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TEORIAS E PROBLEMÁTICAS DA ANTROPOLOGIA 1

A Antropologia como enquadramento da diferença

Ana Cristina Canhoto Silva


Aluna N.º 27685 – Turma AA2
Com origem etimológica derivada do grego anthropos e logos, respectivamente, homem e
razão, a Antropologia corresponde ao estudo do homem. Define-se como uma ciência que
analisa todas as sociedades humanas, passadas e presentes, abarcando diferentes campos
como a linguística, a estrutura social, os sistemas de crenças, a organização politica, entre
outras.
A Antropologia reconhecida como ciência remonta ao século XIX, no entanto a curiosidade
humana muito cedo suscitou a necessidade de descobrir porque é que os “outros” são
diferentes de “nós” e “nós” deles. Este é o cerne da Antropologia, a compreensão da diferença
cultural, como é vista e representada na relação “nós” e “outros”.
Ao antropólogo é lhe pedido que seja intérprete e tradutor de uma outra cultura, por vezes tão
distinta da dele que somente uma atitude de compreensão da diferença o permitirá. Não se
pode considerar superior, nem pode encarar o “outro” como inferior, apenas porque é
diferente. Não pode negar os seus valores culturais, mas também não pode olhar o “outro”
com juízos de moral. Sabe que o etnocentrismo é algo intrínseco a toda a humanidade e a ele
próprio, mas também a diversidade cultural é algo natural. Portanto, só lhe resta munir-se de
ferramentas que lhe permitam não olhar o “outro” com superioridade. Exige-se então que
assuma uma postura de relativista cultural, que contrarie o seu etnocentrismo, pois poderá
nunca conhecer totalmente o “outro”, mas aprenderá a reconhecê-lo.
No entanto nem sempre assim foi. Não podemos remontar aos últimos dois séculos para
encontrar descrições do olhar sobre o “outro”. Embora, como disciplina das Ciências Sociais,
só tivesse reconhecimento há dois séculos, no entanto muito trabalho etnográfico e
antropológico foi anteriormente realizado.
A descoberta de novas terras e a exploração dos mares, por parte dos europeus, sempre
originou a ambição de conhecer, mas também de conquistar e realizar trocas essencialmente
comerciais. Anexado a estas vontades surgiram relações de hegemonia, fundamentadas no
preconceito e numa profunda incompreensão. Olhar alguém que vivia noutra aldeia, numa
outra cidade, país ou continente, era motivo de suspeita.
Quando se deu o início da descoberta de novos continentes, principalmente com a chegada de
Cristóvão Colombo à América, a noção de humanidade alterou-se na mentalidade do Velho
Continente. Estes viram-se obrigados a repensar o que seriam aqueles povos que habitavam
um terreno no qual não devia existir vida humana. Recriou-se, então, uma nova ideia de
selvagem, nova porque fora transposta do imaginário europeu para o Novo Mundo.
A ideia de selvagem e de bárbaro remonta à Antiga Grécia. Nesta era clássica já se realizava
algum trabalho antropológico, muito embora resumido a um conjunto de deduções abstractas

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sobre a natureza e a existência da humanidade. Na obra Política de Aristóteles sobressalta o
olhar sobre o “outro” diferente do grego da pólis, classificado como bárbaro (Woortmann
2000). E encontra-se nas obras de Heródoto trabalho etnográfico com referências a bárbaros e
selvagens, entre os quais os trogloditas da Etiópia, descritos como «Homens com uma
configuração extraordinária e que na corrida ultrapassam os cavalos.» (Bernardi 2002:167).
Esta fase de curiosidade grega levou à introdução de algumas designações étnicas que ainda
hoje perduram no senso comum.
Posteriormente, na Idade Média, as longas viagens por terra e por mar em direcção ao Oriente
originaram novas descrições ilusórias acerca do “outro”. Nas Viagens de Marco Pólo, a
descrição do “outro” como alguém exótico, que possui «...uma cauda maior que um
palmo...as caudas são grossas como as dos cães.» (Pólo s.d.: 161) é demonstrativo de um
imaginário e uma curiosidade que satisfazia os leitores de romances de cavalaria. Como
também, na mítica lenda de Prestes João, na qual são satisfeitas as mentes da época com a
existência de um rei-sacerdote cristão por entre os pagãos de uma terra que corresponderia à
Etiópia.
Aquando da descoberta da América surge, então, uma nova visão da humanidade. Os dogmas
da Cristandade estavam agora em causa.
Nunca antes se questionara a existência de vida humana no Oriente, ou em África, pois Sem
tinha dado origem aos asiáticos e Cam aos africanos. Como descendentes dos filhos de Noé,
estes povos encaixavam na história divina, eram filhos de Deus. Tal é o caso de Duarte
Barbosa, considerado um percursor do trabalho etnográfico. Na sua obra O Livro de Duarte
Barbosa o olhar sobre o “outro” é mencionado sem questionar a sua origem, nem a sua
organização social ou o seu exotismo. Esta abordagem da diferença, no século XVI e após a
descoberta da América, revela apenas um olhar de estranheza. Uma descrição pormenorizada
das instituições dos povos orientais, sem juízos de valor, com o intuito de informar europeus
que pretendessem viajar para o Oriente e realizar com estes trocas comerciais.
Mas num território, considerado desde a era medieval nos Antípodas e que Santo Agostinho
afirmara não ser possível existir vida humana, tornara-se num problema justificá-la. A não
existência de um quarto filho de Noé que teria habitado tal território, colocava a questão de se
seriam humanos ou não humanos.
Justificava-se o olhar hegemónico europeu sobre os povos asiáticos e africanos através das
ordens papais de evangelizar todos os infiéis. Mas, como seria possível olhar um “outro” que
supostamente não deveria de existir?

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Analisando a Carta de Pêro Vaz de Caminha denota-se o encantamento dos portugueses
perante a diferença. A maravilhosa ideia do Éden e do “Homem inocente” transparece na
mente dos descobridores. Mas este curto momento logo se transformou em algo mais que uma
simples brincadeira, e os índios trazidos para a Europa transfiguraram-se no impedimento de
adquirir riquezas e descobrir o Eldorado. Seriam os índios humanos ou não? (Brito 1983).
No Velho Mundo, as vontades dos soberanos e da Igreja Católica, embora aparentemente
opostos, originaram vários estudos teológicos, que passaram pela definição da posição
jurídica dos índios americanos como súbditos da coroa espanhola, até à decisão se seriam
escravos naturais ou humanos. Para harmonizar vontades de ambas as partes, foi resolvido
aceitar a sua humanidade, justificando assim a cristianização, mantendo a sua escravidão.
Justificar comportamentos diferentes, como a antropofagia e os sacrifícios, como também o
incesto, obrigava a uma justificação que se adequasse a uma identificação europeia. O
percurso que passaria por considerar a não existência de vida nos trópicos, à abordagem de
vida humana questionada como tal, até à aceitação da humanidade dos índios, levou então à
ideia de processo evolutivo. A diferença do “outro”, justificada como alguém que estaria
atrasado no plano da evolução, converteu-se na fundamentação para a sua existência e
evangelização. Se os europeus outrora passaram por uma fase semelhante à dos índios e
“evoluído”, então estes, educados por missionários, poderiam atingir o mesmo grau de
“evolução”.
É, neste campo de trabalho realizado por missionários, que se destacam várias obras de cariz
antropológico. Na procura da doutrinação dos índios e perante a mútua relação “nós” e
“outros”, estes, essencialmente jesuítas, procuraram estar atentos às diferenças culturais. A
tentativa de educar índios e de cristianizá-los passou por uma tentativa de adaptar e realidade
índia às leis cristãs. Não só o missionário europeu considerava o “outro” como diferente,
como este o observava como dissemelhante. Assim, um processo de negociação facilitaria a
conversão destes, pois

«Olhar não é um acto pacífico quando ele passa precisamente no centro de


um incomensurável desequilíbrio de forças. Na realidade, não se trata de
uma civilização a encarar as outras que agora aparecem com valores e
práticas totalmente radicais diferentes, mas sim a total recusa da primeira
em aceitar estas e os homens que as informam.» (Brito 1982: 66).

A falta de dados escritos não nos permite avaliar correctamente qual teria sido a reacção do
índio perante o “outro”, este agora, o europeu. Mas o conhecimento histórico é demonstrativo
do desaparecimento de civilizações ameríndias.

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Na tentativa da não destruição dos povos americanos, que na ideia da Igreja Católica,
corresponderia a menos fieis, o trabalho dos missionários foi, durante vários séculos, uma
tentativa de demonstrar uma ligação entre o Velho Mundo e o Novo Mundo. Este facto
encontra-se descrito na obra do Padre Joseph de Acosta e no Padre Joseph-François Lafitau,
ambos jesuítas.
No século XVI, Acosta escreve um tratado de história cultural das Índias Ocidentais, o qual
incidiu sobre os índios do Peru. Do seu trabalho destaca-se a inserção de uma escala de
progresso dentro do Novo Mundo, na qual os mais bárbaros corresponderiam aos que viviam
na selva e os mais civilizados aos incas. Verifica-se aqui uma semelhança com as ideias da
Igreja na Idade Média, na qual cristãos civilizados correspondiam aos habitantes das urbes, os
rurais eram pagãos e quem vivia nas florestas eram pagãos selvagens.
Não desmentindo Santo Agostinho, apenas adequando as diferenças de costumes e
instituições nas semelhanças do Velho Mundo, Acosta introduziu a ideia de migração. Se fora
possível evangelizar os povos asiáticos e africanos, os infiéis americanos seriam recuperáveis.
Esta abordagem da diferença de Acosta tinha, então, o intuito da justificação dos índios
americanos na Providência Divina e a sua possível salvação.
Em 1724, Lafitau interessa-se pelos usos e costumes dos Iroquois. Descrever a diferença para
este padre, tal como com Acosta, remeteu-se à comparação entre os índios e os europeus.
Denominada Moeures des Sauvages américains comparées aux mœurs des premiers temps,
(Os costumes dos Índios americanos comparados com os costumes dos primeiros tempos)
retrata exactamente a comparação entre os hábitos e práticas dos índios Iroquois com os usos
das Antigas Civilizações. Partindo da ideia de ligação entre os dois mundos, Lafitau justificou
a origem dos índios através do uso do Ginseng, comummente ao utilizado pelos asiáticos.
Estudou ainda os graus de parentesco, como também a sua tecnologia, tendo realizado um
trabalho de comparação sistemática, sendo por tal considerado pelos antropólogos modernos
um percursor da Antropologia. Tal como Acosta, conclui que existem estádios de evolução de
desenvolvimento, inserindo a ideia de escala temporal entre os índios e os gregos selvagens.
Contrariamente a Duarte Barbosa, no qual a diferença é abordada como parte do processo da
realidade, como algo interno e lógico à própria sociedade, estes dois padres assentaram o seu
discurso na necessidade de justificar a diferença dentro do enquadramento global da
Providência Divina. A história da humanidade fundamentava-se na lógica da criação de Deus,
portanto, os índios eram bárbaros porque viviam na selva, mas tinham direito à sua salvação.
Esta abordagem da diferença só se modificou na segunda metade do século XVIII, com as
“Luzes”, quando o homem retirou a Deus o lugar de criador e de centro do mundo e

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preencheu-o com a razão, com a própria humanidade. Sair de um mundo das “trevas”, ou da
ignorância, e entrar no mundo da “luz”, ou da razão, torna-se então motor da história através
da educação. Inicia-se um novo pensamento sobre a diferença, justificada pelo nefasto efeito
do obscurantismo. Olhar o “outro” passou por explicar as suas diferenças externamente,
defendendo a ideia de que as estranhas atitudes derivavam dos efeitos da escravidão dos
costumes. Se a razão era comum a toda a humanidade, a selvajaria só se justificava pela
presença da opressão, da superstição e do obscurantismo.
É, ainda, durante este século que surge a etnologia como campo que estuda o percurso do
homem até à civilização. As expedições às ilhas do Pacífico, ao Brasil e às Antilhas tornam-se
foco de curiosidade. O exotismo continua a marcar esta época, mas a ciência inicia o seu
despertar (Bernardi 2002).
A teoria da evolução de Darwin foi o marco de viragem na concepção de evolução humana.
Este evolucionismo meramente biológico justificava a teoria monogenista na qual o homem
derivava de um único ancestral – o macaco. Mas, tal como se veio a revelar posteriormente na
criação do ramo da Antropologia Física, tornou-se também num argumento lógico para
justificar teorias racistas. A explicação usada para encontrar um elo de ligação entre o macaco
e Homem, ocasionou a inserção do “Homem primitivo”. Alguns destes “Homens primitivos”
progrediriam e tornar-se-iam Homens, outros desapareceriam. No entanto, o evolucionismo
biológico que não se poderia aplicar a costumes. Como disse Lévi-Strauss:

«...os diferentes tipos que constituem a genealogia do cavalo podem ser


classificados numa série evolutiva por duas razões: a primeira consiste no
facto de ser necessário um cavalo para engendrar um cavalo...No entanto,
um machado não dá fisicamente origem a um machado, tal como faz um
animal.» (Lévi-Strauss 2003: 20-21)

Quando a Antropologia se definiu como ciência no século XIX, ficou marcada por estas
ideias darwininanas de evolução. Em jogo encontravam-se dois discursos sobre a diferença: a
diferença física e a diferença cultural da organização social.
De acordo com o evolucionismo, a “evolução” das culturas teria resultado da evolução
biológica, passando por estádios equivalentes. Todas as culturas teriam passado por diferentes
etapas de conhecimento até alcançarem o estádio da cultura ocidental. Sobressai nesta noção
de “evolução” cultural o interesse numa abordagem da diferença justificativa da hegemonia
europeia. Nesta época destacam-se trabalhos no campo do parentesco e da religião. Lewis
Morgan, criador da antropologia social britânica, dedicando-se essencialmente aos estudos da
organização social e parentesco, realizou trabalho entre os índios Iroquois. Para este

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antropólogo, o desenvolvimento histórico das culturas correspondia a três estágios: selvagens
– caçadores e recolectores, bárbaros – ceramistas, agricultores e produtores de materiais
férreos e civilizados – todas as culturas que utilizavam a escrita, máquinas e desenvolviam a
indústria (Bernardi 2002). Como também, Edward Burnett Tylor elaborou uma escala
evolutiva com base na religião, no entanto, foi o primeiro antropólogo a definir o conceito de
cultura. A sua declaração «...que o estudo da cultura humana faz parte das ciências naturais e
não das morais.» (Bernardi 2002:174) originou vária polémica, sendo ainda hoje motivo de
discussão. Desta escola evolucionista destaca-se ainda James Frazer, antropólogo social, cujo
esquema evolutivo apresentava a magia como a «primeira manifestação do espírito humano»
(Bernardi 2002:181) e a partir dela se teriam desenvolvido a religião e por último a ciência.
A maioria dos antropólogos evolucionistas, com a excepção de Morgan, realizaram trabalho
sem recorrer directamente ao olhar. Baseando-se em dados fornecidos por outros, entre os
quais missionários, comerciantes, agentes coloniais, realizaram um trabalho teórico
comparativo, partindo das semelhanças e diferenças entre os grupos sociais. O seu olhar sobre
o “outro” partia do pressuposto de que as sociedades eram organismos naturais em evolução,
nas quais as civilizações correspondiam às sociedades ocidentais, enquanto as restantes
tinham um grau de desenvolvimento inferior.
Embora partissem de pressupostos etnocêntricos, não é possível negar que foram os
evolucionistas os responsáveis pela libertação da mera curiosidade e pela criação do primeiro
paradigma antropológico – o método comparativo. Esta ideia evolucionista está na
actualidade totalmente ultrapassada, embora tenha deixado resquícios no que concerne às
ideias de “raça” utilizada em termos socioculturais.
No final do século XIX, as teses evolucionistas tornam-se alvo de várias críticas,
principalmente no que concerne a falta de critérios mais objectivos, dado que cada autor
utilizava a sua própria intuição para interpretar a diferença. Como também o próprio Tylor
acabou por ponderar a necessidade de procurar novos critérios que garantissem a veracidade
dos factos históricos da “evolução” ao nível cultural (Bernardi 2002).
Então, procurar uma justificação histórica para a diferença tornou-se indispensável. No
entanto, esta interpretação do “outro” continuava a remetê-lo ao primitivismo como mostra da
cultura ocidental antiga. Não se diferenciava do evolucionismo, apenas justificava a diferença
em termos de ciclo, inserindo a ideia de que a história de um povo estaria directamente ligada
à cultura local, através das migrações, criando estratificações.

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No fim do século XIX e princípio do século XX a Antropologia adoptou várias vertentes e
deu origem a várias outras escolas, para além das já ultrapassadas evolucionista e histórico-
cultural. Nestas incluem-se a escola antropológica americana e a escola sociológica francesa.
Na tentativa de contradizer a abordagem da diferença em termos biológicos, Franz Boas
forma a primeira escola antropológica americana. A aceitação do enquadramento da diferença
em termos de cultura torna-se, para este antropólogo numa luta. Totalmente antievolucionista
e antihistoricista, Boas procurou justificar as diferenças em termos da problemática cultural.
A sociobiologia, nos anos 70 do século XIX, tentara legitimar comportamentos sociais através
da explicação biológica e genética. Como produto do colonialismo e das teorias de Darwin, a
“raça” justificava determinados comportamentos mais agressivos. O Culturalismo surge,
então, visando o derrube deste enquadramento biológico da diferença e a sua substituição pela
aceitação da influência da cultura no comportamento humano. Como também os seus
defensores «...os arautos das sociedade indígenas colonizadas, insistindo no direito à plena
expressão e afirmação da individualidade das suas culturas.» (Brito 1983:71).
Através do trabalho de Margaret Mead sobre o comportamento sexual dos samoanos, Franz
Boas tenta legitimar a influência da cultura nas atitudes e comportamentos do homem e da
mulher. Portanto, a natureza humana caracterizava-se por factores inatos e elementos
transmitidos. Questões como o incesto ou determinados comportamentos sexuais, como
também instintos agressivos, considerados naturais, podiam ser modificados através da
cultura. Este trabalho transformou-se numa ferramenta de combate à questão do naturalismo,
como justificativo dos comportamentos sociais, e a noção da relação entre comportamento e
cultura, tendo sido determinante para aplicação de políticas liberais e de intervenção
sociocultural nos Estados Unidos.
Embora Mead tivesse visto o seu trabalho colocado em causa por Derek Freeman, defensor do
naturalismo, este seu modelo só foi abandonado nos anos 30, tendo sido substituído pelo
funcionalismo de Malinowski.
Embora epistemologicamente a noção de relativismo cultural seja atribuída a Kant, e as suas
noções de conhecimento a priori, a Franz Boas se deve a introdução deste postulado no
método de pesquisa antropológico.
Quanto à escola sociológica francesa sobressaem o trabalho de Emile Durkheim junto das
ditas sociedades primitivas e a sua influência como antepassado teórico do funcionalismo.
Partindo da ideia base da epistemologia kantiana, Durkheim rejeita o conceito de tempo como
categorizador e troca-o pela sociedade (Bloch s.d.). As suas obras tornaram-se essenciais na
Antropologia Social, inserindo conceitos fundamentais como divisão de trabalho, integração,

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solidariedade, como também facto social. A este francês, considerado pai da Sociologia, deve-
se a ideia da família e da sociedade não como união de indivíduos, mas como conjunto de
papéis sociais. A diferença não podia ser analisada à luz da comparação entre primitivos e
civilizados, pois só podia ser possível comparar papéis sociais semelhantes. Este é o
fundamento do paradigma funcionalista, apologista das comparações entre instituições e que
enquadra a diferença em termos de papel social. Neste, um indivíduo que exerce uma função
e a executa de forma errada, então, tal facto deve-se a um desgoverno da própria sociedade.
Assim, a feitiçaria justifica-se como lógica quando analisada no sentido que a mesma exerce
na sociedade em que é praticada, e não aos olhos de um individuo em si.
Destaca-se também o trabalho de Marcel Mauss, colaborador de Durkheim, acerca do
princípio da reciprocidade, que acaba por reverter a favor de um paradigma que vacila entre o
funcionalismo e o estruturalismo (Bernardi 2002).
O estrutural-funcionalismo de Radclife-Brown insistia no facto de que a função sustenta a
estrutura social, é ela a responsável pela coesão dentro do sistema de relações sociais. Ao
antropólogo era exigido a dedicação à observação, à descrição e à comparação, como também
à classificação de um «processo da vida social» (Bernardi 2002:198) e não de um indivíduo
ou de uma determinada entidade. Para Malinowski a problemática da estrutura e da função
resolvia-se no conceito de cultura. Para este, a cultura definia-se «...como um todo integrado
ou global, do qual os elementos culturais singulares são as partes constitutivas.» (Bernardi
2002:199), e somente um estudo funcional poderia levar à compreensão da significação destes
elementos.
Num paradigma essencialmente estruturalista baseia-se o trabalho de Evans-Pritchard acerca
do parentesco. Iniciando o seu trabalho de campo entre os Azande e depois com os Nuer,
ambos povos africanos da zona do Sudão, introduz um significado estruturalista no
parentesco, distinguindo clã e linhagem, dois conceitos ainda hoje aceites pela actual
Antropologia (Bernardi 2002).
Nos anos 40 de século XX, a Antropologia adopta um novo paradigma, o estruturalismo.
Fundamentando-se na perspectiva estruturalista da linguística, Claude Lévi-Strauss descreve
os sistemas de parentesco como signos lógicos coerentes com a estrutura do pensamento
humano. Ao enquadrar “nós” e o “outro” como Homens simbólicos, define-os como casos
individuais fruto do espírito humano. Ou seja, as regras estruturantes das culturas existem
apenas na mente humana, pois a estrutura da sociedade é fruto do inconsciente e do sistema
neurológico cerebral. Esta concepção acabou por ser abandonada nos anos 70.

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Nestes três ramos da Antropologia: Biológica, Cultural e Social, destaca-se a abordagem da
diferença nas duas primeiras centrada num estudo ao nível individual, enquanto a
Antropologia Social foca a sua perspectiva no papel social. Poder-se-á afirmar recuperou o
trabalho etnográfico realizado antes do Iluminismo e de Darwin, deixando de se centralizar no
Homem, substituindo-o pela Sociedade.
O fim do colonialismo e da hegemonia europeia obrigou, também, a uma nova concepção do
“outro”. Olhar o “outro” significa vermo-nos a “nós” também. Uma Antropologia que
inicialmente procurava o exotismo e a curiosidade de alguém que lhe era diferente, porque se
encontrava a uma distância espacial e temporal, deixou de ter a mesma significação.
Como afirma Joaquim Pais de Brito, o olhar do período colonialista e da antropologia
funcionalista transformou-se com o aparecimento de novas nações que recusam serem vistas
como vítimas e “primitivas”. Como também já não se vislumbram terras nas quais habitam
homens por descobrir. Portanto, é exigido uma mudança em todos os sentidos, quer ao nível
dos campos de estudo, quer ao nível dos paradigmas adoptados pelo antropólogo. Estas
modificações obrigam a uma reformulação da postura da Antropologia e do antropólogo.
De entre as questões da problemática do enquadramento da Antropologia no estudo da
diferença no tempo actuais, a maior à problemática mantém-se na afirmação de Malinowski:

«A realidade não é um esquema lógico coerente, mas antes uma mistura em


ebulição de princípios em conflito...O verdadeiro problema não é estudar
como a vida humana se submete às regras; na verdade, ela não se submete.
O verdadeiro problema é como as regras se tornam adaptadas à vida»1

BIBLIOGRAFIA:
1
Malinowski (1982) citado por Bernardi (2002) p.201

10
BERNARDI, Bernardo 1982 [1974], Introdução aos Estudos Etno-Antropológicos. Lisboa:
Edições 70.
BLOCH, Maurice s.d., “Que espécie de ser é que os antropólogos assumem estudar. O
exemplo da compreensão do tempo” in FAUSTO, Rui, Rita Marnoto (Coord.), Tempo e
Ciência. Gradiva, 111-143.
BRITO, Joaquim Pais de 1983, “Mudança na Etnologia (Questão do olhar)” in Revista Prelo
N.º 1, 1983. Lisboa: INCM, 63-72.
LÉVI-STRAUSS, Claude 2003, Raça e História. Lisboa: Vega.
WOORTMANN, Klaas 2000, “O selvagem e a História. Heródoto e a questão do Outro”,
http://www.scielo.br/pdf/ra/v43n1/v43n1a01.pdf (acedido em 22 Janeiro 2007).

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