You are on page 1of 54

Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanza a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
SUMARIO

< Teología da Reconciliado

O Neocatecumenato

"A Memoria do Povo Cristao"

O Fenómeno das Seitas

E o Caso do Padre Falcao?


C/J

2
UJ
_i

(O
O
ce
a

ANO XXVII JULHO 1986 29O v


PERGUNTEE RESPONDEREMOS JULHO - 1986
Publicado mensal
N9 290

Diretor-Retponiável: SUMARIO
Estévao Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia O FELIZ INCÓMODO DA FÉ ,
publicada neste periódico
Urna mensagem e um Movimento:
Diretor-Ad mi niit rador
TEOLOGÍA DA RECONCILIACÁO 3
D. Hildebrando P. Manins OSB
Na Igreja Contemporánea:

O NEOCATECUMENATO 12
Administracao e distribuicao:
A Igreja dos tres primeiros sáculos:
Edicoes Lumen Christi
Dom Gerardo. 10 5? andar, S/501 "A MEMORIA DO POVO CRISTÁO"
Tel.?(021) 291-7122 por E. Hoornaert 23
Caixa postal 2666 Desafio pastoral:
20001 - Rio de Janeiro - RJ
O FENÓMENO DAS SEITAS 35
Noticias de fonte limpa:

Composicáb e Impressáo: E O CASO DO PADRE FALCAO? 46


"Marques Saraiva" LIVROS EM ESTANTE 47
Santos Rodrigues. 240
Rio de Janeiro

Assinatura de 1986: Cz$ 100,00


Número avulso Cz$ 11,00 NO PRÓXIMO NUMERO
Para pagamento da assinatura de
1986, queira depositar a importan 291 - Agosto - 1986
cia no Banco do Brasil para crédito
na Conta Correntc n? 0031 304 1 "Escatologia Crista". — Católico e Mapom? — "La
em nome do Mosteiro de Sao Bento Religio'n en la URSS". - O Direito ao Foro Intimo.
do Rio de Janeiro, pagável na Agen — Comentario de Carta Aberta ao Cardeal Ratzin-
cia da Praca Mauá (n? 0435) ou en ger.

viar VALE POSTAL pagável na


Agencia Central dos Correios do
COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA
Rio de Janeiro.

RENOVÉ QUANTO ANTES COMUNIQUE-NOS QUALQUER


A SUA ASSINATURA MUDANCA DE ENDERECO
BlbLIOTECA

0 feliz incomodo da fé
Em livro de ficcao religiosa, Gustave Thibon imagina um
mundo em que a ciencia tenha libertado o homem de todas as
causas de angustia — doenpas, velhice e morte — e Ihe proporcio
ne todas as comodidades possíveis, como as viagens intersiderais.
Todos na térra tém aparéncia jovem, bela, ¡mortal; sao como deu-
ses. . . A ciencia tudo explica; nao fica mais nenhum misterio. A
primeira geracao que usufrui deste "paraíso", julga que a crenca
em Deus era um tapa-buraco ou um paliativo de que precisavam
as geracoes anteriores, sufocadas por muitas miserias.
Neste contexto aparecem tres jovens a dialogar: Amanda,
seu noivo Helios e urna amiga Estela. Amanda parece estar fora
do seu quadro próprio: é saudosista, talvez por erro de programa-
gao genética, e exclama:
"Sim, nada mais a criar! A grande obra está terminada. Tu
do foi produzido, tudo perfeito. Mas por que. . . por que estou
triste?"
Replica Estela: "Triste? Quando todos os cu mes estao aos
nossos pés?"
Amanda: "Gostaría de que houvesse um pico ácima de mi-
nha cabeca... Um pico acessível,... mas que tivéssemos de esca
lar".
Estela: "Escalar cofri o auxilio de um Deus, como amiga
mente?! Vocé está sonhando, querida..."
0 diálogo prossegue, e finalmente Amanda concluí:
"Renuncio á imortalidade que a ciencia me dá, para ficar
com a eternidade que espero. Considerando a vida neste mundo
que suporto e recuso, escolho a morte".

Este texto, profundo como é, nos faz pensar.

é incómoda a situacao do homem nesta vida, pois ele se vé


constantemente obligado a lutar, a procurar conquistar; é situa
cao de carencia e sofreguidao. Assim acuada, a criatura tende a so-
nhar com o dia em que a ciencia emancipará o homem de tudo o
que Ihe causa preocupacoes e satisfará a todos os seus anseios ter
restres. Entao nao haverá mais nada a procurar e a conquistar. —
Ora Amanda representa o protesto espontáneo que tal situacao
"gostosa" paradoxalmente sugere: urna vida sem lutas e sem con-
289
•PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

quistas, urna vida em que tudo esteja pronto e acabado, nao tem
graca; é insípida e fastidosa. Pensemos no seguinte: se o Brasil
fosse declarado campeao mundial de futebol para sempre, estaría
terminada a festa das disputase dos campeonatos; seria preciso in
ventar outro tipo de campeonato, pois é só assim que o homem se
descobre, exerce sua criatividade e desdobra suas virtualidades. Is-
to quer dizer que. o ser humano é essencialmente demanda,
anseio, aspiracao... Ele procura algo que nao é ele... As vezes os
bens materiais parecem ser a resposta para tal sofreguidao; ele
Ihes vai, com grande sede, ao encalco; agarra-os, mas vé que sao
como bolhas de sabao, que estouram e nada deixam ñas maos de
quem as segura.

Na verdade, o homem foi feito para o Infinito, e só no Infi


nito repousa (S. Agostinho). A demanda — e a demanda do Infi
nito — é essencial e congénita no ser humano.
Tal situacao pode parecer desagradável, pois é caminhada
para "aquilo que o olho nao viu, o ouvido nao ouviu e o coracao
do homem jamáis percebeu" (1Cor 2,9). Implica que nos supere
mos constantemente, que nao paremos, que nao nos estabilize-
mos na estrada... Mas, pensando bem, verificamos que tal condi-
cao nao é tao incómoda: o Deus da eternidade é o Deus do tem-
po; Aquele que um dia veremos face-a-face, já o vemos na penum
bra da fé; o Absoluto, portanto, nao nos é estranho. Podemos,
sim, té-lo na conta de estranho, se nao convivermos com Ele, por
que demasiado voltados para bolhas de sabáo; entao dele fazemos
urna simples fórmula ou um nome pouco significativo em nossa
realidade concreta. Mas, se nos habituamos a entreter-nos com
Ele num coloquio de fé e amor, se fazemos dele o grande Tu ou o
Referencial da nossa vida, Ele se torna familiar e íntimo. Assim
desaparece a sensacao de incómodo que nossa condicáo de pere
grinos pode suscitar, e se torna compreensfvel a palavra de Santa
Teresa de Avila: "A vida é urna noite mal passada num albergue
inóspito, um sonho que, bom ou mau, raramente se prolonga".
Senhor, já é tempo de nos vermos!"
Assim também entenderemos que é ilusoria a imagem de
urna felicidade a ser obtida exclusivamente pelo progresso da
ciencia é pelo atendimento de nossas necessidades materiais. Fo-
mos feitos para muito mais do que isto. Criados para o Absoluto,
aceitemos a grapa ¡mensa, embora paradoxal, de sérmos peregri
nos. . . do Absoluto, para os quais a morte nao é ruptura, mas é
Páscoa.ou transicao para a plenitude da verdadeira vida! e D
C.D.
290
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
ANO XXVII - n? 290 - Julho de 1986

Urna Mensagem e um Movi mentó:

A Teolosia da Reconciliado
Em tíntese: Vai tomando vulto na América Latina, a partir do Perú,
urna córtente de pensamento centrada na teología da Reconciliacao. O tema
da Reconciliacao foi enfáticamente apregoado pelo S. Padre Joao Paulo II
quando esteve em Puebla no ano de 1979; desde entao tal conceito vem sen
do mais e mais estudado com vistas a situacao agitada que vive o continente
latino-americano. O interesse pela temática da ReconciliacSo se prende tam-
bém ao apelo de "Nova Evangelizado" lancado por Joao Paulo II quando
abríu em SSo Domingos o novenario de preparacao para a celebracao dos
quatrocentos anos de descoberta e evangelizado da América (12/10/1992).

A fim de aprofundara Teología da Reconciliacao, fase realizaram dois


Congressos Internacionais no Perú, em 1985 e 1986 respectivamente. As pá
ginas que se seguem. apresentam breve relatórío dos pronunciamentos ocor-
ridos no segundo céname. (16-19/01/1986}, do qual participaran] tres Car-
debáis, diversos Arcebispos e Bíspos e centenas de clérigos. Religiosas e leigos:
as conclusdes dos estudos realizados levaram a ver que, de um fadot é ilícito
cruzar os bracos diante da situacao social das popufacoes latino-americanas
e, de outro lado, a revólucao violenta tende a submeter tais populacBes a to
talitarismos, que, em vez de libertar, reduzem a novas formas de escravidSo.

Foi no Perú que Gustavo Gutiérrez, o pa¡ da Teología da Li-


bertacao extremada, deu inicio a esta corrente de pensamento. é
também no Perú que vai tomando vulto nos últimos anos a Teo
logía da Reconciliacao, concebida como resposta auténticamente
evangélica aos problemas do continente latino-americano. A ins-
piracao fundamental desta procede de Puebla, onde o S. Padre
lancou a temática em 1979'; o assunto foi retomado por Bispos,
teólogos e leigos do continente latino-americano, a tal ponto que
em Janeiro de 1985 se realizou o I Congresso Internacional de

291
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/19K6

Teología da Reconciliacao, reunindo em Ayacucho, sob o patro


cinio de Mons. Fernando Vargas Ruiz de Somancio, Arcebispo de
Arequipa (Perú), algumas centenas de participantes de varios paí
ses.

O amadurecimento das idéias ocasionou o segundo certame


dito "Congresso Internacional sobre Reconciliacao e Nova Evan
gelizacao segundo o Pensamento de Joao Paulo M". Ocorreu de
16 a 19 de Janeiro de 1986 em El Callao, perto de Lima (Perú).
Reuniu tres Cardeais: Mons. Landázuri Ricketts, de Lima; Mons.
Alfonso López Trujillo, de Medellín (Colombia) e Mons. Bernard
F. Law, de Bostón (U.S.A.), diversos Arcebispos e Bispos, entre
os quais D. Lucas Moreira Neves, brasileiro. Secretario da Congre-
gacao para os Bispos (Roma) e centenas de congressistas da Amé
rica do Sul, do Centro e do Norte.

Na verdade, o Congresso versou sobre dois temas principáis:

Das dimensÓes da Teología da Reconciliacao aplicada ao


nosso continente, muito sacudido por tensoes. Sao palavras de
Joao Paulo II: "A Igreja considera como missao específica sua a
reconciliacao de todos os individuos e de todos os povos";

2) a Nova Evangelizacao da América Latina, preconizada por


Joao Paulo II, quando em Sao Domingos abriu a novena de pre-
paracao para o quarto centenario da descoberta e da evangeliza-
cao da América (12/10/1992). Esta Nova Evangelizacao deve fa-
zer frente a desafios que os primordios do Evangelho ignoraram
na América: o secularismo, as injusticas sociais, o contra-testemu-
nho de cristaos. ..

O Congresso constou de seis densas conferencias e de dezoi-


to Seminarios de fabalho, que versaram sobre temas especiáis,
como se depreende da lista abaixo:

a) Mons. Darlo Castrillón Hoyos, Secretario Geral do CELAM: "As ce


lebrado da Evangelizacao na América Latina".

b) Mons. John Hass, Professor no Seminario Pontificio Josephinum


(U.S.A.): "A Evangelizacao na América do Norte";

292
TEOLOGÍA DA RECONCILIACAO

c) Sr. Hervé Marie Catia, do Comité Internacional da Renovacao Ca-


rismática Católica: "Reconciliacao no Espirito";

d) Mons. Osear Alzamora, Bispo de Tacna (Perú): "Perspectivas de


urna Teología da Reconciliacao";

e) Mons. Pe. Teodoro Jiménez Urresti, Professor da Universidade de


Salamanca (Espanha): "A Espanha e o 4?Centenario da Evangelizacao";

f) Mons. Gregorio Rosa Chavez, Bispo Auxiliar de San Salvador: "Ur


gencia de urna Reconciliacao na América Central";

g) Mons. Alberto Brazzino, Bispo Auxiliar de Lima (Perú), "O Servico


Ministerial",

h) Sr. Germán Ooig, Instituto "Vida e Espiritualidade" (Perú): "Os


cristaos consagrados: servidores da reconciliacao";

i) Mons. Sean O'Malley, Bispo das linas Virgens (U.S.A.): "Missao da


Juventude hoje",

j) Mons. Alfredo Noriega, Bispo .Auxiliar de Lima (Perú): "Missao da


Familia Crista no Mundo Contemporáneo";

k) Pe. Lorenzo Albacete, do Arcebispado de Bostón (U.S.A.): "O


compromisso do teólogo",

I) Sr. Virgilio Levaggi, da Associacáo Promotora do Apostolado


(Perú): "Os movimentos eclesiais";

m) Pe. Cipriano Calderón, responsável pela edicao de L'Osservatore


Romano em espanhol: "Importancia dos Meios de Comunicacao Social";

n) Sta. Lila Blanca Archideo, CIAFIC (Argentina): "Educacáo para a


Reconciliacio e o Progresso",

o) Sr. Federico Müggenburg, do Conselho Coordenador das Empresas


(Me'xico): "Empregados e Empregadores reconciliados na Empresa";

p) Sr. Augusto Blacker, da Revista "Efficacia" (Perú): "Economía,


Financas e Solidariedade Internacional";

q) Pe. Claudio Solano, da Escola Social Joao XXIII (Costa Rica):


"Evangelizacao e Solidariedade dos Trabajadores";

293
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

r) Sr. Pedro Morandé, Professor na Pontificia Universidade Católica


do Chile: "Religiosidade popular e Espirito solidario na cultura latino-ame
ricana".

A seguir, proporemos o conteúdo de algumas das principáis


conferencias do notável Congresso.

1. Em continuidade com o passado, o futuro...

Mons. Ricardo Durand Flores

O Arcebispo-bispo de Callao, Mons. Ricardo Durand Flores,


foi o primeiro conferencista do certame. Iniciou sua exposicao
com urna referencia á dignidade humana, que só encontra seu ver-
dadeiro sentido em Cristo e na obra de reconciliacao realizada
por Ele. Para se alcancar esta reconciliacao, tanto a nivel indivi
dual como a nfvel social, no ambiente civil e dentro da Igreja, re-
quer-se urna atitude de humildade, que leva á conversao do cora-
cao. Esta implica renovacao; todavia a renovacao jamáis poderá
significar urna mudanca do depósito da fé ou da Revelacao. A
Teología da Reconciliacao nao tenciona construir "nova Igreja"
nem modificar a missao confiada por Jesús Cristo aos Apostólos
e á Igreja Universal.

Em Puebla, sob o impulso de Joao Paulo Mea despeito de


pressoes exercidas em contrario, a Igreja tomou distancia em re la-
cao as ideologías tanto de inspiracao marxista quanto de "Segu-
ranca Nacional". As primeiras (tenha-se em vista a Nicaragua) su-
focam a liberdade do homem; as outras (veja-se o regime chileno)
ofendem sua dignidade, impondo-lhe um sistema que os cidadaos
rejeitam.

A confusao provém do fato de que cada urna dessas ideolo


gías pretende encarnar de maneiras diversas a "civilizacao crista".
Todavia quem pode sustentar que o Evangelho leve a algum siste
ma político determinado? Ao contrario, toda auténtica reconci-
liacao deve apoiar-se sobre humildade, profundo respeito pela S.
Escritura, grande sinceridade e ardente amor á verdade. A genuí-
na Nova Evangelizacao preconizada por Joao Paulo II deve pro
mover essa reconciliapao. Em Sao Domingos, o S. Padre exprimiu
votos de que haja "novo esforco criador", urna "evangelizacao re-

294
teología da reconciliado

novada", mais dentro dos parámetros da fidelidade á Igreja e aos


textos do Magisterio.

A Nova Evangelizado deve ocorrer sem perder de vista a


opcao (ou o amor) preferencial pelos pobres, que nao é nem ex
clusiva nem excludente. Segundo a doutrina da igreja, nao é lícito
identificar o mundo dos pobres e urna classe social em luta. O
combate pela justica em favor dos pobres há de ser travado sem
que os pobres corram o risco de tornar-se escravos de um sistema
que os prive da sua liberdade e que os submeta ao ateísmo siste
mático; também se deve evitar que tal combate leve a um mate
rialismo prático, apto a despojar os pobres da sua riqueza interior
e do seu ■ senso de transcendencia.

A primeira libertacao que devemos propiciar a todo homem,


é a do pecado, a do mal moral, que está em seu coracao e que dá
origem ao "pecado social" e ás estruturás opressoras.

Assim entendida, a libertacao social faz parte integrante da


libertacao simplesmente dita. Todavía nenhum partido político,
nem sistema político-económico algum pode pretender apropriar
a si o dinamismo do Evangelho e, menos aínda, a Palavra de Deus
tal como a Biblia no-la entregou.

Será gracas a urna tal libertacao que a reconciliacao poderá


ocorrer e levar á paz.

2. Urna Evangelizado Reconciliadora


Pe. Julio Terán Dutari S.J.

O Reitor da Pontificia Universidade Católica do Equador,


o Pe. Julio Terán Dutari S.J., dissertou sobre "As Dimensoes de
urna Evangelizacao Reconciliadora: Salvacao, Libertacao e Pro-
mocao Humana". Estes tres aspectos estío, de resto, intimamente
ligados entre si. O Pe. Terán mostrou que, se a missao de Cristo
nao era nem económica nem política nem social, nao obstante o
Evangelho comporta em si urna forca capaz de transformar a co-
munidade dos homens.

Foi isto que a Conferencia do CELAM em Medellín (1968)


quis exprimir. Mas a recusa de cumplicidade com situacoes de in-

295
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

justica nao significa, como abusivamente foi dito, que a Igreja


identifique libertacao e revolucao.

A libertacao crista apoia-se sobre os valores bíblicos. Abre


perspectivas que englobam o homem todo e todo homem. A Igre
ja liga, mas nao confunde, associa, mas nao identifica a salvacao
do homem e a promocao humana. O que Joao Paulo 11 denun-
ciou em Puebla, foi a reducao da salvacao evangélica á promocao
humana. A mudanca de estruturas é apenas um dos elementos da
transformapáo total que o Evangelho preconiza.

Medellín e Puebla vém a ser "aberturas" aos problemas so-


ciais, mas Puebla insistiu principalmente na necessidade da conver-
sao dos coracoes.

A auténtica libertacao deve integrar também a "encarnacao


da misericordia". Isto significa que ela nao pode pactuar nem
com o materialismo de um "capitalismo selvagem" nem com a lu-
ta de classes. Da mesma forma, o amor da Igreja pelos pobres nao
se pode reduzir aos aspectos políticos e sociais, mas deve tender
¡mpreterivelmente a levar-lhes os bens definitivos e transcenden-
tais.

3. Os Bispos e a Reconciliacao

D. Lucas Moreira Neves


0 Secretario da S. Congregacao para os Bispos abordou o
papel dos Bispos na Nova Evangelizapao. Em primeiro lugar, enfa-
tizou que falar de "Nova Evangelizacao" significa que se admite
urna evangelizapao anterior, evangelizapao que deve ser aceita e
assumida sem ser julgada a partir de criterios de nossos dias. Tra-
ta-se nao propriamente de por em relevo as inevitáveis limitacoes
do passado, mas de construir projetos novos de evangelizacao a
partir das exigencias do presente.

Evangelizar hoje nao significa contentarmo-nos com passar


verniz sobre estruturas antigás, mas trabalharmos na transforma-
cao do homem de hoje, suscitando aspiracoes, correntes de pensa-
mento e mentalidade novas. Implica agir sobre as culturas comu
nicando-Inés um sopro vital. Significa ainda entrar em diálogo

296
teología da reconciliado

com a cultura moderna, valorizar seus melhores aspectos, corrigir


o que é mediocre, recusar o que é inaceitável.

Outro aspecto enfatizado por D. Lucas Neves: a evangeliza-


cao na América Latina nao pode ser urna copia do que ocorre (ou
ocorreu) na Europa de maneira mais ou menos bem sucedida. É
preciso inventar urna dinámica evangelizadora para a América La
tina.

Todavía o que importa ácima de tudo, é a fé. O Bispo nao é


somente homem de fé. Deve ser também um defensor da fé, que
saiba nao apenas transmiti-la, mas também como a fazercrescer;
seja um confessor da fé, que, por certo, há de respeitar o mundo
tal como é, mas nao se sentirá intimidado ou complexado diante
deste.

Nao sem certo humor, D. Lucas evocou a questao do plura


lismo, táo apregoado por aqueles que procuram um pretexto para
se calar quando deve Mam falar: "A Igreja, disse, nao quer impor-
se a ninguém, mas, em nome do pluralismo, Ela reivindica o direi-
to de proclamar a Palavra de Deus, da qual Ela é depositaría". Ela
eré que essa Palavra é profética e é capaz de iluminar o momento
presente. Trata-se menos de denunciar do que de anunciar.

4. A irrupcao de ideologias

Card. Alfonso López Trujillo

O Cardeal Trujillo teve por tema "A Beconciliacao na Ver-


dade e no Amor: do confuto á paz". Apornfundou o sentido dos
dois termos: Verdade e Amor.

A opcao pela Verdade excluí todos os relativismos; trata-se da


Verdade de Cristo ou de Cristo-Verdade. A exigencia de fidelida-
de á Revelacao, manifestada na Escritura e na Tradicao, e ao seu
intérprete legítimo, o Magisterio da Igreja, é de especial necessi-
dade nestes tempos de confusao e conflitos. A fidelidade á Verda
de leva-nos a acautelar-nos contra duas armadilhas: 1) a irrup-
cao, dentro da Igreja, de ideologias que trazem consigo a divisao,
como o vento traz a tempestade; essas ideologias sSo portadoras

297
]Q •'PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

de conflitos internos e externos. Por conseguinte, um certo realis


mo exige que se restabeleca primeramente a paz entre os cris-
taos, reunindo todos em torno daqueles que tém o encargo da
unidade: o Papa e os Bispos. 2) A segunda armadilha é a da con-
fusao das línguas: marxistase nao marxistas pronunciám freqüen-
temente as mesmas palavras (paz, libertacao, Igreja dos pobres...},
mas esses vocábulos nao recobrem sempre as mesmas realidades.
Para uns, a paz é a "tranqüilidade da ordem" (S. Agostinho, S.
Tomás); para outros, é "a lei do mais forte", ou seja, daquele que
tiver conseguido impor suas idéias, mesmo pela forca, sem levar
em conta a vontade do povo (vejase o caso de El Salvador).

Quanto ao amor, o cristao deve participar do amor de Deus


para com os homens, manifestado em Cristo Jesús. A opcao pelo
amor implica a recusa de todos os sistemas que se apresentam em
termos conflitivos. Aludindo as palavras de Hobbes "o homem é
lobo para o homem" e as de Sartre "o inferno sao os outros", o
Cardeal Trujillo observou como o marxismo é urna ideología de
confuto, que propoe a violencia e o odio como meios de salvacao.
Ora os sistemas assinalados pelo espirito de confuto estao em ra
dical oposicao á Revelacao crista; por isto nao é lícito interpretar
a mensagem do Evangelho em chave de confuto.

O caminho da Reconciliacao nasce precisamente da Revela-


gao do misterio do amor de Deus em Cristo. Trata-se de urna afir
mativa que, rejeitando a opcao pelo confuto "sacralizado" ou
"santificado", leva á paz mediante o amor. Isto nao significa que
fuja da realidade, mas implica realismo oriundo de um reconheci-
mento da verdade sobre o homem, sobre Jesús Cristo e sobre a
Igreja.

O conferencista encerrou sua exposicao detendo-se sobre o


sentido da paz crista: esta é centrada na verdade e no amor e dis-
tingue-se claramente do irenismo (ou da paz irreal, amorfa, que
pactua com qualquer proposta),. . . irenismo que carece da soli
dez da paz verdadeira, pois nao se norteia por def inicoes.

5. Fecho do Congresso

Cardeal Landázuri-Ricketts

O Cardeal-arcebispo de Lima, Mons. Landázuri-Ricketts, to-


mou a palavra no encerramento do Congresso. Após enfatizar o
298
teología da reconciliado

valor das teses apresentadas, observou: "Este Congresso de Callao,


estou certo, contribuirá poderosamente para que as duas pilastras
básicas da Igreja - Reconciliacao e Evangelizapao - se reavivem
nao só no Perú, mas também em outros países. Urna Reconcilia-
cao baseada na justica, no respeito á pessoa humana e ao direito
dos demais homens. Reconciliacao com Deus e com os irmaos a
fim de sustentar urna Nova Evangelizapao. Se a conseguirmos,
creremos, com a graca do Senhor, ter cumprido a nossa missao".

Comenta o Pe. Jaime Baertl Gómez, Secretario Geral do


Congresso, ao terminar breve relatório do mesmo:

"Após teranalisado a situacao da nossa América Latina e a si


tuacao do mundo em que vivemos, um mundo e urna sociedade
sulcados pela ruptura, a desuniao social, a violencia, a in/'ustica, a
desconfianza de uns em re/acao aos outros, mundo que gera ho
mens e mufheres fechados em seu próprio egoísmo por falta de
Amor, nao nos é lícito assumir a atitude da indiferenca ou de
quem nao quer ver, de quem nao quer exercer seu papel na histo
ria e na Igreja, de quem nao deseja ser guardiao do seu irmao,
porque isto incomoda. Também nao é lícito aceitar a atitude da-
queles que julgam ser a violencia a única via fácil e eficaz para
urna transformado importante.

A reta posicao, a atitude certa há de ser a de María, Mae da


Fé, Pedagoga do Evangelho, que, acolhendo o Plano de Deus,
acreditou no poder de conversao da Boa-Nova e permitiu que o
Senhor nela fizesse maravilhas. Devemos ter fé, crer na forca do
Cristo, que pode converter e transformar" fVida y; Espirituali
dad, n?3. Enero-abril 1986, p. 119).

Outros Encontros do tipo do que foi apresentado, estío sen


do preparados, a fim de se dar vulto e eficacia á Nova Evangeliza-
cao reconciliadora tao apregoada pelo Santo Padre Joao Paulo II.

299
Na Igreja Contemporánea:

0 Neocatecumenato

Em síntese: O Neocatecumenato é urna instituido que proporciona


aos fiéis católicos ¡á batizados a ocasiao de se aprofundarem na fé, percor-
rendo sucessivas etapas de reflexao e de prúticas cristas. O nome tembra o
catecumenato que a Igreja antiga aplicava aos pagaos desejosos de receber
os sacramentos da iniríacao crista"; a caminhada tinfia em vista tornar cons
cientes e coerentes os futuros cristSos. O Neocatecumenato propoe dez anos
de percurso em seis etapas, que visam a ministrar sólida formacao espiritual
aos seus seguidores; nao termina com o Batismo, pois este jé foi ministrado
(na infancia?) aos neocatecúmenos, mas encerrase com a solerte renovacao
das promessas do Batismo. 0 tripe de tal formacSo consta da Palavra de
Deus, da Liturgia (especialmente da Eucaristía) e da Comunidade-comu-
nhao (Igreja), a Cruz de Cristo gloriosa também é muito estimada pelos ca
tecúmenos. Tal instituicao nada tem que ver com as comunidades edesiais
de base; deve caracterizarse por plena fidelidade ao magisterio da Igreja e
ás instituicoes da hierarquia local (Bispo, Pároco). Os Papas Paulo VI e Joio
Paulo II tém dado sua aprovacao a tal Caminho. que comecounos arredores
de Madrid em 1964 por obra do jovem Kiko Arguello, convertido do ateís
mo á fé crista; Kiko sentía a necessidade real de oferecer ao mundo descris
tianizado e aos fiéis católicos afastados a ocasiao de urna tomada de cons-
ciencia mais profunda do que seja a vocacio crista.

Varias iniciativas tém surgido na Igreja contemporánea a f im


de promover a conversao dos pecadores e afervorar a vida crista.
Entre outras, está o chamado "Neocatecumenato" ou o "Cami
nho Neocatecumenal", existente no Brasil a ponto de suscitar o
interesse do público cristao. Em vista disto, passamos a expor o
que seja tal forma de vida crista.

1. Neocatecumenato: origem

A rigor, a palavra "Catecumenato" indica o período de pre


parado dos adultos para o Batismo, período que na Igreja dos

300
NEOCATECUMENATO 13

primeiros séculos era observado rigorosamente com instrucao (ca-


tequese), jejum, exame das intencoes do candidato (scrutinium)...
Os antigos procuravam assim fazer que o Batismo fosse recebido
conscientemente e dispusesse o neófito a serio e coerente teste-
munho de vida crista. O catecumenato prolongado e solene caiu
em desuso quando comecou a preponderar o número de batiza-
dos de enancas na Igreja. Últimamente, porém, o Concilio do Va
ticano II (1962-1965) apregoou a restauracao do catecumenato
na sua Constituido sobre a S. Liturgia:

"Restaure-se o catecumenato dos adultos dividido em diversas etapas-


de acordó com o parecer do Ordinario do lugar. Desta maneira o tempo do
catecumenato, estabelecido para a conveniente instrucao, poderá ser santifi
cado com os sagrados ritos a serem celebrados em terrinos sucessivos" (n?
64).
Independentemente de tal instituicao, já em vigor para pre-
parar-se o Batismo de adultos, nasceu em 1964 um Movimento
destinado a pessoas já batizadas que procuram aprofundar a sua
fé e a sua vida crista, e que tomou o nome de Neocatecumenato.
A origem deste ocorreu entre os favelados de Palomeras Al
tas nos arredores de Madrid (Espanha) em 1964 por obra de um
joyem espanhol chamado Kiko Arguello e de seus companheiros
leigos.

Kiko era ele mesmo um convertido do ateísmo, que desco-


brira o Senhor Jesús, como ele dizia:
"Taívez tivésseis outra imagem a respeito de Kiko... Eis, porém, que
encontrastes um pobre homem — o que possivelmente vos causou profunda
decepgao. Desculpai-me. Nao soueu que vos convoque!, mas foi a Palavra de
Deus, foi aquilo que Deus realizou na vossa comunidade. Quem sou eu? Sou
alguém que se sentiu chamado por Cristo, embora desgranado e infeliz. Os
outros me amavam, na medida em que eu tinha valores ou caso eu estudasse,
fosse útil, caso desse e devolvesse... Ao contrarío, senti-me amado por Cris
to gratuitamente, embora pecador e infiel..." (palavras proferidas por Kiko
no Encontró Neocatecumenal de 10 a 13/01/1977 em Roma}.

0 testemunho de vida de Kiko e de seus companheiros lei


gos entre os pobres da periferia de Madrid tornou-se fermento na
massa; levou aquela gente simples a pedir ao grupo que cermparti-
Ihava a sua indigencia, urna catequese baseada na leitura da Bi
blia. Kiko aceitou a missao; a principio encontrou dificuldades

301
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

para se adaptar ao ni'vel de pouca cultura de seus ouvintes, mas a


perseveranca permitiu que aos poucos fosse elaborando urna sín-
tese catequética lúcida e convincente, que deu origem a urna au
téntica comunidade de fiéis. Assim teve surto o que se chamaría
depois "o Caminho Neocatecumenal". Associou-se a Kiko, entre
outras pessoas, urna jovem, Carmen Hernández, diplomada em
Física e em Teología. Esta, depois de ter trabalhado durante al-
gum tempo em Nazaré, procurava comprometer-se com o Evange-
Iho; encontrou o que procurava, agregando-se a Kiko e seus com-
panheiros; a palavra inflamada desses arautos parecía reproduzir
as maravílhas de Pentecostés em Palomeras Altas. Diría Kiko:

"Com grande surpresa, fomos testemunhas de urna Palavra, que, fa-


zendo-se carne em gente tao pobre, mas tao acolhedora, dava origem a urna
comunidade de oracao, a urna Liturgia surpreendente tal como era a respos-
ta de tantos irmaos, que, cheios de pecados, bendiziam ao Senhor. que se
recordara deles. Assim num período de tres anos vimos aparecer aos nossos
olhos um caminho degestacao da fé, urna especie de catecumenato, que rea-
lizava aos poucos a Igreja, criava urna comunhao fraterna, dava lugar ao
amor numa dimensio que maravilhava todos, porque era a da morte em fa
vor do inimigo ou era a dimensSo da Cruz" (Le comunitá neocatecumenali
em Rivista di Spiritualitá 2 1975p. 193). '

A vida da pequeña comunidade oriunda no meio daquela


gente pobre, em clima de simplicidade e sincero amor fraterno,
tornou-se em breve um sinal que chamou á fé muitas pessoas in
crédulas ou, se batizadas, pessoas afastadas da vida sacramental.
Em conseqüéncia, alguns vigários, como o de S. Frontis em Za
mora e o de Cristo Reí em Madrid, impressíonados pela experien
cia realizada em Palomeras Altas, pediram a Kiko e seus compa-
nheiros que a fossem repetir na sua paróquia. Após atender a tais
convites, observava o jovem líder: "Ficamos surpresos por ver
como naquelas paróquias cujo ambiente sociológico era diferente
do da favela, tiveram origem, apesar de tudo, comunidades em via
de conversao suscitada por urna catequese de dois meses" (ibid).

Diante dos resultados obtidos, o próprio arcebispo de Madrid,


Mons. Casimiro Morcillo, encorajou o movimento e apresentou-ó
a outros vigários; recomendava sempre que qualquer nova comu
nidade catecumenal a ser fundada guardasse a comunhao com o
respectivo pastor, a f¡m de nao formar um quisto dentro da paró
quia.

302
NEOCATECUMENATO 15

O progresso de tal iniciativa foi taman no que em breve pas-


sou da arquidiocese de Madrid para a de Barcelona e para outras
partes da Espanha, vencendo os inevitáveis obstáculos que a novi-
dade despertou num ou noutro lugar.
Quatro anos mais tarde, ou seja, em 1968, o Catecumenato
de Kiko e seus companheiros chegou a Roma, acompanhado de
recomendacao de Mons. Morcillo ao Cardeal Vigário de Roma:
os corajosos apostólos Kiko, Carmen e Pe. Francesco Cuppini es-
tabeleceram-se no Borghetto Latino, o reduto de pior fama da Ci-
dade Eterna. Bem acolhidos ai, espalharam a sua mensagem e o
seu ideal nao só em Roma, más em toda a Italia. Assim tomou
vulto ainda mais definido o carisma daqueles catequistas itineran
tes (sacerdotes e leigos). A partir de 1972, a difusao se fez em ou-
tros países da Europa e mesmo da América Latina em atendimen-
to a pedidos de Bispos e sacerdotes. Hoje em dia pode-se dizer
que o Neocatecumenato está presente e atuante em todos os con
tinentes. Até mesmo em núcleos da Comunhao Anglicana, os ca
tequistas itinerantes instituí ram o Catecumenato após o devido
acordó entre Bispos anglicanos e Bispos católicos.

Pergunta-se agora:

2. Que é propriamente o Neocatecumenato?

O Neocatecumenato é urna instituicao que tem por objetivo


levar os cristaos adultos, especialmente os mais afastados, a urna.
converslo mais profunda; para tanto propoe-lhes um caminho de
diversas etapas, semelhantes áquelas que a I groja antiga propunha
aos adultos que se preparavam para passar do paganismo á vida
crista; essas etapas vao familiarizando o "catecúmeno" com a Pa-
lavra de Deus, com as fórmulas da fé e da oracao e com os ritos
sacramentáis a f im de que possa abracar esses dons de Deus com
mais conviccao e eficacia. Ó catecumenato na Igreja antiga termi-
nava com a recepcao do sacramento do Batismo (ao qual, nao ra
ro, se acrescentavam os da Crisma e da Eucaristía); hoje em dia o
Neocatecumenato já supoe "catecúmenos" batizados, apenas visa
a transmitir-Inés mais profunda consciéncia do valor e das respon
sabilidades da vida crista; termina com a renovacao das promessas
do Batismo. Tal é o depoimento de alguém que fez a experiencia
neocatecumenal:

303
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

"Embora tivéssemos recebido o Batismo, para muitos de nos ele era


inoperante na vida concreta; nos o tinhamos esquecido ou nao sabíamos o
que era a vocacao crista. Éramos millonarios que viviam na miseria" (K. Ar
guello, II Neocatecumenato.l.

Desta forma o Neocatecumenato tenciona "reconstruir a


Igreja no sáculo presente, na historia que estamos vivendo" (Pau
lo VI),... a Igreja que, sem destruir o seu passado, volta as fontes
auténticas da sua vitalidade e se renova no intuito de mostrar ao
mundo o Cristo presente em meio aos homens de hoje. A face da
Igreja renovada há de se caracterizar pela vivencia do amor e da
unidade.

Assim entendido, o Neocatecumenato nao deve ser confun


dido com as comunidades eclesiais de base, que tém origem e fi
nalidades diferentes.

3. As etapas do Neocatecumenato

O itinerario do Neocatecumenato pode durar dez anos. Seis


sao as suas principáis etapas: 1) o anuncio da Boa Nova; 2) o pre-
catecumenato; 3) a passagem ao catecumenato; 4) o catecumena-
to 5) a escolha (electio ou eleicao); 6) a renovacao das promessas
do Batismo. Percorramos essas sucessivas fases.

1)0 anuncio (kerygma) da Boa Nova. Com a aquiescencia


do Vigário, o Neocatecumenato é apresentado aos diversos seto-
res de urna paróquia. Os fiéis que o queiram aceitar, passam a
reunir-se doravante duas vezes por semana durante dois meses, a
fim de ouvir o anuncio da Boa-Nova. Este proclama a salvacao
éfetuada pela Páscoa: Cristo, morrendo e ressuscitando, obteve-
nos a graca de morrermos com Ele para o pecado e de ressuscitar-
mos para urna vida nova, que implica comunhao com Deus e com
os irmaos. Este breve período termina com a formacao de urna
comúnidade, para a qual sao eleitos um coordenador e seus cola
boradores; o pároco acompanhará o grupo com o seu carisma de
pastor. Os catequistas que deram o impulso inicial á comunidade,
se retiram para as suas sedes de origem, mantendo de longe o con
tato com a comunidade fundada.

2) Precatecumenato. A segunda etapa dura aproximadamen


te dois anos. Os irmaos se encontram duas vezes por semana pa-

304
NEOCATECUMENATO 17

ra a reflexao sobre a Palavra de Deus e para preparar a Eucaristía


dominical. As reunioes sao planejadas por equipes de cinco ou
seis pessoas, que, juntas, léem os textos bfblicos, os estudam e in-
terpretam a fim de oferecer á comunidade a respectiva mensa-
gem. Unía vez por mes, toda a comunidade participa de um día
de convivencia, quando os irmaos compartilham suas experien
cias pessoais á luz da Palavra de Deus; cada qual examina e expoe
qual tenha sido o seu comportamento na familia, na profissao, na
sociedade, confrontando-o com o modelo tragado pelo Evange-
Iho. Trata-se de um exercício de humildade, em que todos sao
convidados a tirar as máscaras a fim de ser plenamente ilumina
dos pela Palavra de Deus.

Transcorridos os dois anos respectivos, esta etapa se encerra


com um primeiro escrutinio de transicao para o catecumenato.
Num retiro de tres dias, os candidatos refletem sobre as exigen
cias evangélicas de "carregar a cruz", "entrar pela porta estreita",
"tudo deixar em prol do Reino". . .; é-lhes incutido o valor da
graca de Deus, que nos vem pelo Batismo e que nos faz membros
da Igreja. Tendo meditado sobre estas verdades, o candidato, que
as aceita concretamente, exprime diante do Bispo o seu propó
sito de responder ao apelo e de entrar no Catecumenato.

3) Transicao para o Catecumenato. Este período dura tem-


bém dois anos e desenvolve-se sobre o tripe "Palavra de Deus —
Liturgia — Comunidade". Cada mes é proposto aos candidatos
um momento da historia da salvacio: Abraao e os Patriarcas, Moi
sés e o éxodo, a Térra Prometida, o Exilio... Também é apresen-
tado aos catecúmenos o perigo dos ídolos que escravizam o ho
mem: o dinheiro, os afetos desregrados, o trabalho apaixonado;
diante das seducoes destes valores o homem é muitas vezes inca
paz de se desviar; por isto o Senhor Jesús Ihe oferece a sua graca,
que converte os coracoes.

Esta etapa termina com um segundo escrutinio de entrada


definitiva no catecumenato. Durante um retiro e na presenca do
Bispo, o neocatecúmeno renuncia publicamente aos ídolos deste
mundo para fazer de Deus o centro da sua vida, consciente de
que "todo aquele que nao renunciar a todos os seus bens, nao po
de ser meu discípulo" (Le 14,33).

305
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

4) O Catecumenato. Esta fase dura tres anos. O primeiro ano


é dedicado á leitura e ao aprofundamento dos Salmos em pers
pectiva crista; encerra-se com a entrega do Salterio como livro de
oracáo. O segundo ano é caracterizado pela reflexao sobre o Cre
do Apostólico: os catecúmenos procuram vivé-lo e transmiti-lo as
familias da paróquia; a cerimónia de entrega do Símbolo de Fé se
realiza no domingo de Ramos, quando cada catecúmeno recebe
das maos do Bispo urna palma benta como sinal do testemunho
do Cristo que chega até o heroísmo do martirio. O terceiro ano
consta de nova iniciacao á oracao mediante a entrega do "Pai
Nosso", coracao do Evangelho. Estes tres anos levam em conta
especialmente a familia e a vida crista a ser vivida no lar; as crian-
cas é dado participar da aprendizagem e da prática de oracao dos
mais velhos, consoante o preceito que o Deuteronómio formula
para as familias israelitas: 'Tu os repetirás (os mandamentos) aos
teusfilhos"(Dt6,7).

5) A escolha (eleicao). Esta penúltima etapa é das mais exi


gentes, seja porque comporta catequese sempre mais aprofunda-
da, seja porque requer vida moral ainda mais pura da parte dos
catecúmenos. Tais exigencias nao sobrevém como algo de artifi
cial ou forcado; ao contrario, decorrem da preparacao de varios
anos que as antecederam. Aqueles a quem Deus dá a graca de
corresponder devidamente a tais apelos, sao candidatos a escolha
(a palavra "escolha" — electio em latim — no caso lembra a voca-
pao gratuita que Deus dirige aos homens; nao é a criatura que se
impoe a Deus, mas é Este que tem a iniciativa de chamar a cria
tura). A cerimónia de escolha comporta a inscricao do nome do
catecúmeno no livro da vida (ver Le 10,20); mediante esta ¡nscri-
cao, o cristao testemunha a plena aceitacao das exigencias da vida
crista, formuladas ñas palavras do Senhor Jesús: "Sede perfeitos
como vosso Pai que está nos céus" (Mt 5,48). A missao alta e no-
bre que incumbe a quem tem o nome no livro da vida, é a de ser
cristao.

6) Renovacao das promessas do Batismo. Os catecúmenos,


no caso, já foram batizados em tempos remotos. Por conseguinte,
o que Ihes toca no final do seu itinerario, é renovar as promessas
do Batismo, que incluem a renuncia a Satanás, ás suas pompas e
obras, e a procura de vida inteiramente fiel ao Evangelho. Os que

306
NEOCATECUMENATO 19

chegam a este termo, sao cristaos que proelamam Cristo Ressus-


citado como único Senhor de suas vidas e sabem que os frutos do
Batismo sao dons gratuitos de Deus, apregoados pela Igreja em
todos os tempos e hoje tornados mais presentes á mente dos fiéis
através da praxe catecumenal. A propósito observa Kiko Arguello:

"Nao é possfvel contar todos os mi¡agres de que somos testemunhas;


as pessoas que abandonaram a sua vida mundana de pecado, de adulterio,
de furtos, de violencia, ateísmo, profundo egoísmo; os 'casáis separados ou
as familias divididas que Cristo recompós; osjovens transviados que reencon
traran) o sentido da vida; a comunhSo criada entre pessoas de todas as ida-
des e de condiedes sodais e culturáis muito diferentes. É verídica a Palavra:
"Hi aínda outras coisas realizadas por Jesús que, se fossem narradas urna por
urna, creio que o mundo inteiro nSo bastaría para conteros livros que se deve-
riam escrever' (Jo 21,25)" (K. Arguello, II Neocatecumenato, 101).

Examinemos agora

4. Os fundamentos teológicos do Neocatecumenato

0 Neocatecumenato se ergue sobre a base de tres grandes va


lores do Cristianismo:

1) A Palavra de Oeus. A esta é atribuido o papel desencadea-


dor e sempre estimulador da caminhada. É um sacramental que
vai sendo gradualmente aprofundado pelos catecúmenos; estes a
penetram nao em atitude intelectualista e fria, mas em perspecti
va sapiencial e orante. A Palavra de Deus é urna sementé (Mt '
13,19), que contém a vida (Dt 32,47) e germina na historia pes-
soal e comunitaria, consolidando a Igreja e produzindo a grande
árvore do Reino de Deus <cf. Me 4,26-34). Essa Palavra, em últi
ma análise, nao é algo, mas Alguém; é urna Pessoa que fala, é Cris
to que nos convida a entrar em al ¡anca com Ele. Os neocatecúYne-
nos sabem que a Palavra entregue á Igreja atua com especial efica
cia numa comunidade-comunhao marcada pela unidade na fé e
no amor fraterno; por isto léem e meditam a Palavra como Igreja
orante.

2) Eucaristía. No centro da vida comunitaria dos neocate-


eumenos está a Eucaristía. A redescoberta da Eucaristía como
fonte indispensável de vida crista foi muito incentivada pelo mo-

307
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

vimento litúrgico que o Concilio do Vaticano 11 conf¡rmou em


tudo o que ele tinha de sadio. Assim as duas mesas sao assidua-
mente freqüentadas pelo IMeocatecumenato: a da Palavra e a do
Corpo do Senhor (cf. Constituicao Dei Verbum n° 21). É da Eu
caristía que os catecúmenos recebem o incentivo para a sua missao
e é para a Eucaristía que tendem a levar todos aqueles que es-
cu tam a Palavra de Deus.

3) A Cruz gloriosa. O IMeocatecumenato nutre a forte con-


yiccao de que a Cruz está plantada no coracao do Evangelho; a
ignominia do patíbulo é iluminada pela gloria do Cristo Ressús-
citado. Já que toda a vida de Jesús tendía para a Cruz (cf. Me
10,32-34, Le 12,50; Mt 16,23), também o discípulo deve seguir
Jesús carregando a sua cruz (cf. Mt 16,24s). Para o catecúmeno,
anunciar a salvacao é proclamar a cruz gloriosa de Cristo; esta im
plica renuncia ao egoísmo e ao pecado para abrír-se á graca e á
vida que vém da parte do Ressuscitado. A imagem do Servidor de
Javé que sofre para expiar os pecados do mundo e obter a salva-
cao para todos os homens, paira ante os olhos do neocatecúme-
no (cf. Is 42,1-7; 49,1-6; 50,4-9; 52,13-53.12).

Baseado, pois, nos valores da Palavra, da Eucaristía e da


Cruz, o cristao se dispoe a "testemunhar o nascimento de um no
vo humanismo, no qual o homem se define, em primeiro lugar,
por sua responsabilídade perante os ¡rmaos e a historia" (Consti
tuicao Gaudium et Spes n?55).

A espirítualidade do catecumenato assim alimentada é a de


conversao continua ou é a de vivencia, tao coerente quanto possí-
vel, da graca do Batismo (que é inseparável do dom da Eucaris
tía). María é considerada como o modelo desta atitude, pois ela
se colocou^ ao inteiro díspor do Senhor Deus mediante o seu Fiat;
em decorréncia desta entrega, o Espirito Santo a recobriu com a
sua sombra e ela trouxe em seu seio o Fílho de Deus para dá-lo ao
mundo inteiro (cf. Le 1,28-38). O Neocumenato é tido como um
período em que o Espirito Santo fomenta a formacao do Cristo
em cada cristao; com efeito, o Batismo deposita no neófito
urna sementé de vida nova, principio de "nova criatura", que há
de ser desenvolvida pela acao do Espirito Santo (cf. Rm 8 14-16-
2Cor 5,17; Gl 4,6; 6,8; Cl 3,10; Tt 3,5); quem é dócil a essa acao
308
NEOCATECUMENATO 21

e se entrega cada vez mais á vocacao crista, se torna mais e mais


portador do Cristo em beneficio seu e de toda a S. Igreja.

5. Conclusao

A inspiracao básica do Neocatecumenato é sadia e tem me


recido a aprovacao dos Sumos Pontífices Paulo VI e Joao Paulo
II. Assim, por exemplo, se exprimia o atual Papa em visita ás co
munidades neocatecumenais da paróquia de S. Joao Evangelista
em Spinaceto (Roma):

"É belo também o nome: comunidades neocatecumenais. Pois este no-


me nos leva a pensar nos catecúmenos que outrora se preparavam para o Ba-
tísmo durante multo tempo ou durante meses e anos, especialmente na Qua-
resma. A seguir, assim preparados, recebiam o Batísmo com grande fervor,
com profunda alegría" (L'Ouervatore Romano, 19/20 novembro de 1979p.
5).

Pode-se dizer que o Neocatecumenato nao tenciona senao


tornar viva de modo concreto e sistemático a exortacao de Paulo
VI formulada aos 5/11/1979:

"A RenovacSo da Igreja segundo o espléndido programa proposto pe


lo Concillo do Vaticano II nao pode ser, em sua fundamental ossatura (e
também ñas suas concretas manifestares), outra coisa senSo urna auténtica
conversao a Deus dentro das exigencias do nosso tempo. O apelo á conver-
sao fmetanoeitej, isto é, á penitencia, é nSo somente a primeira Palavra do
Evangelho, mas também a constante e insubstítufvel palavra deste. É dessa
palavra que provém toda a vitalidade da Igreja. A Igreja se encontra tanto
mais plenamente ¡n statu mitsionis - isto é, tanto mais plenamente realiza a
sua missao — quanto mais se converte a Deus. É só mediante esta autocon-
versao que Ela se torna mais eficaz como centro de conversao dos homens e
do mundo ao Criador e Redentor".

Como em todo movimento da Igreja contemporánea, sao


apontados exageros ou abusos no modo de falar ou agir de neoca-
tecúmenos. Tais fainas se explicam pela fragilidade humana, mas
nao decorrem da mensagem do neocatecumenato. Este tenciona
ser fiel ao magisterio da Igreja. £ contraria ao seu programa qual-
quer atitude de insubordinacao ao Bispo diocesano ou ao Pároco,
como também qualquer enquistamento dentro da paróquia. 0
neocatecúmeno é incitado a alimentar em si o "sentir com a

309
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

Igreja", de modo a servir a Esta, fomentando a sua unidade e co-


munhao, jamáis trabalhando em direcao contraria. Urna vez ter
minado o longo itinerario, o fiel católico deve sentir-se compro
metido com as tarefas pastarais da sua paróquia e da sua diocese;
há de ser um membro vivo e atuante da comunidade paroquial é
diocesana, de acordó com as palavras de Paulo VI:
"Construir a Igreja é o grande dever de todos nos, fiéis do nosso tem-
po. . . Construir a Igreja em dois sentidos, a saber: primeiro, reconstruir
aqueta Igreja da qual recebemos urna heranca riquíssima, mas tio necessita-
da de purificacao segundo o espirito do Evangelho e de restauracao princi
palmente no plano dos valores religiosos, dos quais o mundo de hoje vai per-
dendo a estima, embora tanto precise deles. Em segundo lugar, num sentido
que se volta para o futuro, mais do que para o passado: aponta-nos o dever
de continuar, até de renovar com fídelidade tradicional, a antiga construcao,
e de Ihe dar formas novas concordes com as exigencias históricas e constitu-
donáis" (L'Osservatore. Romano, 22/07/1976).

Eis por que os fiéis católicos podem reconhecer no Neocate-


cumenato um dos frutos da acao do Espirito Santo em nossos
días, e pedem ao Senhor preserve tao generosa e benéfica iniciati
va dos desvíos que a debilidade humana Ihe pode inflingir.
A propósito citamos:

ZEVINI, GIORGIO, Informales sobre Experiencia de Iniciapao Cris


ta de Adultos ñas Comunidades Neocatecumenais, em: Concilium n9 142
1972/2. pp. 72(2081-81 (217).

ÍDEM, Neocatecumenato, em: Nuovo Dizionario di Spiritualitá Ro


ma, Ed. Paulinas 1979, pp. 1056-1073.

ÍDEM, ti Cammino Neocatecumenale. Itinerario di maturazione nella


fede, em: Movi mentí Ecclesiali Contemporanei. Librería Ateneo Satesiano
Roma 1982, pp. 231-267.

310
A Igreja dos tres primeiros sécuios:

"A Memoria do Povo Cristáo"


por Eduardo Hoornaert

Em jfntese: Eduardo Hoornaert tenciona escrever a historia da Igreja


dos tris primeiros sáculos a partir dos pobres, de acordó com as premissas
da colecao 'Teología e Libertado", na qualse insere. Esta ótica predefinida
leva o autor a cultivar antfteses: pobres e ricos, carisma e instituido, judais
mo e helenismo.. . O esquema da luta de classes está subjacente a todo o ti-
vro, o que nao pode deixar de deturpar os quadros aposentados. Testemu-
nhos e fatos que nio condigam com as premissas do autor ousSo omitidos
ousSo interpretados tendenciosamente; até mesmo o Apostólo Sao Paulo é
sujeito a críticas da parte de Hoornaert por ter pretensamente cedido a
idéias enemistas (corrente herética que repudiava o convivio conjugal}. A
índole tendenciosa tira ao livro o seu valor científico, embora nele se encon-
trem betas páginas sobre o teor de wdj heroico dos primeiros cristaos, teste-
munhado por escritores antigos. cujos textos Hoornaert transcreve.
* * *

A coledlo "Teología e Libertacao" apresentou sua terceira


obra, intitulada "A Memoria do Povo Cristao"1, da autoría de
Eduardo Hoornaert; tenciona ser urna historia da Igreja dos tres «
primeiros séculos, escrita a partir do povo, de acordó com as dire-
trízes que ¡nspiram a referida colecao. - Vamos, a seguir, assina-
lar alguns dos traeos marcantes do livro, ao que serao acrescenta-
dos breves comentarios.

1. Linhas-mestras do livro

1. A historia da Igreja dos tres primeíros séculos é escrita a


partir de premissas predefinidas, das quais a principal é a da luta

Eduardo Hoornaert, A Memoria do Povo Cristao. Colecao "Teología e Li


bertado". Serie I. Experiencia de Deus e Justipa. Ed. Vozes, Petrópolis
1986. 140x210 mm, 263 pp. - Por determinacao da Santa Sé, a equipe res-
ponsévelpela colecSo suspendeu seus trabalhos para poder ser reformulada.
311
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

de classes; Jesús terá sido um marginalizado contestatario (cf. p.


44), que deu inicio a um movimento de marginalizados adversa
rios da sociedade em que viviam:

". . .0$ que o Direito Romano chama de humildes fhumiliores,/ em


oposicao aos honestos /honestioresA' os escravos, libertos, infames como
gladiadores, bestiarios no circo, dancarinos. cantores, prostitutas, mulheres
e criancas. Entre estes é que devemos procurar os cristaos" (p. 50).

Em vez de alimentar complexo de inferioridade, os cristaos


descobriram na marginalizacao social "um plano de Deus de im
portancia soberana e passaram a elaborar urna teología da ele ¡cao
e predilecao divinas pelos marginalizados, a grande teología dos
primeiros tempos cristaos" (p. 50). Eram as seguintes as línhas
dessa teología: a predilecao pela mulher num mundo machista, a
predilecto pela enanca num mundo de adultos, a predilecao pelos
operarios num mundo de patroes, a predilecao pelos doentes num
mundo de sadios, a predilecao pelo negro num mundo de bran-
cos, a predilecao pelos indios num mundo invadido pelos brancos,
a predilecao pela periferia do sistema no plano da política inter
nacional (cf. p. 53).

O intuito dos discípulos de Jesús - os materialmente pobres


— era transformar o Imperio Romano, onde havia autoridade
constituida e determinado tipo de vida social. Por conseguinte, o
Cristianismo antigo era fortemente politizado:

"Diante da religiosidade típica reinante no Imperio Romano, baseada


fundamentalmente numa apolitizacao e espiritualizacao, mas também numa
teorizacao da vida religiosa, o Cristianismo causou impacto pelo seu caráter
prático, realista, sobrio, voltado para a transformacao da sociedade, embora'
em nfveis sociais muito distantes das esferas do poder político" (p. 240).

A familia "nao era considerada célula da sociedade (um te


ma clássico das religioes de Estado), mas como fermento de urna
nova sociedade" (p. 166).

Os cristaos terao levado vida de comunidades de base, em


que a responsabilidade era de todos; um Mame genérico, inspirado
pelo amor e pelos carismas, fazia a uniao dessas comunidades en
tre si:

3L2
"A MEMORIA DO POVO CRISTÁO" 25

"As atuais comunidades de base encontram ñas primeiras comunida


des cristas dos tres primeiros séculos paralelismos surpreendentes. Pelo me
nos é o que se pode perceber nos entusiasmos dos cristaos atuais que partici
pam de unta comum'dade de base e comparam a sua vivencia com a dos pri
meiros cristaos" (p. 137).

"Existia entre as comunidades de base dos primeiros tempos urna cor


respondencia marcada por duas características: a freqüéncia e o trato de
igual para igual. Nos anos 160-170, por exemplo, o bispo de Corinto, Dio
nisio, envíou urna serie de cartas ás mais diversas Igrejas, em Lacedembnia,
Atenas, Nicomédia, Creta, Asia Menor, Roma, sem nenhum trago de autori
tarismo, simplesmente para animar os irmaos e as Irmas a perseverarem na
fé, combater as heresias. procurar a comunhao com Cristo e entre sie final
mente reativar a memoria crista (Eusébio, Historia Eclesiástica 4.23.1-11)"
(p. 151).

Os anseios dessas células do Cristianismo antigo eram de or-


dem prática ou vivencial mais do que de ordem doutrinária:

"Os documentos que o Cristianismo primitivo nos legou nSo deixam


urna sombra de dúvida: ser cristao naqueles tempos nao significava antes de
tudo aderir a urna nova doutrina. mas viver urna nova vida" (p. 164)..

Mais:

"O Cristianismo nao pode conceber-se como urna doutrina conservada


intacta através dos séculos, mas sim como fonte geradora de realizacoes sem-
pre repetidas a partir da fidelidade ao evento fundador que é Jesús e a sua
prática.. . A verdade nao pertence, pois. a ninguém, mas é dita por muítos v
pela veracidade da vida e pelos vestigios do evento Jesús que nela se encon
tram" (p. 191).

Segundo Hoornaert, os antigos cristaos viviam em comu


nhao de bens materiais: "comunhao de bens entre todos os cris
taos indiscriminadamente" (pp. 221-223). "A fraternidade ñas
comunidades cristas teria que ter dimensoes financeiras. As co
munidades só conseguiriam ser o inicio de urna nova sociedade
se nelas se praticasse a nova lei de que todos participam dos bens
materiais e nao apenas das palavras" (p. 212).

2. Todavia essa realidade carismática e fraternal da Igreja


dos dois primeiros séculos terá comecado a desmoronar, segundo

313
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

Hoornaert, por efeito de tres fatores principáis, que terao deterio


rado a face e o íntimo do Cristianismo:

1) a influencia do helenismo ou da cultura e da filosofía he


lenista, cultivadas especialmente por Clemente <t215 aproxima
damente) e Orígenes de Alexandria (t253 ou 254). Estes mestres
terao fomentado a formacao de dois grupos no corpo social cris-
tao — o dos simples e ignorantes de um lado, e o dos sabios, cul
tos e iniciados, do outro lado. Houve entao o aburguesamento da
mensagem crista e a conseqüente manipulacao da memoria de Je
sús, dos profetas, dos apostólos do Reino.

2) O monaquisino, que tem seu pioneiro em S. Antao (251-


356), também modificou profundamente a realidade da Igreja an-
tiga; com efeito, pregava a retirada para o deserto ou a vida des-
politizadá como também o celibato: "A imagem eclesial original
mudou consideravelmente com a propagacao do modelo monacal
e a conseqüente acentuacao da prática celibatária no modo de se
viver Igreja e Cristianismo" (p. 236). - Hoornaert critica Sao
Paulo por apregoar a vida celibatária em 1Cor 7,25-31; insinúa
que tal posicao se identifica com a dos hereges encratistas, para
os quais a materia era má e, por conseguinte, o casamento conde-
nável (pp. 167s).

3) A hierarquia da Igreja foi-se estruturando de modo que a


espontaneidade dos carismas terá desaparecido na Igreja. Tal es-
truturacao haverá sido influenciada por correntes filosóficas gre
co-romanas: "Acreditamos que tanto o fascfnio exercido pelo sis
tema organizatório romano como a influencia das idéias platóni
cas e estoicas tiveram um papel relevante na reviravolta do século
II" (p. 193). Os mestres carismáticos passaram a ser sujeitos á hie
rarquia clerical (cf. p. 192).

Exposto o conteúdo do livro em termos sintéticos, propore


mos algumas consideracoes a respeito.

2. Refletindo...

O livro de Hoornaert tem suas páginas interessantes, espe


cialmente quando transcreve textos de escritores dos primeiros

314
"A MEMORIA DO POVO CRISTAO" 27

séculos do Cristianismo (S. Justino, S. Ireneu, Aristides, Atenágo-


ras, Clemente, Orígenes. . .}, pouco conhecidos ao leitor brasilei-
ro. Todavía quem o lé, verifica que se baseia em permanente antí-
tese ou dualismo entre pobres e ricos, carisma e instituicao, ju
daismo e helenismo.. . Para firmar esse dualismo, o autor omite a
consideracao de textos nao condizentes com o seu propósito ou
interpreta-os tendenciosamente. Para evidenciar isto com a máxi
ma clareza, seria necessário escrever outro livro. Eis, porém, algu-
mas observacoes a propósito da temática:

2.1. Carisma e Instituicao

Nao se deveria crer que os antigos cristaos vivessem de inspi-


racoes carismáticas alheias a urna instituicao ou a um regime jurí
dico. Sejam recordados, entre outros, os seguintes pontos:

Em 1Cor 5,3-5 e 2Cor 2,5-11, temos as mais antigás noti


cias de excomunhao da Igreja: a primeira aplicada a um cristao in
cestuoso de Corinto; a segunda, a um fiel que havia injuriado o
Apostólo.

Em 1Cor 14,1-40 Sao Paulo tem em vista os fiéis dotados de


carismas na comunidade de Corinto; preferiam o dom das lín-
guas, que era, á primeira vista, o mais impressionante. Ora o
Apostólo censura a estima indisciplinada dos carismas e baixa
normas para o bom uso dos mesmos: "Se alguém julga ser profeta
ou inspirado pelo Espirito, reconheca, ñas coisas que vos escre- -
vo, um preceito do Senhor. Todavía, se alguém nao o reconhecer,
é que também Deus nao é reconhecido" (1Cor 14,37s).

A estrutura jurídica da Igreja foi-se desenvolvendo com o


passar dos decenios. As epístolas pastorais, que sao da segunda
metade do século I, já revelam a hierarquia com diversos minis
terios e os prenuncios do episcopado monárquico (um só bispo á
frente de presbíteros e diáconos); o episcopado monárquico está
plenamente instituido na época de S. Inácio de Antioquia (1110
aproximadamente), cujas cartas nos foram transmitidas.

S. Clemente de Roma (t cerca de 102) escreve aos Corintios:


"Os Apostólos foram mandados a evangelizar pelo Senhor Jesús

315
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

Cristo . Jesús Cristo foi enviado por Deus. Assim Cristo vem de
Deus e os Apostólos de Cristo. .. lam pregando por campos e ci-
dades. . . e estabelecendo os que eram as primicias dentre eles co
mo bispos e diáconos dos futuros fiéis, depois de prová-lps no Es
pirito Santo" (n?42).

No século II o Papa S. Vítor (189-198) excomungou os fiéis


da Asia Menor que queriam seguir seu calendario próprio para a
celebracao da Páscoa.

Nao nos é possível alongar a lista de testemunhos que pro-


vam que, desde as suas origens, a Igreja foi regida institucional-
mente. Está claro que a organizacao jurídica só aos poucos foi-se
desdobrando; a principio as dificuldades de viagem e comunica-
cao criavam obstáculos ao exercício de um governo central. De
resto, a característica "instituicao" na Igreja tem seu fundamento
no próprio Evangelho, onde Jesús entrega a Pedro as faculdades
necessárias para ligar e desligar (cf. Mt 16,16-19), para confirmar
seus irmaos na fé (Le 22,31s), para apascentar seu rebanho (cf.
Jo 21,15-17). O colegio dos Apostólos, por sua vez, recebeu a fa-
culdade de "ligar e desligar" (cf. Mt 18,18). A autoridade na
Igreja nao se opoe aos carismas; ao contrario, ela é exercida em
funcao do misterio ou do sacramento do Corpo de Cristo prolon
gado, que o Espirito Santo vivifica. Há, de resto, verdadeiros e
falsos (ilusorios) carismas; entre uns e outros é a autoridade da
Igreja que deve julgar, -a fim de que a doutrina e a obra de Cristo
nao sofram deturpacoes; ver Constituicao Lumen Gentium n?12.

Mais: o exercício da autoridade dentro e fora da Igreja nao


era visto pelas prime ¡ras geracoes como algo intrínsecamente mau
ou alheio á caridade e aos carismas cristaos. Muito ao contrario,
Sao Paulo se refere á autoridade civil e ao seu poder coercitivo
em termos muito enfáticos, procurando valorizar o uso justo e
honesto das faculdades de governar:

"Todo homem se submeta as autoridades constituidas, pois nao há


autoridade que nao venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por
Deus. De modo que aqueie que se revoita contra a autoridade, opoe-se á or-
dem estabelecida por Deus. £ os que se opoem atrairao sobre si a condena-
caá Os que governam incutem medo quando se pratica o mal, nao quando

316
"A MEMORIA DO POVO CR1STÁO" 29

se faz o bem. Queres entao nSo ter tnedo da autoridade? Pratica o bem e de-
la receberás elogios, pois ela é instrumento de Deus para te conduzir ao bem.
Se, porém, praticares o mal, teme, porque nSo ó atoa que ela traz a espada;
ela é instrumento de Deus para fazer Justina e punir quem comete o mal"
(fím 13,1-4).

Algo de semelhante se lé em 1Pd 2,13s.

2.2. O monaquisino

O monaquisino, com seu programa de fuga do mundo


(alheamento á política partidaria) e celibato, é auténtico fruto da
pregacao evangélica. Conforme 1Cor 7, 25-35, a consciéncia de
que chegou o Reino de Deus com os valores definitivos leva os
cristaos a procurar envolver-se o menos possível ñas coisas deste
mundo: "os que usam deste mundo, sejam como se nao usassem
plenamente" {ICor 7,31). Daf a vida una e indivisa desde os pri-
meiros decenios e a retirada para o deserto no sáculo III. Tais ati-
tudes sao muito lógicas e coerentes com a pregacao de Jesús. -
Hoornaert critica Sao Paulo neste ponto. . .; critica, porém, em
virtude de preconceitos ou porque o Apostólo (que certamente
tem respeitável autoridade) nao "se enquadra no esquema que o
historiógrafo quer impor á Igreja antiga.

Os primeiros cristaos eram estranhos á vida pública e á socie-


dade civil do Imperio nao exclusivamente por motivos ciassistas
ou sócio-económicos, mas principalmente porque estas possuiam
sempre características religiosas; cada familia tinha seus dii manes
ou penates ou seus deuses domésticos, de modo que até as festas
de familia eram celebracoes religiosas pagas; isto dificultava a par-
ticipacao dos cristaos tanto nos certames públicos como na con
vivencia doméstica.

2.3. Pobreza e comunhSo de bens

A comunhao de bens na Igreja era praticada espontáneamen


te e nao de maneira sistemática e cumpulsória. Tenha-se em vista
o caso de Ananias e Safira: venderam urna propriedade, mas nao
entregaram aos Apostólos toda a quantia correspondente; foram
entao punidos porque "mentiram ao Espirito Santo" querendo
.engañar os Apostólos; Sao Pedro disse expressamente a Ananias

317
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

que ele podia ter conservado os seus haveres e, se os vendesse, po


día ter guardado a quantia respectiva; cf. At 5,1-4. Barnabé ven-
deu seu campo e levou o respectivo preco aos Apostólos; este ca
so deve ter sido excepcional para merecer especial mencao (cf. At
4,36s). É certo, porém, que cada cristao na comunidade de Jeru-
salém punha seus bens á disposicao de todos; cf. At 2,42-47; 4,
32-35; 5,12-16. Sem chegar a praticar a comunhao de bens obri-
gatória, os cristaos posteriores se ajudavam mutuamente; Tertu
liano (t após 220) refere que em Cartago criaram urna caixa co-
mum, formada pelas contribuicoes mensais que cada um dava es
pontáneamente para atender aos mais necessitados {cf. Apologé
tico 39.5-11).

As prime i ras comunidades cristas parecem ter sido recruta-


das majoritariamente entre os pobres; nao, porém, de modo ex
clusivo. Com efeito; o Apostólo Sao Paulo se dirigiu aos sen ñores
de escravos para pedir-lhes benevolencia em favor destes:
"Todo aquele que fízero bem, receberá o bem do Senhor, se/a ele ser
vo, seja lívre. E vés, senhores, fazei o mesmo para com eles (servos), sem
amea&s, sabendo que o Senhor deles e vosso está nos céus e que Ele nao
faz acepcao de pessoas" (Ef 6,8s).

A carta a Filemon recomenda o escravo cristao Onésimo a


seu patrao cristao, a fim de que o trate como irmao; cf. Fm 16.

Em 1Cor 7,17-24 Sao Paulo aconselha cada cristao a perma


necer na condicao social em que se achava quando foi chamado á
fé: "Eras escravo quando foste chamado? Nao te preocupes com
isto. Ao contrario, aínda que pudesses tornar-te livre, procura an
tes tirar proveito da tua condiclo de escravo. Pois aquele que era
escravo quando chamado no Senhor, é um liberto do Senhor"
(1Cor7,21s).

Os cristaos, durante mu i tos séculos, nao puderam pensar em


abolir a escravatura; isto nao Ihes passava pela mente, pois equiva-
lena ao colapso da vida pública. Embora a escravatura seja ¡ni-
qua, ela nao Ihes parecía tal, como se depreende das próprias car
tas do Novo Testamento; cf. 1Pd 2,18; Ef 6,5-8; Cl 3,22-25; Fm.

O que os Apostólos pediam, era compreensao e benignidade


para com os escravos.

318
"A MEMORIA DO POVO CRISTÁO" 31

Os ricos nao sao condenados pelo Apostólo Sao Paulo, mas


exortados "a que facam o bem, se enriquecam com boas obras,
sejam pródigos, capazes de partilhar. Estarao assim acumulando
para si mesmos um belo tesouro para o futuro, a fim de obterem
a verdadeira vida" (ITm 6,17-19).

A conversáo, ao Cristianismo, de pessoas de classe social


mais conspicua é atestada já no primeiro século. Tal foi o caso do
cónsul Flávio Clemente e de sua esposa Domitila, que, conforme
Dio Cassio (67,14-2), foram martirizados por causa da fé sob Do-
miciano "com muitos outros inclinados aos costumes judeus".
Quando Sao Paulo esteve detido em Roma de 61 a 63, deve ter
suscitado a conversáo de pessoas chegadas ao Imperador, que o
Apostólo menciona em Fl 4,22; muitos cidadaos desejosos de
urna filosofía de vida mais satisfatória foram entao procurar Paulo e
abracaram a fé crista, tais como Émbulo, Pudente e Lino, que pa-
recem ter pertencido á aristocracia romana (Lino seria posterior
mente Papa e mártir, o primeiro sucessor de Sao Pedro). O escri
tor romano Tácito fala de urna mulher da aristocracia, Pompónia
Grecina, que em 57, por causa da sua vida austera e de outros in
dicios, foi acusada de "supersticüo estrangeira"; terá sido urna
crista?

2.4. Helenizacao e desvio de rota

Nao se deve associar o Cristianismo ao patrimonio cultural


judaico a ponto de opor ao Evangelho a cultura helenista, como
se fosse anticrista ou provocadora de desvio do Cristianismo.

Na própria S. Escritura encontramos ecos da cultura helenis


ta; tenha-se em vista o livro da Sabedoria, escrito em Alexandria,
nos séculos 11/I a.C: recorre a conceitos e vocábulos da filosofía
grega para exprimir a genufna Revelacao de Oeus. Mais: os escri
tos do Novo Testamento supoem, por vezes, categorías gregas de
pensamento, como atestam especialmente as epístolas de Sao
Paulo, o prólogo do quarto Evangelho, a epístola de S. Tiago...

A filosofía grega haveria de ser, para os antigos cristlos, o


instrumental oportuno que os ajudaria a ilustrar as verdades da
Jé (a da SS. Trindade, a da Encarnacao do Verbo, a da Materni-

319
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

dade Divina...). Sem dúvida, ela podia ser utilizada — e, de fato,


foi por vezes — para favorecer heresias, para promover o-intelec-
tualismo, que encontrou no Gnosticismo dos séculos ll/lll urna
de suas expressoes mais daninhas. Contudo é inegável que o Cris
tianismo professa o primado do logos (do pensamento) sobre a
praxis (apio); a doutrina da fé é que deve iluminar o comporta-
mentó concreto do cristao, e nao vice-versa; basta lembrar a énfa-
se que Sao Paulo dá ás expressoes "palavras da salvacao" (At
13,26), "palavra da fé" (Rm 10,8), "palavra sadia" (Tt 2,8), "pa-
lávra da verdade" (2Tm 2,15), "palavra de Deus" (Ef 6,17; 1Ts
2,13; 2Tm 2,9; Tt 2,5), "palavra da reconciliacao" (2Cor 5,19),
"palavra da Cruz" (1Cor 1,18). . . Os Apostólos empenhavam-se
ao máximo pela preservacao da mensagem anunciada, de modo
que seria anatema até mesmo o anjo que anunciasse algo de
contrario (cf. Gl 1,8s). Ao logos da verdade os Apostólos opoem
os mythoi (mitos), que eles profligam enérgicamente e que ten-
diam a se infiltrar ñas antigás comunidades (cf. ITm 1,4; 4,7;
2Tm 4,4; Tt 1,14; 2Pd 1,16); Sao Paulo sacrificou-se durante to
da a vida para manter puro o Evangelho ameacado pelas teorías
dos judaizantes. Por conseguinte nao é lícito relativizar o valor da
doutrina da fé em favor da vivencia honesta e exemplar dos pr¡-
meiros cristaos. Esta era, de fato, impressionante, mas como fun-
cao da Palavra previamente apregoada e assimilada.

Vale a pena referir aquí o caso de Sao Justino ocorrido em


pleno século II, antes de Clemente e Orígenes de Alexandria.
Nascido de familia paga em Naplusa (Palestina), sempre procurou
a verdade; por isto freqüentou mestres estoicos, aristotélicos, pi
tagóricos e platónicos, sem, pprém, encontrar a plena resposta.
Certa vez um anciao em Éfeso Ihe despertou o interesse pelo No
vo Testamento e a mensagem crista. Nesta Justino reconhéceu ter
achado "a única filosofía proveitosa"; fez-se entao cristao pelo
Batismo e pelo porte de vida, mas nunca deixou a vocacao de fi
lósofo e professor, chegando a fundar urna escola em Roma. Eis
alguns trechos do diálogo com o judeu Trifao, em que Justino
narra seu itinerario intelectual e sua conversao:

"Justino: A filosofía é deveras um grande bem, muito precioso aos


olhos de Deus, a quem ela nos conduz e apresenta. Verdadeiramente sSo san
tos os que aplicam sua inteligencia a filosofía. Todavia a maior parte ignora

320
"A MEMORIA DO POVO CRISTÁO" 33

o que sejá filosofía, e a razio por que foi dada aos homens...

Trifao: Mas que é filosofía? E qual a feliddade que pode proporcionar?


Se nada te proibe dizé-lo, d¡ze-o\

Justino: Filosofía é ciencia do ser e conhecimento da verdade. E isso


mesmo constituí a felicidade, o premio da sabedoría.

Trifao: E que é que chamas Deus?

Justino: Aquele que sempre 6 o mesmo e se comporta da mesma ma-


neira, eéa causa da existencia dos outrosseres;a este chamo Deus".

Após narrar a seqüéncia do diálogo, concluí Justino:

"Refletindo comigo mesmo sobre aspalavras doanciSo, acabeiachando


que eram a única filosofía segura e conveniente. Assimposso dizer que por cau
sa desta filosofía (a mensagem crista) também eusou filosofo. Quisera que to
dos os homens, tomados do mesmo entusiasmo que eu, nio se apartassem
dos ensinamentos do Salvador. Suas palavras sao fortes e temíveis, capazes
de persuadir os que andam desviados do caminho reto; e contudo um suave
descanso para os que as meditam".

Assim como Justino guardou por toda a sua vida o manto


do filósofo, também Tertuliano, advogado famoso que em 195 se
converteu ao Cristianismo, conservou sempre a toga do jurista.

Podemos, pois, dizer que Clemente e Orígenes de Alexan-


dria nao deturparam a mensagem crista, mas a aprofundaram e
ilustraram mediante estudo mais sistemático da mesma. A mensa
gem evangélica nada tem a recear da parte do estudo; ao contra
rio, só pode ser, por este, mais e mais penetrada para ser mais
amada.

Nao há dúvida, muitas outras observacoes deveriam serteci-


das a propósito do livro de Hoornaert; neste artigo apenas é pos-
sível tentar por em relevo o caráter preconceituoso dessa obra,
que por certo atesta a erudicao do autor.

Em símese: o livro de Hoornaert se ressente de um enfoque


fundamental deficiente, que impede a auténtica reconstituipao

321
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

da historia do Cristianismo dos tres primeiros séculos. Infelizmen


te a historia é um dos terrenos mais palmilhados pelas ideologías,
que tencionam encontrar nela o respaldo para as su as teses. — Um
panorama mais nítido e objetivo da mesma temática nosé ofere-
cido por famosos historiadores como

JEDIN, HUBERT, Manual de Historia de la Iglesia, vol. I. Ed. Herder.


Barcelona 1980.
MINERATH. /?., Les chrétiens et le Monde Ed. J. Gabalda París
1973.
DANIEL-ROPS. A Igreja dos Apostólos e dos Mártires. - Uvraria Ta-
vares Martins, Porto 1956.

BIHLMEYER-TUECHLE. Historia da Igreja, vol. I. - Ed Paulinas


Sao Paulo 1964.

ATENCAO!

A Editora Santuario de Aparecida (SP) está publicando unía serie de


mais de vinte folhetos de quatro páginas. Cada qual versa sobre urna das de-
nominacoes protestantes ou sobre as «sitas japonesas, coreanas, indianas ou
ainda sobre as Igrejas Brasileiras, a Maconaria, a Rosa-Cruz. .. Visam assim
a fornecer ao Srs. Párocos e á populacao em geral um instrumental que escla-
reca sobre a origem e a doutrina de cada qual dessas correntes religiosas ou
filosóficas. - Pedidos á Editora Santuario, Rúa Pe. Claro Monteira 342,
Caixa Postal 4,12570 Aparecida (SP). Remessa mínima de dez exemplares.

322
Desafio pastoral:

0 Fenómeno das Seitas

Em tíntete: A Santa Sé, através de quatro dos seus Secretariados, pu-


blicou em maio p.p. urna exposicao referente ao fenómeno das seitas con
temporáneas. É documento ampio e fudkioso, pois resulta de colheita de
dados feita no mundo inteiro mediante um inquérito. Em suma, o texto nos
diz que o fenómeno das seitas corresponde a situacao de desatino e perplexi-
dade em que se encontra o homem de nossos días; frustrado, margina/izado,
traído, busca urna resposta para as suas ihdagacoes fundamentáis; em tais
circunstándas, a solucao mais simples parece ser a melhor e a definitiva; os
sentimentos e emocoes superam assim a lógica da razio, é o que explica a
docilidade com que os homens de hoje se deixam aiidare 'comandarpelos
seus líderes "carismáticos". aos quais prestam crédito incondicional. - Tais
atitudes constituem grave ameaca para os próprios individuos e para as fa
milias. Mas é, antes de tudo, para os católicos um desafio: os anseios de res-
posta que os homens de hoje manífestam, só podem encontrar auténtica so
lucao no Evangelho, que Cristo entregou á sua S. Igreja. Esta, portanto, é
chamada a desenvolver um trabalho de evangelizacao mais ampio e caloroso,
acompanhado pelo testemunho de vida dos 'fiéis católicos?

O documento, anafisado no artigo que se segué, descreve o fenómeno


das seitas e aponía diversas pistas pastarais a ser trilhada pelos clérigos e lei-
gos da Igreja Católica.

Muito se tem comentado a surpreendente difusao de seitas, que se faz


sentir nao sd no Brasil, mas em diversas partes do mundo. A Santa Sé vem-se
preocupando com o fato, pois tem conseqüéncias varias sobre a vida dos
fiéis católicos. Conscientes disto, o Secretariado para a Unidade dos Cris-
taos, o Secretariado para os Nao-CristSos, o Secretariado para os NSo-Cren-
tes e o Conselho Pontificio para a Cultura promoveram, em fevereiro de
1984, um inquérito junto as Conferencias Episcopais e aos organismos simi
lares, para colher ¡nformacoes sobre as seitas e os novos movimientos religio
sos de nossa época; na base destes dados poderiam tracar-se linhas de acao
pastoral mais eficazes.

323
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

Aos 30/10/1985 haviam chegado á Santa Sé 75 respostas, algumas


assaz minuciosas e acompanhadas de farta documentacao. Tais elementos
possibilitaram a elaboracao de um relatório, que considera o problema, suas
causas e suas pistas de solucáo; foi publicado, em nome dos referidos Secre
tariados, no periódico "L'Osservatore Romano", edicáo francesa de
13/05/86, pp. 5-8. Abaixo vai proposta urna slntese desse importante do
cumento.

1. As seitas: traeos característicos

Nao é fácil definir o que seja urna seita hoje, mormente se se leva em
conta o variegado panorama das que ¡nterpelam o povo católico. Embora se-
jam geralmente proselitistas, intolerantes e agressivas, estas notas nao bas-
tam para caracteriza-las, pois sao encontradas também em grupos de fiéis
pertencentes ás grandes comunidades eclesiais. Por isto o documento propoe
a seguinte descricáo: seita é todo grupo religioso que professa a sua visao do
mundo própria, derivada dos ensinamentos de urna das principáis religioes
do mundo; tais grupos tém seu comportamento distintivo: sim, em geral sao
autoritarios, praticam severo controle mental sobre os seus membros, che-
gando á lavagem cerebral; inspiram sentimentos de culpa e de medo, que ca-
racterizam o ambiente de muitos desses cultos.

Ulteriormente é preciso distinguir entre seitas de origem crista e seitas


derivadas de outras religioes ou de um certo humanismo. As seitas oriundas
do Cristianismo distinguem-se da Igreja ou das classicas comunidades eclesi
ais (luteranismo, calvinismo, anglicanismo...) pelo fato de nao raro admití-
rem, além da Biblia, outros livros "revelados" ou "proféticos", como o li-
vro de Mórmon, os escritos de Ellen Gould White (adventismo),a obra "Os
Principios Divinos", de Sun Myung Moon...; tais "revelacóes" alteram, por
vezes de maneira notável, o conteúdo da Biblia.

2. Expansao

2.1. Ambientes adequados

O fenómeno das seitas tem-se desenvolvido com rapidez, sendo que


entre os jovens encontra terreno muito receptivo. Estes nao raro sofrem es
pecialmente dos males da sociedade contemporánea: pertenca a familias ins-
táveis, desmembradas, desemprego ou ociosidade (ás vezes involuntaria),
filiacao a minorías étnicas. . .; tomam-se entao vulneráveis ao proselitismo
dos novos grupos. Mas também os adultos sao atingidos, ás vezes, como obje
tivo preferencia!' de certas seitas; há mesmo aquelas que mais se alastram em
ambientes de alto nivel económico e cultural, inclusive ñas Universidades,
que Ihes servem de campo fecundo de recrutamento. Da parte dos católicos,

324
FENÓMENO DAS SEITAS 37

a adesao ás seitas é facilitada quando já se acham parcialmente desligados da


Igreja, em virtude de situacóes matrimoniáis irregulares ou por causa de difí
cil relacionamento com o clero.

2.2. Motivos de expansao

As pessoas que aderem ás seitas, nlo costumam ter intencóes desones-


tas, mas geralmente procuram satisfazer a urna aspiracáb natural dentre as
que, a seguir, serao enumeradas. As seitas, porém, ás vezes abusam das boas
intencóes e dos anseios das pessoas insatisfeitas, prometendo-lhes o que nao
podem cumprir.

As razSes pelas quais as seitas se expandem, sao variegadas. Além de


algumas de caráter heterogéneo, como sao interesses económicos, pressóes
políticas, simples curiosidade. . ., há necessidades e desejos congénitos em
todo homem, a que algumas pessoas julgam nao poder satisfazer na Igreja;
podem ser reunidos sob nove títulos principáis:

2.2.1. Procura de pertenca (ou senso de comunidade)

Na vida moderna muitas pessoas sentem-se desarraigadas e sos, ou por


que o seu lar foi destruido ou porque estao deslocadas em relacao aos seus
costumes tradicionais. Daí experimentarem especial necessidade de calor hu
mano, comunidade, fraternidade, solidariédade, protecao, abrigo...

Ora as seitas parecem oferecer atencao, apoio, seguranca, partilha,


orientacao (o grupo pensa em lugar do individuo).

2.2.2. Procura de resposta

As situacoes complexas e confusas de nossos dias suscitam IfortemerH


te o desojo de solucoes sobre o sentido da vida, do trabalho, do sofri mentó, do
amor. . . - Diante disto, as seitas parecem oferecer respostas simples e pron
tas para conjunturas complicadas, urna "nova verdade" para pessoas que mal
conhecem a "velha verdade", diretrizes bem tracadas, urna teología sincretis-
ta e pragmática, provas "sobrenaturais" como profecías, glossolalia, mediu-
nidade...

2.2.3. Procura de ¡ntegralidade

Cuitas pessoas parecem sofrer a desintegracao de si mesmsas e das suas


relacóes com os outros, com a sua cultura e o seu meio ambiente... Sao pes
soas feridas por seus pais, seus mestres ou pela sociedade... Desejam ávida
mente a restauracáo, a reconciliacao, a participacao, a cura psíquica ou físi
ca.

325
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

Ora as seitas parecem oferecer a salvacao, a conversao interior, a cura fí


sica ou espiritual (especialmente aos que sao vftimas do álcool e das drogas)
em celebrapoes litúrgicas que dao lugar á participadlo, a espontaneidade e á
criatividade.

2.2.4. Procura de identidade cultural

Este aspecto se liga estreitamente ao anterior. Em países do Terceiro


Mundo muita gente se senté alienada porque a cultura européia Ihe foi "im
posta" em detrimento da cultura tradicional do seu país. — Ora as seitas nao
raro restauran) o patrimonio religioso-cultural tradicional de um povo; em
suas oracóes e prédicas usam linguagem e estilo condizentes com esses valo
res típicamente regionais.

2.2.5. Necessidade de ser reconhecido e valorizado

Todo ser humano é propenso a sair do anonimato e afirmar a sua iden


tidade; quer sentir-se apreciado, e nao apenas um número ou urna peca anó
nima dentro da massa Na Igreja Católica e ñas clássicas denominacoes do
Protestantismo, as paróquias ou congregacóes, grandes como sao, dificultam
a aproximagao de cada pessoa, na sua situacao individual, por parte dos clé
rigos.

Eis, porém, que as seitas, formando pequeños grupos, oferecem a ca


da um de seus membros um tratamiento pessoal, a oportunidade de desenvol
ver seu potencial próprio, de pertencer a um grupo de élite

2.2.6. Procura de transcendencia

Muitos homens experimentam vivamente a necessidade de ultrapassar


o ¡mediato, o material, o controlável; procuran» elucidar o sentido supremo
da vida mediante o recurso ao além. Em outras palavras: tem o sentido do
misterio e do misterioso e a preocupacao com o futuro invisível. Embora se-
jam cristáos, ignoram o que a Igreja tem a dizer a respeito, porque só apren-
deram preceitos e proibipóes do Catecismo ou só conhecem os aspectos ins-
titucionais da Igreja.

Ora as seitas recorrem copiosamente á Biblia ou a livros "revelados"; o


seu discurso é fortemente voltado para os valores transcendentais, enriqueci
dos por "dons do Espirito Santo". Geralmente nao mostram preocupacao
com problemas sócio-políticos, mas vio de cheio ao encontró da sede de
Deus e dos bens definitivos.

2.2.7. A necessidade de direcao espiritual

Muí tos individuos sentem-se desorientados e nao encontram quem os

326
FENÓMENO DAS SEITAS 39

ouca pacientemente; as familias, os educadores, os clérigos nao tém tempo


para atender-lhes.

As seitas sao "generosas" neste ponto: apresentam seus gurús e seus


mentores carismáticos, que desempenham papel importante, a ponto
de polarizar a afetividade dos discípulos; estes nao só se tomam dóceis em
relapso aos guias, mas és vezes concebem devocáo histérica para com os seus
chefes, como se fossem profetas ou Messias.

2.2.8. Necessidade de visa*o

O homem de hoje, vivendo sob ameaca de violencia e conflitos, senta


se inquieto em relacao ao futuro, que Ihe parece muito incerto. Muitos, ce-
dendo ao desatino, procuram sinais de esperanca e revelacoes que os livrem
da perplexidade.

Ora as seitas parecem oferecer nova visto do homem, da historia e do


mundo. Prometem a irrupcao de nova era e de nova humanidad»

2.29. Necessidade de participacáo e comprornisso

Este aspecto se prende a varios dos anteriores. As pessoas que querem


prever o futuro, querem também sentir-se responsáveis pelas decisoese tare-
fas concernentes a esse futuro.

Ora as seitas setisfazem a este anseio, oferecendo missoes concretas a


desenvolver em favor da humanidade "que está para naufragar", exigindo
total doacáo do individuo á causa proposta ou h construcao de um mundo
melhor.

Em síntese: pode-se dizer que as seitas se implantam cada vez mais por
causa da forte conviccao e do calor com que anunciam urna mensagem de
"salvacáo" transcendental; vao ao encontró das pessoas mais carentes, onde
estas se acham, e Ihes falam de maneira muito pessoal em residencias, rúas,
pracas públicas, templos. . . Acompanham intensamente os seus adeptos,
orientando-os e tirando-os do anonimata Embora procedarn de maneira nao
raro fantasiosa e nem sempre honesta, encontram acolhida de muitos e mui
tos que a vida e a sotiedade deixaram de lado.

Para explicar o sucesso das seitas, devenios ainda levar em conta as


suas técnicas de recrutamento e doutrinacáo. Donde o novo titulo:

3. Recrutamento e doutrinacSo

Os processos de recrutamento e doutrinacao ñas seitas recorrem fre-

327
fO "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

qüentemente á arte da encenacao ou da teatralidade, que se exercem sobre


pessoas inconscientes dos objetivos dessas técnicas; isto equivale a certa ma-
nipulacáo dos individuos inspirada por proselitismo ferrenlio. A tática come-
ca tranquila, mas tende progressivamente a exercer controle sobre as pessoas
mediante urna lavagem de cranio, ora mais, ora menos acentuada. Os jovens
e as pessoas idosas vem a ser a presa mais fácil de ser captada por esses recur
sos. Tais procedimientos diferem radicalmente dos que a Igreja aplica na pre-
gacao do Evangelho, pois esta nao suprime, mas antes precisa de consenti
miento idóneo e responsável da parte dos ouvintes.

Sao estas as principáis táticas utilizadas pelas seitas:

- o candidato vai sendo aliciado sutilmente para participar do grupo;


a principio nao sabe precisamente quem sao os seus interlocutores;
- técnicas de dominio: refe ¡cao gratuita num centro de convencoes
solenes, namoro (flirting-fishing) "bombardeio de amor" (love-bombing);
- gestos de ami'zade que constrangem ou tolhem a liberdade do can
didato;
- bajulacao;
- distribuicao de remedios, roupas, dinheiro, em troca de adesao aos
atos de culto da seita;
- ¡solamente: o candidato é privado de toda informacao ou de toda
influencia de fora (familiares, amigos, jomáis, revistas, televisao, radio. . .),
que poderia prejudicar a assimilacao dos fascinantes modelos dé comporta-
mentó que Ihe sao incutidos;
- lembranca de possível comportamento desregradodo individuo em
tempos passados (abuso de sexo, drogas...), para que o candidato quebré os
liames com a sua vida pregressa e proponha iniciar vida nova;
- bombardeio intelectual, aprésentacao de clichés ou de frases curtas
e eloquentes, cerceamento da capacidade de raciocinio e de crítica do indi
viduo - o que provoca mudanca de consciéncia ou de personalidade;
- os recrutas sao ocupados permanentemente em tarefas e jamáis dei-
xados a s6s; sao exortados a atingir certa exaltacáo espiritual, que os toma
empolgados e dispostos a submeter-se automáticamente ás ordens recebidas;
- enfatizacao da pessoa do chefe. Em seitas cristas, a figura de Cristo'
pode ser empalidecida em favor da do fundador. A este é preciso tributar in
condicional confianca.

4. Desafio e abordagem pastoral

4.1. Desafio

Pode-se dizer que o fenómeno das seitas é urna das expressoes do esta
do desumano em que se acha a sociedade contemporánea.

328
FKNÓMKNO DAS SEITAS

As bruscas mudancas - acarretadas pela industrializacáo, a urbaniza-


pao, as migracóes, o rápido desenvolví mentó dos meios de comunicacáo, a
pujanca da tecnocracia — deixam muí tos individuos desorientados, desarrai
gados, inseguros e, por conseguirle, vulneráveis. Muitos sofrem a crise da
própria identidade (quem é o homem neste mundo?) e as incertezas do futu
ro (desemprego, ameacas de guerra nuclear, perigos ecológicos...). Muitos se
interrogam a respeito da verdade e da maneira de descobri-la,. .. a respeito
do sentido da vida, ... a propósito das dominacdes ideológicas e políti
cas. . . Em suma, um grande vazio se fez no interior de muitos homens e até
de grupos ¡nteiros.

A frustracao, o desespero, a falta de motivacao, de protecao, a traicao,


a decepcáo, a marginalizacáo, a solidáo... suscitam espontáneamente a pro
cura de luz ou de resposta; em tais circunstancias, o raciocinio é um tanto
obnubilado pelos sentimentos e afetos, de modo que a solucáo mais simples
(ou simplona) tende a parecer a melhor e a impor-se como sendo a única e
definitiva solucáo. Muitas das pessoas que aceitam tal resposta, aprenderam
outrora a agir conscientemente e nao como joguetes ou oportunistas emoti
vos, mas a dureza das circunstancias em que se acham, deixa-os perplexos e
quase incapacitados de raciocinar com a devida coeréncia.

Tal angustia do homem contemporáneo, se de um lado revela a morbi


dez da sociedade de hoje, de outro lado é síntoma de inconformismo do ser
humano com o enxovalhamento dos verdadeiros valores; o homem de nossos
días é doente porque, apesar dos reveses sofridos, anseia por urna resposi-
para suas indagacoes transcendental ou místicas. Infelizmente, porém, c
movido mais por sentimentos um tanto irracionais do que pela lógica do seu
raciocinio (alias, o antiintelectualismo disseminado por correntes existen-
cialistas modernas tem contribuido para o descrédito da filosofia e da razao
e o predominio, claro ou velado, das emocoes e dos afetos). É esse antiinte
lectualismo filosófico que favorece a aceitacao das solucoes prontas e fan
tasiosas das seitas.

A Igreja, como portadora da mensagem do Evangelho, sente-se profun


damente interpelada pelo desafio das seitas. Ela sabe que entre os fiéis cató
licos houve e há deficiencias, em parte responsáveis pelo mal-estar do mundo
contemporáneo. Mas Ela eré que no tesouro do Evangelho se acham valores
novos e velhos (cf. Mt 13,52) a apresentar como auténticas respostas ao ho
mem sequioso em nossos días.

Vejamos, pois, quais seriam as linhas pastarais que o fenómeno suge-


re á Igreja.

329
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 290/1986

4.2. Linhas pastorais

4.2.1. O senso de comunidade

Quase todas as respostas ao inquérito lancado pela Santa Sé pedem


urna revisao do sistema de comunidade paroquial tradicional; aspiram á for
madlo de comunidades mais fraternas, mais adaptadas á vida de seus me ru
bros,. . . comunidades animadas por fé viva, amor fraterno, compreensáo
mutua, capazes de ajudar aqueles que trazem problemas particulares de casa
mento, de desemprego, de margina lizapao,... comunidades que oram e cele-
bram com um so coracáo e urna só alma. Seriam as comunidades eclesiais
de base conservadas na sua autenticidade originaria.

4.2.2. Formacao básica e formacao permanente

As respostas enfatizam também fortemente a necessidade de evangeli-


zacao e catequese para quem nao conhece suficientemente o Credo, e de for
macao permanente ou atualizada para' quem já o conhece e para quem o
transmite em aulas, conferencias, pregacoes, etc. O próprio clero, portante,
deve passar por essa formacao permanente. Em tal processo a S. Escritura há
de ocupar lugar central, sem que se negligenciem a teología sistemática, as
diretrizes do ecumenismo, a espiritualidade, a formacao ascético-mística, as
teses da Moral...

4.2.3. Abordagem pessoal e abordagem integral

É preciso ajudar cada individuo a tomar consciéncia de que é amado


por um Deus pessoal dentro de urna historia que Ele acompanha com sua
Providencia A "velha verdade" deve tornar-se, para cada um, a "nova verda-
de" pelo fato de ser apregoada com vigor juvenil dentro do contexto de nos-
sos días. Especial atencao há de ser dada á dimensao de experiencia, ¡stoé,
á descoberta pessoal de Cristo pela orapao e por urna vida comprometida (te-
nha-se em vista o que acontece nos gruposcarismáticosecongéneres, quan-
do bem orientados). O zelo pastoral nao deve levar em conta apenas os as
pectos espirituais, mas também as dimensóes físicas, psicológicas, sociais,
culturáis, económicas e políticas do ser humano.

4.2.4. Identidade cultural

O problema da inculturacao é fundamental. Trata-se do enquadramen-


to do Evangelho dentro dos moldes das diversas culturas do globo e nao ape
nas dentro das do Ocidente. Principalmente as respostas provenientes da
África ¡nsistiram nesta exigencia, assim formulada: "Os africanos querem
ser cristaos. Nos Ihes demos a possibilidade de o ser, mas nao Ihes demos

330
FENÓMENO DAS SE1TAS 43

casa própria. . . Querem um Cristianismo mais simples, integrado nos diver


sos ángulos da vida cotidiana, nos sofrimentos, ñas alegrias, nos trabalhos,
ñas aspiracoes, nos temores e ñas necessidades dos africanos... Os jovens re-
conhecem ñas 'Igrejas independentes' um auténtico filio da tradigao religio
sa africana".

4.2.5. Oracao e culto

Algumas respostas sugerem a revisao das formas da liturgia dominical,


que é nao raro distante da vida cotidiana dos fiéis. A Palavra de Deus há de
ser redescoberta como elemento importante para a construyo da comunida-
de. A pregacáo, portanto, deve ter um cunho fortemente bíblico; seja devi-
damente preparada nao somente pela reflexao, mas também pelo testemu-
nho de vida do pregador; urna equipe de clérigos e leigos encarregue-se do
digno desenrolar da Liturgia. A pregacáo, o culto e a oracáo da comunidade
nao deveriam ficar necessariamente restritos aos lugares de culto tradicio-
nais.

4.2.6. Participacfo e coordenado

Em vista da insuficiencia numérica dos ministros ordenados é dos Reli


giosos, requer-se a formacáo de leigos para que possam assumir as funcoes
que o Direito Ihes reconhece. Os leigos-bem formados, e em comunhao com
seus pastores, podem exercer papel muito proficuo na abordagem das seitas.
Os presbíteros nao sejam considerados como funcionarios da Igreja, mas co
mo irmáos, guias, consoladores e homens de oracao. Os Bispos permanegam
em contato pastoral com os fiéis e os presbíteros, pois o ministerio dos Bis
pos e dos presbíteros é ministerio de unidade e de comunhao, que se deve
tornar visfvel aos olhos de todos os fiéis.

5. Conclusao

"Afinal qual deve ser nossa atitude diante das seitas?", pergunta o do
cumenta

Para tal indagacáo apresenta urna resposta sabia, que vai, a seguir, re-
produzida literalmente:

"Entende-se que nio podemos ser simpfesmente irónicos diante do fe


nómeno das seitas. Analisamos suficientemente a atuacao das seitas de modo
a ver que as atitudes e os métodos de algumas délas podem destruir a perso-
nalidade, desorganizar as familias e a sodedade; as suas doutrínas estao mui
to distantes do ensínamento de Cristo e da sua Igreja. Em certos países po
demos suspeitar — ou mesmo sabemos — que, através das seitas, estío em

331
44 "PERGUNTE B RESPONDEREMOS" 290/1986

acao farpas ideológicas e interesses económico-políticos totalmente estra-


nhos ao verdadeiro bem da humanidade; utilizam o 'humano' em vista de
designios desuníanos.

É necessário informar e acautelar os fiéis, especialmente os jovens; é


preciso até pedir a a/uda de profissionais para que cofaborem coni alvitres e
protecao legal. . . As vezes parece-nos que seria válida e merecedora de es
tímulo a intervencao radical do Estado dentro da esfera de suas atribuicoes.

Sabemos também, por experiencia, que geralmente há pouca ou ne-


nhuma possibilidade de diálogo com as seitas, e que nao somente elas sao
fechadas ao diálogo, mas podem, além do mais, tornarse serio obstáculo á
educacao ecuménica nos lugares em que atuam.

Apesar de ludo, se queremos ser fiéis á nossa fé e aos nossos princi


pios — respeito da pessoa humana, respeito da liberdade religiosa, fé na acao
do Espirito, que age segundo principios insondáveis para que se cumpra o desi
gnio de amor de Deus sobre toda a humanidade, sobre cada individuo, ho-
mem, mulher ou crianca - nao nos podemos dar por satisfeitos simplesmen-
te por condenar e combater as seitas, por vé-las postas fora da legalidade ou
enxotadas e por saber que os seus membros sao 'desprogramados' a revetia
sua. O desafío das seitas ou dosnovos movimentos religiosos deve estimular
nossa renovacao pessoal em prol de mais eficaz acao pastoral.

Este desafio deve também desenvolver em nos e em nossas comunida


des o espirito de Cristo frente as seitas; esforcar-nos-emos por compreender
o ponto em que se acham e, sempre que possivel, ir-lhes ao encontró no
amor de Cristo.

Havemos de alimentar estes objetivos, confiando na verdade ensinada


por Cristo, com amor a todos os homens e a todas as mulheres. Nao pode
mos deixar que as preocupacoes suscitadas pelas seitas diminuam nosso zelo
pelo verdadeiro ecumenismo entre os cristaos".

Após esta conclusao, o documento apresenta, á guia de Apéndice, a


mensagem do último Sínodo dos Bispos atinente ao assunto.

6. Convite do Sínodo dos Bispos de 1985

O Relatório final do Sínodo registrou o reavivamento do sentido do


sagrado, a ponto que multas pessoas procuram ñas seitas respostas para o
mesmo (II A. 1). A Igreja é muitas vezes vista simplesmente como instituicáo
jurídica.

331
FENÓMENO DAS SE1TAS 45

Para ir ao encontró de tais anseios. o Sínodo quis lembrar que a Igreja


é um misterio (II A; cf. 3.1.6) e comunhao (II B; cf. 4.1, 4.6). Todos os cris-
tSos sao chamados á santidade, ¡sto é, a conversao do coracao e á participa-
pao na vida trinitaria de Deus (II A,4; cf. 3.1.1, 3.1.5). A Igreja, sendo co
munhao, deve tornar perceptlvel a participacáb e a corresponsabilidade dos
seus fiéis (II C 6; cf. 4.4, 3.1.9). Quanto á inculturacáb, "a Igreja Católica
nada recusa do que é verdadeiro e santo ñas religioes nao cristas... Os cató
licos devem reconhecer, preservar e fazer progredir os valores espirituais,
moráis e sócio-culturais que nelas se encontram" (II D,5). Sobre a justica no
mundo, lé-se: "A Igreja deve denunciar de modo profético toda forma de
pobreza e opressáb, defender e promover em toda parte os direitos funda
mentáis e inalienáveis da pessoa humana" (II D, 6; cf. 3.2).

O Sínodo quis outrossim recomendar a formacao espiritual dos fiéis


(II A, 5; cf. 3.1.7, 4.2), a evangelizacáb e a catequese sistemáticas, acompa-
nhadas do testemunho da vida (II Ba, 2; cf. 3.1.8, 3.1.3), a participacáo na
Liturgia (II B.6; 3.1.9, 4.5), o diálogo entre os cristaos (lie, 7), as diversas
formas de espiritualidade vigentes na Igreja de hoje (II A,4; cf. 3.1.7) e, de
modo especial, o recurso á Palavra de Deus, norma de vida dos fiéis (II Ba 1
e2>.

O documento da Santa Sé até aqui apresentado faz eco a quanto pas


tores e fiéis leigos católicos disseram recentemente sobre a invasao das seitas.
Este fenómeno tem seus aspectos preocupantes, sem dúvida; mas há de ser
considerado, antes do mais, como urna interpelacao que o homem de hoje,
maltratado pela historia contemporánea, dirige a Deus; inconformado com
o materialismo e a desagregado dos valores tradicional, ele procura recupe
ra-los; procura, porém, de maneira mais emotiva do que propiamente racio
nal. Em conseqüincia, compete aos fiéis católicos aprasentar mais nítida e
brilhante ao mundo a mensagem do Evangelho entregue por Cristo á Igreja,
para que o homem desatinado de nossos dias possa encontrar ai a Resposta
que, sem saber definir, ele está procurando. Com efeito, as aspirapoes mais
genuínas do ser humano só podem ser plenamente saciadas pela conversao a
Cristo,... conversao que nao deve ter em seu favor nenhum artificio teatral,
mas únicamente o próprio fulgor da verdade. Foi a verdade como tal que,
perseguida pelo Imperio Romano até 313, conseguiu atrair o mundo pagao
a Crista Será ela que, devidamente ilustrada pela palavra e pela vida dos fiéis,
consolará e reerguerá o homem contemporáneo abatido e inquieto.

333
Noticias de fonte limpa:

E o caso do padre Falcáo?

Em abril pp., fo¡ ordenado sacerdote o Pe. José Cabra I Falcao homem
casado que outrora deixou a familia O caso, difundido pelos meios de co-
municacao social, suscitou interrogares no grande público. Escrevemos
portanto, ao Sr. Bispo de Nazaré da Mata, que ordenou o Pe. FalcSo, a fim
de pedir-lhe informacoes sobre o ocorrido. Muito gentilmente o Sr. Bispo
respondeu-nos nos termos seguintes:

Nazaré da Mata, 20 de maio de 1986

Caríssimo Dom Estevao Bettencourt:


Pax\

Recebi sua distinta carta, a que logo respondo, inicia/mente, o proces-


so de Ordenacao do Pe. José Cabra/ Falcao concretizou-se através de um lon
go caminho entre a conversio e a Ordenacao. Convertido, ele entrou numa
fase de seria e generosa penitencia af, no Rio de Janeiro, sendo acompanha-
do espiritualmente por Dom Joao d'Ávila Moreira Lima, com assisténda da
Assodacao BenefÍcente Comunidade Safo Joio Crísóstomo. Em seguida, fez
os estudos de Sagrada Teología no Mosteíro de Sao Bento, Olinda, PE. Du-
jante esse tempo de estudos. realizou em paróqulas da Diocesé de Nazaré,
nos fináis de semana, um eficiente trabalho pastoral a base da Oracao e Ado-
racao ao Santfssimo Sacramento (manifestándose ao mesmo tempo grande
devoto da Santissima Virgem), o que permitíu aos Padres em cujas paróquias
ele exerceu os ministerios, até o Diaconato, dessem total apoio á sua Orde-
nació.
Um ano antes da conclusao do curso teológico, encaminheiá Santa Sé
o pedido de dispensa do impedimento Hgaminis, conforme reza o Canon
1042. A Santa Sé instou no sentido de que fosse clara, livre e definitiva a
disposicao do candidato de assumir o celibato, bem como a renuncia livre e
espontánea da esposa ao direito do débito conjugal. Também os fílhos, que
jé estao educados e independentes económicamente, concordaran! com a de-
cisao do Falcao e até rezamporsua fidelidade. Com o encaminhamento dos
documentos exigidos pela Santa Sé e anexado o parecer de alguns Padres e

334
O CASO DO PADRE FALCÁO 47

Bispos que o conheciam de perto, bem assim o veredicto do Conselho de


Professores da Escola Teológica, todos reconhecendo, no caso, convenio,
isto é: urna repetido da historia de Saulo e Agostinho, o SANTO PADRE
acolheu benignamente minha solicitacao, permitindo que José Cabral Fal-
cao pudesse ser ordenado Diácono e Padre.

Observa^áfo: — o casamento do FalcSo nSo foi nulo, mas, dispensado o


impedimento "ligaminis", teve condicao de ser admitido ao Sacerdocio. £
preciso frisar o compromisso dele e da esposa de assumiram o estado celiba-
tário. FalcSo foi o primeiro homem casado no Brasil a ser ordenado sacerdo
te, mas nSo o primeiro na historia da Igreja. É o segundo na América Latina,
porquanto o primeiro ordenado Sacerdote foi Fausto Barriga Ortiz, de 62
anos, e pai de seis filhos. Sua Ordenacio Sacerdotal realizou-se no dia 25 de
novembro de 1984. na Catedral da cidade de Los Teques, na Venezuela. A
esposa de Ortiz, dona Leonora Chacón, e seus seis filhos estiveram presentes.
A esposa de FalcSo se externou, considerando que "aconteceuum ver-
dadeiro milagre "e que -"Cabral encontrou o melhor caminho quepoderia
ter o pai de meus filhos". Acrescentou ela: - "agora ele é para mim mais um
filho e eu sou para ele sua mae". Consta até que ela declara estar disposta a,
logo que se casar o filho que aínda mora com ela, endausurar-se na vida con
templativa.

Dom Manuel Lisboa de Oliveira


Bispo Diocesano de Nazaré.

Agradecemos cordialmente aoSr. Bispo os valiosos csclarecimentos.

* * * Estéváo Bettencourt O.S.a

Livros em Estante
A Caminho do Reino, por Marguerite Ph. Hoppenot. Traducao de Na-
dyr de Salles Penteado. - Ed. Loyola, Sao Paulo 137x206 mm, 164 pp.
Este livro apresenta a mensagem e a doutrina espiritual da Sra. Mar
guerite Ph. Hoppenot, belga, que fundou no ano de 1940 o Movimento
Séve (Seiva) em París. Tratase de um movimento de leigos, cuja divisa é
"Ser, Amar, Servir e Unir"; destinase a avivar a consciSnda do que é ser
Igreja no mundo de hofe, em que muitos católicos se sentem confusos ou ti
bios por causa de falta de formacSo e preconceitos. A mensagem da funda
dora é haurída da mais pura fonte da espiritualidade da Igreja e exprímese
característicamente ñas seguintes palavras da Sra. Hoppenot:
"O Movimento Seiva nSo se desinteressa nem da justica no mundo,
nem dos problemas dos países em desenvolvimento, nem da reforma de es-

335
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 390/1986

truturas, nem do mal-estar atual da Igre/'a. Pelo contraria, é oíante da univer-


salidade e da dimensao desses problemas que Seiva adquiriu a conviccio de
que a sua causa inicial é o homem, a qualidade do homem, este homem cuja
evolucio espiritual, isto é, plenamente humana, nao seguiu a evolucio do
progresso técnico e científico e, por esta razio, nao é mais capaz de dominar
o mundo, nem de orientá-lo para a sua verdadeira finalidade. É por isto que
Seiva nao é um movímentó de idéias, mas de acao. Ele gera a acio interro
gando primeiramente o instrumento da acao. o homem ou o coracao do ho
mem, chamado a mudar o mundo" (pp. 18s).
O Movimentó ¡á foi implantado no Brasil. Ulteriores ¡nformacoes po-
derao ser solicitadas a Sra. Sylvia Borba Leite de Moraes, Rúa Rita Joana de
Souza n? 126, 04601 Sao Paulo (SP); fone: 240-3670. Os fiéis católicos sen-
tem hoje, mais do que nunca, a necessidade de se agrupar e irmanar, a fim de
estudarem juntos a sua fé e as exigencias da mesma no mundo atual.

Amar e Ser Amado. Comunicapao no Amor, por Pierre Weil. — Ed.


Vozes, Petrópolis, 13a. edicao 1984, 135 x 210 mm, Í65pp.
O autor estuda as diversas formas de comunicacao amorosa:a genital, a
sensual, a transferencia!, a motivacional, a procriadora, a costumeira, a pos-
sessiva. . . Descreve a vida psíquica e o comportamento sexual do homem e
da mulher com certo embasamento científico, mas sem filosofía ou sem es
cala de valores. No tocante á doutrina católica, é faino quando diz que "o
ato sexual é considerado pela religiao crista como pecado sempre que disso-
ciado da intencao de ter filhos. Isto explica que a Igreja proiba todos os
meíos antíconcepcionais mecánicos ou químicos" (p. 74). Na verdade, sabe
mos que a Moral Católica admite relacoes sexuais durante o período estéril
da mulher por parte de casáis que nao queiram ter filhos; tais relacoes nao
ferem ou nao contrariam a natureza, pois esta mesma se faz estéril no perío
do assinalado.
O livro tem o estilo de divulgafio, redigido em incisos curtos e de fácil
leí tura, ilustrado por desenhos. Infelizmente, porém, nao preenche a tarefa
de colaborar na educacao sexual dos teitores; com efeito, instruoao sexual
sem apresentacao de escala de valores é incompleta; nao atinge o que há de
mais típico na pessoa humana, a saber: a aspiracao a ter um ideal de vida só
lidamente estruturado. Esse ideal exigirá sempre esforco, autodominio, re
nuncia da parte do ser humano, pois "amar nao é querer o outro construido,
mas é querer construir o outro"; ora nao há referencia a tal aspecto da temé-
tica no livro em foco; dir-se-ia que o criterio da vida sexual é o prazer,...
até o prazer de "voltarmos á vida intra-uterina e á vida marinha, nos, mamí
feros, que antigamente éramos peix.es e vivíamos em meio marítimo", se
gundo a teoría de Ferenczi, que P. Weil cita com certa simpatía as pp. 26-28.
Ás pessoas interessadas em obra mais ampia e profunda, pode-se reco
mendar o livro de Joio Mohana: "A Vida Sexual dos Solteiros e Casados",
Ed. Globo, Rúa Sargento Silvio Ht Til?, fía
de Janeiro (RJ). - f f.S
336
Para Cursos de Teologia:

1 RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2a. ed.l. por Dom Cirilo Foleh Gomes
O.S.B. (falecido a 2/12/83). Teólogo conceituado, autor de um tratado
completo de Teología Dogmática, comentando o Credo do Povo de Oeus,
promulgado pelo Papa Paulo VI. Um alentado volume de 700 p., best-seller de
nossas EdicBes Cz$ 73-80
2 O MISTERIO DO OEUS VIVO, P. Patfoort O.P.O autor foi examinador de D.Ci
rilo para a conquista da láurea de Doutor em Teologia no Instituto Pontificio
Santo Tomás de Aquino em Roma. Para Professores e Alunos de Teologia, é
um Tratado de "Deui Uno e Trino", de orientacao tomista e de índole didá-
tica, 230 p. - Cz$ 37,00.
3 ENCONTRÓ COM A BIBLIA. Pe. Louis Monloubou e Ir. Oominique Bouyssou.
1980. Pontos de referencia para uma primeira leitura da Biblia.
1 Pvolume, Amigo Testamento, 130págs Cz$ 10,40
29volume, Novo Testamento, 104 págs Cz$ 10,40
4 GUIA DE LEITURA BiBLICA, toda a Escritura, exceto Salmos e Evangelhos.
Por Dom Esteva o Bettencourt. OSB cz$ 6,80
5 DIÁLOGO ECUMÉNICO - Temas controvertidos, por Dom Estéváo Bettencourt.
Em quinze capítulos o Autor considera os principáis pontos da clástica contro
versia entre católicos e protestantes, e procura mostrar que a discussáo no pla
no teológico perdeu muito de sua razao de ser, pois nao raro versa mais sobre
palavras do que sobre conceitos ou proposicSes — Cz$ 33.00.
(Cap. 1. O catálogo bíblico. 2. Sonriente a Escritura? 3. Somente a fé. Nao
as Obras? 4. O Primado de Pedro. 5. Eucaristía: Sacrificio e Sacramento. 6. A
confissSo dos pecados. 7. O purgatorio. 8. As indulgencias. 9. María, Virgem e
Mae. 10. Jesús teve irmáos? 11. O culto dos Santos. 12. As imagens Sagradas.
13. Alterando o (Decálogo? 14. Sábado ou Domingo? 15. 666 (Ap. 13,18). Em
preparacáo nova edicao com acréscimo de 2 novos capítulos.

6 GREGO BÍBLICO, elaborado por uma Monja Beneditina do Mosteiro de N.S.das


Grapas, Belo Horizonte. A Chave para quem desejar ler o Novo Testamento na
língua original, o grego. Por isso a Autora emprega o vocabulario que mais in-
teressa i mediatamente, isto é, o do Novo Testamento, e ás vezes também o dos
Santos Padres. Escrita manual, ¡mpresso em offset, 220 páginas. Preco de custo
Cz$ 50,00

7 OUADROS MURÁIS, elaborado por D. Hildebrando P. Martins O.S.B. (formato


75x541.
1. Estrutura da Santa Missa.
2. O Ano Litúrgico: Presenca de Cristo no tempo.
De grande utilidade para aulas de Liturgia, para Comunidades religiosas. Gru
pos pastorais. Noviciados, Seminarios, Colegios, Equipes de Liturgia e de
MECE CzS 20,00 cada.

"LITURGIA E VIDA"

A Revista bimestral que D. Joao Evangelista Enout OSB publica, sem interrupcao,
há 33 anos, divulgando comentarios e artigos sobre questoes religiosas e vitáis da Igreja,
de interesse geral.
Fiel á linha da Igreja e do seu Magisterio, orienta com seguranca todos aqueles que
desejam acompanhar os problemas da atualidade e alargar a sua visáo de conhecimentos
do que vem ocorrendo na Igreja pos-conciliar.
Sua leitura constitue maior enriquecimento cultural religioso. Queira por isso di-
vulgá-la no círculo de seus amigos estudiosos.

Assinatura anual em 1986 CzS 80,00 (custo)

Escreva para "LITURGIA E VIDA" (Caixa Postal 2666 - 20001 Rio de Janeiro
RJ).
EDICOES "LUMEN CHRISTI"
Rúa Dom Gerardo, 40 — 5? andar — Sala 501
Caixa Postal 2666 — Tel.: (021) 291-7122
20001 - Rio de Janeiro - RJ

UVROS DIVERSOS:

1. Código da Derecho Canónico, a cargo de Pedro Lombardia y Juan Ignacio Arreita,


Universidad de Navarra y Salamanca. Ed. bilingüe anotada, com índice analíti
co - 1 230 págs. encadernado 505,00

2 Nuevo Derecho Canónico (Manual Universitario), por Catedráticos de Direito Ca


nónico da Univ. de Salamanca - 626 págs., ene Cz$ 420,00

3 A Vida de Cristo, J.Pérez de Urbel — Retorno singelo á contemplacáo total da fi


gura de Cristo: como foi, quais os sentimentos que dominaram toda a sua vida.
Um olhar simples e essencial - 514 Págs CzS 100,00

4 Confissoes de Santo Agostinho, 11a. ed. portuguesa - 407 págs., CzS 48,00

5 Sao Bento e a vida monástica. D. Claude Netmy. com ilustracóes IAGIRI 192
páginas CzS 15,00

6 A vida do pequeño Sao Plácido, por I rmá* Geneviéve Gallois OSB, 104 ilustracSes
em traeos ligeiros, caligrafía das legendas pelas monjas do Mosteiro da Virgem
(Petrópolis). É um tratado de oracSo pela imagem. 208 págs. CzS 50,00

7 A Vida Cristi. Santo Agostinho — Coletánea de textos extraídos das obras do


Santo Doutor. 195 págs CzS 20,00

8 Nossos amigos, os Santos, D. Marcos Barbosa - 70 breves biografías de Santos.


(Ed. J.O.) - 166 págs CzS 57,40.

9 Poemas do Reino de Deus. D. Marcos Barbosa (Obra poétical - Ed. J.O. 192
páginas CzS 30,00

10 Um Encontró com Deus, D. Marcos Barbosa — Breve Teología para Leigos, em es


tilo bem original (Ed. J.O.) 92págs CzS 21.60

11 liturgia para o Povo de Deus. Cario Fiori (3a. Ed.). Breve Manual de Liturgia,
contendo a mesma Constituicao explicada ao povo em todos os seus ¡tens, o
rito de cada Sacramento e no final dos Capítulos um questionário para estudo
em círculos - CzS 15,00

Á ESPECIAL ATENCAO DOS NOSSOS ASSINANTES

Quando efetuar a renovagáo de sua assinatura ou enviar qualquer importancia em


dinheiro, é favor fazé-lo sempre em seu nome como ASSINANTE.

Pedidos as EDIQÓES "LUMEN CHRISTI" pelo Reembolso Postal


Caixa Postal 2666
20001 Rio de Janeiro RJ

You might also like