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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
279
Vida em Outros Planetas?

"Marxismo e Socialismo Real"

O Socialismo Real

"A Senhora Aparecida"

"Minhas Vidas"

O Teslemunho do "Reí do Aborto"

"Escola Livre e Gratuita"

"Oracáo de Joáo XXIII pelos Judeus"?

A Meu Irmáo Leonardo

Margo-Abril — 1985
PERGUNTE E RESPONDEREMOS MARCO-ABRIL — 1985

Publicante bimestral N? 279

Diretor-Besponsável: SUMARIO
D. Estévao Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico QUE DEVO CRER? 89
DÍr^tor-Adminlstrador Sempre se pergunta:
D. Hildebrando P. Martins OSB VIDA EM OUTROS PLANETAS? .... 91
Um livro documentado e realista:
«MARXISMO E SOCIALISMO REAL" 101
AdminfetracSo e dlstribulcao:
Aínda o livro de Charbouneau:
Edicdes Lumen Christi
O SOCIALISMO REAL 115
Dom Gerardo, 40 - 5? andar, S/501
Tel.: (021)291-7122 Um livro violento:
«A SEN HORA APARECIDA" 123
i Caixa postal 2666
' 20001 - Rio de Janeiro - RJ A reencarnado mate urna vez:
«MINHAS VIDAS" 1*3
Aínda a questáo candente:
O TESTEMUNHO DO "REÍ
Para pagamento da assinatura DO ABORTO" 152
de 1985 queira depositar a im Entre os dlreitos do homem:
portancia no Banco do Brasil «ESCOLA UVRE E GRATUITA" .... 158
para crédito na Conta Corrente Existe realmente urna
n° 0031.304-1 em nome do Mos- "ORACAO DE JOAO XXIII PELOS
teiro de Sao Bento do Rio de JUDEUS"? 166
Janeiro, pagável na Agencia da Carta aberta a Freí Leonardo Boff
A MEU IRMAO LEONARDO 173
Praga Mauá (n° 0435) ou VALE
LIVROS EM ESTANTE 177
POSTAL na Agencia Central do
Rio de Janeiro.

NO PRÓXIMO NÚMERO

RENOVÉ QUANTO ANTES 280 — Maio-Junho — 1985


A SUA ASSINATURA

Armas atómicas para impedir a guerra? —


Novas técnicas de procriacáo. — O sonho
de balizar o marxismo. — Missao da mulher
COMUNIQUE-NOS QUALQUER
e sacerdocio. — "Quem é a Besta do
MUDANCA DE ENDERECO Apocalipse?" — "Igreja: carlsma e poder". —
"Praxis Crista II".
Composício e Impresas©:
"Marques Saraiva"
Santos Rodrigues, 240
Com aprovacáo eclesiástica
Rio de Janeiro
QUE DEVO CRER?
As «sentengas» na catequese vao sendo disseminadas eni
tanta variedade que muitos fiéis difícilmente sabem o que é de
fé. Eis por que, á guisa de introdugáo deste fascículo, váo aprc-
sentadas as grandes verdades da fé, tais como as ensina a
Santa Igreja Católica.
Cremos em Deus, Criador de todas as coisas, visiveis e
invisiveis. A vida de Deus é táo rica que ela, sem perder a sua
unidade ou sem se repartir, se afirma tres vezes, a saber: no
Pai, no Filho e no Espirito Santo.
Tendo criado o homem, Deus o elevou á filiagáo divina o o
ornamentou com os dons da santidade original. A persistencia
desses dons estava condicionada á fidelidade do homem a um
programa de vida divino. O homem, porém, disse Nao a Deus
por soberba (pecado original originante). Conseqüentemente,
perdeu os dons gratuitos que possuia; a concupiscéndia desorde
nada, a morte e seus precursores (o sofrimento) entraram no
mundo. Os primeiros país, por isto, só puderam transmitir a
seus descendentes a natureza humana destituida dos dons origi
náis; o fato de que toda crianca nasce assim despojada e porta
dora de desordem interior, é chamado «o pecado original
originado».
Deus Pai mandou seu Filho feito homem para assumir a
sorte do homem mortal e redimir do pecado a criatura que se
perderá. Jesús Cristo na cruz ofereceu um sacrificio expiatorio;
a morte o a dor, que eram conseqüóncia do pecado, assumiram
valor positivo, pois Jesús, ressuscitando corporalmente, délas
fez a passagem para a ressurreicáo e a vida gloriosa em favor de
todos os homens.
A obra de Cristo nao foi apenas urna ligáo, mas é um sacra
mento, ou seja, algo que se prolonga alravés dos séculos me
diante sinais sensíveis. Destes, o primeiro é a Igreja: mais do
que a soma de seus membros, a Igreja é o Corpo de Cristo
prolongado (cf. Cl 1,24; ICor 12,12-27) ou é o Cristo presente
entre os seus até a consumagáo dos séculos. As fraquezas dos
membros da Igreja nao impedem a acáo santificadora de Cristo;
dentro da Igreja existe a santidade objetiva de Cristo, mesmo
quando falta a santidade subjetiva dos homens.
A Igreja exerce a sua missáo pregando o Evangelho, apas-
centando o rebanho de Cristo e ministrando os sete sacramentos.
Estes sao sinais que aplicam ao homem individualmente as
gragas da Redengáo; o Batismo é a porta de entrada (umi
auténtica regeneracáo, cf. Jo 3,3.5, e nao apenas matrícula em
urna sociedade humana); a Eucaristía é o ápice da ordem sacra
mental, como perpetuado do sacrificio da Cruz para que todos

— 89 —
os fiéis possam participar do mesmo como oferentes e ofertas.
A Reconciliacio ou Penitencia é o remedio que o cristáo deve
regularmente receber como antídoto do pecado. Os sacra
mentáis (agua benta, imagens e medalhas bentas, rosarios...)
sao elementos sobre os quais a Igreja coloca a sua oragáo
valiosa, pedindo a Deus que todos os que os usarem com fé e
devogáo sejam enriquecidos pelas gracas da Redengáo.
É através da Igreja e do seu magisterio que Cristo continua
a ensinar aos homens. A S. Escritura e a Tradigáo sao auténti
camente interpretadas e transmitidas aos fiéis mediante a pala-
vra da Igreja, a quem Jesús prometeu assisténcia especial para
anunciar a Boa-Nova e para dirimir dúvidas de fé e de moral
(cf. Jo 14,16s; 16,13s).
Cristo deixou á frente da Igreja o Apostólo Pedro e seus
sucessores (cf. Mt 16,16-19; Le 22,31s; Jo 21,15-17), de sorte
que aderir a Cristo implica aderir á Igreja e ao Santo Padre;
este goza de graga particular para desempenhar o seu ministerio.
Mesmo os Papas de vida menos reta nunca ensinaram algo con
tra a fé e a moral da Igreja.
A Igreja tem seu modelo em Maria Santíssima, Virgem
e Máe, que já agora na gloria celeste possui o que a Igreja
possuirá no fim dos tempos. Maria, como Máe da Igreja, é a
grande intercessora em favor dos fiéis (cf. Jo 19,25-27).
Os sacramentos tornam o cristáo filho de Deus, portador
da graca santificante, que é a sementé da gloria futura.
Esta sementé desabrochará na visáo face-a-face do céu; ou,
se for espezinhada, dará lugar á frustraqáo mais cabal, que 6 o
inferno. Se o cristáo nao se purificar dos resquicios do pecado
para poder ver a Deus face-a-face logo após a morte, terá a
ocasiáo de o fazer no purgatorio postumo.
O discípulo de Cristo também eré na comunháo dos santos:
todos os fiéis que comungam com o tesouro dos méritos rie
Cristo, comuneam entre si e podem ser úteis uns aos outros pela
sua santidade de vida e pelas suas preces. Esta comunhán nao
é interrompida pela morte. de modo que os justos na vida pos
tuma podem interceder em prol dos seus irmáos peregrino."? na
térra; o Senhor Deus. fautor da comunháo, se digna revelar-lhes
os nossos anseios neste mundo.
O cristáo eré outrossim na existencia dos anjos bons e maus
(demonios'), sendo que estes sao criaturas originariamente boas
que se perverteram pela soberba.
Sao estas as grandes verdades da fé católica, penhor de
vida em plenitude. Que a Quaresma e o tempo pascal, celebra
dos fielmente por todos os cristáos, lhes obtenham o aumento
de fé e de amor que vem a ser o antegozo, na térra, da bem-
-aventuranga sem fim! e B

— 90 —
PERGUNTE E RESPONDEREMOS.
Ano XXVI — N° 229 — Margo-abril de 1985

Sempre se pergunta:

Vida em Outros Planetas?

Em síntese: A questáo da existencia de planetas habitados nao pode


ser resol vida com precisáo. É certo que as condicóes necessárias para o
surto e a continuidade da vida sao assaz complexas. Como quer que seja,
pode ser que se realizem em alguns planetas dentre a multidáo dos que
existem — e isto mais provavelmente tora do nosso sistema solar do que
dentro deste.

Notemos, alias, que a vida poderia tomar formas diferentes daquelas


que nos conhecemos, formas que nao exigiriam as condicóes da vida na
térra, mas, sim, outras que ignoramos. Do seu lado, a (e nao se opóe á
hipóiese de haver hachantes em outros planetas; o Senhor Oeus só nos
revelou o que interessa diretamente á salvacio dos homens na térra.
Por enquanto, é tudo o que se pode dizer em poucas palavras sobre
assunto ainda muito pouco explorado.

A Vía Láctea, galácia da qual faz parte o planeta Térra,


conta centenas de bilhóes de estrelas. As galácias no universo
perfazem um total de centenas de milhóes. Cada estrela é
comparável ao nosso sol, talvez com alguns planetas a girar
em torno déla.

Daí a pergunta: em táo grande multidáo de planetas, nao


haverá alguns ou muitos que sejam habitados por seres inte
ligentes, com os quais possamos ter relacionamento e inter
cambio? Tais seres nao estariam mais adiantados do que nos
em materia de ciencia e tecnología?

As respostas se dividem: há físicos e astrónomos que,


baseados em cálculos de probabilidade, optam pela afirmativa
e já tentaram estabelecer contato com os possíveis habitantes
de outros planetas. Todavia sao reticentes os biólogos, que
estudam as condicóes necessárias para que haja vida e os
requisitos indispensáveis para o surto da mesma.

— 91 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1935

As páginas seguintes tencionam informar sobre o pro


blema e algumas pistas de solu;áo para o mesmo.

1. O problema

O primeiro ponto a considerar dentro da problemática em


foco refere-se á vida e as condigóes indispensáveis para que
ela possa surgir e durar. Antes, pois, de perguntar se exis
tem planetas habitados, perguntemos se existem astros habitá-
vcis.

A vida é caracterizada por urna certa espontaneidade de


operagóes que se deve a urna reserva de energia do ser vivo.
Essa energia decorre do metabolismo ou das reagóes químicas
que se í'ealizam dentro de um organismo vivo para armazenar
ou utilizar energia; o metabolismo consta de assimilagáo e eli-
minagáo de substancias; ele só é possível mediante a presenga
de carbono e de seus compostos, pois o carbono tem quatro
valencias desiguais, que tornam possivel o metabolismo.

Para que o metabolismo possa oeorrer, requer-se também


um meio ambiente adequado, cujo primeiro componente deve
ser a agua. Esta nao se deve encontrar nem em estado gasoso,
nem em forma sólida de gelo, mas em estado liquido e, por
conseguinte, numa temperatura superior a zero grau centí
grado e assaz inferior a cem graus.

Convém outrossim que exista em torno dessa agua urna


atmosfera estável, rica em oxigonio, dado que a producáo de
energia do ser vivo se faz mediante oxidacáo. Essa oxidacáo
supóe a agáo da clorofila.

Em poucas palavras: deve-se dizer que as condigóes neces-


sárias para que naja, vida, sao a existencia de materia orgá
nica, cujo elemento essencial é o carbono, em ambiente rico
em oxigénio e agua.

Por conseguinte, um astro que carega de um desses ele


mentos — agua liquida, carbono ou materia orgánica, atmos
fera de oxigénio — nao é apto a ser sede de vida.

Posta esta premissa, exduem-se as estrelas (inclusive o


nosso sol), que nao podem abrigar a vida. Esta só pode exis
tir em planetas que girem em torno das estrelas. Ora, como

— 92 —
VIDA EM OUTROS PLANETAS?

nos é muito difícil conhecer os planetas (nao estamos certos


de conhecer todos os planetas do nosso sistema solar), sao
muito limitadas as nossas possibilidades de avaliar a probabi-
lidade de vida fora da Térra.

Detenhamo-nos, porém, sobre as estrelas que podemos ver.


Escolhamos aquelas que podem ter planetas em torno de si,
e vejamos se tais planetas podem reunir as condigóes necessá-
rias para ser habitados por seres vivos.

2. As estrelas inferessantes

As estrelas sao praticamente inumeráveis. A olho nu, po-


dem-se distinguir, no máximo, 7.000, esparsas pela abobada
celeste. Os telescopios mais possantes chegaram a detectar
porto de 6.000.000 de estrelas, áo passo que os cálculos e as
ayaliacóes dos astrónomos chegam a contar varias centenas de
bilhóes de estrelas em nossa galácia, e quantidades proporcio
náis ñas outras galácias. As estrelas sao muito diferentes entre
si. Muitas délas, á primeira vista, parecem pouco acolhedoras
para os planetas.

Entre estas devem ser contadas as estrelas múltiplas,


muito numerosas porque representam 7/10 do conjunto das
estrelas múltiplas. Dois tercos das estrelas múltiplas sao du
plas; as outras sao triplas, quádruplas, quintuplas, ou mesmo
séxtuplas. Sao, todas elas, estrelas nue giram urnas em torno
das outras e. por isto, criam um ambiente muito inóspito para
eventuais planetas.

Existem muitas outras estrelas ditas «variáveis», cujo tama-


nho aumenta e diminui notavelmente, secundo ritmo mais ou
menos rápido; sobem a um total de 4.600. Também sao pouco
propicias á existencia de planetas.

É preciso mencionar outrossim as estrolas aun explodem,


as que estio no comeoo ou no fim da sua evohráo, e, final
mente, as estrelas ditas «ordinarias» (aue se encontram numa
fase mais ou menos adiantada da sua vida normal).
Se a estrela é bem maior do aue o sol, ela evolui rápida
mente: o tempo durante o qual ela queima o seu hidroeénio
sorá breve demais nara que aoareca e se desenvolví a vida
fusta exige al^uns hilhóes de anos nara se formar). Em con-
seqüéncia. nao podem spr aelutinadoras de planetas habitados
as estrelas gigantes azuis e vermelhas.

— 93 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

Se a estrela é pequeña demais, ela logo esgota as suas


reservas de hidrogénio e se transforma em ana branca cada
vez menos brilhante, até tornar-se ana preta. Também estas
nao sao favoráveis á existencia de planetas habitados.

Restam as estrelas medias, as anas amarelas, como o nosso


sol, que evoluem lentamente e sao capazes de consumir vaga
rosamente o seu hidrogénio durante alguns bilhóes de anos
(dez bilhóes, no caso do nosso sol). Estas sao suscetiveis de
ter planetas e de permitir que a vida tenha o tempo necessário
para surgir e evoluir. Todavía parece relativamente exiguo o
número de tais estrelas; os diagramas de Hertzsprung-Russel,
que distribuem todas as estrelas conhecidas segundo o seu
tamanho e a sua cor, reservam espaco assaz limitado as anas
amarelas.

3. Os planetas habitáveis

Concentremo-nos, pois, ñas únicas estrelas que interessam


ao nosso estudo: as anas amarelas. Nem todas tém planetas
e todos os planetas nao podem ser habitáveis; para isto varias
eondigóes sao necessárias, entre as quais o tamanho e a dis
tancia.

Para que urna estrela possa ter planeta, é preciso que, por
ocasiáo da sua formagáo, ela tenha arrastado boa quantidade
de materia consigo e que essa materia, de um lado, nao tenha
sido atraida para o centro da estrela e, de outro lado, nao
tenha escapado da forga de atragáo da estrela. É preciso tam
bém que essa estrela nao seja demasiado antiga ou nao se
tenha formado logo depois do big bang ou da grande explosáo
inicial (ocorrida há cerca de quinze bilhóes de anos).

Quando as galácias se constituiram, eram compostas quase


exclusivamente de hidrogénio com um pouco de helio, e sem
os outros átomos, que sao todos mais pesados. Estes se for-
maram no fim da combustáo de estrelas volumosas para que a
temperatura destas se elevasse a ponto de fundir os átomos de
carbono, nitrogénio, magnesio, ferro... Estes elementos se
espalharam no espago pela explosáo das supernovas. Após

— 94 —
VIDA EM OUTROS PLANETAS?

urnas tantas dessas explosóes, as estrelas que se formam em


tal regiáo, reagrupam os átomos mais ou menos pesados que
entáo podem produzir planetas sólidos.

A massa do planeta é importante, pois déla depende a pos-


stbilidade de reter urna atmosfera. Se for massa pequeña de-
mais, nao a reterá suficientemente; se for grande demais, reté-
-la-á em excesso.

Mercurio, cuja massa é dezoito vezes maior do que a da


Térra, nao reteve atmosfera na sua superficie, e Marte, que
é nove vezes menor, reteve-a insuficientemente, a saber: urna
atmosfera com pressáo 166 vezes menos forte, equivalente nao
a 760 mm de mercurio, mas a 4,5 mm — o que é chamado
«um vacuo grosseiro».

Venus, cuja massa é de 4/5 da massa da Térra, reteve


urna atmosfera abundante. Está mais próxima do sol do que
a Térra (108 em vez de 150 milhóes de km), o que corresponde
a urna influencia do sol quase duas vezes mais forte; donde se
segué que tem urna temperatura de aproximadamente 500"!
Em conseqüéncia, a agua se acha em estado de vapor supe-
raquecido e se dissocia em oxigonio e hidrogénio (este se
perde no espago). O gas carbónico, por isto, aumenta sempre
mais: deixa passar os raios visíveis ou ultra-violetas que aque-
cem os corpos, mas detém os raios infra-vermelhos produzidos
pelos corpos quentes. Em conseqüéncia, o calor se torna cada
vez mais forte, a ponto que o chumbo, o zinco e outros corpos
ai sao líquidos.

O planeta Marte, a uma distancia de 228 milhóes de km,


recebe menos calor do sol, ou seja, 43% menos do que a
Térra recebe. A ausencia de atmosfera faz com que as varia-
cóes diarias de temperatura sejam grandes, chegando a 150°,
com urna media de 90° abaixo de zero. Donde se vé que, ape-
sar de todos os sonhos, nao existem marcianos; é mesmo im-
possivel detectar o mínimo vestigio de vida ou de materia
orgánica. Se Marte fosse um planeta maior, nao seria táo
inóspito para a vida.

Por conseguinte, na medida em que os podemos conhecer,


verificamos que, entre os nove planetas do sistema solar, so-
mente a Térra é habitável. Mercurio e Marte carecem de

— 95 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 229/1985

atmosfera; Júpiter e Saturno nao tém solo; Mercurio e Venus


sao quentes demais, ao passo que Marte e os outros planetas
nao sao suficientemente aquecidos. Tem-se assim a impressáo
de que a Térra apresenta características excelentes e raras e
os planetas habitáveis nao sao talvez táo numerosos no uni
verso.

4. Os planetas habitados

Todo planeta habitável nao é necessariamente habitado,


pois é preciso que a vida ai surja, a menos que venha de fora.
Suponhamos que a vida comece num planeta habitável, com
todas as condigóes favoráveis: agua, temperatura, etc. Veja
mos os elementos que devem ser combinados entre si para
que se possa falar de um ser vivo.

O vívente deve dispor, para agir, de urna reserva de ener-


gia, que ele há de poder utilizar nos momentos oportunos. Em
vista disto, sobre a Térra os organismos vivos utilizam enzi
mas. Estas sao atuantes, mas frágeis; sao construidas de acordó
com as necessidades, segundo um programa especial para cada
urna délas. Esse programa se sitúa no interior do núcleo, entre
milhares de outros programas nos cromossomos e no ADN.
Logo que surja urna necessidade, a célula encontra o programa
interessante: faz urna copia do mesmo, que se torna urna men-
sagem. Saindo do núcleo, a mensagem é decifrada pelo ribos-
soma, que reúne logo todos os ácidos aminados necessários
(urna centena!) e os arruma, cada qual no seu lugar, em me
nos de um minuto.

A enzima pode entáo agir e realiza sua tarefa gragas a


urna outra serie de operagóes nao menos complexas. Assim
funciona a vida sobre a Térra há mais de um bilháo de anos.

A atividade da clorofila também supóe mecanismos muito


complicados, a tal ponto que nao somos capazes de realizar a
foto-síntese. Contudo esta é indispensável, de modo que ne-
nhum animal poderia subsistir sem ela: já há tres bilhóes de
anos que ela se verifica sobre a Térra. O que mais impressiona
nesses mecanismos, é a sua perfeita coordenagáo e sua efi
ciente colaboragáo, que atestam urna diregáo central e urna
unidade maravilhosa, táo duradoura quanto a existencia do
ser vivo.

— 96 —
VIDA EM OUTROS PLANETAS?

Mais do que as minucias desse maravilhoso aparato, o que


importa é a sua unidade ou a intensa solidariedade que faz cada
pormenor depender de todo o resto.

Que probabilidade existe de vermos aparecer esse conjunto


e essa unidade de um organismo vivo num mundo deserto?
— Alguns astrónomos julgam que esse aparecimento é fácil e
que ele se realiza naturalmente desde que o ambiente nao se
Ihe oponha. Os biólogos sao mais hesitantes; J. Monod, por
exemplo, que procura explicar tudo pelo acaso, detém-se diante
da pergunta: «A vida apareceu sobre a Térra; antes que isto
se desse, qual era a probabilidade de tal ocorréncia? Nao está
excluido que o acontecimento decisivo se tenha dado urna só
vez. Isto significa que as suas probabilidades de antemáo eram
quase nulas». Em tal perspectiva, mesmo se existem milhóes
de planetas habitáveis, que esperanca existe de que haja mui-
tos deles habitados?

Para evitar esta dificuldade, ou ao menos remové-la para


mais longe, alguns admitem que a Térra tenha sido semeada
por seres vivos provenientes de fora. F. Crick, por exemplo,
imagina que seres muito inteligentes teráo enviado urna nave
espacial, de velocidade vertiginosa, que terá viajado milhóes
de anos em diregáo da Térra para aqui depositar gérmens de
vida (o que supóe urna tecnologia muito adiantada!). — Deixe-
mos, porém, de lado a ciencia de fiecáo e reconhegamos seria
mente que a Térra é um planeta altamente aquinhoado no con
junto do universo. O número de planetas onde a vida terá
podido aparecer, é inegavelmente muito exiguo.

5. Temos vizinhos?

Entre os planetas habitados, os únicos que nos interes-


sam realmente sao aqueles em que vivem seres racionáis, mais
ou menos semelhantes a nos, com quem tenhamos alguma pos-
sibilidade de contato.

Todos reconhecem que a evolugáo da vida podia nao ter


chegado até o homem e que o homem pode nao chegar a alta
tecnologia. Se esta existe na Térra, faz parte dos privilegios
do nosso planeta.

— 97 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

A vida sobre a Térra escolheu o ADN como cerne do seu


funcionamento. É provável que outras escolhas fossem possí-
veis, mas a escolha do ADN foi definitiva e o código genético
é praticamente comum a todos os seres vivos que nos conhe-
cemos.

Há 700.000.000 de anos, as células se agruparam para fir


mar um ser vivo: os viventes se diversificaram, de modo que
apareceram diferentes especies de animáis; os vertebrados con-
quistaram nao só os mares, mas a térra sólida. Alguns mamí
feros recém-oriundos foram exterminados pelos dinossauros,
os quais, por sua vez, foram eliminados por um cataclismo
inédito — o que permitiu novo surto e a propagacáo dos
mamíferos.

Nessa historia, há oito milhóes de anos, apareceram os


pré-humanos erguidos sobre os membros traseiros; um deles
sofreu urna mutacáo que o dotou de um cerebro maior. Surgiu
assim o homo habilis e, mais tarde, o homem de Neandertal'.
Toda a humanidade atual descende dcsse primeiro indi
viduo, que, em seus quarenta e seis cromossomos, reuniu todas
as mutacóes que caracterizam hoje cada um dos representantes
da estirpe humana.

A evolugáo dos seres vivos, que chegou até o homem, dá


a impressáo de nao ter sido urna caminhada rotineira, mas
parece, antes, urna cadeía de acontecimentos imprevisíveis e
surpreendentes: nao tem o aspecto de urna estrada larga, mas
o de um atalho cercado de precipicios que poderiam fácilmente
ter tragado o caminheiro.
O surto e a evolugáo da vida sao algo de singular demais
para que possam ser considerados acontecimentos normáis ou
ordinarios. Especialmente o aparecimento do homem é, do
ponto de vista estatístico, algo de totalmente improvável. Se-
riam necessários milhóes de planetas sobre os quais tivesse
aparecido a vida, para termos um no qual a vida chegasse ao
grau «homem».

Alguns astrónomos tentaram todavía entrar em contato


com outros planetas. — Seja mencionado o projeto OZMA
iniciado em 1960. Escolheram a estrela T Ceti, que se encon-

'A doutrina católica aceita a tese da evolucáo aplicada ao corpo


humano (este pode vir de materia viva preexistente), mas afirma que Oeus
cria uma alma espiritual para cada ser humano; tora, pois, criado diretamente
a alma dos primeiros homens logo que os seus organismos tenham tido
condicdes de exercer a vida de um ser humano.

— 98 —
VIDA EM OUTROS PLANETAS? 11

tra a doze anos-luz • da Térra. Suposta a velocidade de nossos


satélites artificiáis, seria necessário mais de um milháo de anos
para chegar lá. Supondo-se que tal estrela tenha planetas e
que esses planetas tenham habitantes, foi-lhe enviada urna
mensagem sobre urna onda de comprimento de vinte e um cen
tímetros (onda do hidrogénio, que é a mais comum ñas galá-
cias); essa mensagem compreendia 1271 (31 x 41) percussóes.
A mensagem pode ter chegado doze anos mais tarde, ou seja,
em 1&72. Levantam-se entáo varias hipóteses concatenadas:
se há algum planeta em torno da estrela T Ceti, se esse pla
neta é habitado por seres inteligentes, se tais habitantes esta-
vam naquele dia á escuta do espaco, se a intensidade da men
sagem ainda era bastante forte, se os matemáticos do lugar
contaram as 1271 percussóes e compreenderam que sao o pro-
duto de 31 e 41.... entáo a mensagem terá sido compreendida
talvez; teráo percebido também a diregáo donde ela provinha
a fim de poder orientar a resposta... Em conseqüéncia, po-
de-se esperar tal resposta em 1985 ou um pouco mais tarde,
se houve dificuldades para decifrar ou se nao puderam loca
lizar com precisño o ponto de partida. Tsto quer dizer que a
esperanca de urna resposta é assaz fraca.

Realizou-se ainda outra tentativa de comunica^ño com


hinotétieos sores inteligentes medíante urna nave esnacial míe,
deno's de t»r visitado Júpiter e Saturno, continua ^ traietória
no espado fora do sistema solar. O astrónomo C. Sagran man
dón colocar nessa nave altrumas mensa<rens. nntre as auais urna
passeto nortadora de um discurso de boas-vinda." do presidente
JimmV Cárter. No caso de nuo os extra-terrostre<? nao enm-
nmenriam o in<?l°s. acrescentaram n desenho do sistema solar,
o de um homem e o de urna mulher.

Tondn rteixartr» o sistema solar, nssn navn viaiará


do anos, talvez bilhñes. sem nada, encontrar. Fxistem
vacuos pn*ro as estrolas e os planftaR sao railhafos de vP7.es
menoría do nue as estroias. — O discurso dn nresidente Cár
ter, nnrtanto. corre o risco de iama'.s ser ouvido.
Em conseqüéncia de tais raciocinios e experiencias, vai
diminuindo a esperanca de entrarmos em contato com seres
extra-terrestres: parece inverossímil a perspectiva de Ihes fazer-
mos visita. — Mas nao poderíamos esperar a vinda deles, su-
pondo-os dotados de melhor tecnología e maior habilidade do

10 ano-luz equivale á distancia percorrida pela luz no vacuo em um


ano. É Igual a 9.461.000.000.000 km ou a 9.461 x 10».

— 99 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 229/1985

que nos?... Os mais ardorosos arautos da pluralidade de mun


dos habitados julgam que nao é possível encontrar tais mun
dos a urna distancia inferior a dez anos-luz, mas que as pro
babilidades aumentam se chegarmos á distancia de cem anos-
-luz. Sendo assim, os extraterrestres, para chegar á Térra,
precisariam de dez milhoes de anos ao menos, percorridos com
a velocidade das nossas naves espaciáis — o que supóe urna
longevidade espantosa.

Para diminuir a duragáo da viagem, podemos imaginar


duas hipóteses: ou se aumentaría a velocidade das naves espa
ciáis em virtude de maior adiantamento da tecnología, ou o
ponto de partida estaría mais próximo da Térra.

Quanto ao aumento da velocidade, verifica-se que a velo


cidade da luz nao bastaría, pois a viagem de ida e volta levaria
aínda duzentos anos; seria preciso ir mil vezes mais depressa
do que a luz para que a viagem durasse apenas alguns meses...

Imaginar um ponto de partida menos distante da Térra


equivale a postular a existencia de planetas próximos de nos
que ainda nao descobrirnos...

Em suma, a ciencia de ficeáo vai construindo suas hipó


teses, nem sempre com grande criatividade; tenha-se em vista
o E.T. do famoso filme!

6. Conclusao

A questáo da existencia de planetas habitados nao pode


ser resolvida com precisáo. É certo que as condigóes necessá-
rias para o surto e a continuidade da vida sao assaz complexas.
Como quer que seja, pode ser que se realizem em alguns pla
netas dentre a multidáo dos que existem.

Notemos, alias: a vida poderia tomar formas diferentes


daquelas que nos conhecemos, formas que nao exigiriam as
condicóes da vida na Térra, mas, sim, outras que ignoramos.

Da parte da fé, nada há que opor á hipótese de haver


outros mundos habitados. A Revelacáo Divina apenas mani-
festou aos homens o que Ihes interessa para a salvagáo eterna.

Por enquanto, é tudo o que se pode dizer em poucas pala-


vras sobre assunto ainda táo pouco explorado.

Este artigo multo deve ao esludo de Jules Charles.S.J., De la plurafltó


des mondes habites, em Eludes, novembro 1983, pp. 471-481.

— 100 —
Um livro documentado e realista:

"Marxismo e Socialismo Real"


por Paul-Eugéne Charbonneau

Em síntese: Na primeira parte do seu livro sobre Marxismo e Socia


lismo Real, o Pe. Paul-Eugéne Charbonneau expde, com preclsfio, as gran
des linhas do pensamento marxista nos selores filosófico, económico, huma-
nista...; para tanto recorre a farta documentacáo. A seguir, desenvolve urna
critica do pensamento marxista, pondo em evidencia a utopia e as incoerén-
cias do sistema: na verdade, a ciencia do século XIX, pela qual Marx jurava,
já nSo é a do século XX; a teoria da mais-valia Implica contradicóes; o
materialismo dlalétlco supóe o pensamento antes do surto do pensamento;
a dialétlca histórica nao se sustenta...

A leltura das páginas de Charbonneau é enriquecedora, pols oferece


sólida argumentaclo filosófica e variados depoimentos de autores dos
séculos XIX/XX.

No artigo segulnte, será analisada a segunda parte do livro, que aborda


a realldade do Socialismo vivido nos países comunistas.

O Pe. Paul-Eugéne Charbonneau acaba de publicar mais


um livro, desta vez sobre o marxismo1. Trata-se de interes-
sante estudo sobre a doutrina (filosofía, economía, sociolo
gía. ..) do marxismo e a realidade concreta do mesmo (Socia-
limo Real). O autor apoia-se em vasta documentacáo, que lhe
permite falar abalizadamente; oferece assim valioso instru
mento de trabalho a quem reflete sobre os rumos que toma
ou possa tomar o continente latino-americano.

Apresentaremos breve síntese do conteúdo do livro, que


compreende duas partes: 1) O Comunismo; 2) o Socialismo
Real. A primeira parte será objeto deste artigo, ao passo que
a segunda será abordada no artigo seguinte.

* Paul-Eugéne Charbonneau, Marxismo e Socialismo Real. — Ed.


Loyola 1984, 138 X 208 mm, 223 pp. Citado como MSR.

— 101 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

1. O Comunismo: exposicao e crítica

O autor expóe o que seja o comunismo em seus diversos


aspectos.

1. O Comunismo

Karl Marx (t 1883) é discípulo de Friederich Hegel


(f 1831) e Ludwig Feuerbach (t 1872).

O primeiro ensinava um monismo idealista panteísta: só


existe urna realidade, que é o Espirito; este acha-se sujeito á
lei da dialética; afirma o Ser (tese), logo depois nega-o (antí-
tose); tal choque se resolve num terceiro momento, que é a
súrtese. Dialética significa precisamente este diálogo (ou dis-
cussáo) do Espirito consigo mesmo.

Feuerbach professou o materialismo, em vez do idealismo:


a Materia é tida como' o ser primordial, do qual o espirito é
apenas urna fase evoluída; o pensamento é o produto mais ele
vado da materia.

Ora Marx herdou o materialismo de Feuerbach e a expli


cado dialética de Hegel, elaborando assim o materialismo
dialético e o materialismo histórico.

1.1. Materialismo d:alé>ico

Segundo Marx, a única realidade é a materia; nao inerte,


mas dinámica, violentamente sacudida por forcas interiores que
a impelem para além de si mesma; daí a evolugáo da historia,
que é sempre progresso, e nao regressáo. A evolugáo da ma
teria ocorre segundo tres leis fundamentáis: a lei da unidade
dos contrarios, a lei da passagem da quantidade á qualidade e
a lei da negacáo da negacáo.

A lei da unidade dos contrarios: tudo o que existe (tese),


tem um correspondente antitético; tese e antítese entrecho-
cam-se, produzüido urna síntese, que é um passo adiante na
mesma diregáo.

A lei da passagem da quantidade para a qualidade» ba-


seando-se no fato da evolugáo, suscita sempre novas qualida-
des da materia.

— 102 —
«MARXISMO E SOCIALISMO REAL» 15

A lei da negagáo da negagáo admite que tudo o que existe


evolui a partir de urna realidade que foi superada ou negada;
todavia esse ser que superou ou negou, traz em si mesmo as
forjas de sua própria destruigáo: «Na historia como na natu-
reza, a podridáo é o laboratorio da vida» (Karl Marx, Le
Capital, t. III, París 1950, p. 181).

Nao somente a natureza, mas também o homem, se explica


por estas tres leis.

1.2. Materialismo histórico

Enquanto o materialismo dialético se refere á natureza ou


aos seres anteriores á agáo do homem, o materialismo histó
rico rege a ac.áo do homem ou a historia.

Para Marx, o homem é essencialmente um ser de neces-


sidades materiais; esta seria a definigáo primordial do ser
humano: «O económico domina toda a vida humana; dele
dependem nao somente a estrutura da sociedade, mas ainda
toda a cultura espiritual: religiáo, filosofía, moral e arte. O
económico é a base; a ideología é apenas a super-estrutura.
Existe um processo socio-económico inevitável, pelo qual tudo
se define» (Nicolai Berdiaev, Les sourccs et le sens du com-
munisme russe. Paris 1963, p. 187).

As necessidades materiais impóem ao homem a troca,


porque sozinho nao dispóe de tudo aquilo de que necessita.
Ora a troca gera a economía. Diz Marx que, para fazer a his
toria, é preciso viver; para viver, é necessário comer; para
comer, urge produzir; para produzir, deve haver divisáo do
trabalho; esta suscita as classes e a luta de classes... (cf.
MSR 35). É nisto que consiste a economía, fator determinante
da historia do homem. Todos os demais valores constituem
urna superestrutura, que depende exclusivamente dos fenóme
nos económicos. Resolver os problemas económicos é, pois,
resolver os problemas da historia; basta dominar o económico
para ter em máos também a historia. Esta, segundo Marx,
se desenrola segundo cinco fases principáis:

1) Fase do aparecimento do homem. Aceitando o evolu


cionismo mecanicista de Charles Darwin (t 1882), Marx afir-
mava que o homem apareceu por si, sem intervengáo de poder
criador divino. O animal simiesco impelido pela urgencia de

— 103 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

satisfazer 'ás suas necessidades naturais, aprendeu a servir-se


de seus membros, a fim de produzir o que lhe faltava; assim
o animal infra-humano tornou-se homem mediante o trabalho:
«O trabalho criou o próprio homem» (cf. Engels, A origem da
familia, da propriedade privada e da Estado. Sao Paulo, s.d.,
p. 171). Na fase inicial da historia nao havia propriedade pri
vada; existia, sim, um comunismo primitivo, que, nao conhe-
cendo a acumulacáo, nao conhecia tampouco a alienagáo.

Segundo as leis darwinianas da selegáo natural e do triunfo


dos mais fortes, deu-se um dia a apropriagáo e, com ela, a
expropriagáo. Um homem que se apropria de alguma coisa,
expropria outro homem. Este foi o pecado original da huma-
nidade: a apropriagáo. Com ela foi consagrada a violencia.

2) A segunda fase da historia é a da Antigüidade. Ex-


pande-se o regime de propriedade privada, que chega até a
escravidáo. A economia é de acumulacáo; as grandes proprie-
dades privadas se tornam hereditarias em virtude do patriar
cado. O desenvolvimento da propriedade particular exige a
criagáo do Estado, defensor e promotor da mesma; o Estado
assegura á classe possuidora o direito de explorar a que nada
possuia.

3) A terceira fase foi a Idade Media. Continuou a explo-


ragáo no regime dos senhores feudais e dos servos da gleba;
senhores e servos eram duas classes em luta. Esta luta fez
explodir os quadros do feudalismo e substitui-lo pela burgue
sía, que, vindo de baixo, tomaria o lugar da nobreza.

4) Proletariado. A burguesía devia engendrar a sua antí-


tese: o proletariado. A sociedade dividiu-se em duas classes,
mais nítidamente opostas do que no passado: a burguesía e o
proletariado. A propriedade privada hipertrofia-se sem cessar;
capitaliza-se, e, em virtude do fenómeno da expropriacáo, há
concentragáo sempre maior dos meios de produgáo ñas máos
dos proprietários, sempre menos numerosos. — Todavia os
proletarios venceráo os burgueses, expropriando-os; poráo fim
á propriedade privada, instaurando o regime do comunismo.

5) Comunismo. Representa a volta á sociedade primi


tiva, que era sem classes. O homem comegará entáo a viver
a sua verdadeira historia, após longa pré-história.

— 104 —
«MARXISMO E SOCIALISMO REAL» 17

O materialismo de Marx, assim concebido, é totalmente


alheio á fé religiosa. A religiáo seria a mais forte forma de
alienasáo. Sao palavras de Marx: «A miseria religiosa é, de
um lado, a expressáo da miseria real e, de outro, o protesto
contra a miseria real. A religiáo é o suspiro da criatura aba
tida pela desgraca, a alma de .um mundo sem conviccáo, bem
como o espirito de urna época sem espirito. É o opio do povo»
(Contributíon a la critique de la philosophie du droit de Hegel,
em Oeuvres philosophiqu.es, t. I, París 1952, p. 84).
Comenta Charbonneau:

«Camus tem, pois, inteira razáo ao escrever que 'o ateísmo


marxista é absoluto'. E o humanismo que pretende dele nascer, só
pode ser de teor ateísta absoluto e intransigente. Simone de Beauvoir,
reflexo do pensamento de Sartre, deixa isso bem claro. Dizia ela: 'A
primeira das desalienacoes do homem é nao acreditar em Deus' (La
cérémonie des adieux. París 1981, p. 558)... Pode-se afirmar, e é
preciso eliminar toda dúvida a respeito, que o ateísmo nao é urna
super-estrutura do marxismo; é absolutamente essencial para ele. Nao
cabe dúvida alguma a esse respeito... Marxismo e religiáo sao tño
incompatíveis como o dia e a noite» (MSR p. 46).

Digamos ainda urna palavra sobre

1.3. A teoría dialétíca da economía

A propósito o pensamento marxista se resume em cinco


tópicos:

«1) o trabalho é a única fon te do valor;

2) o capital é um continuo roubo ao trabalho;

3) o capitalismo se acha em desagrégaselo, conforme a lei da


negacao da negacáo, encaminhando-se para urna fatal proletarizacao
da humanidade;

4) esta fatal proletarizacao levará á vitaría inevitável do


proletariado;

5) para apressar essa vitória, urge criar nos proletarios a cons-


ciencia de classe» (MSR p. 47).

A respeito do primeiro tópico, Marx distingue entre valor


de uso e valor de troca. O valor de uso é o que provém da uti-
lidade; é qualitativo, independente do trabalho, pois intrínseco

— 105 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

ao objeto. O valor de troca é o que o objeto tem no mercado;


é essencialmente quantitativo e extrínseco ao objeto, pois pro-
vém do trabalho que se incorpora nele. Tomem-se como exem-
plos o trigo e o ferro. Cada qual tem seu valor de utilidade,
mas nao há entre eles urna medida conmm que permita com-
pará-los e trocá-los entre si. Para fazer isto, será necessário
atribuir-lhes um denominador comum; este será o trabalho, que
os tornará «objetos trabalhados». Por conseguinte, supondo-se
que sejam necessárias x horas de trabalho para produzir urna
tonelada de trigo, 3 x para urna tonelada de ferro, conclui-se
que será preciso trocar tres toneladas de trigo por urna de
ferro. Desta forma, declara Marx, «o valor de urna merca-
doria está para o valor de qualquer outra mercadoria na razáo
em que o tempo de trabalho necessário á producáo de urna
está para o tempo de trabalho necessário a producáo da outra»
(Le Capital, t. I. París 1949, p. 46). Tal é o valor de troca.
Destas consideracóes deduz Marx o seguinte principio: o único
valor verdadeiro (económico) é o de troca, o qual provém
inteiramente do trabalho. Em conseqüéncia, o trabalhador tem
o direito incontestável de se apropriar de todo esse valor; se
lho contestamos, roubamos o trabalhador.

Acrescenta Marx: o capital é um continuo roubo ao tra


balho, pois é a mais-valia acumulada. E que é mais-valia? É
trabalho nao pago, conforme o seguinte raciocinio: o que o
capitalismo aluga, é a forca de trabalho, da qual dispóe a seu
bel-prazer. Ora a forga de trabalho é alugada em tempo inte
gral. Dá-se entáo o fenómeno seguinte: o operario presta, por
contrato, oito horas de trabalho; destas, quatro lhe bastam
para produzir o valor correspondente ao salario necessário para
sua subsistencia. Nesse momento deveria cessar de trabalhar,
mas nao o pode fazer, porque cedeu ao capitalista a sua forca de
trabalho; em conseqüéncia, o patráo emprega as quatro horas
restantes do operario para seu exclusivo proveito. Esse tempo
suplementar de trabalho nada acarreta para a subsistencia
do operario. É trabalho gratuito que ele presta para compen
sar o privilegio (?) de poder alugar-se ao capital pelas qua
tro primeiras horas (das quais tira a sua subsistencia). Este
sobretrabalho nao remunerado é a base de todo o lucro capita
lista e, portanto, do aumento do capital. Donde, dizia Marx, o
processo de aumento do capital repousa sobre a expoliagáo do
trabalhador.

Voltaremos a este ponto ao propor a avaliacáo do


marxismo.

— 106 —
«MARXISMO E SOCIALISMO REAL» 19

1.4. A moral marxista

O que caracteriza a moral marxista, é a sua relatividade,


pois ela é concebida sobre as bases da economía e da luta de
classes, o que significa:... sobre os interesses do Partido. As-
sim instaura-se o maquiavelismo ético, segundo o qual o fim
justifica os meios; tornam-se entáo legítimos o encarceramento
gratuito, a negagáo dos direitos da pessoa, a destruigáo psí
quica e até o assassinato; os campos de concentragáo com
todos os seus horrores sao assim justificados. Com outras pala-
vras: a ética marxista pode sugerior mesmo o desprezo total
da pessoa humana; um homem só tem direito as dimensóes que
a luta de classes e as necessidades revolucionarias lhe conferem;
é reduzido á condigáo de meio que o Partido utiliza num sen
tido ou noutro, conforme as necessidades da hora.

Na mesma linha de idéias, toda verdade se torna apenas


circunstancial. A verdade é o que serve ao Partido. Em con-
seqüéncia, o mundo marxista é o reino das meias-verdades que
se transformam em dogmas. Dogmas em que os cidadáos
devem crer hoje e que amanhá seráo negados.

«A maior originalidade de Marx está em ter ele sustentado que


a verdade humana nao é nem natural, nem metafísica, e sim política,
no sentido mais forte da palavra, isto é, fundida pela historia» (Jean
Lacroix, Posicóes do Ateísmo Contemporáneo. Sao Paulo 1965, p. 37).

Eis, em síntese, as grandes linhas do sistema marxista.


Interessa agora propor-lhes urna avaliagáo.

2. Crítica do marxismo

2.1. Marxismo e ciencia

No século XIX, em que Marx escreveu, a ciencia era valo


rizada como portadora de certezas absolutas, o que redundava
no «cientismo»; o mecanicismo, o darwinismo afinalista, o ma
terialismo imperavam... Ora Marx julgava encontrar na
ciencia a última palavra para tudo, inclusive para cancelar a
nocáo de Deus.

Em nossos dias, porém, os cientistas reconhecem o signi


ficado relativo da ciencia; quanto mais progride, mais se vé
desafiada por novos problemas, que a obrigam a rever cons-

— 107 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 229/1985

tantamente posigóes antes tidas como inabaláveis. Este fato


compromete e enfraquece o pensamento marxista, a ponto que
Michel Foucault, filósofo estruturalista, pode dizer: «O mar
xismo se encontra no pensamento do século XIX como um
peixe na agua; fora desta, ele para de respirar» (Les mots et
les choses. Paris 1967, p. 274). Diz também Raymond Aron:

«Aceitar que o marxismo, tal como propagado pelos comunistas,


seja a explicacao científica da miseria operario, é confundir a Fisica
de Aristóteles com a de Einstein, ou A Origem das Especies de Darwin
com a biologia moderna» (L'Opium des infellectuels. Parias 1983,
p. 94).

Em conseqüéncia, pode-se dizer que o recurso, instituido


por certos teólogos, á análise marxista como método «cientí
fico» para detectar as origens da iniqüidade social, é algo de
ultrapassado e ineficiente.

2.2. Materialismo e dialética

Marx assumiu de Hegel o conceito de dialética e de Feuer-


bach o de materialismo; aglutinou-os entre si, sem verificar,
porém, que materialismo dialético é algo de contraditório. Com
efeito, a dialética (o poder de afirmar, negar e fazer a sín-
tese) é jogo do pensamento e do espirito, que nao pode ser
atribuido á materia; esta é mecanicista e cega. Observa muito
bem o filósofo russo Nicolau Berdiaev: «Nao pode existir urna
dialética da materia, visto que a dialética supóe o Logos e o
pensamento; só é possível urna dialética do pensamento e do
espirito» (Les sources et le sens du communismc russe. Pa
ris 1963, p. 193). Ou ainda Albert Camus: «Marx nega o
espirito como substancia última e afirma o materialismo his
tórico. Pode-se apontar de imediato... a impossibilidade de
conciliar a dialética e o materialismo. Nao pode haver dialé
tica senáo do pensamento» (citado em MSR p. 67).

Pode-se também dizer que o marxismo «nos obliga a acei


tar o absurdo de um movimento evolutivo admiravelmente bem
pensado, anterior a todo pensamento» (Fernando Bastos de
Avila, citado em MSR, p. 65).
Em conseqüéncia, Raymond Aron nao hesita em afirmar
que «ninguém — fora das escolas do Partido — ainda leva a
serio o materialismo dialético» (Plaidojjfer pour I'Europe deca
dente. Paris, 1977, p. 143).

— 108 —
«MARXISMO E SOCIALISMO REAL» 21

2.3. Dialética e historia

Segundo Marx, a historia procede segundo o ritmo de tese,


antitese e sintese. Logo que a síntese se realize históricamente,
a estrutura por ela produzida se torna, por sua vez, urna posí-
Cáo ou tese, que engendra a sua antitese, donde procede nova
síntese; esta, conforme o processo evocado, vem a ser nova
tese, que provoca antitese e, finalmente, sintese, e assim por
diante, ao infinito. Os comentaristas qualificam tal ritmo
como sendo «de telescopio dialético». Este serve a Marx para
interpretar a historia da humanidade inteira até o advento do
comunismo. Neste momento, porém, a dialética se deterá...
De todas as sinteses realizadas na historia, só o comunismo
nao estará na posicáo de tese, e nao produzirá antitese alguma.
Desta forma aparece no pensamento marxista tima grave con-
tradipáo. O comunismo, fim da alienagáo, seria também o fim
da historia. «Quando Marx faz parar o processo dialético no
triunfo do comunismo, destrói o seu principio e sabota o ma
terialismo histórico. Ou este vale e tem de aplicar-se até o
fim, ou nao se aplica até o fim e perde todo o seu valor»
(MSR, p. 74).

Na verdade, o fato de que nos países comunistas existe


«a nova classe dirigente» (chamada «Nomenklatura» na Rús-
sia Soviética) l vem a ser o comego de urna nova luta histó
rica: a dos administrados contra os burócratas. «Após as lutas
de patróes e escravos, senhores feudais e servos da gleba, bur
gueses e proletarios, urna nova fase estaría em andamento:
burócratas e administrados...» (MSR, p. 75).

Por conseguinte, Marx admite dois postulados que se des-


troem reciprocamente: o do ritmo dialético da historia e o da
gratuita parada da historia com a chegada do comunismo.

Assim vemos que, no plano filosófico, o marxismo é mi


nado pelo mal da contradicáo: contradigáo entre materialismo
e dialética, entre dialética e imobilidade da historia, além de
outras... Tal fato tem levado muitos críticos nao católicos a
severas censuras ao pensamento marxista. Eis algumas destas:

i Cl. Michael Voslensky, A Nomenklatura. Comentarlo em PR 265/1982,


pp. 483-498.

— 109 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

Albert Camus, por exemplo, fala do «monstro lógico»,


que é o marxismo. Hannah Arendt refere-se a essas «teses ma-
nifestamente contraditórias» que Marx foi levado a defender
por ter esposado, sem perceber, posigóes aristotélicas e plató
nicas. A constancia da contradigáo faz que Alexandre Zinoviev
possa caracterizar o marxismo como «um pensamento primi
tivo». Jorge Semprun, no seu romance que é urna das mais
importantes obras criticas ao marxismo e ao socialismo real,
resume a fraqueza da filosofía marxista, falando de «irracio-
nalidade profunda do marxismo» (as fontes se encontram cita
das em MSR p. 81, nota 161).

2.4. A teoría económica marxista

Como dito, Marx distingue valor de uso (ou utilidade) e


valor de troca; cf. pp. 105s. O único valor verdadeiro, valor
económico ou mercante, é o de troca, o qual provém inteira-
mente do trabalho. Ora há nesta afirmagáo duas contradigóes:
— é evidente que existem valores de troca independentes
de qualquer trabalho: os produtos naturais;
— em todo valor de trooa há algo que nao provém do tra
balho e, sim, da natureza. É o que o próprio Marx reconhece:
«O trabalho... nao é a única fonte de valores de uso produ-
zidos por ele ou na riqueza material. Ele é o pai; a térra é a
máe» (Le Capital, t. I, p. 51).

Por conseguinte, o próprio Marx vé-se obrigado a contes


tar a sua afirmagáo inicial. Chega, alias, a sustentar que cer-
tos bens que nao exigem trabalho podem ter prego... mas
nao possuem valor (cf. Histoire des doctrines éoonomiques,
t. IV. París 1947, p. 74) l Ora esta afirmacáo é contraditória,

»A negacfio do valor expresso do dinheiro permltlu a Marx sonhar com


um mundo no qual nao haverla dinheiro. A realidade se encarregou de
mostrar quio Ilusoria era essa pretensSo. Rudolf Bahro denunclou a llusfio;

"A prlmeira descoberla política pós-revoluclonárla na Unlflo Soviética


fol a de que era necessário dinheiro, nem que fosse a titulo meramente
Informaclonal, como sistema de referencia para poder planejar, dirigir e con
trolar o conjunto do processo económico" (L'Altemative. París 1979, p. 125).
Sobre a teoría de Marx referente a dinheiro, Phlllppe Sollers escreve
irónicamente que Marx é "o único especialista brutal do papel-moeda"
(Femínea, Galllmard 1983, p. 271).

— 110 _
«MARXISMO E SOCIALISMO REAL» 23

pois que é o prego senáo a forma monetaria do valor? Logo


nao pode haver prego sem valor. Dadas as restrigóes que ele
mesmo faz, Marx nao está autorizado a identificar valor de
troca e trabalho. Habitualmente o trabalho será o elemento
principal do valor de troca, mas nunca o elemento único; as
vezes, nem sequer participará dele.

Consideremos, por exemplo, que naja necessidade do


mesmo tempo de trabalho para extrair urna tonelada de car-
váo de tipo x e outra de tipo y. Como se sabe, a qualidade de
carváo é muito variável. Estes dois produtos, portante, nao
tém o mesmo valor de troca para o industrial; tai valor depen
derá, sim, da quantidade de trabalho, mas também das quali-
dades físicas e químicas desses dois tipos de carváo. Por con-
seguinte, identificar valor de troca e trabalho, como faz Marx,
é um erro que, desde a raíz, torna falsa a sua teoría económica.

A contradigáo torna-se ainda mais flagrante quando Marx,


após ter limitado o valor de troca ao trabalho sem referencia
ao valor de utilidade, recorre contudo a este para definir o
trabalho que cria o valor de troca. Com efeito; para evitar o
grosseiro erro de atribuir valor a um trabalho feito sem fina-
lidade (como seria o de bater numa pedra o dia inteiro), Marx
fala do trabalho social útil. A utilidade reaparece, pois, e com
ela o valor da utilidade. Neste sentido, o valor de troca nao
faz abstragáo do valor de utilidade, do qual depende por inter
medio do trabalho; isto destrói a atitude de Marx, que rejei-
tava o valor de utilidade para só ficar com o valor de troca.

Em resumo, Marx elimina primeiramente o valor de uti


lidade, retendo apenas o de troca, mas depois, para justificar
a este, vé-se forgado a voltar ao valor de utilidade. Desta ma-
neira, cai em incoeréncia e compromete toda a sua teoría do
valor.

Conseqüentemente, também é invalidada a teoría da mais-


-valia, pilar da economía marxista. Assim cai todo o edificio
da economía socialista. Com efeito; se o valor se deriva nao
somente do trabalho, mas também da utilidade, a mais-valia
nao constituí necesariamente a origem de todo lucro. Supo-
nhamos, por exemplo, que um capitalista forneca agua a um
estabelecimento. Para acionar a bomba que lhe pertence, em-
prega dois homens, cujo trabalho oferece x litros de agua ao
estabelecimento. É claro que há neste caso, conforme a teoría
marxista, urna mais-valia, que representa precisamente o lucro
do capitalista. — Se este, porém, substituir os dois empregados

— 111 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

por dois cávalos que conseguem, gragas ao seu vigor, fomecer


2 x litros de agua, o lucro obtido pelo capitalista será mais
elevado; apesar disto, nao havendo trabalho humano, nao ha-
verá mais-valia no sentido marxiste. Contudo o servigo pres
tado é indubitavelmente mais útil e, por isto, adquire valor de
troca superior, embora a mais-valia tenha desaparecido. O
valor de troca nao está, pois, ligado ao trabalho e pode existir
sem que haja qualquer mais-valia.

Ora, se a teoria da mais-valia é contestável, também a


teoría marxista do lucro o será. Cai, pois, por térra a teoria
de que todo aumento de capital é um roubo.

A experiencia comprova tais conclusóes. O fato mais-


-valia é adotado nos países comunistas. O comunismo russo,
típica encarnagáo das teorías marxistas, tornou-se um capita
lismo de Estado. Escreve Milovan Djillas:

«É certo que o comunismo atual corresponde, em grande parte,


á idéia de um integral capitalismo de Estado» (MSR p. 89).

Segundo Djillas, a revolugáo comunista criou urna nova


ordem, que de comunista só tem o nome e a opressáo.

Erich Fromm, por sua vez, observa:

«O sistema stalinista de ho¡e *, a despeito de conservar os meios


de producáo como propriedade do Estado, está possivelmente mais
próxima das formas primitivas e puramente exploradas do capitalismo
ocidental do que qualquer idéia concebível de urna sociedade socia
lista. Urna luta obcecada pelo avanco industrial, a impiedosa des
considératelo do individuo e a sede de poder pessoal constituem suas
molas mestras» (Psicanálise da sociedade contemporánea. Rio de
Janeiro 1961, p. 242).

Em conseqüéncia, o Estado é o grande capitalista nos paí


ses comunistas, o qual exerce sobre os cidadáos a mesma tira
nía que as empresas capitalistas liberáis. É aínda Djillas quem
escreve:

«A escravidSo da máo-de-obra no regime comunista é o fruto


natural do monopolio que se exerce sobre a maior parte da proprie
dade nacional, e em virlude da qual o trabalhador se vé foreado a

í*feob este aspecto, a época pós-stalinista nao difere da stalinista.

— 112 —
^ «MARXISMO E SOCIALISMO REAL> 25

vender seus bracos e seu cerebro sob condicoes que nao pode discutir,
pois só Ihe é dado aceita-las tais como Ihe sao apresentadas»
(MSRpp. 90$).

Em suma, pode-se dizer que o proletario muda de patráo,


mas nunca deixa de ser proletario ou de estar á mercé daquele
para quem trabalha. Assim a alienacáo capitalista tornou-se
alienagáo marxista. O capitalismo privado foi substituido pelo
capitalismo do Estado, mas permanece o regime capitalista.
A ditadura económica nao desapareceu, nem tampouco a dita-
dura política.

Também no plano internacional o marxismo de nossos


días faz reviver o imperialismo e o colonialismo que Marx
fustigava. O imperialismo russo nao fica atrás daquele que
as grandes potencias ocidentais praticaram. Os países «saté
lites» gravitam em torno da Rússia na órbita do mais puro
colonialismo económico.

Note-se, porém, que a incoeréncia do socialismo real levou


ao menos a um resultado positivo: o direito á propriedade pri
vada vai sendo, aos poucos, reconhecido nos países comunistas;
para cada cidadáo torna-se legítima a propriedade pessoal das
rendas e economías do trabalho, a propriedade da casa de
residencia e de economía doméstica auxiliar, a dos objetos
domésticos e de uso diario, assim como o direito á heranga da
propriedade pessoal. Afirma Henri Chambre:

«Existe na URSS... uma propriedade pessoal, limitada aos bens


de consumo (e até de producao) para o uso pessoal, que nao difere
da propriedade privada ocidental» (Le Marxisme en Unión Soviétique.
Idéologie et Institutions. París 1955, p. 155).

Passemos agora a mais um aspecto do marxismo:

2.5. O humanismo marxista

No panorama marxista, que lugar toca ao homem?


— A teoría marxista dá primazia ao Estado sobre a pes-
soa. Em conseqüéncia, o ser humano, como pessoa, desapa
rece como se fosse uma quantidade desprezível; é um animal
trabalhador, um meio de producao em escala aperfeicoada; é

— 113 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

um individuo da especie, esmagado pelas exigencias dialéticas


de urna revolucáo jamáis terminada; a pessoa é meio, nao
tendo outros direitos senáo os que lhe sao concedidos pelo
Estado.

Nao há dúvida, Marx se interessou profundamente pelo


homem. Todavía trata-se do homem coletivo, ao qual devem
ser sacrificados os individuos. Urna das expressóes mais típi
cas deste sacrificio é a recusa das liberdades fundamentáis do
homem. É possivel que Marx, com base na lei da negacáo da
negacáo e na lei da unidade dos contrarios, tenha acreditado
que o processo dialético normal para chegar a liberdade era
precisamente a negagáo da liberdade; neste caso a ditadura
prepararía a liberdade. Deve-se notar, porém, que nao se salva
a especie senáo salvando a pessoa; nao se respeita o Homem,
senáo respeitando os homens; nao se liberta o ser humano
agrilhoando-o.

De quanto foi dito, depreende-se com clareza que há


incompatibilidade radical entre comunismo e Cristianismo. No
plano da colaboracáo em vista de objetivos bem precisos, per-
guntam os autores se comunistas e cristáos podem mutuamente
dar-se as máos. Emmanuel Mounier responde afirmativamente
desde que se cumpram certas condigóes. Todavía a experiencia
desabona qualquer tipo de conluio entre cristáos e comunistas,
como bem observa Alain Besangon:

«Da minha parte, nunca vi provir da conciliacao algum bem ou


progresso; por este meio mais se ajunta a tolice comum do que a sabe-
doria comum. Espero melhor resultado das oposicóes, sobretudo das
fortemente estabelecidas. Esta é a razao pela qual rejeito a mistura
sem sabor, em que tanto o socialismo como o Cristianismo perdem sua
virtude própria» (Les origines intellectuelles du Léninisme. Paris 1977,
p. 86).

Acompanhando aínda o livro de Charbonneau, passamos,


no artigo seguinte, á análise de alguns tópicos do Socialismo
Real ou do marxismo tal como na prática é vivido pelos povos
que lhe foram submetidos. A realidade concreta confirma a
inviabilidade dos principios e das proposicdes formuladas pela
teoría marxista.

— 114 —
Aínda o llvro de Charbonneau:

0 Socialismo Real

Em sintese: A segunda parte do llvro "Marxismo e Socialismo Real",


do Pe. Paul-Eugéne Charbonneau, considera a realldade do Socialismo apli
cado aos países marxistas. As observacSes do autor sio Incisivas, apontando
nos países da Cortina de Ferro a existencia de um Estado capitalista e
plenipotenciario, que suprime a llberdade de seus súdltos; as condlcOes do
proletariado al nSo sio melhores do que as que Ihe proporclonava o reglme
czarista. O militarismo poderoso, a forte repressfio policial sufocam o pensa-
mento e a atividade dos povos sovietizados; além do qué, o fracasso agrícola
e económico dá margem ao mercado negro e ás tongas filas que os
cldadáos devem enfrentar para adquirir alimentos, vestes e pertences de
primelra necessldade.

O autor, com isto, nfio (endona legitimar os abusos do caplttalismo


liberal e selvagem, mas preconiza a formulacfio de urna tercelra vía que
garanta simultáneamente pao e llberdade a todos os homens.

O Pe. Paul-Eugéne Charbonneau, depois de haver exposto


a teoría marxista, volta-se, em seu livro «Marxismo e Socialismo
Real» :, para a verificagáo do que é o marxismo hoje na rea-
lidade concreta (= Socialismo Real); cfr. pp. 109-223 da obra.
Desta secgáo destacaremos os tópicos mais característicos, que
ilustram a seguinte verificacáo: «Entre Marxismo e Socia
lismo Real Soviético2 há um fosso» (MSR p. 144).

1. Socialismo Real: seu conteúdo

O Pe. Charbonneau enumera diversos elementos constan


tes do Socialismo Real:

1) A permanencia de um capitalismo de Estado.

* Ed. Loyola, Sao Paulo 1984, 138 x 208 mm, 223 pp. Citado como MSR.

* O autor, alias, mostra que nfio so o Socialismo soviético se distancia


do Ideal apregoado por Marx, mas qualquer forma de Socialismo Real.

— 115 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

2) Um golpe brutal a todos os direitos do homem, com o


controle rigoroso de todos os aspectos da existencia das pessoas.

3) Um sistema de Poder único e impenetrável, que tem


a si próprio como urna finalidade.

4) Um dogmatismo intolerante.

5) A estrutura da Igreja do Partido \

6) Urna ideología única definida pelo Estado e cuja im


portancia é enorme.

7) O arbitrio e a infalibilidade do dirigente supremo.

8) Condicóes de vida e de atividade uniformizadas e des


vinculadas de qualquer iniciativa pessoal.

9) Denegacáo de justiga devida á indefinido do Direito.

10) Um sistema económico único, o qual define a priori,


em todos os escaldes, um plano que ignora a concurrencia e
o mercado livre e que só se baseia nos pregos determinados
pelo Poder.

11) A fraqueza relativa, mas constante, da produtivi-


dade.

12) A manutencáo da alienagáo em eonseqüéncia da esta-


tizagáo universal.

13) Um sistema unificado de educagáo.

«O Estado fez-se todo-poderoso contra a pessoa; monopoliza


todos os meios de producao e se faz senhor incontestável de urna eco
nomía cuja producao é de tal natureza .que leva á penuria crónico.
Os campos de prisioneiros estáo superpovoados a tal ponto que se fala,
com razáo, de um universo concentracionário. O proletariado continua
sendo condenado á alienacáo, a liberdade é quase reduzida a nada,
o homem é subjugado como ¡amáis o fora desde os tem pos longínquos
em que a escravidao era parte integrante da civilizacao» (MSR p. 160).

JA estrutura da Igreja Católica é sacramental, ela conlém e transmite


a vida do próprio Cristo; por isto merece respelto religioso. Ora o mesmo
nSo se dá com o Estado comunista; nfio obstante, este arroga a si o respeitq
que só se deve a Deus e as suas obras.
" *

— 116 —
O SOCIALISMO REAL 29

Por conseguinte, no Socialismo Real nao se vé despontar o


advento de urna sociedade livre e sem classes como havia ima
ginado Marx. Em todas as formas do Socialismo Real dá-se a
negacáo do marxismo — o que faz que Marx tenha perdido
a sua credibilidade entre os estudiosos mais críticos. «Alias, o
próprio Marx teve a ver com a preparagáo desse malogro. Pois
'se existe .um principio fundamental de Marx, ele ensina que
nao se deve identificar o ser á palavra, o que é dito ao que é
vivido* (Edgar Morin, Pour sortir du vingtiéme siécle. París
p. 272). É a partir deste principio que o Socialismo Real con
serva as palavras, mas dispensa o vivido... Segué a sugestáo
de Marx, e, mesmo dizendo-se marxista, deixa de o ser» (MSK
p. 159).

2. A Mentira

«O que nos confunde no momento de examinar mais de perto a


Unido Soviética, é que ela se cobriu com um véu que dissimula hábil
mente sua nudez- Daí seu poder de fascinando, que permite que ela
possa engañar até as mais vivas inteligencias (como Romain Rolland,
Gide, o Sartre dos anos 50 e tantos outros até hoje)... Sem dúvida,
é isso que levava Zinoviev a dizer sem dissimulacao: 'Vivemos na
mentira' (Les haufeurs béantes. París 1977, p. 298). Nao em urna
mentira acidental, mas, como reconhecia Sartre, velho e desencantado,
em urna 'mentira institucionalizada'. Trata-se, pois, de urna mentira
permanente, estruturada, tornada intrínseca á forma soviética de Socia
lismo Real» (MSR p. 154).

«Quando se tenta medir a extensáo dessa mentira, fica-se atónito


diante de sua amplitude... Com efeito, sabemos que o Socialismo
Real é o lugar de engaños, de todas as opressóes, de todas as ignomi
nias, de todas a$ torturas, do totalitarismo mais inabalável (visto que
dura desde os coméeos), da 'democracia' do Partido, que dá fatalmente
em candidatos únicos que se sucedem em um balé cujos passos sao
todos objeto de rigorosa coreografía» (p. 154).

3. Liberdode rompida

Dando ao Estado todo poder e ao Partido toda autoridade,


o marxismo conferia-lhes ao mesmo tempo o poder de reduzir
a liberdade de cada individuo. Desde os albores do Socialismo
Real, isto se tornou bem claro: Lenin explicitou essa concep-
cáo em um diálogo significativo reproduzido por Richard Kohn:

— 117 _
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

«A liberdadel Que liberdade? Onde vocé leu que o povo pede


liberdade?

— Mas entáo que pede o seu povo?

— O poder, diz lenin. O povo nao tem necessidade de liberdade;


esta é urna das formas da ditadura burguesa» (La Révolution Russe.
París 1963, p. 315).

Alias, toda a historia russa é regida por governos autori


tarios. O czar Pedro o Grande dizia que o bem-estar e a liber
dade só podiam amolecer as almas, e que um povo feliz é sem-
pre barrigudo e tem o espirito rebelde: donde concluía que só
com urna nació de escravos se pode fazer alta política. Esta
tese parece compartilhada pelos chefes do Socialismo Real, a
ponto que Soljenitsyne pode observar: a única liberdade ver-
dadeiramente respeitada é a de proibir (cf. MSR, p. 170).

De modo especial, a liberdade de pensar é reprimida. Bahro


descreve a situac.áo que decorre desse abuso: «Todo comunista
pensante que encontra dois outros comunistas pensantes para
trocar idéias, deve-se considerar como que atirado na ilega-
lidado com relagáo ao Partido» (L'Alternativo, París 1979,
p. 326). Por esse motivo é suscetível de ser enquadrado no
universo concentracionário. Prisáo, tortura, trabalhos forga-
dos sao o premio da liberdade. Cf. MSR p. 171.

Como a expressáo é a conseqüencia natural do pensamento,


a liberdade de expressáo também é tolhida no Socialismo Real.
Aos trabalhadores o Estado assegura que o Aparelho comu
nista é o único órgáo capaz de conhecer e exprimir suas aspi-
ragóes. Aos tecnocratas explica que só podem operar com a
aprovacáo dos burócratas. E a estes prega a submissáo silen
ciosa e absoluta sob pena de perder seus privilegios e seu lugar
na escala social (cf. MSR' p. 171).

O «monopolio da verdade» permite ao Partido intervir em


todos os setores da cultura e da ciencia. «A filosofia, é claro,
é um jogo de cartas marcadas. Como também a pedagogía, a
crítica literaria, a produ^áo artística, a economía, a teoría social
e, até mesmo, por incrível que possa parecer, a biología e as
outras ciencias. A literatura é visada de modo particular. Os
detentores do Poder sabem que o escritor (e, em nossos dias,
o cineasta), se tem valor verdadeiro, é a única consciéncia

— 118 —
O SOCIALISMO REAL 31

que cobre toda a sociedade. Aplica-se-lhe entáo urna censura


que... em determinados momentos se torna alucinante». Cf.
MllS p. 171.

4. O terror

Para manter-se no poder, o Estado totalitario deve apoiar-se


num militarismo sem escrúpulo e num sistema policial que se
exerga dentro da mais audaciosa arbitrariedade. Por isto a
experiencia ensinou aos cidadáos dos países comunistas que a
rebeliáo contra a máquina policial é um suicidio. Como na
antiga Rússia, o Estado tece urna imensa teia de aranha, cujo
centro é Moscou e que se estende pelos diversos socialismos
existentes fora da patria russa.

Conseqüentemente o terror e o terrorismo do Estado sao


um fato nos países da Cortina de Ferro, que assim apresentam
urna «democracia goulaguiana». O terror é ai tanto mais neces-
sário quanto mais se debilita a fe dos cidadáos na ideología
marxista. Alias, pertence -á esséncia do comunismo edificar-se
sobre o terror. Este deixa a pessoa humana insegura, sujeita
á destruigáo, sem que esta precise de ser justificada. Em nos-
sos dias é grande o número de depoimentos de cidadáos dos
países da Cortina de Ferro e da China maoísta que referem os
maus tratos e o pavor infligidos pelos regimes comunistas; em
conseqüéncia, pode-se falar de «despudor do terror».

«É na totalidade de sua vida, mesmo no que ela lem de mais


intimo e pessoal, que o cidadáo da comunidade socialista é posto em
causa e ameacado. É vigiado por toda a parte: em seo domicilio, no
seu trabalho, em seus lazeres, na ocupacao do seu lempo, ñas suas
amizades, nos seus amores» (MSR, p. 185).

As vitimas do terror do Estado sao tantas que «Voslensky


fala de 110 milhóes de pessoas, e nada nos autoriza a duvidar
de sua afirmagáo. Muito ao contrario, ela poderia estar aquém
da realidade». Roy Medvedev, que fez minucioso levantamento
histórico,lembra, a respeito das origens da revolugáo' leninista,
que «as numerosas prisóes construidas sob os czares nao bas-
tavam para conter os milhóes de pessoas que haviam sido pre
sas, embora se tivessem colocado mais detentes em celas pre
vistas para um prisioneiro apenas e que eram amontoados até
cem em celas de vinte» (Le Stalinisme: origine, histoire, con-

— 119 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

séquenccs. París 1972, p. 238). «Absurdo espantoso: o terror


marxista-leninista — com todos os seus propósitos de liberta-
cáo — ultrapassava de longe o terror czarista... Estranho
retorno das coisas» (MSR, p. 186).

E eram comunistas que a repressáo comunista destruía.


Foi o caso de Stalin, do qual se sabe que ele próprio pratica-
mente esvaziou os quadros do Partido e liquidou as grandes
figuras das primeiras horas da Revolucáo: Bakunin, Nazare-
tian, Orjonikidze, Kinoviev, Saltanov, Chekov, etc. Sabe-se que
num período de dois anos a NKVD executou mais comunistas
do que os que haviam morrido durante todos os anos da luta
clandestina, das tres revolugóes e da guerra civil... Tal foi o
reino do terror que Varga avalia em um décimo aproximada
mente o número de cidadáos russos que foram acusados de
todos os crimes imagináveis, desde a cumplitídade com forgas
inimigas internas até a traigáo por conluio com forgas exter
nas. Os 9/10 que haviam sido poupados, viviam num clima
de medo e sentiam um perigo constante e onipresente a blo-
queá-los. A vantagem que o Aparelho tirava desse estado de
espirito, é que os cidadáos, coagidos pelo medo, se tornavam
de urna docilidade servil e faziam-se cada vez mais dedicados
ao Poder.

Para completar o triste quadro, seria preciso falar ainda


do terror ideológico, do terror psiquiátrico e de outras múlti
plas formas de que ele se possa revestir. Cf. MSR pp. 186ss.

«Esse terror... nao destral o homem simplesmente em seu corpo.


Ele atinge a nacáo em seu espirito, em sua fecundidade artística, que
ele atrofia, em seu crescimento científico, sobre o qual exerce tutela.
Urna vez que o Partido se outorga todos os direitos, outorga-se também
os cánones da beleza. Retornamos aqui á servidao programada, con
sentida por muitos artistas, que preferem a mediocridade com vida, e
recusada por tantos outros, que sao por isso condenados, porque a
cúpula decidiu que sua arte era contra-revolucionaria. O resultado
disso é, por um lado, unía arte académica, comunista e dirigida, que,
como na China, é de um ridículo total e, por outro lado, urna arte
proscrita, desmoralizada e censurada pela ideologia estabelecida. A
mesma coisa ocorre com a ciencia: a linha de pesquisa é pré-estabele-
cida em urna especie de plano quinquenal e, quando a tirania é levada
ao extremo, os resultados e as teorias que exprimem as conclusóes
científicas sao até mesmo predeterminados... A ditadura as envolve;
o terror é o guardiáo zeloso que leva a urna esterilidade generalizada»
(MSR p. 188).

— 120 —
O SOCIALISMO REAL 33

5. Outros aspectos

Charbonneau ainda se detém na consideragao de outras


facetas do Socialismo Real.

Marx apontava para um futuro no qual o Estado perdería


a razáo de ser. Dizia que seria preciso conservá-lo apenas por
algum tempo ainda, por ser um intermediario entre a RevoLu-
cáo, que derrubava a antiga ordem, e o Futuro Socialista, que
comegava a existir.

Ora só um sonhador podia dizer isto. Nunca se viu, em


toda a historia da humanidade, um Estado sólidamente assen-
tado e todo-poderoso admitir a sua extincáo. Menos ainda pre-
pará-la. Pois tal Estado atribuí aos que governam, um poder
tal que os habilita a eliminar, a seu bel-prazer, todos os cida-
dáos que tencionem contestá-lo. Um Estado forte se defende
implacavelmente.

«Em todos os países onde reina o Socialismo Real, existe um


Estado-monstro, que atribuí a si mesmo a caricatura das prerrogativas
divinas; é um Estado-deus, que toma as cores do absoluto. Ele dispoe
da sua Igreja, que é o Partido; da sua revelajáo, que é a ¡nterpretacao
que ele dá ao marxismo; de seus profetas, que forman* o apparatchick
fiel; de sua lnqu¡si(áo, que assume os traeos modernos do Goulag
(campo de concentragáo). Nesse impulso, que se alimenta cuidadosa
mente, o Estado nunca acaba de creseer. A praxis do Socialismo Real
torna-se cínica e apavorante» (MSR, pp. 191 s).

«Produto normal de urna ideologia, o Partido anula-se em urna


Revolucao que se esclerosa, e se torna Reacao. O comunismo mergulha
entáo nos moldes de um Estado fascista. Tal regime assume natural
mente as formas de novo capitalismo: o capitalismo do Estado. O
próprio Lenin reconhecia corajosamente essa realidade, con fescando-a
sem máscaras: 'O Socialismo é impensável sem a técnica capitalista,
que é organizada segundo a ciencia mais moderna; é impensável sem
um planejamento estatal que faca que milhares de pessoas respeilem
a mesma norma na fabricacáo e distribuicao dos produtos' (citado por
Rudolf Bahro, L'Allernative. Paris 1979, p. 93)» (MSR, p. 194).

Mas, por ser um capitalismo bastardo, o capitalismo do


Socialismo Real tem fracassada. Nunca acaba de contar seus
revezes de um plano quinquenal para outro. Eis o que se dá,
por exemplo, no setor da agricultura: outrora a Ucrania fer-
tilíssima era um celeiro proverbial da Europa. Hoje a Uniáo
Soviética vé-se condenada a importar constantemente o trigo
que lhe falta, porque ela própria sabotou a sua fertilidade.

— 121 —
^4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

Se a producto é precaria, a distribuigáo também é muito


deficiente nos países socialistas: caracteriza-se por mercado
negro e filas. Aquele se realiza com a conivéncia da policía;
o mercado negro dos países capitalistas é o da especulacáo dé
divisas; o mercado negro de Moscou e dos seus satélites é a
corrida aos géneros de primeira necessidade. Quanto as filas,
sao intermináveis filas de espera... «Posso testemunhá-lo
pessoalmente, já que me defrontei com intermináveis filas em
Moscou, na China, em Cuba, na Iugoslávia e na Polonia. Em
cada lugar o povo era condenado a fazer fila para tudo o que
se pretendía adquirir em materia de alimentos, vestuario, etc.»
(MSR, p. 202).

Após todas estas observacoes, extraídas do livro de Char-


bonneau, podemos passar a urna

6. Conclusáo

Observa o autor:

«Sobretodo nao se atribua este ¡ulgamento amargo a urna visao


crítica tendenciosa. Basta observar todas as formas do Socialismo Real
que existem, para se rer consciéncia de que a exploracao do homem
pelo homem, que o marxismo pretendió suprimir..., longe de desa
parecer, experimentou om brutal revigoramento... A subordinado
das massas trabalhadoras prossegue num Estado que explora o homem
mais do que qualquer outro capitalismo.

Táo profunda, rao poderosa é es:a dominacao que o status do


trabalhador do Socialismo Real se aproxima consideravelmente do
status do escravo antigo» (MSR, pp. 204s).

«Sería bom ter isto sempre presente a fim de nao fomentar urna
ingenuidade que nos levaría ... a construir urna nova sociedade de
opressao, a suprimir as liberdades sem dar o pao- Que o exame atento
da praxis do Socialismo Real sirva de antidoto a todos os que padeeem
dessa tentagño!

A Humanidade nao pode mais ser oprimida em nome de quem


quer que seja. Ela atinge o último limite, no qual urna nova opressao
seria talvez seu último desastre. Tentemos oferecer-lhe simultáneamente
o pao e a liberdade para que possa enfim conhecer a paz, que será
a expressao da felicidades (MSR, p. 223).

Sem ulteriores comentarios...

— 122 —
Um lívro violento:

"A Senhora Aparecida"


por Aníbal Pereira Reís

Em slntese: O pastor Aníbal Pereira Reis pretende impugnar o san


tuario de Aparecida e a devocfio á Padroeira do Brasil recorrendo a alegacaes
falsas: diz que a descoberta da imagem de María SS. nada tem de extra
ordinario, pois foi o vigário de Guaralinguetá, Pe. José Alves Vílella, quem
lancou a imagem ao rio Parafba pouco antes que os pescadores se pusessem
a lancar as redes; era natural que a colhessem ñas suas redes em tais cir
cunstancias. — Ora Aníbal Pereira Reis parece ignorar que o mílagre de
Aparecida se deu em 1717, ao passo que o Pe. Vitella só se tornou vigário
do lugar em 1725; na época era vigário de Aparecida provavelmente Frei
JoSo da Costa e Almeida. Ademáis o Pe. Vilella teria cometido as ocultas
(sem que ninguém o soubesse) a fraude de lancar a imagem ao rio para
que fosse pescada num aparente milagre. Pergunta-se entáo: como é que
A.P.R. sabe desse tato fraudulento e oculto? Até 1967 nio há urna só
noticia da fraude atribuida ao padre, nem A.P.R. cita um documento sequer
para comprovar o que diz, mas tudo afirma gratuitamente. Será que A.P.R.
teve urna revelacao? Ou nao será que Inventou desonestamente a estória da
fraude para eliminar um fato de grandeza insofismável, que é Aparecida do
Norte e sua historia? De resto, A.P.R. já é conhecido por falsificar documen
tos e forjar inverdades a fim de impugnar a S. Igreja de Cristo; cf. PR
192/1975, pp. 537-542.

Um autor que assim procede, perde as suas credenciais junto aos


leitores, de modo que todo o opúsculo, carregado de acusacóes grosseiras,
preconcebidas e maldosas, carece de valor.

* * *

A nossa revista nao costuma alimentar polémicas, pois


estas sao freqüentemente esteréis. Todavía os leitores tém-nos
solicitado urna tomada de posigáo diante do livro do pastor Ani-
bal Pereira Reis: «A Senhora Aparecida. Outro 'contó do Vi
gário' », do qual temos a segunda edicáo publicada em 1968,
Visto que tal livro dissemina inverdades como se fossem a
mais cristalina expressáo da realidade, julgamos importante
desmascarar as imposturas da obra. A fídelidade á verdade ó
obrigacáo de todo cristáo; a auténtica atitude religiosa há de
se basear sobre a verdade, e nao precisa de inverdades para
se sustentar.

Passamos, pois, á análise do opúsculo em foco.

— 123 —
36 *PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

1. Observagoes gerais

O que mais chama a atengáo do leitor do livro, é o seu


tom polémico e agressivo, que afirma suas proposigóes com
sarcasmo, sem aduzir as provas do que diz. Referindo-se as
origens da devocáo a Nossa Senhora Aparecida, o autor expóe
urna explicagáo nova, diferente da versáo habitual, sem indi
car urna fonte histórica e sem citar um único documento que
justifique a sua teoría. Aníbal Pereira Reís impressiona pelo
seu estilo mordaz, e nao pela concatenagáo de seus argumen
tos (que, alias, em seu escrito nao existem). A paixáo e os
afetos do autor falam em lugar do raciocinio; o seu texto está
impregnado de preconeeitos pessoais.

Ora tal procedimento em materia historiográfica é anti


científico; a rigor, nao deveria merecer a atenqáo dos estu
diosos, que costumam basear suas afirmagóes sobre documen
tos cuidadosamente citados. Se, nao obstante, respondemos a
A.P.R., fazemo-lo porque, embora nao aprésente credenciais
para encontrar audiencia, o livro em pauta tem seduzido mui-
tos leitores. O amor á verdade exige, portante, algumas expli-
cagóes e ponderagóes, que proporemos em tom sereno.

Examinemos agora alguns tópicos do seu conteúdo.

2. A origem da devogSo

1. Conforme A.P.R., a aparigáo de María SS. ñas aguas


do rio Paraíba do Sul — fundamento da devogáo á Senhora
Aparecida — nada teve de milagroso. Haverá sido fruto de
um embuste do Pe. José Alves Vilella, vigrário de Guaratin-
guetá: este, para se exaltar aos olhos da Coroa Real e dos fiéis,
terá langado ao rio urna estatua de Nossa Senhora, depois de
solicitar aos pescadores Domingos Martins García, Joáo Alves
e Felipe Pedroso que capturassem peixe para um banquete a
ser oferecido ao Conde de Assumar, Governador da Provincia,
que passaria em breve por Guaratinguetá. Ora foi essa esta
tua que, conforme A.P.R., os tres homens pescaram «milagro
samente» no rio, acreditando tratar-se de um sinal do céu!
Haveria, pois, na origem da devocáo a Nossa Senhora Apare
cida urna auténtica fraude, devida 'á ambicáo do Fe. Vilella.
Eis o texto de A.P.R.:

— 124 —
«A SENHORA AFARECIDA> 37

«Os pescadores admirados receberam no dia do banquete (13 de


outubro de 1717), manhá cedo, as ordens do vigário no sentido de
que lancassem suas redes no porro de Itaguassu, próximo do morro
dos Coqueiros. Como ativos pescadores, sabiam que os peixes per
manece m mais ñas partes calmas do rio e nao é possível pesca alguma
junto de um porto, onde há tanta movimentacáo. . .

Em vista da sua própria profissao, entenderam os pescadores a


ineficacia da ordem extravagante do vigário. Mas, ingenuos e sub-
missos, obedeceram. Nao Ihes convinha desacatar o sacerdote
ameacador e capaz de praguejá-los e amaldigoá-los.

Lancaram a rede na conviccao de nada apanhar. Surpresos,


porém, retiraran) das aguas urna imagenzínha, de 0,30 de altura,
talhada, em térra cota escura, nos moldes da Madonna de Murilo,
que o clero se utiliza como símbolo da 'Imaculada Conceicao' de
María.

Decidiram guardar a imagem aparecida ñas aguas dentro do


embornal e prosseguir além sua tarefa.

Obtida a quantidade de pescado exigida pelo clérigo anfitriáo,


foram á sua residencia fazer-lhe a entrega.

E, jubilosos na sua crenca ingenua, mostraran* ao padre, misturado


na comitiva do Governador, a imagem aparecida.

Enternecido o vigário pelo sucesso de seu empreendimento, pois


ninguém soubera e nem desconfiara de sua ida durante a madrugada
ao porto de Itaguassu para deixar ñas aguas aquela imagem, desejava
suas expressoes religiosas e deslambidas acentuando o fator 'milagre'
daquela descoberta.

Todo o povo daquela regiáo, presente em Guaratinguetá para


conhecer o Governador, Conde de Assumar, ludibriado em sua cre-
dulidade, exultou com o 'milagre' sucedido, vinculando-o á santidade
do seu vigário e divulgou a noticia á distancia» (op. citado, pp. 22s).

A seguir, diz o mesmo A.P.R., o Pe. Vilella mandou


esconder a estatua «aparecida» no alto do morro dos Coquei
ros; enviou entáo os fiéis á procura da estatua, que era reen
contrada «milagrosamente» após misterioso desaparecimento;
cf. pp. 25-27.

— 125 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

Isto tudo é afirmado, como já notamos, sem a mínima


referencia a algum documento-fonte. Ora diz o sabio adagio:
«O que gratuitamente é afirmado, gratuitamente há de ser
negado». Como quer que seja, passamos a consultar as fon-
tes históricas mais antigás e dignas de crédito atinentes ao
episodio em foco.

2. Eis o primeiro relato do fato, contido no Livro do


Tombo da Matriz de Guaratinguetá, folhas 97-98, com a data
de 1745:

«No ano de 1719, pouco mais ou menos, passando por esta Vila
para as Minas o Governador délas e de Sao Paulo, o conde de Assumar
Oom Pedro de Almeida, foram notificados pela Cámara os pescadores
para apresentarem todo o peixe que pudessem haver para o dito
Governador.

Entre muitos, foram a pescar Domingos M. Garcia, Joáo Alves


e Felipe Pedroso, em suas canoas; e principiando a lancar suas redes
no porto de José Correia leite, continuaram até o porto de Itaguassú,
distancia bastante, sem tirar peixe algum, e lancando neste porto
Joáo Alves a sua rede de rastro, tirou o corpo da Senhora, sem cabeca;
lancando mais abaixo outra vez a rede tirou a cabeca da mesma
Senhora, nao sabendo nunca quom ali a lancasse.

Guardou o inventor esta Imagem em um tal ou qual paño, e,


continuando a pescaría, nao tendo até entáo tomado peixe algum,
dali por diante foi tao copiosa a pescarla em poucos láñeos, que,
receloso, e os companheiros de naufragaren) pelo muilo peixe que
tinham ñas canoas, se reiiraram a suas vivendas, admirados deste
sucesso-

Felipe Pedroso conservou esta Imagem seis anos pouco mais ou


menos em sua casa, ¡unto a Lourenco de Sá; e passando para a Ponte
Alta, ali a conservou em sua casa nove anos pouco mais ou menos.
Daqui se passou a morar em Itaguassu, onde deu a Imagem a seu filho
Atanásio Pedroso, o qual Ihe fez um oratorio tal e qual, e em um
altar de páus colocou a Senhora, onde todos os sábados se ajuntava
a vizinhanca a cantar o terco e mais devocoes.

Em urna destas ocasióes se apagaram duas luzes de cera da térra,


repentinamente, que alumiavam a Senhora, estando a noite serena,
e, querendo logo Silvana da Rocha acender as luzes apagadas, também
se viram logo de repente acesas, sem intervir diligencia alguma: foi

— 126 —
«A SENHORA APARECIDA» 39

este o primeiro prodigio, e depois em outra semelhante ocasiao viram


miiitos tremores no nicho e altar da Senhora, que parecía cair a
Senhora, e as luzes trémulas estando a noite serena.

Em outra semelhante ocasiao, em urna sexta-feira para o sábado


{o que sucedeu varias vezes) juntando-se algumas pessoas para
cantarem o terco, estando a Senhora em poder de Silvana da Rocha,
.guardada em urna caixa ou baú velho, ouviram dentro da caixa muitc
estrondo, muitas pessoas, das quais se foi dilatando a fama até que,
patenteando-se muitos prodigios, que a Senhora fazia, foi crescendo
a fé e dilatando-se a noticia, e chegando ao R. Vigário José Alves
Vilella, este e outros devotos Ihe edificaram urna capelinha e depois,
demolida esta, edificaram no lugar em que hoje está com grandeza
e fervor dos devotos, com cujas estriólas tem chegado ao estado em
que de presente está.

Os prodigios desta Imagem foram autenticados por testemunhas


que se acham no Sumario sem Sentenca, e ainda continua a Senhora
com seus prodigios, acudindo a sua santa casa romeiros de partes
muito distantes a gratificar os beneficios recebidos desla Senhora».

Os comentadores observam que a imagem mede 0,39 cm,


e nao 0,30 cm, como diz A.P.R. Além disto, deve-se notar
que, conforme o relato oficial, é a Cámara da vila de Guara-
tinguetá que tem a iniciativa de oferecer ao Goyernador Dom
Pedro de Almeida urna refeigáo na base de peixe; foi a Cá
mara quem convocou os tres pescadores á captura do peixe,
e nao o Pe. José Alves Vilella, do qual o relato oficial só faz
discreta mengáo no fim da historia narrada. — Esta verifica-
gáo tira toda a base ao relato da A.P.R.

Mais: o relato oficial indica que os pescadores comegaram


a Iancar as redes no porto de José Correia Leite; daí prosse-
guiram até o de Itaguassu... Com que fundamento entáo
afirma A.P.R. que os pescadores iniciaram a sua tarefa ¡me
diatamente no porto de Itaguassu? O pastor forja esta ver-
sáo porque deseja absolutamente envolver o Pe. Vilella na his
toria da descoberta da imagem.

Seria preciso que Anibal Pereira Reis contrapusesse ao


relato oficial atrás transcrito outro relato auténtico (e nao
forjado) que fundamentasse a versáo proposta por A.P.R.
— Ora tal nao ocorreu nem ocorrerá, de modo que nao me
rece atengáo a explicacáo dada pelo pastor. O caráter falso

— 127 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

da versáo de A.P.R. pode-se comprovar, entre outras coisas,


ainda pelo fato de que o Pe. José Alves Vilella só a partir de
1725 foi vigário de Guaratinguetá, ao passo que a descoberta
da imagem ocorreu em 1717! Devia ser vigário de Guaratin
guetá por ocasiáo da aparigáo Frei Joáo da Costa de Almeida,
conforme noticia colhida no livro de Pe. Machado, Historia...
(citado na bibliografía deste artigo), p. 184:

«Houve em Guaratinguetá pároco (cura de almas) desde antes


de 1690... Frei Joáo da Costa e Almeida, frade mercedário, em
1715... supomos que no aparecimenlo da ¡magem ele ainda lá eslava,
pois no elenco existente figura entre os auxiliares de 1720...»
(cf. A lgre¡a na Historia de Sao Paulo, tomo 3o, págs. 201, 216 e 391).

O absurdo da versáo de A.P.R. se patenteia ainda me


diante a seguinte reflexáo: se foi o Pe. Vilella (que, alias, nao
era vigário de Guará em 1717) quem ocultamente lancpu a
estatua da Virgem SS. ao rio para que os pescadores a cap-
turassem «milagrosamente», quem é que pode saber dessa
fraude? Foi cometida sorrateira e disfargadamente! — Se o
foi o Pe. Vilella mesmo quem revelou ter cedido a tal fraqueza,
estaría desfeito o mito de Aparecida; nao teria tido continui-
dade. Se foi outra pessoa, testemunha do fato oculto, o mesmo
teria ocorrido e o culto á Aparecida nao teria prosseguido.
Ademáis quem teria sido esse denunciador, que nenhum do
cumento aponta e que nao teve nenhuma repercussáo na his
toria posterior a nao ser, 250 anos mais tarde, na cabega de
Aníbal Pereira Reis?

A mentira e a desonestidade estáo mais do que evidentes


na versáo forjada pelo pastor batista.

3. Ademáis, os historiadores notam características insó


litas, que parecem supor especial intervengáo de Deus na des
coberta da estatua de Nossa Senhora Aparecida:

a) O peso da imagem milagrosa, feita de barro poroso


queimado, é de 4.350 gramas; submersa na agua, desloca 2.240
gramas. Logo a imagem pesa quase duas vezes mais do que
a agua. Ora a física ensina que só pode flutuar na agua um
corpo mais leve do que a própria agua; por isto, em vez de
flutuar, a estatua devia ter afundado e aos poucos, no fundo
do rio, se teria coberto de lodo.

b) Ademáis, pergunta-se: sendo de barro poroso a ima


gem, como nao se dissolveu ñas aguas?

— 128 —
<cA SENHORA APARECIDA» 41

c) Primeiramente descobriu-se o corpo da imagem sem


a cabega; depois encontraram os pescadores a cabega da esta
tua. Ora observa-se o seguinte:

Corpos de peso e tamanho diferentes sao arrastados pela


agua com diversa velocidade. A cabega, sendo mais leve (pesa
150 gr apenas), devia ser arrastada mais depressa do que o
corpo, que pesa 4.200 gramas. Por conseguinte, primeiramente
devia ser encontrada a cabega e só depois o corpo. Mas foi
precisamente o contrario que se deu.

d) O local da descoberta era inadequado tanto para a


descoberta da imagem como para a captura de peixes, pois
ficava na foz do rio Paraiba, ñas proximidades da Pedra
Grande (Itaguassu), em meio a aguas agitadas.

e) O fato de se ter dado copiosa pesca após a descoberta


da imagem também carece de explicagáo natural; nao terá
sido um sinal do céu que confirmava o da estatua milagrosa? '

4. Os estudiosos indagam: donde veio a imagem encon


trada ñas aguas do rio Paraiba?

Nao há resposta unánime para este quesito, mas apenas


hipóteses, das quais sejam citadas as seguintes:

a) Segundo os antigos moradores de Aparecida, em Ro-


seira Velha, antes do encontró da imagem, numa das fazendas
á margem do rio Paraiba, havia urna cápela dotada de urna
imagem de Nossa Senhora para satisfazer a devocáo dos
escravos do lugar. Tal cápela ficava na ribanceira do rio. Ora
as aguas do rio Paraiba por ocasiáo das chuvas avolumam-se,
tornando-se caudal agitada; esta arrasta barrancos e outros
obstáculos que encontré. — Pois bem; a capelinha em foco nunca
mais foi vista após urna estagáo de chuvas torrenciais; desa-
pareceu assim a imagem de Nossa Senhora que ela encerrava.
Há, portante, a possibilidade de ter sido esta pequeña estatua
levada pela corrente do rio e achada na prodigiosa faganha
dos tres pescadores.

1 Observantes colhidas na obra de Padre Machado, Histórico...


pp. 146-148.

— 129 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

b) No livro das Atas da Irmandade da Cápela de Nossa


Senhora Aparecida, aberto em 1756, existe o relato histórico
da descoberta da imagem, ao qual foi acrescentada a seguinte
interpolagáo:

«Hó certa tradicáo que, tomando unía mulher urna santa imagem
(por ela encontrada e com o sinal de cera com que ela ligara as partes
quebradas ao pescoco) e levando-a á cápela de Nossa Senhora do
Rosario dos Correias para um reverendo ali entao existente ou que ali
se achava, a benzer, para ela a venerar, o dito reverendo Padre,
vendo-a no formato e estado em que venturosamente a vemos, nao
a quis benzer, e, dividindo a cabeca do corpo, a lángara ou fizera
lancar neste rio Paraíba, o que é bem provável acontecesse».

Este relato, que nao passa de hipótese, se explica pelo


fato de que os antigos costumavam jogar ñas aguas dos rios
ou do mar imagens quebradas ou restos de imagens. Nao as
queriam destruir nem jogar no lixo. Ocorria também que
enterrassem esses resquicios de objetos sagrados sempre com
a mesma finalidade de nao os equiparar ao lixo.

Contam-se também duas lendas a propósito da descoberta:

c) A imagem da Senhora Aparecida era de Jacareí. Em


virtude de grande enchente do rio Paraíba, apareceram dois
monstros; faziam terríveis estragos, derrabando barrancos e
agitando o rio. Amedrantada, urna velhinha que morava perto
deste, tirou a imagem de Nossa Senhora que tinha em seu
oratorio, colocou-a numa vasilha e soltou nagua, acreditando
que a imagem da Santa faria desaparecer os monstros. — Na
verdade, estes rolaram agua abaixo e a imagem ficou no leito
do rio.1

Há urna segunda lenda:

d) Em Jacareí havia grande fazenda, onde os escravos


eram tratados sem piedade. Um dos escravos, tomando barro
escuro, modelou grotescamente urna imagem; era escura como
ele. De seus labios saia dolorosamente o segredo divino da
oracáo. Segredo daquela alma onde sentimentos desencadea-
dos eram respostas as chibatadas. A oracáo era urna queixa
arrancada da dor e da revolta. Um dia o feitor encontrou o
escravo com a imagem ñas máos. Falou para o «sinhó». E
veio o castigo: teve que jogá-la ao rio com as próprias máos

— 130 —
<tA SENHORA APARECIDA» 43

e depois ser algemado. ... O rio guardou a santa para um


dia mostrá-la a todo o mundo. ... E estas lendas correram
de boca em boca» (Lendas encontradas no livro de C. Borges
Ribeiro, Fcilclore, Sao Paulo 1952, n' 1, p. 8).

Estudos recentes asseguram ser a imagem de Aparecida


genuinamente paulista, obra artística de Frei Agostinho de
Jesús, confeccionada em meados do século XVII.

Persiste, porém, sem resposta a observacáo feita pelo pri-


meiro relato da aparicáo: «... nao se sabendo nunca quem
ali a lancasse!...»

5. Quanto á data precisa da descoberta da imagem, os


estudiosos tentam determiná-la coordenando o episodio com os
dados concernentes á viagem do Conde de Assumar. E con-
duem que a aparigáo deve ter ocorrido de sexta-feira 15 para
sábado 16 de outubro de 1717 (o que póe em xeque mais urna
vez a versáo de A.P.R.). Com efeito; o Governador Dom Pe
dro de Almeida era esperado em Guaratinguetá na sexta-feira
15 á tarde ou no sábado de manhá; como os antigos nao cos-
tumavam oferecer banquetes a noite, ficou estipulado que a
grande refeigáo presidida pelo mandatario de El-Rei se reali
zaría no sábado 16 ao meio-dia. Nessa refeigáo, porém, se
observaría o regime de sexta-feira, que era o de abstinencia
de carne; Dom Pedro de Almeida era fiel aos preceitos da
Igreja que, na época, prescreviam a abstinencia de carne todas
as sextas-feiras (cf. Constituicóes do Arcebispo da Bahia, por
Dom Sebastiáo Monteiro da Píedade, cánones 373. 406 e 408.
Ano de 1707). Tal foi a razáo pela qual a Cámara de Guara
tinguetá pediu farta captura de peixes aos pescadores da regiáo.
Tal foi também o motivo pelo qual os pescadores, premidos
pelas ordens superiores, se afligiam por nada capturar; teráo
recorrido á Santa Máe de Deus, que, em sinal de sua protecáo,
lhes terá outorgado o símbolo de sua assisténcia materna e o
almejado premio de seus esforgos noturnos.

2. O desenvolvimento da devo$ao

Eis a versáo que dos fatos transmite o pastor A. P. Reis:

«Os anos se passaram e o nome do padre Alves Vilella, sem ser


sugerido ñas eleicoes dos bisposl

— 131 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

... O vigário de Guaratinguetá, agora já encanecido, porém


esperancoso, mantinha-se ao par de todas as noticias vindas de Além
Atlántico.

Conhecedor da carolice de El Rei e sua magnanimidade em pro-


veito dos clérigos, urdiu ouira investida com o objetivo de atrair as
atencóes 'majestáticas' sobre si.

Certo sábado, em 1743, quando os devotos chegaram a cápela,


surpresos, deram pela falta da santa aparecida. Atónitos ficaram
quando Silvana Rocha desconhecia também o seu paradeiro mesmo
depois de se informar com Atanásio. Desesperados, correram falar"
com o vigário que se fingiu surpreendido. Aconselhou-os, porém, a
que dessem uma batida ñas redondezas e que nao se esquecessem de
ir até o alto do morro dos Coqueiros. Dóceis á orientacSo do padre,
vasculharam todos os recantos, e, por fim, subiram os rapazes ao morro,
onde, para alivio geral, encontraram a imagem encostada em uma
pedra. Nessa noite, o rosario foi rezado com mais fervor, os hinos
mais vibrantes e o baile mais animado com pinga distribuida abundante
na algazarra do reencontró da Senhora Aparecida.

Noutros sábados, o fato misterioso se repetiu sem que os pobres


devotos percebessem a mño do vigário atrás de ludo» (opúsculo
citado, pp. 25s).

Como se vé, nenhum documento é citado como fonte da


estória narrada. Observa-se, porém, que o relato é vasado em
estilo pungente e ferino. A essa narrativa gratuita ou sem
fundamento (que, antes do mais, peca por supor que o Pe.
Alves Vilella era vigário da regiáo quando nao o era), siga-se
aquela que resulta do exame objetivo e sereno dos arquivos
históricos atinentes ao assunto:

«1717 — 1726 — Filipe Pedroso conserva a imagem em sua


casa, situada junto do Ribeiráo do Sá. Após colar com 'Cera da Térra'
a cabeca ao tronco, sua familia e os vizinhos iniciam o culto familiar
diante da imagem.

1726 a 1732 — Filipe Pedroso transfere-se para a paragem da


Ponte Alta, levando consigo a pequeña imagem. Junto déla, sua
familia e a vizinhanea cumprem suas devocóes, principalmente aos
sábados, cantando o terco e as ladainhas.

— 132 —
«A SENHORA APARECIDA» 45

1733 — Filipe Pedroso vai residir no Porto Itaguacu e lá entrega


a imagem a seu filho Atanásio. Este Ihe constrói o primeiro oratorio,
que passa a ser freqüentado por toda a vizinhanca. Os devotos
comecam a chamá-la de 'Senhora da Conceicáo Aparecida'.

1733 a 1740 — Nesse período o culto se torna mais intenso e o


oratorio passa a ser freqüentado por rnuitas pessoas. Numa noite de
sábado, durante o canto do terco e das ladaínhas, aconteceu o
'milagre das velas'. Duas velas que ardiam no altar da imagem
opogaram-se inesperadamente, embora a noile estivesse calma e
serena, e acenderam-se sozinhas, quando a dona da casa, Silvana da
Rocha, procurava acendé-las. O fato causou profunda impressño nos
presentes e a noticia do milagre se espalhou pela redondeza. Espa-
Iha-se a devocáo e muitos sao os que invocam a intercessSo da Senhora
da Conceicáo Aparecida. A fama da pequeña imagem, venerada na
capelinha ¡unto da estrada do Itaguacu, chega até as regióes mais
afastadas de Minas, Goiás, Cuiabá, Campos de Curitiba e de Viamáo
do Sul do país.

APROVACÁO DO CULTO E CONSTRUCAO DA PRIMEIRA IGREJA

A Paróquia de Santo Antonio de Guaratinguetá, como toda a


regido sul do país, pertencia á Diocese do Rio de Janeiro, sufragánea
do Arcebispo da Bahia. Desde 1725, ocupava o cargo de vigário o
Pe. José Alves Vilella. Como pároco, acompanhou o desenvolvimento
da devocáo a Nossa Senhora Aparecida e aprovou a construcáo duma
capelinha para substituir o primitivo oratorio. Anos depois, tornando-se
insuficiente a capelinha para ocolher os peregrinos, o Pe. Vilella resol-
ve u construir urna ¡greja e para isso escolheu o terreno do 'Morro dos
Coqueiros'. Pelo ano de 1741, iniciou com a ajuda dos devotos a
construcáo do templo-

1743 — O Pe. José Alves Vilella elabora um relatório sobre os


fatos extraordinarios acontecidos ¡unto da Imagem; redigiu o pedido
de aprovacáo do culto da Imagem sob o novo título de Aparecida e da
construcáo da Igreja e o enviou á Vila de Ribeiráo do Carmo — hoje
cidade de Mariana, em Minas Gerais. Na ocasiáo, o bispo do Rio de
Janeiro se encontrava naquela cidade em Visita Pastoral.

1743 — A 5 de maio, Dom Freí Joao da Cruz, bispo do Rio de


Janeiro, concede a Provisáo aprovando o culto e a construcáo da
Igreja.

1743 — A 22 de maio, Dom Freí Joao da Cruz, concede ao Vigário


da Vara, Pe. José Alves Vilella, a Provisáo para benzer a nova igreja-

— 133 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

1744 — A ó de maio, a viúva D? Margarida Nunes Rangel passou


a escritura de doacáo do terreno do "Morro do Cruzeiro', onde estova
sendo construida a Igreja. Esta gleba e outras duas adjacentes, doadas
na mesma época, respectivamente por Fabiano Fernandes Telles e
Lourenco de Sá, formaram o patrimonio da nova Cápela e deram
origem ao povoado de Aparecida.

— A 18 de julho, o Pe. Vilella toma posse judicial das térras


doadas para o patrimonio por sentenca proferida pelo Juiz Ordinario
da Vila de Guaratinguetá, Salvador da Motta Paes.

1745 — A 26 de ¡ulho, festa da Senhora Santana, o Pe. José


Alves Vilella benze e inaugura solenemente a nova lgre¡a e o povoado
que nasceu ao seu redor.

A Imagen» que foi colocada no nicho daquela igreja, era a mesma


que tinha sido encontrada pelos pescadores no rio Paraiba em 1717,
conforme consta do inventario da Cápela de 1750, e é a mesma que
se venera hoje na Basílica. Trara-se duma pequeña e artística ¡magem
de Nossa Senhora da Conceicao (mede 36 cm. de altura), moldada
em barro paulista pelo monge carioca Frei Agostinho de Jesús, pelo
ano de 1650, quando residió em Sao Paulo. Era policromada, carac
terística esta que perdeu ao permanecer por longos anos sob as águas¡
do rio. Posteriormente, pelo fato de ficar exposta ao lume dos can-
dieiros e velas, adquiriu a cor castanho brilhante, que conserva até
ho¡e.

Desde os primeiros tempos da devocao a Imagem foi ornada com


manto e coroa pelos seus devotos.

— No dia 26 de ¡ulho o povoado recebeu o nome de 'Cápela


da Aparecida'.

— A primitiva igreja foi construida de taipa de piláo (barro


socado e madeira). Possui nave central e duas laterais com tribunas,
sacristía, quartos dos milagres e urna torre».

Como se vé, o segundo relato difere profundamente do de


A.P.R. Alias, convém observar que infelizmente o pastor
Anibal tem sido inescrupuloso e desonesto em suas publicacóes.
Já em PR 192/1975, pp. 537-542 foi comprovada a falsifica-
cáo de urna carta atribuida ao Cardeal D. Agnelo Rossi por
A.P.R. Com efeito; o «Jornal Batista» de 19 a 23 de Janeiro
de 1972 publicou, a pedido do pastor Anibal, urna missiva dita

— 134 —
«A SENHORA APARECIDA» 47

«do Cardeal Rossi», entáo Prefeito da S. Congregagáo para


a Evangelizacáo dos Povos em Roma, ao Cardeal Paulo Eva
risto Arns, arcebispo de Sao Paulo: nesse texto aquele prelado
admoesta o arcebispo de Sao Paulo a que se acautele contra a
acáo «missionária» do pastor Aníbal Pereira Reis; este seria
«um dos sacerdotes mais cultos do Brasil», dotado de «enorme
capacidade de trabalho». Diz mais o texto dessa pseudo-carta:

«Os seus livros, além de suas pregacóes, vém causando enormes


dificuldades para os nossos planos ai no Brasil... Se nos o perdemos,
o que foi enorme prejuízo, agora é necessário barrar-lhe a impetuosi-
dade... O padre Anibal é o sacerdote que atualmente mais causa
preocupacoes a Paulo VI. Mande-me sempre noticias, bem como re
cortes ¡nteressantes de ¡ornáis e revistas».

Essa pretensa carta, em última análise, constituí urna


«louvacáo» á pessoa do pastor Anibal Reis e urna recomenda-
gáo publicitaria e comercial dos livros do mesmo; o pastor
quis fazer sua promocáo própria e angariar novos lucros para
si, além de desfigurar a S. Igreja Católica. Alias, o Sr. Ani
bal nao perde ocasiáo de fazer elogios e publicidade de suas
obras em capas de livros, roda-pés, cantos de página dos escri
tos que ele possa atingir. Como se vé, em Janeiro de 1972
chegou mesmo a forjar um documento ameagador, de lingua-
gem vulgar, atribuindo-o a urna figura eminente da Igreja Ca
tólica, ou seja, ao Cardeal Rossi.

E como se prova que forjou?

O Cardeal D. Agnelo Rossi, em Roma, sabedor da fraude,


escreveu para o «Jornal Batista» um artigo acompanhado de
missiva datada de 05/02/1972, em que denunciava a falsi-
dade do dito documento e pedia fosse essa denuncia publicada
com o mesmo destaque e no mesmo local do «Jornal Batista»
conforme a ética profissional. Eis como o Cardeal Agnelo
Rossi descreve a obra do falsario:

«Afirme! que a falsificado do documento é grosseíra. For¡aram


um papel oficial, que nunca poderío existir em nossa Congregagáo.
Pois o escudo é do Papa Paulo VI e nao da nossa Congregacao. O
título é anacrónico, de antes do Vaticano II. O documento publicado
nao é protocolado, o que é absolutamente necessário para indicar
sua autenticidade e validade. Nao observa a praxe da Curia quanto
ao modo de indicar o destinatario e quanto á conclusáo. Reproduz
urna assinatura minha, anterior ao meu cardinalato e á minha indicacao

— 135 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

como Prefeito da S. Congregando para a Evangelizando dos Povos.


Fotografou-se urna minha assinatura (sic t Agnelo Rossi), quando ho¡e,
nos documentos oficiáis, assino, gracas á universalidade de minha
missao na Igreja, sem a cruz antecedendo meu nome, com estes dizeres:
Agnelo Card. Rossi, Pref. Colocaram a tal assinatura abaixo de urna
carta que, pelo estilo e conteúdo, nunca poderia escrever. Infeliz
manobra»!

O artigo e a carta de D. Agnelo Rossi foram realmente


publicados pelo «Jornal Batista» aos 5/03/1972, p. 1, com o
titulo «Grosseira falsificacáo de documento da Curia Romana».

Quem examina atentamente a pretensa carta de D. Ag


nelo Rossi ao Cardeal Arns, verifica que A.P.R. fez monta-
gem artificial de papel de cartas com seu timbre e com a assi
natura do Cardeal Rossi. Este fato bem demonstra o maquia
velismo de A.P.R., para quem a mentira e a fraude sao usuais
desde que sirvam para denegrir a S. Igreja de Jesús Cristo.
Pergunta-se: sao o zelo do Reino de Deus e o amor a Jesús
Cristo que inspiram a A.P.R. a desonestidade e a calúnia?
Procura A.P.R. servir ao Evangelho ou extravasar seus sen-
timentos de odio e ingratidáo sob o verniz de pregar o Evan
gelho?

Passemos agora a outra consideracáo sugerida pela lei-


tura do livro de A.P.R. sobre Aparecida.

4. Santuarios: que sentido tém?

1. A realidade dos santuarios tem seu fundamento na


própria S. Escritura: sao templos ou monumentos construidos
para recordar aos fiéis urna especial intervengáo da Providen
cia ou da Misericordia de Deus na historia dos homens. O
santuario é como que um ponto de encontró marcado, em que
Deus se quer fazer presente de maneira mais sensível para
atender as necessidades dos homens.

Assim o Antigo Testamento relata as aparicóes do Se-


nhor Deus ou as teofanias a Abraáo em Siquém (cf. Gn 12,6s),
em Mambré (cf. Gn 18,1); a Isaque, em Bersabéia (cf. Gn
26,24); a Jaco em Betel (cf. Gn 28,12; 35,9), em Peniel (cf.
32,31). Notemos também os lugares santos de Ofra (cf. Jz
6,24), Saraa (cf. Jz 13,19s), SUo (cf. Jz 21,19); Gálgala (cf.

— 136 —
«A SENHORA APARECIDA» 49

ISm 11,15), Dá (cf. IRs 12,29), Jerusalém (cf. 2Sm 6; IRs


5-8)... Em consegüéncia, foram em tais lugares erigidos san
tuarios, com seus altares (cf. Gn 12,7s; 13,4; 26,25; 33,20),
seus ritos sagrados (cf. Gn 12,8; 13,4; 21,33; 33,20), com uncóes
de óleo (cf. Gn 28,18; 35,14), com purificagóes (cf. Gn 35,2-4),
com o dizimo (cf. Gn 14,20; 28,22).

Os santuarios suscitaran! peregrinagóes, sendo a mais im


portante a que se dirigía a Jerusalém, cidade santa por exce
lencia (cf. IRs 12,27). Jesús subiu a Jerusalém com María e
José aos doze anos de idade (cf. Le 2,41s) e em ocasióes pos
teriores (cf. Jo 2,13; 5,1; 7,14; 10,22s; 12,12). O próprio Sao
Paulo, vinte e cinco anos depois da Ascensáo do Senhor, quis
peregrinar a Jerusalém para a festa de Pentecostés (cf.
At 20,16; 24,11).

A Tradigáo crista continuou a cultuar os santuarios.


Escolheu para tanto os lugares santos em que o Senhor Jesús
ou a Providencia Divina se tivessem manifestado mais sensivel-
mente: assim desde remota antigüidade a Térra Santa, Roma,
as cidades da Grecia, da Asia Menor, a de Compostella (na
Espanha), a de Tours (na Gália)... foram términos de peregri-
nagóes de fiéis que procuravam com fervor especial a «Face de
Deus» e um sinal da sua misericordia.

Nos últimos tempos tém sido venerados com grande énfase


os santuarios marianos: existem em Lourdes, Fátima, La Salette,
Aparecida, Lujan, Guadalupe... Pode-se dizer que cada país
católico possui um ou mais santuarios dedicados a Nossa
Senhora. É teológicamente legítima a devogáo <los fiéis que se
exprime em oragáo e penitencia nesses lugares sagrados. A fé
é ai corroborada, especialmente quando gragas de maior vulto
sao ai obtidas; Deus quer que os homens tenham a ocasiáo de
se revigorar espiritualmente (e também físicamente) mediante
tais sinais. O episcopado latino-americano, reunido em Puebla
(México) no ano de 1980, reafirmou o significado teológico e o
valor dos santuarios:

«Em nossos povos, o Evangelho tem sido anunciado, apresentando


a Virgem María como sua realizacao mais alta. Desde os primordios —
em sua aparicáo e invocaefio de Guadalupe — María tornou-:e o
grande sinal, de rosto materno e misericordioso, da proximidade do
Pai e de Cristo com que ela nos convida a entrar em comunháo. María'
foi também a voz que deu impulso á uniáo dos homens e dos povos.

— 137 —
50 <tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

Como em Guadalupe, os oulros santuarios moríanos do continente sao


sinais do encontró da fé da Igreja com a historia latino-americana»
(DP n* 282).

2. Compreende-se que, junto aos santuarios, se tenha


estabelecido um certo comercio: de um lado, é preciso que haja
quem providencie a subsistencia física dos peregrinos, oferecendo
pousada, alimentagáo, medicamentos... Doutro lado, os pere
grinos sao geralmente desejosos de levar para casa urna lem-
branga do santuario visitado (tergo, crucifixo, medalha, outros
objetos...). Este atendimento, legítimo e necessário, pode dar
ocasiáo a abusos e a indébita comercializagáo. Esta, em parte,
é inevitável, pois a autoridade eclesiástica nao pode controlar
nem coibir o que se faga de menos reto ñas proximidades dos
santuarios. Na medida, porém, em que a responsabilidade de
tais abusos possa recair sobre membros da Igreja, os prelados
tém procurado extinguir estes males, abolindo dos santuarios
toda forma de comercio explorador. É o que recomendavam
ainda em Puebla os bispos latino-americanos:

«Os grandes desafios que o piedade popular levanta para o fim


do milenio na América Latina, configuram as seguintes tarefas
pastorais:

c) Adiantar urna crescente e planificada transformacSo de


nossos santuarios para que possam ser 'lugares privilegiados' (Joao
Paulo II, Homilía Zapopan 5} de evangelizacao. Isso requer purificá-los
de todo tipo de manipulacao e de atividades comerciáis. Urna tarefa
especial cabe aos santuarios nacionais, símbolos da interacao da fé
com a historia de nossos povos» (DP n° 460.463).

A. P. R. refere episodios de comercializagáo por parte de


clérigos nos santuarios católicos. — Nao podemos negar de
antemáo a ocorréncia de tais dados; mas devemos igualmente
realgar o fato de que A. P. R. perdeu sua credibilidade junto aos
leitores por ser comprovadamente um falsario e forjador de
mentiras.

Diz o adagio: «Abusus non tollit usum. O abuso nao extin


gue o uso». Coibam-se, pois, os abusos ocorridos nos santuarios,
mas nao se extinga na Igreja a prática bíblica e crista de pere
grinar aos lugares santos em testemunho de fé e devogáo; o
Senhor Deus mesmo parece ter a iniciativa de fomentar tal tipo
de piedade.

— 138 _
<tA SENHORA APARECIDA» 51

3. As revelacóes atribuidas ao Senhor Jesús ou aos seus


santos em aparigóes particulares nao se impóem aos fiéis cató
licos como artigos de té. O que quer dizer: se aiguém nao ihes
quer dar crédito, nao está, em consciéncia, obrigado a fazé-lo.
Alias, o teor de tais revelacóes nunca acrescenta algo de novo
aos doze artigos do Credo Apostólico; geralmente consiste em
exortacáo á oracáo e á penitencia; trata-se de apelos á conversáo.
O Concilio do Vaticano o reafirmou explicitamente:

«A dispensacao crista da grata, como alianca nova e definitiva,


¡amáis passará- Nao há .que esperar alguma revelando pública antes
da gloriosa manifestando de Nosso Senhor Jesús Cristo (cf. lTm 6,14;
Tt 2,13)» (Conslituicao Dei Verbum n'4|.

De passagem seja dito: revelagáo pública é aquela que se


impoe a todos os fiéis; revelagáo particular, a que só obriga a
quem tenha a evidencia de que Deus falou em tal caso.

Sendo assim, nao há que perguntar se os Papas aprovaram


os fatos e as mensagens relacionados com Guaratinguetá ou
Aparecida do Norte. Nunca haverá urna Bula Pontificia que
insinué, da parte da Igreja, a oficializagáo de alguma revelagáo
particular. Daí a inoportunidade das palavras de A. P. R.:
«Desafio a qualquer padre de Aparecida a que me aprésente
um documento do pontífice romano pelo qual haja se pronun
ciado sobre a autenticidade dos acontecimentos prodigiosos que
divulgam entre o povo» (op. cit., p. 32).

Nessa mesma página, o pastor Anibal cita o autor destas


linhas, dizendo: «Católico! ... Use sua cabega para raciocinar
e nao vá no contó do vigário! O próprio monge Estéváo
Bettencourt declara em PR 71/1963, qu. 5, que aquilo tudo
nao é materia de fé. Ele nao eré! Nem o papa nem os padres
prestam fé aos seus relatos sobre a Senhora Aparecida» (p. 32).

Eis urna nova faceta do pastor Anibal: parece que pretende


ter o dom da cardiognosia ou do conhecimento dos coragóes.
Ele sabe o que os outros créem ou nao créem no intimo dos seus
coragóes!? — É certo que, ao dizer que as revelagóes particula
res nao constituem materia de fé, eu nao queria em absoluto
negar a historicidade dos fatos ocorridos em Aparecida, Lourdes
ou Fátima; creio ñas intervengóes de Deus (que fala por seus
santos), ordinarias e extraordinarias, na historia dos homens.

— 139 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

Realmente, ao nos defrontarmos com A. P. R., estamos


diante de um interlocutor que ou nao entende da materia de
que trata, ou, se entende, usa de muita má fé.

Ainda convém realgar muito enfáticamente que a aparicáo


da SS. Virgem ao indio Juan Diego em Guadalupe (México) no
ano de 1531 parece fato comprovado por milagre. Com efeito,
a imagem da Virgem revela, em seus olhos, pormenores que
nenhum pintor terá jamáis efetuado, por mais fina e esmerada
que fosse a sua arte; trata-se de fato totalmente inexplicável á
luz da ciencia. A propósito cf. PR 262/1982, pp. 208-212.

5. Jesús Cristo, o Único Mediador

Urna das objeg5es levantadas por A. P. R., como também


outros escritores protestantes S contra a devogáo mañana supóe
que o culto dedicado a Maria SS. derrogue a unicidadc da me-
diagáo de Jesús Cristo: haveria, ao lado de Cristo Sacerdote,
urna Mediadora — o que se opóe á doutrina bíblica (cf. lTm 2,5).

Tal dificuldade é de pronta solugáo. O catolicismo professa


a singularidade do sacerdocio de Jesús Cristo. Por isto consi
dera que Maria foi remida pelo único Salvador Jesús; assim
resgatada, ela pode nascer sem a mancha original; os méritos
de Cristo lhe foram aplicados antecipadamente, de modo que
ela foi concebida sem o pecado de Adáo; ela é imaculada em
sua conceicáo.

Dito isto, ainda observamos que Maria faz parte da comu-


nháo dos santos; é o membro mais excelente e digno dessa
comunháo; por isto, ela tem um poder de intercessáo que é
especialmente gracioso junto a Deus; Maria nao salva; só Jesús
Cristo nos salva, mas, como Máe de Deus feito homem e Máe
de todos os homens (cf. Jo 19,25-27), ela está particularmente
vinculada á salvacáo da humanidade mediante as suas preces
no céu.

1 Relerimo-nos aqui especialmente ao jornal Ultímalo ns. 156-158


(julho, agosto, setembro de 1984), que ás pp. 16-17 traz um infeliz artigo
do Augusto Gotardelo Intitulado "Marianismo". Tais páginas vém a ser um
atestado de ignorancia do autor em relagSo á teología católica, que ele
impugna sem a conhecer.

— 140 —
«A SENHORA APARECIDA» 53

A consciéncia de que os amigos de Deus intercedem na


outra vida por seus irmáos militantes na térra, existia já no
povo judeu anterior a Cristo; está na iinha do desabrochamento
da Revelagáo feita a Israel. Com efeito; em 2Mc 15,13-16
aparece a Judas Macabeu o falecido profeta Jeremías, que lhe
é apresentado por Onias, Sumo Sacerdote também falecido,
como «o amigo dos seus irmáos, aquele que muito reza pelo povo
e por toda a Cidade Santa, Jeremias, o profeta de Deus». — Na
verdade, a morte nao interrumpe a comunháo ou a solidarledade
existente entre os membros do povo de Deus; o Senhor revela
aos fiéis, na vida postuma, as necessidades e as preces de seus
irmáos na térra, de modo que aqueles participam dos nossos
certames mediante a sua intercessáo.

Eis por que é licito e oportuno invocar a Santa Máe de


Deus, especialmente nos santuarios em que ela, por vontade de
Deus, tenha assinalado sensivelmente a sua bondade materna.

Quanto aos milagres obtidos em Aparecida ou alhures, a


Igreja nao faz questáo de os definir como tais. As autoridades
eclesiásticas só reconhecem a existencia de um milagre depois
de rigorosos exames científicos e teológicos, durante os quais
intervém um «advogado do diabo» (para dissuadir da realidade
do milagre).

6. O celibato sacerdotal

No final do seu opúsculo, A. P. R. impugna o celibato sacer


dotal, recorrendo a sofismas e razóes pouco persuasivas, para
as quais se encontra resposta num dos últimos números de
PR; cf. n» 276/1984, pp. 368-386.

Todavia o autor menciona o texto de lTm 3,2, em que o


Apostólo exorta: «É preciso que o episcopo seja irrepreensível,
esposo de urna única mulher». Seria este um argumento em
prol do casamento obrigatório dos clérigos? Nao; pelo
contrario. O Apostólo, em 66, se dirige a urna comunidade
chamada á fé em idade adulta; os cristáos ai abracaram o Evan-
gelho geralmente depois de casados. Diz entáo Sao Paulo que
o episcopo 1 deve ser escolhido entre os homens que só tenham

i Epíscopo é o membro de um colegiado que, sob o pastoreio supremo


do Apostólo, governa a comunidade. Tal era a organizacáo das igrejas
locáis enquanto viviam os Apostólos.

— 141 —
54 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

um casamento, ficando excluidos os que tivessem duas unióes


conjugáis simultáneas ou sucessivas. Ve-se, pois, que, longe de
incitar ao casamento, Sao Paulo tenciona assim restringir a
alianga matrimonial dos clérigos; dir-se-ia que se tem ai urna
primeira manifestacáo da tendencia ao celibato sacerdotal que
mais e mais se patentearia no decorrer dos tempos.

A. P. R. cita outrossim lTm 4,1-3: «O Espirito diz expres-


samente que nos últimos tempos alguns renegaráo a fé...
Proibiráo o casamento, exigiráo a abstinencia de certos alimen
tos...» Também este texto está longe de contradizer á prática
do celibato e á legislacáo da Igreja. Na verdade, o Apostólo tem
em vista certos pregadores dualistas, arautos da pré-gnose, que
julgavam a materia como algo de mau e, por isto, repudiavam
o consorcio marital. Ora o exercicio do celibato nada tem que
ver com dualismo; ele se deriva, antes, das premissas estabele-
cidas pelo Apostólo em ICor 7, onde está dito que «casar-se é
santo, mas nao se casar aínda é mais santo e recomendáveb
(cf. ICor 7, 25-35), pois o cristáo tende já na vida presente a
usufruir, ao máximo, dos bens definitivos que irromperam no
mundo por ocasiáo da vinda de Cristo; ora tal fruigáo é grande
mente favorecida pela vida una ou indivisa que é o celibato.

Muitas outras observacóes poderiam ser feitas a respeito


do opúsculo do pastor Aníbal. Todavía as que até aqui foram
propostas, evidenciam mais urna vez que o autor é desonesto e
fraudulento em seus dizeres, nao hesitando em deturpar a ver
dade e a realidade para favorecer a sua causa. Ora tal autor
perde crédito junto ao público e se desclassifica por si mesmo.
Resta pedir ao Senhor Jesús que o ilumine para que reveja a
sua vida e se reconcilie com o Salvador e sua Santa Igreja!

Á guisa de bibliografía, citamos

O Santuario Nacional de Nossa Senhora Aparecida: objetivo, mensagem,


praxis pastoral. Aparecida 1977.

Pe. Julio Joáo Brustolini, Aparecida: sua imagem, seu santuario.


Aparecida 1980.

Pe. Machado, Aparecida na historia e na literatura. Livro I: Historia da


Padroeira do Brasil. A Unagem, seu culto e seu santuario. Ed. do Autor 19B3,
Campiñas SP.

— 142 —
A reencarnagáo mais urna vez:

"Minhas Vidas"
por Shirley MacLaine

Em síntese: O livro em foco narra as etapas da vida da atriz norte-


-americana Shirley MacLaine, que, após os quarenta anos de idade, passou
a Ireqüentar famosos mediuns e finalmente aderiu á doutrina da reencarnacao;
teria vivido duas existencias terrestres como homem e urna como mulher...

A tese da reencarnacao, (ortemente sugerida pelo enredo do livro, é


mal fundamentada pela autora. Esta a aceitou sem espirito critico e sem
discernimento, porque estava cansada do materialismo hedonista e fútil em
que vivfa. Impressionaram-na entáo as mensagens de mediuns, que pretensa
mente falavam em nome de espiritos desencarnados. Na verdade, nao há
provas de reencarnacao; todos os enredos de vida pregressa que sSo men
cionados como argumentos pro-reencarnacáo, nao passam de combinares
de dados históricos colhidos pelo próprio individuo na vida presente. A
desigualdade de sortes nao significa que estejamos atualmente pagando
pecados de existencias anteriores; a desigualdade é assaz relativa; ademáis
n3o se podem aferir os valores da vida de urna pessoa contando os bens
materiais (dinheiro, saúde fisica, vida longa...) que lem; a grandeza de
alguém está no ser, e nao no ter.

O livro pode impressionar por seu estilo vivaz, mas é pobre em argu
mentos e nao resiste a um exame científico psicológico e parapslcológico.

A atriz norte-americana Shirley MacLaine, célebre no


cinema, no teatro, e na televisáo, é também autora de alguns
livros, entre os quais se tomou famoso no Brasil Out on a limb,
traduzido para o portugués com o título «Minhas vidas» >. Esta
obra parece ser um testemunho muito eloqüente em favor da
doutrina da reencarnacao, pelo que tem impressionado os lei-
tores. Em vista disto, apresentaremos, a seguir, breve comen
tario do livro e de suas teses.

Editora Record, Rio de Janeiro, 140 x 210 mm, 317 pp.

— 143 —
56 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

1. O conteúdo da obra

Shirley MacLaine nasceu e foi criada no Estado do Vir


ginia (E.U.A.). Iniciou a carreira como danzarina e cantora
na Broadway; fez a transigáo para o cinema, onde se celebri-
zou por diversos filmes.

Levava vida leviana e despreocupada de assuntos religio


sos, guando, aos quarenta e poucos anos, foi influenciada por
um amigo, David, que era adepto de érenlas hinduístas e
reencarnacionistas. Viajou por diversos países a procura de
médiuns famosos, que a induziram a admitir que estava reencar
nada apos serie de encamacóes anteriores; era certo que já
vivera duas vezes em corpo de homem e urna em corpo de
mulher (p. 175)... Em encarnagáo anterior conhecera Gerry,
homem casado com que se divertía na vida presente,... esse
Gerry que mima existencia passada promovía intercambio cul
tural com seres extraterrenos! Assim Shirley julga ter desco-
berto outros aspectos do seu cu e tornou-se convicta do reen-
camacionismo, que ela professa através das páginas do seu
livro.

Ao descrever suas peripecias, a autora se refere a fenó


menos mediúnicos, panteísmo, a Igreja e reencarnagáo..., pon
tos estes que merecem atengáo da parte do leitor.

2. Refletindo.. .

Abordaremos cinco pontos doutrinários.

2.1. Esplritualismo panteísla

Shirley MacLaine passou do materialismo ao esplritua


lismo panteísta, que nao é senáo outra forma de materialismo,
pois identifica a Divindade com a alma humana e o mundo
material. O que ela descobriu de novo, é que a vida nao ter
mina com a dissolucáo do composto humano pela morte, mas
se prolonga no além.

Eis, porém, que o verdadeiro espiritualismo nao pode ser


panteista. É monoteísta, ou seja, professa que Deus é espirito
puro, transcendente em relacáo ao mundo e ao homem; nao

— 144 —
«MINHAS VIDAS» 57

se identifica com a alma humana nem com a materia, nem está


em evolugáo na historia, mas é o Criador da alma humana
(a qual é espiritual) e do mundo material.

O panteísmo implica forte contradigáo ou incoerdncia, pois,


identificando a Divindade e os seres materiais, identifica o Ab
soluto e o relativo, o Necessário e o contingente, o Eterno e o
temporal, o Infinito e o finito.

O panteísmo no livro aparece claramente ou frases como

«Vocé é Deus. Vocé sabe que é Divino. Mas deve continuamente


lembrar sua Divindade» (p. 182).

«A alma e Deus sao eternos e unos. . . Sua alma é urna metáfora


de Deus» (p. 165).

«A alma é urna forca subatómica, a energía inteligente que


organiza a vida. 6 parte de cada célula, parte da DNA, está em nos,
é nos e tudo o que existe... é o que chamamos Deus» (p. 283).

É táo pouco lógico o panteísmo que, de vez em quando, os


panteístas professam pronosicóes monoteístas, como no caso da
afirmacáo: «O homem é o Co-criador com Deus do cosmos»
(p. 165).

Se Deus e a alma humana sao o próprio mundo, como


podem ser criadores do mundo em sentido próprio? Somente
no monoteísmo se salva o conceito de criagáo.

2.2. Reencarnacáo

Panteísmo e reencarnacáo acham-se geralmente ligados


entre si. Com efeito; se nao há Deus distinto do homem, capaz
de dar ao homem a resposta a que este aspira, é o próprio
homem quem se salva ou se liberta das impurezas do pecado;
e, se nao o consegue numa vida, tem que dispor de outras
vidas ou encarnagóes para tanto. Segundo a doutrina da reen
carnacáo, é o homem quem se salva, e nao Deus que salva o
homem.

1. Em favor da reencarnacáo, foram apresentados a


Shirley MacLaine argumentos como a desigualdade das sortes
humanas (p. 58) e o deja vu ou a impressáo de já termos visto
lugares onde nunca estivemos (p. 97). Ora tais argumentos
nao resistem a urna critica serena.

— 145 —
58 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 229/1985

Com efeito; a desigualdade de sortes se explica pelo fato


mesmo de que toda criatura difere de qualquer outra; nem
se deve aferir o valor de urna vida humana pela posse dos bens
materiais (saúde física, dinheiro, carreira profissional...);
quem de algum modo é privado de tais bens, pode possuir valo
res espirituais (grandeza de alma, generosidade, coragem...)
que as pessoas materialmente aquinhoadas nem sempre possuem.

De resto, o criterio da grandeza de urna personalidade nao


é o ter (o que ela tem), mas o ser (o que ela é). Em última
instancia, só Deus pode avallar o grau de felicidade e os valo
res que tooam a cada ser humano. Além disto, numa perspec
tiva crista o sofrer com Cristo é penhor de ressurreieáo e glo
ria com Cristo (cf. 2Tm 2,11-13).

Pode-se aínda lembrar o seguinte; um fato comprovado


pela historia é que muitos dos grandes homens do passado e
do presente nasceram de familias pobres e lutaram contra a
falta de saúde; foi precisamente a luta que os engrandeceu.

Quanto ao argumento do «já visto», nao prova a reali-


dade de existencias anteriores: ainda que nunca tenha estado
em algum lugar, pode alguém ter conhecido tal lugar por foto
grafías, pelo cinema, por descrigóes oráis ou escritas...; pode
também ter conhecido lugar semelhante.

2. Nem a S. Escritura nem a Tradigáo da Igreja admi-


tem a tese da reencarnacáo, apesar do que afirma o livro em
pauta. O Símbolo da fe professa «a ressurreicáo dos mortos»;
vejam-se também os dizeres de Sao Paulo em ICor 15,20-24.

Houve, porém, nos séculos IV/V urna corrente de mon-


ges ditos «origenistas» (discípulos de Orígenes de Alexandria,
f 250), no Egito, na Palestina e na Siria, que se inclinaram
para a tese da reencarnacáo influenciados pelo platonismo.
Tal corrente foi condenada pelo Concilio de Constantinopla III
(553), e nao pelo de Nicéia, como afirma o livro em pauta á
p. 160; cf. p. 205. Os monges origenistas nao representam a
Tradigáo central da Igreja; levando vida muito retirada, entre
gue ao trabalho manual e á oragáo, eram pouco versados no
estudo e na teología; admiravam Orígenes principalmente por
causa dos seus escritos de ascética e mística, disciplinas em
que o mestre mostrou realmente ter autoridade. Nao tendo,
porém, cabedal para distinguir entre proposigóes categóricas e
meras hipóteses do mestre, os origenistas professavam cega-

— 146 —
«MINHAS VIDAS» 59

mente como dogma tudo o que liam nos escritos de Orígenes;


pode-se mesmo dizer que eram tanto mais fanáticos e buligosos
quanto mais simples e ignorantes.

De resto, a propósito de reencarnagáo e Cristianismo encon-


tram-se ulteriores consideragóes em PR 145/1972, pp. 25-36;
210/1977, pp. 244-247.

2.3. Fenómenos de mediunidade

Shirley MacLains fot induzida a consultar grandes médiuns


nos E.U.A., na Suécia, no Perú, e ficou impressionada por
quanto lhe diziam ou «revelavam» em nome de personagens do
além ou «espiritos-guias desencarnados». Esses médiuns assu-
miam feigóes estranhas e passavam a falar em tom de voz dife
rente, transmitindo a Shirley noticias de pretensas existencias
anteriores... Impressionada pela fenomenología, a atriz acre-
ditou que se tratava realmente de mestres invisíveis que lhe
desvendavam o seu passado mais remoto.

O que se deu com Shirley dá-se com muitas pesosas ainda


hoje: pouco preparadas do ponto de vista religioso e psicológico,
capituiam diante das surpreendentes manifestagóes mediúnicas
e aceitara as respectivas mensagens. Alias, há no ser humano
urna tendencia espontánea a recorrer a explicagóes religiosas,
místicas, «sobrenaturais»... todas as vezes que lhe ocorra um
fato insólito, inexplicável á primeira vista ou misterioso; a falta
de entendimento leva a admitir a intervengáo de um ser do
além, postulado para explicar o fato. Todavia o estudo da psi
cología e da parapsicología em nossos días demonstra sobeja-
mente que tais fenómenos impressionantes e maravilhosos nada
tém que ver com mensagens do além, mas sao simplesmente
ínanifestagócs do psiquismo dos respectivos médiuns. Com
efeito, na mediunidade alguns fenómenos parapsicológicos se
exercem simultáneamente ou isoladamente:

— perccpsüto: extra-sensoria!. O ser humano é capaz de


apreender a realidade por algum canal diferente dos sentidos
(visáo, audicáo, tato...); isto é fato documentado por nume
rosas experiencias e estatisticas. Essa realidade pode estar
muito distante, de modo a se produzirem os fenómenos de tele
patía, telecognigáo, clarividencia.

Nao raro acontece que o inconsciente de urna pessoa lé o


que está no inconsciente de outra pessoa; em conseqüéncia, o
médium — setn saber como — diz ao seu consulente certas

— 147 —
60 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

verdades que este nao lhe revelou nem tinha a intencáo de


revelar; o médium acerta de maneira espantosa nao por comu-
nicagáo do além, mas porque o seu inconsciente funciona sobre
o inconsciente do respectivo cliente.

O inconsciente também é capaz de guardar em seu depó


sito nogóes captadas por alguém na infancia ou em época dis
tante. Nunca mais a pessoa se recorda do que assim adquiriu;
mas um belo día pode fazer uso de tais conhecimentos de modo
a surpreender aqueles que a acompanham; dizem entáo que
está sendo iluminada por um espirito do além. — É á luz desta
explicagáo que se deve entender a alegagáo, no livro, de que
urna médium nos Andes, em estado de transe, escrevia em
língua sánscrita (p. 294). Diante desta afirmagáo, é preciso:
1) averiguar se, de fato, tal pessoa usava o sánscrito ou sim-
plesmente urna escrita estranha que passava por sánscrito.
Havia, ao lado, quem soubesse sánscrito para controlar o que
a médium escrevia? 2) Caso realmente escrevesse sánscrito,
pode-se crer que tenha visto ou ouvido outrora algo de sáns
crito, que ela reproduzia a partir do fundo do seu inconsciente.
A ciencia parapsicología explica o falar em línguas cstranhas
atribuido aos médiuns, recorrendo ao potencial do inconsciente.
Este é extremamente rico em dados e conhecimentos, como
também é poderoso para mover o comportamento do individuo;

— a psicografia ou escrita automática, citada á p. 294 do


livro, também é cnquadrada pela parapsicología dentro das
faculdades do psiquismo humano. Resulta de: 1) associagáo
de idéias contidas no inconsciente do sujeito e trazidas á
baila pelo mesmo em estado de transe; 2) essa fungáo psíquica
de evocar, associar e combinar idéias provoca a funeáo física
da grafía; com efeito, os nossos atos psíquicos mais íntimos e
ocultos tém sempre repercussáo sobre o nosso físico, pois somos
psicossomáticos. Em conseqüéncia, o médium em estado de
transe traz á tona do seu psiquismo reminiscencias de leituras,
conversas, imagens, que ele percebeu no passado; essas remi
niscencias suscitam o movimento da escrita automática corres
pondente. .. Quem o vé, pode julgar que se trata de inspirac.no
do além; todavía nao está senáo em presenga de fenómeno psi-
cossomático ocorrente na pessoa do médium;

— telergia é outro fenómeno parapsicología) que costuma


suscitar explicacóes «místicas»: os corpos se movem sem que
sejam impulsionados por urna forga física visível; nao haveria

— 148 —
«MINHAS VIDAS» 61

entáo entidades do além movendo tais corpos? — Na verdade,


tais movimentos se explicam pela energia do psiquismo de
determinada pessoa envolvida no respectivo caso.

— Muito importante também é o poder da sugestáo ou


do condicionamento de determinada pessoa. Se alguém acre
dita que foi rainha ou cavaleiro ou escudeiro em outra vida,
sentirá em si aquilo que urna ex-rainha, um ex-cavaleiro ou
um ex-escudeiro sentiría. Associará idéias e imagens e experi
mentará em si todas as conseqüéncias daquiio que idealiza ou
imagina. Julgará entáo que tem duas, tres ou mais personali
dades em si ou que está sendo «incorporado» por urna entidade
do além — explicagóes estas gratuitas ou mesmo alheias ao
espirito científico.

2.4. Igreja e Ciencia

Mais de urna vez o livro em foco atribuí a Igreja atitudes


contrarias ao progresso da ciencia. O desejo de dominar os
homens teria levado as autoridades eclesiásticas a impedir o
desenvolvimento dos estudos:

«A ciencia só recentemente... senté que se livrou dos grilhoes


da supersticao religiosa e está agora desfrutando sua liberdade e era
áurea- A atitudc é compreensivel. Pesquisar esses dominios da Igreja,
a antiga carcereira da ciencia, seria reconstituir a base de poder da
algoz antiga e tradicional» (p. 171; cf. p. 175).

A propósito convém observar:

1) Foi a Igreja quem, nos sáculos VI-X, através dos mos-


teiros e das escolas episcopais, salvou das ruinas a cultura
clássica e a transmitiu aos séculos posteriores.

2) Foi a Igreja quem na Idade Media fundou as pri-


meiras Universidades (Bolonha, Ñapóles, Paris, Oxford...) e
as fomentou com todo o esmero.

3) Muitos homens da Igreja — clérigos e leigos — se


tornaram altamente beneméritos da ciencia: tenham-se em
vista Francis Bacon, Gregorio Mendel, Ampere, Willhelm
Schmidt, Martin Gusinde, Paúl Schebesta, entre outros quase
incontáveis.

— 149 —
J32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

4) Em nossos dias a Igreja, entre outras pesquisas, incen


tiva o estudo do psiquismo humano, procurando a auténtica
explicagáo para fenómenos que, por serem insólitos ou miste
riosos, durante séculos foram atribuidos ao além. A fé cató
lica aceita, sem dúvida, a possibilidade de milagres; todavía só
admite milagres desde que nenhuma explicagáo natural possa
ser dada aos fenómenos extraordinarios; sempre que a ciencia,
devidamente fundamentada, elucide o misterio, a Igreja aceita
a explicagáo científica.

Estas ponderagóes mostram que a Igreja está longe de ser


infensa á ciencia, nem pretende sufocar os estudos em vista
de interesses mesquinhos.

Por isto também a Igreja se opóe ao curandeirismo, ou


seja, ao processo de curas por recursos mágicos ou por pre
tensa intervengáo do além provocada mediante ritos ou recei-
tas «infalíveis». Infelizmente o livro de Shirley MacLaine su-
gere e favorece o curandeirismo (cf. pp. 121.141); esta posi-
gáo nao habilita a autora a defender a ciencia pretensamente
sufocada pela Igreja!

Urna aplicagáo concreta do espirito científico ocorre nos


casos de regressáo hipnótica, tidos como argumentos em favor
da reencarnagáo. Com efeito; urna pessoa hipnotizada, diri
gida por um perito, pode descrever o enredo de sua vida «pre-
gressa», dizem os reencarnacionistas. O mais famoso episodio
deste género foi o de Virginia Tighe, hipnotizada na década
de 1950 pelo banqueiro Morey Bernstein nos Estados Unidos;
em transe hipnótico, Virginia contou o enredo de pretensa exis
tencia no século passado vivida por ela na Irlanda, com o nome
de Bridey Murphy... Esse enredo impressionou vivamente a
quantos dele tomaram conhecimento, pelas múltiplas minucias
de suas descricóes e pelo sotaque irlandés com que foi narrado.
Todavía sindicáncias feitas a propósito mostraram que Virgi
nia, quando jovem, namorava um rapaz cuja máe era irlandesa;
indo á casa desta, ouvira da mesma, narrados com sotaque
irlandés, muitos episodios da vida irlandesa dessa velha senhora;
assimilara essas narracóes com particular atengáo, visto que
urna certa carga afetiva a prendia á senhora irlandesa e a
seu filho. Esquecera tais narragóes até o momento em que,
posta em transe hipnótico e sujeita as sugestóes do hipnotiza
dor, associou tais historias em um enredo pessoal muito pró
ximo á realidade da senhora irlandesa..., enredo este que Vir-

— 150 —
«MINHAS VIDAS» 63

ginia apresentou como sendo o de sua própria vida pregressa,


visto que recebera o comando de narrar a sua pretensa exis
tencia anterior. Urna vez explicado racionalmente o caso de
«Bridey Murphy» ou Virginia Tighe, desfez-se o mais impres-
sionante argumento em prol da reencarnagáo derivado das
regressóes em idade.

Os casos de regressáo da memoria que tém levado certas


pessoas a descrever sua vida «pregressa», tém sido estudados
pela parapsicología; esta mostra que qualquer enredo de vida
anterior até hoje apresentado se explica pela livre associacáo
de impressóes e imagens colhidas pelo sujeito na própria vida
presente.

2.5. Habitantes de ot/Iros planetas

A fé católica nada tem a opor á hipótese de que haja


outros planetas habitados por criaturas inteligentes. Deus pode
muito bem ter feito diversos seres racionáis que exprimam, a
seu modo, o louvor do Criador no vasto cosmos.

Todavía a Igreja é sobria diante desta perspectiva, como


sobria é a ciencia. Até hoje nao se descobriram, de maneira
comprovada, habitantes de outros planetas. Também se sabe
que nao há no nosso sistema solar condicóes propicias ao surto
e á manutengáo da vida. Cf. pp. 90-99 deste fascículo.

Os adeptos da reencarnacjio costumam professar com


'grande énfase a existencia de habitantes em outros planetas;
seriam espiritos desencarnados, que se comunicariam com os
terrenos mediante processos mediúnicos. Tal tese é gratuita,
ou seja, destituida de qualquer fundamento científico, baseada
antes em premissas «místicas». Nao se diga que as páginas
bíblicas, especialmente as do profeta Ezequiel, atestam a pre
senta de extraterrenos em nosso mundo (cf. pp. 183. 208). A
Biblia, sendo um livro arcaico, há de ser lida dentro do con
texto do pensamento e da lingüistica dos antigos orientáis;
recolocadas nesse ambiente, verifica-se que as páginas sagradas
em absoluto nao insinuam nem a reencarnacáo nem a exis
tencia de seres extraterrenos.

— 151 —
Aínda a questáo candente:

0 Testemunho do "Rei do Aborto"

Em sfntese: O Dr. Bernard Nathanson distinguiu-se, no Estado de


Nova lorque, por sua campanha e sua prática abortistas. Após realizar cerca
de 5.000 abortos, foi, por circunstancias varias, levado a estudar mais de
parto a Embriología e a Perinatologia; tomou entao conhecimento preciso da
vida do feto no seio materno e verificou que a ocls&o de tal ser é homicidio
cometido contra criatura indefesa. Resolveu entio abandonar a sua prática
abortista, nSo por motivos religiosos (pols Nathanson nao professa crencas
religiosas), mas únicamente por razóes científicas. Os pormenores dessa
peripecia sSo relatados pelo próprio médico no segmento de conferencia,
que val transcrito nestas páginas. Tém o valor de um depoimento objetivo
e experimental, independente de posig5es religiosas.

O tema «aborto» continua candente. Após ter publicado


artigos de ordem médica e filosófico-religiosa sobre o assunto
(cf., entre os últimos, PR 274/1984, pp. 205-218), PR publica
hoje parte do texto de urna conferencia do Dr. Bernard Nathan
son, que em Nova lorque se celebrizou como líder de campanha
e de prática abortistas, merecendo a alcunha de «Rei do aborto».
Este médico, após ter realizado cerca de 5.000 abortos, resolveu
abandonar tal prática por razóes de ordem científica. O seu tes
temunho é reproducido ñas páginas que se seguem, com o peso
de provir de um dentista nao religioso, que se deixou mover
únicamente por conclusóes de ordem biológica e médica.

COM A PAIAVRA, O MÉDICO...

Meu interesse pelo aborto comecou no inicio de minha passagem


pela Faculdade de Medicina, por ocasiao da experiencia de ter urna
amiga que fícou grávida. Naquela época era quase impossível con
seguir realizar um aborto. Finalmente alcáncennos o objetivo, porém
o individuo que o realizou era um charlatao, que por pouco nao a
matou. Depois $eguiram-se alguns anos de prática em obstetricia e
ginecología — oito anos, para ser exato. Foi, entño que despertou
.* .■■»■ :
— 152 —
TESTEMUNHO DO «REÍ DO ABORTO» 65

em mim urna grande sensibilidade para com a situacáo penosa daquelas


mulheres que se expunham a lesóes graves, e mesmo á morte, nos
abortos praticados clandestinamente. No período seauinte, de 1957
a 1967, exercendo ¡á a Medicina, me persuadí aínda mais de que era
necessário mudar as leis que proibiam o oborio, por consideró-las
restritivas e injustas.

Foi assim que, em 1968, organizei um grupo chamado «Associacdo


Nacional para a Revogacao das Leis contra o Aborto». Surpreendemos
nossos adversarios dormindo. Nessa organizacáo, que uniu todas ai
tarcas que havia entáo a favor do aborto, elaboramos urna serie de
fóticas para nossa campanha. Afirmamos ao público que, devido aos
abortos clandestinos, morriam cada ano de 10 a 15 mil mulheres. Mas,
de fato, sabíamos por nossas investígacóes que o número nao era mais
do que 200 a 300. Inventamos também lemas de grande persuasao
e agressividade, como «A mulher tem direito ao dominio do seu próprio
corpo», «Liberdade de escolha», «A conspíracao católica» e outros
semelhantes.

Tivemos extraordinario éxito. Trabalhando com recursos de 7 mil


a 8 mil dólares anuais, em dois anos lancamos por térra a leí contra
o aborto, no Estado de Nova lorque. Gracas a urna trama de mentiras
e a urna maquinacao calculada, conseguimos ter, pela primeira vez
nos Estados Unidos, urna leí que permitió incondicionalmente o aborto.
Filemos de Nova lorque a capital do aborto no país, enquanto meus
colegas me apelidavam de «reí do aborto».

Claro que nao nos ¡ulgamos satisfeitos simplesmente por ter


alcancado a descriminacao do aborto. Ambicionamos impulsionar toda
urna acao marica que permitisse a qualquer mulher — também as
pobres — conseguir um aborto barato, rápido e seguro. Fundemos urna
clínica denominada «Centro de Saúde Sexual e da Reproducao», um
eufemismo de grande efeito, e que, no fim de contas, se converteu num
mafadouro- Durante o período em que fui diretor da Clínica pratica-
ram-se 60 mil abortos, aproximadamente 120 por día. Eu mesmo,
pessoalmente, realizei cerca de 5 mil abortos, ao longo de minha vida.

A Clínica proporcionava urna receita de 5 milhóes de dólares


anuais. De fato, era, entáo, a única instituicao desse tipo. De 1970
a 1972 atraímos mulheres da metade dos Estados Unidos, e ¡amáis
voltará a suceder urna experiencia tao concentrada em um só ponto,
pois que, em 1973, a sentenca da Suprema Corte levantou as restricoes
ao aborto em todos os Estados.

— 153 —
66 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

1 — Os progressos científicos me abriram os olhos

Em fins de 1972, renunciei ao cargo de diretor da Clínica, nao*


porque estivesse desengañado com o aborto ou porque tivesse serias
dúvidas. Tinha compromessos em demasía, estava minando minhas
forcas e me sentía cansado. Quatro meses depois, pediram-me que
organizasse e dirigisse o Servico de Embriología e Perinatologia do
Hospital de St. Luke, ura dos mais importantes de Nova lorque, perten-
cente á Universidade de Columbio. A unidade engloba as disciplinas
médicas que estudam o ciclo da vida, os hábitos, a psicología, a
sensibilídade e a fisiología do feto. Este novo ramo da Medicina surgía
.gracas á obtencáo de certas tecnologías como o ultra-som, a imuno-
química, o marcador de coracáo do feto e outras técnicas muito
complexas.

Uve, entao, ocasiáo de entrar em contato com esses progressos,


que vieram iluminar o campo escuro da vida do feto. Quando era
estudante de Medicina, na Universidade McGill do Canadá, compulsa-
vamos um livro de texto conhecido como Williams, hoje, um texto
clássíco em Medicina. A edicáo de 1947 que eu usei, era a oitava,
e tinha 22 páginas dedicadas ao feto, do total de 750 a 800 páginas
que perfaziam o livro. Atualmente se encontró em sua décima sexta
edicáo, publicada em 1980. Aprésenla 137 páginas sobre fisiología
do feto e outras 127 sobre diagnóstico de enfermidades embrionarias,
o que constituí, aproximadamente, urna terca parte do livro. Isso revela
o índice de importancia que adquiriu o estudo do feto nos últimos oito
ou dez anos, desde que se constituiu a ciencia da Embriología.

Quando comprovei com absoluta clareza, gracas a essas novas


técnicas, que o feto respira, que dorme em ciclos de sonó perfeitamente
definidos, que é sensível aos sons — comprovou-se que reage de dife
rentes maneiras ante diferentes tipos de música —, á dor e a quaísquer
outros estímulos que voces e eu possamos perceber, ficou comprovado
para mim de maneira irrecusável que o feto é um de nos, de nossa
comunidade, que é urna vida, urna vida que deve ser protegida.

E mesmo mulheres grávidas, decididas a abortar, submetendo-se


a' provas como a do ultra-som, ficaráo comovidas, poís é impressionante
o abalo que se senté ao ver o feto tao de perto, no monitor, moven-
do-se, respirando, chupando o dedo ou cocán do o nariz, já aos dois
ou tres meses e meio de vida, é urna revelacáo comovedora, e estou
convencido de que passar por esso experiencia se converterá no argu
mento mais poderoso para deter a matonea.

— 154 —
TESTEMUNHO DO «REÍ DO ABORTO» 67

2 — A falsidade dos lemas abortistas

Que resta, pois, dos slogans abortistas? Tomemos o da «liberdade


de escolha»- Todos estamos a favor da livre escolha. Sempre quando,
é claro, haja urna escolha ética. Se urna das alternativas nao é etica-
mente aceitável, a escolha nao admite o escrutinio: de tato, nao é
urna escolha, e, portanto, a «liberdade de escolha» é um lema vazio.
Suponhamos que estou falido. Posso escolher trabalhar para ganhar
dinheiro, ou roubar um banco, ou assoltar a vocé e tirar-lhe a carteira:
mas as duas últimas nao sao escolhas éticas.

«O direito ao dominio do corpo» é outro lema de grande atrativo.


Hoje, gracas á Imunologia, sabe-se cotn absoluta certeza que o feto
nao é urna parte do corpo da mae. Os glóbulos broncos do sangue
sao capazes de reconhecer qualquer corpo estranho ao organismo e
de acionar os mecanismos de defesa para destrui-lo. Quando o feto
se implanta na parede do útero, o sistema imunológico materno reage
para expulsar o intruso, mas, naturalmente, o feto está dotado de um
delicado método de defesa em face dessa reacao. Em alguns casos
a defesa nao é tao eficaz como devia, e o feto é expulso e aborta.
Isto mostra que o feto nao é urna parte do corpo da mae. Simplesmente
lá está de passagem como hospede, e ela nao pode dispor dele.

Outra tática muito importante foi apresentar a oposigáo ao aborto


como urna ingerencia da Igreja Católica. Nao se tratava de atacar o
Papa, porque centralizar a atencao em um só homem poderia despertar
urna reacao de simpatía. Evitamos também condenar todos os católicos,
porque isso enfraqueceria muito o tema. E mesmo íamos necessitar de
algumas mulheres católicas para levó-las á frente como escudos, para
que afirmassem que estavam a favor do aborto. E assim fizemos. Por
isso concentramos o ataque nos bispos e altas hierarquias, um grupo
suficientemente reduzido para que sofressem todos os ataques e bas
tante ampio para que fosse manifestó.

Agora pensó que na propaganda daqueles anos, em que nos


¡ogávamos contra a Igreja Católica, se tivéssemos substituido a palavra
«católica» pela palavra «negro», a opiniao pública nos teria rejeitado.
Naquele tempo era moda atacar a Igreja Católica, e nos aproveitamos
disso. Para que um lema seja eficaz, deve esgrimir-se um argumento.
Nesse caso, o de que a Igreja nao se deve ¡miscuir em assuntos do
Estado- No entonto, todos sabemos que o Rev. Martín Luther King
era um ministro protestante e levou a cabo urna das revolucóes sociais

— 155 —
68 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

mais profundas nos Estados Unidos. Também recordamos que alguns


dos personagens mais ativos na abolicáo da escravatura em Bostón
eram membros do clero.

Também voces ouviram dizer que o aborto é um problema médico',


que deve ser deixado ñas maos dos doutores. Mas o fato de o aborto
ser urna técnica nao se converte em um problema médico, do mesmo
modo que a pena de morte nao é um assunto dos engenheiros eletri-
cistas pelo fato de usar a cadeira elétrica.

Cada ano se praticam nos Estados Unidos 1.300.000 abortos. A


urna media de 350 dólares por aborto, somam-se 500 milhoes de
dólares, que vSo parar nos bolsos dos médicos e dos responsáveis pelas
clínicas. Deixar urna .questao como a do aborto em maos dos mais
interesados económicamente, é loucura e irresponsabilidade.

3 — A farsa do aborto terapéutico

Também tivemos experiencia, em Nova lorque, com as comissóes


do «aborto terapéutico», pois antes de 1970 o aborto só era possível
por exigencia médica. Essas comissóes, formadas por tres doutores em
cada hospital, opinavam sobre a validade de cada pedido de aborto.
Bem cedo se converteram em urna farsa. Os pedidos de aborto iam,
invariavelmente, acompanhados de dois certificados redigidos por
psiquiatras, manifestando que a mulher em questao tinha tendencias
suicidas por causa da gravidez. Naturalmente, sempre que tinha urna
paciente que desejava abortar, eu a enviava a dois psiquiatras amigos
meus. Estes davam os atestados costumeiros — urna tarefa rotineira
que nao Ihes tirava mais de cinco minutos — e cobravam os 100
dólares de coslume. Eu enviava os informes á comissáo que os revisava,
colocava seu carimbo, e a paciente obtinha rápidamente o aborto
solicitado. As comissóes eram algo absolutamente vazio, levavam ao
descrédito « ao abuso da leí, e, qvando esta foi abolida em 1970,
se desfizeram.

Outro fato que ¡lustra o chamado «aborto terapéutico», é a alte-


racao ocorrida em 1976, quando o Congresso aprovou urna emenda,
em virtude da qual só podiam ser financiados com fundos públicos os
abortos motivados por estupro, incesto ou por causa do perigo da vida
da máe. Em poucos meses, a porcentagem dos abortos custeados pelo
Estado caiu a uns 2%. Era claro que a intensa maioria dos abortos
nao correspondía a nenhuma «necessidade médica».

— 156 —
TESTEMUNHO DO «REÍ DO ABORTO» 69

Nao sou um homem religioso. De fato, nao entro em um templo


desde os treze anos. Mas quero, sim, assegurar-lhes que temos de deter
esse processo ineficaz e destrutivo, cu¡o único resultado é urna maior
dissolucao da familia- Devemos reafirmar o amor entre nos, especial
mente para com o ser mais frágil e indefeso. Agora considero o aborto
como um mal, indefensável éticamente, á luz dos nossos atuais conhe-
cimentos sobre a crianca aínda nao nascida.

Este testemunho, eloqüente como é, dispensa qualquer


comentario.

IMPORTANTE!
CURSO DE INICIACAO TEOLÓGICA
POR CORRESPONDENCIA

A Escola de Fé e Catequese «Mater Ecclesíae» da Arquidio-


oese de Sao SebastiSo do Rio de Janeiro esta para lancar um
CURSO DE TEOLOGÍA POR CORRESPONDENCIA ,(além do
Curso Bíblico já laucado em fevereiro de 1984 e em franca
expansáo até noje), da autoría do Pe. Estéváo Bettencourt,
O.S.B.

Nao será nem um Curso de Catecismo rudimentar nem


urna serie de licóes de nivel muito especializado, mas um instru
mento de estud» para a sólida formagála dos fiéis católicos. Em
trinta módulos aproximadamente, seráo abordados todos os
tratados da teología, desde a Teología Fundamental até os
Novíssimos. O ritmo do Curso será o do anterior: envío, ao
cursista, de licóes acompanhadas de perguntas; as pravas man
dadas á sede da Escola seráo oorrigidas e devolvidas ao cursista.
com novas licóes para que continué a estudar. A duracáo do
Curso estará a criterio do interessado, que poderá aplicar ao
estudo todo o tempo que julgar necessário.

Os pedidos de informacóes tanto para o Curso Bíblico como


para o de Teología sejam dirigidos á Escola «Mater Ecclesiae»,
Rúa Benjamín Constant 23, S* andar, Caixa postal 1 362
20241 — Rio de Janeiro (RJ).

Amigo, procure conhecer melhor o conteúdo da sua fe, para


que vocé mais a nossa estimar e testemunnar!

— 157 —
Entre os direitos do homem:

"Escola Livre e Gratuita"


por Miguel Naccaratto, S.J.

Em sintese: O Pe. Miguel Naccaratto, S.J. lembra a necessidade de


que o enslno, alóm de obrigatório para as enancas, seja gratuito, para que
as familias possam escolher livremente a escola de seus filhos. Diversas
declaracSes de Organismos Internacionais tém frisado a liberdade de ensino
e o dlreito que toca ás familias, de optar pelo tipo de educacáo e de
escola dos seus filhos.

Ora este dlreito é burlado se, como no Brasil, há discriminacSo, por


parte do Estado, entre escola particular e escola pública. Esta é mantida
por subsidios do Governo, de modo que se torna gratuita para os seus
usuarios; ao contrario, a escola particular vinha sendo até 1983 protegida
por bolsas de estudo resultantes do salário-educacio; mas, a partir de
07/06/1983, se vé privada de tal apolo governamental. Em conseqüéncia,
as familias carentes sSo obrigadas a recorrer á escola pública, ainda que
esta nao corresponda aos seus anseios; quanto ás familias nao carentes, se
querem optar pela escola particular, devem pagar duas vezes a educacSo
de seus filhos: urna, mediante os impostos; e outra, mediante as mensali-
dádes escolares.

Tal situacáo de injustica deve ceder a nova sistemática que respeite


os direitos da familia brasileira; isto poderia ser obtido mediante a emissao,
por exemplo, de cheques, bonus ou carnés educacional, por parte do
Estado, que deveria, sem dúvida, dar mais atencáo e aplicar mais verbas á
nobre causa da educagáo no Brasil.

O Pe. Miguel Naccaratto, S.J. vem-se dedicando, há muitos


anos, ao problema da escola; estudou o assunto em oito países
do Ocidente europeu. Dado que 1) todo ser humano tem direito
á educacáo e 2) a familia (bergo onde a educacáo comega) é
insuficiente para atender por si a plena educagáo e á adequada
instrugáo de seus filhos, pode-se dizer que todo individuo tem
direito á escola, independentemente das condigóes socio-econó
micas em que verse a sua familia.

Daí a reivindicagáo de escola gratuita. Esta, porém, nao


deve ser monopolizada pelo Estado, visto que os pais tém o
direito de escolher para seus filhos o tipo de educacáo e de ins-

— 158 —
«ESCOLA LIVRE E GRATUITA» 71

trugáo que corresponda á sua filosofía de vida. Por isto há de


ser gratuita nao somente a escola oficial, mas também a escola
particular, criada pela livre iniciativa de cidadáos capacitados
e honestos. E, para que isto ocorra, torna-se indispensável que
o Estado subvencione nao somente a escola oficial, mas também
a particular. Nao basta que o Estado nao se oponha á escola
particular, mas é preciso que Ihe possibilite ser gratuita; se nao
o fizer, os cidadáos que optarem pela instituigáo particular, teráo
que pagar duas vezes o custo da escola; urna vez, sob forma de
impostos; outra vez, sob forma de mensalidades devidas ao
estabelecimento particular.

É esta, em síntese, a sabia tese do livro que o referido edu


cador acaba de publicar sob o titulo «Escola Livre e Gratuita» '.
— O problema é cada vez mais atual no Brasil e, de modo espe
cial, em alguns Estados da Federacáo. Eis a razio pela qual,
ñas páginas seguintes, abordaremos de mais perto o conteúdo
do livro em foco.

1. Declaragóes Internacionais

O autor comeca por evidenciar os fundamentos da sua tese


como propostos por documentos de reconhecido valor inter
nacional.

A Assembléia Geral das Nagóes Unidas, em 10/12/1948,


aprovou a Declaragáo Geral dos Direitos Humanos, que incluí
importantes itens referentes aos direitos de educacáo.

Esse texto tornou-se modelo para outros documentos de


Organismos Internacionais. Além do qué, existem declaragóes
da Igreja que enfatizam a liberdade, dos pais, de educar os filhos
segundo os ditames da sua consciéncia. Tal direito exige o apoio
do Estado para que possa ser devidamente exercido.

A seguir, transcreveremos algumas dessas declaragóes:

1.1. A Declara^áo Universal dos Direitos Humanos

«Artigo 16:

3. A familia é o elemento natural e fundamental da sociedade


e tem direito á protegáo da sociedade e do Estado».

i Ed. Loyola 1984, 137 X 208 mm, 79 pp.

— 159 —
72 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

«Artigo 26:

I. Toda pessaa tem direito á educacao. A educacao deve ser


gratuita, ao menos no que se refere ao ensino elementar e funda
mental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profis-
sional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve ser
igualmente aberto a todos em funcao do mérito.

3. Os país tém prioridade de direito na escolha do género de


educacao a ser ministrada a seus filhos».

1.2. Pacto Internacional de Direitos Cvis e Políticos

Aprovado pela Assembléia Geral das Nagóes Unidas, ONU,


mediante a Resolugáo n» 2.200-A (XXI) de 16 de dezembro
de 1966. Entrou em vigor a partir de 23 de margo de 1976, ao
se atingir o mínimo de trinta e cinco países ratificantes.

«Artigo 18:

4. Os Estados Partes no presente Pacto se comprometen! a res-


peifar a liberdade dos pais, et quando for o caso, dos tutores legáis,
para garantir que os filhos recebam a educacao religiosa e moral que
esteja de acordó com suas próprias convíccoes».

«Artigo 23:

1. A familia é o elemento natural e fundamental da sociedade


e tem o direito á protecao da sociedade e do Estado».

«Artigo 26:

Todas as pessoas sao iguais perante a leí e tém direito sem


discriminacao a igual protecáo da lei. A este respeito, a leí proibírá
qualquer discriminacao e garantirá a todas as pessoas protecáo igual
e efetiva contra qualquer discriminacáo por motivos de raca, cor, sexo,
idioma, religiáo, opinioes políticas ou de qualquer índole, origem na
cional ou social, posicao económica, nascimento ou qualquer outra
condicáo social».

_ 160 —
«ESCOLA LIVRE E GRATUITA» 73

1.3. Convencáo contra as Discrim¡na$oes no Dominio do Ensino

Adotada pela Conferencia Geral das Nacóes Unidas para


a Educacáo e Cultura, UNESCO, em sua undécima reuniáo
realizada em París de 14 de novembro a 15 de dezembro de
1960, com a participagáo de nao menos de cinqüenta e tres
Nacóes. Foi aprovada com a data de 14 de dezembro de 1960
e entrou em vigor a partir de 22 de maio de 1962.

«Artigo 4:

Os Estados Partes na presente Convencáo se comprometem,


ademáis, a formular, desenvolver e aplicar urna política nacional ten
dente a promover, por métodos adequados as circunstancias e aos
usos nacíonais, a igualdade de oportunidades e de trato no setor do
ensino e, em especial, a:

a) tornar obrigatório e gratuito o ensino primario; generalizar


e tornar acessível a todos o ensino secundario em suas diversas formas,-
tornar igualmente acessível a todos, segundo a capacidade de cada
um, o ensino superior; velar pelo cumprimento, por todos, da obrigacáo
escolar prescrita pela leí;

b) ...

c) estimular e intensificar, por métodos adequados, a educa-


cao das pessoas que nao tenham recebido instrucáo primaria ou que
nao a tenham completado, e permitir-lhes que continuem seus estudos
em funcao de suas aptidoes».

Artigo 5:

«1 . Os Estados Partes na presente Convencáo concordan!:

a) ...

b) que se deve respeitar a liberdade dos país ou, quando for


o caso, dos tutores legáis,

lf, de escolher, para seus filhos, estabelecimentos de ensino que.


nao sejam mentidos pelos poderes públicos, porém que respeitem as
normas mínimas prescritas ou aprovadas pelas autoridades competentes;

— 161 —
74 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

2°, de dar a seus filhos, de acordó com as suas modalidades de


oplicacao determinadas pela legislando de cada Estado, a educacáo
religiosa e moral conforme as suas próprias conviccoes; e, ademáis, de
nao se obrigar nenhum individuo ou grupo a receber instrucáo religiosa
incompatível com suas conviccoes;

c) que se deve reconhecer aos membros das minorías nacionais


o direito de exercer as atividades educacionais que Ihes sejam próprias,
entre elas a de estabelecer e manter escolas...».

Outros varios documentos se poderiam citar, que reafir-


mam as grandes linhas dos que até aqui foram transcritos.

2. A sitúasete no Brasil

No Brasil a educagáo e o ensino de base (ensino de pri-


meiro grau) sao obrigatórios na faixa etária dos sete aos qua-
torze anos. Esta norma nao é posta em discussáo hoje em dia;
verifica-se que a familia, para exercer sua missáo educadora,
precisa do auxilio da sociedade.

Existe também no Brasil liberdade de ensino, ao menos


em tese. Isto quer dizer que, em principio, é deixada aos par
ticulares a iniciativa de promover o ensino privado segundo
sua filosofía de vida, contanto que atendam as injuncóes legáis
do Estado.

Outra questáo relacionada com o ensino — e esta muito


delicada — é a da gratuidade. Com efeito; onde existe obri-
gatoriedade escolar, deve haver também gratuidade escolar,
para que a obrigatoriedade possa ser assumida. Onde há deve
res, há também direitos.

Neste particular, a situagáo brasileira tem passado por


vicissitudes, a saber:

A Lei n» 4.440, de 27/10/64 criou o sistema de bolsas


de estudo do salário-educasáo. Assim rezava o respectivo
artigo 1*:

«É instituido o solário-educacao devido pelas empresas vinculadas


á Previdencia Social, representado pela importancia correspondente ao
custo do ensino primario dos filhos dos seus empregados em idade de
escolarizacáo, obrigatório e destinado a suplementar as despesas
públicas com a educacáo elementar».

— 162 —
«ESCOLA LIVRE E GRATUITA» 75

Segundo o teor deste artigo, seria lícito aplicar os recursos


provenientes do salário-educacáo ñas escolas particulares em
favor de quaisquer alunos da comunidade. Tal disposicáo foi
confirmada pelo Decreto n' 76.923, de 26/12/75, que tornou
evidente a possibilidade de se aplicarem as bolsas de estudo
do salário-educacáo «pelo sistema de compensacáo, para quais
quer adultos e enancas» (artigo 11, b).

Conseqüentemente, a partir de 1975 comecaram a surgir


contratos de empresas com escolas particulares, que visavam a
aplicar, no todo ou em parte, os recursos do salário-educacáo
em bolsas no ensino do primeiro grau. O número de bolsistas
foi crescendo e em 1983 atingía aproximadamente a cota de
1.600.000 estudantes em todo o Brasil. O valor da bolsa, a
principio quase irrisorio, foi-se elevando, de modo que em 1983
já era suficiente para praticamente cobrir os gastos do ensino
ao menos em escolas do interior do país.

Todavía, sob o pretexto de cortar abusos e desvíos na


aplicagáo dos recursos do salário-educacáo, criou-se em 1982,
através do Decreto n> 87.043, de 22/03/82, nova burocracia
para a distribuicáo de bolsas de estudo. Ainda sob a alegagáo
de que tais abusos se verificavam por parte de pessoas e insti-
tuigóes inescrupulosas, foi emitido o Decreto n» 88.374, de
07/06/83, que aboliu a cláusula de distribuicáo de bolsas de
estudo do salário-educacáo «pelo sistema de compensacáo, para
quaisquer adultos e enancas». Este decreto acarretou urna
ruptura na caminhada do país em direcáo 'á democratizacáo
do ensino. A escola particular tem deixado de ser procurada
por familias carentes, de modo que nao poucos estabelecimen-
tos tém vagas ociosas, enquanto outros se váo fechando.
A canalizagáo exclusiva ou quase exclusiva dos recursos
públicos para as escolas oficiáis viola um direito da familia
brasileira, pois a priva da liberdade de opeáo pela escola par
ticular, confessional ou leiga. Com efeito, as familias caren
tes sao obrigadas a matricular seus filhos na escola oficial,
mesmo que nao lhes agrade a orientagáo ou a qualidade de
ensino dos estabelecimentos públicos. Quanto as familias nao
carentes, se querem optar (como lhes é de direito) pela escola
particular, sao coagidas a pagar duas vezes a educacáo de seus
filhos, pois, além de contribuir com os impostos, contribuem
com as mensalidades pagas á escola particular.

Eis o grave problema com que a populagáo brasileira se


defronta neste momento.

— 163 —
76 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

3. Reflexóo final

É inadmissível a gratuidade unilateral e exclusiva da


escola oficial mantida com recursos que sao de todos. En-
quanto subsistir este sistema, persistirá a coagáo, direta ou
indireta, sobre as familias brasileiras em favor da escola pú
blica. Assim o país caminhará, talvez inconscientemente, para
a estatizarlo do ensino.

Sem os subsidios do Estado á Escola particular, a familia


nao goza de liberdade quanto á escolha da escola para seus
filhos. Liberdade sem meios é liberdade teórica.

Para por termo á situacáo de injustica assim criada no


Brasil, com perspectiva de se agravar sempre mais, o Pe. Mi
guel Naccaratto propSe um processo que de certo modo subs
tituí o das bolsas de estudo provenientes do salário-educacáo:

«Seria fácil excogitar um sistema simples e objetivo, um cheque


ou um bónus ou mesmo um carné educacional de valor equivalente a
urna anuidade regional padrdo para cada enanca ou jovem na faixa
etária da escolarizacao obrigatória. Se sao 25 milhoes de pessoas
escolarizáveis, sejam emitidos 25 milhóes de cheques ou bónus ou
carnés educacionais, e estes poderiam ter doze cupons de valor mensal
com a cláusula de automático reajuste, de acordó com os índices infla
cionarios. Hoje temos as facilidades do censo e dos computadores e
inclusive urna ampia rede bancária em todo o país como suporte de
apoio para a execucao dessa tarefa. De posse do cheque ou bónus
ou carné educacional, a familia procuraría a escola de sua preferencia,
oficial ou particular, confessional ou leiga. é natural que logo venha
á mente a pergunto: e os recursos para cobrir esse avultado montante
de despesas? Respondemos que, quando há urna opeáo política pela
educacáo, sobretudo pela educacao de base, redimensionam-se os
orcamentos, <quer federal, .quer estaduais, quer municipais, buscam-se
e criam-se novas fontes de receita.

Seja através do sistema de bolsas de estudo — sem cláusulas


restritivas de haver ou nao vagas em escolas oficiáis — seja através*
de cheque, bónus ou carné educacional, seja aínda através de outra
forma, o que fica é o desafio ao espirito crítico e á coragem dos bra-
sileiros para encontrar e por em prática urna solucáo brasileira com
perfeita adequacáo «os principios de liberdade de ensino» (p. 73).

— 164 —
«ESCOLA LIVRE E GRATUITA» 77

É de frisar que nao há intengáo de esvaziar a escola ofi


cial, mas, sim, procura-se propiciar aos pais os meios de pode
rem escolher a escola de seus filhos. Os estabelecimentos ofi
ciáis só teriam a ganhar, porque receberiam o estímulo do
desafio para oferecer qualidade á livre opgáo da familia.

Sabiamente conclui o autor do livro;

«A luz desses principios e normas, entendemos que Educasao e


direito e dever de todos, mas que ao poder público cabe especial res-
ponsabilidade no sentido de, além de oferecer escolas de boa quali
dade, propiciar aos pais condicoes e meios para efetivamente poderem
escolher a escola de sua preferencia, quer oficial, quer de iniciativa
particular» (p. 75).

«ESCOLA LIVRE E GRATUITA, de boa qualidade para todos»


<P. 75).

Muito oportunas sao as ponderacóes do Pe. Naccaratto


numa hora em que a educacáo aparece como o problema n» 1
do Brasil. O cidadáo brasileiro devidamente escolarizado tor-
nar-se-á um construtor da sociedade trabalhadora e próspera
que se pode almejar. Um cidadáo devidamente educado e ins
truido sabe cuidar de sua higiene e saúde, sabe instituir digno
sistema de habitagáo, sabe planejar a sua familia, sabe exer-
cer urna profissáo útil ao pais e condizente com as exigencias
da técnica moderna, sabe também fazer livres e lúcidas opgóes
políticas... Por conseguinte, ao Governo só pode interessar
a promocáo da escola e da educacáo, que deveriam ser a pupila
dos olhos dos estadistas brasileiros. Ao fomentá-las, evite o
Governo sufocar os direitos da familia brasileira; ao contrario,
respeite os direitos dos cidadáos e, por isto, a livre iniciativa
dos educadores particulares, desde que se sujeitem a normas
estatais concebidas em vista do bem comum.

E o Brasil estará a caminho de resolver o seu problema


fundamental...

— 165 —
Existe realmente urna

"Oracao de Joáo XXIII pelos Judeus'?

Em sfntese: Tem circulado urna "Oragáo pelos Judeus" atribuida ao


Para JoSo XXIII, segundo a qual os católicos pediriam perdió a Deus pelos
males infligidos aos judeus durante séculos de anti-semitismo.

A origem deste texto é obscura; quem o publicou pela primeira vez,


atribuindo-o a Joao XXIII, foi um judeu dos Estados Unidos, que usou o
pseudónimo de F. E. Cartus, sem citar (onte alguma nem comprovante de
autentlcidade. Na base desta primeira divulgagio, foi-se espalhando cada
vez mals o texto na Europa e ñas Amórlcas.

Um exame da linguagem e do conteúdo de tal texto evidencia que nfio


sao da lavra de Jofio XXIII. Ademáis, quando este compunha oraches,
costumava entregá-las á S. Penitenciaria Apostólica para serem difundidas.
Em conseqüéncia, os estudiosos nao reconhecem a pretensa autoría papal
de tal prece.

Isto nSo quer dizer que Joáo XXIII nSo fosse realmente aberto ao
diálogo judeo-cristáo. Sabe-se que em 1959 mandou retirar da Liturgia da
Sexla-felra Santa as expressdes que pudessem ferir a sensibilidade dos
judeus. Ademáis foi esse Papa que instituiu a Comissao Pontificia para o
Diálogo Judeo-cristao no ano de 1960 e quis que o Concilio do Vaticano II
abordasse a questSo judaica em documento próprio. Joao XXIII quis assim
aproximar católicos e judeus após séculos de incompreensáo. A sua atitude
aberta nao precisa do reíorco de urna espuria "Oragáo pelos Judeus".

Tem circulado em jomáis e revistas urna «Oragáo pelos


Judeus» atribuida ao Papa Joáo XXIII. Teria sido redigida
pouco antes da sua morte (1963). Os órgáos da imprensa que
a tém publicado, apresentam-na como auténtica produgáo do
citado Pontífice. Todavía estudos apurados revelam que é
espuria, como a seguir se poderá perceber.

Eis o texto em questáo:

— 166 —
ORACAO DE JOAO XXIII PELOS JUDEUS? 79

«Estamos hoje conscientes de que, durante muitos e muitos


séculos, nossos olhos estiveram tao cegos que nao éramos capazes de
ver a belezo do teu povo eleito nem de reconheccr na sua face os
traeos dos nossos irmáos privilegiados. Compreendemos que a marca
de Caim está gravada sobre a nossa fronte.

No decorrer dos séculos, o nos:o irmáo Abel jazia ensangüeníado


e em lágrimas por culpa nossa, porque tínhamos esquecido o teu
amor. Perdoa-nos por termos injustamente atribuido a maldicáo ao
nome de hebreus. Perdoa-nos por termos de novo crucificado a Ti na
carne deles, porque nao sabíamos o que fazíamos».

1. A caminlhcrda de urna noticia

Pela primeira vez o texto dessa oracáo veio á luz em


Janeiro de 1965 na revista American Commentary, órgáo do
Ainorican Jewish Oommittee. Quem o publicava, usou o pseu
dónimo F. E. Cartus, sem indicar a fonte do texto, atribuido
entáo a Joáo XXIÜ, e sem apresentar alguma garantía de
autenticidade. Na verdade, F. E. Cartus nao era senáo o
Sr. Malachy Martín, que durante o Concilio do Vaticano II ia
muitas vezes ao Secretariado para a Uniáo dos Cristáos no
Vaticano. Ora Mons. John S. Quinn, perito do Concilio do
Vaticano II, julgando que Malachy Martín recebera do próprio
Vaticano o texto em questáo, divulgou-o em Chicago no decor
rer de urna reuniáo interconfessional de judeus e cristáos. Isto
deu ao texto maior forra de penetragáo nos meios católicos e
nao católicos, de modo que agencias judaicas de noticias e cen
tros de ecumenismo diversos se encarregaram de divulgar ulte
riormente a oracáo.

Aos 18/03/1965, a prece foi publicada pelo jornal De Tijd,


da Holanda, e aos 6/06/1965 pelo Passauer Bistumsblatt (Bo-
letim Diocesano da diocese de Passau, na Alemanha).

Na Italia, a primeira publicaeáo se deve á revista Qucsti-


ta.Ua, de Veneza, em seu número de maio-junho 1966, p. 103.
Esta transcreveu do citado jornal holandés o texto da prece,
fazendo-o acompanhar de palavras de Mons. Quinn. A im
prensa italiana encarregou-se de difundir, em mais ampia
escala, o famoso texto; especialmente o órgáo publicitario
ANSA, aos 26/09/66, deu a noticia aos seus leitores. Todavía
já aos 27/09/66 alguns jomáis lancaram um desmentido:

— 167 —
80 <rPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

«Falsa oracáo pelos judeus atribuida ao Papa Joáo» (L'Aven-


ñire d'Italia, cotidiano católico) e «Nao é de Joáo XXIII a
oragáo pelos judeus. Nao era necessário um texto apócrifo
para demonstrar o amor do pranteado Pontífice para com os
israelitas» (II Resto del Carlina, de Bolonha).

Nao obstante, aos 30/09/1966, quatro días após o desmen


tido, o jornal Paese Ssra publicou o texto da oragáo, acompa-
nhado de comentario que assegurava a autoria papal do mesmo.
Isto se dava, embora o vaticanista de tal periódico estivesse
muito bem informado a respeito da realidade dos fatos.

Na Suica, aos 9/09/1966 o cotidiano católico La Liberté,


de Friburgo, julgava poder lancar um verdadeiro «furo» jorna-
listico, escrevendo (sem indicar as fontes da noticia):

«Os ambientes do Vaticano confirmaram, a 7 de setembro, a


existencia e autenticidade de urna oracáo, redigida por Joao XXIII
poucos di-as antes de morrer, na qtial o Papa pede perdáo a Deus por
todos os sofrimentos que a Igreja Católica ¡nfligiu aos judeus. A existen
cia dessa oracdo, que, segundo as ¡ntencóes do seu autor, deveria ser
recitada en todas as igrejas, fora recentemente anunciada no decurso
de urna conferencia em Chicago por Mons. John S. Quinn, que foi um
dos peritos do Concilio».

A firmeza de tom de tal noticia suica levou os redatores


(geralmente muito sagazes) do periódico La Documentation
Catholiquc, de París (n* 1479, 1966, col. 1728) a reproduzirem
as informagóes ao pé da letra, sem emitirem alguma palavra
de comentario ou de dúvida. Poder-se-ia realmente perguntar
quais eram os «ambientes do Vaticano» aos quais se referia
La Liberté; é provável que fossem mera projegáo da fantasía
do redator. Com efeito, Mons. Capovilla, que fora intimo cola
borador de Joáo XXm, tinha fomecido sucessivos desmentidos
á autenticidade papal da prece em foco; também o Secreta
riado para a Uniáo dos Cristáos manifestava serias dúvidas
sobre «a autenticidade da presumida oragáo do Papa Joáo
pelos judeus», como se depreende de urna carta escrita aos
12/10/1965 pela Secretaría do Cardeal Agostinho Bea ao
mesmo Mons. Capovilla.

— 168 —
ORAgAO DE JOAO XXIII PELOS JUDEUS? 81

2. Por que nao auténtica?

Há dois tipos de argumentos contrarios á autenticidade


da referida oragáo.

2.1. Conleúdo e estilo

Registram-se no texto em questáo algumas expressoes que


ficam distantes do estilo e da mentalidade do Papa Joáo XXIII;
«a cegueira fechou os nossos olhos», «a maldigáo que injusta
mente proferimos», «perdoa-nos por ter-te crucificado pela
segunda vez», «a marca de Caím está gravada sobre a nossa
fronte». Na verdade, nao teria sido do estilo de Joáo XXIII
incriminar indistintamente a Igreja inteira e impor a todos os
cristáos o título de Caím para mostrar simpatía ou solidarie-
dade aos judeus.

2.2. Os hábitos do Papa Joáo XXIII

Nos escritos de Joáo XXIII — ciosamente colecionados e,


em parte, já publicados por Mons. D. F. Capovilla — nao se
encontra vestigio nem eco da referida oragáo. O Pontífice,
além do mais, quando redigia oragóes, costumava entregá-las
á Sagrada Penitenciaria Apostólica para difundi-las; ora este
órgáo do Vaticano nao possui tal prece em seus arquivos nem
jamáis a divulgou.

A recusa da autenticidade da oracáo em foco, fundamen


tada e objetiva como é, nao implica fechamento da Igreja Ca
tólica em relagáo aos judeus. Deve-se mesmo reconhecer a
atitude aberta do Papa Joáo XXIII frente a todos os aspectos
do diálogo religioso de sua época — o que, alias, se eviden
ciará muito claramente sob o título 3 deste artigo. O que im
porta, é apenas restabelecer a historicidade dos fatos.

Poder-se-á explicar a origem do fenómeno por varias ma-


neiras; entre outras, há quem julgue que talvez numa audien
cia particular alguém tenha submetido o texto da prece ao
S. Padre, que a terá aprovado em termos sumarios, sem se
poder entregar a minucioso exame dos dizeres em pauta. Quem
hipotéticamente obteve tal aprovagáo genérica, terá procedido
á divulgagáo do texto, sem má fé, mas, ao contrario, tencio-

— 169 —
82 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

nando secundar as intengóes do Papa Joáo XXIII. Todavia, no


caso mesmo de tal hipótese ser verídica, nem por isto se pode-
ria atribuir a Joáo XXIII a autoría da prece em foco.

Ainda é de notar: a recusa da autenticidade da prece em


questáo nao quer dizer que os cristáos nao devam reconhecer
os males outrora cometidos contra os judeus; cabe-lhes peni-
tenciar-se pela animosidade anti-semita que muitos nutriram
durante sáculos; foram, nao raro, vítimas da fragilidade hu
mana no seu relacionamento com os judeus e disto devem
pedir perdáo ao povo hebreu. Em nossos días há diálogo vivo
e sincero entre judeus e cristáos em varios países do mundo.

3. Joao XXIII e os judeus

O respeito e a deferencia do Papa Joáo XXIII para com


os judeus se manifestaram em mais de urna ocasiáo do seu
pontificado.

Seja salientado o fato de que o S. Padre quis fosse revista


a liturgia da Sexta-feira Santa, de modo a se eliminarem da
mesma expressóes que podiam ferir o povo judeu. Em conse-
qüéncia, a partir da sexta-feira 27/03/1959 já nao ocorrem,
entre as oracóes da Sexta-feira Santa os dizeres «pro perfidis
iudaeis» e «iudaicam perfidiam». Se bem que perfidi e per
fidia, no caso, nao signifiquem pérfidos e perfidia, mas, sim,
«a condicáo de nao estar na fé (católica)», Joáo XXIII man-
dou retirar tais expressóes da liturgia; alias, o próprio Papa
Pío XII já tencionava fazé-lo, de acordó com a sugestáo que
Ihe fora levada pelo Dr. Jules Isaac aos 16/10/1949.

Mais: Joáo XXIII muito se interessou pelo diálogo judeo-


-cristáo, a fim de dissipar preconceitos e banir qualquer res
quicio de anti-semitismo dentre os cristáos.

Recebeu, pois, em audiencia particular, a 13/06/1960, o


Dr. Jules Isaac, fundador da Associacáo Amitié Judéo-chré-
lienne; o visitante propós entáo a S. Santidade a criaeáo de
urna comissáo destinada a fomentar o relacionamento entre
judeus e católicos. Narra o próprio Dr. Isaac:

«O Papa reagiu ¡mediatamente á proposta, dízendo: 'Eu também


pense! nisso, desde o inicio do nosso coloquio'. Repetidamente,
enquanto eu Ihe expunha as minhas ¡délas, o Papa mostrou com-
preensáo e simpatía».

— 170 —
ORACAO DE JOAO XXIII PELOS JUDEUS? 83

Ao despedir-se, o Dr. Isaac perguntou ao Pontífice se


podía alimentar esperangas. Respondeu-lhe o Papa: «O Sr.
tem direito a muito mais do que esperancas». E acrescentou
sorridente: «Eu sou o chefe, mas é preciso que consulte as
autoridades competentes e pe¿a aos respectivos Departamentos
estudem o assunto; aqui nao estamos numa monarquía abso
luta» (Noticias extraídas do livro de G. Caprile, II Concilio
Vaticano II, vol. III, Roma 1966, p. 416).

Após a audiencia, o Dr. Isaac telefonou ao Secretariado


do Vaticano para a Uniáo dos Cristáos, dizendo haver falado
com o Papa e que este o tinha encaminhado ao Cardeal Agosti-
nho Bea, responsável por tal Secretariado.

Esta famosa audiencia foi descrita de maneira mais sis


temática por Mons. Capovilla, a pedido do mencionado Secre
tariado, que desejava colher mais precisas informagóes sobre
as ocorréncias. Sao estas as notas de Mons. Capovilla:

«1) O Papa Joao XXIII recebeu em audiencia o Dr. Jules Isaac


aos 13 de junho de 1960. A audiencia fora recomendada pela
Embaixada da Franca junto á Santa Sé. O protocolo quis dar a tal
audiencia o caráter de 'speciale', mas o Santo Padre desejou que fosse
privativa, como bem se compreende. . .

2) Lembro-me muito bem de que o Papa ficou profundamente


impressionado por esse encontró e dele me falou tongamente.
Disse-me que também falara do encontró ao Cardeal Tardini e, espe
cialmente, a Mons. Dell'Acqua- Também me comunícou que havia
encaminhado o Dr. Isaac ao Cardeal Bea, 'em quem ele confiava'...

3) Pode ser que as anotacóes do Cardeal Tardini conservem


traeos da audiencia ou do relato do Papa Joao XXIII.

4) é verdade que até aquele dia nao ocorrera á mente de


Joao XXIII a idéia de que o Concilio se deveria ocupar com a questáo
judaica e o anti-semitismo. Daquele dia em diante, porém, voltou-se
decididamente para esse propósito. Era preciso lívrar a Igreja da
acusacáo de haver feito discriminacao e só ier defendido os ¡udeus
balizados (como pareció insinuar o Dr. Isaac); era mister proclamar,
urna vez por, todas, que os cristáos nao tém o direito de interpretar em
tom condenatorio as palavras: 'Recaía o seu sangue sobre nos!' E disto
que me lembro».

— 171 —
84 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

A proposta do Dr. Jules Isaac foi amadurecendo até que,


aos 18 de setembro de 1960, o Cardeal Bea, em audiencia
pontificia, formalizou a idéia e recebeu o encargo de criar a
Comissáo de Diálogo Judeo-Cristáo no Vaticano. Em conse-
qüéncia, pode o Cardeal Bea escrever:

«É, e fkará sendo, grande mérito de Joao XXIII ter tomado cons-
ciencia desse problema de sáculos e de haver compreendido toda a
importancia do mesmo. Foi ele que, numa iniciativa muito pessoal,
mandou retirar da liturgia da Sexta-feira Santa a expressao pro perfidis
ludaeis, fonte de tantos mal-entendidos. Além disto, Joao XXIII con-
fiou pessoalmente ao Concilio o encargo de preparar um projeto de
declaracao sobre o assunto...» (La Civiltá Cattotica 1946, II, 219s).

Estes dados históricos bem mostram o interesse de Joáo


XXin pelo bom relacionamento entre católicos e judeus e a
aversáo do mesmo a qualquer tipo de anti-semitismo. Esta
posicáo do Papa nao precisava nem precisa de ser «corrobo
rada» pela difusio do texto de falsa oracáo de Joáo XXIII.

Este artigo muito deve ao de G. Caprile publicado em


La Civilita. Cattolica e abaixo indicado.

A propósito:

CAPRILE, G., iGiovanni XXIII e una 'preghlera per gil ebrei' em La


Civiltá Caltollca, n° 3.192, 18/06/83, pp. 565-569.

CAPRILE, G., II Concilio Vaticano II, 3 vols. 1966.

Revista L'Amilcó judeo-chrétienne, da sociedade homónima.

LAPIDE, P. E., Rome et les Juifc. París 1967.

Ealévao Bellencourt O.S.B.

— 172 —
Carta aberta a Freí Leonardo Boff

A Meu Irmáo Leonardo


Caro Boff,
Paz e Bem!

Há tempos minha consciéncia franciscana vem-me cobrando


urna tomada de posicáo diante de sua doutrina e de suas atitudes.
Todos os dias, praticamente, os meios de comunicagáo me pro-
vocam ainda mais nesse sentido. E o pior é que sou constran-
gido a fazé-Io publicamente e com o penoso risco de ferir um
dos irmáos que eu mais amo, nao de hoje, e sinceramente
admiro, como vocé nao ignora. Publicamente, porque de
minha parte nunca lhe escondi minhas posicdes. E mais de urna
vez já manifestei por escrito aos Superiores minhas preocupa-
cóes a respeito. Além disso, a publicidade está pesadamente a
seu lado, nem sempre por amor á Igreja e seu magisterio.
Quantos escritores e comentaristas publicam seus pareceres
achando que vocé tem o apoio unissono da Provincia e da
Ordem! Acho, pois, que chegou a hora de publicar que nao
é bem assim. Nao vou coletar assinaturas... Mesmo porque
nao estou abrindo guerra, mas sobretudo tentando esclarecer
ao Irmáo Leonardo o que está acontecendo com muitos de seus
confrades, com sacerdotes, religiosos e leigos, diante de suas
publicares bem como de seus gestos.

Nao tenho autoridade científica para defrontar-me com


vocé. Comparando, ocorre-me a imagem de urna propaganda
da TV: a diferenca entre o tocador de piano e o pianista... Eu
sou um tocador... Nao vou, pois, meter-me nos meandros
engañosos da disputa. Confesso que gosto de sua refinada arte
teológica, sobretudo quando embelezada pela poesia e ungida
pelo seu profundo amor ao homem. Mas isso nao me impede
de continuar 'tocando' para mim mesmo e para quem quiser
ouvir-me.
Mas vamos ao ámago da questáo: outra dificuldade
enorme... Apelo de novo para o auxilio de nossos maravilhosos
publicitarios da TV. Olhe, Irmáo Leonardo, o que acontece
comigo e, acredito, com muitos outros, é semelhante áquela
propaganda que mostra a moga, trabalhando tranquilamente
em sua mesa, e, de repente, aquele rolo compressor lhe invade
a casa, destrói a mesa, todo o material e a encosta na parede,
entre apavorada e indignada... É isso mesmo, meu caro.
Vamos aos detalhes:

— 173 —
<:PKUGUNTE E RESPONDERKMOS^229/1935

A MOCA TRABALHANDO: eu, boa parte da Igreja, tra-


baihauuo uom o material lomeado yeiu Concilio, por Muueiim,
Fueuia, etc.

ü ROLO COMPRESSOR: seu grande o crescente tesouro de


saber, que a sua privilegiada inteligencia coiné ávidamente, sua
memuna prodigiosa retem, sua vontaae, premida peía urgencia
uos prooiemas Humanos, aciona. i'eio que ouservo, voc¿ souou
a maquina e nao saoe ou nao quer ireá-ja... Muitos tentaram
e tentam subir a seu lado para trear, se possivei... e vocé nao
deixa. Mas vocé acolhe outros a seu lado, que o estimulam, e a
máquina se torna ainda mais pesada, arrasadora...

A MOQA NA PAREDE, apavorada e indignada: sou eu


mesmo e muitos outros. O pavor vai passando, a indignayáo vai
crescendo...

Como todo o mundo sabe, o rolo compressor dcsandou para


além-fronteiras, ameagando, de modo consciente e dirigido, as
«estruturas» da Igreja «institucional», o magisterio, o próprio
Papa... A meu ver, é o que nosso Pai Sao Francisco temía da
leitura de muitos livros: daí nascem «glosas» sem fim, as inter-
pretagóes, as hermenéuticas, a preocupacáo de se manter «atua-
lizado», coisas que funcionam como óleo na máquina. E a má
quina acaba disparando mesmo. Quanto mais peso, quanto mais
declive, mais difícil é controlá-la.

Conhec.0, frei Leonardo, suas dedarac.6es de amor e fideli-


dade ao magisterio. Nao me cabe negar a sinceridade délas. O
que estou adiando, como observador, confrade e amigo, embora
«na parede», é que está na hora de tentar frear o rolo, e já! Se
o Papa tiver que enfrentá-lo pessoalmente, pressinto um desastre
terrível para toda a Igreja. E por causa de um filho de Sao
Francisco!...

Meu Irmáo, o meu apelo é o seguinte: — Deixe Francisco


mesmo frear o rolo!!! É só ler «sine glosa», sem interpretado,
com simplicidade de pobre, interiormente pobre, despojado de
suas bagagens de livros, o que Francisco lhe diz na Regra que
vocé livremente abracou:

«Em nome do Senhor. (...) Frei Francisco promete obediencia


e reverencia ao Senhor Papa Honorio e seus legítimos sucessores, e á
Igreja Romana. (...) Os irmaos nao preguem na diocese dum bispo
que Iho tiver proibido. E nenhum irmao se atreva a pregar perante
o povo sem ter sido examinado, aprovado e investido no oficio de
pregador {...). Oufrossim, ¡mponho sob obediencia aos ministros a

— 174 —
CARTA ABERTA A L. BOFF 87

obrigacáo de pedirem ao Senhor Papa um dos Cardeais da Santa


Igreja Romana para governar, proteger e corrigir esta Fraternidade a
fim de que, sempre submissos e subordinados aos pés desta mesma
Santa Igreja e firmes na fé católica, guardemos a pobreza e a hutnil-
dade e o Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, que firme
mente prometemos».

E mais. No seu Testamento, recomenda o Pai Seráfico:

«E o Senhor me deu e aínda me dá tanta fé nos sacerdotes que


vivem segundo a forma da Santa Igreja Romana, por causa de suas
ordens, que, mesmo que me perseguissem, quero recorrer a eles. E, se
tivesse tanta sabedoria quanto a leve Salomáo e se encontrasse
míseros padres deste mundo, ñas paróquias em que eles moram nao
quero pregar contra a vontade deles- E hei de respeitar, amar e
honrar a eles e a todos os outros como a meus senhores. Nem quero
olhar para o pecado deles porque neles reconheco o Filho de Deus
e eles sao os meus senhores. E procedo assim, porque do mesmo Filho
de Deus nada enxergo corporalmente neste mundo senáo o seu santís-
simo Corpo e Sangue. que eles consagran» e somente eles administram
aos outros». (...) E aínda: «E ordeno severamente sob obediencia
a todos os irmSos, clérigos e leigos, que nao facam glosas á Regra
nem a estas palavras dizendo: 'Assim é que devem ser entendidas'.
Mas, como o Senhor me concedeu dizer e escrever de modo simples
e claro a Regra e estas palavras, assim as entendéis, com simplicidade
e sem comentario, observando-as com santo fervor até o fim». E o
Santo Patriarca fecha o seu Testamento com riquíssima béncño.

Meu Irmáo Leonardo, deixe Francisco frear, e já!! !

Seu irmáb
Frei Carmelo Surian, OFM

Frei Carmelo Surian, OFM


Rúa Vigário Martiniano, 288
12.500 - Guaratinguetá - SP
Telefone: (0125) 32-3348

— 175 —
88 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 229/1985

CARTAS DOS LEITORES

Em PR 278/1980, pp. 86s, foi publicado um comentario do


livro «Ciencia e Fé Face a Face» de D. Estéváo Pierantoni.
A esse comentario o autor, em carta de 17/01 pp., fez as seguin-
tes observagóes, que a pedido do mesmo, váo abaixo transcritas:
"Pratlcamente, na avaliacjio do Sr., nao há mencáo alguma das
llnhas-mestras do livro, do método da análise e do recrulamento positivo
da ciencia no campo (llosóflco-leológico. É a( que eu esperava a crítica
e nao em detalhes insignificantes do livro.

O Sr. gostarla de que cada urna das sete partes do livro tlvesse o
desenvolvimento de um tratado; eu também, e as materias merecem. Mas,
para a Editora, era volumoso demais o manuscrito que apresentel... Imagine
sete tratados!

A Ironía e a agressividade de algumas páginas nao me parecem


exageradas frente á truculencia de varios sabios modernos. A slnceridade
e a lealdade para com a nossa fé e a nossa Igreja nao admitem meias-
-palavras.

O livro examina autores materialistas, que qualificam a RellgiSo de


neurose e a Tradlefio de narcisismo, etc. Ele examina um exegeta católico
progresslsta, que acusa a Igreja de megalómana e fanáticamente agarrada
a tradiedes erradas.

Pois bem. Se eu conseguir demonstrar que neurótico é o materialista,


narcisista é o dentista 'positivo', megalómano pode ser o exegeta 'dentista',
al um tanto de ironia e de agressividade nSo sSo inoportunos.
A mlnha desconfianza para com os 'sabios por profissSo' emerge varias
vezes no meu modesto trabalho, mas está bem fundamentada na introducSo.
É claro que nao se pode generalizar, porém a advertencia é válida. Pena
que o Sr. tenha lido o meu livro, impresslonado demais pela minha frieza
para com os 'sabios por profissáo'.
A frase 'comer gato por lebre', o Sr. acha que nSo é linguagem de
um cientista. Qual dentista? Eu? Eu sou um caipira qualquer, e essa é a
minha vantagem.

É que todos podemos comer gato por lebre; inclusive o Sr., quando
afirma que eu 'admito a ¡nleligéncia e o raciocinio no gorila', ñas pp. 21 Os.
Na verdade, nessas páginas, ou seja, no cap. 2 da Parte VI, é Richard
Leakey quem expóe a sua teoría conforme está notado no Infcio do capitulo.
Eu anallso o que ele diz, no capítulo 3. Alias, na p. 232 e sobretudo na
p. 262, a 'inteligencia' do chimpanzó está claramente 'demltizada'. Só ler.

Urna palavrlnha sobre as minhas 'alirmagoes inexatas'. Em varias délas


eu concordo na falta de exatidSo; mas sao insignificantes e n§o valia a pena
ir ¿ procura délas na avaliacio sumaria do livro feita pelo Sr., inclusive
situando-as lora do contexto em que teriam urna razoável compreensüo.
Sabe-se, por exemplo, que a palavra 'revelacáo* nao é unívoca. Entre a
Revelacüo contida na Biblia e a 'revelac&o' de um filme corre multa agua.
Portanto nio é exagerada a 'revelacio' aplicada á filosofía tomista, como
jaz no contexto (p. 174.5).
Um destaque especial merecem os idiomas estrangelros dentro do
hebraico bíblico, que o Sr. defende.

— 176 —
CARTAS DOS LEITORES 89

Para quem conhece varias linguas modernas e antigás, a 'estrangeiri-


dade' de um idioma é difícil de ser determinada ñas linguas modernos, tanto
mais ñas linguas arcaicas. Eu acho que, mais do que 'idiomas (melhor
'idiomismo', pois idioma = língua) estrangeiros dentro da Biblia', deveria-
mos dizer que na Biblia se enconlram termos, frases g figuras, e também —
por que nao? — no;5es lendárias, comuns aos poyos do antigo Oriente.
Mas isso nao toca na autonomia da Ifngua hebraica em relacáo á Tora,
demonstrada no livro.

A autonomia e a auto-suliciéncia da Ifngua hebraica em relajeo á


Tora e da lingua árabe em relacáo ao AlcorSo nao estáo na sua origem
e formacao, e sim quando elas foram fixadas ao livro sagrado e a urna
determinada nacáo. A Ifngua hebraica, antes de ser usada na redacao da
Tora, era falada, era um dialeto entre outros dlaletos, e, mais ou menos,
misturado com eles, com termos, frases, figuras comuns.

'Idiomas estrangeiros na Biblia' que quer dizer?

Se na Ifngua portuguesa dissermos que 'a lúa ó urna grande pizza',


usaríamos um Idiotismo italiano pelo fato de que a pizza é de origem
italiana e a frase ó usada também na Italia? Há tantas figuras tiradas da
natureza, comuns a quase todas as linguas do mundo, se bem que expressas
numa grande variedade semántica.

De qualquer forma, o Sr. repare que tudo isso nao tem nada a ver com
o objetivo da Parte V da minha modesta obra, que excluí os mitos pagaos,
propriamenle ditos, da Biblia".

Qucira D. Estéváo Pierantoni desculpar «a falta de objeti-


vidade» que ele aponta no comentario mencionado!

livros em estante
Les Evangiles de l'Enfance du Christ, por Rene Laurentin. — Desclóo
et Desclée de Brouwer. Paris, 2? edicao, 1982, 235 x 210 mm, 630 pp.

Este livro se deve a um dos mais abalizados estudiosos dos Evange-


Ihos da Infancia de Jesús (Mt 1-2; Le 1-2), proiessor ñas Universidades
Católicas de Angers e Paris e autor de varias publicacSes soDre o tema e
sobre Mariologia.

A obra supde trinta anos de meticuloso estudo do assunto, que ela


considera exaustivamente sob os aspectos da exegese e da semántica, da
historicidade e da teología, é prefaciada pelo Cardeal Joseph Ratzinger,
DD. Prefeito da S. CongregacSo para a Doutrina da Fé. A conclusáo de
Laurentin professa: "Os Evangelhos da Infancia pertencem ao género his
tórico" (p. 524). Para chegar a tanto, o autor considerou o texto bíblico e
o perscrutou segundo o método da exegese mais recente (o da historia
das formas), com todos os seus requintes; na bibliografía sao citadas 640
unidades, entre livros e artigos! A tese do Pe. Laurentin é enunciada cons
cientemente numa fase da historia e da pledade em que muitos duvidam
da autentleidade dos Evangellhos da Infancia ou mesmo a negam; o autor
mostra que tais atitudes se devem a um exame preconcebido ou superfi-

— 177 —
90 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

cial dos textos sagrados; ninguém até hoje foi táo a fundo e de maneira
táo objetiva e seria no estudo de tais seccoes; por isto ninguém está mais
abalizado para dissertar sobre tal temática do que Laurentin.
Agradecemos ao autor o valioso trabalho e fazemos votos para que,
sem demora, seja traduzido para o portugués.

Nos Bastidores do Vaticano, por Gordon Thomas e Max Morgan Witts.


TraducSo de Aulyde Soares Rodrigues. — Ed. Record, Rio de Janeiro 1983,
140 x 210 mm, 422 pp.

Gordon Thomas e Max Morgan Witls sao jornal istas ingleses que
pesquisaram durante tres anos no Vaticano e fora a respeito dos tres Papas
Paulo VI, Joáo Paulo I e JoSo Paulo II, procurando reconstituir a historia
minuciosa dos 83 dias de 1978, em que tres Pontífices sucessivamente
governaram a Igreja Católica; o livro se refere outrossim ao atentado
sofrido pelo atual Papa em 13/05/1981.
Os dois autores dizem ter ouvido confidencias e revelacoes de pes-
soas graduadas na Igreja Católica, de modo a poder revelar "segredos" do
Vaticano. O tom que perpassa o llivro, é mordaz e sarcástico, tendendo
mesmo a caricatural. Todavia nao se trata de uma obra tSo maldosa quanto
a de David Yallop ("Em Nome de Deus"); os tres Papas sao considerados
com certo respeito — o que nSo acontece, porém, com muitos dos seus
auxiliares.
A propósito do tipo de morte de Joao Paulo I, os dois jornalistas dao
a entender que se tratou de uma trama da KGB (Komitet Gosudarstvennoy
Bezopastoni) ou da policia secreta russa; se o Papa foi envenenado, o morti
cinio deveria ser atribuido a agentes da Rússia infiltrados no Vaticano (cf.
pp. 245s. 261. 272). — Alias, o livro todo refere minucias relativas a Mehmet
Ali Agca, cuja aldeia natal e vida particular os dois jornalistas investigaram
atentamente: por conseguinte, Gordon Thomas e Max Morgan Witts nao
concordam com David Yallop no tocante á causa do falecimento do Papa
Joáo Paulo I. Alias, nao se vé por que procurar tal causa em alguma trama
assassina.
O que chama a atencio no livro em pauta e Ihe tira milito da sua
credibilidade, é o estilo de romance ou de novela que os autores adotam.
Quem lé a obra, tem a impressáo de estar diante de uma obra de ficcao
policial com todo o sensacionalismo que desperta. Com efeito, os autores
sao "capazes" de penetrar dentro do pensamento dos personagens e dizer
os sentimentos que cada qual trazla em seu íntimo; vejam-se, por exemplo,
as seguintes passagens: "Noé continua petrificado. Está certo de que
jamáis houve uma cena igual a esta na Cápela Sixtina" (p. 294). "Hume
sente-se desesperadamente triste por aquele homem" (p. 295) . "Koenig
sente-se aliviado" (p. 295). "Koenig imagina se a agua ñas jarras... foi
trocada desde o último interregno" (p. 245). "O Camerlengo tosse" (p. 295).
"O arcebispo de Filadélfia pigarreia" (p. 303). "Wojtyla pisca os olhos"
(p. 296). "... Toma banho de chuveiro com agua gelada no fim"
(p. 310)... Em suma, sao estes tópicos que dáo vivacidade ao livro, mas
que de certo modo o desacreditam; uma obra científica costuma ser sobria
e circunspecta em suas afirmacoes.
Sabe-se, porém, que obras sobre o Vaticano se tornam fácilmente
best-seller e fonte de grandes rendimientos; muitas vezes ¡ntoresses sensa-
sacionalistas e tendenciosos as inspiram, como se pode depreender do artigo
publicado em PR 278/1985, pp. 57-60. Até que ponto se poderia aplicar
esta veriflcacáo á obra em pauta?

— 178 —
LIVROS EM ESTANTE 91

A Arte de Morrer, por J. Vasconcelos Sobrinho. Ed. Vozes, Petrópo-


lis 1984, 140 x 210 mm, 102 pp.

O Prof. J. Vasconcelos Sobrinho é titular da disciplina de Ecofogia da


Universidade Federal Rural de Pernambuco, fundador e supervisor da Esta-
cflo Ecológica de Tupacuru. Nao professa determinada crenga religiosa,
mas mostra-se claramente seguidor do panteísmo hindulsta (cf. pp. 12.18...),
que ele aprésenla dentro de fórmulas cristas tiradas do Novo Testamento
ou de escritos de mestres crístáos.

Para o autor, "a morte é um fenómeno de transferencia de consclén-


cia. É transferencia da consciéncia da sua expressao limitada como cons-
cléncia objetiva, dependente do cerebro, para urna forma de consciéncia
independente de qualquer suporte material" (p. 29).
Essa transferencia de consciéncia é justificada pela alegacSo de que
"o homem é um ser extraordinariamente complexo, possuindo, além de
um corpo biológico, varios planos de consciéncia que se condiclonam e
se superpSem" (p. 29).

Continua o autor: "Por tras de todos esses planos de consciéncia,


como sua raíz e orlgem, transcendendo do coletivo humano, alcanzando
toda a vida na Térra e além da Térra, tudo quanto existe no universo e
do universo, há um plano fundamental da consciéncia que tudo abrange e
tudo encerra, origem primeira de tudo quanto vem á existencia" (p. 57).
Essa realidade primeira serla a Divindade mesma, pois somente como divina
poder-se-ia qualificá-la (cf. p. 57).
Em outras palavras: a morte seria a tomada de consciéncia de que o
homem tem em si urna parcela da Divindade; a corporeidade seria empe-
cilho para tanto. Por isto a arte de morrer consiste em que cada um ajude
a si mesmo a tomar consciéncia do seu fundo divino e proporcione aos
outros a oportunidade de reconhecer o seu "Impessoal divino" (cf. p. 62).
No caso de urna pessoa menos avisada, que nao conheca exatamente
o processo da morte, o autor aconselha ajuda ao moribundo a fim de man-
ter a sua mente canalizada para aquilo que ocorre no momento da morte,
pois disto dependerá a sua salvagSo. Se o Individuo na morte perder a
oportunidade de se unir á Clara Luz Divina, ele assumirá um estado inter
mediario (purgatorio ou inferno) comandado por sua consciéncia subjetiva.

O autor quer justificar sua tese pantefsta com textos do Evangetho:


"Cristo mesmo revela: Vos sois deuses! E muitos místicos de todos os
Credos sentem-se idénticos á Divina Esséncia" (p. 75).

Ora evidentemente tais conceptees nao se conciliam com a fé crista.


Esla ensina que o homem é um composto de corpo e alma, ambos distintos
de Deus, porque criados por Ele. Corpo e alma se completam durante a
vida presente; todavía, quando o corpo se deteriora a ponto de nao mais
poder ser sede da vida humana, a alma espiritual (que é substancia sim
ples e imortal) separa-se dele e usufrui da sua sorte definitiva, sem o corpo,
até o dia da consumaefio dos tempos, quando se dará a ressurreigao da
carne ou a recomposicao do homem (corpo e alma)

Nao podemos deixar de registrar urna vez mais a nossa profunda


estranheza pelo falo de que urna Editora tida como católica, qual é Vozes,
publique llvros que ensinam o panteísmo, ... e o enstnam de modo a Insi
nuar que corresponde exatamente á Doutrina bíblica e á TradigBo crista.
Seria honesto da parte da Editora declarar-se aconfessional, de tal sorte

— 179 —
92 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 229/1985

que o público nao se iludisse a respe¡to das suas publicares; os leitores


Inadvertidos poderSo realmente crer que o panteísmo é a interpretado
genulna da mensagem crista. A propósito das edigoes anticatólicas de
Vozes, veja PR 271/1983 pp. 485s.

Sentido e atualidade do Cristo, por Heli de Almeida Sampaio.


Ed. própria, 1982 (2?), Salvador, 135 x 205mm, 197 pp.

O autor é espirita e interpreta a figura e a doutrina de Jesús á luz


dos principios kardecistas — o que desligura totalmente o Divino Mestre.
Os seus dizeres podem ¡mpressionar talvez o leitor pelo fato de se revestirem
de certo aparato de erudicSo: o autor conhece um pouco de historia do
judaismo e do Cristianismo, que ele considera sempre a partir de premissas
nSo cristas. Na verdade, o livro carece de valor científico, pois é obra
preconceituosa; á p. 107 parece querer evocar até mesmo o Pe. Osear
Quevedo em favor de suas teses espiritas! O Dr. Heli Sampaio poderia
propugnar o espiritismo se o quisesse, sem, porém, fazer de Jesús um
grande médium da historia.

A respeito da reencarnacáo, tio enfatizada pelos esplritos, ver as


pp. 143-151 deste fascículo, onde também sao apresentadas varias conside-
racSes sobre o espiritismo.

O que vamos fazer no céu?, pelo Pe. Antonio Klein, SVD. — Ed.
Loyola, Sao Paulo 1984, 138 X 210 mm, 95 pp.

O Pe. Antonio Klein é um ardoroso misslonário que, já em idade


avancada, publica o fruto de sua experiencia pastoral e de suas meditacoes.
Tenciona responder a urna pergunta muito freqüente, relativa á bem-
-aventuranca celeste, asseverando que no céu amaremos a Deus e criare
mos... Explicando melhor, o Pe. Klein afirma que a felicidade definitiva
terá lugar em céus novos e térra nova, ou seja, neste mundo transfigurado,
e que aqui teremos a ocasiio de trabalhar: "Jesús nao prometeu urna
morada prontinha. Do mesmo modo que nos foi dada a Ierra inacabada,
assim nos será dada a morada do futuro, inacabada, para que o homem
glorioso possa exercer a sua vocacáo de amar e criar" (p. 46). "Se ó
verdade que teremos urna morada no mundo novo que há de vir, esta
morada tem de ser: individual, privativa, indevassável e Imensa" (p. 47). —
O que a propósito podemos dizer, é que tais concepcOes carecem de
fundamento na TradicSo da Igreja; derivam-se de devaneios da fantasía. A
propósito da bem-aventuranga celeste convém ao cristáo manter sobriedade
de discurso, pols se trata do indizlvel (cf. 1Cor 2,9); o método mais
eficiente para podermos ter noefio da mesma, é a experiencia de Deus
que cada um de nos vai fazendo na térra pela fldelidade ás moedes do
Espirito Santo.

Mensageiro do Sagrado Cora?áo de Jesús. Eis urna revista de espiri-


tualidade sólida, órgSo mensal do Apostolado da Oracio, aos cuidados dos
PP. Roque Schneider e Gabriel Galache S.J. O estilo da revista é muito
agradável, ao mesmo lempo que portador de profundas reflexóes, que ultra-
passam o ámbito do Apostolado da Oragáo e servem de modo geral aos
fiéis católicos. Asslnatura anual: Cr$ 8.000. Pedidos a Edicóes Loyola-
-Mensagelro, Caixa postal 42.335, 04216 Sao Paulo (SP).

E.B.

— 180 —
EDIQGES "LUMEN CHRISTI"
MOSTEIRO DE SAO BENTO
Rúa Dom Gerardo 40, — 59 andar — Sala 501
Caixa Postal 2666 — Tel.: (021) 291-7122
20001 — Rio de Janeiro — RJ

ASSINATURA — 1985

Cr$ 20.000

Comeca no mes em que for solicitada.

Número avulso CrS 4.000


Anos anteriores a 1985:
Número mensal Cr$ 1.000
Número bimestral CrS 2.500
Colegio completa de 1983 ou 1984, encader-
nada em percalina, cada CrS 25.000

índices:
de 1957 a 1977 (em xerox) Cr$ 4.000
de 1978 a 1982 (impresso) CrS 2.000

PARA O NOVO ANO LETIVO — 1985:

Que livros adotar para os Cursos de Teología e Liturgia?

1. RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2? ed.l, por Dom Cirilo Folch


Gomes O.S.B. (falecido a 2/12/83). Teólogo conceituado, autor de
um tratado completo de Teología Dogmática, comentando o Credo do
Povo dé Deus, promulgado pelo Papa Paulo VI, Um alentado volume de
700 p., best seller de nossas Edigoes, cuja traducáo espanhola está
sendo preparada pela Universidade de Valencia — CrS 24.000

2. A DOUTRINA DA TRINDADE ETERNA, do mesmo Autor. O significado da


expressao "Tres Pessoas", 1979, 410 p. — CrS 20.000

3. O MISTERIO DO DEUS VIVO, P. Patffort, O.P. O Autor loi examinador


de D. Cirilo para a conquista da láurea de Doutor em Teología no
Instituto Pontificio Santo Tomás de Aquino em Roma. Para Professores
e Alunos de Teologia, é um Tratado de "Deus Uno e Trino", de orienta-
cfo tomista e de índole didática, 230 p. — CrS 12.000

4. UTURGIA PARA O POVO DE DEUS (3? ed., 1984), pelo Salesiano Dom
Cario Fiore, tradugáo de D. Hildebrando P. Martins. OSB. Edicao
ampliada e atualizada, aprésenla em linguagem simples toda a doutrina
da Constituicáo Litúrgica do Vaticano II. é um breve manual para uso
em Seminarios, Noviciados, Colegios, Grupos de reflexáo, Retiros etc.,
216 p. — Cr$ 4.000.

ATENDE-SE PELO REEMBOLSO POSTAL


NOVIDADE — A sair brevemente

1. Vol. VI da Colecáo A PALAVRA DO PAPA: CONST1TUICAO "SACRO-


SANCTUM CONCILIUM" sobre a Sagrada Liturgia.
Edicáo em latim-portugués, 152 págs. 0 1? documento aprovado pelo
Concilio Vaticano II em 4 de dezembro de 1963. Reeditado pela grande
procura do documento, esgotado há varios anos.

2. ANTROPOLOGÍA E PRAXIS no pensamento de Joao Paulo II.

Todas as conferencias pronunciadas no Congresso Internacional reali


zado no Rio de Janeiro sob o patrocinio da Arquidiocese e do Pontificio
Conselho para a Cultura (Vaticano), além da cooperacáo da Sociedade
Brasileira de Filósofos Católicos e do "Istituto di Studi per la Transi-
ztone" de Millo, da PUC do Rio, do Centro Cultural Cándido Mendes,
da Faculdade Eclesiástica de Filosofía Joáo Paulo II do Rio, Centro
Dom Vital e CELAM.

O Congresso realizou-se no auditorio do Edificio Joao Paulo II com


urna freqüéncia constante e maciga de mais de trezentas pessoas.

3. O BARROCO NO MOSTEIRO DE SAO BENTO

Tres artísticos Albuns:

1. Mosteiro de Sao Bento: Grande Álbum de luxo em estojo,


formato 36,5 x 28.

Texto em portugués e inglés por Dom Marcos Barbosa. 18 artísticas


fotografías (preto-branco) por Hugo Leal, o mesmo que fotografou
Ouro Preto e Salvador.

Como nem todos podem vir ao Rio de Janeiro ou penetrar no re


cinto da clausura, poderáo, contudo, admirar a beleza arquitetónica
desse monumento colonial do inicio do século XVII.

Novidade das Edicóes "Lumen Christi" — CrS 120.000.

2. Atbum com 30 desenhos feitos a bico-de-pena por Irmáo Bruno


Pedresa. Apresentacao de Rachel de Queiroz, texto de Clarivaldo
do Prado Valladares.

Formato 30 x 24 CrS 10.000

3. Álbum menor: com 6 desenhos a bico-de-pena, de autoria de Irmáo


Bruno Pedresa, com texto de D, Marcos Barbosa.

Formato 22,5 x 16 Cr$ 6.000

ATENDE-SE PELO REEMBOLSO POSTAL

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