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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESEISTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessídade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
j£_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confisca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
Índice
pág.

DIVORCIO E CIVILIZAgAO 277

A luta contra a morte:


E OS BIO-EMPÓRIOS OU MERCADOS DE VIDA ? 279

Na india um protesto contra


A ESTERIUZAQAO HUMANA 292

Mais um brado a partir da Cortina de Ferro:


E A CARTA 77 ? 303

Ainda uma religiáo japonesa:


A SEICHO-NO-IÉ QUE NOS DIZ ? 314

LIVROS EM ESTANTE 319

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

O Irabalho em perspectiva bíblica. — "Tem futuro a Vida


ReÜgioss ?" — Curandeiros ñas Filipinas e no Brasil. — A
seita de Sun Myung Moon. — Adocáo de filhos.

«PFRGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual Cr$ 75.00


Número avulso de qualqucr mes Cr$ 7,00

EDITORA LAUDES S. A.

RRDACAO DE PR ADMINISTRAgAO
Caixa Postal 2.666 Rúa Sao Rafael. 38, ZC-00
ZC-00 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tels.: 268 9981 e 268-279B
DIVORCIO E CIVILIZADO
Famoso colunista da nossa imprensa se manifestou, há
tempos, nestes termos: «Divorcio é civilizagáo».

Bem se vé que a afirmativa nao é de um filósofo nem


de um historiador ou de um sociólogo, mas, sim, de um
cronista de jornal... Com efeito, quem consulta o «Novo
Dicionário Aurelio», verifica que «civilizacáo» quer dizer
«alto grau de desenvolvimento dos caracteres próprios da
vida social, política, económica e cultural de um país»; quer
dizer também «progresso, cultura, adiantamento». — Ora
perguntamo-nos: será que a concessáo de segundas, terceiras,
quartas... nupcias a quem já se tenha casado legítimamente,
é sinal de progresso e elevado grau de cultura? Por que o
seria? Será que favorecería as ciencias, a técnica, a arte, a
economía ou o bem-estar social do nosso país? — Pode-se
tranquilamente responder que nao; nem as ciencias, nem a
técnica nem a arte nem a economía tirariam algum proveito
do divorcio... E a sociedade? — Ela se veria solapada...;
as familias se dissolveriam em maior número e com mais
rapidez do que agora; os filhos de pais divorciados sofreriam
as daninhas oonseqüéncias psicológicas resultantes de tal dis-
solucáo...; a delinqüéncia juvenil se alastraría. Mas entáo
por que se diz que divorcio é civilizacáo? É talvez e simples-
mente por que se tornou instituigáo comum em quase todos
os países do mundo... Isto é verdade; mas por certo nao é o
divorcio que implica maior grau de cultura ou de progresso
científico e artístico para os países divorcistas; o divorcio é,
antes, urna chaga que tais povos oficializaran! através da sua
legislagáo e que estáo procurando agora restringir, revendo
essa sua legislagáo.

Deve-se, pois, julgar estranho e insensato o axioma:


«Divorcio é civilizagáo». Nada tem de lógico nem de cientí
fico, mas vem a ser um «slogan», que langa areia nos olhos
do leitor desprevenido.

Entáo por que se pleiteia a introdugáo do divorcio no


Brasil?

Geralmente os que o desejam, lembram a situagáo de


casáis que foram infelizes em suas primeiras nupcias e que
desejariam recomecar... Este é o grande argumento pró-
-divórcio.

— 277 —
Ora, na verdade, nada garante que a segunda uniáo será
mais feliz do que a primeira. O que torna o homem e a
mulher felizes, em grande parte está dentro, e nao fora, de
cada um; há necessidade, sim, de urna conversáo interior
e de urna forte dose de amor-benevoléncia (que é também
abnegagáo e tenacidade) para que alguém possa ser feliz no
casamento. Se a pessoa nao extirpa de si o egoísmo que lhe
é inato, nao lhe adiantará ter o (a) mais prendado (a) dos
consortes, porque mesmo assim nao será feliz.

Ademáis deve-se ponderar ainda o seguinte:

Pretendendo atender ao problema dos casáis infelizes, a


legislagáo divorcista comete dois graves males:

1) prejudica a sociedade inteira, abrindo a porta ao


pronto esfacelamento dos lares, pois o divorcio gera o.divor
cio, como ensina a experiencia de outros paises;

2) os legisladores divorcistas procuram tapar ilusoria


mente um buraco atendendo a casos particulares (com detri
mento da comunidade), em vez de se aplicar a procura da
solugáo radical e autentica do problema. Esta consistiría em
dar-lhe remedio pela base, isto é, em preparar melhor a
juventude para o casamento, pois muitos jovens véem no
matrimonio urna aventura ou urna transacáo... Em vez de
alimentar esta concepgáo, os homens procurariam libertar-se
da onda de erotismo, que através do cinema, da televisáo e
dos impressos dissemina péssimos paradigmas... Mais: sa-
bendo que essa onda de erotismo é impulsionada por inte-
resses financeiros de grandes Companhias, para as quais a
dinheiro é mais precioso do que os valores humanos, a socie
dade procuraría rever a sua escala de valores e, em vez dé
se entregar ao consumo dos «enlatados» e impressos pomo-
gráficos, procuraría dizer-lhes o Nao adequado... De ma-
neira geral, reerguer-se-iam os costumes da sociedade, que-
se ressente cada vez mais do vazio e da futilidade de urna
vida, na qual sao raros os valores definitivos ou os valores
que respondem as mais íntimas aspiragSes do ser humano..

Nao seria esta reforma muito mais eficaz do que a


legislagáo divorcista? Dir-se-á que é utópica ou irreal... Meu
amigo, talvez nem tanto, se vocé se convencer do valor da
familia e comegar a por máos á obra em seus ambientes de
residencia, de trabalho e de lazer... Alias, tudo o que é
grande tem-se feito a partir de individuos ou pequeños gru
pos convictos do valor do que faziam!'
E. B.
— 278 —
«PERGUHTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVIII — N? 211 — Julho de 1977

A luta contra a morte :

e os bio-empórios ou mercados de vida ?


Em sintese: O presente artigo comeca por apresentar um histórico
sumario dos processos de reativagSo ocorrentes com perfeicio crescente
até os últimos anos. Tais progressos da medicina tornam cada vez mais
difícil precisar quando alguém morre ; o que parece estar morto, volta nio
raro á vida. Nao somente a reatlvagSo do coragao, mas também a hiberna-
gao tem sido urna tática mais e mais estudada a fim de protralr a vida
de alguém.

Em conseqüdncia, o Or. Willlard Gaylin preconiza a fundagáo de bio-


-empórios ou de mercados de vida, em que seriam guardados "neo-mortos",
a fim de servir a estudos da medicina e á producáo de substancias vitáis
que a industria farmacéutica ainda nao produz; poderiam também ser utili
zados para transplantes e para o tratamento de enfermos necessitados.

Do ponto de vista científico, podem-se louvar essas conquistas da


medicina. Todavía é preciso que a ciencia n8o se divorcie da consciáncia.
O ser humano nSo é pura materia, ora vivente, ora nao vívente, mas tem
alma espiritual, que é fator de personalidade indevassável; por istc nao
se deveria utilizar o organismo de ninguém sem que se tenha certeza de
que está realmente morto. Os transplantes nao sao ilícitos, mas jamáis
deveriam ser motivo de se tirar a vida de um paciente ou de se Ihe ace
lerar a morte.

Comentario: O tema «reanimacáo» ou, melhor, «reativa-


cáo» tem sido freqücntemente posto em foco nos últimos tem-
pos por ocasiáo dos debates sobre transplantes de coragáo,
eutanasia direta ou indireta, etc. Já abordamos o assunto em
PR 137/1971, pp. 193-203; 150/1972, pp. 244-251.

As técnicas da reativacáo vém progredindo a tal ponto


que, na base das mesmas, se fazem prospectivas e cálculos
para o futuro. Fala-se até de guardar um «neo-morto» em
geladeira a fim de se utilizarem os seus órgáos em favor da
medicina e da recuperagáo da saúde de pessoas que ainda pos-
sam viver mais tempo na térra.

— 279 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

Toda essa problemática suscita questóes de filosofía e de


ética, as quais o pensamento cristáo nao se pode furtar. Eis
por que, ñas páginas que se seguem, proporemos o histórico
da reativagáo dos corpos, as prospectivas que ela sugere e
as implicagóes éticas que daí decorrem.

1. Um pouco efe historia

1. É no sécuio XVIII que se registram as primeiras ten


tativas de reativagáo médica, mediante processos que eram
rudimentarmente os que hoje sao aplicados. Assim, por exem-
plo, em 1744 o cirurgiáo William Tossach publicava nos se-
guintes termos os resultados de urna tentativa desse tipo:

"O paciente tinha o cora?ao, as arterias e a respirado paradas. O


homem tomara a aparéncia de uum morto. Insuflei-lhe um pouco de ar,
soprando-lhe dentro da boca táo fortemente quanto posslvel; mas, dado
que eu esquecera de Ihe tapar as narinas, todo o ar saiu por elas. Entfio,
com urna de minhas maos apertei-lhe o nariz e com a outra fiz movlmentos
de pressao sobre o seu peito, enquanto eu insuflava ar dentro dos pulmdes
do paciente. Imediatamente senti seis ou sete rápidas pulsa;6es do coragSo.
O tórax do enfermo se ergeu; pouco depols pude sentir o pulso... Após
cerca de urna hora, ele comecou a bocejar, a mexer as pálpebras, as
máos e os pés".

2. Duzentos anos mais tarde, seriam redescobertas e


aperfeigoadas as duas técnicas ácima esquemáticamente descri
tas: o encontró «boca-a-boca» e a massagem cardíaca externa.

No sécuio XVIII, o público tomara consciéncia de que a


morte nao era um fato brusco e repentino; o conceito de
morte como ruptura que pudesse ser precisamente localizada
em determinado momento já cederá a algo de mais vago e de
mais difícil definieáo. Urna das conseqüéncias imediatas dessa
mudanga de conceito foi que muita gente na Europa e nos
Estados Unidos foi tomada do medo, quase epidémico, de ser
enterrada prematuramente ou ainda em vida (num estado de
coma que fosse reversivel ou que nao correspondesse á morte
real). Em París e outras cidades, pessoas aparentemente mor-
tas eram colocadas em cámaras mortuárias e vigiadas por
guardas que se incumbiam de averiguar se a respiragáo e as
pulsagóes do coragáo nao recomegavam antes de se proceder
á inumagáo do cadáver. Peritos especiáis, chamados na Franga
«croquemorts» (mordedores de mortos), mordiam os artelhos
de pessoas que estavam presumidamente morías.

— 280 _
MERCADOS DE VIDA?

Na Inglaterra, um artesáo de nome George Bateson se


tornou célebre em 1852 por ter inventado «um engenho de
ressuscitacáo económico, engenhoso, de toda confíanga, e sus-
cetível de proporcionar a tranqüilidade de espirito as pessoas
enlutadas de todas as carnadas sociais». Sete anos mais tarde,
Bateson era condecorado pela rainha Vitoria com a medalha
da Ordem do Imperio Británico; todavía ele mesmo nao tinha
confíanga em seu sistema de molas e sinetas, a tal ponto que
modificou o testamento, pedindo a cremagáo do respectivo
cadáver. Finalmente, tomado de psicose e obsessáo decor-
rentes do medo de ser enterrado vivo, derramou sobre o
corpo óleo de linho, e morreu assim incendiado.

As técnicas de reativagáo comegaram a ser cultivadas


mais científicamente no inicio do século XX. O médico fran
cés Dr. Alexis Carrel (mais tarde, premio Nobel) conseguiu,
pela primeira vez, manter em vida um coracáo de galinha;
fez mesmo que se reproduzissem em laboratorio alguns teci-
dos retirados desse coragáo. As culturas desses tecidos per-
maneceram vivas durante mais de cinqüenta anos. Em cola-
boragáo com o famoso cirurgiáo Charles Guthrie, de Chicago,
Carrel realizou os primeiros transplantes de coracáo de cao a
cao, obtendo a sobrevivencia do animal beneficiado durante
varias semanas.

3. Durante e após a segunda guerra mundial, as cien


cias biomédicas tomaram grande impulso, de modo que tor-
naram mais dificil ainda de se averiguar a diferenca entre o
estado de vida e o de morte. Em margo de 1943, o médico
russo Dr. Vladimir Negovsky se achava na linha de combate
quando o soldado Valentim Zderepanov foi atingido por um
estilhago, que lhe abriu a caixa torácica, feriu os pulmóes e
seccionou a aorta. Outro médico, tendo verificado que a res-
piragáo e o coracáo haviam cessado, deu o respectivo ates
tado de óbito. Todavía o Dr. Negovsky empenhou-se por
restaurar cirurgicamente o paciente; ministrou-lhe massagens
cardíacas e deu-lhe injeeóes de estimulantes e de sangue oxi
genado. Zderepanov sobreviveu ao menos durante vinte anos
ainda.

Após a segunda guerra mundial, Negovsky tornou-se um


dos maiores tanatólogos — especialistas em morte. Fundou
em Moscou um laboratorio de reanimacáo e estudou a morte
como realidade clínica.

— 281 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

Entre outras experiencias, Negovsky realizou a seguinte:


comegou por provocar, mediante sangría, lento processo de
morte em animáis anestesiados; a perda de sangue provoca
um choque e enfraquecimento das fungóes orgánicas; a seguir,
dá-se urna serie de sintomas que atestam a perturbagáo e,
por fim, a extingáo das fungóes vitáis. Nesse estado preter-
minal Negovsky aplicou eletrodos ao crám'o dos animáis,
observando entáo fenómenos elétricos violentos, os quais, se
gundo o experimentador, traduzem os últimos esforgos do sis
tema nervoso para mobilizar todos os recursos do organismo
no combate contra a morte. — Em seguida, comeca a agonía,
que pode durar alguns minutos ou algumas horas, como ave-
rigou Negovsky. O funcionamento do córtice cerebral é trans
tornado e cessa sua influencia reguladora sobre o bulbo raqui*
diano. Sobrevém entáo a fase da morte clinica: as pulsagóes
cardiacas e a respiracáo cessam, e as fungóes cerebrais apa
rentemente nao existem; o eletroencefalograma, nessas condi-
góes, é liso — o que hoje em dia é tido como criterio nítido
de morte. Todavía a vida continua em tecidos e órgáos
isolados.

4. Esse prolongamento parcial da vida é oportuno e


suficiente para que o cirurgiáo proceda á extragáo do órgáo
ou do tecido que ainda esteja em vida para o transplantar...
Todavía precisamente esse prolongamento parcial da vida é
motivo para se duvidar da liceidade do transplante em tais
condigóes, pois se pergunta se a medicina moderna nao seria
capaz, em alguns casos ao menos, de reativar o paciente que
se ache em tais circunstancias.

Quanto aos processos de reativagáo do aparente cadáver,


devem ter inicio logo depois que se verifique o eletroencefalo
grama nulo. Com efeito, em tais condigóes nao há circulagio
dd sangue que fornega oxigénio ao cerebro; sem isto as célu
las cerebrais nao podem sobreviver; deterioram-se irreversi-
velmente (as células nervosas nao se reconstituem). Julga-se,
pois, que, que no intervalo de quatro, cinco ou dez minutos,
no máximo, após a cessagáo das fungóes do cerebro, o orga
nismo ainda pode ser submetido as técnicas da reativagáo com
alguma probabilidade de éxito. Em vista disto, o paciente é
sujeito a regime de respiragáo artificial ou mesmo de drcula-
gáo artificial, gragas a um aparelho chamado «coragáo-pul-
máo», que costuma ser utilizado por ocasiáo da cirurgia do
coragáo.

— 282 —
MERCADOS DE VIDA?

A reanimagáo em tais condigóes já nao é caso raro na


medicina contemporánea. Um dos primeiros e mais célebres
episodios desse tipo é o do físico russo Lev Landau, «morto»
em '1962 num acídente rodovíário. No hospital os médicos
verificaram traumatismos «incompativeis com a vida»: perfu-
racáo da pleura por costelas fraturadas, pneumotórax (ar na
cavidade pleural no pulmáo esquerdo), e hemotórax (sangue
no pulmáo direito); o osso ilíaco estava fraturado e as vis
ceras abdominais perfuradas. Mais: havia fratura do cránio
e traumatismo cerebral...

Chegando ao hospital, Landau ainda respirava, embora


fraca e superficialmente. Os centros superiores do córtice nao
davam sinal de vida. Os médicos nao tentaram tirar um
eletroencefalograma; todavia o paciente nao tinha reflexos:
nenhuma reagáo a urna pungáo de alfinete; os olhos estavam
abertos, fixos, sem reagáo. Caso naquele momento um médico
houvesse necessitado de um coragáo sadio para transplante,
poderia ter sido tentado a extrair o de Landau, pois este
tinha um coragáo forte; nunca beberá álcool nem fumara.
Mais premente teria sido a tentagáo pelas tres horas da ma-
nhá, quando a respiragáo parou.

Contudo os discípulos e amigos do cientista reuniram em


torno da cabeceira de Landau alguns dos melhores médicos
de Moscou. Desde que a respiragáo cessou, tomaram urna
providencia quq deteve o curso da morte: um cirurgiáo abriu
a garganta de Landau pouco abaixo do pomo de Adáo e intro-
duziu por ai um tubo de plástico mediante o qual foi insu
flado ar nos pulmóes; assim se estabelecia a respiregáo arti
ficial. Eis, porém, que tres dias depois o coragáo deixou de
bater. Anos atrás, isto teria significado morte irreversível.
Todavia a equipe médica resolveu recorrer ao expediente que
salvara o soldado Zderepanov: a transfusáo de sangue. Nao
seria, porém, a transfusáo clássica, que injeta o sangue ñas
veías, do paciente a fim de que passe para o coragáo, e depois
para os pulmóes, onde é oxigenado, a fim de alimentar o
organismo todo. Nao; a injegáo aplicada a Landau foi feita
em urna arteria; ministrava sangue previamente saturado de
oxigénio; esse sangue foi diretamente levado ao coragáo, res-
tabelecendo a circulagáo coronaria nos vasos que tecem o
músculo cardiaco. Assim o coragáo voltou logo a irrigar os
outros tecidos do organismo, principalmente o cerebro. Desta
íorma a injegáo de sangue oxigenado na arteria radial (no
ante-brago esquerdo) de Landau contribuía para adiar a

— 283 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

morte iminente; além do mais, ao paciente foram ministrados


estimulantes cardíacos, de sorte que o coracáo tornou real
mente a funcionar. Note-se que a reativacáo do coracáo é
hoje em dia (quase quinze anos após o episodio de Landau)
algo de rotineiro em certos países.

Contudo o caso de Landau ainda nao estava resolvidor


um mes depois do acídente, o físico ainda nao recuperara a
consciéncia; os seus olhos estavam fixos e vidrados, nao rea-
gindo a estímulo algum. O seu organismo nao dava sinal de
reflexo; mesmo o da respiracáo desaparecerá; caso fosse des
ligado o aparelho de respiracáo artificial, a respiragáo ees-
saria. O caso pareda ser de coma ultrapassado; bastaría des
ligar os meios artificiáis de conservacáo da vida, para que
Landau estivesse morto.

Nao obstante, os médicos foram insistindo no recurso as


técnicas mais variadas postas ao seu alcance... Alguns meses
mais tarde, Landau recebeu um telegrama do rei da Suécia,
que lhe comunicava ter sido o físico soviético escolhido para
o Premio Nobel. Landau entáo ainda se encontrava no hos
pital. Alguns dias mais tarde, o embaucador da Suécia foi
visitá-lo para levar-lhe a medalha de ouro do Premio Nobel;
nessa ocasiáo, Landau pediu insistentemente que o deixassem
levantar-se da sua cadeira de rodas; de pé, fez um breve
discurso marcado pelo bom humor, agradecendo ao Govérno.
sueco a honra que lhe fora deferida.

Tais fatos ocorreram em 1962, quando Landau tinha 55


anos; passou mais de um mes em coma profundo; superou
esta fase e ainda sobreviven seis anos, tendo recuperado o
uso das suas faculdades intelectuais. Siempre foi grato aos.
auxiliares e médicos que o salvaram da morte.

5. Ainda como testemunho típico dos avangos da medi


cina se pode citar o caso de Karen Quintan, em Nevv Jersey
(U.S.A.): em abril de 1976 já sobrevivía onze meses em
coma profundo. A única razáo para que nao, fosse declarada
morta era que o eletroencefalograma respectivo ainda acusava
certa atividade; por isto os médicos recusavam desligar os
aparelhos que lhe conservavam a vida. O juiz, interpelado
pela familia, em primeira instancia, declarou a menina legal-
mente viva; em marco, porém, de 1976, declarou a legitimi-
dade do desligamento dos aparelhos de respiracáo artificial
da menina, caso os médicos julgassem realmente inútil a con-

— 284 —
MERCADOS DE VIDA?

servagáo de tal estado de coisas; aos médicos tocaría a res-


ponsabilidade, desde que se dispusessem a fazer cessar os
síntomas de vida da paciente. Ora, retirada do seu pulmáo
artificial, Karen Quinlan ainda vivia aos 14/V/77, sendo
mesmo que experimentara alguma melhora, «pois mantém
agora a cabega e o peito um pouco mais firmes», como obser-
vou a genitora da menina (cf. «O Globo», 14/V/77, p. 18).
— Este é um dos casos em que, apesar de tecnología impres-
sionante, é muito difícil a um médico pronunciar-se sobre a
realidade da vida ou da morte do paciente. Os médicos estáo
freqüentemente sujeitos a surpresas. Tenha-se em vista, por
exemplo, o testemunho do Prof. Paúl Milliez, que se refere a
um paciente vitima de hemiplegia do lado esquerdo e imerso
em coma profundo:

"O paciente se achava em tal estado que, em vista do eletroencefalo-


grama e dos disturbios apresentados, eu julgava que o enfermo nao tinha
chance alguma. Todavía a familia suplicou-me que continuasse a reanima-
gao. Cedí porque julgava que tal era o meu dever. Ora a familia é que
tinha razio. O paciente tinha entSo sessenta anos; hoje ele tem setenta e
cinco, e, apesar de ter flcado hemiplégico do lado esquerdo, leva um
género de vida que ele diz agradável apesar dessa enfermidade".

Há excepgóes ainda mais surpreendentes. Seja citada a


revista médica «The Lancet», que em 1975 publicou o segu'nte
episodio:

"Urna crianca de cinco anos caiu em um rio gelado na Noruega e


lá ficou vinte e dois minutos debaixo da agua antes de ser recuperada e
examinada. As suas pupilas oculares estavam dilatadas ; o pulso estava
parado; a crlanca achava-se aparentemente moría. Os médicos submete-
ram-na a processo respiratorio artificial e a massagens cardiacas. Meia-
-hora depols, o eletrocardlograma reglstrava trinta pulsaedes por minuto;
todavía, seis horas após ter caldo nagua, a crianca tinha a temperatura de
24° C. Dez dias depois, ela veio a reconhecer a genitora, mas ainda ficou
em estado semiconsciente, durante quase um mes. Seis meses após o
acídente, a vitima estava completamente restabelecida e mentalmente
normal".

Tem-se aqui um caso de reanimagáo total. Deu-se apesar


de prolongada permanencia debaixo da agua ou — talvez
melhor — por causa de prolongada permanencia debaixo da
agua: a agua, estando gelada, fez que a crianga caisse logo
em estado de hipotermia (temperatura extraordinariamente
baixa); esta condicáo diminuiu o ritmo dos procesos orgá
nicos e freou a destruigáo das células.

6. A propósito pode-se ainda citar a hibernagáo ou colo-


cagáo do corpo em baixa temperatura como meio de diferir

— 285 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

a morte. As primeiras experiencias de hibernagáo realizadas


há cerca de vinte anos pelo médico francés Dr. Henri Laborit
mostraram que o frió diminuí o ritmo do metabolismo e reduz
as necessidades que o organismo tem de oxigénio. Em estado
de hibernagáo, por exemplo, as células nervosas do cerebro
podem suportar a anoxia (ou a deficiencia de oxigénio nos
órgáos e tecidos) durante tempo notável, sem sofrer com isto
perdas irreparáveis. Em medicina, a hibernagáo artificial é
utilizada por ocasiáo de intervengóes ciruúrgicas que exijam
parada completa da circulagáo; só pode ser prolongada du
rante algumas horas, pois há entáo risco de infecgáo e trom-
bose. Os médicos, porém, julgam ser posível manter um pa
ciente em hibernagáo a 33° C. durante duas semanas. Em
temperaturas mais baixas, aplicando-se coragáo-pulmáo arti
ficial (pois o coragáo pararía), a duragáo da sobrevivencia
poderia ser levada a dois ou tres meses.

7. Em suma, diz-se que a historia da reanimagáo está


marcada por surpresas e excegóes: poucos sao os especialistas
(diz-se) que nao tenham tido a experiencia de ver um paciente
em coma ultrapassado e com eletroencefalograma liso voltar
inexplicavelmente á vida. Também todos devem ter conhe-
cido o caso contrario, ou seja, a Vitoria rápida e inesperada
da morte em casos que nao pareciam desesperados. Nessa
mtersecgáo obscura da vida e da morte, nenhum perito é
infalível e nenhuma legislagáo ó capaz de fixar urna fronteira
absoluta.

A verificagáo destes dados leva alguns estudiosos a pre


ver o que se chama

2. Bio-empórios ou Bancos de neo-mortos

O médico norte-americano Dr. Williard Gaylin, presidente


do Instituto de Ciencias Sociais Éticas e da Vida (Hastings-
-on-Hudson, New York), apresentou recentemente estranho
projeto, que por ora parece pertencer mais ao dominio da
fantasía e das conjeturas, mas que, segundo alguns comenta
dores, nao é mera utopia, e, sim, ciéncia-ficgáo bem funda
mentada. Sugeriu, sim, sejam selecionadas, entre as pessoas
vitimas da chamada «morte clinica», aquelas cujo respectivo
corpo parega mais aproveitável para salvar a vida alheia;
seriam conservadas num estdo de sobrevivencia artificial a
fim de poderem ser aproveitadas no momento oportuno: em

— 286 —
MERCADOS DE VIDA? 11

tais condicóes, esses corpos teriam funcóes respiratorias, pul-


sagóes cardiacas; seriam alimentados, de tal modo que pode-
riam mesmo sobreviver em vida latente durante alguns anos.

Esses corpos sao chamados «neo-mortos»; constituiriam


«bio-empórios» (mercados de vida) ou Bancos de tecidos
vivos: pele, músculos, órgáos e, principalmente, sangue. O
corpo continuaría a produzir sangue novo para compensar as
perdas e poderia ser doador, como o sao os corpos vivos em
condigóes normáis. Alguns «defuntos» postos em estado de
sobrevivencia, portadores de grupos sanguíneos muito raros,
seriam guardados em reserva para atender a qualquer emer
gencia. As características de cada qual desses organismos
seriam registradas em computador, cuja «memoria» possibi-
litaria encontrar sem demora tal ou tal nota típica desejada.

Os corpos assim conservados poderiam também servir á


fabricacáo de alguns produtos biológicos que a industria hu
mana ainda nao consegue reproduzir, como sao, por exemplo,
certos hormónios e certos anticorpos específicos; estes seriam
obtidos nesses «corpos mortos sobreviventes» mediante a inje-
gáo, nos mesmos, de um virus ou de urna bacteria.

Esses mesmos organismos serviriam ainda á realizagáo


de experiencias médicas que nao costumam ser feitas em orga
nismos vivos propriamente ditos: assim se estudaria a agáo
de certos remedios sobre o organismo humano, em vez de
recorrer ao organismo de animáis irracionais, os quais nem
sempre apresentam as mesmas reagóes orgánicas que os
homens.

Mais: tais corpos humanos serviriam ao estudo da medi


cina em escolas, de modo que os estudantes praticariam as
suas primeiras intervengóes terapéuticas em corpos de tal
tipo, em vez de as realizar em pacientes de hospitais; estes
sao, muitas vezes, vítimas da impericia de quem assim os
trata. Seriam praticáveis nesses «pacientes aparentemente
mortos» todos os exames médicos, exceto os neurológicos
(pois tais organismos, por definigáo, carecem de sistema ner
voso central em fungáo).

Para constituir tais bio-empórios, o Dr. Gaylin reconhece


que nao haveria dificuldade em conseguir número de corpos
suficientes: os desastres, os suicidios, os homicidios, os dis
turbios cerebro-vasculares sao bastante freqüentes nos paises

— 287 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

industrializados, para garantir o funcionamento permanente


de tais «mercados de vida».

O Dr. Williard Gaylin reconhece que, no atual estado de


coisas, a sua idéia é ousada, podendo mesmo parecer revol-
tante. Observa, porém, que as atitudes da sociedade mudam.
Em certas regióes, a idéia de cirurgia abdominal talvez aínda
seja inaceitável, ao passo que nos países ocidentais nao causa
problema. Já se tornaram comuns, entre nos, os conceitos
de transplante e de doagáo de certos órgáos por parte de
pessoas que se achem na iminéncia de morrer. Em alguns
países ocidentais, já existem Bancos de esperma. O Dr. Gay
lin vai mesmo mais longe em sua argumentacáo: julga que
deve ser natural a um ser humano, posto diante da realidade
da morte, querer prolongar para além da morte a sua capaci-
dade de ser útil. E a propósito cita o seguinte:

Em Bostón existem a famosa Escola de Medicina de


Harvard e mais duas outras Faculdades de Medicina; ora a
Escola de Harvard recebe numerosas doagóes de cadáveres
destinados pelos respectivos proprietários ao servico de Me
dicina, ao passo que as duas outras Escolas (que nao tém
o prestigio de Harvard) carecem de cadáveres para as suas
experiencias; nao estaria ai um vestigio de que o ser humano
deseja prolongar após a morte certos hábitos que, consciente
ou inconscientemente, ele traz consigo durante esta vida?

A tese do Dr. Gaylin encontra, de certo modo, apoio por


parte dos estudiosos que julgam tolice lutar contra a morte,
quando a vida a ser entretida é urna vida aparentemente
inútil á humanidade. Perguntam: por que gastar as quantias
imensas que os transplantes e a natureza requerem, quando
o mesmo dinheiro poderia ser mais bem aplicado, salvando
criangas mediante vacinas? Por conseguinte, o espirito de
«economía» levaría os médicos a escolher os pacientes que
lhes interessasse salvar da morte, e a mandar para bio-empó-
rios as pessoas que ainda pudessem ser úteis á humanidade
na qualidade de neo-mortos. A eutanasia — direta ou direta —
teria assim livre aplicagáo.

Após esta consideragáo de táo novas teses, é natural que


indaguemos:

— 288 —
. MERCADOS DE VIDA? 13

3. Que pensar a respeito ?

As novas experiencias e os prognósticos até aqui recen-


seados sugerem algumas importantes ponderacóes:

1) É louvável o esforco da medicina por lutar contra


a morte, descobrindo novos recursos para adiá-la. Parece que
precisamente um dos títulos de gloria dos pesquisadores é
precisamente o de conseguir mais e mais superar situacóes
que outrora pareciam perdidas e irremediáveis, de modo a
arrancar das garras da morte as vítimas talvez prematuras
da mesma. Por conseguinte, o afá de reativar como o de
hibernar, longe de merecer condenagáo por parte da cons-
ciéncia crista, podem ser reconhecidos como valores.

2) As experiencias de reativagáo e outras tém mos


trado que é cada vez mais difícil tragar a fronteira entre a
vida e a morte. A conclusáo que talvez muitos tirem dessa
verificacáo, é que a vida humana nao é senáo um estado da
materia ou o resultante da combinagáo de dados físicos e
químicos constitutivos do organismo; a pretensa «alma hu
mana» nao seria senáo urna ilusáo sustentável nos tempos em
que se julgava ser a morte um fenómeno brusco ou delimi
tado e definido.

3) A esta altura, a filosofía intervém, evitando que os


dados meramente experimentáis iludam o estudioso. O uer
humano tem expressóes vitáis que supóem um principio de
vida imaterial ou espiritual: assim o pensar ou conceber
nogóes abstratas, universais...; o raciocinar, que leva a con-
clusóes nao percebidas pelos sentidos..., o falar..., o pro-
gresso da civilizagáo... supóem no homem o que se chama
«a alma espiritual»; cf. PR 5/1958, pp. 179-184; 67/1963,
pp. 267-271.

Esse principio vital ou alma espiritual é responsável pelas


fungóes vegetativas, sensitivas e intelectivas do ser humano.
A alma humana as realiza enquanto o organismo lhe oferece
condicóes para tanto — o que supóe coragáo, cerebro, tecidos
nervosos... dotados de um mínimo de capacidade de funcio
nar. Desde que esse mínimo nao mais exista, a alma humana
deixa de subsistir no organismo respectivo; este entáo morre.
O que se torna difícil dizer hoje em día, é precisamente
quando o organismo está deteriorado a ponto de nao poder

— 289 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

mais, em hipótese alguma, ser sede da alma humana. Deve-se


dizer que, enquanto o organismo é suscetível de ser reativado,
a alma humana nele se acha latente; por isto é que mais pro-
priamente se fala de reativagao do organismo do que de rea-
nima§ao ou de ressiirreigao de cadáver.

4) E. á luz destes principios que se podem julgar, do


ponto de vista humano e cristáo, os bio-empórios e os planos
com eles relacionados.

Se a medicina pudesse ter certeza de que os organismos


guardados nos «mercados de vida» seriam realmente incapazes
de reativagáo ou seriam irreversivelmente mortos, nada se
poderia opor as idéias do Dr. Williard Gaylin; este cientista
estaría apenas procurando ajudar a restaurar a vida de pa
cientes mediante material que por si seria destinado ao cemi-
tério ou ao crematorio. Todavía a tese do Dr. Gaylin parece
nao levar em conta esse tópico de importancia decisiva; quem
a pusesse em execugáo, poderia proceder como se os «neo-
-mortos» fossem simplesmente um aglomerado de substancias
farmacéuticas interessantes a medicina; a presenca de urna
alma humana, em conseqüéncia da qual haveria urna pessoa
humana, digna de respeito indevassável, nesses «cadáveres»,
nao é absolutamente levada em consideragáo.

De resto, o que se observa através da leitura do plano


do Dr. Gaylin é urna mentalidade assaz materialista e utilita
rista, que reduz o ser humano a um depósito de elementos
raros e preciosos para a «arquitetura» de outros seres huma
nos. Ora a perspectiva crista nao pode abonar tal modo de
ver, pois ela professa a realidade de algo de espiritual e trans
cendental em cada organismo humano; só depois que se tem
certeza científica de que o composto humano é mero residuo,
sem personalidade e sem vida, é que se pode dispor do res
pectivo material.

5) Dito isto, compreende-se que, muito menos ainda, a


consciéncia crista pode subscrever á tese dos que pretendem
impor a eutanasia a quem pareca inútil á sociedade, a fim de
se aproveitarem ao menos os «destrocos» desse alguém. Eis
aqui palavras do Dr. Alexis Carrel («Premio Nobel»), que
apregoam tal novo procedimento:

"As nacSes civilizadas reallzam esforcos slmplórlos para conservar


seres Inútels e nocivos. Os que mataram, os que roubaram á mSo armada,

— 290 —
MERCADOS DE VIDA? 15

os que seqüestraram crlancas, os que gravemente iludiram a confianca do


público, ... um dispositivo de eutanasia próvido de gases apropriados per
mitirla dispor deles de manelra humana e económica. O mesmo tratamento
nao deveria ser aplicado aos loucos que tenham cometido atos criminosos?
Nao devenios hesitar em dispor a sociedade moderna com vista ao homem
sadio. Os sistemas filosóficos e os preconceltos sentimental tém que desa
parecer diante de tal necessldade...

Por que prolongar a vida de pessoas que sao ¡nfelizes, egoístas, estú
pidas e inútels? O que importa, é a qualídade dos seres humanos, e nao
a sua quantidade" (citado por Alexandre Dorozynski, no artigo citado na
bibliografía deste estudo, p. 33).

O Dr. Alexis Carrel converteu-se posteriormente a tais


palavras, tornando-se um médico católico de renome. Ele nao
teria subscrito tais frases no fim de sua vida. Toda pessoas
humana, ainda que criminosa e malvada, merece ser tratada
com benevolencia. Essa benevolencia nem sempre significa
afago ou caricias; pode implicar tratamento de correcto ou
punicáo medicinal. Somente em casos extremos (hoje em dia
cada vez mais raros) se pode admitir a pena de morte.

Eis o que ocorria dizer sumariamente á margem das


idéias do Dr. Gaylin, inspiradas nos progressos da medicina
contemporánea. Sejam exaltados os esforgos e as conquistas
dos homens de ciencia! Todavía nao se divorciem da cons-
ciéncia. Ela lhes pede que guardem o respeito á pessoa
humana, que nao é simples materia, mas, sim, imagem e
semelhanga do Criador, pelo fato de ter urna alma espiritual.

Na redacáo deste artigo milito nos servimos do estudo de Alexandre


DorozynsW: "Combien de temps peut-on faire survivre un homme?", em
"Science et Vie" n9 700, janvier 1976, pp. 26-34.

A propósito veja ainda

PR 137/1971, pp. 193-203 (quando é que alguém morre ?);

PR 150/1972, pp. 244-251 (congelamento de organismos);

PR 170/1974, pp. 58-71 (eutanasia).

— 291 —'
Na India um protesto contra

a esterilizado humana

Em sfntese: A esterillzacao sistemática de homens e mulheres foi


empreendida na India, com protestos da populacSo, que provocaran) a
queda do respectivo Governo.

O artigo abaixo apresenta alguns dados da campanha em prol da


esterilizagao no país de Indira Gandhi; transcreve também a carta do
Cardeal Picachy, arcebispo de Calcuttá, referente ao assunto, assim como
urna Declaracao da S. Congregacáo para a Ooutrina da Fé, que lembra a
iliceidade de tal intervencSo cirúrgica.

Comentario: A queda do Primeiro Ministro da india,


Sra. Indira Gandhi, deu ocasiáo a que o mundo pensasse mais
urna vez sobre direitos humanos, democracia e desenvolvi-
mento.

A Sra. Indira Gandhi submeteu o seu povo desde junho


1975 a regime de emergencia dura e severa, que visava a
melhorar as condicóes económicas da India. Embora estas
tenham realmente conhecido certo alivio, nem por isto o Pri
meiro Ministro conseguiu manter-se no poder: o povo indiano
aproveitou a oportunidade das eleicóes de 20 de marco de
1977 para optar por um regime auténticamente democrático,
que já nao recorra á violencia exercida pelo Govemo de
Indira Gandhi. Entre os atos coercitivos mais sutis e odiosos
estava a prática da esterilizagáo obrigatória, imposta aos ho
mens com o nome de vasectomia e as mulheres com a desig-
nacáo de tubectomia].

A fim de ilustrar melhor a situagáo que se criara para


a familia na India e possibilitar mais lúcida avaliagáo da
mesma, vamos, a seguir, propor alguns dados concretos rela
tivos á política indiana de esterilizacáo e dois documentos da
Igreja atinentes a esta prática.

» Note-se, de passagem, que a prática da esterilizacSo parece ter sido


Inspirada a Indira Gandhi por seu fllho Sanjay Gandhi, que foi um dos mais
influentes assessores políticos de sua tnáe, embora nao ocupasse cargo
algum no Governo. Cf. "Jornal do Brasil" 23/111/77, 19 cad., p. 9.

— 292 —
ESTERILIZACAO HUMANA 17

1. A prática da esterilizasao

Nao há dúvida, a India é um dos países de mais intenso


crescimento demográfico. Todos os anos, a populagáo desse
subcontinente aumenta de 13 milhóes de habitantes, ou seja,
de quantidade quase igual á da populagáo da Holanda. No
Estado de Bengala Ocidental, a quota da natalidade é de
38 por mil habitantes — o que significa que nasce urna
enanca de 19 em 19 segundos. Em 1970 contavam-se 576
milhóes de habitantes na india; em 1976, 615; em 1990 pre-
vé-se a possibilidade de um bilháo.

Para conter este curso, a Sra. Indira Gandhi implantou


a esterilizagáo de homens e mulheres no país. A organizagáo
governamental «Family Planning» mobilizava vinte e cinco
mil funcionarios para os seus fins. Promovía campanhas
populares, incitando o povo a se submeter a urna «operagáo
ligeira, de dez minutos, e sem conseqüéncias». Em alguns
casos os agentes do Governo atraiam os candidatos á vasec-
tomia prometendo-lhes dinheiro, ou seja, cem rupias para se
submeterem á intervencáo; aos jovens, um radio transistor.
Ñas aldeias, o fornecimento de agua e eletricidade era cor
tado a fim de coagir os habitantes a aceitarem a imposiejío
governamental. Em outros casos, o Govemo ameagava supri
mir créditos concedidos para o desenvolvimento de pequeños
industriáis ou artesáos. Em suma, tanto os recrutadores de
candidatos á esterilizacáo como os próprios cirurgióes tinham
bons negocios á vista no desenrolar da campanha: além do
salario, perspectivas de promocáo. Por cada milheiro de este-
rilizagóes, o médico era promovido.

Um sacerdote dedicado á pastoral estudantil no Sul da


india declarava:

"Por ocasláo do último acampamento organizado com estudanles


numa aldeia, um dos responsáveis pela Universidade veio visitar-nos. Per-
guntou-me : 'Quantas vasectomias vocé obteve durante esse acampamento?'
Já n5o se trata de controle de nascimentos propiamente, mas de concurso
de vasectomias. O que há de mais revoltante para nos, sao os propósitos
dos indianos cultos e ricos das cidades. Dizem, referindo-se aos habitantes
das aldeias: 'É gente que nao tem condicSes de ser educada. Sao animáis.
é preciso, portanto, que decidamos por eles1".

Chegava-se a estabelecer certa concorréncia entre os Es


tados a respeito da esterilizacáo. Eis o depoimento de um
líder político de Calcuttá:

— 293 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

"Chegamos a comparar as cifras atingidas pelos diversos Estados.


O de Bengala chegou a 700.000 esterilizacSes, o de Binar um pouco
menos... É quase urna corrida olímpica I O mais grave é que os pobres,
sempre os pobres, vém a ser as verdadeiras vllimas".

Ñas escolas eram os professores que assumiam a cam-


panha da esterilizagáo, indo ao encalgo dos genitores dos alu-
nos. Estes tinham que apresentar seu atestado de esteriliza-
gáo, pois, em caso contrario, os filhos nao seriam recebidos
na escola. Eis o relato de um sacerdote:

"No estado de Bihar, principalmente ñas regiSes tribals, lodos passam


pela esterilizado. A policía chega, reúne os habitantes de cada aldeia, e as
intervencoes comecam. Podem adivinhar em que condlcSes de higiene...!
As pessoas sao atraídas mediante promessa de dinheiro... é um terrivel
problema humano: se os sacerdotes prolestam, sSo encarcerados. Em
estado de emergencia, sabemos que se pode deter em prisáo quem quer
que seja, durante dois anos, sem nenhum julgamento".

A quantidade de intervencoes esterilizadoras era notável:


de abril a julho de 1976 foram submetidos as mesmas dois
milhces de indianos, dos quais 80.000 na cidade de Delhi.
A maioria dessas operagóes atingiu os homens (75%).

Diante de tais fatos, algumas vozes de protesto fize-


ram-se ouvir, tanto por parte dos intelectuais leigos como
por parte da Igreja Católica.

Dentre os estudiosos da India, asaim, por cxcmplo, falou


um professor de Universidade:

"A esterilizado nao é o principal problema da India, é preciso rea


lizar a reforma agraria, deter o éxodo dos intelectuais, promover a justica
social".

A observacáo era oportuna. Na verdade, cerca de 3%


das familias indianas detém, a sos, quase urna quarta parte
das térras cultivadas; 62% nao chegam a possuir a quinta
parte e 22% das familias rurais nada tém. Todos os anos
30.000 dentistas indianos deixam o scu país natal; milhares
de médicos estabeleceram-se definitivamente no cstrangeiro.
Quanto ao produto bruto nacional, cresceu nos últimos dez
anos; todavía o proveito disto favoreceu táo somente as clas-
ses superiores da sociedado. Estas dispóem de um terco da
renda nacional, embora representem a décima parte da popu-
lagáo.

Em fins de 1976, alguns intelectuais protestaram direta-


mente contra os campos de esterilizagáo; todavía as suas

— 294 —
ESTERIUZAgAO HUMANA 19

vozes nao tiveram repercussáo, visto que a imprensa nacional


estava sujeita a rigorosa censura.

Quanto á Igreja, falou por voz do Cardeal L. - T. Picachy,


arcebispo de Calcuttá e presidente da Conferencia Episcopal
da India, que aos 19 de margo de 1976 escreveu a carta cujo
teor vai transcrito a seguir em tradugáo brasileira.

2. A Carta do Cardeal Picachy

Em principio de 1976 estava sendo estudado na India


um projeto de lei que impunha a esterilizagáo a todo pai de
familia que tivesse mais de dois filhos. No tocante aos fun
cionarios do Governo, a lei teria o seguinte teor:

"Os funcionarlos do Governo que tenham mais de dols filhos, devem


submeter-se á esterilizacSo, dentro dos dois meses consecutivos & entrada
da fei em vigor, sob pena de perder o emprego."

No Estado de Bengala, o projeto de lei previa ou a este-


rilizagáo ou o encarceramento ou, aínda, em alguns casos,
urna e outra pena, para os transgressores.

Preocupado com o rumo dos acontecimentos, o presidente


da Conferencia Nacional dos Bispos da india escreveu urna
carta circular aos demais bispos do país, da qual publicamos
aqui a parte de interesse do público em geral:

"1. Jomáis de diversos Estados da India anunciaran)


urna noticia alarmante, segundo a qual a esterilizagáo obri-
gatória está provavelmente para ser imposta por lei as pes-
soas que tenham dois ou tres filhos. Os Estados de Maha-
rashtra, Bengala Ocidental, Pendjab, Haryaha, Delhi e outros
ainda recomendam vivamente o recurso ao constrangimento
para frear urna populacáo que vai crescendo rápidamente.
A recusa de submeter-se a tais disposicóes poderá acarretar
prisáo, multa ou as duas coisas simultáneamente. A infra?áo
da lei em projeto poderá ser punida pela perda do emprego,
pela superssáo de legítimos beneficios como habitacáo, alu-
guéis para familia, transportes, etc.

Como cidadáos da India e membros da Igreja Católica,


nao podemos, por motivos de consciéncia, aceitar as medidas
pro postas.

— 295 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

a) A esterilizacáo obligatoria viola a dignidade humana


e priva o homem da liberdade que Deus Ihe deu.

b) A Declaradlo das Nagóes Unidas a respeito dos di-


reitos do homem (art. 16, § 3) estipula que a familia é um
elemento natural e fundamental da sociedade que tem direito
á protegao da sociedade e do Estado. Os genitores tém o
direito de decidir a respeito do número de seus filhos.

c) A esterilizacáo obrigatória viola a nossa consciéncia


de cristaos.

O ensinamento da Igreja a respeito destes tres pontos é


preciso e claro. O Concilio do Vaticano II, na Constituigáo
Pastoral 'Gaudium et Spes' n9 27, apresentada firmes diretrizes:

'Tudo o que constituí violagáo da integridade da pessoa


humana, como as mutilagoes, a tortura física ou moral, os
■constrangimentos fisiológicos, tudo o que é ofensa á digni
dade do homem, é, na verdade, infame. Tais práticas, de um
lado, corrompem a civilizacáo, de outro lado desonram aque
les que as praticam ainda mais do que aqueles que as pade-
cem, e insultam gravemente a honra do Criador1.

O mesmo documento indica aos católicos a via a seguir:

'Sem dúvida, pertencem aos Governos o direito e o dever


de tentar urna solucao do problema populacional de sua
nagáo, dentro dos limites da própria competencia: por exem-
plo, no que diz respeito á legislagáo social e familiar, ao
éxodo da populacáo rural para a cidade, ás informacoes acerca
da situagáo e das necessidades da nagáo. Como este pro
blema muito agita hoje os espíritos, é de desejar que cató
licos competentes em todas estas questoes, sobretudo ñas
Universidades, prossigam incansavelmente os estudos e pla-
nejamentos, ampliando-os ainda.

Perante a afirmagáo de muitos, segundo a qual o cres-


cimento da populagáo do mundo ou pelo menos de algumas
nacóes deve ser radicalmente limitado por todos os meios
e por toda especie de interven gao da autoridade pública, o
Concflio adverte todos os homens para que se acauteiem de
solugóes preconizadas publica ou privadamente (ás vezes
mesmo impostas ás populagóes), opostas, porém, á lei moral.
Pois, em virtude do direito inalienável do homem ao matri-

— 296 —
ESTERILIZACAO HUMANA 21

mónio e á geragáo da prole, a decisáo sobre o número de


filhos a procriar depende do reto juízo dos genitores. De
maneira alguma pode ser atribuida ao criterio da autoridade
pública. Mas, como a decisáo dos pais supoe urna consciéncia
bem formada, é de máxima importancia que a todos se dé a
possibilidade de chegar ao nivel de urna responsabilidade reta
e verdadeiramente humana em relacáo á lei de Deus, de acordó
com as circunstancias da realidade e da época. — Isto exigirá
que em toda parte sejam melhoradas as condigóes pedagógi
cas e sociais e, mormente, que se ofereca instrugáo religiosa
jou, pelo menos, integra formagáo moral. Sejam as populacóes
judiciosamente informadas sobre os progressos científicos rea
lizados na pesquisa de métodos que possam ajudar os esposos
em materia de regulagáo de nascimentos, contanto que o
valor desses métodos seja bem comprovado e se tenha cer
teza de que estao em consonancia com os ditames da lei
moral' (Const. 'Gaudium et Spes' n*? 87).

Esta declaracáo teve o aval do Papa Paulo VI e de mais


de 2.000 bispos do mundo inteiro reunidos em Roma aos 7
de dezembro de 1965.

2. Os projetos de lei referentes á esterilizacáo suscita-


ram vivas reacóes. Sem demora foram tomadas iniciativas por
parte dos bispos e de diversos grupos católicos para mostrar
que esses projetos de lei sao inaceitáveis. Realizaram-se tra-
mitacóes prementes junto ao Primeiro-Ministro da india, a
diversos Governos e a Ministros para pedir-lhes nao permi-
tam a aprovagáo de tal legislagáo. Essas personalidades foram
alertadas a respeito da profunda ¡nquietacao da comunidade
católica da India.

Na India inteira elevam-se preces a Deus para pedir-Lhe


queira inspirar aos nossos dirigentes urna legislacáo que seja
conforme aos verdadeiros ¡nteresses do nosso país. Estamos
convencidos de que a esterüizagáo obrigatória nao está em
consonancia com as tradigoes re'igiosas e moráis da India.

Todavia nossos esforgos nao devem limitar-se a meros


protestos. Para que a nossa contribuicao á solugáo de um
problema nacional seja válida, é necessário que as nossas
atitudes tenham caráter positivo. Nao há dúvida, o Governo
se vé frente ao problema de ameagadora explosao demoqrá-
-fica. Nossa populagáo todos os anos aumenta de 13 milhoes

— 297 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS;» 211/1977

de individuos. O Governo julga que o resultado dos esforgos


para limitar os nascimentos foi até agora quase nulo. É pos-
sfvel que este fato tenha levado alguns dos nossos respon-
sáveis a propor medidas draconianas.

A Igreja da India terá urna solucao a propor? Nos últimos


anos, houve insistencia crescente sobre paternidade responsá-
vel. Os pais tém a obrigagáo de prever o número de filhos
que eles podem procriar e educar dentro dos termos da digni-
dade que convém a urna pessoa humana. Todavía os métodos
de limitagáo da natalidade háo de ser conformes á lei moral.

O planejamento natural da familia é hoje apresentado


pela Igreja como um método fácil, seguro e moral de limita-
gao da natalidade. No passado houve numerosas objegóes.
ao método Ogino, que muitas vezes se comprovou ineficaz.
Todavía os recentes progressos científicos de planejamento
familiar natural, ou seja, o método da temperatura e o método-
de Billings, foram amplamente propagados pelas organizagSes.
católicas de saúde".

Estas palavras do Cardeal Picachy exprimem fielmente


o pensamento da Igreja a respeito da limitagáo da natali
dade. Esta é legítima, dadas as dificéis circunstancias da vida
de nossos dias; pode mesmo ser, em alguns casos, recomen-
dável. Todavia nunca há de ser praticada em oposicáo as.
leis da natureza, que sao as do próprio Criador. Últimamente
o método Billings vem sendo preconizado como o mais ade-
quado para se poder conter a natalidade sem ofender a natu
reza. A respeito já foi publicado um artigo em PR 199/1976,
pp. 294-304. Veja-se também o livro de John Billings, «Novo-
método para o controle da natalidade». Ed. Paulinas, Sao
Paulo 1976.

Associando idéias e documentos, parece-nos oportuno pu


blicar outro pronunciamento da Igreja sobre o mesmo assunto,
procedente este da S. Congregagáo para a Doutrina da Fé.

3. O problema em hospitais

Nos Estados Unidos da América os casos de esterilizacáo.


provocada a títulos diversos tornaram-se táo numerosos nos.
últimos anos que a Conferencia dos Bispos dos Estados Uni-

— 298 —
ESTERILIZACAO HUMANA 23

dos houvc por bem pedir á Santa Sé urna palavra sobre o


assunto apta a dirimir eventuais dúvidas sobre o mesmo.

A resposta da S. Congregado para a Doutrina da Fé,


datada de 13 de margo de 1975, foi publicada por ocasiáo da
reuniáo da Federagáo Européia das Assodagóes de Médicos
Católicos realizada em Londres de 23 a 26 de maio de 1976.
Eis o texto desse significativo documento:

"Esta S. Congregagáo estudou atentamente nao só o pro


blema da esterilizagáo terapéutica preventiva como tal, mas
também as opinioes sustentadas por diversas personalidades
no intuito de chegar a urna solucáo do problema. A mesma
S. Congregagáo também tem considerado os conflitos resul
tantes dos pedidos de colaboragáo para a esterilizagáo nos
hospitais católicos. A S. Congregagáo houve por bem respon
der da seguinte maneira ás perguntas suscitadas por tais
situagóes:

1. Toda esterilizagáo que, por si, isto é, por sua. própria


natureza e condigáo, tenha por único efeito ¡mediato tornar
a procriagáo impossível, deve ser considerada como esterili
zagáo direta, no sentido em que esta é entendida pelo magis
terio pontificio e, em especial, por Pió XII.

Em conseqüéncia, apesar de qualquer intengáo subjeti


vamente reta daqueles que sao levados a praticá-la seja para
curar, seja para prevenir urna doenga física ou mental, pre
vista ou receada como resultante de gravidez, tal esteriliza
gáo fica sendo absolutamente proibida segundo a doutrina
da Igreja. Mais ainda: a esterilizagáo das faculdades genitais
é proibida por razáo muito mais grave do que a esterilizagáo
dos atos individuáis, pois acarreta para a pessoa um estado
de esterilidade que é quase sempre irreversível.

Do mesmo modo, nao se pode procurar apoio em ordem


alguma emanada de autoridade pública e tendente a impor a
esterilizagáo direta sob pretexto de que seja necessária ao
bem comum, pois tal esterilizagáo poe em xeque a dignidade
e a inviolabilidade da pessoa humana.

De resto, já nao se pode recorrer, em tais casos, ao prin


cipio da totalidade, em virtude do qual urna intervengáo em
órgáos do corpo físico se justificaria pelo fato de promover

— 299 —
21 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 211/1977

o maior bem do sujeito. Com efeito, a esterilizagáo intencio


nada como tal nao está orientada ao bem integral do sujeito
corretamente entendido, segundo a devida hierarquia de va
lores, pois a esterilizagáo prejudica o bem moral da pessoa,
que é o bem supremo ; na verdade, ela destituí de um ele
mento essencial a atividade sexual prevista e livremente esco-
Ihida. Assim o artigo 20 do Código de Ética Médica promul
gado pela Conferencia de 1971 sintetiza fielmente a doutrina
que há de ser respeitada, e é preciso insistir sobre a sua
observancia.

2. Enquanto confirma a tradicional doutrina da Igreja,


esta S. Congregagáo nao ignora o desacordó que existe a
respeito por parte de numerosos teólogos. Por conseguinte,
a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé nao hesita em negar
que se possa atribuir significado doutrinário a este fato; ele
nao constituí urna fonte de doutrina a que os fiéis possam
recorrer para abandonar o auténtico magisterio e aderir a
opinióes de teólogos particulares que se afastam do magisterio.

3. No que toca a diregáo dos hospitais católicos,

a) É absolutamente proibida, da parte destes, toda coope


ras ao Que, de maneira institucional, signifique aprovagao ou
consentimento a atos que sejam por si próprios (isto é, por
sua índole e sua condicáo) dirigidos a urna finalidade con
traceptiva, ou seja, dirigidos a impedir os efeitos naturais dos
atos sexuais deliberadamente realizados pela pessoa humana.
Com efeito, a aprovacao oficial da esterilizagáo direla e, com
mais razáo, a regulamentagao e a aplicagio da mesma em
consonancia com os estatutos do hospital sao coisas que,
objetivamente falando. sao por sua próüria índole fou intrín
secamente) más. Um hospital católico nao pode cooperar com
tal prática. qualquer que seja a razáo alegada. Quafciuer tipo
de colaboragáo desse género seria totalmente indigna da
míssáo confiada a tais instituigSes e contraria á necessária
proclamacáo e defesa da ordem moral.

b) A doutrina tradicional concernente á colaboragáo


material, com as distingoes que se impóem entre colaboragáo
necessária e colaboragáo livre, colaboragáo próxima e cola
boragáo remota, fica válida e deve ser aplicada com a máxima
prudencia, dadas as circunstancias adequadas.

— 300 —
ESTERILIZACAO HUMANA 25

c) Na aplicagáo do principio de colaboracáo material,


quando seja o caso, tome-se o cuidado de evitar, mediante
explicagáo oportuna, o escándalo e o risco de confusáo nos
espíritos.

Esta Sagrada Congregagáo faz votos para que os criterios


trazidos á baila nesta Carta respondam á expectativa desse
episcopado, de modo que esse possa esclarecer as incertezas
dos fiéis e exercer mais fácilmente o seu encargo pastoral.

Dado em Roma, na sede da Congregagáo para a Doutrina


da Fé, aos 13 de margo de 1975.

Francisco, Cardeal Seper, Prefeito


Jerónimo Hamer, arcebispo titular de Lorium,
Secretario".

Este documento sugere ainda breve comentario:

1) A S. Congregagáo para a Doutrina da Fé enfatiza a


necessidade de nao se colocar a) opiniáo de teólogos ácima de
urna Declaragáo oficial da S. Igreja em materia controvertida.
Por conseguinte, se existem autores que defendem a esterili-
zagáo de homens e mulheres mesmo em nome da teología
católica, a sua posigáo nao prevalece sobre a sentenga da
S. Congregagáo para a Doutrina da Fé — órgáo oficial apto
a dirimir dúvidas referentes ao depósito da fé.

2) O documento da S. Congregagáo prevé os casos em


que um fiel católico se veja chamado a colaborar, como enfer-
meiro(a) ou como médico (a) ou a outro'título, na realizagáo
de intervengóes esterilizantes. A propósito, a Santa Sé men
ciona certas formas de colaboragáo, usando a linguagem téc
nica da Teología moral, que merece ser explicitada:
A colaborábalo formal é o concurso que alguém dá á
realizagáo de um ato, com a intengáo explícita de favorecer
esse ato. Quem, por exemplo, fornece cerveja a um beberráo
para que se embriague, coopera formalmente para o mal do
mesmo. Quem abre o caminho para facilitar intervengóes
esterilizantes num hospital, coopera formalmente para o mal.
A colaboracáo material consiste num ato que, por si, é
bom ou honesto, mas que outra pessoa utilizará para o mal.
A intengáo de quem pratica o ato bom, nao é a de favorecer
o mal (mesmo que esse agente saiba que o seu ato bom será
motivo de abuso por parte de quem quer cometer o mal).
Tal é o caso do negociante que de boa fé vende álcool ou

— 301 —
26 <tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

cafiaspirina a alguém que se servirá destes elementos para


se intoxicar; a venda é feita como seria feita a qualquer com
prador, embora o comerciante saiba que o comprador está
para cometer um ato mau. — Pois bem; o negociante está,
em consciéncia, obrigado a evitar mesmo esse tipo de cola-
boragáo meramente material, mas talvez nem sempre Ihe seja
possível fazé-lo por circunstancias varias.

A cooperagáo ¡mediata é aquela que se presta ao próprio


ato mau. Tal é a colaboragáo da esposa com o marido que
deseje cometer o onanismo ou relagóes conjugáis irregulares.
É imediata, pois sem, ela nao haveria o ato de onanismo. Tal
é também o caso do médico que, com seu colega, contribuí
diretamente para o ato de esterilizar urna paciente.
A oofoperacáo mediata refere-se a precedentes do ato mau
ou a circunstancias do mesmo. É o que acontece no caso do
enfermeiro que prepara urna sala de operagáo e seus instru
mentos para urna intervengáo cirúrgica; faz o que faria para
urna intervengáo lícita, embora saiba que será ilícita. — Tal
tipo de cooperagáo há de ser evitado — o que as vezes nao
é possível, visto que o enfermeiro pode sofrer grave coagáo
ou estar ameagado de pesadas sangóes, que poriam em perigo
a subsistencia dos seus familiares (procure entáo outro em-
prego, mas, enquanto nao o consegue, nao tem obrigagáo
moral de abandonar o hospital, visto que a sua colaboragáo
para o ato mau é apenas material e mediata, nüo formal).
Em tal caso, fala-se de cooperafiáo necessária ou, melhor,
imposta e oonstrangida, ao passo que, na ausencia de coagáo,
se fala de cooperacáo livre.
A cooperagáo mediata pode ser próxima ou remota,
segundo verse sobre algo que esteja de perto ou táo somente
de longe associado ao ato mau.
Em conclusáo: fica assim sumariamente explanada a
posigáo da Igreja frente ao grave problema da esterilizagáo.
A consciéncia crista propugna o respeito á natureza humana
e, por conseguinte, repudia qualquer intervengáo que vise,
diretamente e por si, a tomar a pessoa estéril, ou seja,
inepta a exercer as suas fungóes sexuais com toda a signifi-
cagáo que estas tém por si mesmas. Naturalmente, nao sao
ilícitos os, casos em que o paciente sofre esterilizagáo nao pelo
desejo de se tornar infecundo, mas, sim, para remediar a
alguma molestia para a qual a medicina nao conhega outro
tratamento senáo urna intervengáo da qual resulte, indireta-
mente, a esterilidade do paciente.

— 302 —
Mais um brado a partir da Cortina de Ferro

e a carta 77?

Em sintese: Carta 77 é um documento emanado de 257 pensadores


tchecoslovacos, que chamam a atengSo para a violacáo dos dlreitos huma
nos atualmente ocorrente em seu pafs, embora este tenha assinado solenes
Declarares de respeito á pessoa humana. Tal documento é especialmente
importante, porque faz eco a outros que tém sido publicados com seme-
Ihante teor, denunciando flagrantes injusticas cometidas em paisas da Cor
tina de Ferro. Apesar da repressSo infligida pelas autoridades tchecoslova-
cas aos autores de Carta 77, esta encontrou grande repercussáo nos am
bientes estrangeiros. Em seguida ao texto da Carta, PR publica um apelo
dos crlstáos holandeses aos dirigentes da Tchecoslováquia, solicitando as
devidas providencias para que se restabeleca a justa ordem naquele país.

Texto e comentario: A imprensa do mundo inteiro noti-


ciou com grande ressonáncia o Manifestó de intelectuais e
políticos tchecoslovacos publicado no inicio de 1977 com refe
rencia ao respeito devido aos direitos humanos. Carta 77 foi
publicada a 1" de Janeiro de 1977 (donde o nome que Ihe
toca) e assinada por 257 cidadáos tchecoslovacos, entre os
quais o profcssor Jiri Hajek, que foi Ministro do Exterior
durante o governo Dubcek (1968); o professor Milán Huebl,
diretor da Escola do Partido Comunista até 1968; Frantisek
Kriegel, membro do Governo e presidente da Frente Nacional
Comunista até 1968; Zdenek Mlynar, ex-Secretário do Comité
Central do Partido Comunista Tchecoslovaco; o escritor Pavel
Kohout, o poeta Jaroslav Seifer, o historiador marxista Vaclav
Cerney, o filho e a esposa de Slanski, Jiri Mueller, presidente
da Liga Estudantil. Trata-se, em suma, do demócratas expul
sos do Partido Comunista em 1968 (por ocasiáo da invasáo
da Tchecoslováquia pelos russos) e de demócratas nao comu
nistas, alguns dos quais sao expoentes de confissóes religio
sas. O número de signatarios é realmente digno de nota,
desde que se levem em conta os riscos a que tais pessoas se
expuseram pelo fato de subscreverem o documento.

Carta 77 proclama que os direitos democráticos na Tche


coslováquia só existem no papel. Semelhantes declaracóes já
irromperam em países dominados pelo regime comunista;

— 303 —
|. 28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

i assim a Carta de 172 intelectuaia da Polonia dirigida ao Par-


; lamento Polonés em defesa dos direitos dos trabalhadores; e
\ a do «Grupo de Crítica Solidaria», orientado pelo filósofo
j marxista Robert Havemann, enderegada ao Governo da Re-
' pública Democrática Alema.

O documento «Carta 77» encontrou repercussáo interna


cional, pois, mais urna vez, póe á tona o que ocorre nos cha
mados «países da Cortina de Ferro». Visto que o texto me
rece divulgagáo e estudo, vamos abaixo publicá-lo, justapondo-
-lhe alguns dos ecos que suscitou no mundo ocidental.

1. A Carta 77

Introdujo

"Aos 13 de outubro de 1976 foram publicados na Colecáo


de Leis da Tchecoslováquia (n? 120) o 'Pacto Internacional
relativo a Direitos civis e políticos' assim como o 'Pacto Inter
nacional concernente a Direitos económicos, so ciáis e cultu
ráis', ambos firmados no decorrer do ano de 1968 em nome
da nossa República, convalidados em 1975 em Helsinki e
postos em vigencia entre nos aos 23 de margo de 1976. A
partir de tais datas, os nossos cidadáos tém o direito, e o
nosso Estado tem o dever, de se orientar por eles. As líber- o.
dades e os direitos do homem que foram garantidos por esses
dois Pactos, sao importantes valores de civilizagáo, em fun-
cáo dos quais muitas torgas progressistas no decorrer da his
toria orientaram suas atividades; além do que, a codificagáo
desses valores pode promover significativamente o desenvol-
vimento humano da nossa sociedade. Sendo assim, regozija-
mo-nos por ter a República Socialista Tchecoslovaca aderido
a esses dois Pactos.

Objeto de diserim¡na;áo

Todavía a publicagáo desses Pactos nos recorda, com


renovado vigor, a quantidade de direitos fundamentáis dos
cidadáos que em nosso país lamentavelmente só tém valor
no papel.

Por exemplo, é ¡nteiramente ilusorio o direito á liberdade


de exprimir a opiniáo própria, direito assegurado pelo artigo
19 do primeiro Pacto.

— 304 —
CARTA 77 29

Dezenas de milhares de cidadáos sao tidos como inca-


pazes de trabalhar em sua atividade específica somente por
que exprimem opinióes diversas das oficiáis. Os mesmos sao
freqüentemente objeto de múltiplas discrlminagóes e vém a
ser molestados tanto por oficiáis de administragáo como por
organizagóes sociais. Véem-se privados de toda possibilidade
de defesa e praticamente sao vítimas de apartheid (segregacáo).

A centenas de milhares de outros cidadáos é negado o


direito de 'ser livres de todo temor" (preámbulo do primeiro
Pacto), porque, se manifestam as suas opinióes próprias, se
véem obrigados a viver no permanente perigo de perder, entre
outras coisas, a possibilidade de encontrar trabalho.

Em contradiga© com o artigo 13 do segundo Pacto, que


assegura a todos o direito á educagáo, impede-se a ¡números
jovens o acesso ao estudo, táo somente por causa das suas
opinióes ou por causa das idéias dos seus genitores e pa-
rentes. Incontáveis vém a ser aqueles cidadáos que sao cons-
trangidos a viver no temor de que eles ou seus filhos se vejam
privados do direito á educagáo, caso exprimam as suas con-
vicgóes próprias.

A validade do direito de 'dar a conhecer, receber e difun


dir informacóes e opinióes de qualquer tipo, sem limitacoes,
seja por via oral, seja por escrito, seja por impressos e por
meios artísticos' (ponto 2 do artigo 13 do primeiro Pacto) é
perseguida nao só extra-judiciariamente, mas também pela
justiga, muitas vezes sob a cobertura de acusagóes crimináis.
Disto dáo testemunho, entre outras coisss, os recentes pro-
cessos levantados contra jovens músicos.

Impossibilidade de defesa.

A liberdade de expressáo pública de opinióes é reprimida


pela centralizacáo de todos os meios de común ¡cacao e todas
as programacóes de índole cultural e editorial. Nao é lícito
propor em público alguma opiniao política, filosófica ou cien
tífica, alguma expressáo artística, mesmo que só de leve se
afaste do estreito ámbito da ideología e da estética oficiáis.
é impossível haver crítica pública ás manifestacóes de crise
social.

Fica excluida a possibilidade de pública defesa contra


suposicóes falsas e caluniosas levantadas pela propaganda

— 305 —
.30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

oficial, de modo que, na prática, nao existe protecao legal


frente a 'ataques contra a honra e a boa fama', inequívoca
mente assegurada pelo artigo 77 do primeiro Pacto. Nao é
legítimo refutar as acusagoes injuriosas, e é inútil tentar obter
por via judiciária alguma protegió ou retificacáo de sentenca.

No plano da criatividade espiritual e cultural, é excluida


a discussáo pública. Numerosos homens de ciencia e de cul
tura, como também outros cidadáos, sao discriminados so-
mente porque, há anos, publicaran ou simplesmente expri
mí ram em público opinióes condenadas pelo atual poder
político.

A liberdade de religiao, professada explicitamente pelo


artigo 18 do primeiro Pacto, é sistemáticamente limitada pela
arbitrariedade oficial. Isto ocorre seja por efeito da restrigáo
das atividades dos ministros das diversas confissóes religiosas,
sobre os quais paira permanentemente a ameaga de aposenta-
doria ou de cassagáo da autorizagáo estatal para que exergam
as suas fungoes, seja por motivo de represalias físicas ou
outras, aplicadss ás pessoas que manifestam a sua fé reli
giosa por palavras ou por fatos, seja, finalmente, pela re-
pressáo do ensino religioso e por outras vias semelhantes.

O meio usado para limitar, e muitas vezes também supri


mir totalmente, urna serie de direitos civis consiste em sub-
meter praticamente todss as organizagóes do Estado ás dire-
trizes políticas do Partido que governa, e ás decisóes de pes
soas influentes e poderosas. A Constituicáo tchecosloveca,
assim como outras leis e normas do Direito, nao regulamen-
tam nem o conteúdo e a forma, nem a aplicagáo de semelhan
tes decisoes. Tais decisóes sao tomadas prevalentemente nos
bastidores e muitas vezes só oralmente, de modo que os ci
dadáos as ignoram e nao as podem controlar. Os autores des-
sas determinagóes vém a ter responsabilidade táo somente
diante de si e da sua própria hierarquia. Nao obstante, exer-
cem, dessa maneira, influencia decisiva sobre a atividade dos
órgáos leaislativos e executivos da administragao pública, das
orqanizaqóes de justiga, de economía e interesses diversos ;
influem também terminantemente sobre organizagóes soclals,
faccóes políticas, empresas, industrias, instituigóes, fábricas,
escolas e outrss instancias, de tal maneira que as suas dis-
posigdes prevalecem sobre a própria lei. Se, na reivindlcagáo
de seus direitos e deveres, as organizagóes e os cidadáos se
encontram em contradigáo com tais diretrizes, nao se podem

— 306 —
CARTA 77 31

dirigir a alguma instancia suprapartidária, porque nao existe.


Em virtude desta realidade, sao seriamente limitados os direitos
que decorrem dos artigos 21 e 22 do primeiro Pacto (liberdade
de associacáo e proibicáo de qualquer restrigáo em seu exer-
cício), do artigo 25 (direito de participar da gerencia do bem
público) e do artigo 26 (igualdade de todos perante a leí).
Tais circunstancias também ¡mpedem os trabajadores e pro-
fissionais de fundar livremente organizacóes económicas ou
outras para a protecáo de seus interesses comerciáis e sociais
e de exercer livremente o direito de greve (artigo 8, ponto I
do segundo Pacto).

Também sao substancialmente lesados outros direitos


civis, inclusive a proibicáo expressa de 'intervengóes arbitra
rias na vida particular, na familia, no domicilio, e a violacáo
da correspondencia' (artigo 17 do primeiro Pacto), porque o
Ministerio do Interior controla, das mais diversas maneiras, a.
vida dos cidadáos mediante ¡ntervencáo ñas ligacóes telefó
nicas e nos domicilios, praticando a censura da correspon
dencia, a vigilancia pessoal, as perquisigóes de residencias,
estabelecendo urna rede de espides ñas diversas carnadas da
populagáo, recorrendo muitas vezes a inadmissíveis ameagas
ou, ao contrario, a promessas, além de muitas outras formas
de devassar a vida pessoal dos cidadáos. O Ministerio do
Interior intervém freqüentemente ñas decisoes dos emprega
dores, inspira acóes discriminatorias de funcionarios e de
organizagóes, influí na adminístragao dá justiga e dirige cam-
panhas propagandistas dos meios de comunicagáo. Semelhan-
tes atividades nao estáo submetidas á lei, sao secretas e os
cidadáos se véem incapazes de se opor, de algum modo,
ás mesmas.

V¡olo;áo da dignidad© humana

Nos casos de perseguigáo judiciária por motivos políticos,


os órgáos de investigacáo e de justiga lesam os direitos dos
acusados e as possibilidades de defesa dos mesmos, embora
tais direitos e defesa sejam sustentados pelo artigo 14 do
primeiro Pacto assim como por leis tchecoslovacas. Os
homens condenados por tais processos sao tratados ñas pri-
s5es de maneira que fere a dignidade dos detentes, póe em
perlgo a sua integridade física e tende a destrui-los moralmente.
Também é geralmente violado o ponto 2? do artigo 12
do primeiro Pacto, o qual garante ao cidadáo o direito de

— 307 —
J2 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

deixar livremente o seu país. Sob pretexto de 'protegáo da


seguranga nacional' (ponto 3), o exercício desse direito é vin
culado a diversas condigóes inaceitáveis. Também se verificam
criterios arbitrarios para a concessáo de vistos de entrada
a cidadáos de países estrangeiros. Por exemplo, muitos des-
tes sao impedidos de visitar a Tchecoslováquia somente por
estarem em relacóes de amizade ou de caráter profrssional
com pessoas vítimas de discríminacao entre nos.

Numerosos cidadáos denunciam — em particular ou em


seu local de trabalho ou mesmo publicamente (o que pratica-
mente só é possível através de meios de comunicagáo estran
geiros) — a violacáo sistemática dos direitos humanos e das
liberdades democráticas, e exigem protecáo em casos con
cretos. Na maioria dos casos, os seus protestos nao tem eco
algum ou mesmo eles próprios sao submetidos a inquéritos.

A responsabiiidade pela promocáo dos direitos dos cida


dáos no país é de competencia indiscutível do poder político
oficial. Mas nao somente deste. Cada cidadáo tem sua parte
de responsabiiidade pela ordem pública e também pela apli-
cacao dos Pactos firmados, os quais por ísto nao obrigam
somente aos Governos, mas também a todos os cidadáos. A
■consciéncia desta corresponsabilidade, a fé no valor do com-
promisso civil, o propósito e a urgencia de encontrar novas
e mais eficazes expressdes da aplicacáo de tais Pactos nos
levaram á decisáo de constituir 'Carta 77', cujo nascimento
hoje damos a conhecer ao público.

Carta 77 é urna associagjio livre, informal e aberta, cons


tituida por homens de diferentes condigóes, diferentes reli
gues e diferentes profissoes, vinculados pela vontade de
comprometer-se, cada qual e todos, em favor do respeito aos
direitos humanos e civis em nosso país e no mundo. Tais
direitos foram reconhecidos á pessoa humana por dois Pactos
internacionais publicamente firmados, pelo ato conclusivo da
Conferencia de Helsinki e por outros numerosos documentos
internacionais dirigidos contra a guerra, o uso da torga, a
opressáo social e espiritual. Os mesmos direitos encontraram
a sua expressáo adequada e global na 'Declaracáo Universal
dos Direitos do Homem' das Nagoes Unidas.

— 308 —
CARTA 77 33

No terreno da solidaríedade

Carta 77 se apoia no terreno da solidariedade e da ami-


zade entre homens movidos pela preocupacáo ■comum de zelar
por um ideal ao qual associaram e associam a sua vida e o
seu trabalho.

Carta 77 nao é urna orqanizagáo: carece de estatutos,


de órgáos permanentes e de membros jurídicamente regis
trados. A Carta 77 pertence quem quer que concorde com os
seus ideáis, participe das suas atividades e as promova.

Carta 77 nao é um núcleo de atividades políticas de opo-


sicáo. Tenciona servir aos interesses da comunidade, como
muitas outras iniciativas civis em diversos países do Oriente
e do Ocidente. Nao pretende sustentar programas próprios
de reformas ou transformacóes políticas ou sociais, mas, no
ámbito de suas atividades, tem em mira prattcar um diálogo
construtivo com o poder político e estatal, principalmente
mediante a denuncia de casos concretos de vioiacáo dos direi
tos humanos e civis, a preparacáo da documentacáo corres
pondente, a proposta de solugdes e a dífusáo de diversos
projetos que tendem a maior valorizacáo desses direitos e de
suas garantías; assim Carta 77 poderá fazer as vezes de
mediadora em situacóes conflitivss causadas pela oposicio
a esses mencionados direitos.

Mediante o seu número simbólico, Carta 77 dá énfase


ao fato de que ela comeca a existir no inicio de um ano que
foi declarado 'Ano dos direitos dos prisioneiros políticos' e
no decorrer do qual a Conferencia, de Belgrado deverá exa
minar o cumprimento dos compromissos de Helsinki.

Como signatarios deste Manifestó, confiamos ao profes-


sor Dr. Jiri Hajek, ao Dr. Vaclev Havel e ao professor Dr. Jan
Patocks a missáo de porta-vozes de Carta 77. Estes porta-
-vozes gozam de plenos poderes para representar Carta 77
tanto junto ás organizares estatais e outras, como junto á
opiniáo pública do interior do país e do estrangeiro; poderao
outrossim garantir com a sua assinatura a autenticidade dos
documentos de Carta 77. Encontraráo em nos e em outros
cidadios que se Ihes associem, colaboradores que com eies
levaráo a termo as iniciativas necessárias, assumiráo missoes
particulares e compartilharáo as suas responsabilidades.

— 309 —
! 34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 211/1977

Exprimimos a confianga de que Carta 77 venha a contri-


1 bu ir para que na Tchecoslováquia todos os cidadáos possam
i viver e trabalhar como homens livres.

Praga, 1"? de Janeiro de 1977"

Vejamos agora algo da ressonáncia provocada por este


importante documento.

2. Ecos de Carta 77

1. Na Tchecoslováquia, a Carta suscitou fortes represa


lias e contestacóes por parte do Governo. O escritor Dr. Vac-
lev Havel e outros signatarios forana presos sob protexto de
exercerem atividades subversivas; de outro lado, os quinze
mais prováveis redatores do documento foram submetidos a
repetidos controles e interrogatorios por parte da Policía. O
Governo pretende inocentar-se das acusagóes que lhe foram
feitas.

2. No estrangeiro, Carta 77 encontrou, de modo geral,


favorável repercussáo. Da Hungría, por exemplo, recebeu a
adesáo de trinta personalidades de primeiro plano, entre as
quais o ex-Primeiro Ministro Andras Hegedus, como também
varios filósofos e sociólogos da escola de Gyorgy Lukacs.

Abaixo transcreveremos em tradugáo brasileira a Carta


do Conselho das Igrejas da Holanda ao Secretario Geral do
Partido Comunista Tchecoslovaco, carta alusiva ao documento
de Praga {V/l/11):

"Amersfort, 1? de fevereiro de 1977

Ao Dr. Gustav Husak,


Secretario Geral do Partido Comunista Tchecoslovaco
Praga 1
HRAD TCHECOSLOVÁQUIA

Sr. Secretario Geral,

No inicio de Janeiro deste ano, tomamos conhecimento


do Manifestó do Grupo 'Carta 77'. Julgamos poder afirmar
que se trata de um grupo informal e aberto, constituido de

— 310 —
CARTA 77 35

homens e de mulheres de diferentes conviccoes e crengas


religiosas, que, unidos por motivagáo comum, se consagram
— pessoalmente e, também, na sua qualidade de membros
do Grupo —- á defesa e ao respeito dos direitos humanos e
civis na Tchecoslováquia e no mundo, de modo geral.

Invocam direitos que sao garantidos pela Declaracao In


ternacional dos Direitos Civis e Políticos e pela Declaracáo
Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturáis.
Recordamo-vos que essas duas Declaracoes foram assinadas
por vosso país em 1968, ratificadas em 1975, e que entraram
oficialmente em vigor no ano de 1976.

Importante número de cidadaos do vosso país, inclusive


intelectuais, funcionarios e operarios, em seus manifestos
apoiam-se precisamente sobre esses tratados ¡nternacionais
referentes aos direitos humanos fundamentáis, assinados pela
Tchecoslováquia.

Entre a assinatura do documento final de Helsinki e a


avaliacáo da sua aplicacáo em Belgrado no mes de junho
de 1977, Carta 77 é um dos acontecimentos positivos que se
seguiram aos acordos de Helsinki. Merece grande atencao
também da parte dos outros países — tanto do Oriente como
do Ocidente — que assinaram o documento de Helsinki.

O texto desse manifestó é ¡mpressionante exemplo da


maneira como homens e mulheres podem, em condicoes es
peciáis, invocar acordos internacionais relativos aos direitos
do homem.

Todavia a reagáo do Govemo tchecoslovaco diante de


Carta 77 nao só nos surpreende, mas também nos decepciona
profundamente.

Se bem que os signatarios dessa Declaragáo pedissem


legítimamente fossem respeitadas as convengóes internacio
nais, muitos dentre eles foram temporariamente detidos e inter
rogados pela policía. A imprensa oficial do vosso país acusa-os
até mesmo de terem contatos clandestinos com o estrangeiro.
Operarios e funcionarios sao constrangidos a denunciar
Carta 77, embora o seu texto ainda nao tenha sido publicado
oficialmente na Tchecoslováquia.

— 311 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

O Conselho das Igrejas da Holanda, do qual faz parte a


' Igreja Católica Romana, vos pede instantemente levéis a serio
o Manifestó do Grupo 'Carta 77', cesseis de intimidar seus
signatarios, e, antes, entréis em diálogo -com estes.

O apelo que vos dirigimos nao é, de modo nenhum, ins


pirado por julgamento unilateral e negativo sobre o respeito
aos direitos do homem nos países socialistas. O Conselho das
Igrejas da Holanda, que vos dirige este apelo, já interveio
claramente em outras ocasióes a respeito dos direitos do
homem em outros países, principalmente no Chile, na África
do Sul e no Brasil.

Em nome do Conselho das igrejas da Holanda,

Prof. Dr. H. Berkhof, presidente

Prof. Dr. H. A. M. Fiolet, Secretario Geral"

Passemos agora a urna

3. Conclusño

A Carta 77 constituí auténtico brado de pensadores em


prol dos direitos mais fundamentáis da pessoa humana; nao
é senáo o eco de documento assinado pela totalidade ou quase
totalidade dos povos da térra com o título «Declaragáo Uni
versal dos Direitos Humanos», promulgada pela Organizagáo
das Nagóes Unidas aos 10 de dezembro de 1948. Em 1975
representantes de países europeus e dbs Estados Unidos da
América do Norte, reunidos na Conferencia de Helsinki (Fin
landia), assinaram documento que fazia eco ao da ONU.

Merece admiragáo a coragem dos signatarios da Carta 77,


que — pode-se dizer — representan! genuinamente o povo
tchecoslovaco. Com efeito, este já tentou liberalizar o seu
regime estatal e implantar condigóes de maior respeito á
pessoa humana na chamada «primavera de Praga» (1968);
contudo esta foi sufocada pela invasáo dos tanques soviéticos
ocorrida naquele país em agosto do mesmo ano. A nova onda
de ideología comunista na Tchecoslováquia, após quase nove
anos de governo, nao conseguiu satisfazer aos anseios do povo
daquela nagáo, de modo que sabiamente os seus represen-

— 312 —
CARTA 77 37

tantes mais abalizados em 1977 levantam a voz em nome dos


valores do homem, que váo sendo conculcados pelo comu
nismo. O protesto da Carta 77, assim como os demais que,
partindo dos países dominados pelo comunismo, chegam ao
Ocidente, constituem urna interpelagáo aos povos livres, a
fim de que se interessem pela sorte dos amordacados e cola-
borem para a sua libertagáo. Tenha-se em vista, entre outros
casos, o de Andrei Sakharov, que, em seu livro «Meu país
e o mundo», descreve a triste situagáo do povo russo, e pede
aos pensadores do Ocidente queiram contribuir para o alivio
de tais condigóes de vida; cf. PR 209/1977, pp. 187-201.

O historiador tcheco Vilem Precan, desde 1976 exilado


na Alemanha Ocidental, escreveu em artigo publicado pelo
«Jornal do Brasil» aos 24/IV/77, cad. I, p. 11, as seguintes
linhas:

"A luta só pode ter éxito se os países livres do mundo emprestaren!


seu apoio aqueles que, na Tchecoslováquia, nao desejam que seu país
continué sendo um iceberg de opressao e falta de liberdade no coracáo
da Europa".

Possa esse apoio solidario e fraterno ser expresso por


numerosas vozes abalizadas e corajosas como a dos signata
rios da Carta do Conselho das Igrejas da Holanda atrás
transcrita!

— 313 —
Ainda urna religiáo japonesa:

a seicho-no-ié
que nos diz?

Em síntese: A Seicho-No-lé é urna das cento e trinta novas rellgiees


do Japáo, fundada em 1930 pelo líder Masaharu Taniguchi. A sua doutrina
resume-se em tres principáis proposicdes: 1) A materia nao tem exis
tencia real; só existe a realidade espiritual; 2) O mal nao existe; é pura
ilusio da mente humana; 3) O pecado também nSo existe ; é mera ilusáo.

Ora quem afirma tais coisas, é que parece realmente estar sendo
vftima da maior de todas as ilusdes, pois a sadia lógica dos homens em
geral nao hesita em professar que a materia e o mal (se n8o também o
pecado) existem, e marcam profundamente a existencia do homem. é, por
certo, o exiguo conhecimento da fé católica que ocasiona sejam muitos
fiéis católicos atraídos por novas formas de religiáo.

Comentario: O Japáo tem estendido até o Brasil nao


somente a inñuéncia de sua industriosidade, mas também a
de suas crengas religiosas (embora o cidadáo japonés seja
tido como religiosamente indiferente). E — coisa curiosa!
— no Brasil quem mais adere as proposigóes das religióes
japonesas, nao sao os japoneses, mas os brasileiros de origem
nao japonesa — o que é significativo índice do senso reli
gioso de nossa gente.

Em PR já comentamos a mensagem da chamada «Igreja


Messiánica Mundial» (cf. PR 208/1977, pp. 143-152), bem
como a da «Perfect Liberty» (cf. 205/1977, pp. 27-36). Pas-
samos agora á Seicho-No-lé... E, a fim de mais abalizada-
mente elucidar o assunto, transcreveremos um artigo redi-
gido por Frei Lino Vonbommel, missionário da Missáo Japo
nesa no Brasil; o artigo foi publicado no jornal «Lar Cató
lico» de Juiz de Fora (MG) aos 27/6/76.

— 314 —
SEICHONO-IÉ 39

1. Seidio-No-lé ou Lar do Progredir Infinito

«Seicho-No-Ié» é religiáo ou apenas um movimento filo-


sófico-cultural que cura doencas? Como católico, posso fre-
qüentar a Seicho-No-Ié? Se lá se fala tanto de Cristo, entáo
nao pode haver nenhum mal. O Sr. nao acha?»

Perguntas e afirmacóes semelhantes já me foram feitas


muitas vezes por parte de católicos da colonia japonesa e
outros brasileiros, á procura de melhores informagóes sobre a
Seicho-No-Ié. Nestas rápidas linhas, procuro langar algum
esclarecimento, embora reconheca a dificuldade desta tarefa,
já que estamos numa época de ecumenismo, de uniáo e de
amor.

O Japáo é conhecido como a térra do Budismo, do Xin-


toismo e do Confudonismo. Contudo nestas últimas décadas
está surgindo urna infinidade de novos movimentos religiosos,
conhecidos como as 'novas religióes do Japáo'. Só nos últi
mos sessenta anos cerca de cento e trinta dessas religiSes fo
ram registradas perante o governo japonés. Muitas délas já
estáo radicadas no Brasil.

As novas religióes sao geralmente bastante ecléticas:


elementos do Budismo, do Xintoísmo e do Cristianismo sao
temperados com elementos filosóficos, psicológicos e científi
cos de autores modernos. Praticamente todas elas dáo grande
destaque teórico e prático as causas das doencas e propóem
métodos simples e eficazes para a cura das doencas físicas e
mentáis. Por isso se compreende fácilmente a sua populari-
dade para o homem moderno, em procura de urna rápida,
receita para os males do corpo e as afligóes do espirito.

Masaharu Taniguchi é o fundador e o grande líder da


Seicho-No-Ié. Iniciou o movimento em 1930, com a publica-
cáo da revista da Seicho-No-Ié, que significa: a Casa da Ple-
nitudc, isto é, a casa onde se encontram Vida, Amor, Sabe-
doria, Abundancia e todos os demais bens em grau infinito.
Torrentes de escritos, em forma de periódicos ou livros, foram
jorrando da pena de Taniguchi e da Editora por ele fun
dada. Além disso, o fundador viaja muito, tendo proferido
muitas palestras em Sao Paulo e outras cidades do Brasil.

— 315 —
JO «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977
I

2. A tfoufrina da Seieho-No-lé

Como o fundador ainda vive, sua doutrina sofre urna


natural evolugáo. Se nos inicios a Seicho-No-16 tinha a colo-
rac.áo de um simples movimento filosófico, psicológico e cul
tural para a disseminacáo de certas verdades, foi adquirindo
aos poucos as características de verdadeira religiáo. Na dé
cada de 1940 foi registrada como religiáo perante o Governo
. japonés. A Seicho-No-Ié tem atualmente o seu Deus, a sua
Biblia (Seimei no Jisso) com suas doutrinas, seu culto, suas
oraches e seu grande profeta.1

A Seicho-No-Ié é a mais eclética de todas as novas reli-


gióes. Constituí um amalgama das grandes religióes tradi-
cionais com o Cristianismo, com psicología, filosofía, medicina
e literatura moderna. Já a chamam de 'armazem religioso',
urna especie de supermercado, onde cada qual poderá encon
trar a seu gosto um pouco de tudo!

Eis os seus principáis artigos de fé:

1) A materia nao tem existencia real. Só existe a rea-


lidade espiritual.

Esta parece constituir a posic.áo fundamental da Seicho-


-No-Ié. As formas físicas, materiais, nao passam de 'sombras
da luz celeste a refletir-se sobre a térra'. Muitas vezes o
mundo material é comparado a um filme que vai passando
diante dos olhos. Para Taniguchi, tudo o que acontece no
mundo do material é mero reflexo da mente. Tudo depende
da mente do homem. Descobrir o verdadeiro mundo que se
esconde atrás da ilusoria aparéncia material, é urna das prin
cipáis tarefas da Seicho-No-Ie.

2) Consecuencia: O mal nao existe; é pura ilusáo, pro-


duto da mente humana.

Portante, a doenga nao existe, a doenga é irreal. 'Doen-


cas e desgrasas aparecem porque a mente do individuo nao
está em sintonia com as ondas de pensamento do universo de
Deus', Afirma Taniguchi que de tanto pensar que comer
demais dá dor de barriga, que molhar-se produz resfriado e
que os bacilos atacam o homem, o homem acaba sofrendo

— 316 —
SEICHO NO-IE 41

mdigestao, se resfria e adoece. É, pois, o homem que cria


sua doenca ou sua saúde, conforme os pensamentos que tiver
Para quem cultiva pensamentos positivos, todas as doencas
desaparecem e o homem é feliz!

3) O pecado também nao existe: é irreal, pura ilusao.


Taniguchi acha que um dos maiores males é o fato de
os homens se considerarem pecadores. É preciso apenas tirar
da mente a idéia de pecado, produto falso da mente, para o
homem ser perfeito e puro como Deus o criou.

Desta forma a Seicho-No-Ié nega a existencia real do


mundo material e a existencia de qualquer mal. Nesta pers
pectiva de um idealismo absoluto, Taniguchi interpreta tudo,
inclusive as palavras de Cristo.

Os livros e revistas da Seicho-No-Ié estáo repletos de


relatos de curas milagrosas. O fundador chegou a afirmar
que a Seicho-No-Ié é superior ao Cristianismo pelo fato de
produzir mais e maiores milagres que o próprio Cristo. Nou-
tra ocasiáo, para mostrar a superioridade da Seicho-No-Ié,
afirma: 'Nos vemos ñas profundezas de Buda e ñas profun-
dezas, do Deus Cristio um Deus ilimitado, o Deus da Seicho-
-No-Ié, que até agora ainda nao foi revelado'.

3. Conclusao

Um bom número de católicos indecisos e de pouca for-


macáo freqüentam a Seicho-No-Ié. Alguns chegam ao absurdo
de afirmar que lá, na Seicho-No-Ié, chegaram a compreender
em profundidade a doutrina crista!...

Lembramos aos fiéis que nao temos a pretensáo de negar


tudo o que a Seicho-No-Ié afirma. Sabemos, por exemplo,
que a mente exerce urna fungáo muito importante na saúde
física e espiritual do homem. Negar, contudo, como faz a
Seicho-No-Ié, a experiencia da materia e todo o mal, inclu
sive o pecado, nos parece ser a pior de todas as ilusoes!...

Taniguchi cita muito as palavras de Cristo e tem urna


preferencia pelos escritos de Sao Joáo. Contudo, além de
selecionar o que é agradável e o que lhe convém, dá-se ao

— 317 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

direito de interpretar os ensinamentos de Cristo. Coloca de


escanteio as palavras 'duras' do Evangelho.

De tanto insistir no pensamento positivo e em coisas


agradáveis, tem-se a impressáo de que os adeptos ficaráo
fartos de tanto 'acucar'. Alias, Cristo quer que sejamos o
sal da térra... e que anunciemos a verdade nua e crua. Nao
foi apenas para agradar aos nossos ouvidos que Cristo se
encarnou e morreu numa Cruz!

Lembramos aos católicos que a lisonja e as meias-verda-


des podem ser mais perniciosas que urna oposigáo frontal. Os
católicos esclarecidos e convictos nao freqüentam a Seiclio-
-No-Ié, cujos ensinamentos, em boa parte, sao contrarios ao
Evangelho de Cristo.
Frei Lino Vonbommel

(Missionário da MissáJo Japonesa)

O texto de Frei Lino é suficientemente claro para mos


trar que a Seicho-No-Ié, embora atraía adeptos por suas
perspectivas otimistas e alvissareiras, nao resiste ao crivo da
sá razáo. Os fiéis católicos que passam a aderir a tal cor-
rente religiosa, fazem-no, em grande parte, porque desejam
encontrar a solucáo de seus problemas físicos ou moráis sem
terem refletido com a devida atengáo sobre os principios
doutrinários da Seicho-No-Ié; assim a religiáo se toma (como,
infelizmente, em muitos outros casos) um sistema de terapia
física ou mental, que age na base de suas influencias psico
lógicas. Se melhor conhecessem a fé crista, tais católicos
encontrariam nesta a paz, a coragem e a alegría que difícil
mente poderáo achar em outros mananciais!

Esteva*) Bcttcncourt O.S.IÍ.

— 318 —
livros em estante
Teologia para o crlstáo de hoje. Vol. 4: Igreja, misterio de salvacao,
pelo Instituto Diocesano de Ensino Superior de Würzburg. Versáo brasileira
sob a coordenacSo do Pe. Siivino Arnhold. — Ed. Loyola, SSo Paulo 1977,
160x230 mm, 254 pp.

A colecáo ácima enunciada já chega ao seu quarto volume num total


de dez. Tem por objetivo oferecer aprofundamento teológico ao fiel católico
de cultura media, dentro de urna llnha de fidelidade ao magisterio da tgreja.
Embora a obra tenha tido orlgem na Alemanha, os beneméritos tradutores
(jesuítas do Colegio Cristo-Rel, Sao Leopoldo, RS) tém procurado adaptá-la
á realldade brasileira mediante apéndices e indicacao de bibliografía de
língua portuguesa.

O presente volume trata da Igreja, apresentando prlmeiramente um


panorama sucinto da historia da Igreja; nessas páginas (7-64) sSo abor
dados pontos delicados, para os quais se poderla desejar um enfoque um
pouco diverso ou urna explicltacño mals clara; assim, por exemplo, a
p. 41 está dito que "no Concilio de Constanca os tres 'papas' que recla-
mavam para si a legltimldade foram obrigados k renuncia ou foram depos-
tos". Ora esta frase, concisa como é, parece equiparar entre si o Papa
legitimo e os dois antipapas — o que seria erróneo; na verdade, o Papa
legitimo, Gregorio XII, residente em Roma, houve por bem dar legitlmidade
a as8embiela dos blspos reunidos em Constanca; estes aceitaram a decla-
ragBo e o ato respectivos de Gregorio XII; felto Isto, o Pontífice romano
renunclou em 1415, tomando assim vacante a sede papal — o que possl-
bilitou fosse legitima a eleicio de novo Papa (Martinho V) em 1417, após
a renuncia Imposta ou a deposicSo dos dols antlpapas JoSo XXIII e
Bento XIII. Estas minucias dos aconteclmentos año de elevada importancia
para a historia do Papado e para que nao se dd ao concilfarismo os foros
de legitlmidade que nao Ihe competem, mas que os conclliaristas procura-
ram obter para a sua teoría nos séculos XIV e XV. — De passagem, diga-se
que o conclliarismo é a tese que atirmava a supremacía dos Concilios
ecuménicos sobre a autorldade papal. Durante o Grande Cisma do Ocidente
(1378-1409) inultos teólogos pensavam resolver o impasse mediante a reu-
nlSo de todos os blspos em um Concillo ecuménico; este deporia o Papa
legitimo e os antipapas e elegerla novo Pontifico — o que poria flm a
dolorosa dlvIsSo... Todavía o conclliarismo nao correspondía á índole
que Cristo quls atribuir á sua Igreja; equlparava, slm, a Igreja a urna repú
blica, em que a autoridade é delegada pelo povo ou pelos representantes
do povo aos governantes eleitos; na verdade, a autoridade na Igreja vem
do alto; embora tenha seus aspectos humanos, participa da índole sacra
mental que toca á Igreja Intelra.

Em seus demais quadros da historia da Igreja, os autores do volume


souberam ser objetivos e fiéis. Multo importantes sao os mapas e gráficos
próprlos para Ilustrar os acontecimentos narrados. Ao flm de cada licáo
ou capitulo, a obra apresenta exerclclos didátlcos.

Em seu conjunto, mormente na parte propiamente teológica, o llvro


é válido e pode servir á formacSo de norsos fiéis católicos.

As duas faces da Igreja. Ensato de teología política, por Benoit A.


Dumas. TraducSo de Jorge Soares.—Ed. Vozes, Petrópolis 1977, 135x210 nnv
213 pp.

— 319 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 211/1977

0 autor desenvolve a sua concepto de Igreja a partir do problema


social e político. As duas faces da Igreja seriam os ricos e os pobres
(Independentemente das suas crencas religiosas); peto fato de haver essas
duas diversas sortes entre os homens, a Igreja estarla dividida. B. Dumas
professa que desenvolve o seu tema utilizando "modos de pensamento pos-
tos em relevo, sobretudo, pelo marxismo" (p. 21); entre estes, cita o bino
mio "riqueza-pobreza", que, conforme o seu autor, explica melhor os con-
flltos entre os homens do que o binomio "pecado-graca" (p. 22). Por con-
segulnte, diz B. Dumas, a Igreja deveria engajar-se oficialmente pela extln-
93o das classes ou da dlversificacüo entre ricos e pobres (ou, segundo
o autor, entre opressores e oprimidos). O ecumenismo bem entendido seria
nao propriamente a restauracáo da unidade entre os discípulos de Cristo,
mas, sim, a tendencia a superar a dlvlsio existente entre ricos e pobres;
"nao existe hoje ecumenismo vlável sem convergencias ideológicas e polí
ticas" (p. 88). Quanto á ética crista, o autor julga que é, antes do mais,
"socio-económica e política; esta é a esfera da competencia do Evange-
Iho" (p. 198).

O livro deixa o teitor pensativo ou perplexo... É rico em citacoes


e erudicSo; pretende provar o que diz, evitando afirmacdes gratuitas e
bañáis; tem também páginas de mística. Todavía é unilateral, pois se cons-
trói em funcSo do problema sócio-econdmtco, como se os demais, em última
análise, se reduzissem a este. De modo especial, desejamos observar o
que em outras ocasides já temos dito:

a) Nao seria justo identificar entre si, de maneira absoluta, "ricos


e opressores", "pobres e oprimidos". Há, sim, pessoas de posses, que
sociológicamente sao colocadas na classe dos ricos (nem podem deixar
de o ser), mas que, em vez de oprimir, procuram beneficiar os seus seme-
ihantes como instrumentos do Senhor Deus. Há também pessoas ricas que
tém espirito de pobre; nSo podendo despojar-se do seu "status" social,
procuram fazer que este sirva á sociedade; prestam assim um servico que
nao poderiam prestar se nao tivessem seu "status".

b) O engaiamento político é necessário aos cristáos que tenham


vocacSo ou habilidade para isto. É necessário. sim. que a política seja
orientada pelos principios do Evangelho. Ao fiel católico é lícito militar no
Partido que mais Ihe pareca corresponder as exigencias de urna ordem
política crista. Todavia a Igreja como Igreja, ou oficialmente, nSo pode
militar por algum Partido Político; o aue a Igreja pode e deve fazer, é
denunciar os Partidos políticos incompattveis com o programa do Evangelho
(qualquer totalitarismo o é); frente aos demais Partidos, a Iqroja como tal
deve guardar distancia — o que nSo Impede que os fiéis católicos se
alistem no Partido A, B, C... compatlvel com as perspectivas cristas.

c) Sabiamente, o autor combate o erotismo, mas... combate-o como


se estivesse naturalmente associado ao capitalismo, como fruto deste
(pp. 187-190). Ora o erotismo é um mal que emana da próprla natureza
concupiscente e desenfreada do homem; pode, sem dúvida, estar ligado ao
capitalismo explorador; mas nüo é necessarlamente a exoressSo deste:
basta lembrar que foi durante a fase esquerdlsta de Portugal (1975 e 1976)
que o erotismo veio á baila e mais encontrou cultores naquele país.

Em suma, o livro contém algumas páginas interessantes, ao lado de


multas outras que sSo paroláis. O problema das injusticas sociais é certa-
mente grave e deve ser encarado com sinceridade e coragem pelos cris-

— 320 —
taos (sem o que, estes trairiam o Evangelho). Disto, porém, nao se segué
que se possa delinir a mlssao da Igreja precipuamente em funcáo da política
socio-económica, como se as demais tarefas da Igreja se reduzissem a esta
ou decorressem desta.

Filosofía e ciencias huumanas, por Aldo Vannucchi. — Ed. Loyola,


Sao Paulo 1977, 140x210 mm, 145 pp.

Este livro vem a ser urna introdugáo á Fiiosofia. Comeca por urna
apologia do estudo da mesma : em nossos dias o interesse pelas ciencias
exatas e a tecnología é tal que muitos juigam a fiiosofia inútil. Nao obstante,
como dizia Aristóteles, até mesmo para negar o valor da fiiosofia, é pre
ciso ter urna fiiosofia (a fim de demonstrar a inutilidade da fiiosofia). De
resto, qualquer das ciencias naturais ou exatas comeca seu discurso,
dando urna definigáo de si mesma, propondo seu objeto especifico, seus
métodos próprios, suas leis...; o que quer dizer que mesmo no estudo
das ciencias está implicado o cultivo da fiiosofia... É, pois, para lamentar
que em nossas escolas a tendencia ao pragmatismo faga desaparecer o
estudo da filosofía.

Após estas consideragóes iniciáis, o autor aborda alguns problemas


filosóficos (o do ser, o do conhecimento e o do valor). Propóe também o
pensamento de algumas escolas filosóficas de nossos dias, como o mar
xismo, o existencialismo, o personalismo. O livro se encerra mostrando que •
a filosofía e as ciencias humanas, hoje em dia menos valorizadas do que
as ciencias da natureza e a teconologia, interpelam todo homem que estuda,
de tal modo que ninguém se pode furtar a ter interesse por essas expres-
sSes do saber.

O livro se recomenda a quem deseje refletir sobre a escala dos valores


no contexto de nossos dias.

Pastoral universitaria. Lima p'oposta ccicreta, pelo Pe. Enzo Campos,,


Guzzo. Ed. Loyola, S§o Paulo 1977, 140x210 mm, 141 pp.

Este livro tem em mira um campo de agáo apostólica de grande


importancia e ainda muito carente de atengáo sistemática; com efeíto,
encara a juventude universitaria, que amanhá será responsável pelos des
tinos da patria e que hoje aprésenla interrogagóes e exigencias sempre
renovadas. A Pastoral universitaria já floresceu nos bons tempes da AgSo
Católica e, especialmente, da JUC; todavia perdeu a sua vitalidade e
orientacao na década de 60... Hoje em dia existem numerosos grupos
jovens reunidos em torno de paróquias ou colegios, mas difícilmente se
consegue um grupo de cristáos universitarios dispostos para "ver, julgar e
aqir" dentro da piópria Faculdade. O autor, perito no assunto, expóe muito
viva o fielmente o problema que assim se coloca. Annlisa lucidamente as
íuas causas. Delineia as notas que devem caracterizar a espiritualidade de
um cristio universitario (diálogo entre a ciencia e a fé, senso de respon-
sabilidade comunitaria, ética profissional dirigida aos problemas que a técnica
coloca ao homem de hoje...). A seguir, o autor se detém tongamente na
consideragao do que deve ser urna equipe de reflexáo e agao na Universi-
dade. Especialmente interessantes sao as páginas que descrevem as etapas
do procedimento dessa equipe : ver — julgar — agir — lever. Tal foi a
(ática da Acáo Católica, comprovada pelos muitos frutos que deu, e reco
mendada posteriormente pelo Papa Joáo XXIII na encíclica "Mater et Ma-
gistra" n? 236. O Pe. Enzo termina enfatizando a necessidade de uniáo
e cooperagáo entre os grupos jovens católicos, a fim de que, em tudo e
ácima de tudo, tenham em mira um só grande objetivo : apregoar e con
solidar o Reino de Deus, em toda a escala das exigencias da vida de hoje.

E.B.
L7tóLe¿L<j óem A/ome
ESCUTA, DEUS : JAMÁIS FALEI CONTIGO,
HOJE QUERO SAUDAR-TE. BOM DÍA ! COMO VAIS ?
SABES ? DISSERAM QUE TU NAO EXISTES,
E EU, TOLO, ACREDITEI QUE ERA VERDADE.
NUNCA HAVÍA REPARADO A TUA OBRA.
ONTEM Á NOITE, DA TRINCHEIRA RASGADA POR GRANADAS...
VI TEU CEU ESTRELADO.
E COMPREENDI ENTAO QUE ME ENGANARAM.
NAO SEI SE APERTARAS A MINHA MAO.
VOU-TE EXPLICAR E HAS-DE COMPREENDER.
É ENGRACADO: NESTE INFERNO HEDIONDO
ACHEI A LUZ PARA ENXERGAR TEU ROSTO.
DITO ISTO, JA NAO TENHO MUITA COISA A TE CONTAR :
SÓ QUE... QUE... TENHO MUITO PRAZER EM CONHECER-TE.
FAREMOS UM ATAQUE A MEIA-NOITE.
NAO SINTO MEDO, DEUS, SEI QUE TU VELAS...
AH! É O CLARIM! BOM DEUS, DEVO IRME EMBORA.
GOSTEI DE TI, VOU TER SAUDADES... QUERO DIZER :
SERÁ CRUENTA A LUTA. BEM O SABES,
E ESTA NOITE PODE SER QUE EU VA BATER-TE A PORTA !
MUITO AMIGOS, NAO FOMOS, É VERDADE.
MAS... SIM. ESTOU CHORANDO!
VÉS, DEUS, PENSÓ QUE JA NAO SOU TAO MAU.
BEM, DEUS, TENHO DE IR. SORTE ft COISA BEM RARA !
JURO, PORÉM : JA NAO RECEIO A MORTE...

0 autor dente poema, quem o sabe ? Fox encontrado etn pleno campo de
batalha no bolso de um soldado americano deseonheeido. Do rapaz estraca-
Ihado por urna granada restava apenas, intacta, esta folha de vanel...

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