixará sua mao naquela posigip tanto tempo quanto desejar.
Depois baixará sua máo, colocá-la-á no seu coló, e removerá toda sen-
sagio anormal, esfregando-a tres vezes com a outra mao, fazendo retornar
toda a sensacáo ao normal.

Tío logo vocé aprenda a desenvolver a Luva Anestésica e, após tes-


tá-la, quando estlver satisfeito com os resultados, comece a praticar a
transferencia desta anestesia a outias partes do corpo. Primeiro, pratl-
que, transferindo esta anestesia de uma mió para outra, colocando a
m§o anestesiada sobre a outra por alguns segundos; depois, teste a
anestesia desta outra máo, beliscando-a (ortemente.

Quando estlver se tornando eficaz, entao pratlque, transferindo a


anestesia de qualquer mSo a qualquer outra parte do corpo. Isto é feito,
colocando-se qualquer máo sobre aquela parte do corpo e delxando-a
naquela poslgáo por alguns segundos. Finalmente, vocé poderá aprender,

— 389 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

com prática, a programar-se de tal manelra que, ao concentrar-se em


qualquer desconforto e mentalmente dizendo: 'Passou', o desconforto terá
desaparecido".

Transcrevemos estas passagens sem comentarios...

O otimismo de José Silva e sua escola é expresso, por


vezes, em linguagem bíblica, de tal modo que o mestre cita o
Evangelho, dando-lhe a interpretacjio objetiva que lhe parega
oportuna. Este modo de proceder nao deve confundir o leitor,
como se signifieasse que José Silva adota a filosofía e a fé do
Cristianismo.

Pergunta-se agora:

2. Que dizer?
Frente as teorías de José Silva e sua escola, podem-se
fazer as seguintes observagóes:

1) É verídico o que o mestre ensma a respeito das poten


cialidades ignoradas do psiquismo humano. O subconsciente é
rico em virtualidades, que podem ser postas em exercício por
efeito da sugestáo (fator de elevada importancia) ou ñas con-
digóes de transe, que a Psicología e a Parapsicología estudam
minuciosamente. Tenham-se em vista os fenómenos da clari
videncia, da telepatía, da percepgáo extra-sensorial, da psico-
cinese, etc. José Silva constrói um sistema de pensamento e
técnicas baseado em tais fatos, deixando-se, porém, levar pela
fantasia quando fala de laboratorio mental, espíritos-guias,
sonda do cerebro, etc. Por isto deve-se dizer: o que a Psico-
rientologia propóe em comum com a Psicología e a Parapsi
cología científicas merece atengáo; todavía o que lhe é especí
fico ou próprio, há de ser tido como arbitrario e fantasista.

2) O panteísmo professado pela Psicorientologia nao


resiste a urna crítica objetiva. Com efeito, nao se pode admi
tir que a Divindade (a qual, por definigáo, é o Absoluto, o
Infinito, o Eterno) se identifique com seres contingentes, rela
tivos e finitos como sao os homens ou as coisas visíveis. O
finito multiplicado jamáis vem a ser o Infinito; nao há conti-
nuidade entre as criaturas contingentes e Deus Absoluto. Por
isto o panteísmo é um sistema ilógico, que elimina a transcen
dencia de Deus e permite ao homem viver num ateísmo camu
flado.

3) O empenho de José Silva e seus sequazes pelo desen-


volvimento das ciencias do espirito é louvável. Acontece, po-

— 390 —
«PSICORIENTOLOGIA»: QUE É? 23

rém, que tal terreno é assaz pessoal e se presta a posigóes,


em grau maior ou menor, subjetivas; a razáo e a filosofía sao
o criterio para se avaliarem tais posicóes. O entusiasmo, o
otimismo, as intuicóes que contradigam as afirmagóes da sá
razáo, tornam-se algo de suspeito. Hoje em dia existem nao
poucas escolas que pretenden) descobrir e explanar as forgas
ocultas da mente: a Verologia, a Logosofia, a Teosofía, a An-
troposofia, a Rosa-Cruz... Esses sistemas sao fruto da expe
riencia psicológica e parapsicológica de seus fundadores, que
propóem interpretagóes «maravilhosas» e fantasistas de tal
experiencia. Isto os torna atraentes para o público, dado á
«mística» irracional e sonhadora. Infelizmente, a tendencia de
muitos hoje é seguir intuigóes subjetivas e imaginosas, desvin
culadas das categorías da sá razáo.

Sendo assim, parece que Psicorientologia pode produzir


efeitos nocivos, iludindo o público e explorando a boa-fé dos
incautos. Isto é particularmente ponderável, dado que os cur
sos de Psicorientologia — que se multiplicam no Brasil —
custam taxas elevadas; em troca dessa vultosa quantia des
pendida, os ouvintes se véem posteriormente com idéias con
fusas e propensos a viver num mundo imaginario, alheio á
realidade objetiva.

4) Quanto a habitagáo de outros planetas por parte de


seres inteligentes, nada há a opor a tal tese. Ela nao contra-
diz nem á sá filosofía nem á fé crista. Haveria mesmo certa
conveniencia em que tanta materia esparsa pelo universo fosse
conhecida e cultivada por seres inteligentes, os quais dariam
gloria a Deus em nome de toda a realidade cósmica; o homem
(ou urna criatura afim) é, por sua natureza mesma, o sacer
dote ou o mediador entre a materia inanimada e o Criador.
Pergunta-se, pois: nao haveria para tantas galácias um sacer
dote adequado, que entoasse o louvor de Deus inspirado pela
contemplagáo de tanta grandeza material e espacial? — A fé
crista nao tem resposta precisa para esta pergunta, mas pode
aceitar tranquilamente a positiva.

Eis o que nos parecia dever dizer a respeito da Psico


rientologia.

A titulo de bibliografía, podemos Indicar o livro de Emilio Guzmán:


"Control Mental. Nueva dimensión del Pensamiento Humano". Laredo,
Texas 1972. Além de consultar essa obra, servimo-nos de apostilas e
de fascículos ditos "Alpha News" publicados pelo Instituto de Psicoiiento-
logla do Brasil.
EstSvao Bettencourt O.S.B.

— 391 —
Medicina e Moral:

aboríamento terapéutico hoje(l)

Comecaremos aqui a transcrieáo do artigo «Consideracóes


em torno da gravidez com interferencia de enfermidade grave
na gestante e o chamado 'aborto terapéutico*», da autoría
dos Drs.

Joáo Evangelista dos Santos Alves, ginecologista do Hos


pital de Ipanema, INPS, RJ; membro titular do Colegio Bra-
sileiro de Cirurgia;

Dernival da Silva Brandáo, ginecologista e obstetra; ex-


-Cons. Dir. do Conselho Regional de Medicina, RJ;

Carlos Tortelly Rodrigues Costa, ginecologista e obstetra,


Presidente da Academia Fluminense de Medicina; ex-Presidente
do Conselho Regional de Medicina, RJ; ex-Presidente da So-
ciedade Fluminense de Ginecología e Obstetricia;

Waldenir de Braganca, professor titular da cadeira de


Higiene e Medicina Social da Universidade Federal Flumi
nense; Vice-Presidente da Associacáo Médica do Brasil; ex-Pre
sidente da Associagáo Médica do Brasil; ex-Presidente do Con
selho Regional de Medicina, RJ.

Estes ilustres dentistas publicaram a comunicacáo com o


título ácima na «Revista da Associagáo Médica do Brasil»,
vol. 22, n« 1, Janeiro de 1976, pp. 21-28. Dada a importancia
da mesma, a nossa revista PR a transcreve em suas páginas,
após ter obtido as devidas licencas para urna republicagáo
adaptada ao seu ámbito de circulacáo. Trata-se de saber se,
hoje ainda, há casos em que se deva proceder ao morticinio
direto de urna crianga no seio materno para salvar a vida da
respectiva gestante. Os médicos citados, após ter consultado
numerosos especialistas dos diversos casos patológicos em que
o aborto provocado parece ser a solugáo, respondem que o
abortamento terapéutico hoje em dia já nao tem lugar, pois
há meios de tratar da saúde da gestante sem provocar direta-
mente a morte do feto. A énfase desta conclusáo se acha

— 392 —
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO HOJE (I) 25

sobre a palavra diretamente e ñas expressóes faonücídio direto,


aborto provocado, como se perceberá a seguir.

Eis o texto da comunicagáo em foco:

Introdugoo

«Analisando o problema da gravidez com intercorréncia de


enfermidade de natureza grave na gestante, sob o ponto de
vista terapéutico, deparamo-nos, embora nao freqüentemente,
com casos dificeis, que constituem verdadeiro desafío á for-
magáo científica e moral do médico.

Outrora, ocorriam em maior número os casos obstétricos


em que o agravamento do mau estado de saúde da gestante
colocava o médico na constrangedora situacáo de ver esvaí-
rem-se duas vidas humanas, sem dispor de recursos eficazes
para tentar a salvagáo de ambas.

Na época atual, porém, aquela desconcertante situacáo de


«expectativa com os bracos cruzados» nao mais prevalece. Os
extraordinarios recursos de que dispóe atualmente a Medicina,
oferecem ao médico meios para prosseguir na luta em busca
do fim almejado, qual seja a salvacáo do binomio máe-filho.

Observa-se que, no concernente ao aspecto estritamente


médico, as opinióes convergem, cada vez mais, na aceitaeáo
do fato de que se tornam mais raras as situacóes patológicas
em que se poderia concluir pela impossibilidade de evolugáo
da prenhez até a yiabilidade fetal. Em tais casos é difícil, se
nao impossível, afirmar-se que o abortamento salvará a máe.
I
Nao faltam no Brasil centros médicos suficientemente
desenvolvidos e aparelhados para oferecerem a melhor assis-
téncia aos casos mais graves. Nao seria difícil a remogáo,
para tais centros, das gestantes residentes no interior, desde
que, para isso, se voltasse a ateneáo dos responsáveis.

É comum e correto afirmar-se que a gestante portadora


de» enfermidade de natureza grave pode ser tratada como se
nao estivesse grávida. Nao quer isto dizer, obviamente, que
se nao envidem esforgos para impedir venha o feto a sofrer
as conseqüéncias do tratamento materno. Deve-se, sempre
que possível, adiar os tratamentos mais drásticos até o 3* ou

— 393 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

4* mes de gravidez para melhor seguranga do concepto, ou


mesmo, sobretudo as condutas radicáis, até a viabilidade fetal,
o que, infelizmente, nem sempre o processo patológico permite.

Dispóe a obstetricia de recursos semiótícos e terapéuticos


valiosos, que devem ser postos em prática com vistas ao con
cepto, coadyuvando o tratamento materno.

1. Nojóes preliminares

Para maior facilidade de entendimento, resumiremos, a


seguir, alguns conceitos geralmente admitidos e adotados.

Em esséncia, consiste o abortamento na morte ou na


expulsáo do concepto antes da sua viabilidade extra-uterina.

Entende-se por concepto o ser humano no período de vida


desde o seu inicio, na concepgáo, até o nascimento.

Usa-se o termo embriSJo para se designar o concepto du


rante as primeiras semanas da vida, reservando-se o termo
feto para designá-lo no período subseqüente. Neste trabalho,
porém, para facilitar a exposicáo, usaremos as palavras em-
briáo e feto' com o mesmo significado atribuido ao termo con
cepto, isto é, como sinónimos deste.

Assim também o termo nascituro designa «aquele que há


de nascer; gerado, mas aínda nao nascido».

1.1. Abortamento espontáneo ou natural

É aquele que, como o nome indica, ocorre espontanea-


mente, naturalmente, em decorréncia de fatores varios, que
escapam aos nossos designios. É a morte natural do concepto.

A morte do concepto pode ocorrer também como conse-


qüéncia nao visada, embora prevista, de ato médico realizado
para curar gestante portadora de enfermidade cuja natureza
grave nao permite adiar o tratamento até a viabilidade fetal.

Assim, por exemplo, em urna gestante cardiópata, no pri-


meiro trimestre da gravidez, com indicagáo de tratamento
drúrgico cardiovascular inadiável, o risco de abortamento

— 394 —
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO HOJE (I) 27

existe, mas nao invalida a conduta cirúrgica, que é legítima,


pois visa á salvagáo da máe e nao constituí agressáo direta ao
feto. Se ocorrer, o abortamiento será indireto, acidental, nao
visado nem desejado pelo ato médico, embora previsto.

Do mesmo modo, varias outras enfermidades, como os


tumores ovarianos, os miomas uterinos volumosos com con-
flito de espago, etc., constituem casos em que a indicacáo cirúr
gica é imperativa e legítima, no que pese encerrar grave risco
para a vida fetal.

Até mesmo no carcinoma do coló uterino, o tratamento


da máe (histerectomia radical ou radioterapia intra-uterina)
é licito e pode ser efetuado, nao obstante implicar em morte
certa do concepto. Conseqüéncia esta indireta, nao visada,
mas inevitável. A conseqüente morte do concepto constituí
aqui o que se chama, em moral, ato indireto, isto é, o que nao
foi aceito, nem desejado, nem visado, quer como fim quer
como conseqüéncia possível ou certa, porém inevitável, de um
ato diretamente desejado (no caso, a destruigáo do cáncer ute
rino pela retirada do órgáo ou pela irradiagáo).

Nessas circunstancias, a morte do feto ocorre contra as


intengóes do médico, aínda que nao contra as suas previsóes.
Fundamenta-se a liceidade do ato no principio do duplo efeito,
assim compreendido: a) á prática de um ato, moralmente bom
ou indiferente, seguem-se dois efeitos paralelos, um bom e
outro mau; b) apenas o efeito bom é visado pelo ato prati-
cado; c) o efeito mau, embora inevitável, nao é desejado nem
visado pelo ato, sendo apenas previsto e tolerado; d) o efeito
mau nao se constituí no meio de se obter o efeito bom; e) o
efeito bom é conseqüéncia direta do ato praticado, nao sendo,
portante, secundario nem conseqüente ao efeito mau; f) o
efeito bom visado é suficientemente importante para tolerar-se
o efeito nocivo previsto.

Assim, em mulher portadora de cáncer do coló uterino,


a conduta terapéutica ácima referida (ato bom) visa á cura
da doente (fim bom). O fato de a paciente engravidar no
decorrer da avaliagáo pré-operatória, ou mesmo já estar grá
vida antes, nao lhe tira o direito ao tratamento adequado,
aínda que, paralelamente á conseqüéncia boa (cura da máe),
se preveja como inseprável urna conseqüéncia má (morte do
feto).

— 395 —
_28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS!» 201/1976

Como vemos, o direito ao tratamento nao é postergado


na mulher grávida, podendo esta ser sempre tratada, desde
que nao se atente diretamente contra a vida do concepto e se
envidem esforgos para preservá-la, quando possível.

A morte do feto assim ocorrida nao infringe principio


deontológico, nem constituí objeto de atencáo de nenhum Có-
dico de Ética Médica ou Código Penal, sendo pacífica e uni
versal sua aceitagáo do ponto de vista moral e legal.

1.2. Abortomento provocado

Entende-se por abortamiento provocado o que resulta de


ato direta e deliberadamente destinado á morte do feto, ou
sua expulsáo da matriz quando ainda inviável, quer como fim
quer como meio. A morte do feto é objeto imediato da agáo
do operador, ainda que se vise com este ato, em si mau, um
fim bom. É a morte provocada e premeditada do concepto.

É evidente que os fins nao justificam os meios. Intervir


direta e deliberadamente para tirar a vida do feto (ato mau)
como meio de obter-se a cura da máe (fim bom) é procedi
mento condenável, posto que igual direito — no caso, o direito
á vida — de duas pessoas diferentes há de ser igualmente
acatado. Ambas merecem o mesmo respeito aos seus direitos
humanos inalienáveis, independentemente de maior fragilidade
ou de maior forga de urna sobre outra.

Urna mulher doente (por exemplo, portadora de cáncer


de mama ou do coló uterino, ou de cardiopatia grave, ou de
nefropatia grave, etc.) tem o direito de tratar-se corretamente,
mesmo estando grávida e ainda que o feto venha a sofrer as
conseqüéncias deste tratamento. Todavía, urna agressáo direta
contra a vida do concepto nao se justifica, embora com o fim
de melhorar as precarias condigóes de saúde da máe; aceitar-sc
como justo tal procedimento implicará em legitimar-se a agres
sáo a um ser humano indefeso em favor de outro mais forte
ou mais influente.

Vemos, pelo exposto, que a moral de modo nenhum im


pede seja a gestante enferma tratada adequadamente.

De modo geral, a par dos cuidados dirigidos á vida fetal,


os recursos terapéuticos aplicáveis á mulher grávida sao os
mesmos usados fora da gravidez.

— 396 —
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO HOJE (I) 29

2. Análise de casos

Nao pretendemos, neste trabalho, analisar todos os pro


blemas médicos relacionados ao tema, nem expor e discutir os
recursos clínicos e cirúrgicos existentes para a orientacáo des-
ses casos.

Nosso propósito é apenas demonstrar, em linhas gerais,


que o apelo ao chamado «abortamento terapéutico» como meio
de salvar a vida da gestante nao constituí recurso científico,
sobretudo nos dias atuais, em face das modernas conquistas
da Medicina.

Neste sentido nos alicercamos em depoimentos científicos


de personalidades médicas brasileiras de vasta experiencia e
reconhecido saber profissional. Varios desses depoimentos,
obtivemo-los através de consultas por nos formuladas a ilus
tres colegas de varias especialidades, que se dignaram respon-
der-lhes. Outros foram extraídos de trabalhos científicos pre
viamente relatados, pelos autores, em revistas ou em congres-
sos médicos brasileiros.

2.1. Cardiología

Zerbini, respondendo a perguntas por nos formuladas,


afirmou que a cirurgia cardiovascular pode contribuir para a
salvagáo do binomio máe-filho, em caso de gestante portadora
de cardiopatia grave. E negou que existam casos concretos
em que, havendo indicacáo para tratamento cirurgico, seja a
gravidez obstáculo para sua indicacáo.

Sobre a época oportuna para a realizacáo do ato cirur


gico, assim comentou:

"Em casos de índicacao absoluta — p.ex.: estenose mltral em edema


agudo de pulmoes — a cirurgia poderá ser realizada em qualquer época.
Em indicacoes relativas, prefere-se protelar a cirurgia até atingir o 3? mes
de gestacio."!

Vemos, assim, que, mesmo em casos gravíssimos, como


edema agudo dos pulmoes em mulher grávida, a cirurgia car
diaca, quando indicada, pode e deve ser realizada, certamente

iZerblnl, E. J.: Depoimento pessoal, carta datada de 14/3/1972.

— 397 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

após previo preparo, sem necessidade de recorrer-se ao sacri


ficio direto do feto, que, no caso, pode ser salvo junto com
a máe.

Em artigo intitulado «Cirurgia cardiaca durante a gravi


dez. Doze casos operados com circulagáo extracorpórea e
hemodiluicáo», M. A. Meier e colaboradores assim se expres-
sam na introdujo:

"¡A maioria das mulheres com cardlopatlas suportan) o ciclo grávido-


-puerperal quase sem incidentes; outras, no entanto, apresentam sintomas
alarmantes e graves que podem progredlr até o óbito de máe e concepto.
Estas pacientes sao refratárias a todo tratamento clinico, exigindo que
medidas mais enérgicas sejam tomadas. Dentre 750 pacientes submetidas
á cirurgia cardíaca com circulando extracorpórea, operamos doze mulheres
durante a gravidez. Oez foram operadas por apresentarem ¡ndicacáo abso
luta para a cirurgia. Nove apresentavam estenose mitral e urna, dupla
lesáo mitral. Além dessas, operamos mais duas pacientes: a primeira com
aneurisma de aorta ascendente, e a outra com estenose valvular pulmonar,
sem sabé-las gestantes. Foram incluidas no presente trabalho, por serem,
a nosso ver, casos elucldativos da validade e apllcabilldade do método."

Após discorrerem sobre aspectos técnicos e relatarem


cada caso de per si, comentam:

"Aparentemente, a grávida tolera perfeltamente bem a circula;§o


extracorpórea, pois em nove pacientes da revisto citada, mais doze casos
de nossa serie, tres de Felipozzl e dois de outros clrurgioes brasileiros
mencionados, num total de 26 pacientes, nfio houve óbito materno. (...) O
extraordinario progresso das técnicas de circuiacSo extracorpórea, incluindo
a hemodiluicáo e o uso de oxlgenadores de pequeño volume Inicial, tornou
posslvel a cirurgia cardiaca com grande seguranca, inclusive ñas cardio-
patias mais complexas. Apesar do reduzido número de casos, a ausencia
de óbitos mostra que a circulacSo extracorpórea com hemodiluicao pode
ser realizada com risco igual ao verificado (ora da gravidez. A ausencia
de morbidade fetal sao razdes suficientemente fortes para se adotar urna
atftude mais intervencionista, indicando a operacSo naquelas pacientes que,
durante a evolucáo da gravidez, apresentam slnais e sintomas que slgnlfi-
cam diminuicüo importante da reserva circulatoria. (...) As operacóes rea
lizadas foram: comissurotomia mitral em novs gestantes; plicatura do anel
mitral em urna doente com dupla lesSo mitral; abertura da válvula pulmonar
em urna gestante e resseccfio de aneurisma da aorta ascendente em outra.
As pacientes operadas estavam em varias idades de gestac&o, de 10 a 34
semanas, e nfio houve mortalidade materna ou fetal. Sete tiveram partos
normáis, quatro aguardam a data do parto e de urna desconhecemos o
resultado final." l

* Meler, M. A., Feldman, J., Mala, J. C. F., Jazblk, A. P., Pernam-


buco, P., Jazblk, W., Mascarenhas, B. C. e Moráis, D. J.: Cirurgia cardiaca
durante gravidez. Doze casos operados com cirurgia extracorpórea e
hemodllulcao, Arq. Bras. Cardiol. 21; 73, 1968.

— 398 —
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO HOJE (I) 31

Décourt, presidindo mesa-redonda sobre «Respeito 'á vida»,


encerrou-a com as seguintes palavras, que constituem valioso
depoimento:

"Primeiro sobre o aborto terapéutico, problema serlo que nos, cardio-


logistas, enfrentamos todos os días dlante de mulheres grávidas e cardia
cas. Na minha experiencia de cerca de trinta anos, urna única vez eu me
vi na dúvida sobre a imperativa Indicacáo de aborto. Em todos os outros
casos a cardiaca levou até o fim sua gravidez. Isto será posslvel, desde
que a paciente seja tratada e orientada.

"é evidente que poderá surgir um problema grave, mas em geral este
nao é resolvido com o trauma da própria interrupgSo. Conhecl urna car
diaca que com dupla disfuncao valvular chegou a ter dez filhos. A minha
experiencia como cardiologista depSe pelo iato de que, se a assisténcia
lor realmente bem tracada, a gravidez evolul com boa margem de éxito.

"Mas o problema fundamental nao é o de se levar avante a gravidez,


e slm o de saber se a interrupcáo val melhorar o estado circulatorio. Por
que, para matar conscientemente um ser humano, serla Indlspensável, mesmo
de um ponto de vista materialista, saber se realmente o outro será salvo.
Ora, o que encontramos nao é esta certeza, mas urna presuncSo que antes
exterioriza o desejo do afastamento de urna tarefa difícil. Para o médico,
que pensa evitar urna incógnita de responsabilldade, e para a mae, que
procura íugir a um risco. A sltuacáo é perfeltamente compreensfvel, do
ponto de vista da fraqueza humana. E assim se permitem abortamentos e
se evitam gravidezes apenas em nome do que poderla acontecer.

"A pergunta que apresentei há pouco focaliza a eventualidade da


"extincao de urna vida poder salvar a outra". Ora, este poder) atribuido a
ato táo grave já é multo problemático, do ponto de vista estritamente mé
dico. De modo que sua apllcacüo, na quase totalidade dos casos, repousa
sobre mera presuncSo.

"O Prof. Fernando Carneiro afirmou, sobre o problema do doente e


o dos direitos humanos, nao ser o ato reprovável justificado por possiveis
efeitos bons. Admito que os direitos do individuo devem ser respeitados
até o fim e em todas as concedes. (...)

"E isto nos traz a pergunta final a que o Prof. Fernando Carneiro tSo
brilhantemente responde. Isto é, que o dever de médico n§o é Interromper
a vida. Em qualquer hipótese, ele deve conservá-la sempre; evidentemente,
terá que mitigar os sofrlmentos. iA saúde nSo é apenas a ausencia de
doenca, mas o bem-estar físico e mental. E, se para o bem-estar é preciso
que nSo haja sofrimento, entSo o médico, diante do principio do duplo
efeíto, julgará a alternativa e utilizará seus me ios lícitos. Mas apenas estes.

"Crelo que podemos encerrar esta mesa sobre o respeito á vida,


reafirmando que o médico nfio tem o direito de abreviá-la ou de compro-
meté-la. A afirmac§o pode parecer simplista diante de algumas eventua
lidades dramáticas, mas o principio fundamental nao sofre excecao. A
medicina é um terreno onde multas vezes só a austerldade e o bom senso
do médico podem decidir, mas a decisSo, qualquer que seja a alternativa,
nSo poderá desconhecer o respeito elementar á vida. Eu diría, entio, para
terminar, que deverlamos mals urna vez pensar ñas palavras de Pió XII,

— 399 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

que acentuou nSo caber ao médico agir bem ou mal, desde que ele queira
agir bem. Mas cabera a ele, que manusela as mals profundas torgas huma
nas, agir sempre bem, cusle o que custar. é a sua prerrogativa, e tambóm
o seu ónus, interpretar o que é agir bem." *

2.2. fisiología

Aloysio de Paula escreve:

"Respondendo á pergunta, Informo que, slm, a medicina atual dlspde


de antibióticos e qulmioteráplcos para curar a tuberculoso pulmonar ñas
gestantes, até á vlabilidade fetal. (...) Em época anterior ao aparecimiento
dos tuberculostáticos, foi dado balanco ñas atividades desse nosocomio,
concluindo-se que a gravidez nSo constituí fator de agravagaó no trata-
mentó da tuberculosa (...). Na época atual, a quimioterapia corretamente
em pregada cura as gestantes portadoras de tuberculoso pulmonar, até a
viabilidade fetal, observados os postulados básicos na sua administrado,
de responsabilidade dos médicos tlsiologistas." -

Helio Fraga respondeu:

"1) Em principio, com os recursos atuais da medicina, n§o há indi


cado para o chamado abortamento terapéutico; 2) nunca tive, em mlnha
prática, necessidade de indicar o chamado abortamento terapéutico."3

(No próximo número de PR, este artigo será concluido, comecando


entáo por abordar "Psiquiatría e aborto terapéutico").

1 Décourt, L. V.: Mesa Redonda sobre o Respelto á Vida, em: "Cató


licos e Medicina hoje". Anais do II Congresso Católico Brasllelro de Medi
cina, Sao Paulo 1967.
2 Paula, A. V.: Depoimento pessoal, carta datada de 7/4/1972.
9 Fraga, H.: Depoimento pessoal, carta datada de 30/9/1972.

— 400 —
A palavra de um psicólogo:

saber caminhar entre extremos1

Em síntese: O presente artigo, da lavra de eminente psicólogo, aborda


o fenómeno da estabilidade e das mudanzas, que afeta profundamente o
mundo atual. Mostra que ambas tém suas rafzes na constituido do pró-
prio homem; este, composto de espirito e materia, traz em si os principios
de estabilizado e de diferenciacáo e mudanca. N9o há, pofs, como esco-
Iher entre urna e outra. A crise de nossos dias está em radicalizar seja a
estabilidade, seja a mudanca dos valores do homem: a raclonalidade gerou
o racionalismo; a consciéncia social gerou o mito do poder cotetivo; a
nocSo de bem comum deu lugar ao nacionalismo doentio...

A solucSo da crise n§o consiste em negar as mudancas ou a estabi


lidade, mas em procurar fundamentar o homem no seu esteio mais sólido,
que é também "o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6).

Apresentamos abaixo o artigo do grande psicólogo Dr.


Paulo C. da Costa Moura, do qual já publicamos o estudo inti
tulado «Pode um executivo ser (e manter-se) cristáo?» em
PR 191/1975, pp. 500-513.

A redacáo de PR é muito grata ao Dr. Paulo C. da Costa


Moura pela sua valiosa colaboracáo, que, sem dúvida, poderá
ser útil aos leitores da nossa revista, dadas a seriedade e a
profundidade das suas afirmacóes. O trabalho se presta espe
cialmente a estudos em grupos, seminarios, debates ... Abre
questóes e, ao mesmo tempo, indica pistas para solucáo.

1. Planejar: necessário e difícil

1. Um dos conflitos atuais que atingem tanto ao esta


dista como a qualquer cidadáo preocupado com o futuro, é o
da nossa aparente capacidade de planejamento confrontada
com a nossa impotencia real neste campo.

1 Este trabalho foi publicado substanclalmente pela revista "Liturgia e


Vida", rfl 135, malo-junho 1976, pp. 1-11. É aquí proposto aos nossos
teitores com adaptacSes e expllcItacQes.

— 401 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

Todo planejamento é, em sintese, urna tentativa de con


trolar o futuro, antevendo-o e moldando-o, segundo nossas
necessidades atuais e projetadas para um determinado período
de tempo. Em épocas em que a qualidade de vida é relativa
mente satisfatória (como, a grosso modo, no sáculo passado),
a preocupagáo com a capacidade de planejar o futuro fica bas
tante atenuada. Mas em épocas como a atual, quando nao só
a qualidade da vida, mas a própria sobrevivencia fica desa
fiada e pendente das forgas autodestrutivas que a humani-
dade criou, o apelo ao planejamento (isto é, á capacidade de
responder aos desafios do futuro) torna-se um imperativo.

Nos fatos físicos, como para as ciencias que pretensamente


se chamam «exatas», esta capacidade de predigáo é, relativa
mente, satisfatória. Nos fatos humanos, ela é eminentemente
intuitiva.

Na matemática ou na física, é difícil prever; na economía,


é mais difícil; na ciencia política, é muito mais difícil; no com-
portamento social de individuos e grupos, é extremamente
penoso.

E tudo isso, porque nos fatos humanos (sociais) o grande


imponderável nao reside tanto no desconhecimento das variá-
veis intervenientes, mas principalmente em nossa intrínseca
capacidade de fazer escolhas (o que, segundo Sto. Tomás, é o
ato mais representativo do livre arbitrio).

2. Um simples exemplo da nossa dificuldade de planejar


o futuro verifica-se no fenómeno educacional. Tanto para a
educagáo sistemática (escolar) como para a educagáo assiste-
mática, mais social e difusa.

Nao podemos ver o futuro, verdaderamente, até que ele se


torne presente. E, entáo, já nao será futuro. Só conhecemos
o presente e o passado e, por isso, somos levados a vasculhar
o passado e diagnosticar o presente, para tentar inferir, a
partir daí, as necessidades do futuro.

No caso da educagáo, quando tentamos preparar urna


geragáo mais jovem para as necessidades da vida futura, só
podemos tomar por base as necessidades atuais e a experien
cia passada. Mas, ao mesmo tempo que tentamos fazer isso
(e nem sempre o fazemos com sucesso), sabemos que a socie-

— 402 —
SABER CAMINHAR ENTRE EXTREMOS 35

dade do futuro nao será nem como a atual e muito menos


como a do passado. Entáo nos preparamos uma geragáo para
viver a situagáo de hoje, quando a única certeza que temos é
que a situagáo futura será, inevitavelmente, diferente.

2. Estabilidode e mudanza

1. E por que será diferente? Porque tudo o que tem


vida, é dinámico, sofre alteragóes, está sujeito a mudangas.

A sociedade, como uma sintese de individualidades, ou


cada individuo encarado isoladamente, é sempre o resultado
dinámico de duas ordens de forgas que atuam simultanea e
complementarmente:

Há forgas centrifugas e forgas centrípetas.

Há forgas de diferenciacáo e há forgas de conservagáo.

Há um apelo á mudanga e há um apelo á estabilidado.

Como um ser vivo, unidade bio-psico-social, cada um de


nos percebe que é, ao mesmo tempo:

a) Um ser em permanente processo de mudanca,

b) Um ser que tem uma continuidade existencial pro


funda.

Há coisas que permanentemente garantem, em mim, o


reconhecimento de uma continuidade histórica: um núcleo
substancial, no mais íntimo do meu en, que é irnutavelmente
o mesmo ao longo da vida.

Mas, ao mesmo tempo, há coisas que me denunciam alte


ragóes substanciáis ao longo desta mesma vida.

Por isso, em plena maturidade, posso reconhecer que sou


básicamente o mesmo individuo que fui na juventude e na
infancia e, ao mesmo tempo, posso constatar que hoje sou
profundamente diferente do que eu mesmo fui há dez ou vinte
anos passados.

O mesmo raciocinio aplica-se aos grupos humanos e as


organizacóes estáveis. Elas sao substancialmente as mesmas,

— 403 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

mas sofrem alteragóes profundas. Ou, dito pelo inverso, elas


se renovam profundamente e, nem por isso, perdem sua con-
tinuidade fundamental.

2. Talvez se possa dizer que há épocas que favorecen!


as tendencias de estabilidade, pelo predominio das forcas de
conservagáo, que garantem á estabilidade. Nesses periodos, a
mudanga, embora sempre existente, é lenta e as vezes quase
imperceptível. Algumas alteragóes de costumes levaram déca
das, e talvez sáculos, para se impor. E em grupos sociais
mais estruturados, como é o caso da Igreja, certas alteragóes
atravessam geragóes para conseguirem ser aceitas.

Mas há épocas em que se verifica exatamente o contrario.


O apelo á mudanga é muito superior ao apelo á estabilizacáo,
e certas transformagóes, até em grande profundidade, sao
velozmente aceitas e incorporadas. Os exemplos sao bastante
fartos e contemporáneos, dispensando enumeragáo.

3. Em verdade, portanto, estabilidade e mudanga sao


dois polos de um continuo que é a nossa existencia. Nos vive
mos ao longo desta dimensáo, apelando ora para o polo da
estabilidade, ora para o polo da mudanga. Sendo que um nao
elimina o outro, apenas o loma provisoriamente «latente».

No fundo isso é o resultado das nossas próprias «caracte


rísticas humanas essenciais», de um lado, e das nossas «con-
digóes circunstanciáis», de outro lado. Estas se alteram fre-
qüentemente, enquanto aquelas se mantém estáveis. Cientis-
tas e filósofos tém buscado conceituar quais essas caracterís
ticas merecedoras do título de «essenciais», isto é, próprias da
esséncia do homem, em distingáo com outras especies.

Nao vem ao caso discutir longamente sobre este problema.


Mas hoje se sabe que nao é, por exemplo, a «inteligencia» o
limite específico entre o homem e outros animáis; também
eles tém inteligencia, num certo sentido.1 Nem é a nossa
«linguagem» ou capacidade de «comunicagáo», já que estas
também existem, a seu modo, em outras especies. Nem somos,

i Num certo sentido. Isto quer dizer: os animáis tém seu instinto, que
é certeiro e maravilhoso; todavía é cegó. Eles sSo a expressáo da inteli
gencia do Criador, mas nao tém inteligencia em si. (Nota da RedacSo).

— 404 —
SABER CAMINHAR ENTRE EXTREMOS 37

apenas, o «homo faber», capaz de manipular objetos e de


fabricar instrumentos, embora isso nos tenha dado a tecno
logía.
O mais específicamente humano nao é, portante, o Homo
Sapiens, o Homo Loqueos ou o Homo Faber.

A partir de um exame mais profundo, de natureza antro


pológica, e curiosamente feito por dentistas ateus, ou pelo
menos agnósticos, como o Prof. Gaylor Simpson (conservador-
-chefe do Museu Metropolitano de Historia Natural de New
York, e autor do afamado livro «Evolugáo, Hoje»), pode-se
definir o homem como, ácima e antes de tudo, um «animal
moral», isto é, alguém capaz de adaptar-se, de falar, de fabri
car, de organizar-se socialmente, mas, esencialmente, o único
capaz de questionar-sc1.

Nesta linha, o maior historiador moderno, Arnold Toyn-


bee, num dos últimos livros de sua vida, «O Desafio de Nosso
Tempo», parte das origens mais remotas dos primatas, chega
até nos, para afirmar que nossas características mais essen-
ciais sao: a Consciéncia, a Vontade, a nogáo do Bem e a
capacidade de propor urna Religiáo.

Como se vé, consciéncia, vontade, bem e religiáo sao dados


do plano espiritual (nao material, nem puramente biológico).

Mas também sao características humanas, embora já nao


tanto essenciais, os seguintes aspectos; Evolugáo Física (de-
senvolvimento e diferenciagáo orgánica), Apreensáo Intelectiva
(capacidade de pensar e de aprender), Comunicagáo (organi-
zagáo e sistematizagáo dos símbolos e da linguagem falada,
escrita, simbólica, verba), e nao verbal), Manipulagáo (criagáo
e adaptagáo de instrumentos materiais).
Esses aspectos, evolugáo física, apreensáo intelectiva, co
municagáo e manipulagáo, já sao dados que apresentam urna
mésela de ordem espiritual e material.2

1 Questionar-se significa examinar-se a luz de um ideal ou de um


objetivo supremo. Isto so é possível a inteligencia, que compara e con
fronta. .. N3o é possível ao Instinto do animal irracional. (Nota da Redacáo.)
2 A rigor, tudo no ser humano supSe a IntegracSo de espirito e mate
ria, pois o homem nao é anjo nem apenas carne e osso. Todavia o autor
acentúa as expressoes do ser humano que mais parecen» depender do espi
rito, distinguindo-as das que parecem estar radicadas no conjunto "espirito
e materia", a flm de poder assim mostrar que há em nos um principio
mais tendente á establlidade e outro mais felto para a mudanca. (Nota da
Redacfio).

— 405 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

Devemos notar que a primeira ordem relaciona-se, dire-


tamente, as nossas forcas de estabilizagáo, de permanencia. A
segunda ordem, relaciona-se as forgas de diferenciagáo de
mudanca.

3. A crise de nossos dias

Nao é difícil, portante, compreendermos o porque muda


mos tanto, e somos essencialmente estáveis.

Ora, voltando a um item anterior, podemos perceber por


que, ñas épocas em que as forcas de diferenciacáo e mudanga
sao mais aceleradas, tendemos a desprestigiar as forcas essen-
ciais, de estabilizagáo.

Ora, quanto mais rápido e mais profundo é o processo de


mudanga, tanto mais nos sentimos inseguros face ao futuro.
E um processo social, quando a velocidade das mudangas é
maior do que já foi em qualquer outra época da historia, só
poderia acarretar urna crise psicológica, que atinge a todos:
individuos, grupos, organizagóes, Estados. Neste sentido, o
mundo está em crise, porque é o próprio homem quem está
em crise. E esta crise é, em grande parte, urna crise de iden-
tidade, provocada pela avalancha torrencial de mudangas,
numa velocidade geométricamente acelerada, e que o atinge
profunda e umversalmente.

As mudangas sao, de fato, táo rápidas e táo profundas


(mudangas sóciais, tecnológicas, económicas, de gerar conhe-
cimento, de estocar e difundir informagóes, etc.) que é o pró
prio estilo de vida, nossa forma habitual de ser e estar no
mundo, quem se senté despreparado face aos novos aconteci-
mentos.

É como se tudo o que aprendí e todos os valores que


adquirí já nao respondessem adequadamente a urna nova con-
figuragáo de vida, que essas rápidas mudangas me impóem.
Em outras palavras, fui educado para viver num mundo que
já nao existe; e a única certeza que tenho é que, no futuro,
esse mundo será ainda mais diferente. Entáo eu tenho que
me adaptar e reaprender, mas nao consigo fazer isso no
mesmo ritmo veloz em que as mudangas se processam. Por-
tanto, sinto, a cada dia, aumentar o meu desequilibrio prove
niente desta brecha entre o que sou e o que o mundo exige
que eu seja. E isso gera a crise de identidade.

_ 406 —
SABER CAMINHAR ENTRE EXTREMOS 39

Em verdade, tendo a me questionar seriamente em rela-


gáo a quem sou eu neste mundo (que já nao é o meu), qual
o meu papel, quais as minhas probabilidades de adaptagáo, de
sobrevivencia, de diminuir até anular esta brecha, de afirma-
gáo existencial.

E, quanto mais atingido pela crise, mais tenderei a acele


rar as minhas forcas pessoais de mudanga, o que me leva a
supervalorizar um dos polos e a desvalorizar o outro.

Nasce daí um desejo, um frémito, urna ansia (bastante


neurótica, na sua raiz psicológica) de mudanga: mudanga pes-
soal, mudanga de sociedade, mudanga do «sistema».

JE como se tudo que fosse novo, devesse ser aceito, de


imediato, sem crítica; e como se tudo o que fosse velho, devésse
ser rejeitado, por superado, ineficiente. Basta ver ó «gosto
pela novidade» (a que satíricamente chamo de «teología da
novidade») e a tendencia para considerar «errado» (ou pelo
menos ineficaz) tudo o que nao é novo. E isso em campos,
por natureza, estáveis e conservadores, como na teología, na
liturgia, na pastoral,-etc.

Eu nao receio afirmar (embora isso seja' intuitivo e pas-


sível de merecer reformulagáo) que, em grande parte, a cha
mada crise do clero, nao só a de vocagáo, mas principalmente
a de constestagáo da hierarquia, nao é senáo um dos frutos
da crise de identidade de padres e freirás (religiosos e secula
res) que foram profundamente atingidos pela avalancha de
mudangas sociais, para as quais estavam (e em grande parte
ainda estáo) totalmente despreparados (e por isso caem no
exagero oposto ao da situagáo de que querem fugir).

Ao que parece, muitos padres e leigos, que contestam


toda a estrutura do sistema eclesial, e, por extensáo, o Magis
terio da Igreja, em nome de urna pretensa posigáo de avango
intelectual e de liberdade de agáo, na verdade tornaram-se
protestantes, mesmo sem o saber. Éstáo, muitas .vezes, mais
interessados em «mudar o sistema» do que em construir o
Reino. Eles tém muita pressa de mudar e, por isso.dáo mais
valor á mudanga social (por atacado) que á mudanga indivi
dual; talvez isso ajude a compreender por que, por exemplo,
o Movimento de Cursilhos, cuja tónica é a conversáo (mu
danga) individual, para, a partir daí, atingir a mudanga social
(construir o homem e o mundo) seja táo criticado por certos

— 407 --
40 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

elementos que o acusam de «insensibilidade social», já que o


importante seria mudar o sistema e nao o individuo. Como se
os sistemas nao dependessem dos individuos, e sobretudo dos
individuos que podem ser fermentos na massa...

4. Radicalizogoes
1. Um dos efeitos maiores dessa crise é a polarizagáo e
radicalizagáo de posigóes. E os conflitos daí derivados. Quando
se radicaliza, é como se já nao pudesse existir o continuo da
vida, oscilando gradualmente entre a estabilidade e a mudanza.
Ou bem nos colocamos na linha da estabilidade conservadora,
ou bem nos situamos no polo da mudanca. Os dois parecem
irreconciliáveis, e quem está num dos polos tenderá a ver
o seu oponente como um verdadeiro inimigo ameagador da
«nossa verdade». A guerra de posigóes se instala, e, quanto
mais radicalizada, menos permeáveis podemos ser aos argu
mentos e a experiencia do «inimigo».

A conseqüéncia imediata disto é o aumento das defesas,


cuja forma operacional típica é a resistencia.

2. Hoje em dia é visivel a reagáo sob forma de resisten


cia, já que nao é mais possível desconhecer as posigóes confu
tantes:

a) desistencia á mudanga;
b) Resistencia á estabilidade.

A resistencia, seja á mudanga, seja 'á estabilidade, é sem-


pre urna tentativa de bloqueio, especie de arregimentagáo de
todas as forcas, na ansia de impedir os efeitos que sao repu
tados como nocivos ou indesejados.

Resistimos á mudanga porque tememos o desconhecido,


porque nos percebemos ameagados por ele, porque ele nos
desinstala, nos desaloja, nos leva a urna nova e desconhecida
situagáo, desconfortável e exigidora de novas adaptagóes. Por-
tanto, a mudanga tem sempre urna dimensáo de rompimento
da inercia, do estado vigente, e isso é sempre desacomodador.
Mesmo quando, racionalmente, conhecemos e aceitamos a
necessidade da mudanca, emocionalmente resistimos a assu-
mi-la. E, por um simples mecanismo psicológico, através de
racionalizagóes, projegóes, etc., mobilizamos nossas forgas e
SABER CAMINHAR ENTRE EXTREMOS 41

resistimos á mudanga. Ai, entáo, torna-se muito fácil encon


trar mil motivos para resistir: sao os nossos «valores» que
estáo ameagados, ou é a nossa «tradigáo» que está sendo
ultrajada, e assim por diante. Especialmente, palavras como
«autoridades, «sagrado», «disciplina», «civilizagáo crista e oci-
dental», e outras correlatas, sao rápidamente mobilizadas a
servigo da «demonstracáo» de que o novo é urna afronta ao
que é certo e essencial. E, certamente, quanto mais rígidos e
estratificados forem as pessoas e os sistemas, mais apelo se
fará contra a mudanga.

Como se o mundo fosse estático. Como se toda mudanga


fosse necesariamente má. Como se nada fosse meramente
circunstancial e passível de adaptagáo a um novo estado de
coisas. Como se nao existissem coisas e situagóes antigás,
antiqüíssimas, realmente ineficientes, injustas e desatualizadas.
Como se nao fosse vital promover certas e determinadas mu-
dangas. Como se a estrutura nao existisse para servir á fun-
gáo, e nao o inverso.

Seria preciso estar cegó á vida e ao mundo para nao


enxergar as transformagóes em curso, muitas délas altamente
positivas. E, se nao estamos cegos, é claro que muitas mudan-
gas se impóem, pois nao é possível viver neste fim de sáculo
com os meios, os tabus e os códigos que foram válidos %em
séculos passados, mas que já nao respondem ao homem e á
sociedade contemporáneos do satélite e no limiar do ano 2.000.
Resistir a tudo isso nao é apenas menosprezar o progresso e
deixar de atualizar-se; é involuir, regredir e fossilizar-se. Esse
tipo de resistencia é próprio de quem, estando esclerosado, se
apega ao passado pela incapacidade de enfrentar o futuro.

Mas os homens resistem nao só á mudanga, mas também


á estabilidade. Resistimos á estabilidade, porque estamos insa-
tisfeitos com o passado e o presente, e projetamos um futuro
totalmente diferente. Portante, a estabilidade é tomada como
sinónimo, nao de permanencia do que é essencial, mas de imu-
tabilidade do que é acidental. As mesmas racionalizagóes e
projegóes que, no caso anterior, puderam servir cono justifi
cativas para a resistencia a mudanga, podem agora justificar
a resistencia á estabilidade. E palavras como «dinámica so
cial», «contexto diferente», «atualidade», «modernizagáo», «era
da comunicagáo» e outras correlatas sao, desta vez, mobilizadas
a servigo da demonstragáo de que a estabilidade é, em ver-
dade, o disfarce da estagnagáo. E, se no plano psicológico

— 409 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS:- 201/1976 .

juntarmos a isso a crise de identidade já referida, entáo á


resistencia transforma-se em aversáo á estabilidade. É que,
no plano emocional, a permanencia significa a manutengáo de
um desajustamento pessoal, de urna situacáo conflitiva, cuja
solugáo só pode ser obtida ou pela mudanga individual (e este
é o sentido terapéutico da mudanga, tal como se observa no
tratamento clínico) ou pela mudanga externa (da sociedade,
do sistema, do mundo).

Como é sempre mais doloroso assumir internamente mi-


nha necessidade de mudanca, torna-se mais fácil advogar a
mudanga exterior, o que, evidentemente, me leva a resistir a
estabilidade. Assim como a rigidez leva ao bloqueio da mu
danga, assim também a crise e o desajustamento levam a
resistencia da estabilidade. Como se tudo que seja estável,
fosse necessariamente superado. Como se tudo fosse apenas
circunstancial e nada essencial. Como se toda estrutura fosse
um cerceamento da expressáo individual. Como se ordem,
hierarquia e normas de conduta fossem inevitavelmente enti
dades doentias e castradoras.

Seria preciso ser muito ingenuo para considerar todo pas-


sado suspeito e sem valor. Esse tipo de resistencia é próprio
de quem, estando em crise, se apega desde já ao futuro pela
incapacidade de enfrentar o presente e de aprender com o
passado.

3. Assim, a colocagáo de que a estabilidade se opóe á


mudanga parece ser urna falsa dicotomía, que nao leva a ne-
nhuma solugáo. Nao se trata, como já ficou dito anteriormente,
de escolher entre um ou outro desses polos.
Ambos sao neces-
sários, ambos sao saudáveis, ambos sao próprios da natureza
humana, desde que bem interpretados. Os desvíos da inter-
pretagáo, agravados pela problemática individual e social, é
que geram radicalizagóes, estas, sim, doentias e destrutivas.

É fácil mudar; basta estar vivo. É fácil manter a estabili


dade; basta nao ser desajustado. O difícil é manter-se estável
na esséncia e mudar no acidental, de forma planejada, pro-
gressiva e produtiva — o que está longo de urna atitude de
rebeldía tanto quanto de urna atitude de opressáo.

— 410 —
SABER CAMINHAR ENTRE EXTREMOS 45

5. Paradoxos e solu;áo

Em pouco mais de 5.000 anos, aceleramos a historia do


progresso científico e tecnológico, mas talvez tenhamos desa
celerado a historia da evolugáo do nosso humanismo mais
auténtico.

Nunca o homem foi táo poderoso, nunca foi táo capaz


para dominar o seu habitat e nunca teve tantos meios de
comunicagáo a seu dispor. Senhor quase absoluto da natu-
reza, o homem impóe-se ao meio, reformula os conceitos de
espago, tempo e distancia e firma-se, mais do que nunca, como
o rei do universo. Mas, por outro lado, nao obstante todo este
poder, o homem nunca se sentiu táo ameacado e táo inseguro,
nunca esteve táo próximo da autodestruigáo, e nunca se viu
táo isolado e incapaz de efetivamente comunicar-se com seus
irmáos.

Há prosperidade, mas nao há justiga; há aspiragáo, mas


falta realizagáo; há poder, mas falta controle; há capacidade,
mas falta vontade. Existe a fome e existem os meios; falta
a ceia. E é impressionante como tantas coisas estejam táo
melhores, enquanto o contexto geral esteja táo pior. Ainda
há muitas pessoas capazes de morrer por urna idéia e de ma
tar por ela, mas cada vez há menos pessoas capazes de viver
por urna idéia.

Esses conflitos moldaram nossa sociedade até chegar ao


ponto atual, em contraste flagrante com os valores do pas-
sado. Mas o passado já nao responde as necessidades de hoje
e, por isso, toma-se mais fácil saber o que nao queremos do
que apontar o que queremos. Apontam-se os males, mas nao
se indicam as solugóes.

As velhas virtudes humanas, por certo, nao desaparece-


ram. Mas parece que se modificaram e, neste processo, fácil
mente ficam deturpadas, como se estivessem deformadas.

Por certo, a fé, a esperanga e a caridade, só para citar


as tres virtudes teologais, continuam a existir. Mas, para o
homem moderno, táo afetado pela ansia das mudancas, o pro
cesso de deturpagáo teve inicio com o pecado fundamental: o
orgulho, que o fez tentar eliminar Deus e substitui-lo pelo
próprio homem. Para muitos, existe fé, mas sobretudo (ou.
exclusivamente) a fé no próprio homem, a fé na ciencia, a.

— 411 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 201/1976

fé na tecnología. Existe a esperanga, mas transformada em


expectativa. Existe a caridade, mas relativizada e esvaziada
no horizontalismo da agáo, como ausencia de culpa e sém sen
tido de reconciliagáo.

Por certo, determinados valores continuam a existir,


mas, desprovidos de sua transcendencia original, limitam-se a
um plano puramente humano, que fácilmente se deturpa.

Por exemplo, a racionalidade própria do homem, que era


e é um valor elevado a preservar. Esta racionalidade, contudo,
gerou o racionalismo, do qual o tecnicismo é um resultado
imediato. O mecánico suplanta o orgánico e o homem trans-
formou-se em objeto, em máquina, até o ponto de progra
mar seus próprios sentimentos e de aceitar que a oportuni-
dade e a eficiencia suplantem a moralidade. É a racionalidade
culpada? Cortamente que nao, apenas foi deturpada.

O mesmo se aplica a. consciéncia social e ao valor da soli-


dariedade humana. Ela se deturpa e gera o mito do poder
coletivo, da pressáo social, da busca ilimitada da aceitagáo
social, que acaba conduzindo 'á massifioagáo do ser, ou ao seu
contrario, o individualismo exacerbado. Temos, entáo, rela-
góes e contatos humanos inteiramente superficiais e criamos o
ídolo que é a adaptabilidade a qualquer prego. Em yerdade,
somos mais solitarios do que solidarios, e buscamos fugir desta
tensáo através de um mergulho despersonalizante na massa e
de urna submissáo ao coletivismo, que já muito pouco tém a
ver com a consciéncia social.

No plano da consciéncia moral, tornamos relativas as


nocóes de bem e de mal, passando a viver numa atmosfera
extremamente permissiva, onde já nada nos espanta e onde o
pecado coletivo nao atinge ninguém individualmente. Relati-
vizamos a nogáo de pecado, socializamos o pecado, transfor-
mando-o em crime ou desvio social e, já hoje, apenas o consi
deramos um síntoma de desajustamento. Hoje foge-se do
pecado, nao pela reconciliagáo, e menos aínda pelo esforco
ascético de urna conduta reta, mas simplesmente pela negagáo
do próprio pecado.
Assim também a nogáo de bem comum, essencial as rela-
góes entre o homem e a sociedade, deu lugar ao liberalismo,
ao nacionalismo doentio, e a seu fruto direto que é o estatismo,
que conduz á reprovagáo do direito de propriedade e propicia
o comunismo.

— 412 —
Como disse Erich Fromm, no seu «O Medo á Liberdade»,
parece que «so homem moderno nao estava em plena liberdade
para construir urna vida significativa baseada na razáo e no
amor, procurando por isso a seguranga na submissáo a um
lider, a urna raga, ou a um Estado». Ou, mais recentemente,
no discurso em que recebia o Premio Nobel da Paz, o escritor
russo Soljenitsin lembrava que «outrora os conflitos termina-
vam em violencia; hoje, a violencia é um comeco e, as vezes,
um método de comunicacáo».

Outrora, como inspirava Chesterton, a cruz era um s'm-


bolo do paradoxo, mas assegurava um equilibrio. Nossas rela-
góes eram verticais com o Criador, mas horizontais com os
irmáos; e, no centro, estava o próprio eu, de onde se irradiava
a solidariedade e aonde chegava a graga. Mas, hoje, quase eli
minamos a verticalidade e horizontalizamos a vida. O homem
parte de si, mas só pode chegar a si mesmo. E recolhe as
pressóes do meio, as mutagóes da vida, que o fazem um
angustiado.

Haverá solugáo para nao cair no absurdo existencial?

Cremos que sim, mas isso implica nao na negagáo das


mudangas, nem na negagáo da estabilidade, mas na redesco-
berta de suas raizes mais auténticas e profundas, a partir do
seu senso de comunháo.

Nada se sustenta sem raizes, nem o homem... Mas, em


épocas de tormenta, as raizes precisam de ser ainda mais fir
mes e fundadas naquele que é o Caminho, a Verdade e a
Vida (cf. Jo 14,6).

livro em estante
O novo livro da Fé. A Fé crista comum, publicado por Johannes
Felner e Lukas Vischer. Traducáo do alemSo pelo Pe. José Wisnlewskl F?,
S. V. D. — Ed. Vozes, Petrópolls 1976, 160x230 mm, 430 pp.

Este livro constituí urna tentativa de expor os pontos da fé crista


professados por católicos e protestantes e de equacionar aqueles em
cue há divergencias entre uns e outros. Os artigos em que existe con
vergencia, sao, sem dúvida, mais numerosos do que aqueles em que
se pcem diferencas. A obra organizada por J. Feiner (católico) e L.
Vischer (protestante) contou com a colaborado de 18 teólogos católicos
e 17 evangélicos; foi sendo concebida e elaborada a partir de outubro
de 1968, saindo em sua edicSo original alema no ano de 1973.

A intencao cue Inspirou tal publicacio, é a melhor posslvel, visto


nue pode contribuir para mais ainda aproximar os ciislSos entre si. O
livro contém páginas multo interessantes e profundas sobre o conhecl-
mentó de Deus, a Escritura, a SS. Trindade, Jesús Cristo, etc. é original
a Parte V, que aborda "Questoes disputadas entre as Igrejas"; tais sao
"Escritura e Tradlgáo", "Graga e Obra", "Os sacramentos", "Matrimo
nio", "Maria", "Igreja e ministerio", "Papa e Infalibilidade", perfazendo
um total de 73 páginas (pp. 349-422), ao passo que os pontos professados
ccmumente por católicos e protestantes ocupam um total de 330 páginas.
Notam multo a propósito os editores: "Comecou a movímentar-se o
retacionamento Interconfesslonal, rumo á unldade — e esta obra também
é um testemunho disto... Está interrompido o processo de firmar, cimen
tar, destacar o elemento especílico, vale dizer, segregador, separador.
Deflagrou-se um processo de movimento reflexivo sobre o que nos une,
e de alegría pelo que nos ó comum, movimento que, alias, ainda está
distante da meta... Algumas das divergencias antigás já foram contorna
das em. grande parte. Muitas vezes quase nio há mals por que falar de
questoes 'controvertidas' e, muito menos, de 'oposicóes'. O que ainda
está em debate, freqüentemente faz parte do testemunho comum da fé"
(p. 349s).

Os autores sao sinceros ao expor as diferengas doutrlnárias exis


tentes entre católicos e protestantes. Será útil aos leitores de qualquer
confissáo conhecer a exposigáo serena e objetiva assim feita.

Que impressSo temos ao ler a obra publicada por Feiner e Vischer?

— É um livro para estudiosos que se queiram aprofundar, e nSo


para quem deseje urna ¡niciagáo teológica.

— A exposicáo dos pontos de doutrina comuns a católicos e pro


testantes, se bem que muito bela, conclui-se ás vezes de maneira vaga,
evitando descer a tragos típicos da mensagem professada pela Igreja
Católica. Tenham-se em vista, entre outros, os seguintes tópicos :

— a doutrina referente ao pecado original poderla ser mais explícita


{pp. 212-215);

— nSo existiría razSo estrila e obriganle para que país cristaos


batlzem a prole na primeira Infancia; o batlsmo das criancas seria multo
conveniente no caso das familias católicas (p. 252);

— o aborto serla permitido quando Indicado pon "razfies médicas",


ou seja, quando se deve optar entre a vida da m§e e a da crianca (p. 328).
Note-se que ao médico nunca é licito exterminar diretamente a vida de
alguém; no caso de perigo das vidas da máe e da crianga, procure
atender primeramente á que mais precise dos seus cuidados médicos.
A propósito, ver as pp. 392-400 deste fascículo;

— com respeito á llmitagao da prole, os autores julgam que os


respectivos métodos nSo tém importancia especial do ponto de vista
ético, contanto que "nSo haja aborto nem recurso que impega a InstalagSo
do óvulo fecundado" (!) (p. 325);

— apesar de suas limltagSes, o livro nao deixa de ser um passo


válido e meritorio na caminhada do auténtico ecumenismo. Supoe diálogo
prolongado, sincerldade e respeito mutuo entre teólogos católicos e pro
testantes. Se o resultado nSo fol o que se poderla desojar, reconheca-se
o progresso assim realizado.

E.B.

You might also like