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Histórias e memórias dos 50 anos

dos cursos de formação de professores do


Centro Universitário Franciscano
de Santa Maria
Claudemir de Quadros
organizador

Autores
Adélia Juracy Zuse
Ana Rosa Zurlo Dellazzana
Célia Helena Pelegrini Della Méa
Claudemir de Quadros
Eleni Bisognin
Elisabeth Weber Medeiros
Flávia Obino Corrêa Werle
Geórgia Maria Ferro Benetti
Guacira de Azambuja
Inara de Oliveira Rodrigues
Iraní Rupolo
José Iran Ribeiro
José Otão
Laurindo Dalpian
Lenir Casel Agostini
Maria Antonia Ramos de Azevedo
Maria Helena Camara Bastos
Maria Joanete Martins da Silveira
Marion dos Santos Lemes
Marta Lia Genro Appel
Nilsa Teresinha Reichert Barin
Patrícia do Amaral Comarú
Rosane Bald
Silvia Helena Niederauer Xavier
Solange de Moraes
Vanilde Bisognin
Zelma Santos Borges

Centro Universitário Franciscano


2005
Q1c Quadros, Claudemir de (Org.).
Histórias e memórias dos 50 anos dos cursos de
formação de professores do Centro Universitário
Franciscano de Santa Maria/ Claudemir de Quadros
(Org.). - Santa Maria: Unifra, 2005.
320 p.
ISBN 85-88667-43-6

1. Ensino superior. 2. Formação de professores.


I. Título.

CDU 371.13

Direitos reservados ao
Centro Universitário Franciscano de Santa Maria
Rua dos Andradas, 1614
97010-032 – Santa Maria – Rio Grande do Sul
www.unifra.br
Sumário
Prefácio ................................................................................................................................ 9
Flávia Obino Corrêa Werle

Evolução histórica das faculdades de Filosofia


e o seu valor como fontes de cultura1 ....................................................................... 13
José Otão

Breves palavras sobre a Santa Maria da Boca do Monte (1950-2000) .............. 25


José Iran Ribeiro e Marion dos Santos Lemes

História da formação docente no Brasil .................................................................. 34


Maria Helena Camara Bastos e Claudemir de Quadros

O curso de Pedagogia e a formação de professores no Centro


Universitário Franciscano de Santa Maria: uma trajetória de 1955 a 2005 ..... 70
Ana Rosa Zurlo Delazzana, Maria Joanete Martins da Silveira e Rosane Bald

Trajetórias e contexto formativo dos professores de Pedagogia ..................... 126


Geórgia Maria Ferro Benetti e Guacira de Azambuja

O pioneirismo do curso de Letras ............................................................................ 136


Célia Helena Pelegrini Della Méa, Laurindo Dalpian e Nilsa Teresinha Reichert Barin

O curso de Letras e os estudos literários:


caminhos percorridos e novas perspectivas .......................................................... 160
Inara de Oliveira Rodrigues, Marta Lia Genro Appel e Sílvia Helena Niederauer Xavier

O curso de História do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria:


algumas considerações sobre sua história............................................................. 167
Elisabeth Weber Medeiros e Lenir Cassel Agostini

Geografia: ciência para descrever a Terra e assinalar sua diversidade ......... 184
Elsbeth Leia Spode Becker e Lia Margot Dornelles Viero

O ensino de Matemática em Santa Maria:


o pioneirismo de Maria Augusta Silveira Neto .................................................... 205
Eleni Bisognin e Vanilde Bisognin
A aprendizagem de um discurso legítimo: a experiência do Centro
Universitário Franciscano de Santa Maria com a formação de
professores em serviço ................................................................................................ 218
Claudemir de Quadros

Comitê das Licenciaturas do Centro Universitário


Franciscano de Santa Maria: reflexão e memória ............................................... 258
Nilsa Teresinha Reichert Barin

Trajetória da pós-graduação lato sensu em Educação no


Centro Universitário Franciscano de Santa Maria entre 1976 e 2003 ............. 266
Adélia Juracy Zuse e Zelma Santos Borges

Prática de ensino: a formação de professores de Filosofia a partir


das diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores
da educação básica ....................................................................................................... 283
Solange de Moraes

Reflexão sobre a formação de professores: contribuições de uma prática


reflexiva e comunicativa .............................................................................................. 299
Maria Antonia Ramos de Azevedo e Patrícia do Amaral Comarú

Educação superior: inquietações e perspectivas ................................................. 311


Iraní Rupolo
9

Prefácio
Flávia Obino Corrêa Werle1

Os acontecimentos históricos, à medida que são repen-


sados, reconstruídos e reinterpretados, enriquecem o presente
e o futuro. Nós fazemos nossa história porque dela temos co-
nhecimento, isto é, como seres reflexivos que cognitivamente
se apropriam do tempo em vez de meramente o “vivê-lo”2 .
O livro “Histórias e memórias dos 50 anos dos cursos de
formação de professores do Centro Universitário Franciscano
de Santa Maria” é um exemplo de reflexividade institucional.
Nele se apresenta uma instituição de ensino superior falando
acerca de si mesma e, para tanto, articula a contribuição reflexi-
va de diferentes atores que, de variados tempos e espaços, ex-
pressam compreensões acerca de si mesmos e da instituição e
oferecem dimensões múltiplas da identidade institucional.
No livro, encontramos os processos de recuperação,
revisitação e reinterpretação de momentos; documentos e pro-
cessos que configuraram a história da cidade de Santa Maria,
do ensino superior e da formação de professores no Estado e,
especialmente, dos cursos da Faculdade de Filosofia Ciências e
1
Professora na
Letras Imaculada Conceição, das Faculdades Franciscanas e do
Universidade do Vale Centro Universitário Franciscano de Santa Maria. Em suas pá-
do Rio dos Sinos,
doutora em Educação. ginas, falam os princípios e os projetos para formação, os pro-
fessores, os antigos alunos, hoje também profissionais da edu-
GIDDENS, Anthony.
2 cação. Em suas páginas, configuram-se diversas versões e faces
A constituição da da história institucional numa expressão de reflexividade que
sociedade. São Paulo:
Martins Fontes, 1989,
indica convergências entre a história da Unifra e as histórias
p. 192. pessoais, de grupos, de gerações, da cidade e suas instituições,
10

especialmente de outros estabelecimentos de ensino superior e


médio. Em suas páginas, delineiam-se histórias das disciplinas
escolares entretecidas, a partir das histórias de projetos de cur-
sos, num esforço de configuração do perfil de professor dese-
jado nos diferentes contextos institucionais.
A obra apresenta algumas das muitas formas de
acercamento da história institucional de um estabelecimento de
ensino superior. Os currículos organizados em diferentes épo-
cas, que respondem, no quadro filosófico institucional, a momen-
tos políticos e diretrizes educacionais emergentes; os documen-
tos de época referidos como evidência ou comprovação da argu-
mentação, ou ainda transcritos na íntegra; as imagens relembrando
de espaços, das turmas de alunos e momentos institucionais; os
registros e lembranças de diferentes atores que, articulando par-
te de suas biografias reconstroem a instituição pela narrativa das
vivências que nela tiveram, tecendo e relembrando de aprendi-
zagens, amizades e afetos; a retomada das origens e da(s) figura(s)
que dão paternidade/maternidade à instituição.
O livro permite acompanhar a FIC, hoje Centro Universi-
tário, no quadro de desenvolvimento da comunidade e da região.
Quanto à percepção e resposta às demandas de qualificação da
educação básica da região, a Unifra tem demonstrado uma histó-
ria de sensibilidade e ação, propondo projetos de extensão e para
formação de docentes em exercício abrangendo significativo
número de municípios do Estado. Por outro lado, considerando
a posição ocupada pelos ex-alunos, que colaboram na obra como
autores, verifica-se a função social e a contribuição da Unifra
para a emergência de estruturas educacionais e a institucionaliza-
ção do ensino superior na cidade. Nesse sentido, a posição de
Justino Magalhães, destacado pesquisador português dedicado
ao estudo da história das instituições educativas, reafirma-se nos
diferentes textos que constituem a obra “As ações e destino de
vida dos atores dão corpo às realizações institucionais”3. 3
São os diversos personagens que, ao relatarem práticas MAGALHÃES,
Justino. Contributo
pedagógicas relevantes, projetos sociais de impacto regional para a história das
e suas vidas na FIC/Faculdades Franciscanas/Centro instituições educativas
a memória e o arquivo.
Universitário Franciscano, configuram a pluralidade de senti- IN: FERNANDES,
dos que uma instituição educacional pode assumir ao ser tra- Rogério,
MAGALHÃES,
tada como objeto historiográfico. Justino (org). Para a
Os capítulos, que constituem a obra, configuram os prin- historia do ensino liceal em
Portugal. Braga:
cipais agentes administrativos e docentes dos vários cursos Universidade do
da instituição, desvelam relações intra-institucionais, formas Minho, 1999, p. 73.
11

de comunicação, maneiras de ser e de agir dos atores educacio-


nais, expressam também nuanças do clima institucional. Com
isso, na confluência das múltiplas narrativas e dos diferentes
tempos e espaços relembrados e articulados no livro, deli-
neiam-se identidades da instituição em foco.
São identidades formuladas de inúmeras maneiras, con-
forme os atores, momentos e tempos de sua concepção e pro-
núncia. Se tal identidade era expressa como “formação cultural
das elites, verdadeira universidade cultural”, nas palavras do ir-
mão José Otão, por ocasião da aula inaugural, em abril de 1955,
hoje, vincula-se ao compromisso de qualificação de oito cursos
de formação de professores e à história de formação profissio-
nal de quase 8.000 educadores titulados pela instituição.
No conjunto da obra, estão expressas as mudanças e dife-
renciações ocorridas no processo histórico do estabelecimento de
ensino, políticas de admissão de alunos e diferenciação de oferta
de cursos, práticas de uso do espaço, de desenvolvimento da pes-
quisa e de avaliação. Os textos apresentados são importantes regis-
tros acerca da história de cursos superiores de formação de pro-
fessores, seja relembrando das fugazes iniciativas de políticas edu-
cacionais, como as licenciaturas de curta duração, seja indicando
os processos de descontinuidade e interrupção de funcionamento
de cursos e a sua recriação em novas bases ou ainda pelas lúcidas
análises de documentos de política educacional, como as referen-
tes às diretrizes curriculares que conformam as propostas de for-
mação de professores dos dias de hoje. O livro constitui-se em
precioso registro de história institucional em si e pelas reflexões e
instigações à pesquisa que seu conteúdo inspira. Seu texto sugere
temáticas que possibilitarão outros tantos trabalhos sobre a Unifra
e sobre a formação de professores em nível superior. Abrem-se,
portanto, possibilidades de múltiplas retomadas da história
institucional. Na dimensão de futuro que a reflexividade registrada
na obra acerca da história institucional da Unifra contém, relembro
de Giddens, quando diz: “A historicidade, na verdade, nos orienta
primeiramente para o futuro. O futuro é visto como essencial-
mente aberto, embora como contrafatualmente condicional sobre
linhas de ação assumidas com possibilidades futuras em mente”4.
O livro que agora é oferecido ao público comemora os
4 cinqüenta anos do Centro Universitário Franciscano de San-
GIDDENS, Anthony. ta Maria e, mais que tudo, em sua materialidade, registra a
As conseqüências da
modernidade. São Paulo: autonomia e a identidade institucional exercida pela Unifra
Unesp, 1991, p. 56. em Santa Maria e na região central do Rio Grande do Sul.
13

Evolução histórica das faculdades de Filosofia


e o seu valor como fontes de cultura1
José Otão

Introdução
Dupla vitória da inteligência registra a cidade coração
do Rio Grande, no corrente ano de 1955; é a instalação de
duas escolas superiores, a Faculdade de Ciências Políticas e
Econômicas, a 22 de março último, e a Faculdade de Filoso-
fia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição”, no dia de hoje.
Ambas têm um significado próprio e singular e, ao mes-
mo tempo, um sentido coletivo e global. Assim, a primeira
representa a jornada gloriosa em prol de estudos sérios e po-
sitivos em torno da nossa economia, tão desfigurada e tão
desmantelada nos dias em que vivemos. Jornada que será longa
e trabalhosa, que vai exigir devotamento, estudo, pesquisa,
concentração ao trabalho e sacrifício de lazeres e descansos.
A segunda, que hoje se inaugura, pelo número dos cur-
sos e pela extensão do campo cultural atingido, é uma verda-
deira universidade, exigindo dos organizadores e mantene-
dores fibra de gigantes, reclamando acentuado devotamento,
1 bem como constância, pertinácia no trabalho, pois, por de-
Aula inaugural da
Faculdade de mandar a seara da ciência pura, levará tempo para frutificar
Filosofia, Ciências e plenamente e trazer a recompensa da atividade despendida.
Letras “Imaculada
Conceição”, proferida Uma e outra aparecem em hora oportuníssima e, em-
pelo irmão José Otão,
reitor da Pontifícia
bora representando características divergentes, não se opõem,
Universidade Católica mas se complementam.
do Rio Grande do Sul,
no dia 27 de abril
A faculdade de economia ocupar-se-á da riqueza mate-
de 1955. rial, de sua produção, distribuição e consumo; a de filosofia,
14

da riqueza cultural, de sua elaboração e transmissão. A segun-


da não pode prescindir da primeira, pois ócio para o estudo é
grandemente favorecido pela abundância da riqueza.
São, pois, complementares as escolas superiores criadas
no corrente ano nesta cidade e, embora não sendo o único, é
este, também, um título de justo orgulho para Santa Maria.
Com este paralelo inicial, senhores, desejo apenas res-
saltar a oportunidade de ambos os empreendimentos, e assi-
nalar a lúcida compreensão dos pró-homens desta cidade, os
quais puseram mãos à obra e realizaram em pouco tempo o
que outros apenas conseguiram realizar em anos de labor.

Antecedentes históricos da faculdade de filosofia


Mas, senhores, a faculdade de economia já é uma reali-
dade, já tem mais de um mês de existência e, na voracidade
atual do tempo, o fato de sua instalação já passou ao cadoz do
esquecimento.
Hoje o acontecimento é outro. Hoje se instala outra
escola. Permiti que, nas páginas que vão seguir-se, examine
convosco os antecedentes históricos que prepararam o even-
to das faculdades de filosofia e lhe determinaram a atual es-
trutura e organização.
Para tanto, devemos remontar à velha Grécia e ali aus-
cultar os primeiros remígios nas especulações científico-filo-
sófico-culturais. A pátria de Hesíodo e Homero, de Platão e
Aristóteles, de Tales e Fídias e de tantos outros vultos de
esplendorosa floração de artistas e literatos, de poetas e filó-
sofos, nos legou uma organização escolar incipiente, mas su-
ficientemente estruturada para transmitir às gerações novas
os conhecimentos necessários à vida e para permitir aos indi-
víduos a assimilação dos bens espirituais comuns.
Tendo passado por fases de experimentação e renova-
ção, o embasamento cultural daquelas priscas eras estava nos
chamados estudos gerais ou as sete artes liberais: gramática,
retórica, dialética (trívio) e aritmética, geometria, astronomia
e música (quadrívio).
Quem não depara nestes sete pilares o embrião das fa-
culdades de filosofia, ciências e letras dos nossos dias? Se as
faculdades e universidades devem, segundo Ortega y Gasset,
espelhar o espírito, as tendências e a cultura de um povo e de
uma época, nada de mais positivo que o monumento escolar
15

helênico para nos instruir sobre a realidade cultural da comu-


nidade grega.
O trívio e o quadrívio representaram a escola de quantos
demandavam estudos mais elevados. Era o pedestal sobre o
qual se levantaria o edifício do saber.
Dominada a Grécia pelos romanos, assimilaram estes a
ciência dos vencidos e, introduzidas as alterações específicas
da mentalidade latina, foi o precioso legado transmitido ao
Cristianismo, o qual o protegeu contra as investidas bárbaras,
purificou-o das excentricidades pagãs e, assim, engrandecido,
conservou-o como monumento da experiência dos séculos.
Durante a Idade Média e, em particular na sua última
fase, as artes liberais passaram a ser ensinadas nas Facultates
Artium. Continuaram, porém, a construir os fundamentos para
os estudos da Teologia, Medicina e Direito.
As artes liberais se opunham às manuais, aprendidas nas
corporações.
Aos poucos se acentuou a diferença entre as faculdades
inferiores, as das artes liberais, e faculdades superiores, as de
teologia, medicina e direito. E esse estado de coisas se pro-
longou em alguns países até o século XVIII, tendo dado ori-
gem, na Inglaterra e nos Estados Unidos, aos colleges, escolas
intermediárias obrigatórias entre o ensino médio e o superior
propriamente dito.
Percebe-se que a Faculdade de Artes, que era a de Filo-
sofia, até o século passado, foi considerada como basilar para
estudos mais longos e mais profundos. Pretendia-se, prelimi-
narmente, dar aos jovens uma visão geral do mundo e da
vida, dar-lhes uma preparação segura, uma estrutura filosófi-
ca adequada e, só após, encaminhá-los para as profissões.
Bem reconhecemos a elevação de propósitos que essa
orientação envolvia.
Infelizmente, já desde os tempos do Renascimento, se
esboçou uma reação contra os métodos ditos medievais, pro-
curando destruir o antigo sistema escolar, herança pitagórico-
platônica, que tantos benefícios já trouxe à humanidade, pois
se baseava numa idéia fundamental: dar aos jovens um
embasamento sólido, suficientemente geral, que lhes servisse
de propedêutica segura às grandes arrancadas do espírito.
Já em fins do século dezessete, vários sistemas começa-
ram a aparecer, tentando dar novo agrupamento às discipli-
16

nas didáticas. Eles representavam a nova concepção da vida,


oriunda do Renascimento.
Constituíram-se, assim, os grupos Línguas, Ciências,
Artes e Religião que, no dizer de D. Beda Kruse, O. S. B.
(Paidéia, nº 1, pág. 13, Sorocaba, 1954),
em sua livre combinação e predominância de um ou
de outro grupo, representam as diferentes modali-
dades do ensino moderno. Trata-se, antes, continua
o mesmo autor, de aglomerados arbitrários de disci-
plinas, por carecerem, completamente, de homoge-
neidade interna e organicidade didática, quer em si
quer referentes aos estudos superiores a que deve-
riam conduzir. Foram estes os acontecimentos do
enciclopedismo do ensino secundário.

Os avanços do pensamento filosófico moderno e, em


particular, o racionalismo cartesiano, o empirismo de Locke
e, sobretudo, o positivismo de Comte vieram criar um hiato
profundo entre a filosofia e a ciência, dando ênfase invulgar a
esta e postergando aquela, por inútil, desnecessária e retró-
grada.
Basta analisarmos a classificação das ciências de Augusto
Comte para constatarmos que o repúdio por ele consagrado
à filosofia o levou a excluí-la mesmo na lista das ciências. De
fato, a classificação registra a seguinte ordenação de discipli-
nas: matemática, astronomia, física, química, biologia e so-
ciologia.
A filosofia, absorvida pelas ciências, não mais existe, a não
ser como “conjunto de princípios gerais” das demais ciências.
Foi o materialismo comtista, corroborado pelo
pragmatismo norte-americano, que gerou o caos em matéria
de organização escolar e cultural. Começou a predominar, no
mundo, o ensino utilitário. As ciências foram cultivadas com
esmero, porém tendo em vista as vantagens imediatas, en-
quanto que a especulação filosófica, a cultura verdadeiramente
humana, a cultura desinteressada, glória real da humanidade,
passou a segundo plano.
A escola superior do século passado se organizou de
acordo com os princípios pragmático-positivistas então do-
minantes.
Deu predominância aos laboratórios e às pesquisas cien-
tíficas, postergando os estudos filosóficos como balofos e
17

inúteis. Era o dealbar do cientificismo, para o qual a salvação


da humanidade estaria, sem dúvida, no progresso ilimitado
da ciência e da técnica...
O homem, esse passava a plano secundário...
A partir do século XIX, a formação geral, básica para
os demais estudos, que durante séculos coubera à Faculdade
de Filosofia, embora com numerosas variantes, passou a ser
dada pelos ginásios ou escolas de nível médio, reservando
àquela a ministração de ensino especializado. Durante algum
tempo, o ginásio antigo ou clássico manteve a tradição secu-
lar; porém, a seu lado, ainda por influência positivista, surgiu
o ginásio moderno, no qual o estudo das línguas ou das ciên-
cias passou a ser preponderante. E chegamos deste modo à
confusão, ao desequilíbrio e ao caos, pois, mesmo nas escolas
de nível médio, pretendeu-se iniciar a especialização, dando
origem à exótica situação escolar secundária do nosso século,
reconhecida por todos como insatisfatória, procurando os
diversos países retocá-la ou reformá-la de tempos a tempos
para corrigir os males decorrentes, não percebendo os legis-
ladores que o mal não é de superfície e, sim, de estrutura.
O imediatismo, o pragmatismo e o utilitarismo geraram
esta situação escolar estranha: a especialização, antes da for-
mação geral básica, como se fosse possível correr antes de
aprender a caminhar...
A idéia da especialização invadiu o século todo e hoje
todas as escolas superiores a consideram como o seu grande
ideal. Pouco importa que a formação do homem como um
todo seja esquecida; o principal é que o homem entenda a
fundo alguma coisa. Este é o clima da escola superior, em
particular dos países novos, diria, dos países americanos.

As faculdades de filosofia em nosso país


Pareceria que às faculdades de filosofia iria caber, em
nosso tempo, o restabelecimento da tradição secular, isto é, o
retorno à formação básica humanística. Assim não aconte-
ceu, porém, pois elas também adotaram a mesma finalidade
das demais escolas superiores.
Em nosso país foi o decreto n. 19.952, de 11 de abril de
1931, que criou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,
como padrão federal; a lei n. 452, de 5 de julho de 1937, criou
a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras que, em
18

1939, adotou a designação atual de Faculdade Nacional de


Filosofia.
A própria designação adotada é um remanescente do
racionalismo cartesiano, para o qual a Filosofia engloba todas
as ciências, e é suficiente falar em faculdade de filosofia para
que se entenda (entenda quem quiser) que se trata da filosofia
propriamente dita, bem como das ciências e letras.
E aqui cabe um reparo: não será o tardio aparecimento,
entre nós, desses centros de estudos a causa da nossa peque-
na e incipiente cultura?
Se examinarmos as finalidades desta faculdade, que são,
mutatis mutandis, as mesmas das demais faculdades de filosofia
do País, encontraremos, ao lado dos dois objetivos comuns ao
ensino superior em geral, um objetivo particular e específico.
Os objetivos comuns são: 1) formar trabalhadores inte-
lectuais para o exercício das altas atividades culturais de or-
dem desinteressada ou técnica; 2) realizar pesquisas nos vári-
os domínios da cultura que constituem objeto do ensino.
O objetivo particular é o de preparar candidatos ao
magistério – do ensino secundário e normal (decreto-lei n.
1.190, de 4 de abril de 1939).
Está fora de dúvida que o objetivo particular, o prático-
profissional, é o preponderante, o quase exclusivo, pois a men-
talidade utilitarista dominante entre nós, emanação remanes-
cente das teorias positivo-materialistas, não permitiu a for-
mação de um ambiente propício aos estudos verdadeiramen-
te desinteressados, especialmente no setor filosófico, embora
nos últimos dez anos tenha começado a tomar incremento a
pesquisa, primeiro passo para a cultura desinteressada.
Isso, porém, não impede que as atuais faculdades de
filosofia tenham vindo prestar um inestimável e inadiável
serviço, qual seja: o de formar professores para o ensino
médio, pondo fim ao autodidatismo, por natureza emperrado
e limitado.
As faculdades de filosofia, organizadas por particulares,
seguem, com leves variantes, a estrutura e organização da
Faculdade Nacional. As faculdades católicas, porém, todas
incluíram, como base fundamental, o ensino dos princípios
da religião cristã, procurando, por meio deles, dar ao futuro
profissional aquela “visão do homem, do mundo e das coi-
sas” que lhe permita imprimir uma orientação não só natural,
19

mas também sobrenatural à sua atividade, reagindo destarte


contra o clima naturalizante e materializante de nossos dias.

A faculdade de filosofia: núcleo irradiador de


cultura
Apesar das mazelas assinaladas não padece dúvida que
cabe às faculdades de filosofia o preponderante papel de
incrementar e difundir a cultura no sentido autêntico da pala-
vra. Se às demais escolas superiores está reservada, entre nós,
a tarefa de preparar profissionais para as chamadas profis-
sões liberais, à faculdade de filosofia, que invade os amplos
setores da filosofia, da pedagogia, das ciências e das letras,
cabe a formação cultural das elites.
Podíamos, talvez, afirmar que as escolas superiores em
geral e as técnico-profissionais são propulsoras da civilização,
pois dão ao homem os instrumentos de subjugação e domí-
nio do mundo material, dos seres corpóreos, do nosso exte-
rior; ao passo que as faculdades de filosofia promovem a cul-
tura, pois se ocupam principalmente do homem, do espírito
e do mundo interior. Ora, bem sabemos que o “conhece-te a
ti mesmo” é a mais difícil das tarefas, podendo Carreal escre-
ver, em pleno século XX, um livro que denominou “O Ho-
mem, esse desconhecido”.
Mas, se é tarefa própria das faculdades de filosofia a
elaboração e a transmissão da cultura, que devemos entender
por cultura? Confundi-la-emos com o progresso material
como fazem muitos, ou com a civilização, ou com a técnica,
realizadora do admirável progresso moderno?
Não, absolutamente. Embora os termos civilização e cul-
tura tenham significados variáveis entre os autores, podemos,
com Lalande e Maritain, caracterizá-las perfeitamente. Tenta-
remos conceituar a cultura distinguindo-a da civilização.
A cultura é, em síntese, o domínio do homem sobre si
mesmo, como a civilização é o domínio do homem sobre a
natureza. Esta compreende o esforço coletivo da sociedade
na conquista do universo, do domínio do solo, das águas e
dos ares. Utiliza o homem na sua realização todo o seu enge-
nho criador, toda a sua capacidade construtiva, valendo-se de
mil e uma técnicas, fruto de sua inteligência. Aquela, a cultu-
ra, pelo contrário, é mais um esforço individual, embora a
sociedade sirva de estímulo, no conhecimento, desenvolvi-
20

mento e aperfeiçoamento do próprio homem. Aqui utiliza


ele também todo o seu poder, toda a sua energia para realizar
a cultura; não, porém, o poder e a energia físicos, mas o poder
e a energia morais. Pela civilização, o homem, auxiliado pela
técnica, domina a natureza, explorando-a em seu benefício.
Nada lhe resiste. As riquezas são extraídas da terra; as forças
naturais, julgadas e utilizadas; os mares, atravessados; o solo é
lavrado e o sub-solo, perfurado. Enfim, a natureza inorgânica
é estudada em todos os seus aspectos e explorada em todos
os domínios, tornando-se o homem cada vez mais senhor do
mundo e rei da natureza. Pela cultura, ao contrário, o homem
desbasta-se a si mesmo, penetra o mistério do seu ser, conhe-
ce as forças extraordinárias de sua razão e o poder incompa-
rável de sua vontade. Vence a inteligência, os sentidos, a von-
tade, os sentimentos. Analisa a constituição da pessoa, carac-
teriza-lhe os elementos fundamentais e procura levá-los ao
máximo desenvolvimento. Reconhecendo em si um ser raci-
onal e livre, dotado de direitos e deveres, procura cumprir
estes e defender aqueles, não esquecendo todavia que os di-
reitos de um vão até onde começam os direitos do outro.
Percebemos que, de um modo geral, o domínio da civi-
lização é o material e o campo próprio da cultura é o moral e
o espiritual.
Percebemos, outrossim, que a civilização sem a cultura
pode tornar-se um grande perigo para o homem, pode tor-
nar-se um instrumento de domínio e de opressão do forte
sobre o fraco, um motivo de prepotência e de exploração.
Enquanto que a cultura, levando o homem ao conhecimento
real de seu ser, ao conhecimento de sua origem e destino e da
igualdade da natureza humana, tem o papel de regular a pri-
meira.
Daí a afirmação maritainiana de ser impossível a civili-
zação sem a cultura.
Percebemos, finalmente, que nas próprias realizações
da cultura há gradações, não vacilando em afirmar que “a
alma de toda cultura é a cultura da alma”, sendo, por conse-
qüência, defensável a afirmação de que, assim como a técnica
é o instrumento da civilização, a formação espiritual e religio-
sa é a base da cultura.
De fato, a religião está para a cultura, como a Graça,
para a natureza: não a destrói; completa-a. E, por último, po-
21

demos ainda dizer que a cultura só é legítima quando


teocêntrica, isto é, quando passa pelo homem mas não per-
manece nele.
Por isso, se a técnica amplifica o poder do homem, a
religião lhe diviniza o esforço do domínio de si mesmo e lhe
supre as deficiências pela Graça. Por isso, ainda, aos grandes
no campo da civilização, podemos opor os “Santos” no cam-
po da verdadeira cultura, pois foram eles que mais e melhor
“cultivaram o seu ser, tornando-o semelhante ao Divino
Modelo e isto tanto mais quanto mais viveram e encarnaram
os ensinamentos do mestre de Nazaré”.
A verdadeira cultura começou com o cristianismo, nele
encontrando plena floração.
Fora dele, antes ou depois, existiram e ainda existem
civilizações, técnicas, progresso, tudo o que quisermos; cultu-
ra, porém, isto é, realização em plenitude de todas as
virtualidades humanas, complementadas pela ação da Graça
e eternizadas na visão beatífica, não.
Para estar a verdadeira cultura alicerçada em bases sóli-
das, é imprescindível, pois, que contenha noções exatas sobre
o que seja a perfeição no homem, quer na alma quer no cor-
po, e sobre os meios a empregar para obtê-la e os obstáculos
a evitar. Ora, é a religião que nos fornece conceitos positivos
sobre o que seja a perfeição no homem e os meios de obtê-la.
A verdadeira cultura, a cultura integral, não pode, pois,
prescindir da verdadeira religião. E é por este motivo que as
faculdades católicas de filosofia incluíram, em seu currículo,
largo programa de formação religiosa.
É esta cultura total que impede às faculdades de filoso-
fia realizar cultura científica e filosófica, cultura moral e reli-
giosa.
As duas primeiras preparam o terreno para a segunda.
Pronto o espírito para a apreensão das verdades parti-
culares, subirá ele por degraus sucessivos à apreensão da Ver-
dade Suprema, Deus, e à sua contemplação operante.
Sim, contemplação operante, pois, da visão de Deus, da
compreensão da sua lei de bondade e de amor, nasce a
regulação da vontade e a ordenação dos atos humanos, nasce
a verdadeira orientação na vida, a verdadeira cultura que en-
tão chamaremos sabedoria, que a escola superior católica deve
fornecer a quantos a procuram.
22

É nos contatos contínuos com a religião e a verdade


revelada que o espírito amadurece, cria o equilíbrio e aprecia,
na medida justa, os valores naturais e sobrenaturais.
A ciência, a pura ciência, sem a influência religiosa que
tudo penetra, ilumina e ordena, pode fazer com que o ho-
mem seja também honesto e equilibrado, e isso por razões de
dignidade e cálculo de vantagens humanas.
Nas escolas superiores leigas, porém, onde, em virtude
da liberdade religiosa, é silenciado o nome de Deus, onde, em
nome da liberdade de pensamento, são esposadas todas as
idéias, onde, por vezes, divergem os docentes doutrinariamen-
te, religiosa ou filosoficamente, desconcertando os discentes,
não há, não pode haver unidade de formação, não há uma
visão totalizada do universo, uma weltanschaung verdadeiramen-
te orientadora dos atos da vida.
Não há o calor da verdade revelada, não há a paixão do
Evangelho, não há a imitação do Cristo.
A teologia é substituída pela teodicéia e o Deus pessoal
do catolicismo, por uma realidade cósmica qualquer, impes-
soal e indefinida.
Cria-se um naturalismo intelectual e moral incapaz de
dar sentido à vida e de fornecer uma cosmovisão impregnada
de sobrenatural, incapaz de preparar “homens” antes de pre-
parar profissionais ou “especialistas”.
A inteligência, custodiada pela fé que a Igreja ensina,
possui luz para todos os passos e força para todas as ações.
É uma destas escolas superiores católicas que hoje se
inaugura nesta cidade. É um motivo de glória e também um
começo de responsabilidade.
Vai ela cultivar a ciência, a plena ciência. Vai ela promo-
ver a cultura em todos os seus degraus, sempre iluminada
pela fé. E a fé, longe de representar restrições, é ampliação, é
enriquecimento.

Uma universidade cultural


Senhores,
A faculdade de filosofia é por si só uma verdadeira uni-
versidade cultural. Embora iniciados hoje apenas dois cursos,
logo serão quatro, oito ou mais... Serão tantos quantos a le-
gislação permitir. Mas, independentemente de ser ela uma
universidade cultural, constitui, outrossim, a pedra angular
23

do edifício de cultura tão sonhado, tão almejado, tão querido


pelo povo santa-mariense: a Universidade de Santa Maria.
Sim, senhores. A Universidade de Santa Maria já não é
puro sonho, já é meio realidade. E, se tudo ainda não foi feito,
quem poderá deter a força impetuosa desta gente viril, que, em
menos de dois anos, inaugurou três escolas superiores?
Bem haja, pois, a cidade de Santa Maria. Bem hajam os
poderes espiritual e temporal desta diocese e comuna. Bem
haja a elite intelectual e a Sociedade Pró-Ensino Superior. Bem
haja a congregação religiosa que tomou sobre seus ombros a
responsabilidade desta nova faculdade, a benemérita Congre-
gação das Irmãs Franciscanas.
Bem hajam todos quantos colaboraram para seu desen-
volvimento, pois lançaram um marco de autêntico valor, ini-
ciaram uma jornada de glória imorredoira.
E que Deus Nosso Senhor e a Virgem Medianeira guiem
os corpos administrativos, docente e discente à plena realiza-
ção dos nobres ideais que ditaram a fundação da Faculdade.
E que a Faculdade de Filosofia “Imaculada Conceição”
cumpra o seu glorioso destino.
25

Breves palavras sobre a Santa Maria


da Boca do Monte (1950-2000).
José Iran Ribeiro1
Marion dos Santos Lemes2

Por volta de 1950, quem viesse por via férrea de qual-


quer parte do Rio Grande do Sul em direção ao centro do
estado passava obrigatoriamente por Santa Maria,
pois a cidade era o entroncamento ferroviário que
ligava todo o centro-sul do Brasil. Entre outras, ha-
via linhas nos sentidos Santa Maria-Cacequi, Santa
Maria-Cruz Alta-Passo Fundo, Porto Alegre-Santa
Maria-Uruguaiana, Rio Grande-Santa Maria-Missões
(Petry, 1999, p. 3).

Ao chegar à estação, o viajante tinha uma imagem do


que era a cidade. Chegavam e partiam muitas pessoas, mas,
mesmo que fosse por um breve instante, elas passavam a fa-
zer parte da população local, contribuindo com a dinamicidade
do lugar. Dinamicidade que começava pelo próprio entorno
da estação ferroviária. Ali eram compradas passagens, vendi-
1
Professor no Centro
dos lanches rápidos, senhores e senhoras bem ou mal vesti-
Universitário dos cuidavam relógios, à espera de um ou outro trem, rumo a
Franciscano de Santa
Maria, mestre em um ou outro destino, mas todos partindo de ou chegando a
História. Santa Maria.
2
Desde algum tempo, o centro da cidade girava em tor-
Estudante no Centro no da estação férrea. A primeira imagem que vinha à cabeça
Universitário
Franciscano de Santa
de alguém ao lembrar de Santa Maria eram as Marias-Fuma-
Maria. ça, seus apitos e o burburinho que se construía ao redor dos
26

trens. Isso é tão verdadeiro que, no álbum editado para a co-


memoração dos cem anos da cidade, em 17 de maio de 1958,
a imagem de capa é justamente o pátio da viação férrea.
Havia uma enorme estrutura que possibilitava a exis-
tência do entroncamento ferroviário na cidade. Havia ofici-
nas, garagens, pátio de manobra, estacionamento e a movi-
mentação de um sem-número de trabalhadores da rede. “Em
algumas das oficinas mecânicas da época trabalhavam por volta
de seiscentos homens, um número pequeno diante de outras
estimativas que atestam a existência de nove mil ferroviários
atuando em Santa Maria em torno das décadas de 1950-60”
(Petry, 1999, p. 34-23).
Aproveitando-se da expressividade numérica da cate-
goria e devido, principalmente, à organização criada pelo
movimento sindical que empreenderam, os ferroviários cons-
tituíram-se como um segmento de extrema importância para
a Santa Maria daqueles anos. Em função disso, conquistaram
um forte poder de persuasão, atuavam constantemente em
favor de reivindicações específicas da categoria, como tam-
bém lutavam por outras questões de interesse mais amplo,
como a política municipal. Chegava, a eleger vereadores, re-
presentantes da categoria, e também candidatos ferroviários
em nível estadual e nacional. Contavam com o apoio da im-
prensa local, que divulgava as notícias das movimentações e
dava cobertura completa às reivindicações junto aos gover-
nos e às respectivas negociações3 .
Além das mobilizações políticas, a organização dos fer-
roviários possibilitou que a categoria construísse um grande 3
patrimônio em Santa Maria. Entre os vários empreendimen- O movimento
ferroviário organizou-
tos, edificaram um colégio de formação profissional (Ginásio se a partir da década
de 1940 numa
Industrial Hugo Taylor) com várias seções, como confecções, entidade chamada
alfaiataria, saboaria, torrefação e moagem de café, oficinas Movimento Unificado
Ferroviário - MUF. Já
tipográficas, moldagem, fundição, marcenaria, oficina mecâ- em 1944 fizeram a
nica e de eletricidade em geral, etc. A Cooperativa de Consu- primeira greve, por
melhoria de salários,
mo dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul e muitas ainda seriam
também contava, na cidade, com farmácias e, por aqueles anos, deflagradas, mas o
segmento também
o hospital Casa de Saúde passava a ser equipado com moder- participou de
na aparelhagem hospitalar. Esses e outros empreendimentos mobilizações de
caráter mais geral
eram custeados pelas contribuições dos associados à coope- como, por exemplo,
rativa dos ferroviários, o que demonstra a capacidade da cate- a campanha da
legalidade em 1961
goria e sua importância para o desenvolvimento de Santa (cfe. Petry, 1999).
27

Maria. No entanto, depois do golpe militar de 1964, as lide-


ranças ferroviárias foram perseguidas, a Rede Ferroviária Fe-
deral sofreu intervenção do governo central e, paulatinamen-
te, o setor sofreu uma crescente desmobilização e desmonte,
até que foi privatizada em 1997.
Contudo, no auge dos transportes ferroviários no país,
a existência da estação ferroviária fazia com que a cidade fos-
se o centro da região. A via que a ligava ao restante de Santa
Maria era a avenida Rio Branco e isso fez com que se deslo-
casse para lá um eixo comercial da cidade, antes na rua do
Acampamento, próximo à catedral. A movimentação dos
passageiros motivou a instalação de vários estabelecimentos
ao longo da rua Rio Branco ou nas proximidades, aproveitan-
do a demanda por bares, lojas de secos e molhados, casas de
comércio, casas bancárias, hotéis, entre outros estabelecimen-
tos. Só para termos uma pequena idéia da grandiosidade da
movimentação na cidade, mesmo já havendo algumas casas
hoteleiras, só na década de cinqüenta foram construídas dez
outras4 .
Como se pode depreender, o volume de negócios era
considerável e possibilitava o desenvolvimento econômico não
só das proximidades da gare, mas também de toda a cidade.
Como resultado dessa situação, a estação obteve em pouco
tempo grande importância regional, para não dizermos nacio-
nal, e a Santa Maria desses anos desenvolveu-se atrelada ao
contexto de expansão das atividades ferroviárias. Isso se re-
4 fletia, por exemplo, no perfil da população da cidade. Em
Segundo Beber (1998,
p. 111-114), isso 1950, 57% dos santa-marienses viviam no espaço urbano
ocorria porque na
década de 1920 “não
(Urrutia, 2002, p. 24), contrariando, portanto, o cenário do
conseguiam os hotéis país, pois, somente em 1980, os brasileiros que viviam nas
atender à verdadeira
massa humana de
cidades superaram numericamente aqueles que viviam no
viajantes e visitantes campo, chegando a 51,5% o percentual de habitantes das ci-
que acorriam à cidade
ou estavam em dades (Fausto, 2002, p. 295). Não obstante, alguns anos de-
trânsito. Os cômodos pois, a população da cidade acompanhou o fenômeno de
ficavam
completamente migração do campo para o espaço urbano, que também ocor-
lotados e os hóspedes reu por todo o país, e, em 1991, cerca de 10% dos santa-
alojados na mais
completa marienses viviam na área rural.
promiscuidade. No O afluxo dessa população para Santa Maria indica o
mesmo aposento
pernoitavam pessoas papel de pólo regional desempenhado pela cidade. Por outro
que nem se conheciam
e de posição social
lado, e igualmente resultante dessa condição, para cá se dirige
diferente.” grande parte dos resultados da produção econômica que é
28

realizada nos municípios vizinhos, o que é benéfico para a


cidade. Aqui nos referimos, principalmente, à produção liga-
da às atividades rurais, como a criação de gado bovino e o
cultivo de alguns produtos agrícolas. Contudo, apesar de ini-
ciativas neste sentido, os produtores rurais ainda não conse-
guiram atingir uma produtividade em grande escala. Não
obstante, o setor se manteve organizado e vem realizando
uma série de eventos, como as exposições pecuárias, que ocor-
rem anualmente na cidade. No que se refere à produção agrí-
cola, o município caracteriza-se principalmente pelas colhei-
tas de arroz, soja, milho, mandioca e batata inglesa. Além dos
dois primeiros produtos, que são vendidos em grande escala
para outros lugares, os demais são destinados exclusivamente
ao consumo da população local.
Pensando com base em dados da década de 1970, a
maior parte da produção rural era realizada por pequenos
produtores, já que as propriedades rurais existentes na região
caracterizavam-se, em sua maioria, por minifúndios, 68,8%,
enquanto os latifúndios representavam um percentual de
29,2%. Com a emancipação de alguns antigos distritos, como
Dilermando de Aguiar e São Martinho da Serra, segundo da-
dos de 1997, as propriedades rurais de Santa Maria caracteri-
zam-se cada vez mais como pequenas propriedades rurais
(Beber, 1998, p. 142-150), a maioria delas administrada pelas
famílias de agricultores, que, recentemente, vêm encontran-
do alguns espaços para a comercialização de seus produtos
em importantes iniciativas cooperativadas, destacando-se pela
oferta de produtos orgânicos à população.
Por outro lado, o segmento industrial também não con-
seguiu se firmar com o destaque esperado. Não que deixas-
sem de serem empreendidas iniciativas com o fim de atrair e
desenvolver indústrias na cidade, mas, por várias razões, o
setor não conseguiu desenvolver-se plenamente. Algumas das
questões que dificultaram um maior sucesso das empresas na
cidade foram, principalmente, a falta de condições estrutu-
rais como: a inexistência de uma rede de transportes veloz e
segura, precariedade no abastecimento de água no passado,
falta de uma maior disponibilidade no abastecimento de ener-
gia elétrica e na instalação de um maior número de linhas
telefônicas. Nem a criação de um distrito industrial significou
o desenvolvimento do setor, pois este não consegue atrair
29

empresas por também carecer da infra-estrutura necessária


(Beber, 1998, p. 255-283).
Não obstante, a movimentação existente na cidade pos-
sibilitou o desenvolvimento de alguns outros setores. Tendo
sido o espaço urbano o seu principal referencial centralizador
de pessoas, riquezas e atividades, a Boca do Monte tem no
comércio e no setor de prestação de serviços pontos fortes
da economia local. No passado, isso era facilitado pela movi-
mentação da estação ferroviária e, hoje, pela existência de toda
uma série de repartições de serviços públicos que, paulatina-
mente, vêm sendo criados na cidade, resultando num bom
nível cultural e qualidade de vida acessível para, ao menos,
uma parte da população.
Desde o século 19 inúmeras companhias de teatro se
apresentavam na cidade e, aos poucos, foram sendo criadas
casas de espetáculos. Havia o Teatro Coliseu, destruído na
década de quarenta e, hoje, conta-se com o centenário Teatro
Treze de Maio, que se mantém, depois de algumas interrup-
ções, como a principal casa de espetáculos teatrais da cidade.
Por outras razões, mas também pela existência desses espa-
ços, vários grupos teatrais foram organizados na cidade. O
mais antigo é a Escola de Teatro Leopoldo Fróis, criada em
1943, e, além dela, pode-se citar o Grupo Presença, o Grupo
Teatro Universitário Independente, Associação Pró-Arte de
Santa Maria, a Escola Aberta de Teatro, entre outros (cfe.
Rechia, 1999, p. 161-168).
É o sucesso do comércio que possibilita em parte a
movimentação dos recursos necessários para o surgimento
dessas atividades, o que já é uma tradição empresarial da cida-
de, graças ao dinamismo do setor que, em função do decrés-
cimo progressivo da movimentação na gare, acompanhou,
nas últimas décadas, a movimentação urbana de retorno do
centro da cidade para as proximidades da catedral, à rua do
Acampamento.
Dentre uma infinidade de atividades, existem empresas
dedicadas à comercialização de gêneros alimentícios, vestuá-
rio, produtos agropecuários, materiais de construção, eletro-
domésticos, alimentação, somando, no total, mais de seis mil
empreendimentos em plena atividade. Outro destaque da eco-
nomia local é a prestação de serviços, tais como os estabeleci-
mentos bancários, de ensino em todos os níveis, as empresas
30

e os profissionais ligados a diversas áreas, como a saúde, o


entretenimento, o transporte, a construção civil, a segurança,
entre outras. Isso, em grande parte, é possível porque existe a
demanda de serviços e produtos, decorrente da existência, na
cidade, de um grande número de funcionários públicos, de
aqui estarem sediadas várias coordenações regionais dos inú-
meros ramos do serviço público federal e estadual, o que é de
grande importância para a cidade.
Ainda que a grosso modo, poderia ser enquadrado nes-
se rol um segmento de forte representação, o dos militares.
Em Santa Maria está sediada a 3a Divisão de Exército, que
reúne a maioria das unidades da cidade e de outras várias
localidades da região. São unidades dedicadas à instrução de
combatentes, como também à administração, ao atendimen-
to hospitalar, à formação educacional e de apoio a toda essa
enorme organização. Além das unidades do Exército, tam-
bém existem efetivos da Brigada Militar, organizados em vá-
rias unidades dedicadas ao policiamento, ao combate ao fogo,
ao tratamento hospitalar dos integrantes da corporação e às
escolas de formação e aperfeiçoamento de praças da institui-
ção. Não se pode esquecer de citar ainda os militares que
servem na Base Área de Santa Maria, dedicados à tarefa de
patrulhamento aéreo da região sul do estado.
A existência de tantas unidades militares deve-se à loca-
lização estratégica de Santa Maria e, por isso, desde os pri-
meiros tempos de povoado, ela serviu como acampamento
militar e sede de grupamentos militares. Como resultado dis-
so, ao lado dos demais funcionários públicos, o segmento
militar tem importância destacável na cidade, pelo contingente
numérico, representativo para a economia local, pelas inúme-
ras iniciativas e parcerias que estabelece com o poder público
e privado.
Contudo, na atualidade, Santa Maria cada vez mais se
caracteriza como um dos mais importantes centros universi-
tários do estado. Isso teve início em 1931, quando foi criada a
Faculdade de Farmácia de Santa Maria e, continuou em 1954,
com a Faculdade de Medicina, seguidas pela Faculdade de
Ciências Políticas e Econômicas, pela Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras Imaculada Conceição e pela Escola de En-
fermagem Nossa Senhora Medianeira, estas últimas duas em
1955. Em 1960, foi criada a Universidade Federal de Santa
31

Maria, sendo a ela incorporados os cursos de Farmácia e


Medicina existentes (Beber, 1998, p. 23-26).
Atualmente, a instituição universitária com maior nú-
mero de alunos e professores da cidade é a Universidade Fe-
deral de Santa Maria, seguida pelo Centro Universitário
Franciscano. Há, ainda, outras instituições de ensino superior
em Santa Maria, o que faz com que a cidade se caracterize
como um pólo universitário estadual, que recebe estudantes
de todo o país e do exterior e forma profissionais nas mais
diversas áreas de atuação.
Tal realidade, somada ao fato de que os militares tam-
bém se caracterizam como uma categoria de grande mobili-
dade, faz com que Santa Maria tenha como característica uma
população originária de muitos outros lugares. Conforme
dados de 2000, a população de Santa Maria era de 243.392
habitantes, sendo o centro a parte mais populosa da cidade.
Contudo, não se pode esquecer que um percentual importan-
te do total da população é flutuante, ou seja, não reside exata-
mente na cidade, e assim como chega também vai embora,
depois de morar nela por algum tempo, dedicando-se a algu-
ma atividade como estudo ou trabalho. O percentual desse
segmento populacional flutuante oscila em torno dos 5% (cfe.
Urrutia, 2002, p. 17; 22; 24).
De certa forma isso pode ser negativo, dado que, tal-
vez, impede que muitas pessoas criem raízes no município.
De outro ponto de vista também permite uma constante
oxigenação da população que fica na cidade. É, de certa for-
ma, de maneira semelhante ao que ocorria há mais ou menos
cinqüenta anos, quando Santa Maria era um entroncamento
ferroviário, ao qual muitas pessoas chegavam para partir logo
em seguida. Na atualidade, a cidade também serve como um
entreposto de passagem, e se aos que vão embora não é mais
possível levar consigo o apito do trem, levam a certeza de que
poderão voltar quando quiserem para, talvez, ficarem nessa
terra.
32

Bibliografia
BEBER, Cirilo C. Santa Maria 200 anos: história econômica
do município. Santa Maria: Pallotti, 1998.
BELÉM, João. História do município de Santa Maria: 1797-1933.
3. ed. Santa Maria: UFSM, 2000.
CÂMARA DE VEREADORES E PREFEITURA MUNI-
CIPAL DE SANTA MARIA. Álbum ilustrado comemorativo do
1o centenário da emancipação política do município de Santa Maria
(RS) - 17 de maio de 1858-17 de maio de 1958. Santa Maria:
Empresa Gráfica Metrópole, 1958.
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp/
Imprensa Oficial, 2002.
RECHIA, Aristilda. Santa Maria: panorama histórico-cultu-
ral. Santa Maria: Associação Santa-Mariense de Letras, 1999.
SILVA, Maria V. dos Santos. FIC 1955-1995: 40 anos de his-
tória. Santa Maria: Pallotti, 1997.
PETRY, Deoclécio G. Movimento ferroviário de Santa Maria no
período de 1959 a 1964. Santa Maria. Monografia (Especializa-
ção em História). Curso de Pós-Graduação em História do
Brasil, Universidade Federal de Santa Maria, 1999.
URRUTIA, Rejane A. Urbanização: crescimento da área urba-
na, espaços ociosos e especulação imobiliária no município
de Santa Maria entre 1980-2000. Santa Maria. Monografia
(Especialização em História). Curso de Pós-Graduação em
História, Universidade Federal de Santa Maria, 2002.
34

História da formação docente no Brasil


Maria Helena Camara Bastos1
Claudemir de Quadros2

“O passado deve ser compreendido


seja nos seus próprios termos,
seja como anel de uma corrente que,
em última análise, chega até nós.”
Carlo Ginsburg (2001, p. 188).

Introdução
Neste texto pretende-se analisar como, historicamente,
estruturou-se a formação de professores no Brasil e o papel
das faculdades de Filosofia nesse processo de construção da
profissão docente, com ênfase na ação do Centro Universitá-
rio Franciscano de Santa Maria. Essa perspectiva embasa-se
tanto na idéia de que “a construção da educação brasileira
deve ser feita considerando-se as diversidades/singularida- 1
des regionais e as diversidades/singularidades sociais que as Professora no
Programa de Pós-
atravessam e as transformam historicamente” (Louro, 1989, Graduação em
Educação da PUCRS,
p. 36), como na necessidade de melhor compreender as tradu- doutora em História e
ções dos processos de modernização nacional e a regionalização Filosofia da Educação,
pesquisadora do
dessa modernidade. CNPq.
A desvalorização e desprofissionalização docente são
resultados de uma política compensatória em educação, que 2
Professor no Centro
preconiza custo e tempo menor para a formação dos profes- Universitário
sores que atuam na faixa etária de zero até 14 anos, conside- Franciscano de Santa
Maria, mestre em
rado o ensino básico obrigatório. Dos 2,2 milhões de profes- Educação.
35

sores do ensino básico em atividade no país, 48% não têm


diploma de nível superior. A falta de qualificação universitá-
ria é maior nas regiões Norte e Nordeste e nos níveis de ensi-
no mais baixos, como a pré-escola (que atende a crianças de 0
a 6 anos) e às quatro primeiras séries do ensino fundamental
(que atendem a alunos de 7 a 10 anos). Em 1999, segundo o
Censo Escolar do Ministério da Educação - MEC, 350 mil
professores (cerca de 16% do total) davam aulas sem a for-
mação mínima necessária. Em 2000, 10% dos professores de
todo o Brasil não tinham completado o ensino fundamental.
Apesar desses dados alarmantes, o Instituto Nacional de Es-
tudos e Pesquisas Educacionais mostra que, de 1996 a 2000,
houve uma variação no número de professores com titulação
superior: de 47% para 52% (Weissheimer, 2001).
O quadro apresentado retrata uma situação constituída
em um longo processo de descaso com a educação brasileira.
Para compreendê-lo, é importante não desconsiderar outros
fatores dessa situação - analfabetismo, a repetência escolar, a
exclusão social etc. - todos sintomas das precárias condições
sociais da população brasileira.

Histórias da formação docente no Brasil


A estrutura colonial brasileira caracterizou-se pelo mo-
delo agroexportador (monocultura), escravocrata. Para Bosi
(1995), a cultura letrada foi rigorosamente estamental, não
dando azo à mobilidade vertical, a não ser em raros casos de
apadrinhamento que confirmam a regra geral. O domínio do
alfabeto, reservado a poucos, serviu como divisor de águas
entre a cultura oficial e a vida popular. O cotidiano colonial-
popular organizou-se e reproduziu-se sob o limiar da escrita.
Carvalho (1981, p. 64) afirma que, na época da Inde-
pendência (1822), éramos “uma ilha de letrados em um mar
de analfabetos”. Havia um abismo entre a elite e o grosso da
população em termos educacionais. Essa situação perpetou-
se durante todo o século XIX e na entrada do século XX,
quando temos um quadro de 80% de analfabetos.
Os poucos que ensinavam ou catequizavam provinham
de ordens religiosas, especialmente da Companhia de Jesus,
até sua expulsão em 1759. O período, que se seguiu, caracte-
rizou-se pelas refor mas pombalinas, que buscavam
implementar um sistema público de ensino - estatal, secular e
36

uniforme - capaz de formar uma burocracia mais moderna e


ilustrada.
Para Nóvoa (1992, p. 16)
os reformadores portugueses do final do século
XVIII sabiam que a criação de uma rede escolar,
geometricamente repartida pelo espaço nacional, era
uma aposta de progresso. Mas sabiam, também, que
este esforço iria contribuir para legitimar ideologica-
mente o poder estatal numa área-chave do processo
de reprodução social. Os professores são a voz dos
novos dispositivos de escolarização e, por isso, o
Estado não hesitou em criar as condições para sua
profissionalização.

As aulas régias pouco alteraram o quadro de exclusão


de parcela significativa da sociedade, do acesso à educação,
pois se limitavam às primeiras letras (ler e escrever, latim, gre-
go, filosofia, geografia, gramática, retórica, matemática)3.
No século XIX, a consolidação dos Estados Nacionais
e a substituição da Igreja como entidade de tutela do ensino
favoreceram a profissionalização docente. A escola passou a
ser vista como uma das instituições capazes de garantir a uni-
dade nacional, pela transmissão não só de um conteúdo uni-
ficado, mas também de valores culturais e morais que garan-
tiriam essa unidade. Assim, o Estado educador controlou rigo-
rosamente a seleção e o recrutamento do professorado bem
como sua formação.
No Brasil, a formação de professores foi regulamenta-
da somente com a Independência - especialmente com a pro-
4

mulgação do decreto das Escolas de Primeiras Letras, de 15


de outubro de 1827, primeira lei sobre a instrução pública
nacional do Império do Brasil (propunha a criação de escolas 3
Sobre as aulas régias,
primárias com a adoção do método lancasteriano5): ver Cardoso, 2002.

as escolas serão de ensino mútuo nas capitais das 4


províncias; e o serão também nas cidades, vilas e lu- Sobre o processo de
gares populosos delas em que for possível estabele- profissionalização
docente no período
cerem-se. Para as escolas de ensino mútuo se aplica- imperial, ver Gouveia,
rão os edifícios, que houverem com suficiência nos 2001.
lugares delas, arranjando-se com os utensílios neces-
sários à custa da Fazenda Pública. Os professores 5
que não tiverem a necessária instrução deste Ensino, Sobre o método
mútuo ou monitorial,
irão instruir-se a curto prazo e à custa do seu orde- ver Bastos e Faria
nado nas escolas das capitais. Os professores ensina- Filho, 1999.
37

6 rão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética,


A origem oficial das prática de quebrados, decimais e proporções, as no-
escolas de ensino mútuo
vinculada à repartição
ções mais gerais de geometria prática, a gramática da
da Guerra parece ter língua nacional, os princípios de moral cristã e de
seguido orientação já doutrina da religião católica e apostólica romana,
dada na Metrópole. O proporcionadas à compreensão dos meninos; prefe-
decreto de 10 de
outubro de 1815, da rindo para o ensino da leitura a Constituição do Im-
Regência, cria as escolas pério e História do Brasil. [...] ensinarão também as
de ensino mútuo em prendas que servem à economia doméstica; [...] Os
Lisboa, dentro do
Exército e da Marinha, castigos serão aplicados pelo método de Lancaster
tendo a direção sido (Moacyr, 1936, p.189-91).
confiada a J. C. do
Couto e Mello, capitão
de engenharia e
Aos professores que não tivessem a necessária prepara-
professor de tática e ção no método mútuo de ensino, o decreto previa sua instru-
fortificação. Em 1° de
março de 1816 é,
ção a curto prazo e à custa do seu ordenado nas escolas das
também, criada uma capitais. Um professor de primeiras letras que dominasse o
Escola normal no
Corpo da Guarda de método mútuo encarregava-se de ensiná-lo aos demais pro-
Belém, tendo formado fessores, pela demonstração prática, suprindo, assim, os pro-
68 professores em seis
meses. Em 1818, havia blemas de ausência de cursos específicos.
55 escolas de ensino A adoção do ensino mútuo no Brasil antecedeu esse
mútuo em Portugal, que
foram freqüentadas por decreto. Em 1820, o governo autorizou a ida de João Batista
3.843 alunos, sendo
1891 militares e 1952
de Queiroz à Inglaterra para aprender o método lancasteriano.
burgueses. Esses fatos Em 1822, a Repartição dos Negócios da Guerra ficou res-
evidenciam a vinculação
inicial das escolas de
ponsável pela Escola do Ensino Mútuo do Rio de Janeiro6.
ensino mútuo em Almeida (1998, p. 57), referindo-se a esse decreto, afirma que
Portugal com o setor
militar, voltadas à
instrução das primeiras
o governo cria uma escola de ensino mútuo que de-
letras dos seus quadros, veria ser instalada no Rio de Janeiro e, para propagar
provavelmente este sistema de instrução, uma ordem ministerial de
influenciando na 29 de abril seguinte exigiu de cada província do Im-
implantação do método
no Brasil. pério o envio de um soldado7 que seguiria as lições
desta escola a fim de aprender aí o método para, em
7 seguida, propagá-lo na província de origem.
A Decisão n. 69, da
Guerra, “manda tirar
dos corpos de linha das
É interessante observar a forma de recrutamento dos
Províncias um ou dois docentes adotada pelo governo. Os militares foram conside-
indivíduos para
freqüentarem nesta rados mais adequados para atuarem como lentes nas escolas/
Corte as escolas de aulas de primeiras letras pelo método lancasteriano. Essa pre-
ensino pelo Método
Lancaster;. A Decisão ferência evidencia uma aproximação entre a disciplina e a or-
n. 130, manda abonar dem exigida e adotada pelo método nas duas instituições:
aos oficiais inferiores e
cadetes que vierem das militar e escolar. Esse sistema de recrutamento de professo-
Províncias aprender o res nos quadros militares parece ter perdurado por alguns
método do ensino
mútuo uma anos. Em 12 de maio de 1837, a decisão n. 166, do Império,
gratificação mensal
enquanto freqüentarem
tornou incompatíveis as funções de militar e professor públi-
a dita aula.” co, quando então se declarou que “um militar não pode ser
38

admitido a concurso de preenchimento de cadeira de profes-


sor público”.
Com vistas a sanar o problema de formação de profes-
sores, foi criada a primeira Escola Normal do Brasil (1835-
1851), na capital da Província do Rio de Janeiro, Niterói, com
o intuito de preparar os futuros mestres no domínio teórico-
prático do método monitorial/mútuo:
haverá na capital da província do Rio de Janeiro uma
escola normal para n’ella se habilitarem as pessoas que
se destinarem ao magistério da instrução primária, e
os professores actualmente existentes que não tive-
rem adquirido a necessária instrução nas escolas de
ensino mútuo, na conformidade da lei de quinze de
outubro de mil oitocentos e vinte e sete, artigo quinto.

A lei n. 10, de 10 de abril de 1835, no artigo 15, também


suspendia o “provimento de cadeiras de primeiras letras va-
gas ou que vagarem, até que na escola normal se habilitem
pessoas que a possam servir”, o que reforçava a intenção do
Estado de qualificar e dar idoneidade aos mestres. Para ser
admitido na escola normal, requeria-se que o candidato fosse 8
“cidadão brasileiro, maior de dezoito anos, com boa “Curso normal para
professores de
morigeração; e soubesse ler e escrever” (Villela, 1992, p. 29). primeiras letras ou
A preocupação das autoridades em qualificar o profes- direções relativas à
educação physica,
sor do ensino mútuo com o que havia de mais “atual e mo- moral e intellectual nas
derno” levou à tradução e à impressão da obra do Barão de escolas primárias pelo
Barão de Gérando,
Gérando, intitulada “Curso normal para professores de pri- impresso por ordem
meiras letras ou direções relativas à educação physica, moral do Governo Provincial
do Rio de Janeiro para
e intellectual nas escolas primárias”8, editada na França, em uso dos professores”.
1832. Esse foi, sem dúvida, o primeiro, “manual didático- Nitheroy. Typographia
Nicteroy de M. G. de
pedagógico” publicado no Brasil9, voltado para instrumenta- S. Rego. Praça
Municipal. 1839. 386
lizar a formação de professores-modelo10. O discurso enfáti- p. e apêndice de leis
co do Barão de Gérando, quanto aos deveres do professor e gerais e provinciais.
dos alunos na Escola de Primeiras Letras, reforçava uma di-
9
mensão privilegiada de formação docente - ênfase nos con- No Aviso do Editor,
teúdos morais em detrimento dos conhecimentos a serem edição brasileira
consta que é esta obra a
transmitidos, o que confirma a intenção das autoridades bra- primeira deste gênero que
sileiras: “importava mais garantir a submissão do professor sai a lume na nossa
língua.
do que uma formação teórico-prática sólida para exercer a
profissão.” Da submissão do professor (mestre da moral) resul- 10
Sobre a obra do Barão
taria um aluno (futuro cidadão) dócil e disciplinado. A análise de Gérando, ver Bastos,
dessa obra permite avaliar a natureza prescritiva, moralizado- 1999 e Villela , 1999.
39

ra, normatizadora, disciplinadora, homogeneizadora e


harmonizadora do discurso pedagógico de dimensão conser-
vadora. Ou seja, esse discurso reflete uma continuidade e uma
regularidade. Isto é, o discurso da laicização da escola man-
tém o sentido prescritivo e regulador da escola religiosa, ao
qual se pretendia contrapor-se.
Em 1849, Couto Ferraz, presidente da província do Rio
de Janeiro, recomendava, para a formação de professores, a
utilização do método austríaco-holandês, que consistia em
formar na prática, ensinando alunos pobres que funciona-
vam como auxiliares do professor, até que pudessem reger
suas próprias classes. Esse movimento de formar o professor
na prática descuidava da sua formação teórica e enfatizava
sua formação moral e religiosa. Apareceu concomitantemente
ao fortalecimento do sistema de inspeção escolar, introduzi-
do na França em 1802. Assim, garantia-se a submissão dos
professores na própria atividade, pelo controle rígido que se
exercia sobre eles.
O aproveitamento dos professores no sistema público
de instrução dava-se por meio de exames, com a presença do
presidente da província e de três examinadores, escolhidos
dentre os membros das academias científicas ou dentre pes-
soas de notório saber. Os exames compreendiam as seguin-
tes matérias:
a leitura e análise gramatical de um discurso em prosa
e de outro em verso; a escrita de um discurso ditado; a
prática das quatro operações de aritmética sobre os
números inteiros, decimais e fracionais, e a solução
dos problemas que demandem o emprego das pro-
porções; a solução dos problemas gerais de geome-
tria; a solução dos problemas geográficos sobre o glo-
bo e a esfera, descrição da terra e situação respectiva
de suas diferentes partes, notícia política dos diferen-
tes estados, e a posição geográfica de cada um deles; a
exposição sucinta dos princípios da doutrina cristã,
tanto moral como dogmática do estado; finalmente, a
maneira de transmitir todas estas doutrinas pelo mé-
todo lancasteriano” (Villela, 1999, p. 162).

Essa relação de matérias configura o currículo desenvol-


11 vido e privilegiado pela escola normal na formação docente.
Sobre a Escola
Normal de São Paulo,
A partir da segunda metade do século XIX, ampliou-se
ver Monarcha, 1999. a oferta de escolas normais nas províncias11. Em 1860, havia
40

seis escolas normais em todo país. Em 1876, o governo im-


perial criou, no município da Corte, duas escolas normais
primárias, uma para o sexo masculino e outra para sexo femi-
nino. Em 1879, essa escola, que ainda não funcionava, tor-
nou-se mista por decreto, com idade mínima de 16 anos para
rapazes e 15 anos para moças. Em 1880, começou a funcio-
nar com 275 alunos – 173 femininos e 102 masculinos, de-
vendo ser escola-modelo para as demais escolas normais,
como o Colégio Pedro II era para o ensino secundário. É
interessante conhecer o currículo que formava os professo-
res de primeiras letras: primeira seção - português, francês,
instrução religiosa; segunda seção - matemática elementar e
escrituração mercantil; terceira seção - elementos de cosmo-
grafia, geografia e história universal, geografia e história do
Brasil; quarta seção - elementos de ciências físicas e naturais,
elementos de psicologia e higiene, princípios de lavoura e
horticultura; quinta seção - princípios de economia social e
doméstica, filosofia e princípios de direito natural e direito
público; sexta seção - pedagogia e prática do ensino primário,
pedagogia e prática do ensino intuitivo. Além dessas discipli-
nas, seriam ainda ministradas as disciplinas de música vocal,
caligrafia, desenho linear, ginástica, prática manual de ofícios
para os homens e trabalhos de agulha para as mulheres. Esse
currículo reflete as modernidades educacionais do período
histórico de laicização e universalização da escola, e circuns-
creve-se entre “as transformações sofridas pelos saberes cien-
tíficos ou eruditos em saberes a serem ensinados”, com ênfa-
se no método intuitivo12, na educação pelo olhar, isto é, na
chamada pedagogia realista em voga nos países industrializados.
Além da criação de escolas normais, outra série de ações
governamentais ou particulares ocorreu nesse período, tais
como conferências populares, conferências pedagógicas, ex-
posições pedagógicas e escolares, congresso de instrução pú-
blica, criação do Museu Escolar Nacional, de bibliotecas es-
colares etc. Todas essas iniciativas visavam a estimular o de-
12
bate sobre temas educacionais e pedagógicos, atualizar e Sobre o método
instrumentalizar o corpo docente nas suas práticas educa- intuitivo, ver
Schelbauer, 2003.
tivas.13 Apesar das iniciativas, a escola elementar e a escola
normal estenderam-se de forma limitada e irregular, expres- 13
Sobre alguns desses
sando a omissão do poder central no provimento dessas eventos, ver Bastos,
modalidades de ensino. 2002.
41

Para Xavier (1994, p. 106), o debate em torno da


obrigatoriedade do ensino elementar, permitiu a expansão do
ensino normal nas últimas décadas do Império, com vistas à
uniformização do ensino elementar e houve, ao menos, uma
em cada província. No entanto, a maioria delas apresentava
uma organização precária - falta de recursos e de pessoal qua-
lificado para o seu próprio funcionamento. Essa situação per-
durou até a segunda década do século XX, quando o curso
profissionalizou-se. A dificuldade de prover a formação de
professores pelo Estado fez com que a reforma de Leôncio
de Carvalho, em 1879, acentuasse a pseudo-profissionalização,
uma vez que facultava o exercício profissional do magistério
aos leigos, postulando a liberdade de ensino: “podem ensinar
todos aqueles que para isso se julgarem habilitados, sem de-
pendência de provas oficiais de capacidade ou prévia autori-
zação; e que a cada professor seja permitido expor livremen-
te suas idéias e ensinar doutrinas que repute verdadeiras pelo
método que melhor entender” (Brzezinski, 1996, p. 20).
Com a proclamação da República (1889), as escolas
normais multiplicaram-se rapidamente. O Pedagogium14, cria-
do pelo decreto n. 980, de 1890, como um “centro impulsor
das reformas e melhoramentos de que carece a instrução na-
cional, oferecendo aos professores públicos e particulares os
meios de instrução profissional de que possam carecer, a ex-
posição dos melhores métodos e do material de ensino mais
aperfeiçoado.” Isso seria alcançado com a
boa organização e exposição permanente de um
Museu pedagógico; conferências e cursos científicos
adequados ao fim da instituição; gabinetes e labora-
tórios de ciências físicas e naturais; concursos; expo-
sições escolares anuais; direção de uma escola pri-
mária modelo; instituição de uma classe-tipo de de-
senho e oficina de trabalhos manuais; organização
de coleções modelos para o ensino científico con-
creto nas escolas públicas; publicação de uma revista
14 pedagógica.
Sobre o Pedagogium, ver
Bastos, 2002,
especialmente o Com esses objetivos e organização, o Pedagogium consti-
capítulo VII
“Pedagogium: templo da
tuiu-se como um centro de aperfeiçoamento docente, pri-
modernidade meiro no gênero no Brasil, com uma escola-modelo, tipo uma
educacional
republicana brasileira
escola laboratório, na qual seriam observados o regulamento
(1890-1919)”. e o programa adotados para as escolas públicas primárias,
42

experimentando-se, entretanto, os processos, métodos, mo-


dos e formas de ensino novos.
O Pedagogium foi extinto em 1919. Mas a idéia não mor-
reu. Em 1937, foi criado o Instituto Nacional de Pedagogia
(lei n. 378, de 13 de janeiro de 1937) e instalado, no ano se-
guinte, com o nome de Instituto Nacional de Estudos Peda-
gógicos (Inep), vinculado ao Ministério de Educação e Saúde
Pública15. Capanema, na exposição de motivos, assim se ex-
pressa:
um aparelho central destinado a inquéritos, estudos,
pesquisas e demonstrações, sobre os problemas do
ensino, nos seus diferentes aspectos. É evidente a fal-
ta de um órgão dessa natureza, destinado a realizar
15
trabalhos originais nos vários setores do problema Lourenço Filho
educacional e, ao mesmo tempo, a recolher, sistemati- (1964), no artigo
zar e divulgar os trabalhos realizados pelas institui- Antecedentes e
primeiros tempos do
ções pedagógicas, públicas e particulares. Além disso, Inep, assinala que as
incumbir-se-á de promover o mais intenso intercâm- idéias relativas a essa
bio no terreno das investigações relativas à educação, matéria vinham de
com as demais nações em que este problema esteja longe, desde a
Constituinte do
sendo objeto de particular cuidado de parte dos po- Império. Essa
deres públicos ou das entidades privadas. percepção centra-se na
idéia de uma
instituição de
O Inep estabeleceu-se com as seguintes funções: orga- administração superior
nizar a documentação relativa à história e ao estado atual das da educação, o que
não corresponde à
doutrinas e técnicas pedagógicas; manter intercâmbio com finalidade do Inep, que
instituições do país e do estrangeiro; promover inquéritos e não tem qualquer
função administrativa.
pesquisas; prestar assistência técnica aos serviços estaduais,
municipais e particulares de educação, ministrando-lhes, me- 16
Gondra (1997)
diante consulta ou independentemente dela, esclarecimentos também vê pontos de
e soluções sobre problemas pedagógicos; divulgar trabalhos. contato entre o
Pedagogium e o Inep -
Assim, retomava as funções do Pedagogium - publicações, pes- “uma vez que ambos
quisas, estudos e aperfeiçoamento do magistério16. são institutos criados e
mantidos pelo
O período da Primeira República (1889-1930) caracte- governo federal, com
rizou-se pela passagem gradativa do sistema agrário-comer- a perspectiva de tratar
as questões
cial para o sistema urbano-industrial e pelo rompimento dos educacionais de forma
alicerces da sociedade estamental, que passou a estruturar-se especializada.
Igualmente, ambos
em uma sociedade de classes. Nesse contexto, a educação era possuem um periódico
vista como viga do progresso nacional17. próprio.”

O período caracterizou-se por um intenso entusiasmo pela 17


educação – multiplicação das instituições escolares - e por um Sobre educação e
sociedade na Primeira
otimismo pedagógico – crença de que determinadas formulações República, ver Nagle,
doutrinárias sobre a escolarização indicavam o caminho para 1974 e Carvalho, 1989.
43

a verdadeira formação do novo homem brasileiro (Nagle,


1974, p. 99-100). Esse período foi marcado por um eferves-
cente debate, pela criação da Associação Brasileira de Educa-
ção (1924)18 e pela realização das conferências nacionais de
educação. A intelectualidade formou um segmento específi-
co, com o aparecimento dos especialistas ou técnicos em as-
suntos educacionais. A educação, gradativamente, passou a
ser tratada por um grupo específico de profissionais, que pre-
tendia realizar transformações na sociedade brasileira, a par-
tir de uma visão científica do processo educativo.
Na Primeira Conferência Nacional de Educação, reali-
zada em Curitiba, em 1927, algumas teses foram discutidas: a
criação de escolas normais superiores; a unificação do magis-
tério primário nacional, isto é, o reconhecimento nacional da
validade dos diplomas conferidos pelas escolas normais; o
celibato pedagógico, pois havia leis estaduais que só permiti-
am o acesso ao magistério às professoras solteiras ou viúvas
sem filhos.
Em 1925, a Reforma Rocha Vaz instituiu a obrigatorie-
dade do diploma da Escola Normal para ingresso no magis-
tério elementar. Em 1949, havia aproximadamente 540 esco-
las normais. No entanto, ainda 40% do corpo docente que
atuava no ensino elementar não tinha sido formado em esco-
las normais.
A feminização do magistério primário é uma marca da
profissão docente19. Corrêa (1988) fala na “revolução das
normalistas” - em 1933, 85% do professorado primário era
de mulheres; em 1944, 90% e, em 1958, 93%.
A Lei Orgânica do Ensino Normal (1946), além das
escolas normais, instituiu as escolas regionais, para formação
de regentes, e os Institutos de Educação, para formação de
18 regentes e professores. Nesses últimos, havia cursos de espe-
Sobre a ABE, ver cialização de professores primários, chamados pós-normais,
Carvalho, 1999.
em educação pré-primária, em ensino primário complemen-
19 tar e supletivo, em desenho e música, em habilitação de admi-
Sobre a feminização
do magistério, ver nistradores escolares - diretores, inspetores, orientadores, es-
Campos e Silva, 2002. tatísticos e avaliadores.
20
A formação docente no Brasil, em nível superior, ocor-
Por exemplo, sobre o reu com a criação do curso de Pedagogia, na década de 1930,
Instituto de Educação
da USP, ver
para a formação de docentes para atuarem no ensino médio e
Evangelista, 2002. normal20. Brzezinski (1996, p. 18) diz que
44

os diplomas legais, que criaram a universidade brasi-


leira, previram a faculdade de filosofia, ciências e le-
tras e os institutos de educação como parte integrante
da universidade. As faculdades de educação, embora
criadas por lei desde 1931, vão-se instalar tardiamente,
somente com a reforma universitária de 1968. A es-
cola pioneira na elevação dos estudos pedagógicos
para o nível universitário foi a Escola de Professores
do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, que se
incorporou à Universidade do Distrito Federal (1935-
1938)21,

considerada a primeira escola formadora de professores pri-


mários em nível superior, em cursos de dois anos após o se-
cundário. O modelo dessa escola consistia em uma estrutura
verticalizada de formação de professores em uma única esco-
la. Os graus universitários correspondiam ao bacharelado e à
licenciatura em magistério, à especialização profissional, ao
mestrado e ao doutorado em educação.
A organização da Faculdade Nacional de Filosofia, da
Universidade do Brasil, pelo decreto-lei n. 1.190, de 4 de abril
de 1939, previa como uma de suas finalidades “preparar candi-
datos ao magistério do ensino secundário e normal”, com a
instalação das seguintes seções: Filosofia, Ciências (curso de
Matemática, Física, Química, História Natural, Geografia e
História, Ciências Sociais, Desenho na Escola Nacional de Be-
las Artes), Letras (curso de Letras Clássicas, Letras Neolatinas,
Letras Anglo-germânicas), Pedagogia, Didática. Esses cursos
conferiam o diploma de bacharel (três anos) e de licenciado
(mais um ano do curso de didática)22, modalidade que ficou
conhecida como “3+1”. O título de bacharel destinava-se a
“preparar trabalhadores intelectuais para o exercício de altas
atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica.”
O curso de Pedagogia, que formava o bacharel, com-
preendia três anos de estudo: 21
Primeira série: Complementos de Matemática, História Sobre a Universidade
de Educação, ver
da Filosofia, Sociologia, Fundamentos Biológicos da Educa- Mendonça, 2002.
ção, Psicologia Educacional;
Segunda série: Estatística Educacional, História da Edu- 22
Mesp/Universidade
cação, Fundamentos Sociológicos da Educação, Psicologia do Brasil. Faculdade
Educacional, Administração Escolar; Nacional de Filosofia.
Regimento Interno
Terceira série: História da Educação, Psicologia Educa- aprovado pelo
cional, Administração Escolar, Educação Comparada, Filo- Conselho
Universitário, em 30
sofia da Educação. de agosto de 1940.
45

O curso de Didática, de um ano, compreendia as disci-


plinas: Didática Geral, Didáticas Especiais, Psicologia Edu-
cacional, Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da
Educação, Fundamentos Sociológicos da Educação. O ba-
charel em Pedagogia só cursava as duas primeiras disciplinas
para obter o título de licenciado, pois as demais já compu-
nham o currículo de bacharelado.
Silva (1999, p. 34) assinala a vaga identificação do pro-
fissional da pedagogia criado por esse decreto, decorrente da
indefinição de seu campo de trabalho: funções de técnicos de
educação do Ministério da Educação ou professores de filo-
sofia, história e matemática nas escolas normais, conforme o
decreto-lei n. 8.530/46 - Lei Orgânica do Ensino Normal.
Para Brzezinski (1996, p. 43),
as práticas pedagógicas pragmáticas, tecnicistas e
sociologistas reduziram a pedagogia, no Brasil, a uma
área profissionalizante, descomprometida com a pro-
dução do conhecimento, isto é, descartou-se a ela-
boração da teoria para enfatizar a prática da experi-
ência, do treinamento, do domínio da técnica, do
domínio da metodologia, do engajamento prático na
organização coletiva. [...] O que houve foi o desen-
volvimento de estudos sobre a intervenção pedagó-
gica com ênfase à educação escolar, à educação for-
mal, à sala de aula; e generalizou-se a idéia da peda-
gogia como curso.

No modelo proposto de formação de professores do


ensino médio, os bacharéis em Ciências Sociais, Filosofia, Le-
tras, História Natural, Geografia e História, Física, Química,
Matemática e Pedagogia cursavam três anos de conteúdo espe-
cífico da área de saber e mais um para o curso de Didática.
A partir de 1945, período da “redemocratização do país”,
a questão da escola pública e a votação da primeira Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional (1961) tomaram conta
dos debates em torno da educação. O Manifesto dos Educa-
dores Mais Uma Vez Convocados (1959), a criação de várias
associações de professores primários - germes dos futuros sin-
dicatos de professores de hoje - marcaram a efervescência do
período. A pressão da sociedade para ampliar a oferta de ensi-
no superior desencadeou a criação de universidades e institu-
tos de ensino superior isolados – públicos e privados. Na déca-
da de 1960, instalar uma faculdade de filosofia era um empre-
46

endimento fácil. Enquanto as universidades brasileiras soma-


vam 31, as faculdades de filosofia eram 113.
Em 1962, o curso de Pedagogia sofreu reformulações
pelo parecer do Conselho Federal de Educação - CFE n. 251,
relatado pelo conselheiro Valmir Chagas, que fixou o currícu-
lo mínimo e a duração do curso. Nesse parecer, temos os
primeiros ensaios de formação superior do professor primá-
rio, enquanto a formação do “pedagogista” deslocar-se-ia para
a pós-graduação, em um esquema aberto aos bacharéis e li-
cenciados de qualquer procedência que se voltassem para o
campo da educação (Silva, 1999, p. 37). O curso de Pedago-
gia destinava-se à formação do “técnico em educação” ou
“especialista em educação” e do professor das disciplinas
pedagógicas do curso normal, por meio do bacharelado23 e
da licenciatura.
Com a reforma universitária de 1968, criaram-se as Fa-
culdades de Educação autônomas em relação às Faculdades
de Filosofia, Ciências e Letras, em que a pedagogia consti-
tuía-se em um departamento. A formação de professores pas-
sou a ser centrada nas Faculdades de Educação, com a fun-
ção de formar professores e especialistas em educação – li-
cenciatura plena, licenciatura curta, habilitação em adminis-
tração escolar, inspeção escolar, orientação educacional, su- 23
Para o bacharelado, o
pervisão escolar, educação especial, disciplinas pedagógicas currículo era fixado
para a escola normal. Criaram-se os cursos de pós-graduação em sete matérias,
sendo cinco
- lato e stricto sensu - para estimular a pesquisa, para formar obrigatórias
especialistas em altos estudos pedagógicos e para o magisté- (Psicologia da
Educação, Sociologia
rio do ensino superior. Geral e da Educação,
O curso de Pedagogia passou por nova reformulação, a História da Educação,
Filosofia da Educação,
partir do parecer n. 252/69 do Conselho Federal de Educa- Administração
Escolar) e duas
ção, que fixou os mínimos de conteúdo e a duração a serem opcionais (Biologia,
observados na organização do curso, os quais ficaram em vi- História da Filosofia,
Estatística, Métodos e
gor por quase trinta anos. Permaneceu o objetivo de formar Técnicas de Pesquisa
professores para o ensino normal e de especialistas para as Pedagógica, Cultura
Brasileira, Educação
atividades de orientação, administração, supervisão e inspe- Comparada, Higiene
ção no âmbito das escolas e dos sistemas escolares. Escolar, Currículos e
Programas, Técnicas
Audiovisuais de
A criação da Faculdade de Filosofia Educação, Teoria e
Prática da Escola
Imaculada Conceição - FIC Média, Introdução à
Orientação
É nesse contexto que se insere a criação e o funciona- Educacional.) (Silva,
mento, em Santa Maria, em 1955, da Faculdade de Filosofia, 1999, p. 37).
47

Ciências e Letras “Imaculada Conceição” - FIC. A trajetória


histórica dessa instituição remonta ao ano de 1835, quando
foi criada, em Heythuysen, Holanda, pela Madre Madalena
Daemen, a Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitên-
cia e Caridade Cristã. Essa congregação tinha por finalidade a
educação das crianças na localidade de Heythuysen, para que
não ficassem nas ruas. Poucos anos depois, a escola também
ministrava a formação de professores por meio da Escola
Normal.
Dentre as motivações para o estabelecimento dessa con-
gregação no Brasil, cabe destacar a imigração alemã para o
Rio Grande do Sul e a política do Estado alemão - kulturkampf
- que restringia as atividades religiosas católicas nas escolas.
Segundo Silva (1997, p. 20),
desde 1828, viviam grupos de colonos alemães no
estado sulino do Brasil. Em 1859, padres jesuítas es-
tabeleceram-se em São Leopoldo e assumiram a as-
sistência religiosa junto aos imigrantes. Um deles, o
padre Feldhaus, tendo conhecimento da Congrega-
ção das Irmãs Franciscanas, na Alemanha, dirigiu,
em 1868, uma solicitação à Superiora Geral, madre
Aloísia, pedindo algumas irmãs. No começo, basta-
riam duas que se dedicassem à educação da juventu-
de feminina.

A viagem das primeiras irmãs franciscanas para o Brasil


teve uma dimensão épica:
A 9 de fevereiro de 1872, 4ª feira de Cinzas, elas par-
tiram de Marseille, na França, no navio Poitou. A
viagem correu relativamente bem até o Rio de Janei-
ro, no Brasil, onde se fez baldeação para o navio
Calderon. No trajeto entre Rio e Porto Alegre, ou-
viu-se subitamente um horrível estrondo, acompa-
nhado de um abalo aterrador do Calderon. Quebra-
ra o leme, o navio flutuava à deriva. Faltava água
potável e a provisão de alimentos começava a escas-
sear. Um grande medo apoderou-se de todos. Arma-
va-se um temporal, podendo as ondas do mar tragar
o navio com tudo e com todos que nele estavam. O
temporal eclodiu e desenvolveu-se com crescente
fúria. Era iminente o perigo de naufrágio. A 19 de
março, dia dedicado a São José, as irmãs recorreram
à proteção do glorioso santo e prometeram consa-
grar-lhe a primeira casa em terra brasileira: “Para a
nossa glória, renome e tributo de amor e fé, nossa
48

casa terá vosso nome: Colégio São José”. O perigo


cessou. O temporal foi serenando. Apareceu um na-
vio argentino que arrastou o Calderon, de reboque,
de volta para o Rio de Janeiro. Lá, o navio Camões
recolheu os passageiros e completou a viagem, an-
corando em Porto Alegre no dia 31 de março (Silva,
1997, p. 20-21).

Logo em seguida a sua chegada a São Leopoldo, em 2


de abril de 1872, as irmãs deram início a sua missão de “edu-
car a juventude feminina”. No primeiro dia de aula, 5 de abril,
compareceram 23 alunas. Como não havia “sala disponível
na casinha, as aulas foram dadas ao ar livre, à sombra de uma
laranjeira. Mas os três velhos bancos escolares não suporta-
ram o peso das alunas e quebraram-se no primeiro dia” (Sil-
va, 1997, p. 21).
A partir da sua instalação em São Leopoldo, a tendên-
cia da Congregação foi de expansão, tornando-se, em 1928,
Província “Sagrado Coração de Jesus”. A vinda de grupos de
religiosas da Europa, até 1937, e a admissão de brasileiras na
congregação levou à fundação, em Santa Cruz do Sul, em
1874, de um noviciado. Em 1942, já existiam 42 casas da
Congregação no Brasil, “com 848 irmãs que se entregaram
aos mais diversos trabalhos para o bem da Igreja e da huma-
nidade” (Silva, 1997, p. 22). Foi em função dessa expansão
que, em 25 de março de 1951, a Congregação foi dividida em
duas províncias: a do “Sagrado Coração de Jesus”, com sede
em Porto Alegre, e a do “Imaculado Coração de Maria”, com
sede em Santa Maria.
Em Santa Maria, as irmãs franciscanas iniciaram as suas
atividades em 1903, concomitantemente à instalação do Hos-
pital de Caridade Astrogildo de Azevedo. Dois anos mais tar-
de, em março de 1905, foi criado o Colégio Sant’Anna. O
trabalho da Congregação também está registrado no Colégio
Santa Teresinha, pertencente à Cooperativa dos Ferroviários,
hoje Colégio Estadual Manoel Ribas, na Casa de Saúde, no
Educandário São Vicente de Paulo, na Escola Santo Antônio,
no serviço de assistência social e na cooperação à Diocese de
Santa Maria.
A partir de meados dos anos de 1950, aprofundaram-se
as discussões com vistas à constituição e instalação de insti-
tuições e de cursos superiores em Santa Maria. Esse trabalho
teve continuidade nos anos seguintes e culminou, em 1955,
49

com a instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras


“Imaculada Conceição” e com a autorização, pelo Conselho
Nacional de Educação, para funcionamento dos dois primei-
ros cursos: o de Pedagogia e o de Letras Anglo-Germânicas.
Esses cursos tinham uma direção clara, qual seja, “formar
candidatos ao magistério secundário e normal, promover e
facilitar a prática de investigações originais, contribuir para o
desenvolvimento de uma cultura intelectual informada pelos
princípios cristãos e pelas diretrizes pontifícias” (Silva, 1997,
p. 37). Logo a seguir, em 1957, entraram em funcionamento
24 os cursos de História, Geografia e Letras Neolatinas. Em 1958,
Ressalve-se que irmã
Consuelo e irmã
foram autorizados os cursos de Filosofia, Matemática e Di-
Felicidade não são dática. Funcionaram também o curso de Orientação Educa-
entendidas como as
protagonistas únicas
cional e os cursos Polivalentes de Letras e Estudos Sociais.
dessa história. Trata- No processo de criação da Faculdade de Filosofia, Ciên-
se, nesse caso, de ver o
personagem na
cias e Letras “Imaculada Conceição”, é imprescindível referir
perspectiva da história o trabalho de duas irmãs da Congregação: Carmem Silveira
social que, a partir de
1970-80, ofereceu à Netto, irmã Consuelo, e Maria Augusta Silveira Netto, irmã
biografia uma nova Felicidade. Ambas tiveram uma trajetória acadêmica relevan-
dimensão, no sentido
de que o “encontro da te e, efetivamente, foram responsáveis pela coordenação do
história com a trabalho de implantação da FIC. Rechia (apud Silva, 1997, p.
biografia significa o
imbricamento da 110), assim se refere à irmã Consuelo24:
sociedade e do
indivíduo. Dessa Falar sobre a professora Carmem Silveira Netto é
forma, a biografia
consolida-se no tempo um desafio, considerando a gigantesca bagagem de
e no real, é a conhecimentos, de cursos, viagens, atividades inú-
cronologia do real meras ligadas ao ensino, títulos pela dedicação
entrelaçada com o fio
da vida, ou seja, o
inconteste de mestra-educadora, membro do magis-
sujeito no espelho da tério secundário e superior, exemplo de dinamismo
sociedade. Esquecer e persistência, capacidade e inteligência, testemunhas
no estudo histórico a
presença do homem
de um trabalho constante em prol do desenvolvi-
como construtor - mento da educação santa-mariense.
sem desconhecer que
seu aporte o realiza a A concepção que devia nortear a atuação das Faculda-
partir das condições
concretas de seu des de Filosofia e, em conseqüência da FIC, foi claramente
tempo - é limitar o
campo histórico e em
expressa na aula inaugural proferida25 pelo irmão José Otão,
certa forma então reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran-
desnaturalizar
seu estudo”
de do Sul - PUCRS, em 27 de abril de 1955. A transcrição é
(Bastos, 1998, p. 5). longa, mas esclarecedora:
25 Apesar das mazelas assinaladas não padece dúvida
A íntegra dessa que cabe às Faculdades de Filosofia o preponderan-
conferência pode ser
encontrada no te papel de incrementar e difundir a cultura no senti-
capítulo 1º deste livro. do autêntico da palavra. Se às demais escolas superio-
50

res está reservada, entre nós, a tarefa de preparar pro-


fissionais para as chamadas profissões liberais, à Fa-
culdade de Filosofia, que invade os amplos setores
da Filosofia, da Pedagogia, das Ciências e das Letras,
cabe a formação cultural das elites. Podíamos, tal-
vez, afirmar que as escolas superiores em geral e as
técnico-profissionais são propulsoras da civilização,
pois dão ao homem os instrumentos de subjugação
e domínio do mundo material, dos seres corpóreos,
do nosso exterior; ao passo que as Faculdades de
Filosofia promovem a cultura, pois se ocupam prin-
cipalmente do homem, do espírito e do mundo inte-
rior. Para estar a verdadeira cultura alicerçada em
bases sólidas, é imprescindível, pois, que contenha
noções exatas sobre o que seja perfeição do homem,
quer na alma quer no corpo, os meios a empregar
para obtê-la e os obstáculos a evitar. Ora, é a religião
que nos fornece conceitos positivos sobre o que seja
a perfeição no homem e os meios de obtê-la. A ver-
dadeira cultura, a cultura integral, não pode, pois pres-
cindir da verdadeira religião. E é por este motivo que
as Faculdades Católicas de Filosofia incluíram, em
seu currículo, largo programa de formação religiosa.
Sim, contemplação operante, pois, da visão de Deus,
da compreensão da sua lei de bondade e de amor,
nasce a regulação da vontade e a ordenação dos atos
humanos, nasce a verdadeira orientação na vida, a
verdadeira cultura que então chamaremos sabedo-
ria, que a escola superior católica deve fornecer a
quantos a procuram. Nas escolas superiores leigas,
porém, onde em virtude da liberdade religiosa é si-
lenciado o nome de Deus, onde em nome da liber-
dade de pensamento são esposadas todas as idéias,
onde, por vezes, divergem os docentes doutrinaria-
mente, religiosa ou filosoficamente, desconcertando
os discentes, não há, não pode haver unidade de for-
mação, não há uma visão totalizada do universo, uma
weltanschaung verdadeiramente orientadora dos atos
da vida. A Faculdade de Filosofia é por si só uma
verdadeira universidade cultural (Silva, 1997, p. 43-
58).

Essa orientação, em princípio, divergia explicitamente


das propostas dos pioneiros da educação nova que, tanto no
Manifesto de 1932, quanto no Manifesto dos Educadores Mais
Uma Vez Convocados, de 1959, defendiam a laicidade, a
obrigatoriedade de o Estado assumir a função educadora, a
gratuidade do ensino e a co-educação. A posição do irmão
51

José Otão explicita a forte luta ideológica que opôs, de um


lado, os educadores renovadores ou progressistas e, de outro,
os católicos. Cabe destacar que essa discussão remonta à dé-
cada de 1920 e tinha como um dos principais palcos as con-
ferências nacionais de educação, promovidas pela Associa-
ção Brasileira de Educação - ABE.
Concomitantemente à implantação da FIC, foi criada a
Faculdade Nossa Senhora Medianeira - Facem, também
mantida pela Sociedade Caritativa e Literária São Francisco
de Assis - Zona Norte, que oferecia o curso de Enfermagem,
único de nível universitário no interior do Estado do Rio
Grande do Sul, na época.
Até 1995, a FIC e a Facem funcionaram isoladamente,
seguindo as políticas estabelecidas pela mantenedora. Em 14
de novembro de 1995, a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras “Imaculada Conceição” e a Faculdade de Enferma-
gem “Nossa Senhora Medianeira” foram unificadas e passa-
ram a se denominar Faculdades Franciscanas. Logo a seguir,
em 1998, por transformação das Faculdades Franciscanas,
constituiu-se o Centro Universitário Franciscano.
Em 2005, estão em funcionamento oito cursos vincula-
dos à formação de professores: Filosofia, Geografia, Histó-
ria, Letras: Português e Inglês e Respectivas Literaturas, Le-
tras: Português e Literaturas da Língua Portuguesa, Matemá-
tica, Pedagogia: Pedagogia: Magistério da Educação Infantil e
Pedagogia: Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Funda-
mental (regime regular e especial). Desde 1957, 7.685 alunos
concluíram os cursos de formação de professores mantidos
pela instituição (ver anexo 3).
Por sua trajetória, a instituição tem vínculos e compro-
missos históricos com os cursos de formação de professores.
Nesse sentido, atualmente tem-se procurado constituir e ga-
rantir espaços de articulação entre esses cursos, as demais esfe-
ras institucionais e os sistemas de ensino da Região Centro do
estado. Cabe destacar a experiência do Comitê das Licenciatu-
ras26, de duração efêmera entre dezembro de 1999 e dezembro
26 de 2001. Esse comitê tinha por objetivos básicos:
Veja o artigo “Comitê
das Licenciaturas do trabalhar pela consecução e implantação de políticas
Centro Universitário de graduação específicas para as licenciaturas; cons-
Franciscano de Santa
Maria: reflexão e tituir-se em fórum permanente de discussão de as-
memória” nesse livro. suntos pedagógicos vinculados às licenciaturas; pro-
52

por programas de financiamento ou fomento às ati-


vidades vinculadas aos cursos de licenciatura e pro-
por alternativas e novas formas de pensar o contex-
to no qual se inserem os cursos de licenciatura, os
seus problemas e as suas potencialidades.27

Em novembro de 2002, foi criado o Programa Integra-


do de Formação Inicial e Continuada de Professores para a
Educação Básica, que “busca” congregar os cursos de for-
mação de professores e articular uma integração mais inten-
siva da instituição com escolas estatais e privadas de Santa
Maria e região.
Desde 1997, os cursos de formação de professores en-
volveram-se nas discussões suscitadas pelas diretrizes
curriculares nacionais, propostas pelo Ministério da Educa-
ção. Essas discussões resultaram, em especial, na reestrutu-
ração curricular e na elaboração de projetos pedagógicos que
estabeleceram os princípios políticos, administrativos, peda-
gógicos e científicos que norteiam a gestão de cada curso.
Sobre as diretrizes curriculares nacionais para os cursos
de graduação, cabe destacar que elas marcam um momento
forte de reestruturação dos cursos de formação de professo-
res na Unifra. As diretrizes assumem uma posição em favor
da eliminação da “figura dos currículos mínimos”, que teria
produzido “excessiva rigidez” e “fixação detalhada de míni-
mos curriculares”, especialmente no que tange ao “excesso
de disciplinas obrigatórias” e ampliação desnecessária do tem-
po de duração dos cursos. No lugar dos currículos mínimos,
foi proposta uma maior flexibilidade na organização de cur-
sos e carreiras profissionais que inclui, dentre outros, os se-
guintes princípios: ampla liberdade na composição da carga
horária e unidades de estudos a serem ministradas, redução
da duração dos cursos, sólida formação geral, práticas e estu-
do independentes, reconhecimento de habilidades e compe-
tências adquiridas, articulação teoria-prática e avaliações peri-
ódicas com instrumentos variados.
Todo esse ideário da flexibilização curricular, assimila- 27
do pelos documentos das instâncias executivas responsáveis Relatório de trabalho
do Comitê das
pela formulação de políticas para a graduação no país, parece Licenciaturas: as
decorrer da compreensão de que estão ocorrendo mudanças licenciaturas no
Centro Universitário
no mundo do trabalho e, conseqüentemente, nos perfis pro- Franciscano -
fissionais, o que ocasiona a necessidade de ajustes curriculares subsídios iniciais para
discussão, 29 de junho
nos diferentes cursos de formação profissional. de 2001.
53

O ideário de flexibilização curricular presente na elabo-


ração das diretrizes curriculares para os cursos de graduação
está associado intimamente à reestruturação produtiva do
capitalismo global, particularmente à acumulação flexível e à
flexibilização do trabalho. Está associado, também, à idéia de
que só a formação de profissionais dinâmicos e adaptáveis às
rápidas mudanças no mundo do trabalho e às demandas do
mercado de trabalho poderá responder aos problemas de
emprego e de ocupação profissional.
Em termos gerais, as diretrizes curriculares propõem uma
mudança curricular no âmbito da qual devem prevalecer “es-
truturas flexíveis que facultem ao profissional a ser formado
opções de conhecimento e de atuação no mercado de traba-
lho” (diretrizes curriculares do curso de Letras) e são justificadas
em função da “dinâmica das transformações pelas quais o
mundo passa, com as novas tecnologias, com os novos recor-
tes de espaços e tempo, com a predominância do instantâneo e
do simultâneo, com as complexas interações entre as esferas
do local e do global afetando profundamente o quotidiano das
pessoas. Não se pode descuidar, portanto, deste momento his-
tórico em que se abrem perspectivas de flexibilização” (diretri-
zes curriculares do curso de Geografia).
A perspectiva da flexibilização está presente nas diretri-
zes de todos os cursos e é constituída enquanto a condição
sine qua nom para a inserção do sujeito no mundo do trabalho,
pois “é praticamente consenso que a formação deve se carac-
terizar pela flexibilização do currículo e que convém uma for-
mação ao mesmo tempo ampla e flexível que desenvolva ha-
bilidades e conhecimentos necessários às expectativas atuais
e capacidade de adequação a diferentes perspectivas de atua-
ção” (diretrizes curriculares do curso de Física).
Com isso, indiscutivelmente, as diretrizes curriculares
propõem um certo tipo de educação na medida que buscam
formar, assujeitar, fabricar os sujeitos, ou seja, quer-se levar
os sujeitos a proceder de uma certa maneira, incitá-los a fazer
algo, a pensar sobre si de determinada forma e a governar-se,
cuidar-se de si. Além disso, convém não esquecer que as dire-
trizes curriculares, enquanto política educacional, são políti-
cas públicas por excelência e constituem-se numa ação racio-
nal com fins objetivos e econômicos: cada um é responsável
pela sua empregabilidade.
54

Nesse contexto, as diretrizes curriculares buscam cons-


truir um outro sujeito educado; elas informam sobre a cons-
tituição do significado de “ser educado” na atualidade no Brasil
- que envolve as dimensões ser flexível, adaptável, maleável,
ter o desejo de educar-se, atualizar-se quotidianamente, ser
autodisciplinado, ser competente e hábil, ser motivado. No
fundo, elas pensam os cursos de graduação, os alunos, os pro-
fessores, os coordenadores, os dirigentes. Assim, as diretrizes
curriculares se constituem num campo de práticas culturais
que normalizam e que governam por meio de um entrecru-
zamento de discursos paralelos: o educativo, o econômico, o
político, o emprego. Além disso, e sobretudo, as diretrizes
curriculares são regras de conduta que têm por objetivo uma
certa transformação dos sujeitos, são técnicas de poder volta-
das para os indivíduos e destinadas a dirigi-los de modo con-
tínuo e permanente na medida em que buscam constituir um
modo de educação e de transformação dos indivíduos, pois
se trata não somente de adquirir certas aptidões, mas também
de adquirir certas atitudes e incorporar uma gama de valores
e disposições historicamente construídas a respeito de como
se deve ver e atuar sobre o mundo.

Horizontes
Pensar a formação de professores no Brasil, a partir da
história da constituição desse campo profissional, remete à
necessidade de projetar seu presente-futuro.
A interdependência planetária e a globalização são fe-
nômenos maiores do nosso tempo, que marcarão o século
XXI de maneira muito forte. Dentro desse quadro prospectivo
dominado pela mundialização, a tendência será a superação
das tensões entre o global e o local, entre a tradição e a
modernidade, entre o extraordinário desenvolvimento dos
conhecimentos e as capacidades de assimilação pelo homem,
entre o espiritual e o material, entre o longo e o curto prazo.
A análise dessas questões mais amplas e o delineamento de
algumas orientações – válidas tanto em nível nacional quanto
em escala mundial – são as metas que permitem pensar em
construir um futuro comum com a revalorização das dimen-
sões éticas e culturais, dando meios para cada um não só com-
preender o mundo dentro de sua marcha caótica na direção
de uma certa unidade (Bastos, 1999).
55

O conceito de “educação ao longo da vida” (Delors,


1996) aparece como uma das metas preconizadas quando se
trata de formação docente, respondendo ao desafio do mun-
do em mudança rápida, pelos princípios de flexibilidade, de
diversidade e de acessibilidade no tempo e no espaço. A for-
mação permanente, na perspectiva da construção contínua
da pessoa, do seu saber, de suas atitudes e, sobretudo, da fa-
culdade de julgamento e de ação, permite que a cada momen-
to se busquem os conhecimentos que estão a exigir de todos
nós uma educação voltada para uma grande capacidade de
autonomia e de julgamento, reforçando a responsabilidade
pessoal e profissional na realização do destino coletivo.
Os professores inscritos em uma situação social e cul-
tural definida, tendo uma história pessoal e social, articulam
elementos afetivos e sociais, em um processo de elaboração
de representações sociais, que integram cognição, linguagem
e comunicação às relações sociais. Esse processo de elabora-
ção das representações sociais afeta a realidade material, soci-
al e a própria formação de idéias (Jovchelovitch, 1994). Nessa
perspectiva, é importante pensar uma formação docente plu-
ral que ajude a processar a multiplicidade de desafios de uma
sociedade complexa e multicultural, para realizar uma prática
reflexiva e transformadora, compreendendo-se como sujeito
da história no/do cotidiano escolar/educacional. A forma-
ção não se constrói por acumulação, mas, sim, por um traba-
lho de reflexividade crítica sobre as práticas e de construção
permanente de uma identidade pessoal e profissional. Por isso
é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber
da experiência. Produzir a sua vida é também produzir a sua
profissão (Bastos, 2003).
Para finalizar, é importante lembrar as palavras de
Perrenoud (1997, p. 15) sobre a formação docente: “só é pos-
sível pensar a formação de professores pensando e repensan-
do constantemente, à luz das ciências humanas - de todas as
ciências humanas - as práticas pedagógicas e o funcionamen-
to dos estabelecimentos de ensino e dos sistemas educativos.”
56

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Anexo 1 - Alguns estudos sobre formação


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Anexo 2 - Alunos concluintes dos cursos


de formação de professores entre 1957 e 2004.
Curso

Matemática
Pedagogia

Geografia
Filosofia

Estudos
História

Letras28

Ano Sociais
1957 20 0 0 0 6 0 0
1958 15 0 0 0 15 0 0
1959 37 1 0 3 22 0 0
1960 12 9 0 16 31 0 0
1961 32 11 4 24 37 4 0
1962 18 2 3 10 22 2 0
1963 14 13 0 12 23 6 0
1964 14 16 7 16 36 6 0
1965 12 13 8 8 31 8 0
1966 15 19 23 9 32 6 0
1967 23 7 10 22 26 7 0
1968 31 30 0 0 8 0 0
1969 5 5 0 0 14 3 0
1970 0 29 0 0 35 0 0
28
Refere-se a diversas
1971 19 0 0 0 41 0 33
habilitações do curso 1972 19 2 0 0 70 0 27
de Letras: Letras 1973 48 0 0 0 100 0 36
Neolatinas, Letras
Anglo-Germânicas, 1974 65 0 0 26 104 7 36
Letras: Inglês, Letras: 1975 73 0 0 31 114 11 42
Francês, Letras:
Português. 1976 60 0 0 28 60 19 37
68

1977 63 0 0 28 60 23 44
1978 102 0 0 30 80 21 41
1979 68 0 0 0 55 43 50
1980 71 0 0 0 60 28 63
1981 77 0 0 0 70 25 58
1982 74 0 21 25 65 19 49
1983 69 0 22 39 57 36 63
1984 56 0 22 30 65 25 43
1985 73 23 20 27 85 24 74
1986 80 30 32 26 81 35 75
1987 3 15 20 26 68 41 18
1988 36 21 23 23 73 32 50
1989 107 22 30 12 73 29 44
1990 92 1 5 2 9 0 11
1991 6 15 20 17 64 10 43
1992 63 24 5 13 59 13 23
1993 49 19 9 13 106 7 0
1994 50 5 15 12 45 14 6
1995 28 6 7 9 32 18 3
1996 49 11 7 15 59 16 2
1997 69 12 8 8 80 14 0
1998 48 5 12 16 68 12 0
1999 45 15 10 16 47 12 0
2000 51 0 11 16 36 1 0
2001 38 13 9 14 40 12 0
29
2002 47 5 21 0 16 27 0 Incluem a conclusão
2003 23929 4 4 14 4 5 0 de cinco turmas
2004 159 21 11 10 23 12 0 relativas a convênio
com municípios da
Total 2.205 424 399 646 2.407 633 971 região para formação
de professores
Fonte: Derca. municipais.
70

O curso de Pedagogia e a formação de


professores noCentro Universitário
Franciscano de Santa Maria:
uma trajetória de 1955 a 2005
Ana Rosa Zurlo Delazzana1
Maria Joanete Martins da Silveira2
Rosane Bald3

Uma história contada por muitas vozes


A história do curso de Pedagogia do Centro Universitá-
rio Franciscano está ligada à fundação da Faculdade de Filo-
sofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição” - FIC, criada
em 19 de dezembro de 1953.
Para o funcionamento da Faculdade de Filosofia Ciên- 1
cias e Letras “Imaculada Conceição”, a Sociedade Caritativa Professora no Centro
Universitário
e Literária São Francisco de Assis reservou o edifício à Rua Franciscano de Santa
dos Andradas, n. 1658, “com salas espaçosas, mobiliadas e Maria, mestre em
Educação.
bem ventiladas e uma biblioteca com cerca de 6.000 volumes
e uma sala de leitura silenciosa”, segundo ofício do inspetor 2
Professora no Centro
federal Franklin de Oliveira, enviado ao dr. Jurandyr Lodi, Universitário
então diretor do Ensino Superior do Ministério da Educação. Franciscano de Santa
Maria, doutora em
Ainda, a mantenedora destinou um local apropriado, no refe- Educação.
rido prédio, para instalar o Laboratório de Psicologia Aplica-
da, para o curso de Pedagogia. 3
Professora no Centro
Nesse ofício é recomendada a autorização do funciona- Universitário
mento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Franciscano de Santa
Maria, mestre em
Conceição” por ser Santa Maria o centro geográfico do Rio Psicologia.
71

Grande do Sul, onde já existia uma Faculdade de Farmácia e


estava sendo projetada uma Faculdade de Medicina.
O mesmo ofício salienta que “Santa Maria é a cidade do
Rio Grande do Sul que possui maior número de estabeleci-
mentos de ensino e uma população escolar surpreendente e
que são numerosos os alunos que anualmente deslocam-se a
Porto Alegre e outras localidades a fim de continuar os estu-
dos superiores, acarretando graves prejuízos sob o ponto de
vista econômico e moral” e, ainda, segue expondo “que este
ensino torna-se cada vez mais premente face à falta de pro-
fessores de nível médio tão crucial em nosso Estado”.
A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada
Conceição” foi autorizada a funcionar em 31 de março de
1955, pelo decreto n. 9.613, assinado pelo então presidente
João Café Filho, com os cursos de Pedagogia e Letras Anglo-
Germânicas.
Em 12 de abril de 1955, foi publicado no jornal “A Ra-
zão” o edital do concurso de habilitação para os cursos de
Letras Anglo-Germânicas e de Pedagogia e, em 13 de abril
do mesmo ano, no “Diário do Estado”.
Foram inscritos, no concurso de habilitação em Peda-
gogia, 29 candidatos para 40 vagas. Dos 29 candidatos inscri-
tos para o concurso de habilitação, 28 foram aprovados.
O concurso de habilitação foi feito com provas escritas
e orais das seguintes disciplinas: História Geral, Psicologia,
Lógica e Francês, realizadas de 20 a 23 de abril de 1955, sen-
do a prova escrita realizada às 14 horas e a prova oral às 16
horas. O tema da redação do 1o concurso de habilitação foi
“Uma missão que é minha“.
As bancas examinadoras foram constituídas pelas se-
guintes professoras: História Geral: Artheniza Schöns Ribei-
ro Weinmann, Zilah Almeida Cercal e Maria Barnewitz; Psi-
cologia e Lógica: Zola Oliveira Rocha, Elisabeth Maria Ley e
padre Leônidas Maximiliano Didonet; Francês: Carmen
Silveira Netto, Guiomar Reis Loureiro, Thecla Leopoldina
Rambo.
Segundo depoimentos de Alaídes da Silva Araújo, irmã
Maria Benizetta e Alaydes Marcuzzo do Canto Michelotti,
alunas da primeira turma do curso de Pedagogia, “era uma
oportunidade excepcional cursar Pedagogia na cidade. Na
ocasião, só existia o curso na cidade de Porto Alegre”.
72

Segundo Alaídes da Silva Araújo, “Eu estava superfeliz,


achando que íamos nos realizar. Era inédito na cidade. Fiz
vestibular na PUC, em Porto Alegre e em Santa Maria, na
FIC”.
De acordo com Alaydes Michelotti “havia expectativa
de auto-educação, de me realizar”. Ainda, as três afirmaram
que “foi muito importante o curso no interior. Uma abertura
que não se conhecia. Foi uma luta das irmãs Consuelo, Felici-
dade e Maria Evódia, irmãs que ajudaram na aprovação do
curso. Nesse aspecto, também, destaca-se o deputado Tarso
Dutra por seu trabalho no Ministério de Educação para o
reconhecimento do curso”.
Nessa época, o professor “era mais valorizado, no sen-
tido ético”. Segundo as ex-alunas, “professor não era só o
que passava conteúdo, mas era formador de atitudes [...] ha-
via o cuidado que todos tinham de se preparar para atender à
missão de professor”.
Nas palavras de Edy Binotto, “professor ganhava mui-
to bem, as professoras eram disputadíssimas. A gente era muito
considerada na família e as pessoas procuravam para orienta-
ção. O professor era bem remunerado e muito conceituado
na época. Havia a proposta de que o professor devia ganhar
10 salários mínimos”.
Anastácia Muza Naime completou que “os políticos
prestigiavam os professores, salientando a sua importância
para o benefício do país. Com o tempo, isso modificou”.
Pelos depoimentos das antigas alunas, percebe-se o pres-
tígio que o professor tinha na sociedade e a repercussão que
o curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras “Imaculada Conceição” teve na época em Santa Ma-
ria. Segundo Edy Binotto, passar no vestibular era “entrar no
céu. Esperava-se tudo. Imagina! Nós... Na faculdade!”.
A aula inaugural da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras realizou-se no dia 27 de abril de 1955, proferida pelo
prof. irmão José Otão, no Centro Cultural da cidade, atual
Teatro Treze de Maio, às 20h30min, com a presença dos alu-
nos dos cursos de Letras e Pedagogia, autoridades e comuni-
dade em geral.
O currículo do curso de Pedagogia, quando de sua cria-
ção, tinha a duração de três anos, regime anual, por série.
73

Quadro 1 - Currículo do curso de Pedagogia de 1956.


1 série
a
Complementos de Matemática
História da Filosofia
Sociologia
Fundamentos Biológicos da Educação
Psicologia Educacional
Introdução à Teologia
2 série
a
Estatística Educacional
História da Educação
Fundamentos Sociológicos da Educação
Psicologia Escolar
Teologia Dogmática
3ª série História da Educação
Psicologia Educacional
Administração Escolar
Educação Comparada
Teologia Moral
Filosofia da Educação
4ª série Didática Geral
Curso de Didática Didática Especial da Pedagogia
Doutrina Social da Igreja

O currículo era centrado em generalidades, sem con-


teúdos que lhe servissem de fundamentação; os alunos não
chegavam a ser preparados para serem professores. Confor-
me Brzezinski (1996, p. 44), “nos períodos iniciais, o curso de
Pedagogia perseguia um específico inexistente - a teoria da
educação - e o seu aprofundamento teórico constituía-se de
generalidades sobre ciências auxiliares da Pedagogia”.
Esse currículo correspondia ao esquema “3+1”, que
iniciou em 1939, como padrão federal dos cursos de forma-
ção de professores, em que o aluno, em três anos, obtinha o
título de bacharel e, após mais um ano do curso de Didática,
era habilitado a lecionar.
Máximo Trevisan e Nanci Rocha Angelo lembraram
que os alunos recebiam registro para lecionar Filosofia, Socio-
logia, História e Matemática no Primário e Ginásio, atual
Ensino Fundamental.
Segundo Chagas (1976, p. 60), “a saída que se encontrou,
com vistas a dotar o licenciado em Pedagogia de um mercado
de trabalho e dele fazer também um professor de conteúdo,
consistiu em conceder-lhe gratuitamente o direito de lecionar
74

duas disciplinas escolhidas mais ou menos ao acaso - História e


Matemática, para as quais não estava habilitado”.
Os professores que atuaram no ano de 1956 foram:
- Complementos de Matemática: Maria Augusta Silveira
Neto;
- Fundamentos Biológicos de Educação: José Francis-
co Pinto de Moraes;
- Psicologia Educacional: José Busato;
- Estatística Educacional: Victor Schuch;
- História, Filosofia da Educação e Administração Es-
colar e Comparada: Elisabeth Ley;
- Introdução à Teologia e Teologia Dogmática:
Frederico Didonet.
É importante frisar que este currículo do curso de Pe-
dagogia permaneceu até 1961. Nesse período não havia pre-
visão, no currículo, de atividades de estágio, pois, segundo
Edy Binotto, “nos colégios falavam que era botar gente
inexperiente na sala de aula”. Segundo ela, as ações de ativi-
dades de estágios fizeram parte das disciplinas sob a sua co-
ordenação e responsabilidade, enquanto professora da insti-
tuição, e também com a profª Maria Barnewitz. Somente com
o parecer n. 292/62, do Conselho Federal de Educação, foi
instituída a prática de ensino sob a forma de estágio supervi-
sionado, no qual os alunos vivenciariam a docência.
Segundo a ex-aluna Nanci Rocha Angelo, a primeira for-
matura teve como paraninfo o deputado Tarso Dutra e como
oradora Dilma da Luz Pereira. Havia duas formaturas, uma do
bacharelado, no 3o ano, e outra, no 4o ano, da licenciatura.
As aulas, segundo Máximo Trevisan e Edy Binotto,
“eram expositivas, muito tradicionais”. Salientaram ainda que,
durante o curso, havia trabalhos assistenciais que hoje pode-
riam caracterizar-se como pesquisa e extensão.
Havia atividades extensionistas de caráter assistencialista,
realizadas no Presídio Municipal e Vila Matadouro, atual Sal-
gado Filho, nas quais “aprenderam muito com assistência”,
segundo Edy Binotto.
A irmã Maria Beniceta e Nanci Rocha Angelo lembra-
ram as dificuldades encontradas para conseguir material para
pesquisa, pois, de acordo com elas, havia poucos livros e ma-
terial didático na biblioteca, que funcionava, nessa época, no
Colégio Franciscano Sant’Anna, e que a mesma era chaveada,
pois só era permitida a ida à biblioteca com autorização.
75

A irmã Maria Beniceta afirmou: “éramos exigentes com


os professores”, mas salienta que havia um respeito pelo pro-
fessor, havia uma relação de amizade, de compreensão e cari-
nho: “o professor era visto como alguém que ia passar algum
conteúdo para os alunos”. Houve um professor visitante de
Sociologia, que, segundo Nanci Rocha Angelo, fez um estu-
do de campo sobre ecologia, com visitas ao atual bairro
Patronato, na época zona rural de Santa Maria, analisando o
ambiente de trabalho.
A Escola Normal Regional foi criada pelas irmãs Evódia,
Inácia e Antonia, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
“Imaculada Conceição” e localizava-se na esquina das ruas
Andradas com Serafim Valandro.
No regimento interno da instituição, o sistema avaliativo
era por meio de exames e promoções:
A verificação da habilitação em qualquer série dos
cursos da Faculdade, seja para a expedição de certifi-
cados e diplomas seja para promoção às séries se-
guintes, será feita pelas notas obtidas em provas par-
ciais, prova final, e em prática, argüições e outros
exercícios escolares realizados durante o ano (capí-
tulo 5º, art. 70).

As provas parciais (sabatinas) eram escritas e consta-


vam de uma dissertação sobre o ponto sorteado no momen-
to e, ainda, do desenvolvimento de testes e questões relativas
ao mesmo. As provas finais eram orais ou práticas e o aluno
devia se inscrever e pagar uma taxa de exame.
A segunda seleção do vestibular para o curso de Peda-
gogia, em dezembro de 1955, contou com 45 inscritos. Vale
memorar alguns ex-alunos dessa época: Amélia dos Santos
de Mello, Celeste Agostini Sozza, Edy Lourdes Binotto, Ida
Guarani Santos Cassales, Irahy Vasconcelos Costa, Zizelda
Machado, Luiz Bernardi, João Aloysio Unfried, Erminda Mi-
ragem, entre outros.
O tema da redação deste concurso foi “Eu no ama-
nhã”. Como se observa, os temas para redação já exigiam
uma reflexão em relação ao futuro pessoal e profissional.
O terceiro vestibular data de 1957. Conforme edital de
28/12/56, o período de inscrições foi de 2 a 20 de janeiro de
1957, com 40 vagas disponibilizadas para o curso de Pedago-
gia. Inscreveram-se 52 candidatos.
76

A prova de redação teve opção de escolha: “Sê alma de


luz para os que te cercam” ou “A escola: foco de onde se
irradia a luz da ciência”. Da mesma forma os temas tinham
relação com a subjetividade e com a formação e autoformação
do educador.
Entre os alunos aprovados citam-se: Alaydes Marcuzzo
do Canto, Helena Camargo D’Ornellas, Maria Piccini, Zaira
de Jesus Teixeira, Zizelda Machado, Nelso Elias Bordin.
Em 1957, conforme termos de visita, as aulas eram
observadas pelo Inspetor Federal Antonio de Andrade Ribas
e, posteriormente, por Danilo Krebs. Também eram presidi-
dos pelo inspetor federal os exames escritos e orais.
No ano de 1958, o concurso de habilitação foi realiza-
do de 20 a 28 de fevereiro. Inscreveram-se 17 candidatos para
40 vagas, matriculando-se 13 para o curso de Pedagogia. En-
tre eles: Carmem Militz, Nely Ribeiro, Norma Ione Teixeira,
Suzete Pereira Gonçalves, Zila Blanco Pinto e Silvia Faerman.
Como havia vagas para o curso, em 24 de fevereiro foi
aberto um edital para segunda chamada, sendo disponi-
bilizadas 20 vagas para cada curso, em que inscreveram dois
candidatos, aprovados.
Nos dois concursos de habilitação foram aprovados 18
candidatos, mas efetivaram a matrícula apenas 13. De 9 a 12 de
maio de 1958, realizou-se um novo vestibular, para o qual se
inscreveram 25 para o curso de Didática de Pedagogia.
No concurso vestibular de 1959, inscreveram-se 18
alunos para o curso de Pedagogia, para a primeira chamada, e
7, para a segunda chamada, sendo aprovados 18. O título sor-
teado para a redação foi “Pensando nos outros”.
Na ata n. 14, do Conselho Técnico-Administrativo
(CTA), de 4/05/59, foi citada a chegada de Dinah de Freitas
Só, inspetora federal da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, autorizada a inspecionar a Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição” que soli-
citou reconhecimento de cursos, entre os quais Didática.
Na ata de 14 de outubro de 1959, do Conselho Técni-
co-Administrativo, sob a presidência da irmã Maria Consuelo,
consta que foram tratados os seguintes assuntos, ligados aos
currículos dos cursos:
a) substituir a cadeira de Doutrina Social da Igreja, do
curso de Didática, pela de Didática da Religião;
77

b) introduzir a cadeira de Introdução à Filosofia em to-


dos os cursos da Faculdade.
Na ata de 29 de outubro de 1959, do Conselho Técnico
Administrativo, cita-se a criação do curso de Orientação Edu-
cacional, com a coordenação de Leônidas Didonet.
Na reunião do CTA, de 30 de outubro de 1959, foi su-
gerido pelo prof. Mário Alves Rodrigues que os acadêmicos
do curso de Didática deveriam organizar um curso prepara-
tório para vestibulares de ação social, inteiramente grátis, para
o treinamento da tarefa de magistério, no que foi aplaudido
pelos presentes.
Em 1960, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
“Imaculada Conceição” ainda continuava localizada à rua
Andradas, n. 1614. No primeiro piso, achavam-se a secreta-
ria, sala do diretor, sala dos professores, tesouraria e cinco
salas de aula. No segundo piso existiam oito salas de aula e o
gabinete psicotécnico. No terceiro piso havia 8 salas de aula,
uma sala do centro acadêmico e uma sala reservada para o
laboratório de Física. No quarto piso, havia um auditório com
capacidade para oitocentas pessoas e um pequeno dormitó-
rio destinado ao pessoal administrativo.
O Clube de Inglês e a Biblioteca continuavam funcio-
nando no Colégio Sant’Anna.
Para o concurso de habilitação, em 1960, inscreveram-
se 23 candidatos, mas só foram aprovados 17. O tema da
redação foi: “A criança e as flores”.
Inscreveram-se, no ano de 1961, ao concurso de habili-
tação em primeira chamada, 21 candidatos e apenas 7 tiveram
despacho favorável. Em segunda chamada, inscreveram-se 11
e 9 receberam despacho favorável para realizarem as provas.
As provas eram escritas e orais: Psicologia, Lógica, História
Geral, Francês e Português. O tema sorteado para a redação
foi “Flores em botão”. O total de alunos aprovados foi 16.
No ano de 1962, inscreveram-se no concurso de habili-
tação 25 candidatos, em primeira chamada, em que apenas 5
tiveram despacho favorável para realizar o vestibular. Em se-
gunda chamada, inscreveram-se 13 e 7 tiveram despacho fa-
vorável. O total de aprovados, em 1962, foi de 12.
O currículo do curso de Pedagogia, nos anos de 1959 a
1962, constava das seguintes disciplinas:
78

Quadro 2 - Currículo do curso de Pedagogia dos anos


de 1959 a 1962.
1a série Complementos de Matemática
História da Filosofia
Sociologia
Fundamentos de Biologia da Educação
Introdução à Teologia
Psicologia da Educação
Introdução à Filosofia
2 série
a
Estatística Educacional
História da Educação
Fundamentos de Sociologia da Educação
Teologia Dogmática
Psicologia Educacional
Administração Escolar
3ª série Filosofia da Educação
Psicologia Educacional
Administração Escolar
História da Educação
Educação Comparada
Teologia Moral
4ª série Didática Geral
Curso de Didática Didática Especial de Pedagogia
Didática da Religião

Uma nova fase: a dualidade bacharelado-licenciatura


Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, surge uma nova
regulamentação para o curso de Pedagogia, que previa a for-
mação do professor primário em nível superior, fixa o currí-
culo mínimo, cujas disciplinas constituem o bacharelado (Psi-
cologia da Educação, Sociologia Geral e da Educação, Histó-
ria da Educação, Filosofia da Educação e Administração Es-
colar). A licenciatura é organizada a partir do parecer n. 251/
62 do Conselho Federal de Educação, sobre a formação pe-
dagógica, caracterizando a dualidade da Pedagogia diante do
bacharelado e da licenciatura, pois o bacharelado formava o
técnico e a licenciatura, o professor para a Escola Normal, o
que veio acentuar a indefinição do curso, visto que afastava
cada vez mais o objetivo de formar professores para as séries
iniciais.
79

A partir de 1962, fixou-se um currículo mínimo para os


cursos de bacharelado em Pedagogia, constituído de sete
matérias: Psicologia da Educação, Sociologia Geral e da Edu-
cação, História da Educação, Filosofia da Educação, Admi-
nistração Escolar e mais duas matérias a serem escolhidas
pelas IES, definindo então a parte especial ou diversificada
do currículo. Para a licenciatura, o parecer n. 292/62 legislava
sobre a formação pedagógica. As disciplinas obrigatórias para
todas as licenciaturas eram: Psicologia da Adolescência e da
Aprendizagem, Elementos de Administração Escolar, Didá-
tica e Prática de Ensino, que deveria ser ministrada em forma
de estágio supervisionado, a ser realizado em escolas da co-
munidade (Brzezinski, 1996).
Também este parecer procurou superar a dicotomia
entre conteúdo e método. Foi abolido o esquema três mais
um, eliminando-se o curso de Didática do quarto ano, que
separava o “como ensinar” do “que ensinar” (Chagas, 1976,
p. 62), e a licenciatura foi separada do bacharelado.
Devido às legislações acima citadas, em 1962, o currí-
culo do curso de Pedagogia passou a ser o seguinte:
Quadro 3 - Currículo do curso de Pedagogia de 1963.
1º ano Cultura Religiosa
História da Filosofia
Psicologia da Educação
Fundamentos Biológicos da Educação
Sociologia Geral
2º ano Cultura Religiosa
História da Educação
Sociologia da Educação
Psicologia da Educação
3º ano Cultura Religiosa
História da Educação
Filosofia da Educação
Administração Escolar
Psicologia da Educação
Didática Geral
4º ano Didática da Pedagogia
Cultura Religiosa
Prática de Ensino
Orientação Educacional
80

Este currículo, embora bastante genérico, evidenciava a


formação de um professor para o ensino normal. Em reu-
nião do CTA, em novembro de 1963, este currículo foi apro-
vado pelos professores.
A Faculdade de Filosofia Ciências e Letras “Imaculada
Conceição”, atendendo às determinações do parecer n. 292/
62, do Conselho Federal de Educação, determinou que os alu-
nos realizassem a Prática de Ensino, sob forma de Estágio Su-
pervisionado, nas matérias objeto de habilitação profissional.
A prática de ensino abrangia:
a) relatório do estágio;
b) freqüência obrigatória às reuniões com o professor
de Didática Especial, que as realizava, no mínimo,
duas vezes por semana;
c) aulas modelo, ministradas pelo professor de Didáti-
ca Especial e alunos-mestres.
O estágio realizava-se nos diferentes colégios de ensino
médio de Santa Maria, desde que os diretores permitissem.
Em 1964, o currículo de Pedagogia sofreu alteração
no quarto ano, passando a ter as seguintes disciplinas:
- Didática Geral e Especial;
- Pesquisas Pedagógicas;
- Prática de Ensino;
- Didática da Religião.
Este currículo permaneceu até o ano de 1966.
Na primeira chamada de 1963, inscreveram-se no con-
curso de habilitação 25 candidatos, tendo inscrição favorável
24. Como houve sobras de vagas, foi feita segunda chamada,
inscrevendo-se 3, todos selecionados. No total, foram apro-
vados 27.
No ano de 1964, inscreveram-se para o concurso de
habilitação 37 candidatos, tendo despacho favorável 34, sen-
do aprovado o mesmo número.
Os professores que atuaram no curso no ano de 1964,
destacaram-se pela sua competência e compromisso em formar
cidadãos para uma sociedade em desenvolvimento. São eles:
- História da Filosofia: Olindo Antônio Toaldo;
- Sociologia: Rômulo Zanchi;
- Biologia Educacional: Thereza Grazioli;
- Psicologia da Educação: João Tomasi e Domingo Uliana;
- Estatística Educacional: Maria Wardereza Schmidt e
Vitor Francisco Schuch;
81

- História da Educação: Oscar Mombach;


- Sociologia da Educação: Bernardino Giuliani e Joana Stefani;
- Administração Escolar: Vitor Francisco Schuch;
- Filosofia da Educação: Leônidas Maximiliano Didonet;
- Didática e Prática de Ensino: Edy Lourdes Binotto;
- Pesquisas Pedagógicas: Dinarte Marshall;
- Orientação Educacional: Eloy Maria Fardo.
Também, em 1964, foram realizadas pesquisas no 4o
ano, na disciplina de Administração Escolar, com o prof. Vitor
Francisco Schuch, sobre “Estrutura das escolas de ensino
médio em Santa Maria”, e na disciplina de Métodos e Técni-
cas Pedagógicas, com o prof. Dinarte Iovari Marshall, com o
título “Associação de pais e mestres”. Naquela época já havia
uma preocupação dos professores em realizar pesquisas com
o propósito de relacionar teoria e prática.
O edital do concurso de habilitação, em 1965, não abriu
vagas para o curso de Pedagogia.
No dia 16 de junho de 1965, foi publicada a portaria
ministerial n. 159, que determinava que os alunos dos cursos
superiores matricular-se-iam em cadeiras e não mais por sé-
rie, e que os cursos de licenciatura teriam a duração de quatro
anos. Por essa razão, na reunião do CTA, de 25 de agosto de
1965, essa determinação entrou em vigor, para os alunos que
iniciariam o curso em 1966.
Na mesma reunião ficou decidido que o curso de For-
mação de Orientadores Educacionais, que funcionava desde
1959, não admitiria alunos para o primeiro ano em 1966, pois
o novo sistema do curso de Pedagogia previa, no 3o ano, um
ciclo de habilitação específica para Orientação Educacional.
Nesse mesmo ano (1965), foram comemorados os dez
anos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada
Conceição” com missa e coquetel, convocação dos ex-alunos
e formatura dos alunos do curso de Orientação Educacional.
Já em 1966, no concurso de habilitação, inscreveram-se
23 candidatos, em primeira chamada, para o curso de Pedago-
gia, e 12, em segunda chamada. Foram matriculados 23 alunos.
No ano de 1967, a Faculdade de Filosofia abriu exten-
são em Santa Cruz do Sul, inscrevendo-se 40 candidatos, sendo
matriculados 37 alunos.
Em 1967, o currículo de Pedagogia sofreu alterações,
passando a ser constituído das seguintes disciplinas:
82

Quadro 4 - Currículo do curso de Pedagogia de 1967.


1ª série Cultura Religiosa
Psicologia da Educação
Sociologia Geral
Biologia Educacional
História da Filosofia
2a série Cultura Religiosa
Psicologia da Educação
Sociologia da Educação
História da Educação
História da Filosofia
Estatística
Técnicas Didáticas Modernas
Didática Geral
3ª série Cultura Religiosa
Psicologia da Educação
História da Educação
Administração Escolar
Orientação Educacional
Didática Especial
4ª série Cultura Religiosa
Administração Escolar
Técnicas Didáticas Modernas
Prática de Ensino

No concurso de habilitação do ano de 1968, inscreve-


ram-se 27 candidatos em primeira chamada e mais 22 em
segunda chamada. Foram matriculados 48 alunos em Santa
Maria e na extensão de Santa Cruz do Sul.
Foi acrescentada no currículo do curso de Pedagogia,
no ano de 1968, na segunda e quarta séries, a disciplina de
Língua Portuguesa.
Em 28 de novembro de 1968 foi promulgada a lei n.
5.540, que fixava normas de organização e funcionamento
do ensino superior e sua articulação com a escola média. Esta
lei provocou profundas alterações no sistema universitário
brasileiro.
Uma nova composição curricular permitiu a matrícula
por disciplina, instituindo-se o sistema de créditos. Houve a
divisão dos cursos em departamentos, e iniciaram-se os pro-
gramas de pós-graduação com o objetivo de incentivar a edu-
cação continuada para os professores.
83

O artigo 30 dessa lei cita que


a formação de professores para o ensino de segun-
do grau, de disciplinas gerais ou técnicas, bem como
o preparo de especialistas destinados ao trabalho
de planejamento, supervisão, administração, inspe-
ção e orientação no âmbito de escolas e sistemas
escolares, far-se-á em nível superior. (Carvalho,
1969, p. 80)

Isso possibilitou que os currículos dos cursos de Peda-


gogia pudessem ser estruturados com habilitações específi-
cas, tendo uma parte comum e outra diversificada, em função
da habilitação escolhida.
Em 1969, por um decreto-lei, foi instituída nos cursos
superiores a disciplina de Estudos de Problemas Brasileiros -
EPB, devido à necessidade de estudantes do ensino superior
tomarem conhecimento dos problemas existentes no país,
enfatizado pelo governo militar.
Em 9 de maio de 1969, o Conselho Federal de Educa-
ção, pela resolução n. 2, determinou que a formação de pro-
fessores para o ensino normal e de especialistas para as ativi-
dades de orientação, administração, supervisão e inspeção,
no âmbito das escolas e dos sistemas escolares, seria feita no
curso de graduação em Pedagogia, do que resultaria o grau
de licenciado, com modalidades diferentes de habilitação.
O currículo mínimo de Pedagogia compreendia uma
parte comum a todas as modalidades de habilitação e outra
diversificada em função de cada habilitação específica. A par-
te comum abrangia as seguintes disciplinas: Sociologia Geral,
Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, História da
Educação, Filosofia da Educação e Didática.
O curso de Pedagogia devia ter 2.200 horas de ativida-
des e ser ministrado, no mínimo, em 3 anos e, no máximo, em
sete anos letivos.
Dessa forma ficou assim constituído:
84

Quadro 5 - Currículo do ciclo básico para todas as habilita-


ções específicas do curso de Pedagogia em 1969.
Ciclo Básico – 1.500 horas-aula
Semestre Disciplina CH
1º Sociologia Geral 45
Psicologia Geral 60
Biologia Educacional 60
Introdução à Filosofia 30
Métodos e Técnicas de Pesquisa 60
Língua Portuguesa 60
Língua Estrangeira 60
2º Sociologia Geral 45
Psicologia Geral 60
Biologia Educacional 60
Introdução à Filosofia 30
Métodos e Técnicas de Pesquisa 45
Língua Portuguesa 60
Língua Estrangeira 60
3º Sociologia Educacional 60
Psicologia da Educação 60
História da Educação 60
Filosofia da Educação 60
Didática 30
Elementos de Administração Escolar 60
Cultura Religiosa 45
4º Sociologia Educacional 60
Psicologia da Educação 60
História da Educação 60
Filosofia da Educação 60
Didática 30
Introdução à Orientação Escolar 30
Cultura Religiosa 45

Habilitação específica: Ensino Normal


Período Disciplina CH
5º Estrutura e Func. do Ensino de 1o Grau 60
Metodologia do Ensino de 1o Grau 60
Prática de Ensino Escolar de 1o Grau 60
Psicologia da Aprendizagem 60
Estrutura e Funcionamento do
Ensino de 2o Grau 60
Metodologia do Ensino de 2o Grau 75
6º Audiovisuais 60
Estágio - Prática de Ensino de 2o Grau 315
85

Habilitação específica: Administração Escolar


Período Disciplina CH
5º Estrutura e Funcionamento do Ensino 60
de 1o Grau ou Educação Comparada
Estrutura e Funcionamento do Ensino 60
de 2o Grau ou Educação de Excepcionais
Princípios Metodológicos de 60
Administração Escolar
Estatística Aplicada à Educação 60
Legislação de Ensino 60
Introdução à Administração 75
6º Administração de Pessoal 60
Chefia e Liderança 60
Economia Financeira Escolar 60
Planejamento Educacional 60
Estágio 135

Habilitação específica: Orientação Educacional


Período Disciplina CH
5º Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1o Grau ou Dinâmica de Grupo 60
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2o
Grau ou Educação de Excepcionais ou Optativa 60
Orientação Vocacional 60
Medidas Educacionais 60
Estatística Aplicada à Educação 60
Princípios Metodológicos de Orientação
Educacional 75
6º Psicopatologia 60
Psicologia Social 60
Ética Profissional 60
Estágio 195

Habilitação específica: Supervisão Escolar e Inspeção Escolar


Semestre Disciplina CH
5º Princípios e Métodos Supervisão Escolar 180
Princípios e Método de Inspeção Escolar I e II 180
Estudos de Problemas Brasileiros I 30
Estrutura e Funcionamento do 60
Ensino de 1° Grau
Estrutura e Funcionamento do 60
Ensino de 2° Grau
Currículos e Programas I 60
Legislação do Ensino I 60
86

6º Currículos e Programas II 60
Supervisão da Escola de 1° Grau 30
Legislação do Ensino II 60
Inspeção da Escola de 1° Grau 30
Estudo de Problemas Brasileiros II 30
Estágio Supervisionado em Supervisão
Escolar 120
Estágio Supervisionado em Inspeção
Escolar 120

As disciplinas optativas oferecidas eram: Ética Profissio-


nal, Psicologia das Relações Humanas, Instrução Programada,
Foniatria, Educação de Excepcionais e Medidas Educativas.
A opção por estas habilitações, oferecidas no currículo
do curso de Pedagogia, requeriam, no mínimo, dois anos de
experiência no magistério de ensino médio ou superior, ou
três anos de ensino primário, para as licenciaturas em Admi-
nistração Escolar e Orientação Educacional.
Convém ressaltar que o estágio supervisionado contava
com um mínimo de 110 horas-aula e um máximo de 220
horas-aula.
No dia 25 de julho de 1969, foi assinado, pelo presiden-
te da República, o decreto-lei n. 705, que determinou a
obrigatoriedade da Prática de Educação Física em todos os
níveis e ramos de escolaridade, até mesmo no ensino superi-
or, incluindo esta disciplina no currículo.
O corpo docente do curso de Pedagogia da FIC, no
ano de 1969, contava com os seguintes professores:
1ª série:
- Sociologia: Rômulo Zanchi e Doloris Terezinha Gassen;
- História da Filosofia: José Pillon e Vera Maria J. Fett;
- Biologia: Regina Felki de Almeida e Ervino Hoelz;
- Psicologia da Educação: João Tomasi; Antonio Pilz Netto
e Regina M. B. Emanuelli;
- Cultura Religiosa: Emelda Ignez Güntzel; Silvério Schneider
e José Maria Lança.
2ª série:
- Língua Portuguesa: Mario Guagliotto e Ana Julieta Weber;
- Sociologia Educacional: Rômulo Zanchi e Alda Schaurich;
- História da Educação: Oscar Mombach e Inês Andrade Xavier;
- Estatística: Vitor Francisco Schuch; Maria Wardereza C.
Schmidt e Nercila da Silva;
87

- Didática Geral: Edy Lourdes Binotto e Rita Secero Trindade;


- Cultura Religiosa: Emelda Ignez Güntzel.
3a Série
- História da Educação: Oscar Mombach;
- Administração Escolar: Vitor Francisco Schuch e Elizabeth
Maria Ley;
- Estatística: Vitor Francisco Schuch e Maria Wardereza C.
Schmidt;
- Psicologia da Educação: João Tomasi;
- Didática Especial: Maria de Lourdes Medina e Terezinha
Prestes Veras;
- Cultura Religiosa: Emelda Ignez Güntzel.
4a série:
- Didática Especial e Prática de Ensino: Terezinha Veras;
- Filosofia da Educação: Irahy Alvarez;
- Administração Escolar: Vitor Francisco Schuch;
- Português: Mario Guagliotto e Aristilda R. Bitencourt;
- Cultura Religiosa: Emelda Ignez Güntzel.
Em 1969, inscreveram-se no concurso de habilitação,
20 candidatos, em primeira chamada. Em segunda chamada,
requereram inscrição 5, e foram aprovados 24.
Entre os anos de 1970 e 1973 os currículos ficaram as-
sim constituídos.
Quadro 7 - Base comum de currículo de Pedagogia: Magis-
tério e Administração Escolar entre 1970 e 1973.4
Período Disciplina CH
1º Sociologia geral 45
Psicologia Geral 60
Biologia Educacional 60
Introdução à Filosofia 30
Métodos e Técnicas Pedagógicas 60
Língua Portuguesa 60
Introdução à Orientação Educacional 30
Cultura Religiosa 30
2º Sociologia geral 45
Psicologia da Educação 60
4 Biologia Educacional 60
O parecer n. 252/69
fixou a duração do Métodos e Técnicas Pedagógicas 60
curso em 2.200 horas- Língua Portuguesa 60
aula. Um mínimo de
110 horas de estágio Cultura Religiosa 30
profissional, para cada Introdução à Orientação Educacional 30
uma das habilitações, e
o máximo de 220 horas.
Introdução à Filosofia 30
88

3º Sociologia Educacional 60
Psicologia Educacional 60
História da Educação 60
Filosofia da Educação 60
Didática 75
Elementos de Administração Escolar 30
Problemas Brasileiros 30
4º Sociologia Educacional 60
Psicologia Educacional 75
História da Educação 60
Filosofia da Educação 60
Elementos de Administração Escolar 30
Problemas Brasileiros 45
Audiovisuais 30

Parte diversificada: Magistério - Ensino Normal


Período Disciplina CH
5º Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1º Grau 60
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 2º Grau 60
Metodologia do Ensino de 1º Grau 135
Metodologia do Ensino de 2º Grau 120
6o Estatística Aplicada à Educação 75
Introdução à Orientação Educacional 60
Cultura Religiosa 60
Audiovisuais 30
Estágio 120

Parte diversificada: Administração Escolar


Período Disciplina CH
5º Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1º Grau 60
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 2º Grau 60
Princípios e Métodos de Administração Escolar 90
Planejamento Educacional 60
Currículos e Programas 60
Optativa 45
6o Princípios e Métodos de Administração Escolar 90
Legislação do Ensino 60
Estatística Aplicada à Educação 75
Optativa 30
Estágio 120
89

O concurso vestibular de 1970 teve 12 candidatos ins-


critos, sendo aprovados 10. As provas constaram de Portu-
guês, Psicologia, Lógica e conhecimentos gerais.
Em 1971, inscreveram-se 15 candidatos para o concur-
so vestibular, em primeira chamada, 11 em segunda chamada
e foram aprovados 22.
Já em 1972, o concurso vestibular para o curso de Pedago-
gia teve um significativo aumento: inscreveram-se 57 candidatos
em primeira chamada, sendo aprovados 56 e matriculados 53.
Em dezembro de 1972, no Salão de Atos da Faculdade,
colaram grau os seguintes formandos: Almerinda Rodrigues
Dias, Cleyde Magno Ribas, Delba Terezinha Nascimento Ilha,
Elvira Sgari, Libiana Helena Dalsenter, Lizete Terezinha Leão
Fernandes, Maria da C. Moreira de Farias, Maria Selmida
Reckziegel, Maria Terezinha Assumpção, Pedro de Cesaro,
Rosalina Perin, Tânia Maria Optiz Burger, Tecla Etges, Victor
Domingues Noal, Zidonia Josephina Lenz, Zita Maria Dalmaso.
Para o concurso vestibular, em 1973, inscreveram-se 95
candidatos para o curso de Pedagogia, sendo classificados 59
e matriculados 50. As provas foram de Português e Literatu-
ra; prova de Inglês ou Francês; prova de História, Geografia,
OSPB e Matemática; prova de Conhecimentos Gerais; prova
de Física, Química e Biologia.
Nesse ano, a Faculdade promoveu o curso “O processo
de ensino aprendizagem à luz da teoria de Jean Piaget”, com
a duração de 40 horas, ministrado por José Erasmo Campelo,
mestre em Educação pela Faculdade Interamericana de Edu-
cação - UFSM/MEC/OEA e professor de Didática Geral na
Faculdade de Educação de Presidente Prudente, São Paulo.
De 11 a 12 de janeiro de 1973, foram abertas as inscrições
para o primeiro curso de Administração Escolar, com 30 vagas,
para os habilitados em Pedagogia e portadores de outros diplo-
mas de licenciatura plena, com experiência de um ano de magis-
tério em nível de 1o e 2o graus com amparo no parecer n. 252, de
1959, pelo qual os licenciados das áreas de conteúdo poderiam
candidatar-se às habilitações pedagógicas. O curso foi coordena-
do pelo prof. Vitor Francisco Schuch. Os licenciados em outros
cursos fizeram complementação de estudos na base de 350 ho-
ras adicionais, já que o diploma era de licenciado em Pedagogia,
com habilitação específica em Administração Escolar.
Em 21 de fevereiro de 1973, o Ministério da Educação,
pela portaria n. 113, fixou normas para o vestibular de 1974
90

nas instituições de nível superior. A portaria determinava que


o concurso vestibular teria uma data única nas instituições
federais, estaduais e municipais e deveria ter 4 provas, sendo
cada uma delas, com um número de itens não inferior a cin-
qüenta. As provas deviam incluir:
a) Comunicação e Expressão, abrangendo conhecimen-
tos de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, acres-
cidos, eventualmente, de uma prova de Língua Es-
trangeira Moderna;
b) Estudos Sociais, abrangendo conhecimentos de Geogra-
fia, História e Organização Social e Política do Brasil;
c) Ciências, abrangendo conhecimentos de Matemática e
Ciências Físicas e Biológicas (Física, Química e Biologia).
No mês de junho de 1973, o curso de Administração
Escolar promoveu o curso “Administração por objetivos”, mi-
nistrado pelo prof. Hércules Lima de Carvalho, coordenador
geral da junta de Modernização Administrativa do Estado.
No ano de 1974, foram inscritos para o vestibular 79 can-
didatos para o curso de Pedagogia, tendo sido classificados 76.
Dentre os aprovados no vestibular de 1974 figurava a irmã
Iraní Rupolo, atual reitora do Centro Universitário Franciscano.
Nesse ano, os calouros da FIC introduziram um trote
diferente, como o apoio do Diretório Acadêmico Jacques
Maritain, ajudando a Campanha de Prevenção da Marginali-
zação do Menor, com arrecadação de lápis, borrachas e ca-
dernos, num total de 606 donativos, entregues à irmã Elma
Rockembach, coordenadora do projeto.
Em 1971, o Conselho Técnico Administrativo da Fa-
culdade decidiu não mais manter, a partir de 1972, o quarto
ano de Pedagogia na extensão de Santa Cruz do Sul.
Em 1973 foi aprovado o novo Regimento da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição”. Por
esse regimento o curso de Pedagogia ofereceu as seguintes
habilitações: Orientação Educacional, Administração Esco-
lar, Inspeção Escolar, Supervisão Escolar e Magistério. As
disciplinas do curso foram agrupadas, para fins didáticos e de
pesquisa, no Departamento de Educação.
Conforme a resolução n. 2, de maio de 1969, e n. 1, de
17 de janeiro de 1972, o curso de Pedagogia passou a ser
licenciatura plena.
O curso de Pedagogia tinha o seguinte currículo.
91

Quadro 9 – Currículo do curso de Pedagogia em 1973.


Semestre Disciplina CH
1º Psicologia Geral 75
Sociologia Geral 45
Biologia Educacional 45
Introdução à Filosofia 45
Dinâmica de Grupo 60
Língua Portuguesa 45
Estudos de Problemas Brasileiros 30
Educação Física 30
2º Psicologia da Educação 75
Sociologia Geral 45
Biologia Educacional 45
Introdução à Pesquisa Científica 60
Introdução à Filosofia 45
Língua Portuguesa 45
Estudos de Problemas Brasileiros 30
Educação Física 30
3º Sociologia da Educação 60
Psicologia da Educação 60
História da Educação 75
Filosofia da Educação 75
Didática Geral 30
Introdução à Orientação Educacional 45
Técnicas Audiovisuais 30
4º Sociologia da Educação 60
Psicologia da Educação 60
História da Educação 75
Filosofia da Educação 75
Didática Geral 30
Introdução à Orientação Educacional 45
Técnicas Audiovisuais 30
5º Cultura Religiosa 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1º e 2º Graus 60
Metodologia do Ensino de 1º Grau 135
Fundamentos de Estatística 45
Psicologia das Relações Humanas 45
Prática de Ensino 30
6º Cultura Religiosa 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1º e 2º Graus 60
Metodologia do Ensino de 1º Grau 135
Fundamentos de Estatística 45
Psicologia das Relações Humanas 45
Prática de Ensino 30
Estágio Supervisionado 120
92

Habilitação específica em Administração Escolar


Semestre Disciplina CH
1º Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1o Grau 60
Princípios e Métodos de Administração Escolar 90
Estatística Aplicada à Educação 75
Relações Humanas e Liderança 30
Estudos de Problemas Brasileiros 30
Legislação do Ensino I 60
Currículos e Programas I 60
2º Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 2o Grau 60
Princípios e Métodos de Administração Escolar 75
Estatística Aplicada à Educação 90
Relações Humanas e Liderança 30
Estudos de Problemas Brasileiros 30
Estágio Supervisionado 120

Habilitação específica em Orientação Educacional


Semestre Disciplina CH
1º Técnicas de Aconselhamento 45
Princípios e Métodos de Orientação Educacional 90
Medidas Educacionais 45
Elementos de Psicopatologia 45
Orientação Vocacional 45
Ética Profissional 45
Estudos de Problemas Brasileiros 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1o Grau 60
2º Técnicas de Aconselhamento 45
Princípios e Métodos de Orientação Educacional 90
Medidas Educacionais 45
Elementos de Psicopatologia 45
Orientação Vocacional 45
Estudos de Problemas Brasileiros 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 2o Grau 30
Estágio Supervisionado 120

Habilitação específica em Supervisão Escolar e Inspeção Escolar


Semestre Disciplina CH
7º Princípios e Método de Supervisão Escolar 180
Princípios e Métodos de Inspeção
Escolar I e II 180
Estudos de Problemas Brasileiros I 30
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1o Grau 60
93

Estrutura e Funcionamento do Ensino


de 2o Grau 60
Currículos e Programas I 60
Legislação do Ensino I 60
8º Currículos e Programas II 60
Supervisão da Escola de 1° Grau 30
Legislação do Ensino II 60
Inspeção da Escola de 1° Grau 30
Estudo de Problemas Brasileiros II 30
Estágio Supervisionado em Supervisão
Escolar 120
Estágio Supervisionado em Inspeção
Escolar 120

Em 1975, o vestibular constou de provas de Português,


Língua Estrangeira (Inglês, Francês), Estudos Sociais, Ciên-
cias, Matemática, Conhecimentos Gerais. Nesse ano foram
inscritos 92 candidatos para o concurso vestibular, sendo to-
dos classificados, mas matricularam-se 84.
No ano de 1976, foi eliminada do vestibular a prova de
Conhecimentos Gerais. Nesse ano, foram inscritos 135 can-
didatos, sendo classificados 129 e matriculados 84.
Nesse mesmo ano, foi modificado o regimento da Fa-
culdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Concei-
ção”, que vigorou até 1984. Nesse regimento as disciplinas
dos cursos regulares foram agrupadas, para fins didáticos e
de pesquisa, nos seguintes departamentos:
- Departamento de Fundamentos da Educação e Orien-
tação Educacional;
- Departamento de Administração Escolar;
- Departamento de Filosofia;
- Departamento de Matemática;
- Departamento de Letras;
- Departamento de Geociências;
- Departamento de Ciências Físicas e Biológicas.
O programa de disciplina, sob a forma de plano de ensi-
no, era elaborado pelo professor ou por grupos de professores,
com aprovação do departamento, em que se incluía a discipli-
na, e era encaminhado à aprovação do Conselho Departamental.
Em 1977, foram inscritos 97 candidatos para o vestibular
do curso de Pedagogia, sendo classificados 96 e matriculados 82.
Nesse ano foram implantadas pelo Departamento de
Assuntos Universitários, da Secretaria de Educação e Cultu-
94

ra, as diretrizes do estágio supervisionado, visando à integração


do trabalho entre a Secretaria de Educação do Estado e as
instituições de ensino superior.
Estas últimas tinham as seguintes atribuições:
- encaminhar à Delegacia de Ensino, no início de cada
semestre letivo, o plano de estágio supervisionado,
acompanhado do respectivo programa de atividades,
e a relação dos estagiários do semestre;
- designar um professor para atuar como seu repre-
sentante nas atividades pertinentes ao processo de
estágio supervisionado, de modo que o mesmo ti-
vesse: disponibilidade de tempo para atender às soli-
citações do DAU/SEC e condições de decisão sobre
assuntos específicos do processo em pauta;
- participar de reuniões com direções de escola, pro-
movidas pela DE, com o objetivo de operacionalizar
as atividades pertinentes ao estágio supervisionado e
propiciar condições para integração do aluno-estagi-
ário na dinâmica do estabelecimento de ensino em
que fosse atuar;
- acompanhar, controlar e avaliar, com a Delegacia de
Educação, as atividades que envolvessem o processo
de estágio supervisionado, realizadas nas escolas de
1o e 2o graus da rede pública estadual;
- encaminhar à DE o relatório semestral das ativida-
des desenvolvidas no processo de estágio supervisi-
onado, nos seguintes prazos: primeiro semestre - 1ª
quinzena de agosto; segundo semestre - 1ª quinzena
de dezembro.
Em 1978, foram inscritos para o concurso vestibular de
Pedagogia 113 candidatos, sendo classificados 98, mas ape-
nas 82 efetivaram sua matrícula. As provas foram de Portu-
guês e Literatura, Matemática, Ciências, Estudos Sociais e
Língua Estrangeira.
Nesse ano, a FIC encerrou dois semestres letivos da
disciplina de Estudos de Problemas Brasileiros com uma ex-
posição, apresentando os problemas das regiões brasileiras e
suas soluções, expostos pelos cursos de Pedagogia, Inglês e
Francês.
95

Quadro 10 - Currículo do curso de Pedagogia entre 1978


e 1984.5
Semestre Disciplina CH
1º Comunicação em Língua Portuguesa 45
Sociologia Geral 60
Psicologia Geral 60
Introdução à Metodologia de Pesquisa 60
Fundamentos de Biologia Educacional 45
Educação Física 30
Introdução à Administração Escolar 30
Estudos de Problemas Brasileiros 45
2º Comunicação em Língua Portuguesa 45
Sociologia da Educação 90
Introdução à Administração Escolar 30
Estudos de Problemas Brasileiros 45
Educação Física 30
Psicologia da Educação 90
Dinâmica de Grupo 60
3º Sociologia da Educação 45
Psicologia da Educação 90
História da Educação 75
Introdução à Orientação Educacional 45
Didática Geral 45
Filosofia da Educação 75
Cultura Religiosa I 45
4º Sociologia da Educação 45
Psicologia da Educação 90
História da Educação 75
Introdução à Orientação Educacional 45
Didática Geral 45
Filosofia da Educação 75
Cultura Religiosa II 30
5º História da Educação 30
Técnicas Audiovisuais 30
5 Estatística Aplicada à Educação 60
Habilitação para o Estrutura e Funcionamento do Ensino
Magistério: de 1o Grau 75
licenciatura plena,
conforme resolução
Metodologia do Ensino de 1o grau 120
n. 2/69, de 12 de maio 6º História da Educação 30
de 1969, e resolução
n. 1/72, de 17 de
Técnicas Audiovisuais 30
janeiro de 1972. Estatística Aplicada à Educação 60
Mínimo de horas: Estrutura e Funcionamento do Ensino
2.200. Horas previstas: de 2o Grau 75
2.265. Reconhecido
pelo decreto n. Metodologia do Ensino do 1o grau 120
42.801/55, de 13 de Prática: Estágio do Ensino de 1o e 2o Graus 120
dezembro de 1955.
96

Quadro 11 -Currículo do curso de Pedagogia: Supervisão


Escolar de 1o e 2o Graus entre 1985 e 1987.6
Semestre Disciplina CH
1º Sociologia Geral 45
Psicologia da Educação I 45
Estatística Aplicada à Educação I 60
Língua Portuguesa I 45
Fundamentos de Biologia da Educação I 45
Dinâmica de Grupo 60
Cultura Religiosa I 45
Estudo de Problemas Brasileiros I 30
Educação Física 30
2º Sociologia da Educação I 60
Psicologia da Educação II 45
Estatística Aplicada à Educação II 60
Metodologia da Pesquisa 45
Língua Portuguesa II 45
Fundamentos de Biologia da Educação II 45
Cultura Religiosa II 45
Estudos de Problemas Brasileiros II 30
Educação Física II 30
3º Sociologia da Educação II 60
Psicologia da Educação III 90
Técnicas Audiovisuais em Educação 30
Introdução à Filosofia 45
Currículos e Programas I 90
4º Sociologia da Educação III 60
Psicologia da Educação IV 90
História da Educação I 60
Filosofia da Educação I 45 6
Prática de Ensino:
Didática I 45 Estágio
Currículos e Programas II 75 Supervisionado;
realizado no 6o ou 7o
5º Sociologia da Educação IV 60 semestre nas
Psicologia da Educação V 90 disciplinas de
Supervisão Escolar de
História da Educação II 60 1o e 2o Graus,
Filosofia da Educação II 60 Currículos e
Didática II 60 Programas, Estrutura
e Funcionamento do
6º História da Educação III 60 Ensino de 1o e 2o
Filosofia da Educação III 90 Graus, com 240 horas.
Para obtenção do
Didática III 90 diploma exigia-se
Estrutura e Funcionamento do Ensino experiência de
do 1o Grau 90 magistério de, no
mínimo, um semestre
Princípios e Métodos de Supervisão letivo (parecer n. 544,
Escolar I 90 de 9/11/1983).
97

Quadro 12 - Currículo do curso de Pedagogia: Magisté-


rio das Matérias Pedagógicas do 2o Grau
entre 1985 e 1987.7
Semestre Disciplina CH
1º Sociologia Geral 45
Psicologia da Educação I 45
Estatística Aplicada à Educação I 60
Língua Portuguesa I 45
Fundamentos de Biologia I 45
Dinâmica de Grupo 60
Estudos de Problemas Brasileiros I 30
Educação Física I 30
2º Sociologia da Educação I 60
Psicologia da Educação II 45
Estatística Aplicada à Educação II 60
Metodologia da Pesquisa 45
Língua Portuguesa II 45
Fundamentos de Biologia da Educação 45
Estudos de Problemas Brasileiros II 30
Educação Física II 30
3º Sociologia da Educação II 60
Psicologia da Educação III 90
Cultura Religiosa I 45
Técnicas Audiovisuais em Educação 30
Introdução à Filosofia 45
4º Sociologia da Educação III 60
Psicologia da Educação IV 90
História da Educação I 60
Filosofia da Educação I 45
Didática I 45
Cultura Religiosa II 45
5º Sociologia da Educação IV 60
Psicologia da Educação V 90
História da Educação II 60
7 Filosofia da Educação II 60
Prática de Ensino:
Estágio
Didática II 60
Supervisionado, Metodologia da Língua Portuguesa 45
realizado no 6o ou 7o 6º História da Educação III 60
semestre nas
disciplinas Estrutura e
Filosofia da Educação III 90
Funcionamento do Didática III 90
Ensino de 1o e 2o Estrutura e Funcionamento do Ensino
Graus, Metodologia do 1o Grau 90
do Ensino de 1o Grau
e Fundamentos de
Metodologia de Estudos Sociais 45
Educação, com 240 7º História da Educação IV 60
horas. Para obtenção Didática IV 90
do diploma exige-se
experiência de Estrutura e Funcionamento do Ensino
magistério de, no do 2o Grau 90
mínimo, um semestre Metodologia das Ciências 45
letivo (parecer n. 544, Metodologia da Matemática 45
de 9/11/1983).
98

Quadro 13 - Currículo do curso de Pedagogia: habilitação


em Administração Escolar entre 1985 e 1987.
Semestre Disciplina CH
1º Sociologia Geral 45
Psicologia da Educação I 45
Estatística Aplicada à Educação I 60
Língua Portuguesa I 45
Fundamentos de Biologia da Educação I 45
Dinâmica de Grupo 60
Estudos de Problemas Brasileiros I 30
Educação Física I 30
2º Sociologia da Educação I 60
Psicologia da Educação II 45
Estatística Aplicada à Educação II 60
Metodologia da Pesquisa 45
Língua Portuguesa II 45
Fundamentos de Biologia da Educação II 45
Estudos de Problemas Brasileiros II 30
Educação Física II 30
3º Sociologia da Educação II 60
Psicologia da Educação III 90
Cultura Religiosa I 45
Técnicas Audiovisuais em Educação 30
Introdução à Filosofia 45
Currículos e Programas I 90
4º Sociologia da Educação III 60
Psicologia da Educação IV 90
História da Educação I 60
Filosofia da Educação I 45
Didática I 45
Cultura Religiosa II 45
5º Sociologia da Educação IV 60
Psicologia da Educação V 90
História da Educação II 60
Filosofia da Educação II 60
Didática II 60
6º História da Educação III 60
Filosofia da Educação III 90
Didática III 90
Estrutura e Funcionamento do Ensino
do 1o Grau 90
Princípios e Métodos de Administração
Escolar I 45
7º História da Educação IV 60
Didática IV 90
Estrutura e Funcionamento do Ensino
do 2o Grau 90
Princípios e Métodos de Administração
Escolar II 45
Legislação do Ensino 45
99

Em 1980, foram abertas 80 vagas para o concurso ves-


tibular do curso de Pedagogia, inscrevendo-se 221 candida-
tos, sendo matriculados 83.
No ano de 1981, também foram oferecidas 80 vagas,
inscrevendo-se 185 candidatos, matriculando-se 40, no no-
turno, e 40, no turno da tarde.
No concurso vestibular de 1982, foram abertas 40 va-
gas para o turno da noite; houve 109 candidatos inscritos e 41
matriculados. Para o turno da tarde, também foram abertas
40 vagas; inscreveram-se 66 e matricularam-se 39.
O curso de Pedagogia, no ano de 1983, ofereceu 80
vagas pelo edital do concurso vestibular, sendo 40 para o tur-
no da tarde e 40 para o noturno. Inscreveram-se 101 candida-
tos para o noturno, 70 para o diurno e matricularam-se 40 em
cada turno. As provas foram de: Comunicação e Expressão
(Redação – Língua Portuguesa), Literatura Brasileira, Língua
Inglesa ou Língua Francesa, Ciências I (Matemática e Física),
Ciências II (Química e Biologia) e Estudos Sociais (História,
Geografia e OSPB).
Em 1984, foram oferecidas 40 vagas para cada turno,
inscrevendo-se 187 candidatos para o noturno e 138 para o
turno da tarde, matriculando-se 40 em cada turno.
Em 5 de junho de 1984, foi aprovado pelo Conselho
Federal de Educação o novo Regimento da Faculdade de Fi-
losofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição” - FIC, pelo
parecer n. 448/84. Nesse regimento há a criação do Conse-
lho Departamental, constituído pelo diretor, seu presidente;
vice-diretor; chefes de departamentos e representantes estu-
dantis, indicados pelo Diretório Acadêmico. Entre as várias
atribuições do Conselho Departamental, destacavam-se al-
gumas, por incidirem sobre o curso de Pedagogia. São elas:
- coordenar e supervisionar os planos e atividades dos
departamentos;
- organizar, anualmente, o calendário escolar;
- disciplinar, anualmente, a realização do concurso ves-
tibular;
- elaborar o currículo pleno de cada curso de gradua-
ção, bem como suas modificações, submetendo-o à
congregação;
- aprovar as normas de funcionamento de estágios
curriculares;
- fixar e alterar os pré-requisitos.
100

Nesse regimento, estava previsto que o aproveitamento es-


colar seria avaliado por meio de acompanhamento contínuo do
aluno e dos resultados por ele obtidos nos exercícios escolares.
Em 1985, no concurso vestibular, inscreveram-se, para o
curso de Pedagogia: habilitação Magistério (noite), 159 candida-
tos, sendo classificados 136 e matriculados 40. Para o curso de
Pedagogia: habilitação Magistério do turno da tarde, inscreve-
ram-se 90 candidatos, sendo classificados 89 e matriculados 40.
Para o curso de Pedagogia: habilitação Supervisão Es-
colar, inscreveram-se 35 candidatos, sendo matriculados 20.
Para Pedagogia: habilitação Administração Escolar inscreve-
ram-se 17 candidatos, sendo matriculados 30, com aproveita-
mento dos aprovados excedentes do curso noturno.
Em primeiro de julho de 1985, os professores do Depar-
tamento de Educação, chefiados pela profª. Glecy Borin, suge-
riram a não realização do vestibular no ano de 1986 para as
habilitações de Supervisão Escolar e Administração Escolar. A
matrícula seria apenas para os candidatos que tivessem cursado
o magistério em nível de 2o grau. A primeira sugestão se con-
cretizou no ano de 1988, não sendo abertas vagas no vestibular
para aquelas duas habilitações. Nesse ano coordenava o curso
de Pedagogia a profª. Marlene dos Santos Medina.
Em 1986, para o concurso vestibular do curso de Peda-
gogia, inscreveram-se, para a habilitação Magistério (tarde),
75 candidatos, sendo classificados 70 e matriculados 40. Para
a habilitação Magistério (noite), inscreveram-se 142 candida-
tos, sendo classificados 120 e matriculados 40. Para o curso
de Pedagogia: habilitação Supervisão Escolar foram inscritos
34 candidatos, classificados 32 e matriculados 30. Para o cur-
so de Pedagogia: Administração Escolar, foram inscritos 34
candidatos, classificados 31 e matriculados 25.
Na reunião do Departamento de Educação, em 14 de
maio desse ano, os professores se posicionaram contrários à
possibilidade da não realização do concurso vestibular para o
curso de Pedagogia, por um ou dois anos, sugerindo a criação
de uma comissão para estudar o assunto.
Em 1987, para o concurso vestibular do curso de Peda-
gogia: habilitação Magistério, inscreveram-se 172 candidatos,
sendo 80 os matriculados, 40 para o turno da noite e 40 para
o turno da tarde. Para o concurso de habilitação: Supervisão
Escolar, tarde, inscreveram-se 74 candidatos, matriculando-
se 30. Para o curso de Pedagogia: habilitação Administração
101

Escolar, foram inscritos 49 candidatos, matriculando-se 30.


Pelo edital foram abertas 80 vagas, para o curso de Pedago-
gia: habilitação Magistério, e 30 vagas, para as habilitações de
Supervisão Escolar e Administração Escolar.
Ainda em 1987 foi realizada a Semana da Pedagogia, de
26 a 30 de outubro, com palestras específicas à tarde e à noite,
num total de 40 horas. Esse evento foi organizado pela coor-
denadora do curso de Pedagogia, a profª. Gilda Maria Corrêa.
Ainda nesse ano, foi decidido que as habilitações de
Administração Escolar e Supervisão Escolar não seriam ofe-
recidas em nível de graduação, no ano de 1988, e, sim, de
pós-graduação.
Na reunião do dia 4 de julho de 1987, do Departamen-
to de Educação, foi discutido o assunto de que, no ano se-
guinte, não seria realizado o concurso vestibular para o curso
de Pedagogia: habilitação Magistério das Disciplinas Pedagó-
gicas do Ensino Médio, com habilitação em Supervisão Es-
colar e Administração Escolar. Na reunião de 30 de agosto,
do Departamento de Educação, presidida pela chefe do De-
partamento, Carmem Marisa Andrade Odorizzi, foram
divulgadas aos professores informações sobre a Comissão de
Reformulação do Curso de Pedagogia, constituída pelas pro-
fessoras Neida Maria Nunes Sepel, Marlene dos Santos Medina
e Idenéia Silveira dos Santos.
Na ata da reunião do Departamento de Educação e de
Administração, datada de 21 de outubro desse ano, foi discu-
tido o assunto sobre a efetivação ou não do concurso vesti-
bular, para o curso de Pedagogia, no ano de 1988.
Nas atas do Departamento de Educação de 1986 a 1995,
há uma preocupação com a interdisciplinaridade, no sentido
de articular e integrar as diferentes disciplinas que constituí-
am o currículo do curso. Essa preocupação estendeu-se aos
eventos promovidos pela Instituição, visto que a 1ª Jornada
de Educação, realizada de 25 a 27 de outubro de 1989, tinha
como tema “Interdisciplinaridade no cotidiano escolar”.
Em 4 de maio de 1988, foi apresentada, em reunião do
Departamento de Educação, uma proposta para a criação do
curso de Pedagogia com habilitação em Tecnologia Educacio-
nal e Pré-escola.
Em reunião, do dia 28 de maio de 1988, foi elaborado o
currículo da habilitação Magistério das Disciplinas Pedagógi-
cas do 2o Grau e Magistério para a Pré-Escola.
102

No dia 7 de março de 1989, em outra reunião do De-


partamento, foi comunicado que as novas habilitações, pro-
postas para o curso de Pedagogia, não foram aprovadas pelo
Conselho Federal de Educação, por terem sido consideradas
cursos novos, para os quais não estavam abertas as possibili-
dades, devendo a faculdade aguardar novas decisões para o
envio de projetos de novos cursos.
Em 13 de março de 1990, na reunião do Departamen-
to, a profª. Neida Maria Nunes Sepel, coordenadora do curso
de Pedagogia, comunicou que o projeto do curso de Pedago-
gia: habilitação Magistério das Disciplinas Pedagógicas do 2o
Grau e Tecnologia Educacional seria entregue até 31 de mar-
ço, para aprovação do Conselho Federal de Educação.
Pelas atas das reuniões, fica evidente que naquela déca-
da já havia uma preocupação com a elaboração de um traba-
lho científico pelos alunos do curso de Pedagogia. Isso se
evidencia na ata da reunião do curso de 14 de setembro de
1991, onde consta que, embora o currículo não tivesse sido
reformulado, haveria, a partir do segundo semestre, a exigên-
cia de pesquisas bibliográficas que culminariam, no último
semestre, com um trabalho individual.
Além disso, várias atas mostram a preocupação da co-
ordenação do curso em formar um profissional responsável,
inovador, competente, crítico, capaz de articular a teoria com
a prática no cotidiano escolar. Esse perfil deveria ser traba-
lhado nas diferentes disciplinas, proporcionando assim um
ensino de qualidade.
Em 1991, o corpo docente do curso de Pedagogia era
assim constituído: Carmem Maria Andrade Odorizzi, Marle-
ne S. Medina, Gilberto Aquino Benetti, Magaly Lopes da Luz,
Maria Julia Lamp, Maria Lourdes A. Silveira, Silvia B. Cesar,
Zelma Santos Borges e a coordenadora do curso, Neida Ma-
ria Nunes Sepel. Era diretora da Faculdade de Filosofia, Ciên-
cias e Letras “Imaculada Conceição” a irmã Anísia Margareta
Schneider.
Em 9 de dezembro de 1993, os professores do curso de
Pedagogia reuniram-se para discutir possíveis alterações a se-
rem feitas no currículo do curso e, na mesma reunião, foram
apresentadas sugestões para mudanças no sistema de avalia-
ção, com vistas à reformulação do regimento.
No ano de 1994, no mês de julho, os professores do
curso de Pedagogia, em reunião, estudaram um novo regi-
103

mento, diante da fusão da Faculdade de Filosofia, Ciências e


Letras “Imaculada Conceição” e da Faculdade de Enferma-
gem Nossa Senhora Medianeira.
Com a integração entre a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras “Imaculada Conceição” e a Faculdade de Enfermagem Nos-
sa Senhora Medianeira, constituíram-se as Faculdades Franciscanas,
formalizadas pela portaria n. 1.402, de 14 de novembro de 1995,
assinada pelo então ministro Paulo Renato de Souza.
Quadro 14 - Currículo do curso de Pedagogia: habilita-
ção Magistério entre 1989 e 1994.8
Semestre Disciplina CH
1º Sociologia Geral 45
Psicologia da Educação I 45
Estatística Aplicada à Educação I 60
Língua Portuguesa I 45
Fundamentos de Biologia da Educação I 45
Dinâmica de Grupo 30
Educação Física I 30
2º Sociologia da Educação I 60
Psicologia da Educação II 45
Metodologia da Pesquisa 45
Língua Portuguesa II 45
Fundamentos de Biologia da Educação II 45
Cultura Religiosa I 45
Estudos de Problemas Brasileiros II 30
Educação Física II 30
3º Sociologia da Educação II 60
Psicologia da Educação III 90
Cultura Religiosa II 45
Técnicas Audiovisuais em Educação 30
Metodologia de Ciências 45
4º Sociologia da Educação III 60
Psicologia da Educação IV 90
História da Educação I 60
Introdução à Filosofia 45
8 Didática I 45
Prática de Ensino:
Estágio Metodologia de Estudos Sociais 45
Supervisionado, no 6º 5º Sociologia da Educação IV 60
ou 7º semestre nas
disciplinas Estrutura e Psicologia da Educação V 90
Funcionamento do História da Educação II 60
Ensino de 1º e 2º
Graus, Metodologia
Filosofia da Educação I 45
do Ensino de 1º Grau Didática II 60
e Fundamentos da Metodologia da Língua Portuguesa 45
Educação, com 240 h.
104

6º História da Educação III 60


Filosofia da Educação II 60
Didática III 90
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1o Grau 90
Metodologia da Matemática 45
7º História da Educação IV 60
Didática IV 90
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 2o Grau 90
Filosofia da Educação III 90

Em virtude do artigo 3o da portaria ministerial n. 1670-


A, de 30 de novembro de 1994, a diretora da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição” - FIC, Anísia
Margareta Schneider, solicitou alteração do currículo do curso
de Pedagogia, habilitação Magistério, publicada no Diário Ofi-
cial de 25 de janeiro de 1995, que ficou assim constituída:

Quadro 15 - Currículo do curso de Pedagogia: habilita-


ção Magistério das Matérias Pedagógicas do
2o Grau entre 1995 e 1997.
Semestre Disciplina CH
1º Metodologia Científica I 30
Complementos de Língua Portuguesa I 60
Psicologia da Educação I 60
Sociologia Geral 60
Educação Física I 30
Fundamentos de Biologia da Educação I 60
Dinâmica e Técnicas Pedagógicas I 30
2º Metodologia Científica II 30
Complementos de Língua Portuguesa II 60
Psicologia da Educação II 60
Sociologia da Educação I 60
Dinâmica e Técnicas Pedagógicas II 30
Educação Física II 30
Fundamentos de Biologia da Educação II 60
3º Psicologia da Educação III 60
Sociologia da Educação II 60
História da Educação I 60
Cultura Religiosa I 60
Estudos Sociopolíticos I 30
Metodologia da Língua Portuguesa I 30
Metodologia das Ciências I 30
105

4º Psicologia da Educação IV 60
Sociologia da Educação III 60
História da Educação II 60
Cultura Religiosa II 60
Metodologia das Ciências II 30
Estudos Sociopolíticos II 30
Metodologia da Língua Portuguesa II 30
5º Psicologia da Educação V 60
História da Educação III 60
Metodologia da Matemática I 30
Metodologia de Estudos Sociais II 30
Didática I 60
6º Psicologia da Educação VI 60
História da Educação IV 60
Metodologia da Matemática II 30
Metodologia de Estudos Sociais II 30
Didática II 60
Filosofia da Educação I 60
7º Didática III 60
Prática de Ensino I (Estágio Supervisionado) 60
Introdução à Filosofia I 30
Estrutura e Funcionamento Ensino de
1o e 2o Graus I 90
Estatística Aplicada à Educação I 60
Cosmovisão Franciscana I 60
Filosofia da Educação II 60
8º Didática IV 60
Trabalho de Conclusão 60
Introdução à Filosofia II 30
Estatística Aplicada à Educação II 60
Prática Ensino II (Estágio Supervisionado) 60
Estrutura e Funcionamento Ensino
de 1o e 2o Graus II 90
Cosmovisão Franciscana II 60

Eram oferecidas duas disciplinas optativas: Língua Es-


panhola, 30 horas, e Iniciação à Informática, 30 horas. Essas
disciplinas eram de caráter facultativo e serviam para enri-
quecer o currículo, e o aluno poderia optar entre cursar as
duas, cursar uma ou nenhuma.
Nesse mesmo ano, 1997, os professores do curso de
Pedagogia sugeriram que, na reformulação do curso, fossem
incluídas as habilitações em Séries Iniciais e Pré-Escola.
106

Uma nova habilitação: Curso de Pedagogia:


Magistério das Matérias Pedagógicas do
2o Grau e Tecnologia Educacional (1996 a 2000)
Em 1990, uma comissão de professores da área de edu-
cação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada
Conceição” elaborou o projeto para a criação do curso de
Pedagogia: habilitação Magistério das Matérias Pedagógicas
do 2o Grau e Tecnologia Educacional, enviado ao Conselho
Federal de Educação para aprovação. No Conselho Federal
de Educação o processo ficou cinco anos, sendo necessárias,
nesse período, modificações, devido às novas diretrizes ema-
nadas pelo Conselho. Em 1995, o Poder Executivo extinguiu
o Conselho Federal de Educação. Com sua extinção, a equipe
que o substituiu considerou que os projetos, que estavam em
via de aprovação, seriam analisados com relativa urgência, para
que as instituições interessadas não fossem prejudicadas.
A nova equipe autorizou a análise, com urgência, do
projeto enviado pela FIC, manifestando-se favorável à
implementação do curso. O decreto que autorizou o funcio-
namento do curso foi assinado pelo presidente da República
em 5 de janeiro de 1996 e publicado no Diário Oficial da
União na mesma data.
A nova habilitação do curso de Pedagogia, de acordo
com seu processo de criação, abria a oportunidade para que
os alunos atuassem como professores em cursos que habili-
tassem para o magistério, e exercessem a docência em insti-
tuições não-escolares como hospitais, clubes recreativos, or-
ganizações não-governamentais e organizações empresariais,
atuando no setor de recursos humanos em atividades didáti-
co-pedagógicas, pois, assim, os alunos estariam envolvidos
em processos educativos escolares e não-escolares.
Com essa nova proposta do curso de Pedagogia, a ins-
tituição realizou seu primeiro concurso vestibular em julho
de 1996, quando foram oferecidas 80 vagas para o curso, sen-
do 40 vagas para o turno diurno e 40 vagas para o turno
noturno. Essa oferta de 80 vagas foi oferecida somente no
concurso vestibular de 1996. A partir de 1997, foram ofereci-
das 40 vagas só para o turno noturno. O curso previa um
tempo de integralização mínima de 8 semestres, com carga
horária total de 2.445 horas-aula, conforme a estrutura
curricular apresentada a seguir:
107

Quadro 16 - Currículo do Curso de Pedagogia: habilitação


Magistério das Matérias Pedagógicas do 2o Grau
e Tecnologia Educacional entre 1996 e 2000.
Semestre Disciplina CH
1º Metodologia Científica I 60
Antropologia Filosófica I 60
Psicologia Geral 60
Sociologia Geral 60
Educação Física I 30
Fundamentos de Biologia da Educação 60
2º Antropologia Filosófica II 60
Psicologia da Educação I 60
Sociologia da Educação 60
História da Educação I 60
Didática I 60
Educação Física II 30
Seminário da Qualidade e Produtividade
na Educação I 15
3º Psicologia da Educação II 60
Sociologia da Educação 60
História da Educação II 60
Filosofia da Educação I 60
Didática II 60
Seminário da Qualidade e Produtividade
na Educação II 15
4º Psicologia da Educação III 60
Filosofia da Educação II 60
Didática III 60
Estatística Aplicada à Educação 60
5º Teoria da Informação 60
Tecnologia Educacional I 60
Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1o e 2o Graus 90
Prática de Ensino no 2o Grau 120
Estudos Sociopolíticos 60
6º Tecnologia Educacional II 60
Técnicas Audiovisuais em Educação 60
Ensino Programado 60
Meios de Comunicação de Massa em Educação 60
Avaliação da Aprendizagem I 60
7º Psicologia Social 60
Tecnologia Educacional III 60
Avaliação da Aprendizagem II 60
Computação em Educação 60
Planejamento Educacional 60
8º Metodologia Científica I 60
Trabalho de Conclusão 30
Estágio Supervisionado em Tecnologia
Educacional 120
108

Com objetivo de avaliar as condições de funcionamen-


to do referido curso, com vistas a seu reconhecimento, a Se-
cretaria de Educação Superior do Ministério da Educação,
nomeou uma comissão avaliadora (portaria n. 3.505, de 23
de novembro de 2000), constituída pelas professoras Regina
Vinhaes Gracindo, da UNB, e Edil Vasconcelos de Paiva, da
Uerj. Os trabalhos de avaliação aconteceram nos dias 8 e 9 de
março de 2001. Pela portaria n. 2.666, de 7 de dezembro de
2001, o curso foi reconhecido para fins de registro de diplo-
ma dos alunos que concluíssem o curso até o primeiro se-
mestre de 2001. Os alunos remanescentes dessa habilitação,
após processo de adaptação curricular, passaram a integrar o
corpo discente do curso de Pedagogia: habilitação Magistério
das Disciplinas Pedagógicas do Ensino Médio.

1998 a 2005: três cursos de Pedagogia com


habilitações diferentes
No ano de 1998, foi constituída uma comissão para ela-
borar o projeto do curso de Pedagogia com habilitação em
Educação Infantil, constituída pelos professores: Oswaldo
Alonso Rays, Neida Maria Nunes Sepel e Maria Joanete
Martins da Silveira.
Nesse ano as coordenadoras dos cursos de Pedagogia
eram: Ledy da Cunha, do curso de Pedagogia das Matérias
Pedagógicas do 2o Grau, e Neida Maria Nunes Sepel, do cur-
so de Pedagogia: habilitação Magistério das Matérias Pedagó-
gicas do 2o Grau e Tecnologia Educacional.
No regimento das Faculdades Franciscanas havia o
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão que tinha várias
competências, entre as quais:
- aprovar planos e projetos e supervisionar as atividades
de ensino, pesquisa e extensão, bem como a progra-
mação dos cursos e das atividades de pós-graduação;
- fixar normas complementares ao regimento sobre o
concurso vestibular, os currículos, programas, matrí-
cula, transferências, avaliação do rendimento esco-
lar, aproveitamento de estudos, além de outros que
se incluem no âmbito de sua competência;
- aprovar os currículos dos diversos cursos, bem como
suas respectivas alterações;
- fixar normas gerais referentes à coordenação didáti-
ca dos cursos e estágios.
109

Outro ponto de destaque ocorrido nesse ano, 1998, foi a


transformação das Faculdades Franciscanas em Centro Univer-
sitário, cujo credenciamento ocorreu em 30 de setembro de 1998,
publicado no Diário Oficial da União de 1o de outubro de 1998,
assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em 17 de novembro de 1998, o Conselho Universitário
aprovou o projeto do curso de Pedagogia: habilitação em
Educação Infantil, pelo parecer n. 12/98, cujo objetivo era
formar professores em nível superior, para atuarem na pri-
meira etapa da educação básica.
O currículo proposto dava ênfase a uma sólida forma-
ção básica, por meio de disciplinas convencionais (parte fixa)
e uma permanente atualização, por meio de oferta de ativida-
des curriculares complementares, que constituíam a parte
variável do currículo. O currículo apresentava ainda:
a) prática de ensino, sob a forma de estágio supervisio-
nado, desenvolvida em sete projetos de estágio, a
partir do segundo semestre letivo, perfazendo um
total de 300 horas-atividade;
b) quatro disciplinas optativas, que tinham um papel fun-
damental na articulação teoria-prática-teoria da dinâ-
mica curricular, distribuídas eqüitativamente nos di-
ferentes períodos letivos;
c) três disciplinas diretamente ligadas ao desenvolvimen-
to da pesquisa em temas afins ou à educação infantil:
Projeto de Pesquisa Coletivo I, Projeto de Pesquisa
Coletivo II, Projeto de Pesquisa em Andamento;
d) três disciplinas que tinham por finalidade proporcio-
nar elementos teórico-metodológicos concretos, para
o conhecimento e intervenção na realidade socio-
educativa e sociocultural do educando: Projeto de
Extensão Comunitária I, Projeto de Extensão Comu-
nitária II e Projeto de Extensão em Desenvolvimento;
e) atividades curriculares complementares que visavam
à complementação do processo ensino-aprendiza-
gem, oferecendo flexibilidade e contextualização con-
creta ao curso;
f) Trabalho Final de Graduação, que buscava proporci-
onar ao educando os elementos teórico-práticos para
a elaboração do trabalho escrito.
A matriz curricular do curso de Pedagogia: habilitação
Educação Infantil estava assim constituída:
110

Quadro 17 -Currículo da Pedagogia: habilitação Educa-


ção Infantil entre 1999 e 2001.
Semestre Disciplina CH
1º Introdução à Educação Infantil 60
Ética e Cidadania 60
Introdução à Sociologia 60
Psicologia da Educação 60
Introdução à História da Educação 60
2º Metodologia Científica 30
Pedagogia do Lúdico 60
Fundamentos Pedagógicos de Informática 60
Filosofia da Educação 60
Biologia da Educação Infantil 60
Projeto de Estágio I 45
3º Estrutura e Funcionamento da Educação Infantil 60
Introdução à Educação Especial 60
Pesquisa em Educação 60
Sociologia da Educação 60
Psicologia do Desenvolvimento Infantil I 30
ACC I 30
Projeto de Estágio II 30
4º Psicologia do Desenvolvimento Infantil II 60
Psicologia da Alfabetização 60
Literatura Infantil 60
Didática Geral 60
Optativa I 30
ACC II 30
Projeto de Estágio III 15
5º Trabalho Final de Graduação I 30
Pedagogia do Educar-Cuidar 60
Fundamentos Lingüísticos da Alfabetização 30
Pedagogia da Nutrição Infantil 30
Fundamentos Metodológicos de Estudos Sociais 60
Pedagogia do Movimento Humano 60
Projeto de Pesquisa Coletivo I 30
Projeto de Estágio IV 30
6º Trabalho Final de Graduação II 15
Fundamentos Metodológicos da
Educação Artística 60
Fundamentos Metodológicos de Matemática 60
Projeto de Pesquisa Coletivo II 60
Fundamentos Metodológicos das
Ciências Físicas e Biológicas 60
Optativas II 30
Atividade Curricular Complementar III 30
Projeto de Estágio V 60
111

7º Trabalho Final de Graduação III 15


Projeto de Extensão Comunitária I 30
Projeto de Pesquisa em Andamento 60
Optativa III 30
Optativa IV 30
Fundamentos Metodológicos da Leitura
e da Escrita 30
ACC IV 30
Antropologia e Cosmovisão Franciscana 60
Projeto de Estágio VI 60
8º Projeto de Extensão Comunitária II 60
Trabalho Final de Graduação IV 30
ACC V 30
ACC VI 30
Projeto de Estágio VII 60
Pedagogia Interdisciplinar da Ed. Infantil 60
Projeto de Ext. Comunitária em Andamento 60

No vestibular de janeiro de 1999, inscreveram-se 33


candidatos para 40 vagas do curso de Educação Infantil. As
aulas iniciaram em março com 30 alunos matriculados, sob a
coordenação do prof. Oswaldo Alonso Rays.
Neste ano, foi apresentado ao Conselho Universitário o
projeto para o curso de Pedagogia: habilitação Séries Iniciais
do Ensino Fundamental, com o objetivo de formar profes-
sores em nível superior para atuarem nas séries iniciais do
ensino fundamental. O projeto foi aprovado em 7 de outu-
bro de 1999, pelo parecer n. 70/99.
O currículo pleno do curso proposto apresentava:
a) prática de ensino sob a forma de estágio supervisio-
nado, desenvolvido por meio de sete projetos de es-
tágio, a partir do primeiro semestre letivo, totalizando
300 horas de atividade;
b) pesquisa desenvolvida por meio de duas disciplinas: Pro-
jeto de Pesquisa Coletiva I e Projeto de Pesquisa Coleti-
va II, para o aluno desenvolver pesquisas em temas afins
ou diretamente ligados à educação de 1a a 4a série;
c) atividade curricular complementar para desenvolver
conteúdos disciplinares e temas do cotidiano, liga-
dos à realidade educacional atual, não contemplados
na estrutura curricular do curso.
A matriz curricular do curso de Pedagogia: habilitação
Séries Iniciais do Ensino Fundamental ficou assim constituída:
112

Quadro 18 -Currículo do curso de Pedagogia: habilita-


ção Séries Iniciais do Ensino Fundamental
entre 2000 e 2001.
Semestre Disciplina CH
1º Introdução à História da Educação 60
Ética e Cidadania 60
Introdução à Sociologia 60
Filosofia da Educação 60
Teorias do Currículo 60
Projeto de Estágio I 45
2º Política do Ensino Fundamental 60
Organização Curricular 60
Psicologia da Educação 60
Fundamentos Pedagógicos de Informática 60
Metodologia Científica 30
Educação de Adultos 30
Projeto de Estágio II 30
3º Biologia da Educação 60
Introdução à Educação Especial 60
Pesquisa em Educação 60
Sociologia da Educação 60
Psicologia do Desenvolvimento 60
Projeto de Estágio III 15
4º Gestão Escolar 60
Pedagogia da Alfabetização I 60
Metodologia da Comunicação Verbal 30
Introdução à Metodologia do Ensino
Fundamental 30
Literatura Infantil 60
Tecnologias da Informação e Comunicação I 30
Projeto de Pesquisa Coletivo I 30
Projeto de Estágio IV 30
5º Didática Geral 60
Pedagogia da Alfabetização II 30
Fundamentos Metodológicos do Ensino
da Matemática 60
Fundamentos Metodológicos de Estudos
Sociais 60
Projeto de Pesquisa Coletivo II 60
Pedagogia do Lúdico 60
Projeto de Estágio V 60
6º Fundamentos Metodológicos das Ciências
Físicas e Biológicas 60
Fundamentos Metodológicos da Língua
Portuguesa 60
Fundamentos Metodológicos da
Educação Artística 60
Metodologia da Psicomotricidade 60
Tecnologias da Comunicação e Informação II 30
Projeto do TFG 15
Projeto de Estágio VI 60
113

7º Pedagogia da Educação Não-Escolar 60


Psicologia Social 60
Antropologia e Cosmovisão Franciscana 60
Leitura e Produção de Textos 60
Trabalho Final de Graduação 60
Projeto de Estágio VII 60
ACC 180

No vestibular de 2000, foram aprovados 17 alunos em


primeira opção e 9 em segunda opção. As aulas iniciaram em
março de 2000, com 26 matriculados, sob a coordenação do
prof. Claudemir de Quadros.
No segundo semestre de 1999, em face da situação de
professores em exercício sem graduação na região da Quarta
Colônia Italiana do Rio Grande do Sul, foram assinados con-
vênios com 12 municípios: Agudo, Dona Francisca, Restinga
Seca, Júlio de Castilhos, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Pal-
ma, São João do Polêsine, São Pedro do Sul, Pinhal Grande,
Quevedos e Silveira Martins - prevendo o oferecimento de
turmas especiais do curso de Pedagogia: Séries Iniciais do
Ensino Fundamental, para habilitar professores em serviço
das redes municipais de ensino. Após processo seletivo, reali-
zado em 17 de novembro, foram admitidos 245 professores
que não possuíam habilitação em nível superior, em cinco
turmas especiais. Essas turmas funcionaram e continuaram
funcionando nos meses de janeiro e julho, e aos finais de se-
mana. Para essas turmas as aulas iniciaram em 3 de janeiro de
2000.
O curso de Pedagogia com núcleos de formação
complementar
A Pró-Reitoria de Graduação designou, em 2001, uma
comissão encarregada da elaboração de proposta de revisão
curricular para o curso de Pedagogia: habilitação Magistério
das Matérias Pedagógicas de 2o Grau e Tecnologia Educacio-
nal, constituída pelos seguintes professores: Maria Joanete
Martins da Silveira, Oswaldo Alonso Rays, Maria das Graças
Gonçalves Pinto, Ana Rosa Zurlo Dellazzana e Zelma San-
tos Borges.
Nesse mesmo ano, o Conselho Nacional de Educação
aprovou novas diretrizes curriculares nacionais para os cur-
sos de formação de professores para a educação básica. Por
essa razão, a Comissão de Reformulação dos Cursos de Pe-
114

dagogia, após análise da situação dos quatro cursos de Peda-


gogia ofertados: Magistério das Matérias Pedagógicas do 2o
Grau; Magistério das Matérias Pedagógicas do 2o Grau e
Tecnologia Educacional; Magistério das Séries Iniciais do En-
sino Fundamental e Magistério da Educação Infantil, propôs:
a) que os cursos de Pedagogia, ofertados pela Unifra,
fossem transformados em três, com as seguintes de-
nominações: Magistério da Educação Infantil; Ma-
gistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e
Magistério das Disciplinas Pedagógicas do Ensino
Médio;
b) a criação de três núcleos de formação complementar,
com as seguintes denominações: Gestão de Processos
Educacionais; Trabalho Pedagógico em Âmbito Não-
Escolar e Tecnologias da Informação e da Comunica-
ção na Educação.
A proposta de reformulação dos cursos de Pedagogia
buscou uma estrutura organizada em linhas curriculares que
se articulassem entre si, possibilitando uma formação inte-
gral do educador dentro da delimitação traçada em seus pro-
jetos pedagógicos e respectivos núcleos de formação básica e
núcleos de formação complementar. Esses núcleos de for-
mação complementar são optativos. No final do segundo se-
mestre letivo de funcionamento do curso, o aluno optaria por
um dos núcleos de formação complementar. Após a conclu-
são do curso, o aluno poderia, conforme seu desejo de op-
ção, retornar à instituição e cursar os demais núcleos de for-
mação complementar.
Os projetos pedagógicos desses cursos foram funda-
dos em princípios ético-pedagógicos, centrados na formação
de pessoas fortalecidas para superarem os condicionamentos
sociais e individuais, objetivando o desenvolvimento pleno
de seres humanos comprometidos com a melhoria das con-
dições de vida da sociedade brasileira.
Os projetos estão comprometidos com a formação de pro-
fissionais devidamente preparados para a sociedade atual e es-
meram-se em proporcionar ao seu corpo discente não apenas a
oportunidade de uma assimilação crítica do conhecimento, das
competências e habilidades pedagógico-científicas requeridas do
profissional de educação, mas, ao mesmo tempo, a oportunida-
de de conhecer e vivenciar metodologias investigativas, apropri-
adas para o conhecimento da realidade maior e da área de co-
115

nhecimento em estudo, visando ao entendimento correlacional


entre ambas e à produção do conhecimento.
O projeto curricular dos cursos valoriza metodologias
formativas capazes de desenvolverem nos futuros educadores a
cultura educativo-investigativa e a postura proativa, condições
indispensáveis para avançar diante do desconhecido. Na dinâmi-
ca curricular proposta - fruto do processo de auto-avaliação do
próprio curso - busca-se, com a criação de atividades teórico-
práticas concretas, a integração planejada e sistêmica entre os
conteúdos das disciplinas e a expressão escolar dos mesmos, em
completa interação com a unidade ensino-pesquisa-extensão.
O profissional formado sob essas condições estará cons-
ciente de suas limitações e devidamente preparado para superá-
las, de modo individual e coletivo, a fim de construir um pro-
jeto de vida pessoal e profissional centrado nos problemas
reais da sociedade.
As matrizes curriculares dos cursos apresentam alguns
aspectos inovadores como:
a) Prática de ensino: desenvolvida ao longo do curso,
objetivando a sistematização da relação teoria/práti-
ca com vistas à atividade profissional do futuro pro-
fessor e caracterizando-se, de modo geral, como meio
e suporte para desenvolver o conjunto de competên-
cias e habilidades necessárias ao profissional docente
da educação básica. Cada uma das disciplinas do se-
mestre letivo reserva quinze horas/aula, isto é, um
crédito, para a mediação conteúdo-expressão esco-
lar. Esta mediação é planejada em conjunto pelos
docentes responsáveis pelo desenvolvimento das dis-
ciplinas do semestre letivo correspondente;
b) Estágio supervisionado: entendido como uma ativi-
dade teórico-prática que perpassa e resgata a dinâmi-
ca curricular dos cursos e da Instituição objeto de
estágio. O Estágio Supervisionado é desenvolvido em
quatro Projetos de Estágio, ofertados no quinto, sexto,
sétimo e oitavo semestres letivos;
c) Pesquisa: está diretamente ligada ao desenvolvimen-
to de pesquisa em temas afins e/ou diretamente liga-
dos à área de conhecimento de cada curso. A pesqui-
sa é desenvolvida por meio de três disciplinas: Pes-
quisa em Educação, Projeto de Pesquisa Coletivo I e
Projeto de Pesquisa Coletivo II;
116

d) Extensão: tem por finalidade proporcionar elementos


teórico-metodológicos concretos para o conhecimen-
to e intervenção na realidade socioeducativa e
sociocultural do cotidiano pedagógico. É desenvolvi-
da nas seguintes disciplinas: Projeto de Extensão Co-
munitária I e Projeto de Extensão Comunitária II;
e) Atividade curricular complementar: tem por objetivo
suprir lacunas da estrutura curricular, detectadas du-
rante o desenvolvimento do curso, assim como possi-
bilitar temas emergentes da realidade sociocultural;
f) Disciplinas e módulos optativos: são disciplinas e
módulos colocados à disposição do aluno em número
de três, com o propósito de realizarem a articulação
teoria-prática-teoria;
g) Trabalho Final de Graduação: tem por finalidade a elabora-
ção de um trabalho científico escrito. É oferecido como dis-
ciplina, em três semestres. Trabalho Final de Graduação I
fornece subsídios para elaboração do projeto do Trabalho
Final de Graduação; Trabalho Final de Graduação II, III -
orientação individual de cada aluno por um professor
orientador, que domina o tema objeto de estudo do aluno.

Quadro 19 - Currículo do curso de Pedagogia: habilita-


ção Magistério dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental a partir de 2002.
Semestre Disciplina CH
1º História da Educação 60
Psicologia da Educação 60
Filosofia da Educação 60
Sociologia da Educação 60
Biologia da Educação 60
ACC I 30
2º Metodologia do Ensino Fundamental 60
Metodologia Científica 60
Ensino/Aprendizagem e Informática 60
Psicologia do Desenvolvimento 60
Pedagogia da Alfabetização 60
3º Didática 60
Introdução à Educação Especial 60
Estrutura e Func. do Ensino Fundamental 60
Literatura Infantil 60
ACC II 30
117

4º Pedagogia do Movimento Humano:


Conteúdo e Método 60
Pesquisa em Educação 60
Ensino de Matemática: Cont. e Método 60
Pedagogia do Lúdico 60
5º Ensino de História e Geografia: Conteúdo
e Método 60
Teoria e Organização Curricular 60
Ensino de Ciências Naturais: Conteúdo
e Método 60
Projeto de Estágio Supervisionado I 120
ACC III 30
6º Trabalho Final de Graduação I 30
Optativa I 30
Projeto de Pesquisa Coletivo I 30
Projeto de Extensão Comunitária I 30
Seminário Integrado I 30
Projeto de Estágio Supervisionado II 90
7º Ensino da Arte: Conteúdo e Método 60
Ensino de Língua Portuguesa: Conteúdo
e Método 60
Trabalho Final de Graduação II 30
Optativa II 30
Projeto de Pesquisa Coletivo II 60
Projeto de Extensão Comunitária II 60
Projeto de Estágio Supervisionado III 120
ACC IV 30
8º Ética e Cidadania 60
Antropologia e Cosmovisão Franciscana 60
Trabalho Final de Graduação III 60
Optativa III 30
Seminário Integrado II 30
Projeto de Estágio Supervisionado IV 90
Estudos e Práticas Independentes 210

Núcleo de formação complementar 1:


Trabalho Pedagógico em Âmbito Não-Escolar
Semestre Disciplina CH
3º Gestão Organizacional 60
5º Gestão Pedagógica em Organizações 60
Gestão de Pessoas 60
6º Pedagogia da Educação Não-Escolar 60
Processos Grupais nas Organizações 60
118

Núcleo de formação complementar 2:


Tecnologias da Informação e da Comunicação na Educação
Semestre Disciplina CH
3º Teorias da Informação e da Comunicação 60
4º Tecnologias da Informação e da Comunicação 60
5º Linguagem de Programação 60
Ferramentas EAD 60
6º Produção de Materiais Didático-Pedagógicos 60

Núcleo de formação complementar 3:


Gestão de Processos Educacionais
Semestre Disciplina CH
3º Políticas Públicas para a Gestão Escolar 60
4º Organização e Gestão Escolar 60
5º Relações Interpessoais em Organizações Escolares 60
Gestão Financeira de Logística Escolar 60
6º Planejamento Administrativo e Pedagógico 60

Quadro 20 - Currículo do curso de Pedagogia: habilitação


Magistério da Educação Infantil a partir de 2002.
Semestre Disciplina CH
1º Introdução à Educação Infantil 60
História da Educação 60
Filosofia da Educação 60
Sociologia da Educação 60
Biologia da Educação 60
ACC I 30
2º Psicologia da Educação 60
Pedagogia do Lúdico 60
Ensino/Aprendizagem e Informática 60
Metodologia Científica 60
Psicologia do Desenvolvimento Infantil 60
3º Didática 60
Pesquisa em Educação 60
Estrutura e Funcionamento da Educação Infantil 60
Pedagogia da Alfabetização 60
ACC II 30
4º Literatura Infantil 60
Pedagogia do Educar-Cuidar 60
Introdução à Educação Especial 60
Pedagogia da Nutrição Infantil 60
119

5º Teoria e Organização Curricular 60


Pedagogia do Movimento Humano:
Conteúdo e Método 60
Projeto de Estágio Supervisionado I 120
ACC III 30
6º Ensino de História e Geografia: Conteúdo
e Método 60
Trabalho Final de Graduação I 30
Optativa I 30
Projeto de Pesquisa Coletivo I 30
Projeto de Extensão Comunitária I 30
Projeto de Estágio Supervisionado II 90
Seminário Integrado I 30
7º Ensino de Ciências Naturais: Conteúdo
e Método 60
Ensino da Arte: Conteúdo e Método 60
Ensino da Matemática: Conteúdo e Método 60
Trabalho Final de Graduação II 30
Projeto de Pesquisa Coletivo II 60
Projeto de Extensão Comunitária II 60
ACC IV 30
Projeto de Estágio Supervisionado III 120
8º Ética e Cidadania 60
Antropologia e Cosmovisão Franciscana 60
Trabalho Final de Graduação III 60
Optativa II 30
Projeto de Estágio Supervisionado IV 90
Optativa III 30
Seminário Integrado II 30
Estudos e Práticas Independentes 210

Núcleo de formação complementar 1:


Trabalho Pedagógico em Âmbito Não-Escolar
Semestre Disciplina CH
3º Gestão Organizacional 60
5º Gestão Pedagógica em Organizações 60
Gestão de Pessoas 60
6º Pedagogia da Educação Não-Escolar 60
Processos Grupais nas Organizações 60
120

Núcleo de formação complementar 2:


Tecnologias da Informação e da Comunicação na Educação
Semestre Disciplina CH
3º Teorias da Informação e da Comunicação 60
4º Tecnologias da Informação e da Comunicação 60
5º Linguagem de Programação 60
Ferramentas EAD 60
6º Produção de Materiais Didático-Pedagógicos 60

Núcleo de formação complementar 3:


Gestão de Processos Educacionais
Semestre Disciplina CH
3º Políticas Públicas para a Gestão Escolar 60
4º Organização e Gestão Escolar 60
5º Relações Interpessoais em Organizações Escolares 60
Gestão Financeira de Logística Escolar 60
6º Planejamento Administrativo e Pedagógico 60

Quadro 21 - Currículo do curso de Pedagogia: habilita-


ção Magistério das Disciplinas Pedagógicas
do Ensino Médio com o Núcleo Comple-
mentar – Trabalho Pedagógico em Âmbito
Não-Escolar. Curso em fase de extinção.
Semestre Disciplina CH
1º História da Educação I 60
Psicologia da Educação 60
Filosofia da Educação 60
Sociologia da Educação 60
Didática I 60
ACC I 30
2º Metodologia Científica 60
Biologia da Educação 60
História da Educação II 60
Psicologia da Educação II 60
Ensino Língua Portuguesa: Conteúdo e Método 60
3º Didática II 60
Ensino de Matemática: Conteúdo e Método 60
Estrutura e Funcionamento do Ensino 60
Gestão Organizacional 60
Introdução à Informática 60
ACC II 30
121

4º Ensino de Ciências Naturais: Conteúdo


e Método 60
Ensino História e Geografia: Conteúdo
e Método 60
Pesquisa em Educação 60
Ensino/Aprendizagem e Informática 60
5º Pedagogia do Movimento Humano:
Conteúdo e Método 60
Gestão Pedagógica em Organizações 60
Gestão de Pessoas 60
Teoria e Organização Curricular 60
Avaliação da Aprendizagem 60
ACC III 60
Estágio Supervisionado I 120
6º Pedagogia da Educação Não-Escolar 60
Processos Grupais nas Organizações 60
Trabalho Final de Graduação I 30
Optativa I 30
Projeto de Pesquisa Coletivo I 30
Projeto de Extensão Comunitária I 30
Seminário Integrado I 30
Estágio Supervisionado II 90
7º Ensino da Arte: Conteúdo e Método 60
Introdução à Educação Especial 60
Trabalho Final de Graduação II 30
Optativa II 30
Projeto de Pesquisa Coletivo II 60
Projeto de Extensão Comunitária II 60
ACC IV 60
Prática de Ensino VII 30
Estágio Supervisionado III 120
8º Ética e Cidadania 60
Antropologia e Cosmovisão Franciscana 60
Trabalho Final de Graduação III 60
Optativa III 30
Seminário Integrado II 30
Estágio Supervisionado IV 90

Em janeiro de 2002, foi realizado o vestibular para o


curso de Pedagogia: habilitação Magistério da Educação In-
fantil, sendo abertas 40 vagas e aprovados 40 candidatos.
Também, no mesmo ano, foram oferecidas 40 vagas no
concurso vestibular para o curso de Pedagogia: Magistério
Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com 39 alunos apro-
vados em primeira opção e um em segunda opção.
122

Em novembro de 2002, uma comissão, constituída pe-


los professores Sérgio Goldenberg, da Unicamp, e Márcia
Santos Cerqueira, da Uneb, designada pelo Ministério de
Educação, visitou os cursos de Pedagogia, dando parecer fa-
vorável ao reconhecimento dos cursos de Pedagogia Magis-
tério Educação Infantil e Magistério dos Anos Iniciais do En-
sino Fundamental. A portaria n. 725, do reconhecimento, de
22 de abril de 2003, foi publicada no Diário Oficial da União
de 23 de abril de 2003, Seção I, p. 41.
Nesses cinqüenta anos, os cursos de Pedagogia forma-
ram 2.431 professores capacitados a exercer sua profissão com
dignidade, competência e capazes de contribuir, efetivamen-
te, para desenvolvimento humano e a construção da paz.

Considerações finais
O currículo do curso de Pedagogia sofreu profundas
alterações desde 1955, data da criação do curso na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição”. Em
1955, o currículo era centrado em generalidades, não habili-
tando o aluno a ser um professor, embora os formandos no
curso recebessem o registro para lecionar em Filosofia, Soci-
ologia, História e Matemática, no primário e ginásio, atual
ensino fundamental.
Com a lei n. 4.024/61 e os pareceres do Conselho Fe-
deral de Educação, o currículo do curso de Pedagogia, embo-
ra bastante genérico, possibilitava a formação de um profes-
sor para atuar no Curso Normal.
Com a resolução de 31 de março de 1964, o ensino
superior foi todo reformulado e o currículo do curso de Pe-
dagogia passou a formar professores para o ensino normal e
especialistas para as atividades de administração, supervisão,
orientação e inspeção, para atuarem nas escolas e sistemas
escolares, o que resultou na formação de um licenciado com
modalidades diferentes de habilitações.
O currículo era constituído de uma parte comum a to-
das as habilitações e de outra diversificada, em função de cada
habilitação específica.
A Comissão de Especialistas do Ensino de Pedagogia,
em 2001, enfatizou que a docência na educação infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental era a base da organiza-
ção curricular e da identidade profissional do pedagogo.
123

Essas orientações embasaram os currículos dos cursos


de Pedagogia da Educação Infantil, que iniciou em 1999, e
do curso de Pedagogia Anos Iniciais, que começou em 2000,
na Unifra.
No ano de 2001, o Conselho Nacional de Educação
aprovou novas diretrizes curriculares para a formação de pro-
fessores para a educação básica, que ocasionaram novas mo-
dificações curriculares nos três cursos de Pedagogia: Magis-
tério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Magistério
da Educação Infantil e Magistério das Disciplinas Pedagógi-
cas do Ensino Médio, que passaram a ter, cada um, seu pró-
prio projeto pedagógico.
Nos projetos pedagógicos, o ensino, a pesquisa e a ex-
tensão são indissociáveis. Uma das maneiras pela qual a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão vem sen-
do trabalhada é por meio de um componente curricular, que
é a prática de ensino.
A prática de ensino é desenvolvida ao longo dos cursos,
objetivando a sistematização da relação teoria/prática, com
vistas à atividade profissional do futuro professor e caracteri-
za-se, de modo geral, como um meio de suporte para desen-
volver o conjunto de competências e de habilidades necessá-
rias ao profissional docente da Educação Básica.
A prática de ensino permite que o aluno tenha uma vi-
são do universo escolar e do papel que exercerá futuramente,
como profissional, articulando-se com o estágio supervisio-
nado, para formar a identidade do pedagogo como educador.
Nota-se a diferença do primeiro currículo do curso de
Pedagogia de 1955, desarticulado da realidade escolar, e o
atual, em que a integração entre a teoria, desenvolvida pelas
diferentes disciplinas, e a prática, que ocorre nas escolas do
sistema, está presente nos currículos dos cursos.
124

Bibliografia
BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formação de professores:
busca e movimento. Campinas: Papirus, 1996.
BRASIL. Poder Executivo. Decreto-lei n. 1.190, de 4/4/1939.
Dá organização à Faculdade Nacional de Filosofia. In:
Nobrega, V. Enciclopédia da legislação do ensino. São Paulo: Em-
presa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1952, p. 562-570.
CHAGAS, Valnir. Parecer 251/62. Documenta. Rio de Janeiro:
MEC/Inep, 1962.
________. Parecer 292/62 . Documenta. Rio de Janeiro:
MEC/Inep, 1962.
LEITE, Denise. Pedagogia universitária: conhecimento, ética e
política no ensino superior. Porto Alegre: Ufrgs, 1999.
UNIFRA. Plano de desenvolvimento institucional: 2003-
2007. Santa Maria: Unifra, 2002.
126

Trajetórias e contexto formativo dos


professores de Pedagogia
Geórgia Maria Ferro Benetti1
Guacira de Azambuja2

Introdução
Para se conhecer as trajetórias e o contexto de forma-
ção dos professores do curso de Pedagogia da Faculdade
Imaculada Conceição - FIC, hoje Centro Universitário Francis-
cano de Santa Maria, foram entrevistadas algumas professo-
ras que realizaram o seu curso de Pedagogia nesta instituição,
entre 1960 e 2000.
Num primeiro momento, foram delineados os focos de
interesse a desvendar na investigação, considerando o objeti-
vo de apresentar a trajetória e o contexto de formação dos
professores no período referido. À medida em que o contex-
to toma forma, outros indicadores se apresentam, como o
delineamento transformativo do próprio processo formativo
ao longo da história.
Partindo desses objetivos, elaborou-se um roteiro de
entrevistas e logo realizaram-se as mesmas com as professo-
ras. Os dados coletados apontaram-nos o caminho teórico a
1
ser utilizado, resultando no texto que segue. Doutoranda em
Educação na
Universidade Federal
História de vida escolar: revisitando a formação de Santa Catarina.
por meio da memória
Contar a história e o contexto de formação dos professo- 2
Professora no Centro
res de Pedagogia ao longo de cinqüenta anos, requer o retorno a Universitário
Franciscano, mestre
um tempo e a um espaço que fizeram parte da vida pessoal e em Educação.
127

social desses professores, contexto repleto de subjetividades que


colaboraram na constituição individual e coletiva dos mesmos.
Assim, optou-se por apresentar as trajetórias formativas por meio
da memória, pois trabalhar com a memória possibilita a reflexão
e a sistematização de um tempo3 e um espaço, permitindo a
integração entre a história das relações com a escola/instituição
e o conhecimento, considerando, inclusive, a produção de repre-
sentações advindas deste contexto pelas ex-alunas.
Vários são os autores que trabalham com o tema me-
mória, mas aqui vamos nos valer do que diz Fentress e
Wickham e, principalmente, Nunes. Para os primeiros, a me-
mória diz respeito a “um processo ativo de busca de signifi-
cado que reestrutura os elementos a serem lembrados de for-
ma a conservá-los, reordená-los ou excluí-los” (apud Nunes,
2003, p. 134). Já para Nunes (2003, p. 139) “as memórias são
narrativas produtoras de significados que promovem a fusão
interior da intenção com as palavras”. Ambas as concepções
não são distintas, mas complementares, pois envolvem a atri-
buição do significado às representações que, por sua vez, tor-
nam-se o fator propulsor da utilização e emissão das palavras
que possam simbolizar tal significado.
Assim, a importância que tem o trabalho com a memó-
ria, não só, mas também, para as narrativas das produções
que visam à elaboração e divulgação da história da formação
docente, neste caso, demonstra a sua força e vitalidade ao
mesmo tempo que pode silenciar. O surgimento do esqueci-
mento pode estar relacionado às lembranças traumatizantes.
Nesse sentido, Pollak (1989) examinou as diferentes signifi-
cações do silêncio no decorrer de estudos realizados sobre as
memórias subterrâneas, bem como mostrou “as funções de refe-
rência que a memória coletiva exerce para as memórias indi-
viduais” (Catani, 2003, p. 125).
Entretanto, a seleção de lembranças e representações,
que dizem respeito ao universo subjetivo que envolve as situ-
ações vivenciadas, sejam elas positivas ou não, estão estreita-
3 mente vinculadas ao uso do esquecimento de modo conveni-
O termo tempo está
sendo utilizado em ente, caracterizando, desse modo, que há um jogo de poder
dois sentidos: no entre a memória e o esquecimento (Catani, 2003).
cronológico e no
sentido atribuído por Então, há dois movimentos na existência do esqueci-
Tardif (2002), que se
refere à situação
mento, aquele que faz parte da memória, sendo pré-requisito
vivida. para o pensamento, e aquele que a silencia (Catani, 2003).
128

O roteiro da entrevista realizada com as seis professo-


ras foi constituído de dezenove questões que envolveram as
mais diversas nuanças sobre a trajetória de vida escolar como:
a vida na instituição, as representações acerca do curso, dos
professores, das atividades realizadas na época, como eram
programadas, quem as organizava, da participação dos alu-
nos, enfim, tentou-se fazer um rastreamento dos espaços e
lugares, utilizando para isso a memória como fonte.
Embora esse roteiro estivesse demasiado extenso, as
entrevistadas, na sua maioria, demonstraram os dois movi-
mentos da memória: lembrar e esquecer. “As memórias são
indissoluvelmente nossas, fazem parte de nós e nos constitu-
em. Estamos no centro delas e só quando elas fazem cons-
cientemente parte de nós podemos partilhá-las com outros.
[...] As memórias dizem quem somos” (Catani, 2003, p. 135).
As narrativas das memórias pelos sujeitos revelam quem
eles são, porque envolvem não só a descrição das situações
vivenciadas por eles, mas também, e principalmente, porque
revelam as representações que os sujeitos fazem delas [situa-
ções].
Assim, a escola torna-se um lugar onde se vivem e se
experienciam situações que posteriormente se tornam cons-
trução de memória social e pessoal. As representações
advindas desse lugar e desse tempo demonstram o perfil de
formação docente em função das referências se tornarem
fontes. Nunes (2003, p. 137) faz referência às lembranças do
espaço escolar dizendo que
lembrar-se do espaço escolar é lembrar-se também
do entorno, do trajeto que leva da casa à escola, per-
curso de descoberta e manipulação, de aventuras e
perigos, de brincadeiras e desafios. É uma memória
que se enraíza nos gestos de um local concreto e que
se torna emblemática quando é conferida à institui-
ção, que lhe dá suporte, a transmissão dos valores da
nação. Remete a um tempo preciso que a lembrança
nostálgica muitas vezes esgarça. É o sinal de que se
reconhece e pertence a certo grupo social e a uma
determinada geração.

A memória está nos diversos lugares em que se circula,


ela não é fixa, ela é anamórfica. A memória tem movimento à
medida em que é recordada, trazida à tona - com seus ele-
mentos representativos - a partir dos ordenamentos e
129

reestruturações realizadas sobre as experiências vividas inte-


riormente. Os fragmentos das entrevistas que seguem demons-
tram o movimento da memória entre o passado e o presente:
Na época a diretora daqui era a irmã Consuelo, e as
aulas eram no prédio um. Às vezes quando dou au-
las ali na frente eu penso: eu já sentei nessas classes,
eu já fui aluna, hoje estou aqui como professora. Os
quadros talvez aumentaram um pouco de tamanho,
as mesmas janelas, as mesmas portas, mudaram os
ventiladores, os datashow são inovações, mas quan-
do não tem luz não adianta datashow, para quem não
tem domínio de conteúdo não adianta datashow. Eu
penso que o computador é um auxiliar, os professo-
res procuravam utilizar todas as tecnologias como
hoje (professora c).

Olhar a formação de professores por meio da subjetivi-


dade compósita da memória, em relação à construção dos
espaços em determinados tempos, fundamenta-se na possi-
bilidade de abranger e confrontar situações diversas do coti-
diano escolar. Situações que mostram o que, muitas vezes,
não é possível identificar na sua concretude, mas que silenci-
osamente vão constituindo as minúcias das relações huma-
nas, por meio das condições existenciais da sua própria for-
mação e da construção da história.
Dessa forma, é importante lembrar que “a educação
pela memória conduz o sujeito simultaneamente para dentro
de si mesmo e para fora de si num processo contínuo de
solidariedade, no qual a diferença do outro, quando percebi-
da, é afirmada, e não desqualificada” (Catani, 2003, p. 143).
Os valores e simbolismos que são atribuídos aos espa-
ços escolares bem como os lugares ocupados neles, repercu-
tem na representação que se faz e, por que não dizer, na ima-
gem que se deseja fazer da instituição, sem dispensar a
culturalidade implícita no sentido educador que esse contex-
to passa a exercer.
As professoras narram o que significava realizar o cur-
so de Pedagogia, bem como o lugar onde este estava sendo
cursado, no caso a FIC:
O fato de estudar numa instituição religiosa era ex-
tremamente importante para mim pelos valores e
critérios [...]. Os estudantes do curso eram muito bem
vistos, porque significava status estar estudando e
130

fazer um curso superior, ser professora na época era


mais valorizado (professora d).

É muito importante ter a formação numa instituição


religiosa pelos valores, morais, éticos. O curso de
Pedagogia era muito valorizado naquela época, a gen-
te já trabalhava e foi uma forma de abrir novos hori-
zontes e modernização, não lembro de ter uma rejei-
ção... nunca houve diferença em ser da FIC, desde
aquela época sempre foi muito bem conceituada, era
muito bem vista (professora e).

É interessante observar no próximo fragmento que a


tomada do espaço vivido torna-se parte formativa da perso-
nalidade:
para mim foi muito importante [optar pela FIC] em
toda a minha formação, em todo o magistério, os
princípios, a coerência, o sentido de ser educadora,
sempre era muito solicitado, eu acho que isso foi fun-
damental para toda a minha caminhada até hoje e
toda a minha graduação foi aqui na instituição. Eu
tenho todos os princípios da instituição impregna-
dos, eu me formei aqui (professora a).

Frago (2001, p. 63) diz que “o conhecimento de si mes-


mo, a história interior, a memória, em suma, é um depósito
de imagens. De imagens de espaços que, para nós, foram,
alguma vez e durante algum tempo, lugares. Lugares nos quais
algo de nós ali ficou e que, portanto, nos pertencem; que são,
portanto, nossa história”.
É importante ressaltar que o conhecimento de si não se
limita aos aspectos citados anteriormente pelo autor, mas que
os mencionados fazem parte desse conhecimento, inclusive
por meio do uso que o indivíduo passa a fazer deles.
O espaço como elemento influente no processo
educativo cumpre determinadas funções que são não só pe-
dagógicas, mas também culturais, por meio, inclusive, de uma
arquitetura que fala por si:
Muito importante estudar nessa instituição, porque
a filosofia franciscana permeia por todas as salas, por
todos os lugares que tu vais existe um respeito, uma
educação, tudo é limpo, tudo é certo, pela organiza-
ção você observa a filosofia franciscana e o aprendi-
zado não se faz só através da leitura dos livros, o
131

aprendizado vem pela experiência, se é disciplinado.


(professora c).

Assim, é possível identificar que a instituição/escola é


um produto de cada época, sua construção permeia as trans-
formações culturais e simbólicas dominantes de cada tempo.
Historicamente, a escola ou, melhor,
o espaço-escola também foi se regionalizando, eman-
cipando-se primeiro da casa e de outros lugares nos
quais se localizou, constituindo-se depois como ha-
bitação ad hoc, especializada nas funções de instru-
ção, inclusive com anexos complementares (reserva-
dos higiênicos, pátios, átrios, closets, bibliotecas e ou-
tras dependências), e diferenciando-se finalmente em
salas de aula separadas por graus ou ciclos e sexos
(Frago e Escolano, 2001, p. 46).

A influência que exercem o espaço e o lugar da escola


na vida do educando pode ser realizada também por meio
daqueles que compõem esse espaço, os professores e os alu-
nos, passando a constituir o lugar. A relação que se estabele-
cia com os professores era de
uma postura de muito respeito, a gente tinha admi-
ração pelos nossos professores, a gente procurava
estar junto com eles e também era uma outra época,
tinha poucos alunos e fora da graduação não tinha
tantas opções como a gente tem hoje (professora a).

os professores que davam aulas aqui eram de Santa


Maria, a imagem que os professores procuravam
passar era de seriedade, inclusive na forma de se por-
tar e se vestir, mas existia uma relação de amizade e
de respeito. A atitude discreta na maneira de vestir,
nós as alunas, [...] sempre de forma mais séria e eu
percebo como é importante a forma de se vestir. A
média de idade das alunas era muito variada por que
algumas já trabalhavam, então não havia uma faixa
etária certa, e os professores, uma faixa de idade de
trinta, trinta e cinco anos (professora d).

O tipo de roupa era tradicional, o professor [...] sem-


pre de terno, as professoras de forma discreta, tinha
um certo limite para as coisas. Passavam a imagem
de um professor batalhador, preocupado com o en-
sino, uma gente que já era profissional, o pessoal ti-
132

nha uma média de idade de vinte e cinco anos e dos


professores era de trinta e cinco, quarenta anos. Nós
tínhamos professores muito bons (professora e).

Para reforçar a importância das narrativas anteriores utili-


zaram-se os argumentos de Frago (2001, p. 64) ao dizer que
o território e o lugar são, pois, duas realidades individuais
e grupalmente construídas. São, tanto num quanto nou-
tro caso, uma construção social. Resulta disso que o es-
paço jamais é neutro: em vez disso, ele carrega, em sua
configuração como território e lugar, signos, símbolos e
vestígios da condição e das relações sociais de e entre
aqueles que o habitam. O espaço comunica; mostra, a
quem sabe ler, o emprego que o ser faz dele mesmo. Um
emprego que varia em cada cultura; que é um produto
cultural específico, que diz respeito não só às relações
interpessoais, mas também à liturgia e ritos sociais, à
simbologia das disposições dos objetos e dos corpos -
localização e posturas -, à sua hierarquia e relações.

Eis a simbologia do espaço, e quem disse que o espaço


e o lugar não são também elementos culturais de formação?
Tanto o são que se fazem presentes na memória e nos depo-
imentos referentes a ela. Em consonância, “as nossas memó-
rias são subjetivas, estruturadas pela linguagem, pela forma-
ção, pelo ensino, pelas idéias assumidas coletivamente e pelas
experiências partilhadas” (Nunes, 2003, p. 136). Assim, as
experiências escolares tornam-se riqueza e patrimônio, tendo
surgido coletivamente, mas ressignificadas ao longo da traje-
tória formativa. Desse modo, é visível que as necessidades e
exigências dos tempos/épocas são importantes para o avan-
ço da atividade humana e, principalmente, quando estamos a
falar das atividades educativas. Nesse sentido, discorrer sobre
o tempo e os espaços também requer uma dose de flexibili-
dade sobre a contextualização e as necessidades de cada perí-
odo, como pode ser conferido a seguir:
eram poucas as pessoas que se formavam, você passava
de ano, nós não tínhamos nem trabalho de conclusão de
curso, nem pesquisas, nem atividades extracurriculares,
nem extra-classe, nem prestávamos nenhum serviço à
comunidade, nós só dávamos uma aula modelo, marcá-
vamos aquele dia no qual a gente tinha que dar a aula
modelo, eu tenho muitas amigas dessa época, mas assim
a gente vai mudando... (professora c).
133

A instituição escolar como lugar produtor de memória


social torna-se também produto do tempo. Produto que se
encontra em constante mudança, mas que não deixa de docu-
mentar a sua história ou como bem diz Nunes (2003, p. 137):
As reminiscências desse espaço são possíveis pela
estrutura das suas rotinas e sua continuidade no tem-
po. A importância dessa instituição, mesmo quando
apontamos a sua crise na construção das subjetivi-
dades do mundo contemporâneo, reside no fato de
representar, durante a infância e a adolescência, para
além da sua finalidade específica, um território de
lenta aprendizagem do mundo exterior. Os códigos
desse universo transparecem na definição de um es-
paço que lhe é próprio, no uso do tempo, nas regras
disciplinares, nas vestimentas específicas e numa
pluralidade de objetos.

O espaço e o tempo escolar, vividos e tecidos na traje-


tória de cada educando, só apresentam sentido em função
das relações sociais estabelecidas, o que faz considerar as ques-
tões políticas e históricas do ser humano, bem como os as-
pectos singulares, como é o caso dos seus valores. É assim
que a memória da instituição escolar passa a ter vida e ser
caminho incompleto da história, mas caminho de permanen-
tes descobertas por parte do ser humano.
Lovisolo traz uma reflexão sobre os sentidos da memó-
ria em tempos modernos. Diz ele:
É no campo do pensamento social ou pedagógico
sobre a formação dos homens que uma história da
memória pareceria ter um lugar fecundo de reflexão
e experimentação. E isto particularmente, quando se
entende que uma das linhas constitutivas da moder-
na pedagogia é a da crítica, sempre renovada ou
reiniciada, à memorização, ao memorismo, às virtu-
des da boa memória. Crítica erudita da memória que
se opõe: por um lado à valorização da memória his-
tórica ou coletiva; por outro à valorização popular
da memória (1989, p. 18).

É por meio do uso da memória pessoal que se torna


possível aludir à história social e educativa, também como
instrumento de compreensão de si mesmo e dos outros, tor-
nando-se formação e autoformação contínua.
Revisitando as trajetórias escolares é possível realizar uma
análise das condições individuais e coletivas da formação, dos
134

elementos singulares e plurais que compunham os espaços e


os lugares desta, dos quais o indivíduo torna-se parte, seja por
meio do reconhecimento ou do não reconhecimento dos dis-
cursos, da prática pedagógica, entre outros, que posteriormen-
te passam a ser o local pessoal e social, individual e coletivo a
ser visitado tanto como fonte de consulta, para a compreensão
das influências dos processos formativos da docência, quanto
de causa de mudança e construção de formação permanente
com vista às necessidades políticas, práticas e teóricas da for-
mação, que configuram o tempo e instigam o (re)encontro com
a história e as memórias de formação.

Bibliografia
CATANI, Denice Barbara. Lembrar, narrar, escrever: memória
e autobiografia em história da educação e em processos de
formação. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. Formação de
educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Unesp, 2003.
FRAGO, Antonio Vinão; ESCOLANO, Agustín. Currículo,
espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001.
LOVISOLO, H. A memória e a formação dos homens. Revis-
ta Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989.
NUNES, Clarice. Memória e história da educação: entre prá-
ticas e representações. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite.
Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Unesp,
2003.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista
Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.2, n.3, p. 3-5, 1989.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.
Petrópolis: Vozes, 2002.
136

O pioneirismo do curso de Letras


Célia Helena Pelegrini Della Méa1
Laurindo Dalpian2
Nilsa Teresinha Reichert Barin3

O curso de Letras do Centro Universitário Franciscano


de Santa Maria, por seus professores, ao ensejo de seu
cinqüentenário, tenta recuperar um pouco de sua história e
mostrar o quanto favoreceu o desenvolvimento das Letras na
Região Centro do Estado do Rio Grande do Sul. Já em mea-
dos do século passado Santa Maria manifestava a sua vocação
de cidade universitária. Graças à visão de futuro de suas lide-
ranças, a implantação de cursos superiores veio oferecer reais
oportunidades para que muitos jovens pudessem construir
uma história de sucesso profissional e de contribuição educa-
cional para muitas gerações. Neste capítulo vamos ver alguns
dados históricos e apresentar pessoas que ajudaram na cons- 1
trução da Universidade, bem como alguns professores e ex- Professora no Centro
Universitário
alunos. Franciscano de Santa
No início de março de 1953, conforme depoimentos Maria, mestre em
Letras.
da irmã Carmen Silveira Netto (apud Silva, 1997), realizou-se
uma reunião da Associação Pró-Ensino Superior - Aspes, de 2
Professor no Centro
Santa Maria, num velho casarão, onde funcionava a Faculda- Universitário
de de Farmácia, à rua Floriano Peixoto, ocasião em que o Franciscano de Santa
Maria, doutor em
fundador e então presidente da referida Aspes, dr. José Letras.
Mariano da Rocha Filho, sugeriu ao prof. irmão Gelásio
Mombach e à profa. irmã Carmen Silveira Netto, presentes à 3
Professora no Centro
reunião, que os irmãos maristas e as irmãs franciscanas crias- Universitário
sem as Faculdades de Ciências Políticas e Econômicas e a Franciscano de Santa
Maria, mestre em
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Letras.
137

A idéia lançada não caiu no vazio; pelo contrário, en-


controu terreno muito fértil. Movimentou as lideranças
engajadas e preocupadas com a ampliação do ensino superior
na cidade de Santa Maria, visando aos benefícios que tal pro-
jeto, uma vez concretizado, iria trazer para toda a Região Cen-
tro do Estado. Muitos jovens deviam deslocar-se para Porto
Alegre, se desejassem fazer um curso superior, possibilidade
esta restrita aos mais abastados.
O fato é que o ano de 1953 estava quase terminando,
quando surgiu um primeiro resultado bem consistente: o con-
sentimento da Sociedade Caritativa e Literária São Francisco
de Assis - Zona Norte, das Irmãs Franciscanas da Penitência
e Caridade Cristã, mantenedora da Província “Imaculado
Coração de Maria”, com sede em Santa Maria, de fundar a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O ato de fundação
veio por meio da madre Antoninha Werlang, presidente da
Mantenedora, quando, na reunião da Aspes, comunicou a
decisão. Dados referentes a esse ato inicial podem ser encon-
trados nos relatórios do reconhecimento, arquivados no De-
partamento de Registro e Controle Acadêmico do Centro
Universitário Franciscano de Santa Maria, enviados, na épo-
ca, pelo inspetor federal, à Diretoria do Ensino Superior do
Ministério da Educação e Cultura.
Nesses arquivos encontra-se a ata de fundação, relatan-
do que às 10h30min, de 19 de dezembro de 1953, no salão da
Associação Cultural, sob a presidência de José Mariano da
Rocha Filho, diretor da Faculdade de Farmácia, reuniram-se:
madre M. Antoninha Werlang, presidente da Scalifra; revmo.
mons. Frederico Didonet, cura da Catedral; revmo. pe.
Leônidas Maximiliano Didonet; irmão Gelásio, diretor do
Colégio Santa Maria; dr. Hélio Herbert Santos; dr. Miguel
Sevi Viero; Madre M. Elenara Vogel; irmã M. Consuelo Silveira
Netto (secretária ad hoc). José Mariano reiterou a necessidade
premente de uma Faculdade de Filosofia na cidade. Todos se
manifestaram de acordo. Ato contínuo, a irmã M. Antoninha
Werlang deu sua aquiescência e, assim, foi declarada a criação
da Faculdade de Filosofia.
A esse passo inicial seguiu-se outra etapa de atividades
intensas, especialmente a fim de conseguir a autorização ofi-
cial para o funcionamento dos cursos. A Sociedade delegou
competências, para agilizar todos os procedimentos necessá-
138

rios, à irmã Carmen Silveira Netto. O ano de 1954 foi marca-


do por freqüentes viagens ao Rio de Janeiro, capital da Repú-
blica, para encaminhar e acompanhar o processo junto aos
órgãos competentes do Governo Federal, e para visitas a per-
sonagens influentes que pudessem agilizar a tramitação. Uma
figura política que em muito contribuiu foi o então deputado
federal Tarso Dutra.
Conforme consta no primeiro relatório do reconheci-
mento, o inspetor federal, em ofício de 19 de março 1954,
dirigido ao diretor do Ensino Superior do Ministério da Edu-
cação e Cultura, observava a capacidade de a Scalifra manter
a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Con-
ceição” e cita os diversos cursos pleiteados. Cita também o
limite máximo de 40 alunos para cada curso.
Ainda nesse relatório consta a lista de professores pre-
vistos para os diversos cursos. Para o curso de Letras Clássi-
cas: Língua e Literatura Grega, pe. João Chrisóstomo Drábeck;
Língua e Literatura Latina, Albino Seibel; Língua Portuguesa
e Filologia Românica, Maria Antunes Bernardes; Literatura
Brasileira e Portuguesa, Carmen Silveira Netto. Para o curso
de Letras Neolatinas: Língua Latina, Antonio Seibel; Língua
Portuguesa, Maria Antunes Bernardes; Literatura Brasileira e
Portuguesa, Língua e Literatura Francesa, Carmen Silveira
Netto; Língua e Literatura Italiana, pe. Francisco Roggia; Lín-
gua e Literatura Espanhola, frei Octavio da Incarnação;
Filologia Românica, Maria Antunes Bernardes. Para o curso
de Letras Anglo-germânicas: Língua Latina, Antonio Seibel;
Língua Portuguesa, Maria Antunes Bernardes; Literatura Bra-
sileira e Portuguesa, Carmen Silveira Netto; Língua e Litera-
tura Inglesa, Thecla Leopoldina Rambo; Língua e Literatura
Alemã, irmão Érico João Riederer.
Todo o trabalho de preparação viu-se coroado de pleno
êxito, quando o funcionamento dos cursos da recém-criada
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Concei-
ção” - FIC foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educa-
ção e autorizado pelo decreto n. 37.103, de 31 de março de
1955, que transcrevemos na íntegra:
O presidente da República, usando de atribuições
que lhe confere o art. 87, Item I, da Constituição e
nos termos do art. 23 do decreto-lei n. 421, de 11 de
maio de 1953, decreta: Artigo único: É concedida a
139

autorização para funcionamento dos cursos de Pe-


dagogia e Letras Anglo-germânicas da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição”,
mantida pela Sociedade Caritativa e Literária São
Francisco de Assis - Zona Norte, com sede em San-
ta Maria, Estado do Rio Grande do Sul. Rio de Ja-
neiro, em 31 de março de 1955. 134º da Indepen-
dência e 67º da república. - João Café Filho - Candido
Motta Filho - n. 9613 – 1º/4/1955.

O elenco de professores já tinha sido aprovado pelo


parecer n. 40, em 21 de março de 1955, do Conselho Nacio-
nal de Educação - CNE.
A repercussão dessa conquista foi imediata. O jornal lo-
cal “A Razão”, em sua edição de 1º de abril de 1955, noticiou o
funcionamento dos cursos e a euforia que tomou conta das
lideranças envolvidas. Informou também as providências to-
madas para a realização do primeiro vestibular e o início das
aulas. A cidade passou a contar com mais uma Faculdade, que
veio somar-se às outras quatro já existentes: Farmácia, Medici-
na, Ciências Econômicas e a Escola Superior de Enfermagem.
Recchia (apud Silva, p. 40) considera como os grandes
impulsionadores, na época, da FIC: Tarso Dutra, deputado fe-
deral; José Mariano da Rocha Filho, diretor da Faculdade de Far-
mácia; irmão José Otão, diretor da Pontifícia Universidade Cató-
lica do Rio Grande do Sul - PUCRS; irmão Faustino João, dire-
tor da Faculdade de Filosofia da PUCRS, e Carmen Silveira Netto,
professora e primeira diretora da FIC. Destacamos que, no dia
19 de novembro de 1982, a irmã Consuelo recebeu a Medalha
Pacificadora por serviços prestados ao Exército do Brasil no
Regimento Mallet, a única mulher santa-mariense a receber se-
melhante destaque do Ministério do Exército até aquela data.
De fato, Tarso Dutra foi, em 1959, homenageado com
uma placa que se encontra no hall do prédio 1, campus 1, da
Unifra. Por ocasião do 15º aniversário da FIC (1970), o corpo
docente e o Centro Acadêmico, também com uma placa, presta-
ram homenagem às irmãs franciscanas, na administração de Car-
men Silveira Netto e de Maria Augusta Silveira Netto. Na mes-
ma ocasião uma placa também em reconhecimento da Faculda-
de ao prof. dr. José Mariano da Rocha Filho, reitor da Universi-
dade Federal de Santa Maria, ao prof. irmão José Otão, reitor da
PUCRS; ao prof. irmão Faustino João, diretor da Faculdade de
Educação da PUCRS, e aos professores fundadores.
140

Com a autorização de funcionamento, as providências


necessárias para iniciar as atividades docentes e discentes fo-
ram imediatamente tomadas. O jornal “A Razão”, em 12 de
abril de 1955, e o “Diário do Interior”, em 13 de abril de
1955, publicavam o edital para o 1º vestibular, em que a irmã
M. Consuelo (Carmen Silveira Netto), primeira diretora, in-
formava que, de 14 a 16 de abril de 1955, estavam abertas as
inscrições para o concurso de habilitação (vestibular) de can-
didatos para os cursos de Letras Anglo-Germânicas e de Pe-
dagogia da FIC. O edital foi assinado pela irmã Felicidade
(Maria Augusta Silveira Neto), então secretária.
O entusiasmo era tanto que a aula inaugural foi marcada
para o dia 27 de abril de 1955, a ser proferida, no Centro
Cultural, pelo então reitor da PUCRS, prof. irmão José Otão.
A imprensa local, aliando-se à euforia geral, fez ampla divul-
gação do evento. A programação do dia 27 foi a seguinte: 8h
– missa em ação de graças, na capela do Colégio Sant’Anna;
16h30min – coquetel oferecido ao irmão José Otão e autori-
dades, numa das dependências da Faculdade; 20h30min – aula
magna. As personalidades que compunham a mesa oficial
foram: o palestrante irmão José Otão; o prof. dr. Mariano da
Rocha Filho, presidente da Aspes e diretor das Faculdades de
Farmácia e Medicina; coronel Max Hanke, comandante da
Guarnição da Brigada Militar; Antero Corrêa de Barros, re-
presentante do prefeito Raul Valandro; irmã M. Consuelo,
diretora da novel Faculdade; representante do general coman-
dante da Guarnição Federal, inspetores de ensino, professo-
res e representantes de entidades. A conferência tinha o se-
guinte título: “Evolução histórica das faculdades de Filosofia
e o seu valor como fontes de cultura”4. E, assim, iniciaram-se
as atividades didáticas, com 41 alunos, sendo 13 do curso de
Letras Anglo-Germânicas e 28 do curso de Pedagogia.
As lideranças da Faculdade Imaculada Conceição - FIC
- mantiveram-se muito atentas e ativas, alcançando passo a
passo as diversas metas exigidas para o funcionamento e o
reconhecimento dos cursos superiores. Para isso não faltou
dedicação. Era um contínuo expedir de correspondências,
organizar processos, viajar para a capital do país, cuidar, en- 4
A íntegra dessa
fim, de inúmeros assuntos internos e externos. conferência encontra-
E, dessa forma, pelo decreto n. 41.211, de 27 de março se transcrita no
primeiro capítulo
de 1957, foi concedida autorização para funcionamento do desse livro.
141

curso de Letras Neo-latinas. Ainda no decorrer do mesmo


ano, mais uma conquista: o decreto n. 42.801, de 12 de de-
zembro de 1957, concedeu o reconhecimento ao curso de
Letras Anglo-Germânicas. Mal se passaram dois anos e veio
o decreto n. 47.437, de 16 de dezembro de 1959, concedendo
o reconhecimento ao curso de Letras Neo-latinas.
A necessidade de adequação aos tempos obrigou o cur-
so de Letras a passar por diversas transformações, extinguin-
do cursos e implementando outros. A partir de 1963, o curso
de Letras Anglo-Germânicas passou a se chamar Letras In-
glês e o de Neo-latinas, Letras Francês.
A partir de 1965, o Ministério da Educação e Cultura
criou as licenciaturas de primeiro ciclo, de curta duração. Es-
ses cursos ofereciam currículos polivalentes e a curta duração
tinha a intenção de formar um professor mais ajustado aos
reclamos da escolarização fundamental e às possibilidades da
maioria dos Estados. Em 1968, foi introduzido pela FIC, em
Santa Maria, o chamado Curso Polivante de Letras (licencia-
tura curta), que já havia funcionado por projeto de extensão,
na cidade de Santa Cruz do Sul, no ano de 1967. Essa idéia
foi levada a outras cidades, como Alegrete e São Gabriel, até
o ano de 1969, quando os cursos de extensão ficaram a cargo
da recém-criada Universidade Federal de Santa Maria, cuja
licenciatura em Letras teve seu funcionamento garantido por
corpo docente formado quase que exclusivamente de egres-
sos da FIC. Quando foi criado o curso de pós-graduação em
Educação da UFSM, dos nove professores ali admitidos, seis
eram provenientes da FIC.
Sempre com o objetivo de responder às necessidades da
educação nacional, no ano de 1974, o curso de Letras passou a
oferecer três habilitações: Português Francês, Português Inglês
e Português. Houve mesmo, segundo informação constante
em atas da época, a efêmera habilitação em Italiano.
A partir de então, o curso foi objeto de outras iniciati-
vas: encerraram-se as licenciaturas curtas, as aulas passaram a
funcionar exclusivamente no período noturno, o currículo
sofreu várias transformações, sempre visando ao seu aprimo-
ramento e à sua adequação à realidade social da região e ao
mercado de trabalho. Devido a sua baixa procura, o curso de
Português Francês (ex-Neo-Latinas), teve seu último vesti-
bular em 1980 e sua última formatura em 1985.
142

O curso de graduação em Letras do Centro Universitá-


rio Franciscano mantém atualmente duas habilitações: 1) Lín-
gua Portuguesa e Literaturas da Língua Portuguesa; 2) Lín-
guas Portuguesa e Inglesa e respectivas Literaturas. Buscando
sempre a excelência acadêmica, não se tem furtado à auto-
avaliação, nem às rigorosas avaliações externas, nem tampouco
hesitado diante dos desafios propostos pelos avanços da
modernidade. Apesar das dificuldades e dos percalços decor-
rentes da desvalorização das licenciaturas no contexto nacio-
nal, dificuldades decorrentes também e principalmente do
súbito acesso de uma (até bem pouco tempo) pacata faculda-
de ao estatuto de centro universitário, passagem que determi-
nou o inevitável salto de etapas e o amadurecimento de seu
pessoal, os profissionais da área de Letras continuam a acre-
ditar no poder transformador da educação, guiados pela fé
numa sociedade mais justa e humana.
A seguir, para visualizar melhor alguns dados que com-
põem a história do curso de Letras, apresentamos diversos
gráficos: das matrículas, nos primeiros dez anos, e dos alunos
graduados nas diversas formaturas, de 1957 a 2002.

Letras Anglo-Germânicas: matrículas por ano5.

Letras Neo-Latinas: matrículas por ano.

5
Para o levantamento
dos dados e a
organização dos
gráficos colaborou o
aluno bolsista Fabiano
Silveira Machado.
143

Em seguida, apresentamos uma série de gráficos com o


número de alunos formados no curso de Letras, nas suas di-
versas terminalidades, no período que vai de 1957 a 2002.
Deve-se considerar que a duração regular dos cursos, nos
primeiros tempos, era de três anos, sendo posteriormente
ampliada para quatro anos. Os gráficos reportam o número
total de diplomados nas diversas formaturas realizadas nos
respectivos anos.

Número de graduados no curso de Letras: de 1957 a 1963.

Número de graduados no curso de Letras: de 1964 a 1971

Número de graduados no curso de Letras: de 1972 a 1975


144

Número de graduados no curso de Letras: de 1976 e 1977

Número de graduados no curso de Letras: de 1978 a 1985

Número de graduados no curso de Letras: de 1986 a 2002

Esse pequeno esboço histórico, do curso de Letras,


mostra-nos que o somatório das contribuições de muitas pes-
soas, ao longo do tempo, confluiu para o que temos hoje: um
Centro Universitário por excelência. Sob a égide dos ideais de
Francisco, com desprendimento, amor e dedicação, novas
metas vão sendo perseguidas e, aos poucos, mas com persis-
tência, vão se concretizando em novos cursos, novos prédios,
com centenas de professores e funcionários, e milhares de
alunos, convivendo em “paz e bem”.
145

Bibliografia
SILVA, Maria Virgínia dos Santos. FIC: 1955-1995: 40 anos de
história. Santa Maria: Pallotti, 1997.
VERISSIMO, Erico. Solo de clarineta I. Porto Alegre: Globo,
1978. p. ii.

Depoimentos
A apresentamos aqui alguns depoimentos de professo-
res egressos dos cursos de Letras da FIC.

Nilsa Teresinha Reichert Barin6


“O curso de Letras, do Centro Universitário Franciscano
de Santa Maria, para mim é referência de vida. O primeiro
vestibular que prestei para o curso de Letras foi na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição” e, qua-
tro anos depois, na década de 1980, concluí a graduação. Como
aluna egressa e professora do curso de Letras, desde então
percebo com grande clareza que as perspectivas histórico-
culturais, os conhecimentos lingüísticos e literários desenvol-
vidos no curso pautaram toda a minha experiência docente
até hoje. Quando falo no curso de Letras, da Unifra, refiro-
me a quase duas décadas da minha própria existência: são
anos de dedicação, aprendizado e orgulho em fazer parte de
uma equipe que trabalha com o propósito de mudar a realida-
de que nos circunda, bem como fortalecer a consciência da
nossa missão como docentes.
Em todos esses anos, tive o privilégio de acompanhar o
crescimento do curso de Letras. Duas reformas curriculares
foram necessárias para que, hoje, o projeto pedagógico do
curso seja citado como exemplo por consultores do MEC,
Professora no Centro
6 enquanto viajam pelo Brasil avaliando outros currículos. Te-
Universitário mos consciência de que nosso compromisso, como profes-
Franciscano de Santa
Maria, mestre em
sores de linguagem, é muito grande: em todas as nações de-
Letras. senvolvidas do planeta, a maioria da população é razoavel-
146

mente letrada e isso tem sido fundamental para o seu desen-


volvimento. A informação, base de qualquer sociedade evo-
luída, é o conjunto das idéias, noções, argumentos e saberes
que só podem ser consolidados através das palavras e fixados
na escrita.
Os êxitos na profissão e na vida pessoal, no meu enten-
der, têm um pouco do que afirma D. Helder Câmara no se-
guinte pensamento: “Fazer tudo, dar o máximo, trabalhar sem-
pre com alma e com toda a alma, quer se trate de conduzir às
estrelas uma nave espacial ou de fazer uma simples ponta de
lápis”. Nesse sentido, sabemos que o mundo moderno colo-
ca em evidência um mercado de trabalho que exige sempre
mais a qualificação de quem está diretamente inserido nesse
contexto. O que me tranqüiliza, no entanto, é a certeza de
que o curso de Letras, da Unifra, oferece aos alunos uma
formação de qualidade, que os prepara para lidar com as di-
versidades sociais e culturais, tão marcantes na sociedade con-
temporânea.
Entre as metas específicas do Plano de Desenvolvimento
Institucional do Centro Universitário Franciscano está o re-
conhecimento dos cursos de graduação pela satisfação da
comunidade e pelos padrões de qualidade do Ministério da
Educação. Como mencionei anteriormente, o curso de Le-
tras tem esse perfil: parte do pressuposto de que a pesquisa
constitui-se em uma atividade fundamental de qualificação,
procurando, no dia-a-dia, consolidar as linhas de pesquisa que
dão suporte e ênfase aos processos investigativos tanto da
língua quanto da literatura. Por todos esses motivos, sinto-
me feliz em pertencer a essa equipe que trabalha, acima de
tudo, com o coração”.

Tania Regina Taschetto7


“Minha formação na antiga Faculdade de Filosofia, Ci-
ências e Letras “Imaculada Conceição” – FIC, deu-se de 1976
a 1979, última turma do currículo de três anos e meio. For-
mei-me no início de agosto de 1979, mais precisamente no 7
Professora do
dia 11, no curso de Licenciatura em Letras – Português-In- Departamento de
glês e respectivas Literaturas. Embora fosse curso noturno, Letras Clássicas,
Filologia e Lingüística,
as atividades eram diversificadas, valorizando sobremaneira o do curso de Artes e
ensino, numa busca rigorosa e incessante pela qualidade. Letras, da
Universidade Federal
Mesmo que à época as atividades de pesquisa não fossem de de Santa Maria.
147

todo priorizadas, as atividades de extensão eram intensas. Tí-


nhamos contato contínuo com pesquisadores de reconheci-
mento nacional e internacional que, sem dúvida, proporcio-
naram crescimento intelectual e vivência da prática educativa
que é quase impossível de avaliar. Ao longo das Semanas de
Arte e Cultura e dos Seminários de Metodologia, nossa formação
foi tomando corpo e nos proporcionando, além de conversas
com escritores, vivências com as mais diferentes abordagens,
olhares e pontos de vista sobre o nosso objeto de estudo e de
trabalho – a língua e suas práticas de linguagem e linguageiras.
Isso tudo se traduziu também em pesquisa, no momento em
que nos interessávamos em aprofundar algum ponto tratado
nos eventos. A partir da graduação, passei pelas instâncias da
pós-graduação: especialização, mestrado e doutorado. Nessa
experiência, pude avaliar que meu processo de formação ti-
vera um bom começo e que, portanto, garantia uma continui-
dade natural na formação continuada. Quatro anos após a
graduação, voltei à FIC para lecionar Língua Inglesa e Didáti-
ca do Inglês, experiências também valiosas não só para mi-
nha formação e experiência docente, como também para im-
pulsionar meus estudos na pós-graduação. Guardo ainda um
carinho muito grande dos tempos de FIC - como aluna e
docente - e um respeito também muito grande pela FIC -
hoje Unifra - como instituição de ensino superior, que forma
com seriedade e competência comprovadas pela sua
representatividade no cenário educacional e pelo seu cresci-
mento, expansão em área física e cursos oferecidos”.

Eni de Paiva Celidonio8


“Em 1982, cheguei a Santa Maria, com um marido, um
filho de dois anos, um diploma de Direito da UFRJ e um
curso de Jornalismo pela metade.
Em 1986, tomei uma decisão: faria Letras. Entrei com
um pedido de matrícula no curso diurno Português-Inglês na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Concei-
ção”, a FIC, hoje Unifra, no segundo semestre. Depois mu-
8
Professora do dei a opção para o curso de Português.
Departamento de Logo no início do curso, fiquei grávida da minha caçu-
Letras Vernáculas, do
Centro de Artes e la, que nasceu no início do quarto semestre. Licença? Nada
Letras, da
Universidade Federal
disso. Chegava em frente à faculdade, parava o carro e ficava
de Santa Maria. esperando uma colega passar. A primeira levava o moisés; a
148

segunda, a sacola de fraldas; a terceira, as mamadeiras e, final-


mente, eu entrava com Renata no colo. Direto para a sala da
irmã Aparecida, que ficava com o bebê quando podia. Se ela
não pudesse, não tinha problema: Renata, no colo da Beth,
assistia, bem de perto, às aulas de Literatura Portuguesa, ou
aprendia Latim com a Nilsa, e assim eu não perdia aula, e
Renata ganhava erudição. Quando Renata fez um mês, foi
dispensada das aulas e ficava em casa, enquanto eu continua-
va, assiduamente, o curso.
Quando terminei a graduação, em 1989, fiz concurso
para o magistério municipal, e trabalhava durante o dia. À
noite, nas sextas-feiras e no sábado, assistia às aulas na especia-
lização. Onde? Na FIC, é claro.
Na FIC, minha filha conheceu as primeiras babás aca-
dêmicas.
Na FIC eu fiz graduação e especialização.
Na FIC eu conheci Eulália, amiga de todas as horas,
com quem, até hoje, mantenho contato quase semanal.
Na FIC, vi pela primeira vez uma sala dos professores,
logo na entrada do prédio, que mantinha a porta sempre aberta,
enquanto os alunos ficavam na porta, procurando falar com
o professor, que dificilmente não lhes dava atenção.
Na FIC, eu participei de todas as Semanas de Letras
possíveis, ora como ouvinte, ora como colaboradora.
Na FIC eu convivi com professores que, mais do que
professores, tornaram-se fraternos. E o Dotto e a Maria Eulália
não foram me visitar, quando mudei para Mato Grosso, em
1991, porque eu me sentia muito só? E a Beth não me em-
prestou material quando resolvi fazer o concurso para pro-
fessor substituto de Literatura Portuguesa na UFSM, em 1996?
E a Leda não me liga até hoje? Eu teria muitos outros exem-
plos, mas o espaço não permite.
Interessa é que, quando entrei para a FIC, não fiquei
grávida só de uma filha, mas também de companheirismo, de
idéias, de conhecimento e de amigos.
Hoje, meus ex-professores, Maria Eulália e Pedro, são
meus colegas no Departamento de Letras Vernáculas, na UFSM.
Hoje, quando entro na minha FIC, ela não é mais FIC,
nem é minha mais. Agora ela cresceu, e quando se cresce, ga-
nha-se independência... Casa-se com outras faculdades, e vira-
se Centro Universitário... Procria-se, e nasce o Campus II...
149

Hoje, sempre que passo de carro na Andradas, logo


depois da Floriano, tenho vontade de estacionar na frente do
portão principal e gritar: “O Rui, cuida bem do meu carro, tá
certo?” Fico vendo a Antonieta falar aquele monte de boba-
gens, com uma graça que só ela conseguia ter. Fico observan-
do o Dotto sair com aquele bonezinho cinza, rapidamente,
fugindo do frio noturno e dos alunos que não o deixavam em
paz. Fico olhando os rapazes esperando suas namoradas saí-
rem da aula. Fico acompanhando as luzes das salas de aula se
apagarem, até que só a fachada fique iluminada.
Mas não tem mais cabo Rui, que fazia parte da nossa
vida na faculdade, de tal forma que foi um dos homenagea-
dos na formatura da turma. A Antonieta eu não vejo há mui-
to tempo. Dotto mudou-se para Santa Catarina. Os rapazes
não são mais tão rapazes. Então dá um vazio danado... Um
aperto no peito...
Unifra... Não consigo me acostumar com esse nome...
Não consigo me acostumar com essas mudanças... Sou taurina.
Mudanças não são muito bem aceitas por pessoas desse sig-
no... Fazer o quê?
Ah... Eu não falei da qualidade do ensino... E precisa?
Uma instituição que não tenha qualidade não cresce, não vira
Centro Universitário. E muito menos sobrevive até comple-
tar cinqüenta anos”.

Pedro Brum Santos9


No romance A insustentável leveza do ser, do escritor tche-
co Milan Kundera, o narrador sugere que se a cachorrinha de
determinada personagem falasse ela reclamaria o seguinte:
“não poderia inventar uma brincadeira diferente?” O próprio
narrador conclui em seguida: “Essa frase contém toda a con-
denação do homem. O tempo humano não gira em círculos,
mas avança em linha reta. Por isso o homem não pode ser
feliz, pois a felicidade é o desejo da repetição” (Kundera, 1985,
p. 300). De fato, como sugere Kundera, temos muito o que
aprender com os cães. Como, por exemplo, a constatação de
que a felicidade pode estar na repetição de pequenos gestos,
numa vida equilibrada entre avanços - necessários para o de-
9 senvolvimento humano - e retornos àquilo que elegemos como
Professor na
Universidade Federal
valores permanentes e que, para muitos de nós, podem ser
de Santa Maria. simplesmente acenos do campo dos afetos, das convivências,
150

das partilhas. E esses são valores que invariavelmente encon-


tramos nas manifestações simples e naturais.
Apparício Silva Rillo, poeta do Sul, ensina que pereni-
dade e realização devem sempre estar no horizonte humano.
Em seus versos recordamos que
há valores que subsistem eternos
além dos limites de todas as conquistas.
São coisas simples que começaram com o mundo,
Quando o primeiro homem e a primeira mulher
se encontraram sozinhos no alvorecer do tempo.
(Rillo, 1986, p. 46).
Penso que os cinqüenta anos da instituição que conheci
como FIC - uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras - e
que hoje, cada vez mais, se afirma como Unifra - um moder-
no e eficiente centro universitário, ampliado a partir de sua
idéia matriz, conjuga um esforço que sempre esteve voltado
para conciliar a acumulação técnica do conhecimento com o
culto a valores humanos universais. E foi o equilíbrio dessas
duas formas de aprendizado que formaram sua idéia matriz e
que garantem a solidez do seu projeto, hoje, em processo de
franca ampliação.
A Unifra que trago dentro de mim começa em 1980,
quando, mais da metade dessa caminhada que chega aos cin-
qüenta já estava traçada. Cheguei aqui como aluno do curso
de Letras. Lembro do gabinete da direção logo na entrada do
prédio - esse que fica ao lado do Colégio Sant’Anna e que, na
época, era o único - o gabinete, pois situava-se à esquerda e
logo adiante, onde hoje ficam salas de professores, a secreta-
ria. A biblioteca, na época, era junto com a do Sant’Anna.
Aluno da FIC e locutor da rádio Guarathan, recordo do trato
cordial que recebíamos por ocasião das coberturas dos con-
cursos vestibulares. Eram tardes regadas com sucos,
bolachinhas e doces.
Esse traço de amizade, de camaradagem mesmo, é o
que encontrei no corpo docente daqueles tempos. São mui-
tos os nomes, mas preciso referir dois em particular: a Aldema
Trindade, da lingüística, e a Beth Pötter, da literatura. Contra-
tado para dar aula tão logo concluí uma especialização em
1986, foi na biblioteca das duas ex-professoras que me rebus-
quei do material necessário para ingressar na nova profissão.
E elas, tão amigas e tão desprendidas, simplesmente me de-
151

ram a parte dos livros de suas bibliotecas que julgaram funda-


mentais para alguém que, como eu, amante da literatura, era
contratado para preencher a vaga existente de lingüística.
Assim, pelos caminhos da lingüística iniciava uma car-
reira que somente alguns anos depois derivaria em definitivo
para os estudos literários. Recordo com muita ternura os meus
ex-professores que, logo em seguida, se tornaram fraternos
colegas. E até 1995, quando me transferi para a federal, fo-
ram anos de intenso convívio e uma oportunidade de ampli-
ação de horizontes pelo contato com os alunos, da boa rela-
ção com colegas, corpo técnico e administrativo da faculdade
e pelas diferentes disciplinas que ministrei durante mais de
oito anos de atividades em cursos de graduação e de pós-
graduação. As festividades dos calouros, o congraçamento
das datas festivas, as reuniões mensais do corpo docente, as
inesquecíveis formaturas, os eventos anuais que promovía-
mos, em todos os momentos partilhávamos convívios fran-
cos e de muita camaradagem.
Dentre tantas recordações memoráveis que minha alma
menina guarda com carinho dos tempos de FIC, citaria duas.
Uma é de um final de tarde outonal, no salão de atos, ouvin-
do Caio Fernando Abreu falar de suas loucas aventuras dos
anos 1970. Suas viagens pelo mundo como caroneiro, as ati-
vidades na revista Pop - toda ela elaborada por uma redação
que se reunia à última hora para dar conta das matérias mais
esfuziantes sobre a música pop nacional e internacional. Eu,
que fora leitor da Pop na adolescência, ouvi embevecido aquela
filosofia do desprendimento, geração beat, tão própria do Caio,
um sujeito que acreditava que sua casa não podia nunca ter
mais que um sofá, para facilitar as saídas repentinas.
E lembro também de Plínio Marcos, com quem lotamos
o mesmo salão de atos em determinada ocasião. Plínio Mar-
cos de quem gravei e transcrevi a fala, e de quem reproduzo o
tocante trecho final.
Oi menina, você ainda no outro dia não brincava de
boneca, e aquele sério que está a seu lado não empinava
uma pipa? Olha seu canto e seu destino! Não me queira mal
porque eu procuro me esforçar pra conhecer todos os
destinos. Eu quero conhecer o desespero de um ator diante
do público porque esquece o texto; a solidão daquela
garotinha que é obrigada a migrar e ficar no seio da família
152

estranha como empregada doméstica; eu quero conhecer o


desespero daquele garoto que é obrigado a sufocar os
apelos vocacionais e se debruçar sobre livros de
contabilidade e atender fregueses rabugentos. Eu fui tantas
e tantas vezes o cantor dessas canções soluçantes, o
carregador amargo da amargura, o sonhador dos sonhos
inúteis; o perdedor de matéria miserável. Mas agora eu
quero cantar o destino do ser humano e se, de alguma
maneira, eu arranho o seu coração neste momento,
arrebente em soluços e chore comigo, porque eu tenho
esperança e fé na vida, porque pus filhos no mundo e amo
tanto quanto você criança de hoje. Por causa de tudo isso
eu só tenho um desejo: é o desejo de pertencer a você,
assim como eu gostaria de pertencer a toda a humanidade.

Plínio Marcos, camiseta de física, em transe, olhos fe-


chados, meditou essa sua profissão de fé pelo sonho de um
mundo melhor, feito por pessoas livres, mais corajosas em
assumir suas afetividades. E depois, chinelo de dedo e bastão
em punho, foi conosco para o Augusto, onde, em meio à
curiosidade geral, abraçou o advogado Nelson Jobim, então
ministro da Justiça, que jantava em uma mesa ao lado.
A FIC era isso, coleguismo, bom humor e trabalho, mui-
to trabalho. Aulas, reuniões, constantes reavaliações. Uma eta-
pa produtiva, um aprendizado que calou fundo em todos que
vivemos aquela etapa e que, tenho a certeza, continua frutifi-
cando com a mesma intensidade nas gerações de alunos, pro-
fessores e funcionários que nos têm sucedido através desses
tempos, que hoje fecham os primeiros cinqüenta anos de uma
existência marcada, desde logo, pela vocação de ser longeva.
Os primeiros movimentos para a ampliação da FIC. As
discussões sobre novas áreas, a adequação das já existentes.
Peguei o início das transformações. Sei que houve muitas
mudanças e particularmente minha área passou por uma alte-
ração radical nos últimos anos. Sinal dos novos tempos, pro-
duto da ampliação. É claro que temos nostalgia de quando as
coisas eram de outro jeito, é evidente que tendemos a olhar
com ternura e complacência para uma época tão cheia de
descobertas e de transformações de nossas vidas. Mas tam-
bém temos que ter a lucidez de compreender que não há evo-
lução sem perdas e sem mudanças.
153

Aliás, Platão, no mito da caverna, escrito quase dois mil


e quinhentos anos atrás, quando a grande aventura do conhe-
cimento humano mal começava, conta-nos que os homens
levantaram do fundo da toca onde viviam e deixaram de olhar
as sombras que se projetavam sobre a parede à sua frente.
Platão é otimista: aqueles que viviam de costas para o mundo,
fixados nas silhuetas que se projetavam sobre a parede do
fundo do esconderijo, uma vez libertos, deram meia volta e
ao saírem da prisão foram ofuscados pela luz solar. A ima-
gem da luz e do ofuscamento significa a medida da ordem
das coisas, medida indispensável para o sucesso de todo ho-
mem livre. O espírito do conhecimento traduz-se então como
ordem, luz e exaltação da crença na capacidade humana de
enfrentar e de tentar compreender o mundo. Platão sugere
que há uma ordenação que preenche a vida e conduz à verda-
de e que, em certo sentido, a felicidade ou a plenitude do
homem dependem do cumprimento dessa ordem.
As mudanças que a Unifra tem introduzido, penso, não
desfiguraram seu projeto de investimento nos valores univer-
sais do ser humano. O mito da caverna, no fundo, nos ensina
que sempre que a aquisição e a engenharia do conhecimento
puderem estar voltados para nossas ações práticas, para nos-
sas relações diárias, para nossas vivências mais elementares,
será possível saber e ser feliz. Certamente que não falamos
daquela felicidade ingênua dos primeiros homens, mas da fe-
licidade que é produto de um espírito elevado, esculpido por
atitudes que, ao invés de escravizarem, devem libertar e dig-
nificar a porção sonhadora que constitui a alma e, quiçá, uma
certa essência que todo o sujeito precisa carregar consigo.”

Maria Luíza Ritzel Remédios10


Desde o dia em que fui solicitada a fazer um depoimen-
to sobre a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Le-
10 tras “Imaculada Conceição”, passei a manter comigo mesma
Professora titular
aposentada do Centro diálogos mudos, “numa linguagem misteriosa feita de ima-
de Artes e Letras da gens, ecos de vozes, alheias ou nossas, antigas ou recentes,
Universidade Federal
de Santa Maria; relâmpagos súbitos e fatos remotos ou próximos, nos corre-
Professora titular do dores do passado – às vezes, inexplicavelmente, do futuro”,
Programa de Pós-
Graduação em Letras como diz Érico Veríssimo (1978, p. ii), ao iniciar suas memó-
da Pontifícia
Universidade Católica
rias. Essa conversa que me faz pensar em mim como outro e
do Rio Grande do Sul. que parece processar-se fora do tempo e do espaço, revela-
154

me que o caminho para alcançar a minha verdadeira persona-


lidade e minha formação quer pessoal, quer profissional pas-
sa pelos corredores e pátios do Colégio Sant’Anna e pela FIC,
desliza pelos sendeiros do erro e da dúvida, mas é através
deles que se pode “chegar um dia ao reino da verdade.”
(Veríssimo, 1978, p. iii), à minha história e à história de uma
geração que se formou à sombra do tradicional Colégio
Franciscano.
Tentando responder algumas questões sobre a história
da FIC, sobre sua importância na vida da calma cidade de
Santa Maria das décadas de 1950 e 1960 do século passado,
sobre professores que mais marcaram minha trajetória na
época de minha formação, só posso fazê-lo contando parte
de minha história pessoal que se entrelaça com a de tantas
moças que viviam também sob a orientação das “freiras”
franciscanas e de seus ideais.
Respondendo à primeira questão devo dizer que a Facul-
dade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição”
(FIC) foi importante em minha vida desde seu início, quando
era muito mais sonho da irmã Consuelo do que uma realização
concreta. À época de sua fundação, 1953, eu cursava o ginasial
no Colégio Sant’Anna, a regente de turma era irmã Consuelo,
nossas professoras irmã Felicidade, irmã Antônia, irmã Ignácia...,
todas envolvidas pelo ideal de educar e de ver suas alunas en-
contrando seu caminho profissional e transformando-se em
farmacêuticas, bioquímicas, pedagogas. Mas se havia um curso
de Farmácia em Santa Maria, não existia um curso de forma-
ção de professores de línguas, história, geografia, filosofia, ci-
ências, etc. Por isso... a criação da FIC.
Naquela época, era aluna da primeira ou da segunda série
ginasial (boina vermelha e boina verde), e com minhas colegas
de aula pouco podíamos fazer pela educação ou pela cultura de
nossa cidade, mas o pouco foi muito, não em valores, mas por-
que, incentivadas pela nossa Regente, fomos imbuídas do espí-
rito franciscano e começamos a trabalhar pró-construção da
Faculdade. Vendíamos “tijolos”, fazíamos quermesses, jogos
de vôlei e caçador entre as escolas secundárias de Santa Maria
para levantar fundos para o prédio da FIC. O prédio foi cres-
cendo, nós também, o mundo e os costumes foram transfor-
mando-se, mas tínhamos certeza de que naquele prédio que se
erguia, havia muito de todas nós. irmã Consuelo, incentivando-
155

nos, não deixava de dizer que nós éramos responsáveis por


parte do prédio. Acreditávamos em suas palavras, e só hoje,
cinqüenta anos depois, me dou conta de que a construção do
prédio envolvia muito mais, não era só o esforço de simples
estudantes secundárias que importava, mas sobretudo a cons-
trução da personalidade de jovens estudantes e a formação de
um grupo unido que lutava por um ideal. irmã Consuelo sabi-
amente envolveu-nos no processo de construção da FIC. Tan-
to assim que realizamos, no Colégio Sant’Anna, a primeira reu-
nião dançante. Imaginem, nos anos cinqüenta, o tradicional
colégio das irmãs abrindo suas portas para uma reunião dan-
çante! É lógico que para realizá-la muito tivemos de trabalhar e
uma grande preparação foi feita. Primeiro, alcançar licença da
madre Clélia, diretora do Colégio. Essa foi uma empreitada
difícil. Nós, agora alunas do Colegial (Clássico e Científico),
constituímos uma comissão. Éramos alunas dos primeiro e se-
gundo anos, algumas do terceiro, regidas das irmãs Consuelo,
Antônia e Felicidade: Maria Carmen Sada, Elizabeth Simões
Pires Rizzato, Suzana Isaia, Raquel Proença, Ione Izquierdo,
Eda Teixeira, Niura Dora, Helga Guttenkunst e eu. Chegamos
ao gabinete da madre Clélia, cuja sala ficava ao lado da Capela,
antes da hora aprazada; passamos, então, na Capela, rezando
para tudo dar certo e fomos enfrentar a autoridade maior do
nosso Colégio. Madre Clélia foi cordial como sempre, afável
compreendeu nossas razões e nossos anseios, permitindo que
realizássemos a reunião dançante, desde que nossas regentes
nos acompanhassem todo o tempo. Segundo, a preparação
coube às nossas regentes de classe, irmãs Consuelo, Felicidade
e Antonia que nos passavam não só lições de etiqueta e com-
portamento, mas também as atitudes de uma moça católica
numa festa pública. Esse foi um passo de transformação de
nosso Colégio e de mudança nos costumes de nossa cidade. A
partir dessa reunião primeira, sucesso de bilheteria, pois os alu-
nos do Colégio Marista compareceram em peso, realizamos
muitas outras com desfiles de moda, desfiles de sapatos, de
penteados, enfim sempre havia motivo para festa e nossas re-
gentes Consuelo, Felicidade e Antônia ficavam durante todo o
baile no salão improvisado: o pavilhão de Educação Física.
Alguns professores também eram convocados, por exemplo,
os professores de Educação Física, Rochedo e Nascimento,
com quem treinávamos vôlei. Entre festas e quermesses, jogos
156

e competições, auxiliávamos a construção do prédio daquela


faculdade, sonho de irmã Consuelo, que se tornou realidade.
Nos anos de 1960 e 1961, aquele grupo destemido que
“enfrentara” a madre Clélia, para fazer uma reunião dançante
no Colégio, fez vestibular para ingresso nos cursos de Letras
(principalmente), Pedagogia e Ciências. Todas continuávamos
a vestir a camiseta da FIC, formando-nos em 1963 e 1964. A
amizade do grupo que vinha desde as primeiras séries do curso
Primário do Colégio Sant’Anna, fortaleceu-se e a despedida no
dia de nossa graduação foi festiva. Cada uma seguia sua meta e
em diferentes lugares do Rio Grande do Sul foi exercer sua
profissão. Agradecíamos pela formação quer intelectual quer
pessoal, resultado dos procedimentos educacionais desenvol-
vidos pelas irmãs franciscanas. Tínhamos consciência do mui-
to que devíamos ao Sant’Anna e à FIC, pois Helga e eu, por
exemplo, estudávamos aqui desde a terceira série primária com
a irmã Dolores; portanto, ao final do curso superior, estáva-
mos, havia quinze anos, nas mãos das franciscanas.
O primeiro ano da Faculdade não nos causou estresse,
porque não deixávamos “nossa casa” para enfrentar o desco-
nhecido. Estávamos em nosso ambiente e não compreendíamos
a tensão que alguns colegas novos sentiam ao adentrar a Facul-
dade. Nossa turma, agora nos corredores da FIC, continuou unida
mesmo que os cursos fossem diferentes, o que dividia também
os nossos interesses, mas havia os momentos de encontro nas
aulas de Filosofia, de Moral, de Ética e nas reuniões da Juventu-
de Universitária Católica - JUC - dirigidas pelo padre Romar
Pagliarin, nas quais estudávamos as encíclicas papais e pensáva-
mos em meios de difundir mais profundamente religiosidade e
espírito cristão entre nossos colegas. Até hoje, Carminha,
Elizabeth, Suzana, Raquel, Ione, Eda, Niura, Helga e eu, apesar
de espacialmente distanciadas, uma morando nos Estados Uni-
dos, outras em Santa Maria, outras em Porto Alegre, Brasília,
Cerro Largo e Santa Cruz do Sul, costumamos encontrar-nos
para não deixar morrer a amizade que surgiu e frutificou nos
corredores do Colégio Sant’Anna e da FIC. A cada encontro
lembramos de nossa vida de estudante e reafirmamos que nosso
sucesso profissional se deve, principalmente, às irmãs franciscanas
que lutaram por um mundo melhor para nós.
Ao falar sobre essas lembranças (volto com coragem e
ousadia ao passado, revivo aquele tempo que continua tão pre-
sente em mim, procuro da contemporaneidade ver os aconte-
157

cimentos que nos levaram a fazer do colégio e da faculdade o


núcleo de nosso mundo) penso que vou respondendo sobre a
importância da criação da FIC na minha vida e na sociedade
santa-mariense. Devo ressaltar que minha narração não parte
da evidência de documentos, ao contrário ela se centra na me-
mória que, na maior parte das vezes, é traidora, pois aponta
apenas os momentos mais marcantes da vida. Ao fluir da me-
mória, ontem, hoje e amanhã se interpenetram e apontam a
posição de destaque da FIC na minha vida como na vida das
jovens de minha geração. Devo dizer que sua criação represen-
tou transformações, primeiro porque um novo momento sur-
giu em nosso mundo, nós (mulheres) passamos a ver a possibi-
lidade de transpor fronteiras intransponíveis ao receber uma
formação universitária e vencer como profissionais. Segundo,
pela modificação da sociedade santa-mariense que passou a
abrir seus horizontes, quando grupos de estudantes passaram a
transitar na cidade (avenida Rio Branco, Primeira Quadra), com
suas idéias avançadas, debatendo e discutindo política, história,
cultura e religião. Era início da década de 60, período de
efervescência política com o movimento da Legalidade, greves
estudantis, ferroviárias, do funcionalismo público etc.; depois
o golpe militar de 1964 e a implantação do regime ditatorial, e
nós, jovens santa-marienses, podendo participar e tendo voz
em todos os momentos, porque éramos universitárias. Daí a
importância da FIC na cidade e em nossas vidas.
Na Faculdade, encontrei professores dos quais não es-
queço e que me fizeram a docente e investigadora que sou
hoje: irmã Consuelo era a diretora, também nos dava aula de
Literatura Brasileira; Edgard Libino Klockner ministrava Lín-
gua Francesa; Zenaide Lúcia Martinelli de Souza, Literatura
Francesa; Mariazinha Bernardes, Língua Portuguesa. Falo aqui
dos professores do curso de Neo-Latinas, opção da graduação
em Letras em que me formei. Havia outros, que por seu exem-
plo também se tornaram modelos para seus alunos, como irmã
Antônia Rambo, que dava Língua e Literatura Inglesa para a
opção de Anglo-Germânicas; Enilda Walmarath Ávila, Litera-
tura Norte-Americana; Mário Guagliotto, Filologia. Ainda des-
taco professores que se dedicaram à Faculdade e que sempre
estavam disponíveis em ajudar nas realizações que pretendía-
mos realizar: professores Víctor Schuch, Romar Pagliarin (que
foi nosso paraninfo em 1964) e irmã Felicidade.
158

Também na FIC fiz belas amizades com colegas com


quem trabalhei mais tarde na Universidade Federal, dividindo
com eles as preocupações oriundas da docência e da pesquisa:
Carmen Beatriz Silveira Netto; Clara Maria Silveira Netto; Cora
Disconzi Rodrigues; Gladys Terezinha Hauboldt; Ieda Valci
Gallina Krob; Iranir Munari; Janete Cecin; Leila Agne Ritzel;
Lígia Militz da Costa; Neuza Carson; Osvaldo Dal Lago (técni-
co do time de vôlei da FIC); Rosa Schneider e Layr Lang.
Voltando-me para o passado vejo que o futuro está aqui.
No corpo docente das Letras, encontro colegas e ex-alunos
(Sílvia Niederauer e Inara Rodrigues), uns mestres, outros dou-
tores, lutando como eu e meus colegas fazíamos, anos atrás,
por melhores condições de ensino, por aprimorar o conheci-
mento dos jovens que chegam à universidade. E se eu quises-
se, aqui e agora, narrar um pouco da minha história que se
entrelaça com a FIC, vejo que a História se tornou memória e
os elos, entre a memória histórica e a memória ancorada na
vida daqueles que passaram por aqui, ficariam difíceis de
deslindar. Na verdade, a história das manipulações da memó-
ria coletiva da FIC ainda se está por escrever e ela exige a
superação deste estágio em que simplesmente descrevo os
acontecimentos que deram origem à Faculdade, tendo como
eixo minha vida profissional e levando em conta as leituras
que fiz de todos esses momentos narrados, atribuindo-lhes
um sentido, o qual é parte da minha perspectiva de vida.
Reapropiando-me do que está ausente e supondo sua presen-
ça no presente, procurei, através da minha memória, estabe-
lecer o ponto de união entre passado e presente, no difícil
diálogo entre o que fui ontem e o que sou hoje, sem deixar de
olhar o futuro. E fico feliz, orgulhosa, em constatar que da
pequena faculdade do interior do Rio Grande do Sul, agrega-
da à Universidade Federal de Santa Maria, surge um comple-
xo universitário, que constitui hoje a Unifra, o qual atende,
com seus numerosos cursos, à demanda estudantil não só da
cidade de Santa Maria, mas também de toda a região geo-
educacional 37. E se a FIC foi um elo das transformações de
toda uma geração e responsável pela constituição do caráter
de tantos jovens que por aqui passaram, a Unifra desempe-
nhará semelhante papel junto às futuras gerações que procu-
ram saber e conhecimento e que receberão não só isto mas
dedicação, amizade e indicações para seguirem seus ideais”.
160

O curso de Letras e os estudos literários:


caminhos percorridos e novas perspectivas
Inara de Oliveira Rodrigues1
Marta Lia Genro Appel2
Sílvia Helena Niederauer Xavier3

Liberdade, ainda que tarde


ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva
e sobe na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus – pois se atreveram
A falar em Liberdade.

Cecília Meireles

Introdução
1953: a vida literária e cultural brasileira sofria com as
mortes do grande romancista Graciliano Ramos e do poeta
místico Jorge de Lima. Mas, como uma espécie de luz para
confortar tão obscuro e triste momento, Cecília Meireles pu- 1
blica, nesse mesmo ano, o que é considerado um dos mais Professora no Centro
Universitário
belos textos em defesa da Liberdade, o Romanceiro da Inconfi- Franciscano de Santa
dência. Maria, doutora em
Letras.
O Brasil dos anos 1950 via-se às voltas com a política
de Vargas, o mesmo governo que, quatorze anos antes, fora o 2
Professora no Centro
responsável pela prisão do autor de Memórias do cárcere. Agora, Universitário
sob a via democrática, instaurava-se, revigorado, o naciona- Franciscano de Santa
Maria, mestre em
lismo getulista: 1953 foi o ano de criação da Petrobrás. Letras.
Ao comemorar-se os 50 anos do Centro Universitário
3
Franciscano de Santa Maria, o curso de Letras, por intermé- Professora no Centro
dio da equipe responsável pela docência e pesquisa no campo Universitário
Franciscano de Santa
da Literatura pretende, retomando alguns fios deste vasto te- Maria, doutoranda em
cido que compõe o passado de nossa realidade histórico-cul- Letras.
161

tural, prestar sua homenagem a esta instituição que tem des-


tacado e reconhecido papel intelectual e científico na região
meridional de nosso país.
Para tanto, a partir de um breve painel dos caminhos
percorridos pelos estudos literários, o que se evidenciará é a
constante preocupação de atualização e aprofundamento que
acompanhou o curso de Letras da então Faculdade de Filo-
sofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição até o presente
quadro curricular e projetos investigativos em andamento do
Centro Universitário.

Entre o historicismo e o formalismo


Em 1957, no seu livro Formação da Literatura Brasileira,
volume I, Antonio Candido afirmava, a respeito dos estudos
sobre os textos literários:
Não há uma crítica única, mas vários caminhos, con-
forme o objeto em foco; ora com maior recurso à
análise formal, ora com atenção mais aturada aos
fatores. Querer reduzi-la ao estudo de uma destas
componentes, ou qualquer outra, é erro que com-
promete a sua autonomia e tende, no limite, a des-
truí-la em benefício de disciplinas afins (p. 33).

Tal afirmação insere-se no contexto das “disputas” en-


tão praticadas pelos partidários de duas correntes antagônicas
que se arvoraram como as melhores para a análise literária: de
um lado, o historicismo; de outro, o formalismo, já em fase de
transição para a vertente estruturalista. Diante desse quadro,
depreende-se a intenção lúcida do crítico brasileiro em propor
a pluralidade das possíveis inserções teóricas para o estudo da
obra artístico-literária: era, afinal, o objeto artístico que deveria
(e deve) solicitar a mais adequada abordagem crítica.
Já Coutinho, em 1959, advertia:
a crítica brasileira tem sido dominada pelo estudo
dos fatores extrínsecos ou externos que condicionam
a gênese do fenômeno literário. Profunda e larga-
mente influenciada pelas teorias decimononistas, atra-
vés sobretudo de Taine e Saint Beuve, ela se deixou
impregnar do método histórico no exame da litera-
tura (1976, p. 59).

Partidário de um enfoque imanentista no exame dos


textos literários, afinado com os processos de análise do close
162

reading, do formalismo e estruturalismo como novidades teó-


ricas, Coutinho também muito contribuiu para que fosse ul-
trapassada a idéia de que a literatura se explicava pela vida dos
autores e pela determinação do meio social.
Ainda que o currículo do curso de Letras da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição apresen-
tasse, no seu conjunto, uma certa tendência ao biografismo e
ao privilégio das divisões periodológicas para os estudos lite-
rários, pode-se nele ler, claramente, a preocupação com os
questionamentos ilustrados pelas citações selecionadas: ini-
ciando-se pela “definição, importância e utilização da litera-
tura”, o programa do curso de Literatura Portuguesa e Brasi-
leira de 1957 previa, também, a definição do que se entendia
por “Crítica Literária: os princípios em que se baseia” e “A
evolução da crítica literária”, problematizando a divisão da
literatura brasileira pelo estudo dos “vários critérios
adotados”4 .

O reinado do Estruturalismo
Os anos 1960 assistiram à afirmação das propostas teó-
ricas do Estruturalismo – de Jakobson a Barthes, a moda es-
truturalista ditava o caminho da análise literária. No Brasil,
no entanto, somente a partir de 1970 iniciava-se com mais
força esse direcionamento teórico. Afonso Romano de
Sant’Anna, em 1973, no seu livro Análise estrutural de romances
brasileiros, assim identificou a situação:
quando em 1970 iniciei os cursos de pós-graduação
em Literatura Brasileira na PUCRJ, foi impossível
localizar material que exemplificasse a aplicação do
método estruturalista em narrativas brasileiras. Tudo
eram discussões teóricas rebarbativas em revistas de
divulgação (1984, p. 11).

Evidencia-se nessas palavras do escritor e estudioso


carioca o quanto havia de defasagem entre os modelos pro-
4
postos por estruturalistas como Greimas, Todorov, além dos Conforme pesquisa
já mencionados, e a necessidade de criação de “parâmetros em documentação
gentilmente cedida
próprios de leitura para os textos brasileiros” (Sant’Anna, 1984, pelo Departamento de
p. 12). No entanto, deve-se assinalar o quanto Sant’Anna pre- Registro e Controle
Acadêmico, pelo que
ocupava-se com o que estava se tornando ou pretendendo agradecemos a atenção
tornar-se o único referencial efetivamente válido para os es- e disponibilidade de
seu coordenador e
tudos literários: equipe.
163

Sem escamotear nada, devo dizer que, assim como


acho impertinentes aqueles achaques que de fora
movem ao estuturalismo alguns de seus detratores,
por outro lado, acho prova de imaturidade intelectu-
al e emocional a atitude daqueles que “de dentro” do
Estruturalismo advogam que somente certas (as suas)
posições são as verdadeiras (1984, p. 15).

Na antiga FIC, encontra-se o currículo da disciplina de


“Teoria da Literatura” do curso de Letras, assim denominada
e problematizada em sua definição e objetivos, no ano de
1963. Seis anos mais tarde, a mesma disciplina incluía, como
conteúdo, os estudos sobre a “Função Poética da Lingua-
gem”, de Jakobson, antecedido pelas investigações sobre o
New-Criticism, a Estilística germânica e espanhola, e o
Formalismo russo. São também de 1969 as primeiras refe-
rências a Freud no plano dos estudos sobre “Criação Literá-
ria”, envolvendo a “Teoria do inconsciente coletivo” e a
“Psicocrítica”.
A incidência da vertente estruturalista perdura durante
toda a década de setenta, adentrando ainda com força, nos
anos oitenta, no panorama dos cursos de Letras das faculda-
des e universidades brasileiras.

Dos anos 1980 à atualidade


Procurando responder de forma inovadora e crítica aos
conflitos entre o “domínio” das concepções estruturalistas e
a necessidade de não se abolir o horizonte histórico, contextual,
no estudo das obras literárias, começam a fazer parte dos cur-
rículos de Letras as propostas da Estética da Recepção, bem
como ganham novo impulso as investigações inspiradas nos
conceitos de Bakhtin e Julia Kristeva, como a polifonia e a
intertextualidade.
No programa de Teoria Literária II, do curso de Letras,
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Con-
ceição, de 1981, tais propostas encontram-se presentes, ainda
que permaneça forte a inserção das teorias imanentistas, so-
madas, agora, aos estudos da Fenomenologia, de acordo com
as propostas de Roman Ingarden.
O pós-estruturalismo e as novas incursões pela com-
plexidade da representação artística da obra literária vão ser a
tônica dos estudos sobre a literatura nos anos 1990 - ganham
espaço os questionamentos sobre a Pós-Modernidade e suas
164

problemáticas: a identidade, a subjetividade, os processos de


leitura, as literaturas das margens, os ex-cêntricos, as mino-
rias e a condição pós-colonial.
Assiste-se, atualmente, desde o final do século XX e
nestes primeiros momentos do terceiro milênio, à grande
questão sobre a autonomia da arte literária, ou por outra, a
sua diluição no bojo dos chamados estudos culturais. No en-
tanto, nesse sentido, como adverte Culler:
Em princípio, [...] não há necessidade de haver con-
flito entre os estudos culturais e os literários. Os es-
tudos literários não estão comprometidos com uma
concepção do objeto literário que os estudos cultu-
rais devem repudiar. Os estudos culturais surgiram
como a aplicação de técnicas de análise literária a
outros materiais culturais. Tratam os artefatos cultu-
rais como “textos” a ser lidos e não como objetos
que estão ali simplesmente para serem contados. E,
inversamente, os estudos literários podem ganhar
quando a literatura é estudada como uma prática
cultural específica e as obras são relacionadas a ou-
tros discursos (1999, p. 52).

São essas questões que perpassam, hoje, as investiga-


ções sobre a literatura no curso de Letras do Centro Univer-
sitário Franciscano de Santa Maria: estabelecendo-se como
grupo de pesquisa os Estudos Literários, as linhas
investigativas, nas quais se divide, tratam da relação Literatu-
ra e História e das variadas abordagens da Crítica Literária.
Nesse sentido, aprofundam-se as mais atuais problemáticas
do campo literário.
Fundamentalmente, a concepção que orienta e embasa
a atuação dos professores e pesquisadores dos estudos literá-
rios da instituição é aquela que se expressa na missão do Cen-
tro Universitário Franciscano de Santa Maria, ou seja, desen-
volver e difundir o conhecimento científico e a cultura em
suas múltiplas manifestações, visando, por meio da excelên-
cia acadêmica, à formação de profissionais íntegros e cida-
dãos comprometidos com o desenvolvimento humano e com
o bem-estar social.
Acreditando-se que a literatura possui a potencialidade
de desvendar o mundo, permitindo a reflexão crítica sobre os
sentidos da existência, estar à frente de seus questionamentos
revela-se como uma grande tarefa que implica na máxima
165

satisfação com a mais exigente responsabilidade. Nesse senti-


do, espera-se que nos próximos 50 anos o caminho das sau-
dáveis inquietações sobre a arte da palavra seja acompanhado
de conquistas efetivas no plano social. Porque a literatura
implica o compromisso com a beleza da vida e é capaz de
atravessar o tempo na sua permanência tão humana de signi-
ficados, conclui-se com os versos da poetisa mineira que fa-
zem parte do seu romanceiro e que traduzem a definição de
uma das buscas sempre miradas pela palavra artística:

Liberdade, essa palavra


Que o sonho humano alimenta
Que não há ninguém que explique
E ninguém que não entenda.

Bibliografia
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momen-
tos decisivos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. São Pau-
lo: Becca, 1999.
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Análise estrutural de ro-
mances brasileiros. Petrópolis: Vozes, 1984.
167

O curso de História do Centro Universitário


Franciscano de Santa Maria: algumas
considerações sobre sua história
Elisabeth Weber Medeiros1
Lenir Cassel Agostini2

O ensino da História: trajetória, finalidades


e possibilidades atuais
O ensino e a aprendizagem de História se encontram
em processo de transformação, e exigem dos professores e
das agências formadoras um constante desafio. As discus-
sões presentes em congressos, seminários e encontros se re-
ferem à necessidade de mudanças, a fim de superar o velho e
maçante ensino tradicional, procurando formar profissionais
atualizados, que dominem as diferentes abordagens teórico-
metodológicas do conhecimento histórico, com capacidade
de construir um diálogo entre presente e passado.
Nem sempre está claro para os profissionais da área
por que a História faz parte do currículo escolar e qual a im-
1 portância de sua aprendizagem na formação de crianças, jo-
Professora no Centro
Universitário
vens e adultos. Por isso, essas questões são fundamentais para
Franciscano de Santa refletir, repensar e posicionar-se com relação ao ensino da
Maria, mestre em
Educação. História praticado.
O ensino da História, incluído nos currículos escolares
Professora no Centro
2 a partir da primeira metade do século XIX, teve como base o
Universitário modelo francês, com evidentes pressupostos eurocêntricos.
Franciscano de Santa
Maria, mestre em
A regulamentação da disciplina ocorreu na mesma época da
História. criação do Colégio Pedro II (1837/38), escola padrão de en-
168

sino secundário, que, inicialmente, teve como preocupação a


elaboração de uma história nacional com a principal finalida-
de de criar uma “genealogia da nação”. Os programas, orien-
tação de conteúdo e elaboração de manuais estavam a cargo
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, em
que eram enfatizados os estudos literários dirigidos para um
ensino clássico e humanístico, servindo à sociedade escravista
da época.
A inclusão da história no currículo escolar surge ao lado
da História Sagrada, o que denotava a grande influência da
Igreja, voltada, principalmente, para a formação moral do alu-
no, e que apresentava a civilização ocidental como parâmetro
da história da humanidade. Era o eurocentrismo, de influên-
cia francesa, modelo não só para o ensino da história como
também para os demais aspectos culturais das novas socieda-
des que se consolidavam na América Latina.
A primeira proposta de História do Brasil enfatizava as
contribuições das diferentes raças na constituição da popula-
ção brasileira, na qual transparecia a ideologia de superiorida-
de da raça branca. Na proposta, “a história era relatada sem
transparecer a intervenção do narrador, apresentada como
uma verdade indiscutível e estruturada como um processo
contínuo e linear que determinava a vida social no presente”
(PCN, 1998, p. 20).
Com os acontecimentos ocorridos no final do século
XIX e as idéias positivistas, que defendiam uma proposta que
fosse ao encontro do progresso e da civilização, o ensino da
História assume, no currículo, a posição de formadora do
cidadão patriótico e civilizado. Foi quando a História Univer-
sal deu lugar à História da Civilização, e com isso à separação
entre o Estado laico e a Igreja. No ensino da História, desa-
pareceu o predomínio do sagrado e sua vinculação com os
tempos bíblicos. Persistiu, porém, a periodização francesa,
que partia de um novo contexto, em que o processo
civilizatório estava associado à constituição de um Estado forte
e centralizado, condutor da nação, rumo à civilização. Foi
quando se construíram muitos dos mitos que ainda são
enfatizados na História do Brasil, como os bandeirantes, már-
tires e heróis como Tiradentes, Duque de Caxias e outros.
A Primeira República, nas primeiras décadas, mesmo
apresentando uma retórica renovadora e sucessivas tentativas
169

de reforma no contexto educacional, não apresentou resulta-


dos capazes de modificar a situação da escola brasileira e a
precária, quase inexistente, formação de professores.
Na década de 1920, surgiram inúmeras propostas para
modificar a situação existente, mas muitas delas, como a das es-
colas anarquistas que defendiam uma História baseada nos prin-
cipais fatos que evidenciavam as lutas sociais como a Revolução
Francesa, a abolição, entre outros, foram duramente combatidas.
Porém, foi um grande momento de questionamento da socieda-
de brasileira, que buscava ressaltar a sua identidade.
Com a organização das Universidades, em decorrência
das reformas da Era Vargas, iniciou-se a formação do profes-
sor secundário, porém a proposta de organização do ensino
era centralizadora e o ensino da História assumiu a formação
do cidadão, visando ao fortalecimento da nação. Mantinha-se
um ensino de História baseado em uma cronologia política e
em um tempo linear, sem rupturas ou descontinuidades, no
qual o objetivo era o desenvolvimento do patriotismo, da uni-
dade étnica, administrativa, territorial e cultural da nação.3 Foi
também nos anos 1930 que surgiram as idéias escolanovistas,
de influência norte-americana, que introduziram os Estudos
Sociais no ensino elementar, como forma de superar o ensino
tradicional presente nas disciplinas de História e Geografia,
permanecendo, porém, as práticas até então vigentes.
A Reforma Capanema, produto das políticas educacio-
nais do Estado Novo (1937-1945), normatizou a estrutura
educacional existente e, nesta, a História deveria cumprir a
tarefa de formar o cidadão patriótico. Nessa época, a História
do Brasil passou a existir no currículo, separadamente da His-
tória Geral, porém, ainda, os conteúdos eram trabalhados
dentro de uma visão tradicional, reforçados pela ênfase que o
Estado Novo dava às comemorações cívicas e aos heróis na-
cionais, com o objetivo de revigorar a nação. Nesse sentido,
também foi regulamentada a Educação Moral e Cívica, de
forma obrigatória e, no secundário, sob a responsabilidade
do professor de História do Brasil. Este aspecto emprestava à
disciplina um caráter ideológico e regulador.
Após a queda de Vargas, nos anos posteriores à Segun-
da Guerra Mundial, surgiu uma nova abordagem para os con-
3
teúdos de História, revestidos de um caráter humanista na
Idem, op. cit., p. 22. busca de uma educação para a paz, como resultado da vitória
170

dos pressupostos democráticos. Nas décadas seguintes, anos


1950 e 1960, foram enfatizadas temáticas inspiradas pelo na-
cional-desenvolvimentismo, quando se efetivava a transição
de um modelo agroexportador para uma política moderniza-
dora, baseada na industrialização. O ensino de História se
voltava para o estudo dos ciclos econômicos, considerando
que vivíamos um momento de transição na formação de um
novo paradigma econômico para o Estado brasileiro, na bus-
ca da autonomia nacional. Nesse período, como conseqüên-
cia da Revolução Cubana, também foi enfatizado o estudo da
História da América, enfocando de forma especial a história
dos Estados Unidos, com a intenção de reforçar o predomí-
nio das políticas norte-americanas na América Latina.
Somente no início dos anos 1960, o ensino da História
tornou-se importante na formação do cidadão político, in-
corporando elementos para promover o pensamento crítico.
Nesse mesmo momento, a historiografia marxista passou a
exercer uma influência nas propostas curriculares com ênfa-
se nas transformações econômicas e conflitos sociais.
O período ditatorial foi o momento de desqualificação
da área das Ciências Humanas, esvaziou, diluiu e despolitizou
o ensino da História e os sujeitos históricos, mas valorizou
abordagens do nacionalismo de caráter ufanista, com o obje-
tivo de justificar o governo autoritário que se instalava. A for-
mação de professores na área sofreu a censura própria dos
sistemas repressivos e de uma política educacional voltada à
implantação do modelo capitalista dependente. As áreas de
História e Geografia sofreram não só com a censura, mas
também com reduções de carga horária e com a competição
das licenciaturas de curta duração - Estudos Sociais - aprova-
das e estimuladas pelas políticas educacionais da época.
Com a reorganização dos movimentos sociais nos anos
1980, o ensino da História passou a ser redimensionado, como
resultado dos intensos debates entre os profissionais da área,
e trouxe diferentes abordagens e temáticas, fruto das novas
tendências historiográficas. Introduziu-se a preocupação em
desenvolver no aluno novas habilidades de pesquisa histórica
no espaço escolar e com o processo de pensar/refletir histo-
ricamente. Esta nova postura reforçou o papel da História na
formação social e intelectual das pessoas para que, de forma
consciente e reflexiva, se percebessem como sujeitos históri-
171

cos. Por outro lado, este redimensionamento exigiu dos pro-


fissionais uma maior atualização e preparo para enfrentar e
dar conta dessas novas demandas.
As críticas atuais ao ensino da História estão centradas
no combate ao chamado ensino tradicional e as reformulações
defendem a idéia de que a função do ensino da História é
formar o cidadão crítico e levar os alunos a se sentirem sujei-
tos da História.
O ensino da História hoje, de forma específica, busca
substituir o velho ensino fatual e heróico, centrado na
memorização, por um ensino mais crítico, interpretativo e
reflexivo, capaz de proporcionar significado ao conhecimen-
to histórico escolar. Nesse processo de busca de renovação
do ensino da História surgem novos referenciais teórico-
metodológicos na produção do conhecimento histórico, apon-
tados por historiadores e filósofos europeus. Esses novos
referenciais contribuíram para uma ampliação do entendimen-
to sobre o conceito de documento, tempo e fato histórico,
apontando novos temas e objetos de estudo da História, pri-
vilegiando multiplicidades temporais, espaciais, sociais, eco-
nômicas e culturais presentes nas sociedades. É o privilegio
de um ensino que trabalhe com documentos que apontem a
voz do homem comum, sua vida, seus interesses, suas preo-
cupações e conflitos, que ouça os excluídos da História, des-
fazendo um ensino tradicionalmente baseado na cronologia
linear. Essas novas abordagens conferiam ao campo
historiográfico uma verdadeira transformação, que ocorreu
no Ensino Fundamental e Médio a partir das décadas de 1980
e 1990, a exemplo das propostas curriculares elaboradas por
algumas secretarias estaduais de educação, e no fim dos anos
1990, em nível nacional, com a proposta dos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
As novas propostas curriculares procuram inovar neste
aspecto. Buscam ultrapassar o ensino tradicional, com um
único passado para a História da Humanidade, excluem a or-
ganização de uma história eurocêntrica, apresentando o co-
nhecimento histórico escolar em eixos temáticos que
problematizam o mundo social no qual tanto o professor como
o aluno estão inseridos.
As críticas mais intensas sobre o ensino da História es-
tão relacionadas à necessidade de superar uma noção de tem-
172

po que cria a concepção de um passado único, etapista e sem


relação com a realidade presente. O tempo histórico e a for-
ma como tem sido trabalhado é um aspecto fundamental para
redimensionar o conhecimento histórico escolar, porque dele
dependem as complexas decisões sobre a seleção e organiza-
ção de conteúdos de História que, tradicionalmente, são fei-
tas em função de um passado que obedece a uma cronologia
histórica.
O ensino da História na atualidade tem a função de
mostrar que nada é definitivo, que os acontecimentos podem
ser vistos de diferentes maneiras. A formação do pensamen-
to crítico, questionador e problematizador está alicerçado no
próprio questionamento do conhecimento e na forma como
o mesmo foi produzido.
Porém, hoje, as dúvidas residem sobre o verdadeiro al-
cance dessas mudanças, quando ainda percebemos a distân-
cia que o ensino da História mantém da realidade dos alunos.
Ao lado dessa questão, a escolha de materiais didáticos ne-
cessários, para tornar o ensino da História algo prazeroso, é
de extrema relevância, considerando que está ligado direta-
mente ao trabalho em sala de aula, no qual o professor en-
contra crianças e jovens de diferentes meios sociais e cultu-
rais, com os quais tem de estabelecer um diálogo, refletir e
debater o conhecimento histórico.
Uma das grandes questões que perpassam o ensino da
História é a forma como se ensina, a didática utilizada pelo
docente, de forma a contemplar as propostas inovadoras apre-
sentadas anteriormente. Podemos perceber, muitas vezes, que
a imagem do professor de História é marcada pela contradi-
ção em ser um professor transmissor de conhecimentos e em
ser um professor pesquisador, construtor de saberes e faze-
res. A escola necessita também que este professor seja o pro-
fissional que domine não só os saberes históricos, mas que
possa dominar também os procedimentos pedagógicos ne-
cessários à transmissão desses saberes, aliando competência e
experiências de vida.
Para que o profissional de História possa dar conta do
ensino nessa área e superar os aspectos críticos apresentados, é
necessário uma formação que possibilite a construção de pro-
fissionais que estejam aptos a exercer sua função educativa no
âmbito da sociedade, apresentando uma atitude crítico-reflexi-
173

va diante da realidade na qual está inserido. Este perfil se cons-


titui em um desafio para as agências formadoras, para as quais
não basta trabalhar apenas conteúdos, mas trabalhar o educa-
dor, o investigador, o profissional que irá fornecer aos alunos
as ferramentas necessárias para que o mesmo possa se movi-
mentar no seu cotidiano, enfrentar os problemas que o mundo
lhe apresenta, tendo a possibilidade de fazer as opções e tomar
as decisões necessárias para a construção da sua identidade,
enfim, do seu projeto de vida. Para tanto, sua formação deverá
capacitá-lo para atuar no ensino e na pesquisa, em consonância
com a realidade na qual está inserido, atento às aspirações e
necessidades da sociedade. Ao formar profissionais com essas
características, os cursos de História estarão cumprindo com a
sua função social, alcançarão os grandes objetivos do ensino
superior, contribuirão para melhorar a qualidade de vida das
sociedades e promoverão a inclusão social.

O curso de História do Centro Universitário


Franciscano de Santa Maria: uma trajetória
de meio século
Vivenciava-se no Brasil, nos anos 1950, uma época em
que se defendia a prioridade do desenvolvimento industrial
como fundamento do progresso econômico e como fator de
mudança na estrutura agroexportadora, que caracterizava o
panorama político e econômico desde o século XIX.
A cidade de Santa Maria, localizada no centro do Esta-
do, experimentou e refletiu esse contexto, o que se verifica
nos discursos políticos e na imprensa da época, na defesa de
um projeto modernizador para a cidade, carente na infra-es-
trutura básica como a energia, que era racionada diariamente,
a água potável e os transportes (rodovias). O município era
um importante entreposto comercial, por ser ponto de con-
vergência dos caminhos de ferro da Rede Ferroviária do Rio
Grande do Sul. Esta posição, iniciada no final do século XIX,
possibilitou um acelerado desenvolvimento ao município,
tornando-o um ponto de cruzamento de inúmeras linhas fér-
reas, facilitado pela posição geográfica central. A urbaniza-
ção, em processo de crescimento, possibilitou características
de núcleo de desenvolvimento regional. A nova feição de ci-
dade exerceu um poder de atração para negócios e pessoas.
O comércio foi dinamizado, houve crescimento da rede ho-
174

teleira, ocorrendo, desta forma, uma maior circulação mone-


tária e o surgimento de novas camadas sociais. Destacou-se
na rede ferroviária de Santa Maria a organização da Coopera-
tiva de Consumo dos Empregados da Viação Férrea do Rio
Grande do Sul (EVFRGS) que se originou imbuída dos prin-
cípios da cooperação e do progresso, impulsionando tam-
bém o setor educacional, na criação de escolas, principalmen-
te de nível técnico e de formação de profissionais espe-
cializados.
Santa Maria encontrava limites, para a sua moderniza-
ção, na precariedade de energia elétrica, considerada um dos
fatores prejudiciais ao seu progresso, o que unia as lideranças
da comunidade na busca de soluções diante das carências que
impediam o desenvolvimento industrial. Nesse contexto in-
sere-se uma nova perspectiva para a cidade, o desenvolvimento
da expansão educacional, o que lhe dará, a partir da década
de 1960, a denominação de cidade universitária.
Assim, em 1955, são criadas a Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras “Imaculada Conceição” e a Faculdade de
Enfermagem “Nossa Senhora Medianeira”, ambas perten-
centes à Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis
- Zona Norte. Para as irmãs franciscanas, era o início de uma
experiência na área do ensino superior e que vinha atender a
uma demanda cada vez maior em Santa Maria, considerando
que a iniciativa foi anterior à criação da Universidade Federal
de Santa Maria. No momento de sua criação, a FIC obteve a
autorização para o funcionamento dos cursos de Pedagogia e
Letras Anglo-Germânicas e, posteriormente, em 1957, para
os cursos de História, Geografia e Letras Neolatinas. Em 1968
foram autorizados outros cursos, entre eles o de Estudos
Sociais.
O curso de História, autorizado a funcionar pelo decre-
to n. 41.211, de 27/3/1957, apresentava um currículo, com
base na legislação vigente na época, de três anos, com as se-
guintes disciplinas:
Primeira série: História da Antigüidade e da Idade Mé-
dia, Antropologia, Introdução aos Estudos Históricos e In-
trodução à Teologia;
Segunda série: História Moderna, História do Brasil,
Etnografia Geral, Geografia do Brasil e Teologia Dogmática;
Terceira série: História da América, História do Brasil,
175

Etnografia do Brasil e Língua Tupi-Guarani, História Con-


temporânea, História do Rio Grande do Sul e Teologia Moral.4
O currículo representava as tendências do ensino da
História na época, permeado por uma concepção tradicional
de História e sem a preocupação com o profissional da edu-
cação, considerando a completa ausência de disciplinas de
formação pedagógica. Percebe-se, também, a tradicional in-
fluência religiosa no ensino, com a presença da área da Teolo-
gia nas três séries do currículo. A matriz curricular, distribuí-
da em três anos, evidencia, também, a fragilidade da forma-
ção acadêmica. O reconhecimento do curso ocorreu dois anos
depois, pelo decreto n. 47.437, de 16/12/1959, momento em
que foi introduzida a disciplina de Introdução à Filosofia, na
primeira série, no lugar de Introdução aos Estudos Históri-
cos, e suprimidas algumas disciplinas como Etnografia do
Brasil e Língua Tupi-Guarani.
Em 1963, contexto posterior à aprovação da primeira
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei n. 4024/
61, o currículo foi modificado, apresentando as seguintes dis-
ciplinas:
Primeira série: Cultura Religiosa, Introdução à Filoso-
fia, Introdução aos Estudos Históricos, História Antiga e
Geografia dos Continentes;
Segunda série: Cultura Religiosa, História das Idéias
Políticas e Sociais, Antropologia Cultural, Geografia do Bra-
sil e Geografia dos Continentes;
Terceira série: Cultura Religiosa, História das Idéias
Políticas e Sociais (Elementos do Estado), História da Amé-
rica, História do Rio Grande do Sul, Antropologia Cultural e
Psicologia.5
Nas adaptações realizadas, percebe-se a substituição das
disciplinas de Teologia por Cultura Religiosa, nas três séries, e
de Antropologia por Antropologia Cultural. Houve a supres-
são das disciplinas ligadas à Etnografia e a introdução de dis-
ciplinas como: Geografia dos Continentes, História das Idéi-
as Políticas e Sociais e Psicologia. Percebe-se, nesse currículo,
4 a inexplicável ausência da História do Brasil e da História
Arquivo da Unifra.
Livro n. 6/ 1961. Moderna. Ele apresenta as mesmas carências do anterior no
que se refere à formação pedagógica, com o acréscimo ape-
5
Ibidem. Livro
nas da Psicologia (que não é educacional). A supressão da
n. 31/ 1963. Teologia demonstra as influências das idéias da época no
176

embate entre a ideologia liberal e conservadora na área da


educação, superando as tendências vigentes até então.
Em 1964 novas reformulações curriculares acontece-
ram, visto que o curso passou a ser ofertado em quatro séries,
com a seguinte matriz curricular:
Primeira série: História Antiga, Introdução aos Estu-
dos Históricos, Sociologia da Educação, Introdução à Filoso-
fia e Cultura Religiosa.
Segunda série: História Medieval, História da América, An-
tropologia Cultural, Sociologia da Educação e Cultura Religiosa.
Terceira série: História Moderna, História da América,
História do Brasil, Antropologia Cultural, Psicologia da Edu-
cação, Didática Geral e Especial e Cultura Religiosa.
Quarta série: História Contemporânea, História do Bra-
sil, Didática Geral e Especial e Administração Escolar.6
A reformulação do currículo demonstra, em primeiro
lugar, um aumento significativo de carga horária e de discipli-
nas. Um outro aspecto, de fundamental importância, é que
pela primeira vez surgiu a preocupação com a formação pe-
dagógica do futuro profissional e com o currículo, em atendi-
mento ao parecer CFE n. 292/62, de 14/11/62, que estabe-
leceu a carga horária das matérias de formação pedagógica,
quando foram ofertadas disciplinas como Sociologia da Edu-
cação, Psicologia Educacional, Didática Geral e Especial e
Administração Escolar. As disciplinas referentes à área da
Geografia (Geografia do Brasil e Geografia dos Continentes)
foram retiradas do currículo do curso de História, bem como
a História das Idéias Políticas e Sociais e reforçadas as disci-
plinas referentes à área de História. Percebe-se que o novo
currículo superou algumas carências, anteriormente aponta-
das: a ausência de formação pedagógica e a fragilidade da
formação acadêmica.
Com a análise anterior, dos diferentes currículos
ofertados, pode-se comprovar a sua complexidade, a diversi-
dade não só das durações dos cursos existentes mas também
nos modos de fazer as licenciaturas naquele período.
Em 1968, a instituição passou a oferecer o curso de Es-
tudos Sociais, a denominada Licenciatura Curta, considerando
um novo contexto de políticas educacionais que foram regula-
mentadas pelo regime autoritário militar e cuja conseqüência
6
foi a desqualificação dos profissionais de História e Geografia. Ibidem. Livro
O currículo ofertado no curso evidenciava uma precária for- n. 34/ 1964.
177

mação acadêmica e ausência de elementos ligados à investiga-


ção científica, apresentando as seguintes disciplinas:
Primeira série: Geografia Física, Geografia Econômica,
Aspectos Sociológicos, Aspectos Antropológicos e Culturais
e Cultura Religiosa.
Segunda série: História do Brasil, Organização Social e
Política do Brasil, Geografia do Brasil Psicologia Educacio-
nal, Didática, Cultura Religiosa, História da América e Histó-
ria Moderna.
Terceira série: História Contemporânea, História do
Brasil, Geografia do Brasil, Geografia dos Continentes, Ad-
ministração Escolar, Prática de Ensino e Cultura Religiosa.7
Os cursos de licenciatura curta proliferaram, na época,
com a justificativa de que havia uma demanda educacional
em busca de uma formação de professores polivalentes. Es-
ses foram regulamentados pelo parecer n. 554/72/CFE e re-
solução n. 8/72/CFE. As críticas a esta nova modalidade fo-
ram intensas, na defesa da especificidade das disciplinas de
História e Geografia. O curso aprovado apresentava uma carga
horária de 2040 horas, e foi aprovado pelo parecer CNE n.
260/68, de 18/4/68.8
Diante desse contexto, o curso de História, a partir de
1969, sofreu um processo de descontinuidade, interrompeu
seu funcionamento até 1973, voltou no ano de 1974 a inte-
grar novamente os cursos ofertados pela instituição. A licen-
ciatura curta de Estudos Sociais funcionou até o ano de 1995,
quando foi extinta, e os alunos remanescentes optaram pela
licenciatura plena de História ou Geografia, dentro de um
cenário de contestação à existência de um curso que possibi-
litasse concorrência no mercado de trabalho.
Em 1996, as duas instituições, FIC e Facem, integraram-
se, dando origem às Faculdades Franciscanas, e o curso de His-
tória passou a pertencer ao Departamento de Ciências Sociais e
Humanas. Em 1998, a instituição passou por nova reformulação,
com a transformação em Centro Universitário e o curso passou
a integrar a Área de Ciências Sociais e Humanas.

7 O curso de História e a construção


Ibidem. Livro
n. 44/ 1969. de um novo profissional
O curso de História, a partir da nova etapa institucional
8
Ibidem. Livro
e diante das novas exigências requeridas para a formação do
n. 43/ 1968. profissional na área de História, em nível nacional e regional,
178

passou a discutir uma nova proposta curricular. A este debate


somaram-se as novas diretrizes curriculares para cursos de
História, propostas pelo Conselho Nacional de Educação,
assim como também as diretrizes curriculares nacionais para
a formação de professores para a educação básica.
O novo currículo, aprovado no ano de 2001, para im-
plantação no ano de 2002, apresentou uma proposta que tem
como intenção avançar, a fim de oferecer aos acadêmicos uma
melhor formação profissional, preocupada com um
embasamento teórico-prático que viesse a contemplar e de-
senvolver as capacidades requeridas para o exercício da
docência em História.
A concepção do curso está fundamentada no posiciona-
mento de atender às diversidades regionais, buscando a forma-
ção de profissionais comprometidos com a realidade social,
conjugando o senso crítico-criativo e reflexivo, tendo em vista
a apropriação, a reelaboração e a produção do saber.9
O profissional, formado sob essas condições, deve es-
tar consciente de suas limitações e buscar superá-las, inte-
grar-se ao grupo e, com ele, vivenciar experiências significati-
vas e desafiadoras, para construir seu projeto de vida pessoal
e profissional.10
O projeto pedagógico do curso valoriza mecanismos
capazes de desenvolver no aluno a cultura investigativa,
metodológica e a postura proativa que lhe permitam avançar
diante do desconhecido. Dentre tais mecanismos, explicitam-
se a integração do ensino com a pesquisa e a extensão, os
programas de iniciação científica, os programas de prática
profissional e os programas específicos de aprimoramento
discente. Há necessidade de que o processo de formação téc-
nico-educacional do acadêmico tenha a capacidade de desen-
volver-lhe competências e habilidades mais que transmitir-
lhe informações.11
A excelência de ensino, finalidade institucional e peça
fundamental buscada pelos centros universitários, é entendida 9
Projeto pedagógico do
aqui como o ensejo de um ensino que compreenda os conhe- curso de História,
2004, p. 3.
cimentos básicos e complementares de História como os refe-
rentes ao processo de ensino e de aprendizagem da educação 10
básica. Além disso, implica também em um processo de for- Ibidem, p. 3.

mação profissional e científica que articule, na prática e para 11


além da mera formulação retórica, as dimensões do ensino, da Ibidem, p.3.
179

pesquisa e da extensão, de forma refletida e criativa. Ainda, o


curso deve proporcionar adequada formação humanística, a
qual, em se tratando de curso de formação de professores, está
contemplada em toda a extensão de sua matriz curricular, bem
como nas disciplinas comuns a todos os cursos do Centro
Universitário Franciscano de Santa Maria.12
Para atingir suas finalidades e objetivos, o curso de li-
cenciatura em História apresenta dois eixos obrigatórios e
articulados, um de conteúdos específicos e outro didático-
pedagógico. Assim, além dos conteúdos específicos, o licen-
ciado em História terá uma formação mais apurada nas ques-
tões relativas ao ensino e à produção de recursos didáticos.
Não obstante, em virtude da ampliação das possibilidades de
trabalho, para o egresso dos cursos de História e ao ensejo da
ação criativa no ensino da História são fornecidos conteúdos
referentes ao estudo dos acervos documentais e do patrimônio
histórico, bem como sua aplicação no ensino da História em
um terceiro eixo de Patrimônio e História.13
A proposta construída tem a intenção de formar pro-
fissionais com as competências e habilidades necessárias ao
desempenho da profissão de historiador, como também de
professor, e que, além de atuarem no ensino da História, es-
tejam capacitados para trabalhar em outros espaços educativos,
criando, dessa forma, a possibilidade de visualizar o conheci-
mento histórico enquanto algo vivo, atual e parte do tempo
presente.
Os eixos contemplados, na estrutura curricular, estão ar-
ticulados entre si de forma a atingir o principal objetivo do
curso que é a formação de profissionais capacitados para atua-
rem no ensino e na pesquisa, sintonizados com o seu tempo,
atentos às necessidades da sociedade e preocupados em em-
preender uma ação crítica e criativa no mundo em que vivem.14
No eixo de conteúdos específicos, estão inseridos os
conteúdos teóricos específicos de História, dispostos nas res-
pectivas disciplinas. Sua ênfase recai sobre os Estudos Ame-
12 ricanos e Brasileiros, em vista da própria inserção do Centro
Ibidem, p. 4.
Universitário Franciscano de Santa Maria e dos corpos do-
13 cente e discente do curso na realidade gaúcha, brasileira e
Ibidem, p. 4. americana. É nessa área que se concentra, atualmente, a gran-
14
de maioria das produções em pesquisa dos professores e alu-
Ibidem, p. 4. nos do curso. O estudo das sociedades ocidentais, por sua
180

vez, é também essencial, não por eurocentrismo, mas porque


muito das instituições, formas econômicas, sociais, políticas
e, mais amplamente, culturais, que vivenciamos hoje, são tri-
butárias de processos desenrolados em alguns milhares de
anos da história européia e do Oriente próximo, recriados
diferentemente, em novos contextos. Da mesma forma, os
estudos referentes à História da Antigüidade Oriental e His-
tória Afro-Asiática, focalizados não só pela sua tradição cul-
tural milenar mas também pela configuração mundial atual.15
O eixo didático-pedagógico procura contemplar as ativi-
dades relacionadas de forma mais específica com a docência.
Nesse eixo, aparecem as disciplinas básicas necessárias à forma-
ção de professores em qualquer licenciatura. Busca-se, também,
trabalhar com o estudo e a prática da produção de recursos didá-
ticos. Além disso, nele, procura-se exercitar a prática do pensar
sobre as estratégias do ensino da História e da capacitação e
criatividade na produção de recursos didáticos. Reflete-se, tam-
bém, sobre recursos como o trabalho com o lúdico, a
tridimensionalidade, as dramatizações, a interatividade.16
Por ser um curso de formação de professores, é preo-
cupação uma formação que propicie a reflexão sobre os as-
pectos filosóficos e históricos da educação, da atuação do-
cente e do ensino da História propriamente dito. Assim, o
estudo das políticas educacionais, dos diversos aspectos que
envolvem o espaço escolar, além da própria prática docente,
precisam receber uma expressão curricular, entrando na pau-
ta das discussões formativas do professor de História. Do
contrário, não faríamos senão aprofundar o fosso que se cos-
tuma abrir entre os “conteúdos específicos” e a “formação
docente”. Pelo contrário, é desejável um profissional que con-
siga articular as diferentes áreas que compõem sua formação,
ou seja, um professor de História que conheça o processo de
produção do conhecimento, que compreenda que a própria
aula de História é uma criação historiográfica, que exige co-
nhecimento teórico-metodológico específico. Um professor
de História que consiga fazer uma leitura histórica da sua pro-
fissão, da escola, do sistema de ensino, dos alunos com quem 15
Ibidem, p. 8.
interage. Um professor que esteja munido pelo contato com
os conhecimentos básicos produzidos pelos pensadores da 16
educação e que, assim instrumentalizado, possa agir com mais Ibidem, p. 9.

lucidez, sem derivar para um empirismo desarmante quando 17


se embrenha na prática docente.17 Ibidem, p. 10.
181

O alargamento da área de atuação dos profissionais da


História é visível nos dias de hoje. Eles são chamados para
atividades como: assessorias a programas culturais ou à im-
prensa, preservação e disponibilização de acervos documen-
tais, questões ligadas ao patrimônio cultural, instalação e
dinamização de museus. Essa expansão mostra que a aborda-
gem histórica é importante em lugares bem além de seus usos
tradicionais. Da mesma forma, essas áreas se constituem em
oportunidades de renovação para o ensino da História. O ensi-
no, que incorpora espaços além da sala de aula, pode valer-se
de arquivos, de instituições museológicas, do patrimônio histó-
rico estruturado na arquitetura, nos logradouros ou mesmo na
memória dos habitantes da cidade ou região na qual se insere a
escola. O professor de História que se pretende formar deve ir
além das visitas a museus e arquivos com seus alunos, mas que
consiga perceber, utilizar criativamente e articular possibilida-
des oferecidas por essas instâncias com sua prática de ensino.18
Na região central do Rio Grande do Sul, onde se insere o
Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, é crescente a
demanda, tanto dos especialistas como da comunidade em ge-
ral, pela preservação e disponibilização, para estudo, tanto do
patrimônio histórico como dos ricos acervos documentais exis-
tentes. O professor que se pretende formar deve saber apro-
veitar as oportunidades oferecidas por esse contexto, inserin-
do-as em sua prática pedagógica. A Unifra conta com a experi-
ência de haver trabalhado e estar trabalhando em vários proje-
tos dessa natureza, tais como: organização e informatização do
acervo do Centro de Pesquisas Genealógicas de Nova Palma,
maior arquivo sobre imigração italiana na região central do
Estado; promoção do curso de pós-graduação lato sensu, em
Museologia, em convênio com a Secretaria Estadual de Cultu-
ra e com outras entidades; instalação e funcionamento do La-
boratório de História, espaço que propicia o desenvolvimento
de pesquisas históricas no campo da história oral e do ensino
da História. Este posicionamento encontra respaldo nas dire-
trizes curriculares nacionais dos cursos de História, quando se
refere a conteúdos complementares.
A implementação da matriz curricular, em seu terceiro ano
de funcionamento, já apresenta resultados extremamente positi-
vos na percepção das possibilidades que ela oferece aos acadê-
18
micos. Seja no eixo de conteúdos específicos, proporcionando
Ibidem, p. 10. uma maior solidez na formação acadêmica, seja no eixo didáti-
182

co-pedagógico, que possibilita uma inserção gradativa na realida-


de escolar, o que resulta é um maior preparo no que se refere à
prática docente. Com a operacionalização da nova proposta, o
incremento à pesquisa e à extensão tem crescido de forma signi-
ficativa, o que possibilita a integração teoria/prática e a efetiva
articulação entre os eixos constantes na matriz curricular. Outro
aspecto que tem contribuído para uma formação pedagógica mais
sólida é o contato maior do aluno com a realidade escolar, por
meio de visitas, observações, palestras, aulas experimentais e pro-
jetos de ensino e extensão, em parceria com a rede escolar.
Podemos concluir que a nova proposta curricular, em
fase de implementação, apresenta novas perspectivas para pro-
fessores e acadêmicos, revitalizando a licenciatura em Histó-
ria. A proposta oferece bases mais sólidas para a formação do
profissional e procura superar a dicotomia existente entre
cursos de licenciaturas e bacharelados, uma vez que procura
contemplar ensino, pesquisa e extensão. Os resultados alcan-
çados fazem parte não só da trajetória de quase meio século
de funcionamento do curso, mas também do surgimento de
um novo contexto institucional, em decorrência da transfor-
mação em Centro Universitário Franciscano, com projetos e
propostas inovadoras no âmbito do ensino superior.

Bibliografia
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: História. Brasília: MEC/SEF, 1998.
_____. Diretrizes curriculares para cursos de história. Brasília: MEC. 2001.
_____. Diretrizes curriculares para formação de professores. Brasília:
MEC. 2002.
KARNAL, Leandro. A história na sala de aula: conceitos, práti-
cas e propostas. São Paulo: Contexto, 2003.
UNIFRA. Projeto pedagógico do curso de História. Santa Maria:
Unifra, 2004.
_____. Livros do arquivo. Números 6/1961, 31/1963, 34/1964,
43/1968 e 44/1969.
184

Geografia: ciência para descrever a


Terra e assinalar sua diversidade
Elsbeth Leia Spode Becker1
Lia Margot Dornelles Viero2

Gênesis significa nascimento, origem. No Gênesis, en-


contramos a narrativa da criação do Universo, da Terra e da
humanidade.
A narrativa da criação, escrita pelos sacerdotes no exí-
lio, na Babilônia (586-538 a. C.), não é um tratado científico,
mas uma narrativa inspirada na relação de harmonia propos-
ta pelo Criador para com sua obra e suas criaturas, ou seja,
um tratado à existência da vida.
De acordo com o exposto, portanto, não é nova a idéia
de que a Terra é viva. Também as crenças mitológicas e ritu-
ais religiosos que antecederam a Era Cristã, bem como outras
religiões ou credos, sejam do mundo Oriental sejam do Oci-
dental, mostram que nossos ancestrais sentiam a presença da
vida em praticamente todos os elementos do planeta: nas
pedras, nos rios, nos oceanos e nos céus.
A ciência que surgiu a partir de Bacon, Descartes e 1
Professora no Centro
Newton, desferiu, porém, um golpe mortal na noção de um Universitário
planeta vivo. Alquimia e vitalidade foram sacrificadas em prol Franciscano de Santa
Maria, mestre em
da mecanicidade e da implacável lei do movimento. A vida foi Engenharia Agrícola.
dissociada do planeta e obedecia às leis fundamentais da Física.
2
A Teoria de Gaia inovou essas atitudes. Ela se originou Professora no Centro
da percepção de James Lovelock e propôs a constituição do Universitário
Franciscano de Santa
planeta e da vida num processo inseparável, dessa forma, indo Maria, mestre em
um pouco, ao encontro das crenças religiosas da Antigüidade Geografia.
185

e da magia dos alquimistas medievais. Apesar de as pedras,


águas e céus da superfície da Terra não estarem exatamente
impregnados de vida, eles são vistos, na Teoria de Gaia, como
totalmente integrados aos processos da vida, não sendo as-
sim apenas componentes passivos, mas ativos e participantes.
A história do homem na Terra não é diferente. Está
estreitamente vinculada à natureza. No princípio, Deus criou
o céu e a terra. A terra estava sem forma e vazia; as trevas
cobriam o abismo e um vento impetuoso soprava sobre as
águas. A origem do universo, segundo a narrativa bíblica, é
apresentada como caos, desordem e ausência de vida. O caos
é ordenado com zelo pelo Criador.
Nas descobertas da Ciência, a origem do Universo é
explicada pelo big-bang e o caos da grande explosão passa a
ser ordenado.
Na história bíblica, o narrador descreve um jardim por
onde corria um rio que se dividia em quatro braços para regar
o solo, no qual brotavam todas as espécies de árvores formo-
sas, com frutas boas. O homem foi chamado e colocado nes-
se jardim para que o cultivasse e o guardasse, bem como des-
se nome a todos os animais e a todas as aves.
Ao homem coube a melhor tarefa. Cultivar, cuidar da
terra, e usufruir dela para possuir a vida plena, com abundân-
cia de beleza, frutos e animais. Foi a primeira proposta do
Criador para o homem. Cuidar do Éden é, portanto, um pro-
jeto de vida que traz na essência a relação de harmonia entre
homem e natureza.
Na perspectiva dos historiadores, a relação homem e
natureza é semelhante à narrativa bíblica. Está estreitamente
vinculada à natureza. Desde o início, o homem garantia sua
sobrevivência por meio da abundância ofertada pelas plantas,
mananciais de água e pela imensurável variedade de espécies
de animais. Assim tem sido até os dias de hoje, com a diferen-
ça de que o acelerado progresso científico e tecnológico
aprofundou a relação exploratória mantida pelo homem com
o seu meio.
De acordo com essas idéias, na história da humanidade,
é perfeitamente possível detectar dois domínios distintos: o
da religião e o da ciência.
Desde as primeiras manifestações, a ciência sustenta-se
na experiência universal do dia-a-dia, oriunda da interação
186

homem-natureza, mediada e determinada pela razão. A reli-


gião, por sua vez, estrutura-se segundo as experiências de es-
tados emocionais em que o homem observa mais a si próprio
do que a natureza.
Em que pesem as discrepâncias, especialmente quanto
ao método, que marcam e separam ciência e religião, em ter-
mos contemporâneos, há entre elas uma história comum. Ao
longo dos tempos, ambas se influenciaram e se confundiram,
evidenciando, além das diferenças, muitas semelhanças, asso-
ciadas aos instintos, carências e objetivos humanos.
Nessa relação concebemos a Geografia como o conhe-
cimento para descrever a Terra e assinalar sua diversidade ao
longo dos tempos, influenciada pela trajetória da humanida-
de em suas diferentes manifestações de cultura, religião, crença,
política e vida. Entendemos a Geografia como o palco da
história, pois o mundo no qual vivem os homens é feito tanto
de palavras e proposições quanto de água, de ar, de pedra e
de fogo. O ambiente no qual as sociedades evoluem é uma
construção que se exprime pela palavra: a lógica que os ho-
mens lhe atribuem provém, em parte, das regras que regem a
composição de seus discursos na ciência e/ou na religião.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, pois a riqueza do
tema sugere exatamente a impossibilidade da palavra final, o
desafio básico desta atividade reflexiva consiste em mostrar o
amplo panorama do conhecimento geográfico e orientá-lo
para a produção do saber em todas suas manifestações e
modalidades.

A institucionalização da Geografia no Brasil


A Geografia, no Brasil, desenvolveu-se inicialmente, sob
a influência das Escolas Francesa e Alemã, sobretudo da fran-
cesa, refletindo nitidamente a orientação metodológica
lablachiana, norteada pela Filosofia Positivista, que defendia
o progresso e a civilização por meio do uso da razão. As obras
precursoras são da década de 20, do século XX, e remontam
principalmente a Delgado de Carvalho que abordava temas
da geografia regional e da metodologia do ensino em Geo-
grafia, pelas quais perpassava a formação do cidadão patrióti-
co e civilizado. Essa não apresentou, porém, nenhum resulta-
do capaz de modificar a situação da escola brasileira bem como
a precária, quase inexistente, formação de professores.
187

A Metodologia do ensino geográfico, livro publicado em 1925,


constituiu o trabalho mais importante da Geografia do Bra-
sil, escrito por Delgado de Carvalho, professor e diretor do
tradicional Colégio Dom Pedro II e o primeiro a se preocu-
par com o ensino de Geografia. Nele, persiste, porém, o con-
texto em que o processo civilizatório estava associado à cons-
tituição de um Estado forte e centralizador e a uma elite rural
agroexportadora.
O ensino e a pesquisa em Geografia, no Brasil, só se
institucionalizariam após a Revolução de Trinta, quando a bur-
guesia e a classe média urbana passaram a influenciar o gover-
no, atenuando o poder da burguesia agrário-exportadora.
Em meados da década de 1930, o Estado brasileiro to-
mou forma autoritária e necessitou de entidades modernas que
operassem, de forma ampla e rotineira, atividades estatísticas,
geográficas e cartográficas. A Geografia teria passado a ser um
instrumento eficaz para o Estado e à manutenção do poder,
passou então a ter uma dupla face: no ensino, desempenharia
uma moderna geografia como instrumento ideológico, para
aprofundar uma consciência nacionalista; na pesquisa, seria um
instrumento para a administração e controle do vasto territó-
rio, que necessitava de uma integração econômica e espacial.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE,
criado em 1937, pelo Estado Novo e o Colégio Dom Pedro
II, do Rio de Janeiro, por muito tempo, definiram o elenco de
conteúdos que deveriam constar do programa de ensino no
Brasil, antes da formação da primeira geração de licenciados
das universidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
A fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Le-
tras, da Universidade de São Paulo - USP, em 1934, e do seu
Departamento de Geografia, em 1946, tiveram papel funda-
mental no desenvolvimento da ciência geográfica no país. Si-
multaneamente à criação da Universidade de São Paulo - USP,
foi fundada a Associação dos Geógrafos Brasileiros, que teve
e tem até hoje, significativa importância para todos aqueles
que, no Brasil, pesquisam ou ensinam Geografia. Também,
nessa época, foi fundada a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras na Universidade do Rio de Janeiro - UFRJ.
Até a época da fundação da Faculdade de Filosofia, Ciên-
cias e Letras da USP e da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, a Geografia praticada no Brasil expressava
188

ainda o que ela fora, até meados do século XIX, na Europa:


enumeração de nomes de rios, serras, montanhas, capitais,
cidades principais, totais demográficos de países e cidades.
Após a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da USP e da UFRJ, houve mudanças no perfil do pro-
fessor de Geografia e História, que exerceram importante
papel na mudança cultural, sobretudo, na sala de aula e na
produção da Geografia. O crescimento da produção científi-
ca na Geografia brasileira se desenvolveu baseado em traba-
lhos de campo, realizados com os estudantes, acoplados à
literatura geográfica, de origem francesa e alemã, acrescida da
crítica dos professores. Assim esse ideário produzido na uni-
versidade brasileira, à luz dos princípios das Escolas Francesa
e Alemã, chegou aos bancos escolares dos licenciados que,
de posse do saber científico desenvolvido na universidade,
elaboravam as aulas para o secundário baseados também nos
livros didáticos, escritos por professores universitários, pro-
duzindo um saber para os diferentes níveis de ensino.
Em meados da década de 50, a Geografia tradicional,
que tentava compreender o espaço geográfico por meio das
relações do homem com a natureza, passou a ser questionada
em várias partes do mundo e, nas décadas seguintes, também
no Brasil. Os geógrafos foram em busca de novas teorizações,
de novos paradigmas.
O espaço geográfico, mundializado pelo capitalismo
monopolista, tornou-se complexo e as metodologias propos-
tas pela Geografia tradicional não eram capazes de apreender
essa complexidade. Os geógrafos tiveram acesso a novas téc-
nicas e apoio de instrumentos mais sofisticados: a
aerofotogrametria, na década de 1960; as fotos de satélite,
bem como as técnicas ligadas ao sensoriamento remoto, nas
décadas de 1980 e 1990.
No entanto, mais importante do que as novas técnicas
disponíveis para as análises espaciais foi a reflexão teórico-
metodológica, intensificada no Brasil, a partir da década de 1970.
O embasamento filosófico, centrado no positivismo clás-
sico e no historicismo, passou a ser questionado pelos
geógrafos teoréticos. No Brasil, geógrafos de Rio Claro, São
Paulo, fundaram uma entidade denominada Associação de
Geografia Teorética, Ageteo e produziram, em 1971, o pri-
meiro Boletim de Geografia Teorética, influenciados pela
189

Geografia que o IBGE desenvolvia no Rio de Janeiro, utili-


zando procedimentos quantitativos em suas análises. Dessa
forma, os geógrafos de Rio Claro queriam dar início à divul-
gação e produção de trabalhos de uma corrente desenvolvi-
da, principalmente nos países de língua inglesa, Inglaterra e
Estados Unidos, mas também na Finlândia, Alemanha e Sué-
cia, corrente que buscava nos métodos estatísticos e nos
modelos matemáticos uma análise, segundo eles, mais rigo-
rosa do espaço.
Essa corrente foi extremamente criticada por geógrafos
que buscavam outros caminhos para a compreensão e a expli-
cação do espaço geográfico, como resposta aos questio-
namentos. Teóricos de orientação marxista influenciaram a pro-
dução da geografia paulista, nos anos 1980, ficando os teoréticos
restritos a um grupo menor na Faculdade de Rio Claro.
Enquanto isso no âmbito da universidade, na década de
1970, os debates acirravam-se em decorrência da busca de
novos paradigmas teóricos para a produção da Geografia. A
reforma universitária, por meio da lei n. 5.692/71, introduzia
as propostas de estudos sociais com a intenção de eliminar,
gradativamente, os cursos de História e a Geografia. A políti-
ca educacional do país levava as escolas livros com saberes
geográficos extremamente empobrecidos e conteúdos esco-
lares desvinculados da realidade então vivida e com um cu-
nho altamente ideológico.
A legislação imposta, de forma autoritária, tinha mes-
mo a intenção de transformar a Geografia e a História so-
mente em disciplinas do currículo e, ao mesmo tempo, frag-
mentar os respectivos conhecimentos.
Essa legislação trouxe grandes mudanças, pois permitiu a
abertura das escolas superiores particulares e os cursos de licen-
ciatura curta. As escolas superiores que, na época, tinham licen-
ciatura em Geografia, viram-se obrigadas a encerrar seus cursos
por falta de alunos, pois eles preferiam os cursos de Estudos
Sociais pela possibilidade de, a curto prazo, obterem o seu diplo-
ma e ingressarem no mercado de trabalho. A introdução de Or-
ganização Social Política Brasileira e Educação Moral e Cívica,
disciplinas impostas pelo governo central, fragmentaram ainda
mais os conhecimentos da História e da Geografia.
A Lei de Diretrizes e Bases, n. 5.692/71, fixou mudan-
ças no âmbito do ensino de 1º e 2º graus atribuindo-lhes o
190

objetivo principal de proporcionar ao educando a formação


necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como
elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e
preparo para o exercício consciente da cidadania. Na prática,
multiplicaram-se os cursos profissionalizantes que contribuí-
ram para a formação técnica e para o aprimoramento da mão-
de-obra, mas pouco contribuíram para o desenvolvimento
das disciplinas científicas.
A produção de pesquisas, sobre metodologias de ensi-
no e formação de professores de Geografia, somente se mul-
tiplicou no final do século XX, pela observação da ótica das
relações professor e aluno, mediadas pelo conhecimento e
embasadas, a partir da Escola Nova, pelo conhecimento da
obra de Jean Piaget, nos anos 1960. A partir de então, os
professores tiveram acesso à psicologia da aprendizagem e,
paulatinamente, deslocaram o foco do conteúdo para o estu-
dante como sujeito da aprendizagem.
O ensino da Geografia passou a trabalhar com a “voz” do
homem comum, sua vida, seus interesses, suas preocupações e
conflitos. Passou a mostrar mapas que, além da localização
cartesiana, mostraram também a “expressão” dos lugares expli-
cados a partir de uma complexa rede de interesses, desfazendo
um ensino tradicionalmente baseado na fragmentação política.
Essas novas visões de mundo vão fazer-se sentir na pro-
dução dos livros didáticos e conferem uma verdadeira trans-
formação que irá se refletir no ensino fundamental e médio a
partir da década de 1990, quando são instituídas novas pro-
postas curriculares, elaboradas pelas Secretarias Estaduais de
Educação. O Ministério da Educação introduziu a proposta
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, começando pelo en-
sino fundamental e depois pelo ensino médio. O ensino mé-
dio passou a fazer parte da educação básica, entendendo-se
que essa é parte da formação que todo brasileiro jovem deve
ter para enfrentar a vida adulta com segurança.
Assim os princípios gerais que orientaram a reformu-
lação curricular do ensino básico foram expressos na LDB,
Lei de 1996, que propõe a formação geral do aluno, em opo-
sição à formação específica; o desenvolvimento das capaci-
dades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-
las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do
simples exercício de memorização.
191

Ensinar Geografia passou a ser problematizar o mundo


mais do que explicá-lo de forma unilateral bem como houve
o salutar questionamento das coisas do mundo em que vive-
mos. Parece então iniciar-se uma dissociação no âmbito do
ensino da Geografia, do simplismo ideológico, da concepção
de um passado único e sem relação com o presente, dos
posicionamentos maniqueístas e da visão sistêmica.

A trajetória do curso de Geografia no Centro


Universitário Franciscano de Santa Maria
A trajetória do curso de Geografia no Centro Universitário
Franciscano de Santa Maria traz as características epistemológicas
e filosóficas que permearam a Geografia como ciência no decor-
rer do século XX, agrega as adaptações de ensino e metodologias
que se fizeram necessárias em cada momento histórico e político e
assenta-se na formação humanista das Instituições Franciscanas,
inspirada na concepção de Francisco de Assis, que realizou em si a
mudança que desejava para a sociedade.
Os primeiros passos do curso de Geografia da Faculda-
de de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição” co-
meçaram a ser ensaiados, nos anos 1950, do século XX, decor-
rentes da emergente necessidade de qualificar educadores para
o ensino da Geografia. O relatório de funcionamento dos cur-
sos de História e Geografia é datado de 28 de agosto de 1956,
dirigido ao diretor de Ensino Superior Jurandir Lodi:
a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada
Conceição” com sede em Santa Maria, Estado do
Rio Grande do Sul, encaminha licença para funcio-
namento dos cursos de Geografia, História e Letras
Neo-Latinas. O curso autorizado (Geografia e His-
tória) foi oficializado para duração de três anos, obe-
decendo à seguinte seriação:
Primeira Série: Geografia Física; Geografia Huma-
na; Antropologia; História da Antigüidade e da Ida-
de Média; Introdução à Teologia.
Segunda Série: Geografia Física; Geografia Huma-
na; História Moderna; História do Brasil; Etnografia
Geral; Teologia Dogmática.
Terceira Série: Geografia do Brasil; História Contem-
porânea; História do Brasil; História da América;
Etnografia do Brasil; Teologia Moral.
192

A seriação apresentada mostra a forte influência da es-


cola tradicional, a nítida dicotomia entre a Geografia Física e
a Geografia Humana e a clara conotação teórica de influência
positivista que caracterizou a Geografia tradicional. O ensino
da Geografia enfatizava a Geografia Física, de forma unilate-
ral e sem interação com a Geografia Humana, que tinha forte
influência da História, a qual emprestava à Geografia um ca-
ráter ideológico e regulador.
As aulas no curso seriado eram ministradas no período
noturno. De início, o curso tinha sua sede à rua Andradas,
1614 e funcionava no prédio do Colégio Sant’Anna, ocupan-
do as salas de aula do 2º e 3º andares.
Vários professores foram contatados para compor o
primeiro corpo docente do curso de Geografia e História.
Podem-se elencar algumas disciplinas e seus professores:
Geografia Física: Maria Olívia Schuster; Geografia Humana:
Ivo Lauro Muller; História da Antropologia e da Idade Mé-
dia: Zilah Almeida Cercal; Antropologia: Nilo Clement Tonet;
História Moderna e Contemporânea: Dinat Lobato Pfeifer;
História da América: Maria Nascimento Barnewitz; História
do Brasil: Maria Cleonice Sade Aita; Etnografia: Artheniza
Weimann Rocha; Geografia do Brasil: Rosa Steinbruch Neu.
A autorização para funcionamento provisório dos cur-
sos de História, Geografia e Letras Neo-Latinas foi oficializada
pelo decreto n. 41.211, assinado em 27 de março de 1957.
A autorização para funcionamento definitivo dos cur-
sos de História e Geografia e Letras Neo-Latinas, Filosofia,
Matemática e Didática consolidou-se com o decreto n. 47.437,
de 16 de dezembro de 1959.
Inicia-se assim o curso de Geografia, licenciatura plena,
reconhecido pelo decreto n. 47.437, de 16/12/1959, com
carga horária total de 2.520 horas/aula. A carga horária ficou
distribuída em oito semestres, ministrados em quatro anos,
durante o período noturno.
À época, o curso de Geografia iniciou suas atividades
em um contexto no qual o país passava por uma reelaboração
das condições de dependência, reintegrando-se o Brasil ao
sistema econômico mundial, sob a hegemonia dos Estados
Unidos. As classes sociais brasileiras, paulatinamente, passa-
ram a participar dos debates sobre problemas nacionais, com
destaque aos grandes centros urbanos.
193

No contexto ideológico do desenvolvimentismo da era


de Juscelino, soprou na Geografia uma brisa de caráter inti-
mamente ligado a ela, que foi da “Geografia e poder nacio-
nal”, e em temáticas, inspiradas pelo nacional-desenvol-
vimentismo, baseado na industrialização. A problemática ur-
bana associada à cidade e à região, as relações cidade-campo
passaram a ser analisadas. As realidades locais, aos poucos,
tornaram-se elos de uma rede articulada, em nível nacional e
mundial, ou seja, cada lugar deixou de explicar-se por si mes-
mo como produto de uma longa relação histórica entre o
homem vivendo em sociedade e o meio natural transforma-
do em meio geográfico pelo trabalho do homem.
Essa realidade perpassa o currículo do curso, uma vez
que a proposta incorporou várias disciplinas que davam acesso
à análise do espaço geográfico em suas especificidades,
enfocando temáticas urbanas, agrárias, climáticas, geológicas,
biogeográficas, políticas e econômicas. É nítida a preocupação
com o ensino da Geografia, que se concretizou pela introdu-
ção de disciplinas de orientações metodológicas, didáticas e
psicológicas e pela introdução dos estágios supervisionados e
da prática curricular. Esse currículo demonstra, portanto, um
aumento significativo de carga horária e de disciplinas. Tam-
bém se oferecia, pela primeira vez, disciplinas para a formação
pedagógica do futuro profissional e currículo, conforme pro-
punha o parecer CFE n. 292/62, de 14/11/62, que estabele-
ceu a carga horária das disciplinas de formação pedagógica.
Em atendimento a esse parecer, o curso de Geografia passou a
oferecer disciplinas como Psicologia da Educação, Prática de
Ensino, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus
e Metodologia Científica. As disciplinas referentes à área da
História (História da Antigüidade e da Idade Média) foram re-
tiradas do currículo, bem como as de cunho filosófico e teoló-
gico (Teologia Dogmática, Teologia Moral, Introdução à Teo-
logia) e foram reforçadas as disciplinas específicas do conheci-
mento da Geografia e da formação pedagógica.
Esse currículo de formação específica passou por difi-
culdades quando os militares assumiram o poder e introduzi-
ram os cursos de formação polivalente, ou seja, as licenciatu-
ras curtas. Muitas universidades e faculdades viram seus cur-
sos de Geografia sucumbirem mediante a completa ausência
de demanda.
194

O país passou por mudanças políticas radicais, o que se


refletiu de maneira contundente na sociedade e na educação
brasileira. No período do regime militar, houve mudanças na
estrutura curricular e considerou-se urgente a formação de
professores em detrimento da formação também de pesqui-
sadores. Cursos polivalentes, de menor duração, foram
implementados em todo o país e tiveram uma enorme de-
manda tanto pela característica da menor duração quanto pela
polivalência acadêmica conferida ao professor.
No Rio Grande do Sul, a formação de professores tam-
bém era emergencial e foram disseminados os cursos
polivalentes. Nesse contexto, foi formalizado o pedido de au-
torização para funcionamento do curso de Estudos Sociais (pa-
recer n. 106/66), para licenciatura de 1º ciclo, na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição”, pelo ofí-
cio n. 210/66 de 30 de agosto de 1966, expedido pela diretora
da Faculdade, irmã Consuelo Silveira Netto, para a diretora do
Ensino Superior, Esther Figueiredo Ferraz, do Ministério da
Educação e Cultura, com sede na cidade do Rio de Janeiro.
Esse pedido de autorização foi reiterado em novo ofí-
cio, n. 234/66, de 7 de novembro de 1966. Desse ofício, cons-
tavam as considerações de que, na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras “Imaculada Conceição” já existiam os cur-
sos de História e de Geografia, ambos criados pela lei n. 47.437,
de 16/12/1959 e, portanto, a Faculdade dispunha de profes-
sorado apto, de reconhecida capacidade e idoneidade moral
para assumir as disciplinas do novo curso proposto. O ofício
ainda considerava que o curso fora aprovado pelo Conselho
Técnico-Administrativo da Faculdade, na 52ª reunião, reali-
zada em 27 de agosto de 1966 e igualmente aprovado pelo
Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa
Maria, em sua 67ª sessão, realizada em 18 de outubro de 1966.
Em ofício de n. 93/66, de 4 de novembro de 1966, o
secretário Fernando Antonio Chagas Cauduro, do Conselho
Universitário da Universidade Federal de Santa Maria, comu-
nicou que o referido conselho aprovara, por unanimidade, o
parecer n. 79/66 da Comissão de Ensino e Recursos, a res-
peito do processo n. 9.849/66.
Nesse parecer, cita-se: “o curso de Estudos Sociais, para
a licenciatura do 1º ciclo é interessante, eis que permite a for-
mação, em três anos, de professores de disciplinas de amplo
195

mercado escolar como sejam História, Geografia e Organi-


zação Política e Social do Brasil”.
Pelo parecer n. 106/66 do Conselho Federal de Educação,
apud Documenta n. 46, página 36 e 38, aprovou-se a criação de
três tipos de licenciaturas, especificamente destinadas à forma-
ção de professores para o ciclo ginasial, com a duração de três
anos, que passaram a ser conhecidas como licenciaturas curtas.
Por serem de menor duração, essas licenciaturas se tor-
naram mais acessíveis às Faculdades do interior, que continua-
ram a usar o nome de faculdade de Filosofia e Letras, mas que,
na realidade, eram assemelhadas aos “teachers colleges” ameri-
canos. Essa missão foi considerada importantíssima para a fase
de expansão da escola média, que necessitava da formação de
professores para atender a essa demanda, em detrimento da
pretensão de formar pesquisadores. A Documenta n. 46 ainda
recomendava que as faculdades do interior começassem com
as licenciaturas de 1º ciclo, podendo posteriormente, evoluí-
rem para as faculdades de Filosofia tradicionais, assim como
nos Estados Unidos os “teachers colleges” evoluíram para “state
colleges”, igualando-se aos “liberal arts colleges”, terminando
alguns por se transformarem em universidades.
Em consideração ao novo contexto de políticas educa-
cionais que foram regulamentadas pelo regime autoritário
militar e cuja conseqüência foi a desqualificação dos profissio-
nais de Geografia e História, em 1968, foram criados os cur-
sos polivalentes de Letras e de Estudos Sociais, reconhecidos
pelo decreto n. 58.628/71.
Para o primeiro vestibular do curso de Estudos Sociais,
licenciatura curta, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Le-
tras “Imaculada Conceição”, houve uma demanda de 121 ins-
critos para as 40 vagas oferecidas. Nesse concurso, o
vestibulando Alberto de Queiroz Guimarães, para a primeira
vaga, alcançou a média 7,0 e o vestibulando da 40ª vaga al-
cançou a média 4,2.
A prova de seleção era composta por 25 questões objeti-
vas e dissertativas. Os conteúdos cobrados, nessa prova, permi-
tiram avaliar o difícil momento histórico, político e educacional
ao qual o nosso país foi submetido. As provas seletivas necessita-
vam de um visto de um inspetor federal, designado pelo gover-
no federal, representado por um militar com insígnia.
196

O currículo ofertado, no curso, evidenciava uma precá-


ria formação acadêmica e ausência de elementos ligados à
investigação científica, apresentando as seguintes disciplinas:
Primeira série: Geografia Física, Geografia Econômica,
Aspectos Sociológicos, Aspectos Antropológicos e Culturais
e Cultura Religiosa.
Segunda Série: História do Brasil, Organização Social e
Política do Brasil, Geografia do Brasil, Psicologia Educacio-
nal, Didática, Cultura Religiosa, História da América e Histó-
ria Moderna.
Terceira série: História Contemporânea, História do
Brasil, Geografia do Brasil, Geografia dos Continentes, Ad-
ministração Escolar, Prática de Ensino e Cultura Religiosa.3
O corpo docente para o curso de Estudos Sociais foi
alocado dos cursos de História e Geografia já existentes na
instituição. Dessa forma, os professores para o curso de Es-
tudos Sociais eram: História Antiga: Victor Hugo Oliveira da
Silva, Lenir Ribeiro e Nair Soveral Agne; História Medieval:
Plauta Carolina Irion e Nely Ribeiro Ramos; História Moder-
na: Ilza Maria Guedes da Luz Grieco; História Contemporâ-
nea: Maria Cleonice Sada Aita; História do Brasil: Verônica
Aparecida Monti e Artheniza Weinmann Rocha; Organiza-
ção Política e Social do Brasil: Pedro Atalíbio Weschenfelder;
Geografia Física: Ivo Lauro Müller e Vera Brenner; Geogra-
fia Humana e Econômica: Sérgio Augusto Carvalho
Bernardes; Geografia do Brasil: Aldo Paviani e Vânia Regina
Pereira Pinto; Geografia dos Continentes: Renate Drews;
Fundamentos de Ciências Sociais e Aspectos Sociológicos:
Rômulo Zanchi e Achille Alexio Rubin; Fundamentos de Ciên-
cias Sociais e Aspectos Antropológicos: Darcila da La Canal
Castelan; Psicologia da Educação: João Tomasi e Máximo José
Trevisan; Administração Escolar: Maria Luzel de Oliveira
Cauduro e Vitor Francisco Schuch; Didática: Maria Nasci-
mento Barnewitz e Edy Lourdes Binoto; Prática de Ensino: 3
Elisabeth de Barros Pimenta e Alino Lorenon; Cultura Reli- Arquivo da Unifra.
Livro 44/1969.
giosa: Alino Lorenon e Emelda Ignez Güntzel.4
O curso apresentava uma carga horária de 2.040 horas/ 4
Arquivo da Unifra.
aula e foi aprovado pelo parecer CNE n. 260/68, de 18/4/ Livro 44/1969.
68.5 Consta no parecer n. 292/62, Documenta n. 46, páginas
36 a 38, que o diploma do curso habilitava ao exercício do 5
Arquivo da Unifra.
magistério, no primeiro ciclo da escola de segundo grau, nas Livro 43/1968.
197

seguintes disciplinas: História, Geografia, Organização So-


cial e Política do Brasil, Estudos Sociais.
As críticas a essa nova modalidade foram intensas e
muitos geógrafos e historiadores saíram em defesa da
especificidade das disciplinas de Geografia e História. Esse
quadro, porém, manteve-se inalterado por quase três décadas
em todo território nacional.
Diante desse contexto, o curso de Geografia na Facul-
dade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição”,
a partir de 1969, sofreu um processo de descontinuidade e
interrompeu seu funcionamento até 1978. A licenciatura cur-
ta de Estudos Sociais funcionou até o ano de 1995, quando
foi extinta, e os alunos remanescentes optaram pela licencia-
tura plena de Geografia ou História. Essa prática foi salutar e
ocorreu, em todo território nacional, dentro de um cenário
de contestação à existência de um curso que possibilitasse
concorrência híbrida no mercado de trabalho.
A partir de 1996, a instituição passou por uma nova
reformulação, integrando Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras “Imaculada Conceição” e Faculdade de Enfermagem
Nossa Senhora Medianeira, dando origem às Faculdades
Franciscanas. O curso de Geografia passou a pertencer ao
Departamento de Ciências Sociais e Humanas. Em 1998, dan-
do continuidade à reformulação iniciada em 1996, a institui-
ção transformou-se em centro universitário e o curso de Ge-
ografia passou por novas adaptações curriculares, tanto para
atender à nova etapa institucional quanto para atender a uma
nova proposta para a formação do profissional na área de
Geografia. Nesse processo, vários cursos de graduação fo-
ram criados e os antigos foram reformulados para acompa-
nhar a reforma do ensino no Brasil e, a partir de 1998, os
cursos passaram a compor as áreas de conhecimento. A Área
de Ciências Sociais e Humanas inicia seu funcionamento no
momento da criação do Centro Universitário Franciscano de
Santa Maria, em outubro de 1998, e o curso de Geografia
passa a integrar essa área do conhecimento.
O curso de Geografia foi reformulado e passou a ofere-
cer, a partir de 1999, além da licenciatura, também o bacharela-
do. Oferecia-se a modalidade de licenciatura plena, com carga
horária total de 2.340 horas/aula e a modalidade de licenciatu-
ra plena e bacharelado, com carga horária total de 2.880 horas/
198

aula. O currículo do curso estruturou-se da seguinte forma:


Licenciatura plena:
1º semestre:
Geografia Humana, Cartografia Geral, Psicologia da Educa-
ção, Geografia Física, História do Pensamento Geográfico.
2º semestre:
Cartografia Temática, Mineralogia e Petrografia, Clima-
tologia Geral, Geologia Geral, Metodologia Científica,
Informática Básica.
3º semestre:
Geomorfologia Geral, Hidrologia, Pedologia, Geografia
do Brasil I, Climatologia Dinâmica, Geografia Política.
4º semestre:
Geomorfologia Estrutural e Climática, Prática de Ensi-
no da Geografia I, Didática Geral, Biogeografia, Geo-
grafia do Brasil II.
5º semestre:
Prática de Ensino II, Estrutura e Funcionamento da
Educação Básica, Geografia Agrária, Organização do
Espaço Mundial I, Antropologia e Cosmovisão
Franciscana.
6º semestre:
Geografia Urbana, Prática de Ensino da Geografia III,
Projeto de TFG, Geografia Regional, Geografia Eco-
nômica, Organização do Espaço Mundial II.
7º semestre:
Geografia do Rio Grande do Sul, Trabalho Final de Gra-
duação, Ética e Cidadania, Prática de Ensino da Geo-
grafia V, História do Brasil, Atividades Curriculares
Complementares.
Bacharelado:
5º semestre:
Desenho Técnico.
6º semestre:
Cálculo Diferencial.
7º semestre:
Sensoriamento Remoto, Estatística Básica.
8º semestre:
Topografia, Análise Ambiental, Planejamento Territorial,
Geoprocessamento, Exercício Profissional em Geografia.
O curso de bacharelado não chegou a formar nenhuma
turma, pois a estrutura do curso de Geografia passou por
199

novas transformações, diante das novas exigências requeridas


para a formação do profissional na área de Geografia. Assim,
em âmbito nacional, passou-se a discutir uma nova proposta
curricular. A esse debate se somaram as novas diretrizes
curriculares para os cursos de Geografia propostas pelo Mi-
nistério da Educação, assim como as diretrizes curriculares
nacionais para a formação de professores para a educação
básica.
No decorrer do ano 2001, dando continuidade ao pro-
cesso de reconstrução curricular, o currículo do curso de Geo-
grafia passou a ofertar apenas a licenciatura, com um aumento
significativo da carga horária. A partir de 2002, o curso de Ge-
ografia passou a constar de 2.895 horas/aula, e as disciplinas,
os créditos e a carga horária tiveram a seguinte disposição.

Carga
Semestre Disciplina horária
1º História do Pensamento Geográfico 60
Cartografia Geral 60
Geografia Física 60
Geografia Humana 60
Psicologia da Educação 60
2º Cartografia Temática 60
Didática Geral 60
Geografia do Brasil I 60
Fundamentos Pedagógicos de Informática 60
Metodologia da Pesquisa em Geografia 60
Antropologia e Cosmovisão Franciscana 30
3º Políticas Educacionais e Gestão Escolar 60
Climatologia Geral 60
Geologia Geral 60
Geografia do Brasil II 60
Estatística 30
Introdução à Educação Especial 60
ACC I 30
4º Geografia e Turismo 30
Hidrologia 30
Climatologia Dinâmica 60
Geomorfologia Geral 60
Geografia Ambiental 30
Fundamentos Históricos e Filosóficos
da Educação 60
Optativa I 45
200

5º Projeto de Estágio Curricular I 90


Organização Espaço Mundial I 60
Geomorfologia Estrutural e Climática 60
Projeto Coletivo de Pesquisa e Extensão I 30
Geografia Regional 60
Optativa II 45
6º Projeto Coletivo de Pesquisa e Extensão II 60
Projeto de Estágio Curricular II 90
Produção Didática 60
Biogeografia 60
Organização do Espaço Mundial II 60
ACC II 30
7º Projeto de Estágio Curricular III 105
Geografia Urbana 60
Geografia Econômica I 45
Geografia Agrária 60
Geografia Política 60
Ética e Cidadania 30
Trabalho Final de Graduação I 30
8º Geografia Econômica II 45
Organização e Gestão Territorial 30
Projeto de Estágio Curricular IV 120
Geografia do Rio Grande do Sul 60
Trabalho Final de Graduação II 60
Seminários Temáticos em Geografia 30
Estudos e Práticas Independentes 105

Resumo da carga horária


Créditos teóricos 161
Carga horária teórica 2.415h
Créditos práticos 16
Carga horária prática 480h
Carga horária total 2.895h
ACC 105h
Estudos e práticas independentes 105h
Optativas 90h
Projeto de estágio curricular 405h
201

Disciplinas optativas
Disciplina Carga horária
Redação Acadêmica 45h
Mineralogia e Petrografia 45h
História da Formação Territorial do Brasil 45h
Metodologia do Ensino Fundamental 45h
Avaliação da Aprendizagem 45h
Sensoriamento Remoto 45h
Educação e Legislação Ambiental 45h
Pedologia 45h

Encontrar uma nova compreensão do mundo atual, com


suas formas múltiplas de expressões, tornou-se particularmen-
te importante e especialmente complexo diante dos novos e
indefinidos paradigmas do mundo pós-moderno e da crise
ambiental que não é propriamente ecológica, mas social, eco-
nômica e política.
Compreender e explicar o espaço geográfico são tare-
fas da Geografia. Por ser um curso de formação de professo-
res, é observado o constante trabalho em prol de uma Geo-
grafia escolar crítica, voltada à compreensão do mundo em
que vivemos e desenvolvimento do senso de cidadania.
O compromisso com a construção da cidadania passa,
necessariamente, pela prática educacional voltada para a com-
preensão da realidade social e dos direitos e responsabilida-
des em relação à vida pessoal e coletiva e à afirmação do prin-
cípio da participação política, tal como expressam as diretri-
zes dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que propõem uma
educação comprometida com a cidadania.
Essa tarefa demanda a preparação de um corpo docen-
te voltado para uma prática educacional, não de reprodução
do conhecimento, mas de transformação das relações dos
humanos entre si e dos humanos com o espaço geográfico.
Nesse sentido, o currículo do curso de Geografia traz
como eixo temático a Geografia Ambiental, com ênfase ao
espaço brasileiro. Comprometido com a ciência geográfica,
busca perspectivas e decisões que favoreçam o desenvolvi-
mento sustentável, a preservação dos recursos naturais e o
desenvolvimento das capacidades necessárias à participação
social e na tomada de decisões.
202

Afinal, o essencial é preparar o aluno para a vida em


sociedade, nesta época de revolução técnico-científica e de
globalização, neste momento em que, mais do que adquirir
conhecimentos isolados, o cidadão tem de aprender a apren-
der, a fazer, a ser, a conviver.
Assim também as finalidades do projeto do curso têm
como objetivos: disciplinar e orientar as atividades inerentes
à comunidade do curso de Geografia, bem como traçar os
procedimentos norteadores da ciência geográfica em suas di-
versas dimensões.
O curso tem como meta formar educadores competentes,
criativos, atuantes na sociedade, comprometidos com a forma-
ção integral da pessoa humana, conhecedores do espaço geográ-
fico e capazes de produzir novos conhecimentos para atuarem
na ciência geográfica, no ensino fundamental, médio e superior.
O perfil esperado do futuro profissional deve conser-
var a sensibilidade às questões geopolíticas, humanísticas e
ambientais; ter atitudes investigativas que favoreçam o pro-
cesso contínuo de construção do conhecimento; manter uma
visão contextualizada do mundo, pela consciência dos pro-
blemas de seu tempo e espaço.
Com isso suas competências e habilidades assentam-se, prin-
cipalmente, na capacidade de raciocínio lógico, de observação, de
interpretação crítica e de sensibilidade humanística dos fatos.

Considerações finais
A Geografia tem por objeto descrever a Terra, assinalar as
diversidades e demonstrar que as relações dos homens com o
ambiente se modificaram no decorrer dos tempos. O processo
de civilização está em marcha. A Geografia é o saber indispensá-
vel para a leitura da trajetória dessa marcha, pois o espaço geo-
gráfico é formado por essa trama de objetos, pelos fluxos que
neles se apóiam e os transformam e pelo substrato biofísico.
Os cursos de Geografia fornecem assim os instrumen-
tos conceituais para a leitura e interpretação da marcha que a
sociedade e os processos naturais imprimem na superfície
terrestre. Seu objeto é o espaço construído pelas sociedades,
pleno de drama e trama.
No Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, o
curso de Geografia tem por referência o interesse pela cons-
trução de uma sociedade verdadeiramente democrática.
203

Norteia-se por uma filosofia humanista, sua função consiste


em promover a cidadania, desenvolvendo as competências e
habilidades do ser humano, em vista das relações dos ho-
mens entre si e com o ambiente. Assim, a implementação do
projeto de curso propõe formação de professores de Geo-
grafia comprometidos com o bem agir e o rigor científico. Os
saberes e conhecimentos assimilados, percebidos e sentidos
por cada estudante a partir de diferentes espaços geográficos,
históricos, biológicos e culturais, querem contribuir com a
valorização da ciência geográfica mediante a motivação dos
que a ela se dedicam.

Bibliografia
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curriculares nacionais: Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1998.
_____. Diretrizes curriculares para cursos de geografia. Brasília: MEC,
2001.
_____. Diretrizes curriculares para formação de professores. Brasília:
MEC, 2002.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Pequena história crítica. São
Paulo: Hucitec/Edusp, 1989.
PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Novos caminhos da geografia. São
Paulo: Contexto, 2001.
UNIFRA. Projeto pedagógico do curso de Geografia. Santa Maria:
Unifra, 2004.
_____. Pró-Reitoria de Graduação: relatório de gestão 1999-2002.
Santa Maria: Unifra, 2002.
_____. Livros do arquivo da Unifra. Número 43/1968, 44/1969.
205

O ensino de Matemática em Santa


Maria: o pioneirismo de Maria
Augusta Silveira Neto
Eleni Bisognin1
Vanilde Bisognin2

Os caminhos da Matemática que percorremos hoje, em


Santa Maria, tiveram início na Faculdade de Filosofia, Ciên-
cias e Letras Imaculada Conceição, no ano de 1958. São 47
anos de história a marcar a formação e atividade docente de
muitos profissionais que participaram e participam do pro-
cesso de desenvolvimento da Matemática em Santa Maria.
No ano em que o Centro Universitário Franciscano de
Santa Maria comemora cinqüenta anos de sua criação, é importan-
te registrar o papel desempenhado por esta instituição na histó-
ria recente da Matemática em Santa Maria e sua contribuição à
formação dos recursos humanos para a área. Neste trabalho,
descrevemos o surgimento dos cursos de licenciatura em Matemá-
tica no Brasil, situando em particular, o curso de licenciatura em
1 Matemática do Centro Universitário Franciscano de Santa Ma-
Professora no Centro
Universitário
ria. O trabalho está centrado na evolução do ensino da Matemá-
Franciscano de Santa tica no Brasil, no Rio Grande do Sul e em Santa Maria, mas relata
Maria, doutora em
Matemática.
também diferentes momentos do desenvolvimento da pesquisa
e da implantação dos cursos de formação de professores.
2
Professora no Centro
Universitário A Matemática no Brasil
Franciscano de Santa
Maria, doutora em
Segundo D’Ambrosio (1996), quando comparado com
Matemática. os países da Europa e mesmo com os países latino-america-
206

nos, o desenvolvimento da Matemática, no Brasil, foi tardio e


lento. Desde o descobrimento até 1808, período que coinci-
de com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, era proibi-
da a impressão de livros ou jornais e o intercâmbio cultural
com intelectuais da Europa era extremamente difícil. Até essa
época, o Brasil não possuía nenhuma universidade, nem se-
quer uma escola de nível superior. Foi no período de regência
de Dom João VI que foi dado um grande passo na direção do
desenvolvimento da cultura e das ciências no Brasil. Nessa
época foram criadas a Imprensa Régia, a Biblioteca Pública
Nacional e a Academia Real Militar. Foi na academia militar
que surgiu o primeiro Curso de Matemática que servia para a
formação de oficiais engenheiros.
A responsabilidade pela formação de profissionais es-
teve ligada à Escola Militar até 1874, quando houve a separa-
ção entre o curso militar e o civil. Essa separação permitiu,
nesse ano, a criação da Escola Politécnica, no Rio de Janeiro,
que foi a primeira Escola de Engenharia do país. Nela, foram
realizados concursos de bacharelado e de doutorado nas áre-
as de ciências físicas, naturais e matemáticas. Diplomas de
bacharel e doutor em Matemática foram concedidos, no Bra-
sil, somente após a criação das Faculdades de Filosofia, Ciên-
cias e Letras em São Paulo, em 1934 e no Rio de Janeiro, em
1939. Assim nessas instituições, inicia-se a formação dos pri-
meiros pesquisadores em Matemática no Brasil.
De acordo com Lima (2003), a Matemática, até 1874,
passou por duas fases: a primeira, incipiente, até a década de
1810 e a segunda, das escolas militares e das escolas de enge-
nharia, até 1934. Nessa segunda fase, a Matemática sofreu
uma forte influência do pensamento filosófico positivista pre-
dominante na época. Na educação básica (ginásio e colegial),
o pensamento positivista de Augusto Comte incorporou-se
ao ensino da Matemática, pois até então, ela era trabalhada de
forma fragmentada em Aritmética, Álgebra, Geometria e
Trigonometria, com ênfase à manipulação de cálculos e fór-
mulas sem a preocupação com demonstrações, formalismos
e aplicações.
A influência positivista no desenvolvimento da Mate-
mática mundial trouxe delimitações que impediram seu pró-
prio avanço. O Positivismo, por exemplo, não aceitava as idéias
probabilísticas e negava a validade de várias noções básicas
207

da Análise Matemática. Ela permitia uma orientação mais


metafísica do que científica aos estudos e desconhecia os avan-
ços que a Matemática alcançara no final do século XIX e iní-
cio do século XX.
Nesse período, final do século XIX e início do século
XX, a Matemática, nos grandes centros da Europa, encontra-
va-se em alto grau de desenvolvimento. Iniciava-se, nessa
época, o processo de industrialização que trouxe, como con-
seqüência, um avanço econômico, científico e tecnológico
considerável. Essa evolução deve-se, em grande parte ao avan-
ço da ciência, principalmente na Matemática, com a desco-
berta do Cálculo Diferencial e Integral, cujos precursores fo-
ram Leibnz e Newton no século XVIII.
A descoberta do Cálculo Diferencial por Leibnz (1646-
1716) que foi impulsionado por idéias geométricas ligadas à
determinação de retas tangentes a uma curva e pelas idéias de
Newton (1642-1727), relacionado à noção de velocidade ins-
tantânea, trouxe avanços significativos para a Matemática e
demais ciências. As noções do Cálculo Diferencial represen-
tam um marco para as ciências básicas cujos resultados são
aplicados até os dias atuais como, por exemplo: determina-
ção de órbitas de satélites e naves espaciais, predição do ta-
manho de uma população, medida do fluxo sanguíneo do
coração, previsão do tempo e em uma grande variedade de
problemas de outras áreas.
As idéias filosóficas de Newton foram adotadas pelos in-
telectuais franceses, principalmente por aqueles cujo pensamen-
to filosófico se identificava com o pensamento da Revolução
Francesa e assim foi dado ao Cálculo Diferencial um impulso
notável. Como conseqüência das idéias de Leibnz e Newton,
vários outros ramos da Matemática se desenvolveram.
É dessa época o surgimento da Teoria das Séries Infini-
tas por Bernaulli (1667-1748), com a colaboração de Leonard
Euler (1707-1783). É também desse período o avanço da
Teoria das Equações Diferenciais cujos protagonistas foram
o próprio Euler, Joseph-Louis Lagrange (1736-1813) e Pierre-
Simon Laflace (1749-1827). A partir da consolidação dessas
teorias Matemáticas, a Mecânica e a Física também começa-
ram a se desenvolver.
No início do século XIX, surgiu a Matemática Discreta,
principalmente, com George Boole (1815-1864) e as primeiras
208

idéias do uso da máquina de calcular por Charles Babbage (1752-


1871). Os trabalhos de Babbage podem ser considerados o
passo inicial para a Ciência da Computação. São também do
século XIX os trabalhos de Hamilton (1805-1895) e de Artur
Caley (1821-1895) que deram início à Álgebra Linear com a
criação da Teoria de Espaços Vetoriais e a Teoria de Matrizes.
As idéias Matemáticas do século XIX possibilitaram os
grandes avanços da Física no início do século XX, especial-
mente a Teoria da Relatividade, a Mecânica Quântica e a
Informática, na segunda metade do século XX.
Cabe também destaque às contribuições de Augustin-
Louis Cauchy (1789-1857) que colocou a Análise Matemática
em termos formais e deu um tratamento rigoroso às idéias
do Cálculo Diferencial. Essa estruturação do Cálculo, trazida
por Cauchy, perpetua-se até hoje nas disciplinas de Cálculo
Diferencial e Integral dos Cursos de Matemática, bacharela-
do e licenciatura.
A Álgebra Moderna estudada nos dias atuais teve sua
origem nos trabalhos de Niels Abel (1802-1829) e de Evaniute
Galois (1811-1832) que estudaram a resolutibilidade de equa-
ções algébricas de grau superior a quatro.
A Geometria que, até essa época, era baseada unicamen-
te nas idéias de Euclides, também sofreu uma revitalização e
surgiram as chamadas Geometrias Não-Euclidianas, principal-
mente com os trabalhos de Nikolai Lobachevski (1792-1856).
A Geometria Analítica, relacionada à incorporação da
Geometria ao Cálculo, em cuja direção destacam-se os traba-
lhos de Carl F. Gauss (1777-1855) contribuiu significativa-
mente para o desenvolvimento da Geometria Diferencial.
Na Física-Matemática os trabalhos de Jean Batiste
Fourier (1768-1830), de Georg Bernhard Riemann (1826-
1866), de Henri Poincaré (1854-1912), de M. Lyapunov (1857-
1897), de Karl Weierstrass (1815-1897) e de David Hilbert
(1862-1943) impulsionaram o estudo da estabilização de so-
luções de Equações Diferenciais. Os resultados obtidos por
esses eminentes matemáticos formaram a base da análise nu-
mérica e computacional que envolve diversos grupos de pes-
quisadores no Brasil e no mundo, nos dias atuais.
É dessa mesma época o avanço observado na Teoria de
Números, principalmente com o estudo de números primos.
Destacam-se, nessa área, os trabalhos de Gauss e de Dirichlet
209

(1805-1859). Na Teoria dos Conjuntos, as grandes contribui-


ções foram de Georg Cantor (1845-1918) cujas idéias são es-
tudadas, nas disciplinas de fundamentos da Matemática, nos
atuais currículos dos Cursos de Matemática.
O início do século XX foi marcado também pelos avan-
ços da Lógica Matemática e pelos resultados da Análise Ma-
temática de Richard Dedekind (1831-1916). Os atuais livros
de Análise Matemática descrevem, com precisão, os resulta-
dos estabelecidos por Dedekind.
Não poderíamos deixar de destacar ainda a contribui-
ção do matemático alemão Felix Klein (1849-1925) para a
Ciência e para a Educação. Na Alemanha, Felix Klein foi o
precursor da renovação da educação em nível secundário, em
especial, na modernização do ensino da Matemática. Essa
renovação incluía um ensino menos voltado à Geometria
Euclidiana e mais orientado para aplicações. Nas escolas, em
geral, o ensino de Matemática era orientado por cálculos al-
gébricos e problemas de geometria sem relação com fenôme-
nos de outras áreas de conhecimentos. Felix Klein propunha
a integração dos ramos da Matemática, Álgebra, Aritmética,
Geometria e Trigonometria e um ensino voltado para pro-
blemas do mundo físico, econômico e social.
Segundo Valente (2003), a reforma proposta por Felix
Klein, na Alemanha, teve uma forte influência na educação
secundária no Brasil e foi liderada, principalmente por Euclides
Roxo, então diretor do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro.
Euclides Roxo foi um dos grandes líderes da chamada Refor-
ma Capanema. O papel desse matemático, nas reformas pro-
movidas por Capanema, fez com que se consolidassem no
país, algumas idéias defendidas por Felix Klein, como a da
integração de vários campos de Matemática e a presença da
disciplina Matemática, em cada série do currículo, do ensino
fundamental (ginásio) e médio (colegial). É de Euclides Roxo
também a proposta de introdução de noções de Cálculo Di-
ferencial e Integral na última série do ensino colegial. Esse
currículo proposto por Euclides Roxo foi trabalhado nas es-
colas secundárias brasileiras até o início dos anos 1970 quan-
do as reformas no ensino básico, promovidas pelos governos
militares extinguiram-no. Para muitos educadores, essa
extinção foi desastrosa, pois, segundo eles, em nada contri-
buiu para a melhoria do nível dos alunos da escola básica.
210

Algumas idéias de Euclides Roxo perduram até hoje nos


currículos do ensino básico: o estudo simultâneo e integrado
das várias áreas da Matemática (não mais separada por Arit-
mética, Geometria e Trigonometria) e a presença da Mate-
mática em todas as séries do ensino fundamental e médio.
Essas propostas tiveram, na época, grande impacto, pois obri-
garam a mudança radical tanto nas escolas quanto nos livros
didáticos. No período em que aconteceram no Brasil (1930-
1945), vivia-se um ambiente autoritário o que, segundo al-
guns educadores, favoreceu a sua implantação.
Na educação superior, o ensino, no Brasil, até a década
de 1930, era ministrado apenas em algumas escolas
profissionalizantes. Somente a partir desse período, os cursos
foram aglutinados e formaram-se então as primeiras univer-
sidades. É com o surgimento das universidades que a pesqui-
sa em Matemática, no Brasil, começa a ser valorizada.
O ano de 1932 representou um marco na educação bra-
sileira sinalizado pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova. Esse documento, assinado por educadores ditos “re-
novadores” da educação, estabelecia o conceito de universi-
dade brasileira centrada em dois eixos: na produção do co-
nhecimento novo e na formação de professores. Defendia o
valor da pesquisa e criticava fortemente as instituições de en-
sino superior no Brasil, que tinham apenas preocupação com
a formação profissional. O manifesto também propunha a
unificação da formação do magistério para todos os níveis de
ensino. A partir dessa época, surgem as Faculdades de Filo-
sofia, Ciências e Letras que se tornaram responsáveis pela
formação de professores para o ensino básico e superior.
Na época do surgimento das primeiras universidades
brasileiras, a pesquisa em Matemática, em âmbito mundial,
encontrava-se em estado bastante avançado mas, no Brasil,
era praticamente incipiente. Com a criação das Faculdades de
Filosofia teve início um forte intercâmbio com pesquisado-
res europeus, principalmente, italianos e franceses e assim
iniciaram-se os primeiros passos no desenvolvimento da pes-
quisa Matemática. De acordo com Pereira (1992), o ano de
1952 foi um marco no desenvolvimento científico brasileiro
com a criação do Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq - e
da fundação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF.
Do CBPF nasceu o Instituto de Matemática Pura e Aplicada
211

- Impa, criado como órgão do CNPq, no ano de 1955. A


criação do CNPq e dos demais institutos a ele ligados iniciou
o patrocínio da pesquisa pelos governos (principalmente o
governo federal), como aconteceu na Europa em geral e que
permitiu avanços significativos para a pesquisa em Matemáti-
ca e para as demais ciências.
Hoje os institutos de pesquisa encontram-se espalha-
dos por todo o país e a pesquisa em Matemática alcançou
altos níveis de competitividade internacional trazendo, como
conseqüência, melhoria significativa na formação de profissio-
nais, bacharéis e licenciados, que atuam nos cursos em dife-
rentes níveis de ensino.

A Matemática no Rio Grande do Sul


Se, como vimos, a Matemática no Brasil teve um início
tardio em relação aos países da Europa, no Rio Grande do
Sul, o início foi ainda posterior. Um dos fatores que contri-
buiu para isso foi a grande distância do Estado dos centros
de cultura do país.
A Matemática, no Rio Grande do Sul, em nível superi-
or, passou a ser estudada a partir da criação da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, em 1886, hoje Escola de Enge-
nharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Ufrgs.
A Ufrgs teve sua origem, em 1934, com a criação da
Universidade de Porto Alegre (UPA) como resultado da
integração das Faculdades de Medicina, Direito, Escola de
Engenharia, Agronomia, Veterinária e o Instituto de Belas
Artes. Somente em 1942, foi criada uma Faculdade de Edu-
cação, Ciências e Letras na UPA que recebeu o nome de Fa-
culdade de Filosofia. Com a criação da Faculdade de Filoso-
fia, vários cursos de formação de professores foram implan-
tados e, entre eles, o curso de Matemática. Em 1947, a UPA
se transformou em Universidade do Rio Grande do Sul e, em
1970, incorporou a atual sigla Ufrgs.
No Rio Grande do Sul, como no Brasil, o início dos
cursos de licenciatura é marcado, fortemente, pelo ensino
ministrado nas escolas militares e nas escolas de engenharia.
Como conseqüência dessa influência observa-se, nos primei-
ros currículos propostos para os cursos de licenciatura, a se-
paração entre o campo pedagógico e o campo específico. Essa
tendência perdura até hoje, na maioria dos cursos de licencia-
212

tura em Matemática, apesar das reformas propostas ao longo


do tempo. O esquema de construção da matriz curricular é o
currículo 3+1, que indica a divisão das disciplinas em dois
blocos: um, de conteúdos específicos de Matemática, cujos
responsáveis são os professores dos departamentos ou insti-
tutos de Matemática e o outro, de conteúdos pedagógicos,
cujos responsáveis são os professores das faculdades de edu-
cação.
Com a aprovação das diretrizes curriculares nacionais
para formação de professores da educação básica3, a constru-
ção dos projetos pedagógicos para os cursos de licenciatura
em Matemática sofreu profundas modificações. As alterações
propostas nas diretrizes curriculares ainda não estão total-
mente implantadas, na maioria dos cursos de Matemática do
país, devido, em grande parte, às dificuldades estruturais das
instituições de ensino superior.
No Estado do Rio Grande do Sul não poderíamos dei-
xar de destacar o papel desempenhado pelo professor Anto-
nio Rodrigues, um dos pioneiros que contribuíram com o
desenvolvimento da Matemática. Antonio Rodrigues foi um
dos primeiros egressos do curso de Matemática da Faculdade
de Filosofia da Universidade de São Paulo. Na época da fun-
dação da USP, predominava o domínio da escola militar
(positivista) no ensino de matemática. Foi na USP que se ini-
ciou a reação ao positivismo na Matemática com a chegada
de professores pesquisadores de instituições européias, prin-
cipalmente a italiana. Esses professores trabalharam, na USP,
em cursos para formação de docentes e na pesquisa. O pro-
fessor Antonio Rodrigues, quando aluno da USP, teve a opor-
tunidade de conviver com eminentes matemáticos italianos,
principalmente os geômetras, especializando-se assim na
Geometria Projetiva.
Por influência do professor Antonio Rodrigues, a Geo-
metria Projetiva tornou-se uma disciplina básica nos primei-
ros cursos de licenciatura em Matemática criados no Rio Gran-
de do Sul. Hoje a disciplina está completamente esquecida
nos currículos dos cursos de Matemática, sejam eles bachare-
lado sejam licenciatura. Essa influência foi sentida também
nos demais cursos de licenciatura em Matemática criados em 3
Porto Alegre na Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran- Resolução n. 1, de 18
de fevereiro de 2002-
de do Sul e no interior do Estado. CNE/CP.
213

A Matemática em Santa Maria


O primeiro curso de formação de professores de Mate-
mática, em Santa Maria, teve origem na Faculdade de Filoso-
fia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição” - FIC. O curso
foi criado em 1958 e reconhecido pelo decreto n. 47.437/59,
na modalidade licenciatura. Somente em 1966, tem início na
Universidade Federal de Santa Maria o curso de Matemática-
Licenciatura. Os currículos iniciais dos cursos de licenciatura
em Matemática da FIC e UFSM também sofreram influência
da orientação trazida para o Brasil de pesquisadores italianos
cuja pesquisa estava centrada nos problemas de Geometria.
Como na Ufrgs, as matrizes curriculares desses cursos tam-
bém continham a disciplina Geometria Projetiva.
Na FIC, o curso de Matemática teve como pioneira a
professora Maria Augusta Silveira Neto, irmã Felicidade. Per-
tencente à Congregação das Irmãs Franciscanas, irmã Felici-
dade nasceu no dia 25 de setembro de 1912. Formou-se em
Matemática, no ano de 1945, na Pontifícia Universidade Ca-
tólica do Rio Grande do Sul. A partir de sua formatura exer-
ceu o magistério, sempre em nível superior, na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição” e na Uni-
versidade Federal de Santa Maria. Segundo Silva (1997) reali-
zou vários cursos de especialização no Brasil e em Portugal,
dedicando-se à área de Álgebra. Além de sua contribuição,
como docente nos cursos de Matemática da FIC e da UFSM,
sua característica marcante foi o incentivo aos jovens estu-
dantes de Matemática, para que ampliassem sua formação
em instituições de pesquisa do centro do país. Pode-se afir-
mar que irmã Felicidade foi a grande responsável pela forma-
ção dos primeiros mestres e doutores em matemática que
atuaram e atuam nos cursos de matemática da UFSM e do
Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, além de mui-
tos outros que trabalham em instituições de ensino superior
do país. Irmã Felicidade transmite, como no seu nome, uma
lição ao dizer:
“Eu sou feliz, sempre fui feliz, como professora,
como religiosa e caminho feliz para os meus últimos
dias de vida. Lutei e vejo muita glória na minha luta,
especialmente, quando da vitória de meus alunos e
de todos os que passaram pelo Sant’Anna e pela FIC.
Nosso Senhor foi muito generoso comigo!”
214

Suas palavras caracterizam bem sua filosofia de vida e


sua forma de trabalho, exercido na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras “Imaculada Conceição” até 1993. Sempre
viu nos cursos de atualização um modo de adquirir conheci-
mentos novos e, por isso, freqüentou muitos e incentivava
seus alunos a fazerem o mesmo, levando-os consigo em con-
gressos, seminários e colóquios, principalmente os realizados
em Poços de Caldas, promovidos pelo Instituto de Matemá-
tica Pura e Aplicada. Esses colóquios continuam sendo reali-
zados, não mais em Poços de Caldas, mas na sede do Impa,
no Rio de Janeiro. O objetivo do colóquio continua o mes-
mo, qual seja, incentivar os jovens, com talento para o estudo
da Matemática, a buscarem aperfeiçoamento em um centro
de pesquisa que é referência mundial na área. Perceber a di-
mensão da participação de estudantes em congressos desse
porte, numa época em que a Matemática em Santa Maria e no
Estado estava dando os primeiros passos, fizeram de irmã
Felicidade uma educadora empreendedora que conhecia bem
seu tempo. O trabalho iniciado por irmã Felicidade trouxe
contribuições marcantes e decisivas para o desenvolvimento
do ensino, da pesquisa e na formação de profissionais em
Matemática para Santa Maria e outras regiões do país.
Nos cursos de matemática da FIC e da UFSM, a área de
Geometria teve seu desenvolvimento inicial impulsionado pela
Professora Irma Peroni. Natural da Itália e Doutora em Geo-
metria pela Universidade de Pádua, Irma Peroni foi a primei-
ra docente com o título de Doutor a atuar em Santa Maria.
Como docente de nível superior Irma Peroni iniciou seu tra-
balho na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada
Conceição, transferindo-se depois para o Curso de Matemá-
tica da Universidade Federal de Santa Maria com a criação do
mesmo em 1966. Pela sua formação acadêmica, Irma Peroni
sempre manteve uma relação estreita com pesquisadores da
Ufrgs, principalmente com o Professor Antonio Rodrigues,
além de pesquisadores das universidades italianas. Sua carac-
terística marcante, como docente, foi seu dinamismo, moti-
vação para pesquisa, gosto pela geometria e sua preocupação
com o rigor matemático. Além de sua contribuição como
docente, nos cursos de licenciatura da FIC e da UFSM, a
professora Irma Peroni exerceu também o magistério, em nível
médio, como professora de Matemática do Colégio Estadual
215

Manoel Ribas de Santa Maria, onde foi também diretora. Seu


talento para a pesquisa serviu de exemplo para muitos de seus
alunos, os quais incentivou para que buscassem o aperfeiçoa-
mento profissional em cursos de pós-graduação em centros
de estudos avançados do país. irmã Felicidade e Irma Peroni,
duas mestras que trabalharam juntas por muito tempo, com
diferentes formas de trabalho e agir, mas, com uma caracte-
rística comum: pessoas empreendedoras que souberam ver
adiante de seu tempo e, por isso, pode-se afirmar com justiça
que elas foram as grandes responsáveis pelo desenvolvimen-
to da Matemática em Santa Maria. Sob a liderança dessas pro-
fessoras, novos docentes foram, aos poucos, sendo incorpo-
rados aos cursos da FIC e UFSM formando-se um grupo
que se tornou referência para os alunos, pela competência
profissional e pela postura ética. Muitos de seus ex-alunos
são hoje professores responsáveis pela formação de recursos
humanos que atuam em diferentes instituições de ensino bá-
sico e superior.
A história iniciada na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras “Imaculada Conceição”, em 1958, com a criação do
curso de graduação em Matemática, teve continuidade com a
oferta de vários cursos em nível de pós-graduação lato-sensu, a
partir da década de 1980. As tentativas de criação de cursos
em nível de pós-graduação stricto-sensu, para a área de Mate-
mática, tiveram sucesso na forma de convênios assinados com
os programas de pós-graduação em Matemática Aplicada da
Ufrgs com a UFSM em 1996, bem como, o Programa de
Pós-Graduação em Matemática Pura da Ufrgs com o Centro
Universitário Franciscano, em 1998. O ano de 2003 foi mar-
cado pela criação do primeiro curso regular em nível de pós-
graduação stricto-sensu para a área de Matemática, no Centro
Universitário Franciscano. Em dezembro desse ano, a Capes
recomendou a aprovação do curso de Mestrado Profissio-
nalizante em Ensino de Física e de Matemática cujas ativida-
des tiveram início em março de 2004.
O atual estágio de desenvolvimento do ensino e da pes-
quisa em matemática, em Santa Maria, é conseqüência do tra-
balho perseverante e dos caminhos delineados pelos primei-
ros mestres desses cursos, orientados pelas professoras irmã
Felicidade e Irma Peroni.
216

Bibliografia
D’AMBROSIO, Ubiratan. Educação matemática: da teoria à prá-
tica. Campinas: Papirus, 1996.
LIMA, Elon Lages. Matemática e ensino. Rio de Janeiro: SBM,
2003.
MIGUEL, Antonio; MIORIN, Maria Ângela. História da edu-
cação matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
SILVA, Clovis Pereira da. A matemática no Brasil: Uma história
do seu desenvolvimento. Curitiba: UFPR, 1992.
SILVA, Maria Virgínia dos Santos. FIC 1955-1995: 40 anos
de história. Santa Maria: Unifra, 1997.
VALENTE, Wagner Rodrigues (org.). Euclides Roxo e a moder-
nização do ensino de matemática no Brasil. São Paulo: Sbem, 2003.
218

A aprendizagem de um discurso legítimo:


experiência do Centro Universitário
Franciscano de Santa Maria
com a formação de professores em serviço
Claudemir de Quadros1

Introdução
Desde o ano de 2000, o Centro Universitário Franciscano
de Santa Maria desenvolve um projeto de formação de professo-
res para a educação básica em convênio com prefeituras munici-
pais da região Centro do estado do Rio Grande do Sul. Esse pro-
jeto se caracteriza pela oferta dos cursos de graduação em Pedago-
gia, com habilitação para os anos iniciais do ensino fundamental,
História, Letras e Geografia, com calendário de freqüência às aulas
diferenciado e pelo valor reduzido dos encargos educacionais.
Proponho-me a fazer um relato da experiência desenvol-
vida no âmbito do curso de Pedagogia e apresentar alguns re-
sultados obtidos. Isso pode subsidiar as discussões sobre a for-
mação de professores que, porventura, venham a desenrolar-
se no âmbito da instituição. Como a maioria dos relatos, este
também é parcial, tanto em função da seleção que fiz dos as-
pectos considerados relevantes para relatar, quanto em função
das interdições às quais o discurso proposto está submetido.
1
Professor no Centro
Breve histórico Universitário
É consenso que uma adequada formação dos profissi- Franciscano de Santa
Maria, mestre em
onais do magistério constitui-se num dos elementos funda- Educação.
219

mentais para a melhoria da qualidade da educação escolar no


Brasil. Nesse sentido, a legislação educacional, em especial a
LDB, o Plano Nacional de Educação e as diretrizes curriculares
para os cursos de graduação, propostas pelo Ministério da
Educação, conferem destaque especial ao assunto.
A título de exemplo, o Plano Nacional de Educação, no
item 4 - “Magistério e financiamento da educação”, aponta que
a melhoria da qualidade do ensino, que é um dos ob-
jetivos centrais do Plano Nacional de Educação, so-
mente poderá ser alcançada se for promovida, ao
mesmo tempo, a valorização do magistério. Sem esta,
ficam baldados quaisquer esforços para alcançar as
metas estabelecidas em cada um dos níveis e modali-
dades do ensino. Essa valorização pressupõe e só pode
ser obtida por meio de uma política global de magis-
tério, a qual implica, simultaneamente, a formação
profissional inicial, as condições de trabalho, salário e
carreira e a formação continuada (PNE, 1999, p. 89).

O descompasso entre o reconhecimento da importân-


cia da função ou profissão professor e a sua insuficiente remu-
neração têm tido repercussão direta na demanda dos cursos
de licenciaturas, uma vez que “a profissão de professor tem
se mostrado cada vez menos atraente para camadas impor-
tantes de nossa juventude, tanto pelas condições de ensino
dos cursos em si quanto pelos aspectos salariais e de prestígio
social” (Gatti, 1996, p. 1-2).
Em termos gerais, os diagnósticos já formulados por
estudos sobre os cursos de formação de professores são unâ-
nimes em suas conclusões, que sintetizam uma suposta e lon-
ga crise das licenciaturas:
a) os cursos de formação de professores não preparam
suficientemente os futuros profissionais para uma
adequada inserção nas escolas e órgãos da educação;
b) há uma permanente dicotomia entre teoria e prática;
c) há uma carga horária mínima de conteúdos pedagó-
gicos e desarticulação destes com as disciplinas das
áreas curriculares básicas;
d) há crise de identidade nos cursos;
e) persiste uma elevada evasão;
f) há baixa demanda;
g) o ensino da graduação permanece distanciado da
pesquisa e da extensão.
220

Nesse contexto, o cenário de dificuldades no qual se


insere a formação daqueles que são os personagens centrais
na socialização dos saberes historicamente acumulados, bem
como na produção de novos conhecimentos, é uma realidade
que não pode ser negada.
Essa contradição se amplia se forem consideradas to-
das as novas exigências que são constantemente postas aos
profissionais vinculados à educação. Exige-se, por exemplo,
que o profissional seja capacitado a2:
a) exercer atividades de ensino nos diversos níveis e mo-
dalidades previstas pelo sistema, conforme sua habi-
litação especializada;
b) atuar em todos os espaços e ambientes da educação,
formal ou não-formal;
c) dominar os conteúdos disciplinares das áreas de sua
escolha e as respectivas didáticas e metodologias com
vistas a conceber, construir e administrar situações
de aprendizagem e de ensino;
d) utilizar as ciências humanas e sociais, bem como os
conhecimentos das ciências da natureza e as
tecnologias como referências e instrumentos para
ensino formal e para condução de situações
educativas em geral;
e) atuar no planejamento, organização e gestão dos siste-
mas de ensino, nas esferas administrativa e pedagógi-
ca, com competência técnico-científica, com sensibili-
dade ética e compromisso com a democratização das
relações sociais na instituição escolar e fora dela;
f) estabelecer um diálogo entre a sua área e as demais
áreas do conhecimento ao relacionar o conhecimento
científico e a realidade social, conduzir e aprimorar
suas práticas educativas, propiciando aos seus alunos
a percepção da abrangência dessas relações;
g) contribuir com o desenvolvimento do projeto pedagógi-
co da instituição em que atua, ao realizar o trabalho peda-
gógico de maneira coletiva e solidária, interdisciplinar e 2
Ver, por exemplo, o
investigativa, desenvolvendo saberes educacionais a par- “Documento
tir das questões vividas na prática educativa; norteador para
elaboração das
h) exercer um papel catalisador do processo educativo, pos- diretrizes curriculares
para os cursos de
sibilitando a articulação dos sujeitos escolares entre si e formação de
destes com os movimentos socioculturais da comuni- professores”, p. 3.
221

dade, assim como contribuir com a construção e orga-


nização coletiva em sua categoria profissional.
Além dessas capacidades e habilidades, o discurso go-
vernamental confere aos profissionais da educação a missão
de formar pessoas que
aprendam a valorizar o conhecimento e os bens cul-
turais e a ter acesso a eles autonomamente; a selecio-
nar o que é relevante, investigar, questionar e pesquisar;
a construir hipóteses, compreender, raciocinar
logicamente; a comparar, estabelecer relações, inferir
e generalizar; a adquirir confiança na própria capaci-
dade de pensar e encontrar soluções. É preciso que
todos aprendam a relativizar, confrontar e respeitar
diferentes pontos de vista, discutir divergências, exer-
citar o pensamento crítico e reflexivo. É preciso que
aprendam a ler criticamente diferentes tipos de texto,
utilizar diferentes recursos tecnológicos, expressar-se
em várias linguagens, opinar, enfrentar desafios, criar,
agir de forma autônoma. E que aprendam a diferenci-
ar o espaço público do espaço privado, ser solidários,
conviver com a diversidade, repudiar qualquer tipo de
discriminação e injustiça. (Referenciais para formação
de professores, 1999, p. 24).

É preciso considerar, ainda, que os profissionais da edu-


cação estão inseridos num processo de rápidas mudanças
socioeconômicas e culturais “que afetam, em diferentes graus,
as rotinas dos países do mundo e confirmam a natureza uni-
versal do atual processo de globalização da sociedade con-
temporânea.” (Forgrad-PNG, 1999, p. 6). Diante disso, é pos-
sível inferir que se amplia significativamente, dia a dia, o pa-
pel do profissional da educação.
A partir da promulgação da LDB, em dezembro de 1996,
e, principalmente, da proposição das diretrizes curriculares
nacionais para os cursos de formação de professores, a dis-
cussão tomou um ímpeto renovado. Concomitante à publi-
cação do projeto de estruturação do curso normal superior,
em maio de 2000, e das propostas de diretrizes para a forma-
ção inicial de professores da educação básica, em cursos de
nível superior de maio de 2000 e de fevereiro de 2001, do
parecer n. 9/01 do CNE, e das resoluções n. 1 e n. 2/02 do
3
Veja nos anexos 1, 2 e CNE, que instituíram as diretrizes curriculares, tiveram lugar
3 as manifestações da
Anped, da Andes-SN
inúmeras manifestações, algumas contundentes, de associa-
e da Anfope. ções de classe, tais como a Andes, Anfope, Anpae e Anped.3
222

No geral essas entidades se posicionaram contrárias à


proposta de diretrizes ao argumentar, por exemplo, que
a luta pela formação teórica de qualidade, um dos pilares
fundamentais da base comum nacional, implica em recu-
perar, nas reformulações curriculares, a importância do
espaço para análise da educação enquanto disciplina, seus
campos de estudo, métodos de estudo e status epistemo-
lógico; busca ainda a compreensão da totalidade do pro-
cesso de trabalho docente e nos unifica na luta contra as
tentativas de aligeiramento da formação do profissional
da educação, via propostas neo-tecnicistas que preten-
dem transformá-lo em um “prático” com competência
para lidar exclusivamente com os problemas concretos
de sua prática cotidiana (Anfope, carta de 21/03/2001).

Parece que a discussão está longe de uma conclusão.


Notícia publicada no sítio do MEC (http://www.mec.gov.br),
em 14 de maio de 2004, diz que “O Conselho Nacional de
Educação (CNE), reunido na semana passada, decidiu que,
no segundo semestre, vai centralizar as discussões em gran-
des temas, como a formação de professores e as diretrizes 4
Em 8 de setembro de
curriculares para os cursos de Pedagogia e Normal Superior”. 1999 foram assinados
convênios com 12
municípios a região:
A proposta do Centro Universitário Franciscano de Agudo, Dona
Santa Maria para a formação de professores em serviço Francisca, Restinga
Seca, Júlio de
Foi no contexto dessas discussões e motivado pelo Castilhos, Faxinal do
Soturno, Ivorá, Nova
envolvimento de longa data com os debates sobre a formação Palma, São João do
de professores que o Centro Universitário Franciscano de Santa Polêsine, São Pedro do
Sul, Pinhal Grande,
Maria promoveu, no segundo semestre de 1998, uma série de Quevedos e Silveira
reuniões com o objetivo de refletir sobre uma dinâmica curricular Martins. A esses
municípios agregaram-
para a formação de professores que atuariam nos anos iniciais da se, a partir do segundo
escolarização, atendendo à demanda das municipalidades da re- semestre de 2000,
outros sete: Santa
gião, interessadas na qualificação do corpo docente das redes Maria, Tupanciretã,
municipais de ensino, que, em sua maioria, trabalhava diretamente Toropi, Jari, São
Vicente do Sul,
nos anos iniciais sem ter uma formação suficiente ou adequada, Dilermando de Aguiar
e Mata.
pelo menos do ponto de vista dos pressupostos do discurso edu-
cacional que objetiva esses professores como docentes leigos. 5
A partir de setembro de 1999, foi firmado convênio O regime especial se
caracteriza pela oferta
com municípios4 da região Centro do estado do Rio Grande de um calendário
do Sul, com vistas ao oferecimento, para professores das re- diferenciado, que
envolve os meses de
des municipais de ensino, sem habilitação plena, de um curso janeiro e julho, de
de Pedagogia, com habilitação para os anos iniciais do ensino segunda-feira a
sábado, e aos sábados
fundamental, em regime especial5, tendo em vista a necessi- nos demais meses.
223

dade dos alunos de conciliar trabalho e estudos. Esse curso


iniciou o funcionamento em janeiro de 2000 e, até o momen-
to, foram realizados quatro processos seletivos, tendo sido
oferecido um total de 550 vagas.
Desde então, o reconhecimento do trabalho desenvolvi-
do no âmbito do curso de Pedagogia, regime especial, passou a
despertar um expressivo interesse na região e, em conseqüên-
cia, a demanda por cursos ofertados em regime especial ten-
deu a crescer. Em função disso, a iniciativa do Centro Univer-
sitário extrapolou o objetivo inicial - atender ao interesse dos
municípios e formar professores em função de dispositivos da
LDB - e adquiriu um sentido maior, qual seja, o de contribuir
para a qualificação da educação na região central do estado e
atender a toda e qualquer pessoa interessada em estudar.
Tabela 1 - Vagas, candidatos e relação candidato/vaga nos
processos seletivos.
Processo
seletivo Vagas Candidatos Relação Aprovados
20/11/1999 260 249 1,04 249
1º/7/2000 120 96 0,80 96
2/6/2001 80 88 1,10 88
28/11/2003 90 334 3,71 150
Total 550 767 1,47 583
Fonte: Coperves.

O número de alunos matriculados no curso variou em


função dos ingressos pelo processo seletivo, cancelamentos
de matrícula ou conclusão do curso. Na tabela a seguir, apre-
senta-se o número de matrículas por ano e semestre.
Tabela 2 - Número de alunos matriculados por ano e semestre.
2000 2001 2002 2003 2004
1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º
sem. sem. sem. sem. sem. sem. sem. sem. sem. sem.
240 329 327 407 400 399 399 399 142 279
Fonte: Derca.

Em função do convênio com as prefeituras municipais,


os alunos do curso pagam uma mensalidade fixa, independen-
te do número de créditos matriculados. Em 2000, o valor da
mensalidade foi de R$ 100,00; em 2001, de R$ 110,00; em 2002,
de R$ 125,00; em 2003, de R$ 140,00, em 2004, de R$ 161,00,
224

e em 2005 de R$ 180,00. Esses valores representam, em média,


34% do valor normal das mensalidades e têm permitido o acesso
à educação superior a pessoas que até então não haviam tido
essa oportunidade. Trata-se, portanto, de uma forma de inclu-
são social. Posteriormente, a partir do ano de 2001, a experiên-
cia foi estendida aos cursos de História (27 matriculados), Le-
tras (111 matriculados) e Geografia (80 matriculados).
O perfil dos alunos matriculados no curso de Pedago-
gia pode ser sintetizado nos seguintes elementos:
6

a) Em relação à idade, ao estado civil e ao sexo dos


alunos, percebe-se que:
- 72,5% tinham idade acima de 30 anos;
- 66,4% eram casados;
- 92,8% eram do sexo feminino.
Essas características são muito diferenciadas, por exem-
plo, dos alunos dos cursos que funcionam em regime regular
que, em termos de idade, estão, predominantemente, na faixa
de 20 a 22 anos e 79% são solteiros. Cabe destacar, também,
que os alunos do regime especial da Pedagogia procedem de
municípios do interior, localizados numa região de coloniza-
ção italiana7 e alemã, com forte tradição religiosa, especial-
mente católica, e com uma economia baseada na agricultura;
b) Dos alunos matriculados, 66,1% declararam ter cur-
sado, no ensino médio, um curso profissionalizante,
especialmente o curso Normal, e 70,1% declararam
tê-lo feito em escola pública;
c) majoritariamente, os alunos são filhos de pais e mães
com baixa escolarização: 83,2% dos pais e 76,5% das
mães tinham o 1º grau incompleto;
6
d) um indicador importante diz respeito à renda e ao O instrumento que
trabalho, cabendo destacar o seguinte: buscava identificar o
perfil dos alunos do
- 37,7% dos alunos tinham jornada de trabalho de 30 ho- curso foi aplicado pela
ras, ou mais, e outros 53,0% tinham jornada de até 20h; Comissão de Avaliação
Institucional no
- 52,8% tinham renda familiar de até três salários mínimos segundo semestre de
2001.
(R$780,00) e 41,4% entre quatro e seis salários
(R$1.040,00 e R$ 1.560,00); 7
- 40,6% trabalhavam, eram responsáveis pelo próprio sus- Sobre a Quarta
Colônia de Imigração
tento e contribuíam parcialmente para o sustento da fa- Italiana ver, em
mília ou de outras pessoas e 27,5% trabalhavam e eram especial, RIGHI, José
Vicente; BISOGNIN,
os principais responsáveis pelo sustento da família; Edir Lucia; TORRI,
e) 74,5% declararam não utilizar o computador no seu Valmor. Povoadores da
Quarta Colônia. Porto
dia-a-dia e 88,4% declararam não utilizar a internet, Alegre: EST, 2001.
225

o que pode denotar uma significativa dificuldade no


acesso a esse tipo de tecnologia.

A concepção do curso
O projeto educativo proposto para o curso de Pedago-
gia: Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental foi
estruturado a partir das diretrizes curriculares para os cursos
de formação de professores, na sua versão de 1999, que pos-
teriormente sofreria significativas reformulações, e a partir
do pressuposto de que a docência nos anos iniciais do ensino
fundamental constitui-se na base da identidade profissional
do aluno formado pelo curso.
De acordo com o projeto educativo, o curso tinha como
objetivo geral formar professores em nível superior, para atu-
arem nos anos iniciais do ensino fundamental, e como objeti-
vos específicos:
a) formar professores com conhecimento dos anos ini-
ciais da formação básica, mediante o desenvolvimen-
to da capacidade de aprender, tendo como meios bá-
sicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálcu-
lo; a compreensão do ambiente natural e social, do
sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores
em que se fundamenta a sociedade; o desenvolvimen-
to da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades, a formação
de atitudes e valores e o fortalecimento dos vínculos
de família, dos laços de solidariedade humana e de to-
lerância recíproca em que se assenta a vida social;
b) formar profissionais com visão global, crítica e
humanística para a inserção em setores profissionais,
aptos a tomar decisões em um mundo diversificado e
interdependente, e para a participação ativa no desen-
volvimento e transformação da sociedade brasileira;
c) incentivar a investigação científica, com vistas ao de-
senvolvimento da ciência e da tecnologia, bem como
à difusão da cultura e, desse modo, desenvolver o
entendimento do homem e do meio em que vive;
d) estimular o conhecimento dos problemas do mundo
presente, em particular dos regionais, comprometen-
do-se com os mesmos, prestar serviços especializados
à comunidade e estabelecer com esta uma relação de
reciprocidade;
226

e) suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento


profissional e cultural;
f) formar professores com uma visão interdisciplinar
sobre o processo de ensino e aprendizagem de alu-
nos dos anos iniciais do ensino fundamental;
g) capacitar professores para o magistério, pesquisa e
atividades extensionistas no âmbito dos anos iniciais
do ensino fundamental;
h) promover uma sólida formação pedagógico-científi-
ca para o conhecimento dos problemas sócio-educa-
cionais da sociedade brasileira.
Os alunos que concluírem o curso de Pedagogia: Ma-
gistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental poderão
atuar nas seguintes áreas:
a) docência no ensino fundamental em escolas públicas
e privadas, em instituições não-escolares e movimen-
tos sociais organizados;
b) direção de escolas do ensino fundamental;
c) direção de projetos de ensino fundamental;
d) coordenação e orientação pedagógico-didática em
escolas do ensino fundamental, em instituições não-
escolares e movimentos sociais organizados;
e) coordenação de setores pedagógicos de escolas de
ensino fundamental, de instituições não-escolares e
de movimentos sociais organizados;
f) consultoria pedagógica, planejamento e execução de
pesquisas para o ensino fundamental.
A estrutura curricular contemplava 159 créditos, que
totalizavam uma carga horária de 2.565 horas de atividades
teórico-práticas, a serem integralizadas, de forma presencial8,
em sete semestres letivos. Essa estrutura curricular vigorou
entre 2000 e 2003, quando foi alterada, apesar do parecer 8
contrário da coordenação do curso. Essa experiência
diferencia-se da de
outras instituições que,
Carga normalmente, ofertam
cursos dessa natureza
Semestre Disciplina horária com uma significativa
1º Introdução à História da Educação 60 carga horária não-
presencial. A
Ética e Cidadania 60 Universidade Caxias
Introdução à Sociologia 60 do Sul, por exemplo,
mantém um curso de
Filosofia da Educação 60 Pedagogia com 2.910
Teorias do Currículo 60 horas-aula, das quais
apenas 500 horas são
Projeto de Estágio I 45 presenciais.
227

2º Política do Ensino Fundamental 60


Organização Curricular 60
Psicologia da Educação 60
Fundamentos Pedagógicos de Informática 60
Metodologia Científica 30
Educação de Adultos 30
Projeto de Estágio II 30
3º Biologia da Educação 60
Introdução à Educação Especial 60
Pesquisa em Educação 60
Sociologia da Educação 60
Psicologia do Desenvolvimento 60
Projeto de Estágio III 15
4º Gestão Escolar 60
Pedagogia da Alfabetização I 60
Metodologia da Comunicação Verbal 30
Introdução à Metodologia do Ensino
Fundamental 30
Literatura Infantil 60
Tecnologias da Informação e da Comunicação I 30
Projeto de Pesquisa Coletivo I 30
Projeto de Estágio IV 30
5º Didática Geral 60
Pedagogia da Alfabetização II 30
Fundamentos Metodológicos do Ensino
da Matemática 60
Fundamentos Metodológicos de Estudos
Sociais 60
Projeto de Pesquisa Coletivo II 60
Pedagogia do Lúdico 60
Projeto de Estágio V 60
6º Fundamentos Metodológicos de
Ciências Físicas e Biológicos 60
Fundamentos Metodológicos da Língua
Portuguesa 60
Fundamentos Metodológicos da
Educação Artística 60
Metodologia da Psicomotricidade 60
Tecnologias da Comunicação e da Informação II 30
Trabalho Final de Graduação I 15
Projeto de Estágio VI 60
7º Pedagogia da Educação Não-Escolar 60
Psicologia Social 60
Antropologia e Cosmovisão Franciscana 60
Leitura e Produção de Textos 60
Trabalho Final de Graduação II 60
Projeto de Estágio VII 60
Atividades Curriculares Complementares 180
228

Sobre essa estrutura curricular cabe fazer alguns escla-


recimentos.

a) Atividades curriculares complementares - ACC


As atividades curriculares complementares - ACC - ti-
nham como objetivo suprir lacunas da estrutura curricular,
detectadas durante o desenvolvimento do curso ou contem-
plar conteúdos emergentes do cotidiano sociocultural.
As atividades desenvolvidas no âmbito deste compo-
nente curricular, de caráter obrigatório, com um total de 180
horas, buscavam oferecer espaço no desenvolvimento
curricular a conteúdos disciplinares e temas não contempla-
dos pela estrutura curricular.
As atividades curriculares complementares definidas e
oferecidas pela coordenação do curso foram as seguintes:
Disciplina Carga horária
Dificuldades de Aprendizagem 30h
Educação Ambiental 30h
Expressão Lúdica 30h
Habilidades e Competências 30h
Limites: Reflexão Teórica e Prática 30h
Noções Básicas de Saúde 30h
Pedagogia da Arte: Música 30h
Pedagogia da Arte: Teatro I 30h
Pedagogia da Arte: Teatro II 30h
Relações Interpessoais no Trabalho Escolar 30h

Outra modalidade de atividades curriculares comple-


mentares vinculava-se com a possibilidade de registro de cré-
ditos pela participação em eventos, monitorias ou estágios
relativos à área profissional, participação em cursos, partici-
pação em programas de iniciação científica e participação em
projetos de extensão universitária.

b) Projetos coletivos de pesquisa


Este componente curricular estava diretamente ligado
ao desenvolvimento de projetos de pesquisa em temas afins
ou diretamente ligado à área de conhecimento profissional
do curso. Foram oferecidas três disciplinas, de caráter obriga-
tório, assim denominadas: Pesquisa em Educação, Projeto
Coletivo de Pesquisa I e Projeto Coletivo de Pesquisa II.
229

Essas disciplinas perfaziam um total de 150 horas de


atividades e tinham por finalidade propiciar ao estudante a
oportunidade de experienciar um processo de investigação
da realidade como meio de construção do saber, bem como
objetivavam proporcionar elementos teórico-metodológicos
concretos para o conhecimento e intervenção na realidade
socioeducativa e sociocultural do cotidiano educacional du-
rante a formação profissional.

c) Trabalho Final de Graduação - TFG


O trabalho de conclusão do curso, denominado “traba-
lho final de graduação”, contava com um total de 45 horas e
era oferecido como disciplina, com horário previamente pla-
nejado na estrutura curricular do curso.
Cabe destacar que o desenvolvimento das disciplinas
Pesquisa em Educação, Projeto Coletivo de Pesquisa I e II e
Trabalho Final de Graduação I e II acontecia de forma arti-
culada, com o propósito de que o trabalho de conclusão do
curso, que viesse a ser apresentado pelo aluno, refletisse, efe-
tivamente, a trajetória de estudos e reflexões acontecidas ao
longo do curso. Assim, o aluno envolvia-se diretamente com
atividades de pesquisa desde o terceiro semestre do curso.

d) Estágio supervisionado9
O estágio supervisionado foi desenvolvido em sete pro-
jetos de estágio, ofertados do primeiro ao sétimo semestre
letivo, com um total de 300 horas de atividades pedagógico-
científicas e teórico-práticas. No decorrer do curso, foram
9 realizadas atividades preparatórias de prática de ensino, que
Os comentários sobre
o estágio
buscavam oportunizar o conhecimento de diferentes realida-
supervisionado feitos des e situações de experiências em escolas e instituições.
a seguir integram o
projeto pedagógico do
O projeto educativo do curso pressupunha que o está-
curso e são, portanto, gio curricular constituía-se num componente fundamental
de domínio público.
Foram originalmente para uma adequada formação de professores. Tinha como
publicados por um dos seus principais objetivos proporcionar o conhecimento
BORGES, Zelma
Santos. Estágio da realidade profissional e oportunizar a realização de ativi-
curricular: atividade dades didático-pedagógicas com vistas a estabelecer a relação
teórico-prática. In:
QUADROS, teoria-prática.
Claudemir;
AZAMBUJA, Guacira.
Em vista disso, as atividades desenvolvidas no âmbito
Formação de professores do estágio supervisionado do curso buscavam proporcionar
em serviço: a experiência
da Unifra. Santa
ao educando uma visão concreta da realidade educacional,
Maria: Unifra, 2002. uma associação entre universidade, escola e comunidade, pela
230

adoção de princípios metodológicos educacionais adequados


à realidade social, política, econômica e cultural do contexto,
e uma vivência efetiva da prática pedagógica integrada à pro-
posta da universidade e à proposta pedagógica da escola.
Em reuniões, entrevistas e encontros buscava-se pro-
mover a integração dos professores das disciplinas de estágio,
supervisores pedagógicos, supervisores de estágio e estagiári-
os, a fim de elaborar a programação e a definição do planeja-
mento, da metodologia, da avaliação e da bibliografia.
Partia-se do princípio de que o estágio devia oportunizar
aos estudantes a construção do conhecimento e a realização
de experiências e atividades que os instrumentalizassem para
uma prática pedagógica coerente com o contexto sociocultural.
A seguir, são apresentadas as atividades desenvolvidas
nos sete projetos de estágio que compunham a estrutura
curricular do curso.

Projeto de Estágio I
No decorrer do Projeto de Estágio I buscava-se o co-
nhecimento global da realidade escolar, objeto de estágio,
constituindo-se num instrumento de integração e conheci-
mento do aluno com a realidade sociocultural.
Foram realizadas atividades vinculadas à observação da
escola em seus aspectos:
a) técnico-administrativo, corpo docente, setores e insti-
tuições;
b) técnico-pedagógica, referente à proposta pedagógica,
reuniões, integração família-escola, freqüência escolar,
condições materiais da escola e forma de acompanha-
mento do funcionamento do ensino fundamental;
c) características da clientela do ensino fundamental, em
especial aquelas vinculadas ao número de alunos por
turma, faixa etária, situação econômica, procedência
dos alunos, atividades, habilidades e competências dos
alunos, modalidade para a organização das turmas,
estrutura familiar, problemas mais freqüentes eviden-
ciados pelos alunos e outros aspectos significativos;
d) características da comunidade, focalizando o nível
socioeconômico, atividades comerciais, condições de
higiene e saúde, recursos disponíveis na comunidade
e utilizados pela escola, participação e integração da
comunidade nas atividades da escola.
231

Após a realização da atividade referente ao conhecimen-


to da realidade escolar, o estagiário organizava o relato das situ-
ações observadas e analisadas e procurava estabelecer relações
e pareceres sobre a estrutura organizacional da instituição.

Projeto de Estágio II
O Projeto de Estágio II caracterizava-se pela observa-
ção e análise de aulas ou atividades didáticas de componentes
curriculares, visando aos princípios do planejamento educa-
cional e às etapas para a elaboração de um projeto.
Nesta fase, é importante destacar a iniciação à pesquisa
e ao ensino, sendo o momento de analisar a proposta didáti-
co-pedagógica do professor regente de classe. Como fecha-
mento do projeto, o estagiário apresentava a proposta didáti-
ca referente aos componentes curriculares em nível de sala
de aula e de comunidade escolar.

Projeto de Estágio III


No Projeto de Estágio III buscava-se analisar e selecio-
nar atividades didático-pedagógicas existentes na comunidade
escolar. Partia-se da análise da proposta curricular nos seus as-
pectos referentes às diretrizes e normas que regem a escola,
projetos pedagógicos, planos de estudo do professor e do alu-
no e eixos temáticos. Após, eram selecionadas as prioridades
pedagógicas em nível de supervisão, administração, orientação
educacional, docente, discente e associações comunitárias.
O estagiário organizava os dados coletados, apresenta-
va as prioridades e os eixos temáticos definidos pela escola,
justificando o porquê do estudo e da sua importância para a
comunidade escolar.

Projeto de Estágio IV
O Projeto de Estágio IV tinha como objetivo analisar e
refletir sobre a realidade das turmas, objeto de regência de
classe e elaborar o projeto de regência de classe com base nas
prioridades e eixos temáticos definidos pela escola.
Para a elaboração do projeto de regência da classe fo-
ram realizadas atividades como análise da proposta de está-
gio do curso; análise do contexto sociocultural dos alunos e
da comunidade escolar; análise das etapas de um planejamen-
to; seleção e organização dos conteúdos escolares; determi-
232

nação dos objetivos dos componentes curriculares de acordo


com o projeto pedagógico da escola e o projeto de estágio do
curso; seleção de recursos, textos e atividades específicas, in-
tegradas com os componentes curriculares; indicação dos
procedimentos de avaliação, de acordo com os critérios da
escola, objeto de regência de classe.
A partir desses componentes educativos e da realidade
escolar, o estagiário organizava o projeto de regência de clas-
se, detectando junto com os alunos suas necessidades e inte-
resses, a fim de elaborar as diferentes situações do processo
ensino-aprendizagem.
O projeto de regência de classe oportunizava a partici-
pação ativa, coletiva e cooperativa em que professor e aluno
vivenciavam múltiplas relações nas dimensões humanas, po-
lítico-sociais e na construção do conhecimento. Nesta pro-
posta, o aluno e o professor comprometiam-se com o pro-
cesso educativo, ao assumirem responsabilidades e desenvol-
verem habilidades e competências, necessárias para o seu de-
senvolvimento intelectual, afetivo e social.
O acadêmico apresentava a documentação comproba-
tória, constando do projeto de regência de classe, pareceres,
sugestões e avaliação.
Cabe destacar que os resultados positivos dessa experi-
ência levaram à adoção, por várias escolas da região, de subsí-
dios e de projetos propostos pelo curso de Pedagogia.

Projeto de Estágio V
No Projeto de Estágio V a meta era a elaboração de
plano-roteiro de atividades com base na realidade sociocultural
e realidade pedagógica da comunidade escolar.
Após estudo, orientação, análise e reflexão do planeja-
mento, o estagiário, tendo como base o projeto de regência
de classe realizado no Projeto de Estágio IV, organizava o
plano-roteiro de atividades para os anos iniciais do ensino
fundamental.

Projeto de Estágio VI
O Projeto de Estágio VI tinha como finalidade a regên-
cia de classe nos anos iniciais do ensino fundamental. O obje-
tivo deste projeto era integrar o estagiário na atividade do-
cente e no contexto de uma determinada realidade.
233

Esse é o momento da reflexão pedagógica e da aplica-


ção de conhecimentos em situações reais, constituindo-se em
um instrumento de iniciação profissional. Nessa visão, a ação
docente é vista como uma atividade mediadora entre o aluno
e o mundo social, devendo ser uma prática transformadora,
criativa, vinculada a uma pedagogia crítica.
O estagiário organizava, planejava, executava e avaliava
o projeto de regência de classe para os anos iniciais de ensino
fundamental, sob a orientação do professor supervisor de
estágio.
O estagiário, no decorrer da regência de classe, era orien-
tado, assessorado e avaliado pelo supervisor de estágio e pelo
professor responsável pelo estagiário na escola, nos aspectos:
ética profissional, responsabilidade, conhecimento, planeja-
mento, metodologia, avaliação, competências pertinentes à
docência e outras situações significativas da atuação do pro-
fessor no processo ensino-aprendizagem.
Em seminários, fazia-se a comunicação dos resultados e
das experiências do estagiário na sua prática docente. De posse
dos resultados, o professor supervisor de estágio e o estagiário
definiam sugestões de novas propostas, visando à construção
de alternativas didáticas para o ensino, a fim de que fosse pla-
nejado e executado no projeto seguinte de estágio.

Projeto de Estágio VII


O Projeto de Estágio VII também se caracterizava pela
regência de classe nos anos iniciais do ensino fundamental. O
objetivo desta atividade era construir um posicionamento
pedagógico a fim de planejar, executar e avaliar atividades di-
dático-pedagógicas, visando à regência de classe.
Como esse projeto visava à regência de classe, tornava-
se necessário, num primeiro momento, a definição de novas
alternativas didáticas de atuação docente, partindo dos se-
guintes passos: planejamento como prática educativa; revisão
das teorias estudadas; reflexão da ação pedagógica; constru-
ção de um posicionamento pedagógico, confrontando com a
prática docente; definição das diretrizes da ação pedagógica,
visando à educação do aluno numa relação dialética de ação-
reflexão-ação.
Após esse estudo, o estagiário elaborava o seu posicio-
namento pedagógico definindo a concepção de educação e
234

fundamentando a sua prática pedagógica. Nessa visão, o esta-


giário interagia com a realidade do trabalho, reconstruindo o
conhecimento pela análise e reflexão de sua prática. A partir
desses conhecimentos, era planejado, executado e avaliado o
projeto de regência de classe, que deveria incluir atividades
significativas e coerentes com os interesses da série atendida
e da comunidade escolar.
Como conclusão do projeto de regência de classe, era
realizado um seminário, no qual cada estagiário justificava o
seu posicionamento pedagógico e a relação teoria-prática apli-
cada na sua práxis docente.
A avaliação dos projetos de estágio era um processo
contínuo, cumulativo e sistemático. Na avaliação eram consi-
derados, além dos conhecimentos e habilidades evidenciadas
e pertinentes à área específica, os aspectos referentes à ética
profissional, planejamento, execução e avaliação das ativida-
des, participação e desempenho nas demais atividades ine-
rentes à prática de ensino e auto-avaliação. O professor
supervisor de estágio era avaliado pelo estagiário.
Essa estruturação do desenvolvimento do estágio curricular
deixou lacunas que podem ser percebidas nos depoimentos dos
alunos que já concluíram o curso. Se para alguns o curso
foi um sonho. Sempre quis estudar e não podia, pois
moro na zona rural e não posso me deslocar até Santa
Maria todos os dias para freqüentar o regular (Joana),10

para outros
o curso teve seus altos e baixos. Pode-se dizer que
contribuiu no que diz respeito aos conhecimentos, à
teoria, abrindo portas para o novo. Já na prática al-
gumas coisas poderiam ter sido trabalhadas de ma-
neira diferente, algo que acrescentasse novidades,
pois, nesse curso, os professores, que são alunos, já
têm uma ampla bagagem com a experiência adquiri-
da durante anos de trabalho na sala de aula (Maria).

Poderia haver um tempo para troca de experiências.


Todos somos professores e atuamos no ensino fun-
damental (Elena).

10
Nós já tínhamos a prática. Nada era novo; faltou por Todos os nomes são
parte dos orientadores inovar (Gecira). fictícios.
235

De fato, talvez a reclamação por uma inovação seja per-


tinente. No fundo, o curso reflete uma dinâmica curricular11
11 comum à ampla maioria dos cursos de Pedagogia do país,
Embora não se
pretenda fazer que envolve as três dimensões clássicas: os fundamentos da
qualquer discussão
sobre o conceito de
educação, os fundamentos metodológicos e o estágio super-
currículo, entende-se, visionado. Até o momento, não logrei êxito em demonstrar
nesse contexto,
currículo “como uma
de forma suficiente que os cursos de formação de professo-
inovação da res ofertados em regime especial podem, ou talvez até mes-
modernidade, a qual
envolve formas de mo devam, ter uma configuração diferenciada em função das
conhecimento cujas características e da realidade profissional dos alunos.
funções consistem em
regular e disciplinar o Talvez se tenha falhado ao não considerar ou valorizar
indivíduo. A idéia de os saberes da experiência12 de alunos que, em média, tinham mais
currículo corporifica
uma organização de dez anos de exercício profissional. No fundo, os alunos,
particular do objetivados como “docentes leigos” com “muita prática e
conhecimento pela
qual os indivíduos pouca leitura”, foram levados a aprender um “discurso legíti-
devem regular e
disciplinar a si próprios
mo [...] aprenderem as regras de sua gramática, seu vocabulá-
como membros de rio” (Larrosa, 2000, p. 68), Nesse sentido, parece ser perti-
uma comunidade/
sociedade” (Popkewitz,
nente a observação de Popkewitz, segundo a qual aquilo que
2000, p. 186). está “inscrito no currículo não é apenas informação - a orga-
nização do conhecimento corporifica formas particulares de
12
Tenho dúvidas quanto agir, sentir, falar e ver o mundo e o eu” (1994, p. 174).
à pertinência disso. Os
“saberes da
Talvez isso tenha surtido efeito. Em janeiro de 2002,
experiência” podem aplicou-se um instrumento aos alunos matriculados, por meio
ser conservadores.
do qual se buscava resposta para a seguinte pergunta: em que
13 medida a freqüência ao curso promoveu alterações na prática
Por recursos didáticos, pedagógica dos alunos-professores?
entendeu-se: a)
Materiais: quadro- Para isso, foram propostas dezesseis questões e, em ter-
negro, flanelógrafo, mos gerais, os dados obtidos revelaram o que segue:
aparelho de som,
vídeocassete, a) no que tange ao tempo de exercício do magistério,
computador, cartazes,
jogos didáticos,
uma expressiva maioria - 58% - tinha 13 ou mais anos
laboratórios, de exercício profissional;
bibliotecas, álbum
multisseriado, papéis
b) em relação à prática pedagógica, 52,5% declararam
diversos, gravuras, que antes de freqüentar a Pedagogia utilizavam-se da
folhas, vegetais, água,
animais, slides. b) Da abordagem tradicional nas suas aulas. Os outros
comunidade: 47,5% distribuíam-se entre as abordagens comporta-
bibliotecas, indústrias,
repartições públicas, mentalista, cognitivista, humanista e sociocultural.
supermercados, museu, Depois de ter cursado cinco semestres, apenas 0,4%
igrejas, praças, serviços
de utilidade pública. c) declarou continuar utilizando a abordagem tradicio-
Humanos: outros nal, ao passo que a maioria, 74,5%, declarou ter pas-
professores, alunos,
colegas de outras sado a utilizar-se da abordagem sociocultural;
classes, comunidade
(pais, profissionais,
c) no que se refere à utilização dos recursos didáticos13,
autoridades, etc). antes de freqüentar a Pedagogia, 68,7% declararam
236

utilizá-los como um meio para a aprendizagem e 24,5%


declararam utilizá-los como um fim em si mesmo. Após
ter iniciado a freqüência ao curso, 92,5% declararam
utilizá-los como um meio à aprendizagem;
d) em se tratando de planejamento das aulas, antes de
freqüentar a Pedagogia, 85,5% declararam planejar
todas as suas aulas, 0,4% declarou não planejar e
14,1% declararam que nem sempre planejavam. Após
a freqüência ao curso, apenas 5,9% declararam ter
continuado a planejar parcialmente as aulas;
e) 28,2% declararam que, antes de freqüentar a Peda-
gogia, participavam ativamente da elaboração do pro-
jeto pedagógico da escola, sendo que esse percentual
subiu para 46,9% depois da entrada no curso;
f) quanto à participação nas reuniões de estudo, 25,8%
declararam que participavam pouco de reuniões de es-
tudo, mas depois de freqüentar a Pedagogia, esse
percentual caiu para 4,1%;
g) sobre a participação em desenvolvimento de proje-
tos escolares, antes de iniciar o curso, 64,8% declara-
ram desenvolver pouco ou não desenvolverem pro-
jetos escolares, porém após a freqüência ao curso,
esse percentual reduziu-se para 10,9%.

Alguns significados do curso


Os cinco primeiros anos de funcionamento do curso
produziram alguns resultados institucionais significativos que
merecem ser apontados.
Primeiro, a partir do início do funcionamento do curso, pro-
fessores do Centro Universitário passaram a ser convidados para
prestação de assessoria pedagógica ou para participar de eventos
promovidos pelas secretarias municipais de educação da região.
Percebeu-se uma ampliação da demanda por atividades relaciona-
das com a formação dos docentes vinculados às redes municipais
de ensino, em especial pela oferta de palestras, cursos e mini-cur-
sos, que envolveram temas vinculados com avaliação da aprendi-
zagem, dificuldades de aprendizagem, interdisciplinaridade, moti-
vação profissional, sexualidade, educação ambiental, pedagogia da
arte, educação inclusiva, entre outros. A freqüência ao curso pare-
ce ter repercutido de tal forma junto aos seus locais de trabalho
que gerou uma demanda, ou mesmo pressão, pela ampliação das
oportunidades de formação continuada.
237

Segundo, ouso inferir que a freqüência ao curso de Pe-


dagogia do Centro Universitário teve reflexos muito positi-
vos na perspectiva de vida dos alunos. Os alunos concluintes
das cinco primeiras turmas, por exemplo, solicitaram a oferta
de cursos de pós-graduação lato sensu para dar continuidade à
sua formação. Assim, em outubro de 2003 tiveram início as
aulas do Curso de Especialização em Alfabetização para duas
turmas, com noventa alunos, constituídas, em sua maioria,
por alunos egressos do regime especial.
O trabalho dos professores e dos alunos que atuaram
nesse curso resultou na elaboração e publicação de dois li-
vros: Formação de professores em serviço: a experiência da Unifra, de
2002, e Saberes e dizeres da formação de professores na Unifra, de
2003. Essas duas publicações contemplam diversificadas lei-
turas sobre o tema formação de professores, a partir das po-
sições dos professores que atuam no curso e que discutem,
cada um no âmbito mais próximo da sua disciplina, concep-
ções, propostas e resultados de estudos ou de observações
levadas a efeito nos últimos quatros anos. Os textos também
refletem uma trajetória de sete semestres durante os quais o
curso foi desenvolvido, os interesses, preocupações e pers-
pectivas assumidas pelos alunos.
As atividades desenvolvidas no curso repercutem, com
freqüência, na imprensa da região. São notícias, depoimentos,
informações veiculadas em rádios e em jornais, que promo-
vem e conferem visibilidade ao trabalho realizado no Centro
Universitário Franciscano de Santa Maria.
Enfim, esse curso promoveu o aprofundamento do re-
lacionamento e da interlocução do Centro Universitário com
a comunidade regional, abriu perspectivas de vida e de for-
mação continuada para os alunos e para seus familiares, pos-
sibilitou a qualificação dos sistemas municipais de ensino e,
sobretudo, contribuiu para a qualificação da educação regio-
nal. Creio não ser exagero afirmar, portanto, que o Centro
Universitário Franciscano de Santa Maria logrou, com a ofer-
ta desses cursos, acumular um “capital simbólico” significati-
vo na região e assumir um papel político importante ao pro-
por soluções para a superação de um importante problema
regional, nesse caso, a qualificação de professores. Esses pa-
recem ser motivos importantes para se garantir a continuida-
de da oferta desses cursos.
238

Bibliografia
GATTI, B. A. Diagnóstico, problematização e aspectos conceituais
sobre a formação do magistério. Brasília: Consed/Ceiuse, 1996.
LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA,
Tomas Tadeu da. O sujeito da educação. Petrópolis: Vozes, 2000,
p. 35-86.
POPKEWITZ, Thomas S. História do currículo, regulação
social e poder. In: SILVA, Tomas Tadeu da. O sujeito da educa-
ção. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 173-210.
BRASIL. Referenciais para formação de professores. Brasília: MEC/
SEF, 1999.
FORGRAD. Plano Nacional de Graduação: um plano em cons-
trução. Campinas: Forgrad, 1999.
UNIFRA. Projeto pedagógico do curso de Pedagogia, regime especial.
Santa Maria: Unifra, 1999.

Anexo 1 - Carta de Caxambu/2000


- Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação
Ao povo brasileiro e às autoridades constituídas:
Em resposta a todas as iniciativas que determinam, atu-
almente, o aviltamento e a deterioração da educação no país,
considerando os princípios e compromissos que orientam
historicamente sua prática, a Associação Nacional de Pós-
graduação e Pesquisa em Educação – Anped - vem a público:
a) denunciar as graves circunstâncias que ameaçam a
construção desse projeto coletivo e democrático de
educação pública, gratuita e de qualidade;
239

b) reafirmar seu irrestrito compromisso com a instituição


do direito à educação, como sentido e como prática;
c) rejeitar a submissão da política educacional às orien-
tações de organismos financeiros internacionais;
d) conclamar a sociedade brasileira a compartilhar de
suas preocupações e reivindicações.
A desmedida centralização na condução dos destinos
da educação pública, o sistemático desprezo pelos pronunci-
amentos dos fóruns e instâncias de deliberação colegiada, bem
como o recurso, cada vez mais freqüente, a procedimentos
burocráticos impositivos estão entre as tendências de gestão
governamental que ferem as disposições, os interesses e as
mais firmes convicções do coletivo que a Anped representa.
Assim, a Associação conclama todos aqueles para quem a
educação, mais do que um privilégio de poucos, constitui-se
em direito de cada um, a denunciar o autoritarismo expresso:
a) pelas atuais políticas de avaliação centralizadas nos re-
sultados em todos os níveis de ensino e sua utilização
como instrumento do Estado de regulação social;
b) pelo descomprometimento com a educação infantil
e de jovens e adultos;
c) pela ausência de políticas concretas para a educação
de todos os grupos étnicos constituintes da nação
brasileira, assim como dos portadores de necessida-
des especiais;
d) pelas políticas de exclusão relativas à educação no campo;
e) pelo desvirtuamento do sentido de autonomia uni-
versitária que obriga as IES a buscar fontes alternati-
vas de recursos para garantir a concretização das fi-
nalidades de ensino, pesquisa, extensão e práticas
culturais;
f) pela introdução de um novo modelo de pós-gradua-
ção stricto sensu que induz à descaracterização da for-
mação à pesquisa, mediante a implantação de
mestrados profissionalizantes - supostamente capazes
de substituir, em alguns casos, o mestrado acadêmico;
g) pelo progressivo aligeiramento da formação de pro-
fessores, em cursos que visam apenas à certificação
formal daqueles que se deveriam qualificar para o
exercício da profissão;
h) pela adoção de procedimentos que, fazendo uso
indevido de instrumentos da democracia, previstos
240

constitucionalmente, como as «audiências públicas»,


acabam por dissimular práticas que legitimam deci-
sões unilaterais e restritivas;
i) na concentração de tecnologia em favor de poucos,
em detrimento do amplo acesso da população.
Eis porque, reunidos em Caxambu, os associados da Anped
reafirmam suas históricas posições quanto à exigência de:
a) efetiva universalização da educação básica para cri-
anças, jovens e adultos;
b) garantia de uma universidade pública, gratuita e de
qualidade social;
c) condições dignas de trabalho, remuneração, carreira,
formação inicial e continuada dos profissionais de
todos os níveis e modalidades da educação;
d) recursos que possibilitem a garantia de atendimento
público e de qualidade das necessidades educacio-
nais em todos seus níveis e modalidades;
e) recursos compatíveis com a necessidade de garantir
a regularidade, expansão e autonomia nacional da
pesquisa e da formação de pesquisadores;
f) participação efetiva da sociedade nos processos de
concepção, implementação e avaliação da educação
pública brasileira;
g) processos de avaliação dos programas de pós-gradu-
ação que contemplem plenamente o exercício da li-
berdade acadêmica e científica;
h) apoio aos projetos educacionais dos movimentos
sociais do campo;
i) implementação de mecanismos que divulguem e que
incorporem as contribuições que o avanço da pes-
quisa educacional, em seus diversos campos, vem
oferecendo à sociedade brasileira;
j) democratização do acesso e do uso criativo e crítico
das novas tecnologias, bem como a implementação de
políticas de ciência e tecnologia voltadas para o aten-
dimento das necessidades da população brasileira.
Assim esperam os três mil pesquisadores e pesquisado-
ras, docentes e estudantes signatários dessa carta expressar sua
contribuição ao movimento mais amplo que, delineado em todo
o mundo e, em especial, na América Latina, realiza a criação de
alternativas democráticas para os países desse continente.
241

Caxambu, 28 de setembro de 2000, no centenário de


nascimento do educador Anísio Teixeira, defensor da demo-
cracia educacional brasileira.

Anexo 2 - Posição do Andes-


sobre a versão preliminar da proposta
de diretrizes para a formação inicial
de professores da educação básica, em
curso de nível superior14.
O Sindicato Nacional de Docentes das Instituições de
Ensino Superior – Andes-SN, em vinte anos de existência,
tem pautado sua ação pela defesa intransigente de uma edu-
cação pública, gratuita, laica, autônoma, democrática e de
qualidade socialmente referenciada. Nessa perspectiva, após
intensos debates realizados em seus fóruns máximos
deliberativos, o Andes-SN apresentou, em 1982, a primeira
versão da proposta das associações de docentes e da Andes
para a universidade brasileira, expressando um projeto
educativo para o ensino superior que continuou em constru-
ção e aperfeiçoamento em seus conselhos e congressos naci-
onais, tendo sido sua última versão publicada em 1996.
Com essa proposta, o Andes-SN participou ativamente
do processo constituinte e na elaboração de um projeto de
Lei de Diretrizes e Bases para a Educação que atendesse aos
anseios e necessidades da população brasileira. Assim, antes
mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, o
14
Documento Andes-SN iniciou seus primeiros estudos e discussões sobre
apresentado na
Audiência Pública
uma Proposta de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
Nacional do CNE, cional, colocando-se o desafio de transcender as questões do
realizada no dia 23 de
abril de 2001, em
ensino superior e discutir todo o sistema educacional brasi-
Brasília-DF. leiro: da pré-escola à pós-graduação. Essa proposta subsidiou
242

a elaboração da primeira versão do projeto de LDB, apresen-


tado à Câmara federal em 1988 pelo então deputado Octávio
Elísio. O capítulo VI dessa proposta de projeto de lei trata da
valorização dos docentes da educação básica do qual destaca-
mos os seguintes artigos:
Art.55 – A formação dos docentes para a educação
básica será feita regularmente em nível superior, atra-
vés de cursos específicos de graduação ou pós-gra-
duação resultantes da articulação entre faculdades ou
centros correspondentes aos diferentes componen-
tes curriculares e a faculdade ou centro de educação.

Art.56 – Os cursos de formação dos docentes para a


educação básica, enquanto área de formação profissio-
nal, deverão ter uma base comum nacional, que garanta
elementos formativos básicos referentes aos conteú-
dos específicos, pedagógicos e integradores destes.

Fica evidente a posição histórica desse sindicato em re-


lação à formação dos profissionais de educação, posição essa
defendida em todos os fóruns de discussão, em especial jun-
to ao fórum nacional em defesa da escola pública e durante
todo o processo de discussões e votações do projeto de LDB
da Câmara Federal (PL 1258/88), que expressa no seu art. 88:
A formação de docentes para atuar na educação
básica far-se-á em nível superior, em curso de licen-
ciatura, de graduação plena, admitida, como forma-
ção mínima para o exercício do magistério funda-
mental, a oferecida em nível médio, na modalidade
Normal.

O projeto de LDB, aprovado na Câmara Federal,


construído com a participação das entidades organizadas da
sociedade civil ligadas à educação, sofreu forte interferência
governamental, tendo sido modificado pelo senador Darcy
Ribeiro, traduzindo as diretrizes do Banco Mundial para a
educação brasileira.
A lei n. 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional, em vigor desde o dia 20 de dezembro de 1996,
está distante do eixo norteador das propostas iniciais e
descaracteriza as lutas/discussões/conquistas que as entida-
des representativas do setor da educação travaram ao longo
de oito anos junto ao Congresso Nacional. É uma lei ajusta-
243

da aos ditames da política neoliberal do atual governo, deven-


do ser compreendida no contexto do novo estágio de desen-
volvimento do capitalismo mundial. Essa lei tem respaldado
a reforma da educação brasileira já em curso por meio de
medidas provisórias e outros expedientes administrativos.
Ainda que o artigo 62 da LDB tenha mantido a mesma
redação do artigo 88 do projeto de LDB da Câmara Federal
(PL-1258/88), foi introduzido o artigo 63 no Título VI, que
trata dos profissionais de educação. Desse modo, é criada a
possibilidade da formação de docentes em Institutos Superio-
res de Educação (ISE) e em Cursos Normais Superiores. O
Andes-SN se posicionou contra essa política do MEC por
compreender que a possibilidade de formação dos profissio-
nais de educação por meio dos ISEs e de Cursos Normais
Superiores remete para uma formação mediante cursos ali-
geirados, de cunho estritamente técnico, destituídos da quali-
dade formativa ensejada pelas relações de pesquisa, ensino e
extensão e teoria-prática, além de ignorar o acúmulo de expe-
riências, a capacidade e a responsabilidade das faculdades/
centros de educação e dos cursos de licenciatura, entre esses
os de Pedagogia, na formação de professores.
Desde então, as instâncias deliberativas do Andes-SN
defendem a luta pela revogação da LDB n. 9394/96 e todos
os demais dispositivos normativos impostos pelo governo
federal para a educação nacional, por compreender que esses
dispositivos legais ferem a autonomia universitária garantida
constitucionalmente no art. 207 e, principalmente, por negar
toda a construção histórica das entidades comprometidas com
a luta pela valorização dos professores. Dentre esses instru-
mentos normativos, destacam-se, atualmente, os que tratam
da formação dos profissionais da educação.
A posição que o movimento docente reiteradamente tem
assumido é a de lutar pela revogação do decreto n. 3.276 (que
define que a formação dos professores se dê exclusivamente em
cursos normais superiores), do n. 3.462/00 (que confere aos
Cefets autonomia para implantação de cursos de formação de
professores para disciplinas científicas e tecnológicas do ensino
médio e da educação profissional) e do n. 3.554/00 (que modifi-
ca o decreto n. 3.276 substituindo a expressão “exclusivamente”
por “preferencialmente”), bem como da resolução n. 1/1999 do
CP/CNE (que define a estrutura e funcionamento dos ISEs).
244

A proposta do Andes-SN para a formação dos profissi-


onais da educação foi incorporada no Plano Nacional de
Educação: proposta da sociedade brasileira que entre suas
diretrizes defende a formação dos profissionais da educação
sob responsabilidade das universidades, nas faculdades/cen-
tros de educação, para que ocorra em patamar de qualidade
social, política e pedagógica garantido pela indissociabilidade
das funções de pesquisa, ensino e extensão e das relações
entre teoria e prática.
O Plano Nacional de Educação: proposta da sociedade
brasileira, elaborado coletivamente pelo conjunto dos movi-
mentos organizados da sociedade brasileira, propõe, entre
outras, as seguintes diretrizes curriculares para os cursos de
formação de profissionais de educação, em quaisquer de seus
níveis e modalidades:
docência como base da formação profissional de
todos aqueles que se dedicam ao estudo do trabalho
pedagógico; o trabalho pedagógico como foco
formativo; a sólida formação teórica em todas as ati-
vidades curriculares, nos conteúdos específicos a se-
rem ensinados na Educação Básica, em todos os seus
níveis e modalidades, e nos conteúdos especificamen-
te pedagógicos; a ampla formação cultural; a criação
de experiências curriculares que permitam contato
dos futuros profissionais com a realidade da escola,
desde o início do curso; a incorporação da pesquisa
como princípio formativo.

Entre as metas propostas no plano, destacam-se:


a) garantir, no prazo de dez anos, que os/as professo-
res/as de educação infantil possuam formação espe-
cífica em nível superior, obtida em curso de licencia-
tura plena em Pedagogia;
b) garantir, no prazo de dez anos, que todos/as os/as
professores/as das séries iniciais do ensino fundamen-
tal, em quaisquer modalidades (educação especial, en-
sino supletivo, educação de jovens e adultos etc.) pos-
suam formação específica em nível superior, obtida
em curso de licenciatura plena em Pedagogia.
O Andes-SN tem pautado suas ações na defesa intran-
sigente dos princípios, diretrizes e metas definidos no Plano
Nacional de Educação: proposta da sociedade brasileira, pois
nele estão sintetizadas as propostas dos educadores, estudan-
245

tes e trabalhadores comprometidos com a defesa de uma


política educacional que valorize cada cidadão e toda a socie-
dade. No que se refere à formação dos profissionais para atu-
ar na educação infantil e nas séries iniciais do ensino funda-
mental, o Andes-SN defende que seja obtida mediante cur-
sos de licenciatura plena em Pedagogia, oferecidos nas uni-
versidades.
Diante dessas considerações, o Andes-SN se posiciona
contrário à proposta de diretrizes para a formação inicial de
professores da educação básica, em cursos de nível superior
do CNE/MEC por compreender que essa proposta faz par-
te de um projeto político educacional orquestrado pelo Ban-
co Mundial, cuja centralidade está na relação custo-benefício,
estratégia que responde à lógica do mercado defendida pela
Organização Mundial do Comércio para a educação.
A concepção que subjaz a essa proposta é a da educa-
ção de resultados combinada por uma dupla lógica: centrali-
zação do controle pedagógico e descentralização dos meca-
nismos de financiamento e gestão do sistema. Nessa lógica a
formação de professores deve ser feita com um custo míni-
mo e, para tanto, o tempo e o locus são fundamentais. Nesse
sentido, reforça o aligeiramento dos cursos e a realização da
formação preferencialmente em cursos normais superiores,
em institutos superiores de educação, de acordo com o que
definem os decretos n. 3.276/99 e n. 3.554/2000. Além dis-
so, interfere brutalmente na autonomia das universidades na
medida em que impõe a existência do cursos normal superior
ou outro curso (qual?) desde que obedecidas as respectivas
diretrizes curriculares. Por outro lado, as IES não universitá-
rias deverão criar o ISE e o Curso Normal Superior.
Ainda que a LDB, em seu artigo 62, preveja a diversificação
dos espaços da formação (universidades e institutos superiores de
educação), a proposta de diretrizes pretende homogeneizar uma
estrutura organizativa para a formação de professores cuja defini-
ção curricular deve ser conformada às suas disposições, retirando
das faculdades/ centros de educação a responsabilidade pela for-
mação, consolidando os institutos superiores de educação. Com
isso, além de desvincular a formação de professores dos locais
onde se produz o conhecimento - as universidades, reforça a
dicotomia bacharelado x licenciatura ao propor que os cursos se-
jam oferecidos em estruturas independentes.
246

O eixo central da proposta de diretrizes está na forma-


ção de profissionais “técnicos”, por meio de uma concepção
utilitarista e pragmática sustentada no retorno ao paradigma
tecnicista dos anos 70. Essa concepção se apresenta, assim,
com uma “nova” roupagem cujo foco está centrado nas com-
petências. Para tanto, é enfatizado o fazer prático, ou seja, os
professores devem ser formados para aprender somente aquilo
que terá utilidade imediata e tornarem-se capazes de “mobili-
zar conhecimentos para transformá-los em ação”. Por outro
lado, no seu exercício profissional, deverão criar condições
para que seus alunos desenvolvam habilidades cognitivas que
incluem, entre outras, a capacidade de “raciocinar logicamente,
de comparar, compreender, criticar, estabelecer relações, in-
ferir e generalizar”. Dessa forma, o professor deve ser for-
mado para ser o prático, como denuncia a Anfope, aquele que
faz mas não conhece os fundamentos do seu fazer, fazer esse
que inclui formar os alunos para aprender a pensar.
Outro aspecto apontado na proposta de diretrizes diz
respeito à concepção de pesquisa considerada como elemento
essencial na formação dos professores. O documento afirma
que “a pesquisa (ou investigação) que se desenvolve no âmbito
do trabalho do professor não pode ser confundida com a pes-
quisa acadêmica ou pesquisa científica”. Ao diferenciar a pes-
quisa científica ou acadêmica da pesquisa que se desenvolve no
âmbito do trabalho do professor, reduz o ato investigativo ao
âmbito do cotidiano escolar e aos processos de aprendizagem,
desvinculando a pesquisa da análise social mais ampla e do co-
nhecimento científico. Nessa lógica, ao separar a pesquisa ci-
entífica da formação do professor, reforça a proposta neoliberal
que visa a tornar a população dos países periféricos consumi-
dora do conhecimento produzido nos países do G-715.
Com essa proposta, o governo impõe uma débil forma-
ção aos professores que deverão atuar junto às camadas po-
pulares da sociedade, destinando-os a um trabalho educativo
que não requer seu envolvimento em pesquisas sociais. Como
conseqüência não serão críticos da sociedade, construtores
de seu conhecimento e capazes de estimular seus alunos a 15
A expressão G-7 é
construírem, eles também, os seus próprios conhecimentos. utilizada para
Para os estudantes oriundos das camadas populares os identificar os sete
grandes países do
repassadores de conteúdos são plenamente suficientes. capitalismo que são:
Diante do exposto, o Andes-SN posiciona-se radicalmente Canadá, EUA, Japão,
França, Alemanha,
contrário à “proposta de diretrizes para a formação inicial de Itália e Grã-Bretanha.
247

professores da educação básica, em nível superior” e expressa


sua profunda crítica à adoção de modelos internacionais de
caráter estritamente técnico-profissional, de formação de edu-
cadores impostos pelo Banco Mundial e FMI, o que represen-
ta um flagrante crime contra a sociedade brasileira.
O Andes-SN defende a educação como instrumento
de formação ampla, de luta pela emancipação humana, pre-
parando as pessoas e a sociedade para a responsabilidade de
construir, coletivamente, um novo projeto de sociedade, ten-
do como centro a construção de indivíduos plenos, integrais
como expressa o Plano Nacional de Educação – proposta da
sociedade brasileira.

Brasília, 23 de abril de 2001.

Anexo 3 – Análise da versão


preliminar da proposta de diretrizes
para a formação inicial de professores
da educação básica, em curso de nível
superior feita pela Associação
Nacional pela Formação dos
Profissionais da Educação - Anfope
Introdução
A sociedade brasileira almeja por uma definição de po-
líticas de formação de profissionais da educação que contri-
buam para a qualidade da formação do cidadão. Atualmente,
as propostas que visam a dar respostas a essa demanda po-
dem ser agrupadas em dois projetos distintos: Um, visto sob
248

a lógica do poder constituído, que prioriza as políticas do


Banco Mundial e procura adequar a formação desses profis-
sionais às demandas do mercado globalizado, reproduzindo
modelos de reformas curriculares implantadas em outros
países, ou seja, o modelo técnico-profissional centrado em
abordagens por competências; outro, pautado na lógica dos
movimentos sociais, que defende a formação do profissional
da educação de forma contextualizada e em consonância com
os problemas sociais mais amplos - incluindo-se aí a crise por
que passa a profissão -, levando em conta as especificidades
dos projetos pedagógicos das instituições, bem como a pro-
dução teórica advinda destas, depois de socializadas e apro-
vadas nos encontros de educação.
Documento do CNE
O documento apresentado pelo Conselho Nacional de
Educação – CNE, em fevereiro de 2001, sob o título “Pro-
posta de diretrizes para a formação inicial de professores da
educação básica, em curso de nível superior” (Versão Preli-
minar), reafirma os princípios do documento elaborado pelo
MEC em maio de 2000 e dessa forma desconsidera as diretri-
zes encaminhadas pelas universidades e demais Instituições
de Ensino Superior - IES, como também os documentos pro-
duzidos pelos movimentos dos educadores e encaminhados
à Comissão de Especialistas da Sesu/MEC .
Ao tomar conhecimento do referido documento, obje-
to de discussão em audiências públicas do CNE, nós, que
fazemos a Associação Nacional pela Formação dos Profissi-
onais da Educação, apresentamos aqui uma análise com base
nos princípios produzidos e defendidos historicamente pelo
movimento dos educadores desde 1983.
1. O documento, ao fazer crítica à formação tradicional
do professor, ignora os avanços decorrentes da produção da
área de educação em função da formação dos profissionais
de educação e em seu lugar propõe um “novo” paradigma
curricular com foco nas abordagens das competências. Com-
petências essas, que nos fazem lembrar o paradigma tecnicista
dos anos 70 travestido de nova taxionomia. A concepção de
competências, ressaltada no documento, enfatiza o fazer prá-
tico artesanal, ao saber fazer (savoir-faire) e dessa forma des-
loca o eixo do ensino para a aprendizagem.
Segundo Perrenoud (1999, p. 11),
249

a abordagem pelas competências não é particular da


França... Na verdade, a questão das competências e
da relação conhecimentos–competências está no cen-
tro de um certo número de reformas curriculares em
muitos países, mais especialmente no ensino médio.
No ensino fundamental, a formação das competên-
cias é, em certo sentido, mais evidente e envolve os
chamados “savoir-faire” elementares: ler, escrever etc.
a partir dos oito anos, as disciplinas multiplicam-se e
a problemática conhecimentos-competências apro-
xima-se do ensino médio.

Portanto, a abordagem pelas competências vai de en-


contro à formação fundamentada na produção do conheci-
mento teórico a partir da realidade concreta, ignora os estu-
dos culturais na área de currículo (concepção crítica e pós-
crítica), além de desconsiderar a base comum nacional
construída pelos movimentos dos educadores. Nesse senti-
do, vale ressaltar a posição da Anfope quando reafirma a BCN
“como princípio norteador da formação dos profissionais da
educação, sendo concebida “não como currículo mínimo”, e
sim como uma concepção básica de formação que orienta a
definição de conhecimentos fundamentais para o trabalho
pedagógico, da articulação da teoria e prática, e das relações
entre educação e sociedade” (Anfope, 2000, p. 27) .
2. Em relação ao espaço de formação do professor das
séries iniciais e educação infantil, o documento, embora fazen-
do referência à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal, reforça que a formação deverá ser realizada preferencial-
mente em Cursos Normais Superiores, em Institutos Superio-
res de Educação – ISE, de acordo como define o decreto n.
3.276/99, alterado pelo decreto n. 3.554/2000. As universida-
des ou centros universitários poderão oferecer cursos prefe-
rencialmente como Curso Normal Superior ou como curso
com outra denominação, desde que observadas as respectivas
diretrizes curriculares. Em nenhum momento o documento
menciona o curso de Pedagogia como local preferencial de for-
mação, tal como sugere a Comissão de Especialistas de Ensino
de Pedagogia. Desrespeita inclusive as lutas dos educadores e
os encaminhamentos das instituições feitos a este conselho,
assim como as legítimas gestões junto à Câmara dos Deputa-
dos, que redundaram na aprovação do PDL n. 385/1999 sus-
tando a aplicação do disposto no referido decreto.
250

3. Ao referir-se à pesquisa, o documento diferencia a


pesquisa científica ou acadêmica da pesquisa (ou investiga-
ção) que se desenvolve no âmbito do trabalho do professor,
contrapondo-se à atual tendência teórico-metodológica que
imprime aos cursos de licenciatura a pesquisa e a docência
como eixos norteadores dos seus projetos pedagógicos. A
pesquisa, segundo nossa concepção, encontra no cotidiano
escolar seu habitat natural, o que significa, entre outras coi-
sas, jamais desconsiderar a complexa rede de relações em
permanente evolução no seio da sociedade, dando especial
atenção aos avanços do conhecimento e suas mais atualizadas
abordagens pedagógico-tecnológicas.
4. Nos aspectos concernentes à organização institucional
da formação inicial, o documento reforça a dicotomia bacha-
relado versus licenciatura quando reafirma que a formação
de professores deva ser realizada como um processo autôno-
mo, numa estrutura com identidade própria, distinta dos cur-
sos de bacharelado e dos programas ou cursos de formação
de especialistas em educação. Essa separação entre cursos de
formação de professores (licenciaturas) e cursos de bachare-
lado vai gerar indesejável hipertrofia da aprendizagem pelas
competências nos primeiros e uma hipotrofia na produção
teórica do conhecimento educacional no segundo caso, risco
que devemos evitar, sob pena de cair no saber-fazer das
disciplinas básicas descontextualizado do objeto de estudo
da educação. A esse respeito, é oportuno ressaltar que várias
universidades vêm construindo uma base comum para a for-
mação dos profissionais no espaço dos Fóruns de Licencia-
turas ou Programas de Licenciatura.
5. No que diz respeito à organização curricular, o docu-
mento reafirma que das 3.200 horas de duração do curso, 800
devem ser destinadas à dimensão da prática da formação, que
deverá estar presente desde o início do curso, aí já incluídas as
300 horas de estágio; sugere também um tempo não inferior
a 15% às questões centrais da educação e de aprendizagem;
65% de conhecimento sobre os objetos de ensino, restando
20% para perspectivas interdisciplinares e projetos de traba-
lho, além de outras opções a critério das instituições. Ratifica-
mos as 3.200 horas como tempo adequado à integralização
curricular, distribuídas em 4 anos letivos. Quanto à forma de
aproveitamento da experiência profissional anterior pro-
251

pugnada pelo documento, temos nos posicionado veemente-


mente contrários, uma vez que esse aproveitamento poderá
reduzir o curso à metade, isto é, o aluno poderia ser dispen-
sado de cursar 1.600 horas, quais sejam: 800 horas de prática
mais 800 horas de experiências em magistério de nível médio.
Dessa forma, o documento propicia o aligeiramento dos cur-
sos, prática já adotada por instituições nada comprometidas
com a qualidade do ensino, o que seria no mínimo uma injus-
tiça para com aqueles que não pudessem usufruir de tal con-
cessão, pois, em qualquer dos casos, os diplomas trariam o
registro de 3.200 horas.

Reafirmação dos princípios da Anfope


A Anfope defende uma discussão política global de for-
mação dos profissionais da educação, contemplando a for-
mação inicial, condições de trabalho, salário, carreira e for-
mação continuada. Neste sentido, o documento do X En-
contro Nacional 2000 reafirma os princípios básicos para os
cursos de formação dos profissionais da educação:
A formação para a vida humana, forma de manifes-
tação da educação omnilateral dos homens; a
docência como base da formação; o trabalho peda-
gógico como foco formativo; a sólida formação teó-
rica, a ampla formação cultural; a criação de experi-
ências curriculares que permitam o contato dos alu-
nos com a realidade da escola básica, desde o início
do curso; a incorporação da pesquisa como princí-
pio de formação; a possibilidade de vivência, pelos
alunos, de formas de gestão democrática; o desen-
volvimento do compromisso social e político da
docência; a reflexão sobre a formação do professor
e sobre suas condições de trabalho; a avaliação per-
manente dos cursos de formação; o conhecimento
das possibilidades do trabalho docente nos vários
contextos e áreas do campo educacional (Anfope,
2000, p. 37).

De acordo com a Anfope, os cursos de formação dos


profissionais da educação devem considerar a diversidade
brasileira e respeitar a autonomia institucional para elabora-
ção de projetos pedagógicos, com no mínimo 3.200 horas,
em período de formação correspondente a um mínimo de
quatro anos para a integralização curricular.
252

Os cursos de formação dos profissionais da educa-


ção devem ter componentes curriculares de forma-
ção pedagógica, explicitados na base comum nacio-
nal e componentes de formação específica, que pos-
sibilitem o aprofundamento em áreas do conheci-
mento que serão objeto de trabalho em sua área de
atuação. Tais componentes devem ser desenvolvidos
de maneira articulada no projeto pedagógico de cada
instituição e curso. Os cursos de formação de pro-
fessores terão sua estrutura organizada de forma a
superar as dicotomias entre teoria x prática, pensar x
fazer , trabalho x estudo.

Com esse objetivo, o contato com a escola e o cam-


po de trabalho deve se dar desde o início do curso,
mantendo a instituição formadora estreita vinculação
com os sistemas de ensino de modo a garantir o aces-
so e permanência dos estudantes nas escolas-campo
de prática de ensino/estágios, entendendo-as tam-
bém como espaço de formação dos estudantes
(Anfope, 2000, p. 38).

Em contraposição à concepção de competência reafir-


mada no documento do CNE, a Anfope vem mais uma vez
reafirmar os pilares fundamentais para análise das propostas
de estrutura e organização curricular e institucional dos cur-
sos de formação de profissionais da Educação.
A luta pela formação teórica de qualidade, um dos pila-
res fundamentais da base comum nacional , implica em recu-
perar, nas reformulações curriculares, a importância do espa-
ço para análise da educação enquanto disciplina, seus campos
de estudo, métodos de estudo e status epistemológico; busca
ainda a compreensão da totalidade do processo de trabalho
docente e nos unifica na luta contra as tentativas de aligei-
ramento da formação do profissional da educação, via pro-
postas neo-tecnicistas que pretendem transformá-lo em um
“prático” com competência para lidar exclusivamente com
os problemas concretos de sua prática cotidiana.
Tem-se reafirmado também a concepção da docência -
entendida como trabalho pedagógico - como base da identi-
dade profissional de todo educador, que requer:
a. sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fe-
nômeno educacional e seus fundamentos históricos,
políticos e sociais bem como o domínio dos conteú-
253

dos a serem ensinados pela escola (matemática, ciên-


cias, história, geografia, química etc) que permita a
apropriação do processo de trabalho pedagógico, cri-
ando condições de exercer a análise crítica da socie-
dade brasileira e da realidade educacional;
Conceber os cursos de formação dos profissionais da edu-
cação como momentos de produção coletiva de conhecimento,
buscando para isso novas formas de organização curricular nas
várias instâncias de formação, em particular nas Licenciaturas
cuja estrutura atual fragmenta e separa, no tempo da formação e
no espaço curricular, as disciplinas “de conteúdo específico” das
disciplinas “de conteúdo pedagógico e educacional”, teoria e
prática, pesquisa e ensino, trabalho e estudo;
b. Unidade entre teoria/prática que implica em assumir
uma postura em relação à produção de conhecimento
que impregna a organização curricular dos cursos, e
não se reduz à mera justaposição da teoria e prática
em uma grade curricular; teoria e prática que perpas-
sam todo o curso de formação e não apenas a prática
de ensino, o que demanda novas formas de organiza-
ção curricular dos cursos de formação; a ênfase no
trabalho docente como base da formação e fonte des-
sa forma nova de articulação teoria/prática; ênfase no
desenvolvimento de metodologias para o ensino dos
conteúdos das áreas específicas; tomar o trabalho como
princípio educativo na formação profissional, reformu-
lando-se os estágios e sua relação com a rede pública e
a forma de organização do trabalho docente na esco-
la; e ênfase na pesquisa como meio de produção de
conhecimento e intervenção na prática social;
c. gestão democrática como instrumento de luta contra a
gestão autoritária na escola. O profissional da educação
deve conhecer e vivenciar formas de gestão democráti-
ca, entendida como “superação do conhecimento de
administração enquanto técnica, na direção de apreen-
der o significado social das relações de poder que se
reproduzem no cotidiano da escola, nas relações entre
os profissionais, entre estes e os alunos, assim como na
concepção e elaboração dos conteúdos curriculares”;
d. compromisso social do profissional da educação, e
com ênfase na concepção sócio-histórica de educa-
dor, estimulando a análise política da educação e das
254

lutas históricas desses profissionais professores, arti-


culadas com os movimentos sociais;
e. trabalho coletivo e interdisciplinar entre alunos e entre
professores como eixo norteador do trabalho docente
na universidade e da redefinição da organização
curricular; a vivência e a significação dessa forma de
trabalho e produção de conhecimento permite a apre-
ensão dos elementos do trabalho pedagógico na esco-
la e das formas de construção do projeto pedagógico-
curricular de responsabilidade do coletivo escolar;
f. incorporar a concepção de formação continuada, em
contraposição à idéia de currículo extensivo, sem
comprometer a formação teórica de qualidade, per-
mitindo que o aluno/professor retorne à universida-
de, via cursos de extensão/especialização, a partir do
contato com o mundo do trabalho.
Uma demonstração eloqüente de que conquistas signifi-
cativas advindas da defesa de uma educação de qualidade, es-
tendida de forma democrática a todos os níveis de ensino, pas-
sa necessariamente pela organização da sociedade em torno
dos seus mais variados fóruns de reflexão é a realização desse
ciclo de audiências públicas regionais e nacional, constituindo-
se em espaço privilegiado para o aprofundamento das discus-
sões sobre tão relevante tema, como a formação inicial de pro-
fessores da Educação Básica, em cursos de nível superior.
Dentre outros, são objetivos da participação da Anfope
nesta audiência pública do CNE – Regional Recife: 1) trazer
mais uma vez sua contribuição para o estabelecimento de
políticas educacionais mobilizadoras da valorização plena de
cada cidadão e de toda a sociedade; 2) registrar o incômodo
que traz a adoção de modelos internacionais de caráter estri-
tamente técnico-profissional de formação de professores,
como explicitada no documento do MEC e incorporada pelo
CNE; 3) expressar sua profunda insatisfação por não ver con-
templada toda a riqueza contida na produção relativa ao tema
ora em debate, elaborada coletivamente pelos movimentos
dos educadores, e que se faz presente na forma de diretrizes
consolidadas pela Comissão de Especialistas das Licenciatu-
ras Sesu/MEC - especialmente a Comissão de Pedagogia-,
dando-se o mesmo em relação aos documentos produzidos
pelas instituições e moções encaminhadas a este Conselho.
255

Outrossim, a Associação vem reafirmar os princípios


defendidos pelo movimento dos educadores e encaminhar,
juntamente com esta análise, o documento final do X En-
contro Nacional da Anfope, realizado em agosto de 2000 em
Brasília, na expectativa de que este Conselho possa aproveitá-
lo da melhor forma possível na elaboração do documento
final, haja vista ser este o resultado de uma produção coletiva
desenvolvida no interior das instituições de ensino, socializa-
da e referendada nas entidades representativas dos educado-
res do Brasil.

Recife, 21 de março de 2001.

Rita de Cassia Cavalcanti Porto


vice-presidente da Anfope
professora do Centro de Educação da UFPB

Bibliografia
ANFOPE. Documentos Finais do VI, VII, VIII, IX e X Encon-
tros Nacionais da Associação Nacional pela Formação dos Profissio-
nais da Educação. 1992 a 2000.
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256

Educação Básica em Cursos de Nível Superior, Brasília, fevereiro


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MEC - Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores
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PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde as esco-
las. Porto Alegre: Artes Médicas,1999.
258

Comitê das Licenciaturas do Centro


Universitário Franciscano de
Santa Maria: reflexão e memória
Nilsa Teresinha Reichert Barin1

Contextualização
Em dezembro de 1999, a Pró-Reitoria de Graduação
do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria criou o
Comitê das Licenciaturas, regulamentado, em 26 de janeiro
de 2000, pela portaria n. 2/2000. Ao longo desse ano, os re-
presentantes, professores das áreas de ensino e da Pró-Reito-
ria de Graduação discutiam, fundamentalmente, formas e
ações para auxiliar a Pró-Reitoria de Graduação na implanta-
ção de políticas específicas para os cursos de licenciatura
mantidos pela Unifra.
Vários foram os objetivos. Entre eles, a idéia de consti-
tuir um fórum permanente de discussão, para assuntos peda-
gógicos, dos cursos de formação de professores, a iniciativa
de propor programas de financiamento às ações relevantes
dos cursos de licenciatura e a atitude de sugerir novas alterna-
tivas a velhos problemas no contexto da realidade dos cursos.
Diante dessa ampla atividade, considerando que as pro-
postas e ações são naturalmente parciais, embora vividas e
apresentadas como globais, o comitê priorizou, no primeiro
semestre de 2000, o levantamento de um diagnóstico dos
1
cursos de licenciatura, em âmbito do Centro Universitário, Professora no Centro
partindo de dados sobre as matrículas, concurso vestibular, Universitário
Franciscano, mestre
corpo docente e avaliação institucional para, em momento em Letras.
259

posterior, iniciar as discussões sobre aspectos relevantes na


formação de professores.
Nesses termos, o comitê considerou duas atitudes como
fundamentais: a compreensão da parcialidade das idéias e das
ações e a conscientização de que a qualidade da formação
dos profissionais do magistério corrobora para a melhoria da
educação básica no Brasil. Dessa forma, ações como apre-
sentação de um relatório final, promoção de oportunidades
para discussão sobre os cursos de licenciatura, incentivo, apoio
e subsídio aos professores interessados no projeto e promo-
ção da divulgação de informações sobre os cursos de forma-
ção de professores formaram o ponto de partida de toda re-
flexão sobre o grande cenário dos cursos de licenciatura do
Centro Universitário Franciscano de Santa Maria.

Determinantes do trabalho pedagógico


Na panorâmica sobre a formação de professores, as
palavras de Georges Snyders (apud Silva, 1992, p. 15) centra-
lizam a importância da discussão:
Contra certas tentações de dissolver o papel do pro-
fessor na intervenção das máquinas pedagógicas ou
das iniciativas tomadas pelos próprios alunos, quero
afirmar a necessidade do professor como intermedi-
ário pessoal e personalizado entre o mundo da ju-
ventude e o mundo da cultura: o representante da
cultura elaborada junto aos jovens. Ele a representa
de uma maneira mais adaptada e mais atraente que
os encontros comuns. Para progredir na cultura, o
aluno necessita do filtro de uma personalidade; o
acesso à satisfação cultural escolar passa por uma
pessoa que conhece a satisfação cultural, sabe fazê-
la partilhar e se esforça para viver a classe de maneira
que ela seja partilhada. Um professor que vive as idéi-
as que enuncia; nele, por ele as idéias são encarnadas
– e é freqüentemente assim que os alunos começam
a levá-las em consideração.

Como considera Silva (1992), uma tematização das prá-


ticas pedagógicas no âmbito das escolas exige, claramente,
considerações a respeito dos fundamentos, conhecimentos e
rumos que orientam o trabalho docente. É preocupante a
contínua desvalorização dos profissionais da educação. Fa-
culdades de “beira de estrada”, expansão do sistema escolar
público, distribuição de diplomas são apenas alguns dos agra-
260

vantes dessa realidade, sem mencionar que “a profissão de


professor tem se mostrado cada vez menos atraente para ca-
madas importantes de nossa juventude, tanto pelas condi-
ções de ensino dos cursos em si quanto pelos aspectos sala-
riais e de prestígio social” (Gatti, 1996, p. 1-2).
Nesse contexto de descrédito onde se encontra quem so-
cializa o saber, bem como quem promove novos conhecimen-
tos, não é demais lembrar que o professor age sobre os elemen-
tos que o determinam, criando procedimentos (individuais ou
coletivos, exemplares ou não) para combatê-los e superá-los.
Nessa mesma esteira de perspectivas, a questão tem
agravantes se forem consideradas as novas exigências cobra-
das dos profissionais da educação, consideradas no Documento
norteador para elaboração das diretrizes curriculares para os cursos de
formação de professores, que devem estar capacitados para: a)
exercer atividades de ensino nos diversos níveis e modalida-
des previstas pelo sistema, conforme sua habilitação; b) atuar
em todos os espaços e ambientes da educação, formal ou
não; c) dominar os conteúdos disciplinares de sua área de
atuação e as respectivas didáticas e metodologias; d) utilizar
as ciências humanas e sociais para a condução de situações
educativas em geral; e) atuar no planejamento, organização e
gestão dos sistemas de ensino, tanto em âmbito administrati-
vo quanto pedagógico, com ética e compromisso escolar; f)
conduzir e aprimorar suas práticas educativas e propiciar aos
alunos a abrangência das relações; g) contribuir com o desen-
volvimento do projeto político pedagógico do curso em que
atua e h) exercer um papel catalisador do processo educativo,
possibilitando a articulação dos sujeitos escolares entre si e
destes com os movimentos socioculturais da comunidade
escolar e profissional (p. 3).
Para Silva (1992), embora se saiba do complexo feixe de
aspectos que condicionam o funcionamento de um curso, o
seu reconhecimento social vem da qualidade do ensino ali pro-
posto e como o sujeito responsável pelo ensino é o professor,
então o referido reconhecimento depende da qualidade desse
professor. Segundo o autor, “prédio suntuoso, estrutura admi-
nistrativa eficiente, presença de laboratórios de ponta não ga-
rantem, por si mesmos, um trabalho educativo conseqüente: a
qualidade do ensino – que nos remete à própria significação
social da escola – depende do professor” (p. 58).
261

Genericamente, há algumas conclusões já formuladas


em estudos anteriores sobre os cursos de formação de pro-
fessores, conforme Relatório de trabalho do Comitê das Licenciatu-
ras, veiculadas nas seguintes possibilidades:
a) os cursos de formação de professores não preparam
suficientemente os futuros profissionais para adequa-
da inserção nas escolas e órgãos da educação;
b) há dicotomia entre teoria e prática;
c) é mínima a carga horária de conteúdos pedagógicos
e há desarticulação destes com as disciplinas das áre-
as curriculares básicas;
d) a crise de identidade nos cursos é evidente;
e) a evasão é elevada e real;
f) há baixa demanda e, em conseqüência, ociosidade de
vagas;
g) persiste o distanciamento entre o ensino da gradua-
ção com a pesquisa e a extensão.
As circunstâncias que desencadearam preocupações em tor-
no dos cursos de formação de professores em âmbito nacional
não são recentes. Os profissionais da educação fazem parte de um
processo cujas mudanças sociais, econômicas e culturais trazem
conseqüências, em diferentes graus, para a rotina de todos os paí-
ses, não apenas do Brasil, e comprovam a universalidade do pro-
cesso de globalização da sociedade contemporânea atual.
Resta saber as conseqüências dessa realidade para a for-
mação de professores. Os retrocessos, na sua grande maioria,
são bem maiores que os avanços, confirmando a idéia de que
um curso de licenciatura ainda é tomado como uma carreira
profissional de segunda categoria e, muitas vezes, confundi-
do com trabalho improdutivo. Conforme Silva (1992),
a catarse que resulta da tragédia concretamente vivi-
da abre caminho para momentos de lucidez, clarivi-
dência e consciência. Saberá então o professor que à
noite se antepõe o dia, que às sombras da opressão
se antepõem as luzes da liberdade, como o demons-
tra a dialética da vida e da história. Compreenderá
então o professor que nem todas as possibilidades
de ser e existir foram esgotadas: a sociedade e a es-
cola não são eternas (p. 55).

Nesse difícil contexto em que se encontram os cursos


de formação de professores, não se pode afirmar que o pro-
262

fessor esteja feliz. A crise das licenciaturas que persiste há


muito tempo tem intimamente um caráter pedagógico. O Pla-
no Nacional de Graduação: um plano em construção. É um do-
cumento que propõe “alteração substancial na formação dos
professores, supondo sólida formação científica na área es-
pecífica, sólida formação pedagógica e sólida formação hu-
mana e cultural” (1999, p. 20). Embora haja, nas licenciaturas,
grande número de alunos nas universidades brasileiras, eles
não ocupam lugar reconhecido no conjunto das instituições,
pois há uma priorização à área técnico-científica, conforme o
relatório do X Fórum de Pró-Reitores de Graduação das
Universidades Brasileiras, realizado em Campinas, no ano de
1999. Mesmo que o documento não deixe claro como desen-
volver essa diferente concepção de formação de professores,
indica aspectos importantes citados no relatório de trabalho
do Comitê das Licenciaturas:
a) integração entre as diferentes instâncias do ensino:
pós-graduação, graduação e educação básica;
b) compreensão da pesquisa como princípio educativo
e não apenas científico;
c) necessidade da elaboração e da reelaboração do co-
nhecimento;
d) inovação didática;
e) construção coletiva do projeto pedagógico;
f) promoção da interdisciplinaridade;
g) prevalência da formação sobre a informação e
h) flexibilidade na aceitação de mudanças científicas.
Diante do desamparo do professor perante a necessi-
dade de exercer sua função com eficiência, discussões a res-
peito do tema permanecem mais do que nunca como alterna-
tiva no sentido de superar as dificuldades em que se encon-
tram os cursos de formação de professores até o presente
momento, contribuindo para o debate a respeito das diferen-
tes concepções dos cursos de licenciatura nas universidades
em geral. Considerando posições históricas e sociais a propó-
sito do lugar que ocupam os cursos de formação de docentes
no país, o professor deve ter como meta o exercício compe-
tente de sua função pedagógica no âmbito da sala de aula e
do espaço escolar. Por esses aspectos, essa discussão certa-
mente não preencherá os vazios ainda existentes, que atin-
gem a todos os profissionais da educação, conscientes de sua
263

tarefa no campo educacional e comprometidos com o aper-


feiçoamento da sociedade brasileira, mas certamente suscita-
rá reação a uma crise que compromete a escola e, por conse-
qüência, o professor, circunscrevendo o processo, que deve
ser democrático, por que passa a escola brasileira hoje.
Essas questões que identificam o tema em discussão
formaram os eixos verticais e lineares das reuniões do Comi-
tê, na consideração – e por que não renovação? - do papel
crítico que cabe ao ensino dos cursos de formação de profes-
sores no processo do conhecimento.

Palavras finais
Como a sociedade brasileira, dadas as suas dificuldades,
atribui à escola a responsabilidade maior da formação, move-
nos a certeza de que o domínio da cultura letrada abre a cada
um possibilidades de compreensão do real e de exercício da
cidadania. Por essa razão, aqueles que se envolvem com a
educação precisam estar cientes de seu compromisso, porque
só transmitimos um valor quando temos consciência dele,
quando estamos legitimamente convencidos de sua impor-
tância. Assim, no contexto dinâmico desses debates, o Comi-
tê, ao longo do ano 2000, acompanhou as discussões, pro-
moveu encontros sobre o tema formação de professores e
foi cauteloso na tomada de decisões. Desse momento até o
presente, passaram-se quatro anos. No entanto, parece de
consenso geral que é necessário assegurar à formação de pro-
fessores o compromisso com questões pedagógicas, com as
especificidades de cada área, com a formação inicial e conti-
nuada, com o ensino vinculado à pesquisa e à extensão, com
o projeto pedagógico específico para a formação de profes-
sores e seu vínculo com questões universitárias.
Embora o Comitê tenha desenvolvido suas atividades
apenas durante dois anos, o desafio de refletir sobre o papel
das licenciaturas é permanente no Centro Universitário
Franciscano de Santa Maria, com o intuito de integrar os di-
ferentes níveis de ensino universitário e fomentar, no dia-a-
dia, novas e inusitadas reflexões sobre as competências, direi-
tos, deveres e necessidades que referem o universo dos cur-
sos de formação de professores. Pouco a pouco, os lucros da
experiência pessoal vão se estendendo ao social, porque as
pessoas estão inseridas necessariamente em um grupo e com
264

ele se comunicam. Por isso, reflexões dessa natureza e ampli-


tude sobre o norte dos cursos de licenciatura sustentarão o
movimento no sentido da construção de uma sociedade mais
forte e, em conseqüência, de horizontes mais promissores na
educação brasileira.

Bibliografia
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______. Roteiro para elaboração do projeto pedagógico. Santa Maria:
Unifra, 1999.
266

Trajetória da pós-graduação lato sensu


em Educação no Centro Universitário
Franciscano de Santa Maria
entre 1976 e 2003
Adélia Juracy Zuse1
Zelma Santos Borges2

Introdução
A história institucional do Centro Universitário Francis-
cano de Santa Maria destaca-se pela oferta à comunidade santa-
mariense e região de cursos de pós-graduação lato sensu.
O Centro Universitário Franciscano de Santa Maria re-
alizou significativos avanços na construção do conhecimen-
to, que se aprimora e se especializa em diversos cursos de
graduação e especialização. Ao concluir um curso de gradua-
ção, começa-se a desvendar o significado dos conhecimentos
adquiridos e a surgir dúvidas, processo necessário e pedagó- 1
gico. Para Peirce (1972), dúvida é o começo para que se inicie Professora no Centro
Universitário
a investigação, a pesquisa; é, portanto, um processo de novas Franciscano de Santa
Maria, especialista em
descobertas, é o conhecimento que começa a se solidificar Supervisão e
pela escolha de um curso que complemente a investigação Administração
Escolar.
iniciada em nível de graduação.
Especializar-se é dar um novo significado à dúvida que 2
ficou. Significar, portanto, é descobrir novos conhecimentos, Professora no Centro
Universitário
é entrelaçá-los, interdiscipliná-los e criar, assim, novos pro- Franciscano de Santa
Maria, especialista em
cessos epistemológicos entre teoria e prática. Significar os sig- Administração
nos, para eliminar as dúvidas sintáticas, semânticas e pragmá- Escolar.
267

ticas dos processos pedagógicos, deve ser uma atividade con-


tínua do aprender a apreender.
A ação dos signos sobre o entender, o compreender e o
ser deve ser trabalhada em nível de especialização, pois o ca-
minho, plural, tornar-se-á singular, quando a seleção das
monografias e suas implicações metodológicas encaminha-
rão o aprendiz a dar novos significados, com novas leituras
de mundo, de cultura e de saberes já construídos, com o que
os especialistas construirão novas epistemologias.
Tem sido assim a história do curso de Pedagogia da
Unifra, em sua formação de pedagogos para atuarem em
Administração Escolar, Supervisão Escolar e Administração
Escolar, Educação Pré-Escolar, Currículo por Atividades,
Alfabetização, Educação Sexual, Fundamentos da Educação,
Educação Ambiental, Informática, Supervisão Escolar, Orien-
tação Educacional, Psicopedagogia e Gestão Estratégica do
Conhecimento nas Organizações.
Na Unifra contribui-se não só para a construção
epistemológica que se renova e se atualiza com as novas desco-
bertas, com as tecnologias de informação e comunicação, den-
tre outras, como também se auxilia na construção de saberes e
práticas pedagógicas para a educação básica e superior.
Muitos são os significados, do que significa especializar-se.

Curso de Habilitação em Administração Escolar


Após vinte e um anos do curso de Pedagogia, foi criado
o 1º curso de Habilitação Específica em Administração Es-
colar, que dava direito a um registro no Ministério da Educa-
ção e Cultura. O modelo de carteira era o seguinte.

Com esse registro, entrava-se para o quadro de especia-


lista em educação no sistema estadual de ensino.
Os temas das monografias daquela época versavam so-
bre: administração, supervisão, orientação e avaliação escolar,
268

porém acrescentados às monografias os seguintes tópicos:


planejamento, metodologia e indisciplina.
As monografias revelam preocupações com as realida-
des administrativas e pedagógicas das escolas, retratam o mo-
mento histórico da época em que era importante o especialista
para a condução do processo educacional em nível nacional.
Em 1978 e 1979 continuaram os cursos de Especializa-
ção em Administração Escolar, nos quais a preocupação era
analisar os trabalhos realizados pelos especialistas, como: a
interferência do diretor escolar na comunidade; a supervisão
nos cursos supletivos; a sondagem das aptidões; os motivos
de reprovação; as relações humanas; a revisão didática e o
baixo rendimento escolar. Foram, também, enfocados temas
como o ensino profissionalizante, educação rural e educação
no jardim de infância.
Esses cursos contribuíram para que os professores ana-
lisassem as reais situações do ensino, surgindo com isso no-
vas propostas para a educação. Naquela época, a conclusão
de um curso de especialização merecia, por vezes, celebração
solene de um evento.

Curso de Especialização em Supervisão Escolar


e Administração Escolar
Esses cursos buscavam preparar profissionais para exer-
cerem a administração nas escolas, como: diretores, vice-di-
retores ou pessoas para outros setores administrativos, para o
planejamento, a direção, a orientação e o acompanhamento, a
fim de atingir os objetivos e as metas educacionais do contex-
to histórico da época.
A partir de 1980, houve a integração dos cursos de Ad-
ministração e Supervisão Escolar e teve como justificativa:
O supervisor escolar deveria ter uma sólida forma-
ção pedagógica e filosófica, para poder dar sentido
preciso, positivo e consciente à ação da escola, para
que esta realmente cumpra as suas finalidades, bem
como poder dar um sentido convergente e integra-
do no atendimento às transformações sociais e na
utilização das novidades tecnológicas, para que o es-
forço educacional não se perca em aspectos secun-
dários, ou que não se tome o acidental pelo essencial
e, principalmente, para que os meios não sejam con-
fundidos com os fins. (Projeto do curso, 1980, p. 6).
269

O supervisor escolar era um pedagogo e filósofo ao


mesmo tempo, pois precisava conhecer em profundidade as
questões do pensamento para que estas pudessem fazer parte
dos currículos escolares, porém os meios e os fins não pode-
riam ser confundidos.
Nos cursos cumpria-se uma carga horária de 810 horas,
para se atingirem os objetivos de proporcionar a implemen-
tação às realidades educacionais, nas quais eram aplicados os
princípios gerais, na convicção de que o papel da Administra-
ção Escolar tinha a função integradora e estimuladora da ação
pedagógica; realidade que persiste nos dias atuais.
As temáticas trabalhadas, pelos especialistas, refletiam a
realidade social, política e educacional, como por exemplo:
administração escolar; avaliação escolar; recrutamento e sele-
ção de pessoal; supervisão e orientação escolar; processamento
educativo no meio rural; planejamento da educação brasilei-
ra; problemática do ensino profissionalizante; estudos sobre
a atuação de pais e mestres; motivação no trabalho dos pro-
fessores; vantagens no ensino pelo método de projetos;
municipalização do ensino; transferência e adaptação
curricular; integração entre direção, coordenação e orienta-
ção educacional; relações humanas; a educação como pro-
cesso de liberdade; sondagem de aptidões; indisciplina na sala
de aula; legislação do ensino e a dinâmica do trabalho docen-
te; metodologia do ensino, entre outros.
Os professores formandos pelos cursos de Especializa-
ção em Supervisão Escolar e Administração Escolar também
recebiam um registro profissional.

Curso de Especialização em Educação Pré-Escolar


O curso de Especialização em Educação Pré-Escolar
esteve em funcionamento entre 1985 e 1988. Foi coordenado
pela profª. Carmen Silveira Netto, demonstrando a visão
franciscana abrangente sobre o significado da expressão ‘Paz
270

e Bem’, quando envolveu diferentes áreas do conhecimento


em prol da educação e, conseqüentemente, da sociedade.
Foram desenvolvidas temáticas sobre: a importância da
atividade lúdica; comportamento de crianças que não freqüen-
tam a pré-escola; o papel da pré-escola no desenvolvimento
da psicomotricidade; criatividade e pensamento lógico; o pa-
pel da pré-escola na visão montessoriana; estudo da pré-es-
cola na rede municipal de Santa Maria; leitura infantil; alfabe-
tização na pré-escola.
No ano de 1992, houve nova edição do curso, coorde-
nado pela profª. Maria Lucy Schuch Brunet. Em 1998, a co-
ordenação do curso passou para a profª. Ondina Alves.
A partir de 1999, o curso de Especialização em Educa-
ção Infantil tem nova proposta. O momento sócio-histórico-
cultural e o surgimento de um significativo referencial teóri-
co sobre a educação infantil ensejaram a elaboração de um
novo projeto para o curso que passou a denominar-se curso
de Especialização em Educação Infantil.
Pelo novo projeto, a estrutura curricular foi modifica-
da, inclusive com novas disciplinas, como por exemplo: Cui-
dar e Educar na Educação Infantil, Sexualidade e Gênero,
Visão Histórica, Política e Legislação na Educação Infantil,
Letramento e Corporeidade na Educação Infantil.
Atualmente o curso está em sua sexta edição. Entre os
temas das monografias pode-se citar: o lúdico; o educador e o
desafio da prática pedagógica; educação infantil; o desenvolvi-
mento da criança no contexto da educação infantil; a importân-
cia do jogo protagonizado; alfabetização e literatura infantil.

Curso de Especialização em Currículo por Atividade


O curso de Especialização em Currículo por Ativida-
des foi realizado no ano de 1985 e coordenado pela profª.
Carmen Silveira Netto.

Curso de Especialização em Alfabetização


O curso de Especialização em Alfabetização foi realiza-
do no ano de 1991 e coordenado pela profª. Maria Lucy Shuch
Brunet.
Os temas abordados foram: psicomotricidade na pré-
escola; análise reflexiva e crítica da terapia de integração social;
proposta pedagógica sociointeracionista, construtivista; pré-
271

escola; o papel do brinquedo no desenvolvimento da criança;


professor: fator significativo na aprendizagem; o analfabetis-
mo e o ensino supletivo noturno; distúrbios e dificuldades na
aprendizagem; literatura infantil e proposta Emília Ferreiro.
Em 2003 houve nova edição do curso, com duas tur-
mas, oferecido para egressos do curso de Pedagogia: Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, regime especial, que esti-
mulado pelos resultados positivos alcançados no decorrer da
graduação, buscaram continuar a sua formação. A coordena-
dora foi a profª. Patrícia do Amaral Comarú.

Curso de Especialização em Educação Sexual


Esse curso foi oferecido em 1998 com vistas a qualifi-
car educadores que pudessem atender à nova proposta do
Ministério da Educação relacionada ao parâmetros curriculares
nacionais. A coordenação ficou com a profª. Maria Joanete
Martins da Silveira, para quem
todo o curso de pós-graduação, em nível de especia-
lização, pode trazer resposta mais rápida para a nova
proposta relacionada aos parâmetros curriculares do
Ministério da Educação sobre orientação sexual, bem
como às necessidades de uma nova sociedade em
constante transformação, uma vez que poderá pos-
sibilitar discussões e buscar alternativas por meio de
pesquisas interdisciplinares e trabalhos desenvolvi-
dos nos locais onde os problemas ocorrem, tendo,
como cenário, a realidade como um todo na região.

Além disso, buscava-se oferecer uma formação mais


sólida em relação à orientação sexual, que se refletiu numa
melhor qualidade da educação e, conseqüentemente, na
melhoria da qualidade de vida da clientela envolvida.
Os temas das monografias versavam sobre o problema
da sexualidade entre os jovens.

Curso de Especialização em Fundamentos da


Educação
Nos anos de 1982, 1983 e 1988, o curso de Especializa-
ção em Fundamentos da Educação foi coordenado pela profª.
Carmen Silveira Netto.
Os objetivos previam a renovação do significado dos
currículos que definiam o profissional da época. Dentro des-
sa visão, considerava-se o aluno um ser individual, inserido
272

num tempo e espaço próprios, e não um somatório pura-


mente formal; procurava-se a formação de um ser integral
que construísse o conhecimento, voltado para a sua realida-
de, com planejamentos e metodologias que atendessem aos
aspectos gerais do conhecimento e aos aspectos particulares
de cada realidade.
Em 2000, o curso foi coordenado pela profª. Marisa
Diniz Dellacort. Pode-se ler nos resumos das monografias
que os temas eram abrangentes, tendo em vista os currículos
que envolviam as atividades das comunidades escolares.
Os temas mais abordados nos anos de 1982, 1983, 1988
e 2000 foram: o papel do professor no processo ensino-apren-
dizagem; o desenvolvimento da linguagem na pré-escola; a
educação e o trabalho na sociedade brasileira; educação
humanística; criatividade; ensino profissionalizante; estudo
sobre o jovem; influência da televisão no processo educacio-
nal; sexualidade; o professor alfabetizador; o orientador de
estágio; visão crítica no processo educacional segundo Paulo
Freire; avaliação; a importância da atividade lúdica na saúde
mental; a semiótica franciscana; a mudança de comportamen-
to; tecnologia educacional na globalização.

Curso de Especialização em Educação Ambiental


O curso de Especialização em Educação Ambiental foi
criado em 1999 e está em sua quinta edição. O coordenador
do curso foi sempre o prof. Galileo Adeli Buriol.
O objetivo geral do curso é capacitar recursos humanos
para que possam atuar com conhecimento, habilidade e valo-
res em ações que atendam aos objetivos e fins da educação
ambiental, tanto no ensino formal como nos demais setores
da sociedade.
A proposta pedagógica abrange oito módulos articula-
dos e complementares entre si. Cada módulo é formado por
uma ou mais disciplinas e trabalhado por dois ou mais pro-
fessores.
No módulo I há uma fundamentação humanística, com base
nos conhecimentos da psicologia, que visa a sensibilizar os indiví-
duos para a compreensão das questões ambientais, a partir do en-
tendimento da natureza humana e do seu próprio auto-
conhecimento, para poderem atuar de forma eficaz e criativa na
interação com os demais indivíduos e com o meio ambiente.
273

O módulo II refere-se à construção do conhecimento,


aos aspectos éticos e à saúde ambiental. Discute-se a relação
homem e natureza, a partir dos aspectos da filosofia clássica,
para entender e posicionar-se diante dos novos desafios éti-
cos, gerados pelas questões socioambientais, científicas e
tecnológicas da atualidade. Aborda também a visão
interdisciplinar na construção do conhecimento e mostra as
relações e as influências entre o meio ambiente e a saúde.
No módulo III, trata-se da educação política, da cida-
dania e do meio ambiente, numa articulação com o desen-
volvimento sustentável, meta que se quer alcançar em todos
os povos: desenvolvimento econômico e social e a preserva-
ção ambiental.
No módulo IV, apresenta-se a educação ambiental como
uma variável eficaz para se atingir a sustentabilidade dos re-
cursos naturais e culturais da terra. Situa-se, historicamente, a
origem do movimento ecológico e ambientalista e a evolução
da educação ambiental no mundo e no Brasil, para se com-
preenderem suas tendências atuais e se proporem metodo-
logias adequadas e compatíveis a diferentes situações. Há tam-
bém a discussão das evidências da crise ambiental e suas apli-
cações éticas na produção do conhecimento e na compreen-
são da realidade, para auxiliar na elaboração de propostas al-
ternativas, em resposta à crise ambiental.
No módulo V, discutem-se a teoria ecológica, a nature-
za jurídica do meio ambiente (legislação ambiental) e os ins-
trumentos de controle e de gestão ambiental, na perspectiva
de exercer a cidadania ambiental.
No módulo VI, estudam-se as diferentes abordagens
de pesquisa, aplicadas na elaboração de projetos investigatórios
e de trabalho de monografia. Dá ênfase nas metodologias da
pesquisa-ação e da pesquisa participante. Destaca-se como
um dos métodos qualitativos, para a análise de dados da rea-
lidade investigada, a análise de conteúdo.
No módulo VII, apresenta-se a metodologia do ensino
superior, voltada à educação ambiental.
No módulo VIII, há referência aos estudos ambientais,
com ênfase nos problemas ambientais de Santa Maria, Ar-
roio Cadena, barragens, lixão da Caturrita e demais áreas da
bacia do Jacuí. Trabalha-se com noções de cartografia
ambiental, recursos hídricos e atividades de campo.
274

Curso de Especialização em Informática na


Educação
O curso de Especialização em Informática na Educa-
ção teve início em 1988 com a profª. Carmen Silveira Netto.
Os temas das monografias registram, em seus conteú-
dos, os primeiros passos do uso do computador para a edu-
cação, que foram: o uso do computador por crianças com
dificuldades de aprendizagem; uso de um aplicativo sobre
logaritmos, como reforço didático para alunos do 2º grau;
dificuldades na aplicação da computação no ensino do 2º grau
nas escolas particulares de Santa Maria; uso do computador
das áreas do retângulo, quadrado e triângulo: uma proposta
pedagógica; informática na educação.
Entre 1996 e 1997, o curso de Especialização em
Informática na Educação foi coordenado pela profª. Solange
Capa Verde e foram abordadas as seguintes temáticas: análise
da interação dos clientes com os terminais de auto-atendimen-
to; por que e como as escolas de Santa Maria estão trabalhando
a informática na pré-escola; adequação dos softwares educaci-
onais em séries iniciais; informática educacional infantil; siste-
ma informativo e controle de avaliação; o professor e o uso do
computador no ensino-aprendizagem; a apropriação do conhe-
cimento através da internet; as contribuições da linguagem na
produção de textos; informática e educação no curso de ma-
gistério; informática educacional: novos desafios à formação
continuada dos problemas; a informática no ensino das fra-
ções; a informática no desenvolvimento das capacidades inte-
lectuais dos portadores de síndrome de Down.
Em 2000, 2002 e 2003, coordenou o curso a profª. Gilse
Antoninha Morgental Falkembach. Os objetivos e a proposta
pedagógica segundo ela são “abordar o emprego das novas
tecnologias da informação e da comunicação, no processo de
ensino-aprendizagem, como instrumento a serviço do edu-
cador, buscando o desenvolvimento de metodologias criati-
vas e atitudes críticas diante desses recursos”.
Ainda segundo suas palavras,
o curso de Especialização em Informática na Educa-
ção tem, ainda, como finalidade instrumentalizar o
professor para a educação na era digital, que conta
com recursos da hipermídia e informações on-line 24
horas por dia, via internet, e oportunizar ao aluno-
275

professor a aquisição de conhecimentos e habilidades


necessárias para fazer uso desta tecnologia nas suas
atividades de sala de aula, de forma consciente, para
melhorar o ensino-aprendizagem, estimulando diver-
sos aspectos da atividade humana: como pensamento
crítico, capacidade de resolução de problemas, com-
preensão do meio, criatividade e percepção.

Os temas mais trabalhados nas monografias foram os


seguintes: informática na produção textual; leitura e escrita
por meio de sistemas hipermediais de informação e comuni-
cação; o princípio colaborativo das comunidades mediadas
por computador como estratégia de aprendizagem na escola;
uma proposta de estudo do triângulo; aprendizagem por pro-
jeto como auxílio do computador; avaliação do software;
instrucionismo e construcionismo; o computador como re-
curso auxiliar na alfabetização; o novo perfil do educador di-
ante da globalização; o papel do educador e o uso do compu-
tador na resolução tecnológica; o uso da informática na edu-
cação; os jogos no computador; proposta de implantação da
informática na educação; um paralelo entre a educação do
século XX e do século XXI.

Curso de Especialização em Supervisão e


Orientação Educacional
O curso de Especialização em Supervisão e Orientação
Educacional funcionou de março de 2003 a julho de 2004. A
organização do curso foi das professoras Adélia Juracy Zuse,
atual coordenadora, Ana Rosa Zurlo Dellazana e Marisa Diniz
Dallacort e pretendia oferecer especialização para atender às
escolas estaduais e municipais da educação básica, que careci-
am de profissionais.
A proposição encontra respaldo na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional que, em seu art. 64, assim estabelece:
A formação de profissionais de educação para admi-
nistração, planejamento, inspeção, supervisão e orien-
tação educacional para a educação básica, será feita
em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de
pós-graduação, a critério da instituição de ensino, ga-
rantida, nesta formação, a base comum nacional.

O curso de Especialização em Supervisão e Orientação


Escolar, que está funcionando em sua primeira edição, tem
276

como coordenadora a profª. Adélia Juracy Zuse e está em-


basado na lei n. 9.394/96.
O curso de Especialização em Orientação Educacional
foi criado tendo por base o decreto n. 72.846, de 28 de se-
tembro de 1973, que regulamenta a lei n. 5.564, de 21 de
dezembro de 1968, que trata sobre o exercício da profissão
de orientador educacional.
Em seu art. 1º diz que constitui objeto da orientação
educacional a assistência ao educando, individualmente ou
em grupo, no âmbito do ensino de 1º e 2º graus, visando ao
desenvolvimento integral e harmonioso de sua personalida-
de, ordenando e integrando os elementos que exercem influ-
ência em sua formação e preparando-o para o exercício das
opções básicas. Em seu art. 2º, diz que o exercício da profis-
são de orientador educacional é privativo:
I- Dos licenciados em Pedagogia, habilitados em orien-
tação educacional, possuidores de diplomas expe-
didos por estabelecimentos de ensino superior ofi-
ciais ou reconhecidos;
II- Dos portadores de diplomas ou certificados de
orientador educacional, obtidos em cursos de pós-
graduação ministrados por estabelecimentos oficiais
ou reconhecidos, devidamente credenciados pelo
Conselho Federal de Educação;
III- Dos diplomados em orientação educacional por es-
colas estrangeiras, cujos títulos sejam reavaliados na
forma da legislação em vigor.
Logo, o orientador educacional é o profissional forma-
do em nível de graduação ou pós-graduação lato sensu.
Porém, a profissão de supervisor educacional tem como
objetivo de trabalho articular crítica e construtivamente o pro-
cesso educacional, motivando a discussão coletiva da comu-
nidade escolar acerca da inovação da prática educativa, a fim
de garantir o ingresso, a permanência e o sucesso dos alunos,
com currículos que atendam às reais necessidades da cliente-
la escolar, atuando no âmbito dos sistemas educacionais fe-
deral, estadual e municipal, em seus diferentes níveis e moda-
lidades de ensino e em instituições públicas ou privadas e,
ainda, que o exercício da profissão de supervisor educacional
é privativo dos portadores de diploma de curso superior, de-
vidamente registrado pela universidade formadora, como é o
caso do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria.
277

Entre as atribuições do supervisor educacional as mais


significativas são:
- investigar, diagnosticar, planejar, implementar e ava-
liar o currículo em integração com outros profissio-
nais da educação e integrantes da comunidade;
- participar efetivamente da tomada de decisões do pro-
cesso educacional;
- promover atividades de estudo e pesquisa na área
educacional;
- propiciar condições para o aperfeiçoamento profis-
sional de educadores no exercício de suas funções,
em caráter permanente;
- emitir parecer sobre matéria concernente à supervi-
são educacional;
- acompanhar estágios no campo da supervisão edu-
cacional;
- planejar e coordenar atividades de atualização no cam-
po educacional;
- promover inovações educacionais;
- estimular o espírito de investigação e a criticidade dos
envolvidos no processo educacional;
- assessorar os sistemas educacionais e instituições pú-
blicas e privadas nos aspectos concernentes à ação
pedagógica.

Curso de Especialização em Psicopedagogia


Clínica e Institucional
O curso de Especialização em Psicopedagogia foi criado
em 1986 e coordenado até 1989 pela profª. Carmen Silveira Netto.
De 1990 a 1997, o curso foi coordenado pela profª. Maria
Lucy Schuch Brunet. Em 1996 foi coordenado pela profª.
Nires Metilde Colletto. De 1999 até os dias atuais, vem sendo
coordenado pela profª. Carmem Rosane Segatto e Souza. Sob
a coordenação desta professora, em 1999, o curso de Especi-
alização em Psicopedagogia transformou-se em Abordagem
Clínica e Institucional, com duração de vinte e quatro meses.
Segundo a visão da profª. Carmem,
o psicopedagogo é um profissional que nasceu da
necessidade de uma melhor compreensão do fenô-
meno da aprendizagem humana. O objeto de estudo
do psicopedagogo é a aprendizagem humana: seus
padrões evolutivos normais e patológicos bem como
278

a influência do meio (família, escola e sociedade) para


o seu desenvolvimento.

O trabalho psicopedagógico, em nível institucional, justi-


fica-se em razão do índice elevado de evasão e repetência que
caracterizam a escola brasileira. Nesse sentido, a atuação do
psicopedagogo não se propõe a culpabilizar o aluno, mas en-
tender como se dá o interjogo de influências exercidas pela
família, escola e sociedade e como favorecer o processo de
ensino-aprendizagem. Há que se considerar a multiplicidade
de fatores determinantes do sucesso ou fracasso escolar e pro-
por estratégias mais eficazes que permitam a maior permanên-
cia do aluno na escola, por meio de uma maior eficiência.
A prática clínica justifica-se na necessidade de atendi-
mento individual de crianças ou adolescentes, portadores de
transtornos ou dificuldades de aprendizagem, e tem-se trans-
formado em campo de estudos para investigadores, interes-
sados no processo de construção do conhecimento e nas di-
ficuldades que se apresentam nessa construção.
Na década de 1980, os temas mais abordados foram: fato-
res familiares e escolares que interferem na aprendizagem; ten-
dências pedagógicas progressistas; dificuldades na alfabetização;
importância dos fatores afetivo-emocionais; importância da lei-
tura; fatores que influenciam no desenvolvimento do adolescen-
te; estímulo no desenvolvimento integral por meio de jogos e
brinquedos; causas das dificuldades de relacionamento das cri-
anças na escola; castigos e recompensas; evasão e reprovação;
importância da música no currículo por atividades, entre outros.
Na década de 1990, os temas foram: intervenção clínica
psicopedagógica na família; relação professor-aluno; psicope-
dagogia e interdisciplinaridade; a importância da estimulação pre-
coce com crianças de alto-risco; processo de construção pessoal
do indivíduo; linguagem dos sinais; desenvolvimento cognitivo,
afetivo e psicomotor; importância do afeto da família; estudo
comparativo com crianças que freqüentam a pré-escola e aque-
las que não a freqüentaram; a anamnese na avaliação pedagógica;
reflexões psicopedagógicas no processo ensino-aprendizagem;
a educação especial; psicopedagogia e o fracasso escolar; proces-
so de construção da leitura e da escrita na pré-escola; educação
ação-reflexão-ação; distúrbios de aprendizagem; dificuldades no
diagnóstico escolar; análise da freqüência e tipos de erros orto-
gráficos; o papel da família e da escola na tarefa de educar; edu-
279

cação hegemônica em Gramsci; a educação de crianças portado-


ras de deficiências; revendo as etapas do desenvolvimento hu-
mano; intervenção psicopedagógica com portadores de deficiên-
cias; uma abordagem psicopedagógica da aprendizagem; desnu-
trição e aprendizagem; síndrome de Down; a dinâmica do grupo
como estratégia para o desenvolvimento da auto-estima e da
motivação em meninos de rua; agressividade; problemas na apren-
dizagem; síndrome do déficit de atenção; pedagogia do coração;
a importância do olhar e da escuta na prática psicopedagógiga;
algumas causalidades psicossociais que interagem com as difi-
culdades de aprendizagem; o pensamento e a lógica infantil a
partir da teoria histórico-cultural de Henri Wallon; os distúrbios
nutricionais e a aprendizagem dos pré-escolares; relacionamento
familiar e sua reflexão na aprendizagem; revisando a concepção
de erro na escrita infantil a partir da epistemologia construtivista.
Na década de 2000, os temas abordados foram: inclusão
de portadores de necessidades educativas especiais; a importân-
cia do brinquedo na avaliação psicopedagógica; a importância e
a influência da auto-estima na aprendizagem; a influência da
psicomotricidade no processo de aprendizagem em crianças de
0 a 6 anos; a teoria das inteligências múltiplas como fonte de
prevenção para as dificuldades de aprendizagem; as situações de
aprendizagem; a percepção da equipe multiprofissional de uma
unidade hemato-oncológica; fracasso escolar na alfabetização:
um olhar a partir da psicopedagogia; interação escola família:
contribuições para o diagnóstico psicopedagógico; o espaço do
psicopedagogo em uma unidade de internação pediátrica: a per-
cepção da equipe de enfermagem; o trabalho em grupo como
facilitador da aprendizagem; papel da psicopedagogia no centro
de atenção multidimensional à família; reconstrução do conheci-
mento na visão do educador e do educando; sentimentos que
interferem na relação professor-aluno; a influência da hiperativi-
dade/déficit de atenção na aprendizagem; agressividade infantil
e dificuldades de aprendizagem; o programa de enriquecimento
instrumental para o desenvolvimento de competências.

Curso de Especialização em Gestão Estratégica


do Conhecimento nas Organizações
O curso de Especialização em Gestão Estratégica do
Conhecimento nas Organizações foi criado para capacitar
profissionais em nível de pós-graduação lato sensu na área de
280

gestão estratégica do conhecimento nas organizações, em


função da necessidade de atualização constante dos recursos
humanos em organizações públicas, privadas ou não-gover-
namentais.
O curso, no entanto, só teve uma edição, em 2003, e sua
coordenadora foi a professora Adélia Juracy Zuse. Na constru-
ção da proposta houve a colaboração das professoras Marisa
Diniz Dallacorte, Ana Rosa Dellazzana e Adélia Juracy Zuse.

Considerações finais
O Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, na
sua proposta institucional, destaca a necessidade de atualiza-
ção de professores e alunos, bem como o aprofundamento
do conhecimento, dentro do contexto atual, e a importância
da educação continuada.
Na definição quanto à oferta de cursos de pós-gradua-
ção lato sensu, parte-se de um levantamento das necessidades
evidenciadas no processo educativo nas diferentes organiza-
ções. Assim, procuram propiciar condições que favoreçam a
formação de competências indispensáveis aos profissionais
qualificados.
Escrever sobre os cursos de especialização, ligados à
Pedagogia, isto é, à complementação e enriquecimento do
fazer pedagógico na sua ação-reflexão-ação, deve ser visto
como necessário a todo educador, pois todos devem saber
que a educação é contínua para professores e alunos e que o
fazer pedagógico depende dos currículos que são construídos
nos contextos da comunidade educacional.
Não se pode descrevê-los em suas riquezas significadas
em seus conteúdos, porque todo profissional seleciona e es-
colhe as linhas de pesquisas de acordo com suas habilidades,
porém uma certeza fica, a de que, ao se freqüentar um curso
de especialização no Centro Universitário Franciscano de Santa
Maria, ficar-se-á mais humano, porque levar-se-á a filosofia
franciscana por meio de teias invisíveis que se entrelaçarão
no ato pedagógico e ficará sempre a mensagem de “Paz e
Bem”, que caminhará continuamente, aperfeiçoando-se nas
ações pedagógicas ou na construção dos conhecimentos.
281

Bibliografia
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MEC, 1996.
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283

Prática de ensino: a formação de professores


de Filosofia a partir das diretrizes
curriculares nacionais para a formação de
professores da educação básica
Solange de Moraes1

Introdução
O texto ora apresentado foi suscitado pelo desejo de
sistematizar algumas reflexões sobre a formação de profes-
sores, em especial professores de Filosofia, e pela reformulação
curricular do curso de licenciatura em Filosofia do Centro
Universitário Franciscano de Santa Maria, ocorrida em 2002,
diante da adequação do curso às diretrizes curriculares nacio-
nais para a formação de professores da educação básica.
As reflexões aqui sistematizadas refletem basicamente
uma leitura das diretrizes curriculares para formação de pro-
fessores e das diretrizes curriculares para os cursos de gradu-
ação em Filosofia, e uma análise do parecer CNE/CP n. 9/
2001. Com efeito, esse parecer, que dá sustentação às diretri-
zes para formação de professores, levantou várias “questões
a serem enfrentadas na formação de professores” e, conse-
qüentemente, na revisão/reformulação curricular dos cursos
de licenciatura, que tiveram que ser adaptados às diretrizes.
Professora no Centro
1 Essas questões, no referido documento, são classificadas em
Universitário dois segmentos, um que diz respeito às questões do campo
Franciscano de Santa
Maria, mestre em
institucional e outro que concerne às questões referentes ao
Filosofia. campo curricular. Entre as questões problemáticas no campo
284

institucional o documento aponta para:


a) segmentação da formação dos professores e descon-
tinuidade na formação dos alunos da educação básica;
b) submissão da proposta pedagógica à organização ins-
titucional;
c) isolamento das escolas de formação;
d) distanciamento entre as instituições de formação de pro-
fessores e os sistemas de ensino da educação básica.2
Entre as questões, no campo curricular, que exigiam
um enfrentamento o documento indica:
a) desconsideração do repertório de conhecimento dos
professores em formação;
b) tratamento inadequado dos conteúdos;
c) falta de oportunidade para desenvolvimento cultural;
d) tratamento restrito da prática profissional;
e) concepção restrita de prática;
f) inadequação do tratamento da pesquisa;
g) ausência de conteúdos relativos às tecnologias da in-
formação e das comunicações;
h) desconsideração das especificidades próprias dos ní-
veis ou modalidades de ensino em que são atendidos
os alunos da educação básica;
i) desconsideração das especificidades próprias das eta-
pas da educação básica e das áreas do conhecimento
que compõem o quadro curricular na educação básica.3
Não ignoramos o fato de que todos os aspectos refe-
rentes à formação de professores, seja no âmbito institucional
seja no curricular, estivessem interligados, e de que, conse-
qüentemente, necessitavam de um enfrentamento que consi-
derasse toda complexidade da tarefa de formar professores
competentes. A partir da leitura, e consideração, de todas as
questões que, de acordo com o parecer n. 9, deveriam ser
enfrentadas nas propostas dos cursos de formação de pro-
fessores, entendemos que esta tarefa não dizia respeito sim-
plesmente à mera reformulação curricular, mas, sim, que, no
contexto das diretrizes em questão, implicava o entendimen-
to de uma nova concepção, de um novo modelo, de forma- 2
Parecer CNE/CP
ção de professores – baseada, por assim dizer, no novo perfil n. 9/2001, p. 17-18.
exigido dos professores pela sociedade contemporânea – para
então pensarmos e elaborarmos currículos que dêem conta 3
Parecer CNE/CP
de atender às demandas dessa concepção emergente. Não n. 9/2001, p. 19-27.
285

obstante isso, entre as questões acima apresentadas, vamos


nos deter em apenas uma das questões, precisamente do cam-
po curricular, que exigiu efetivamente um enfrentamento na
revisão curricular do curso de Filosofia da Unifra, a saber, a
“concepção restrita de prática” dominante nos cursos de for-
mação de professores, que foram convidados a repensarem
suas concepções e reformularem suas estruturas. Essa restri-
ção temática se impõe, primeiramente, pela própria comple-
xidade da questão. Podemos dizer que uma das questões das
diretrizes que mais polêmica gerou entre os professores, que
atuavam nos cursos de licenciatura, foi a introdução de 400
h/a de prática de ensino como componente curricular – além
4
Pelo menos a das 400 h/a de estágio supervisionado.4
polêmica sobre a Para expressarmos nosso entendimento sobre a concep-
questão da prática de
ensino instalou-se nas ção de prática proposta, associamos tal concepção aos “princípi-
discussões do grupo os orientadores para uma reforma da formação de professores”,
de professores do
curso de Filosofia da constantes no parecer CNE/CP n. 9/2001 – principalmente do
Unifra por ocasião da
reformulação
princípio segundo o qual “a concepção de competência é nucle-
curricular, ocorrida em ar na orientação do curso de formação inicial de professores”.5
2002, tendo em vista a
adequação do curso às
De fato, entre os aspectos envolvidos na questão da formação
exigências das (então) de professores, interessa-nos basicamente o que diz respeito ao
novas diretrizes para
formação de processo formativo propriamente dito, que envolve essencial-
professores. mente a aprendizagem e o desenvolvimento das competências
do professor (em geral, e do professor de Filosofia em particu-
5
Parecer CNE/CP n. lar). Entendemos que a Prática de Ensino está vinculada ao de-
9/2001, p. 28.
senvolvimento das competências dos futuros professores, a qual
6 não ocorre apenas no momento do estágio, e que a compreen-
Esse novo conceito de são desses elementos, indicados pelas diretrizes para formação
ensino (superior) é
pensado tendo em de professores, é essencial para dar sustentação ao que se pode
vista a necessidade de chamar de um novo conceito de ensino superior no que diz res-
“ressignificar o ensino
de crianças, jovens e peito à formação de professores.6
adultos...”, o que exige
justamente uma
Por fim, com base no que diz o parecer CNE/CP n. 9/
revisão dos aspectos 2001 sobre a formação de “competências a serem desenvol-
essenciais da
formação, em nível
vidas na formação da educação básica” – que “elas [as com-
superior, dos petências] devem ser complementadas e contextualizadas pelas
profissionais que
atuarão na área do
competências específicas próprias de cada etapa e de cada
ensino básico. Cf. área do conhecimento a ser contemplada na formação”7 –
parecer CNE/CP n.
9/2001, p. 7. fazemos algumas considerações sobre a prática de ensino e
desenvolvimento de competências nos cursos de formação
Parecer CNE/CP
7 de professores de Filosofia, à luz da especificidade, dos pro-
n. 9/2001, p. 40. blemas e dos desafios dessa área do saber.
286

A nova concepção de cursos de formação de


professores
As diretrizes nacionais para formação de professores,
publicadas no Diário Oficial da União no início de 2002, apon-
tam para um novo modelo de formação de professores e, con-
seqüentemente, para uma nova concepção de cursos de licen-
ciatura, que claramente pretende superar “a antiga formação
de professores que ficou caracterizada como modelo ‘3 + 1’”8
O “1” nesse modelo antigo de formação de professores repre-
senta a formação prática, propriamente dita, do futuro profes-
sor. Esse era o momento do “Estágio Supervisionado”, com-
preendido também, e às vezes até designado, como “Prática de
Ensino”.9 Ora, as referidas diretrizes foram pautadas por uma
concepção de prática de ensino mais alargada em relação à con-
cepção predominante no modelo antigo de formação de pro-
fessores. Elas refletem, por assim dizer, as exigências da pró-
pria LDB, cujas inovações contemplam a ampliação da respon-
sabilidade do professor para além da sala de aula.10
De acordo com as referidas diretrizes, o “Estágio Su-
pervisionado” passa a ser apenas um momento da prática de
ensino, embora um momento de suma importância, na medi-
da em que diz respeito não tanto ao desenvolvimento, mas ao
8
exercício das competências do professor em sala de aula ou a Parecer CNE/CP n.
projetos equivalentes. Mas, de acordo com a LDB, que por 9/2001, p. 6.

sua vez reflete as novas demandas da sociedade em relação 9


aos profissionais da educação, a prática docente não se esgo- Um exemplo dessa
identificação entre
ta na sala de aula. É preciso que o professor desenvolva ou- estágio supervisionado
tras competências, outras práticas, e assuma outras responsa- e prática de ensino é o
próprio currículo
bilidades e compromissos, que não apenas o domínio de no- recém extinto do
vas tecnologias ou metodologias de ensino. curso de Filosofia da
Unifra. Na estrutura
O fato de tratar-se justamente de um novo modelo de for- curricular desse curso
mação de professores, que tem, sim, implicações na estrutura constavam as
disciplinas “Prática de
curricular das licenciaturas, mas que não se esgota nestas (impli- Ensino I” e “Prática
de Ensino II”,
cações), talvez explique por que o ponto mais difícil e até contro- respectivamente no 7º
verso nas discussões acerca das novas exigências para os cursos e 8º semestres do
curso, nas quais os
de formação de professores tenha sido o da “operacionalização”, acadêmicos
senão o da própria concepção, da prática de ensino, que nas Di- desenvolviam seus
estágios
retrizes são recomendadas como um componente curricular “in- supervisionados.
dependente” do estágio supervisionado. A exigência das diretri-
zes de 400 h/a de prática de ensino, distribuídas ao longo dos 10
Cf. parecer CNE/CP
cursos, além de 400 h/a de estágio supervisionado, provocou n. 9/2001, p. 12.
287

muita discussão e pouco consenso entre os profissionais que


atuam em cursos de formação de professores, acostumados que
estavam ao modelo antigo – e provavelmente muitos de nós
desatualizados em relação às discussões que ocorriam no Minis-
tério da Educação. Uma questão inevitável: onde e como distri-
buir estas horas e o que fazer exatamente nelas?11 As diretrizes,
explícita e às vezes implicitamente, apresentam, evidentemente,
orientações sob as quais se entende que uma formação de pro-
fessores de qualidade possa se dar efetivamente. A tarefa que
ficou sob a responsabilidade de cada curso foi justamente como
entender essas diretrizes, que são gerais, a partir das necessidades
específicas de cada área do saber.
É fato constatado que houve por muito tempo nos cur-
sos de formação de professores, uma separação entre a forma-
ção específica e a formação pedagógica ou, como comumente
se ouve, entre a formação teórica e a prática, o que prejudicou
a qualidade da formação dos profissionais da educação. Por
isso, as novas orientações para a organização dos currículos
das licenciaturas são no sentido de superar essa deficiência na
formação de professores no que diz respeito à articulação en-
tre o domínio de um determinado conteúdo e as competências
11
A dificuldade inicial
necessárias para trabalhar com esse conteúdo, com eficácia, no
do entendimento da ensino básico. Ou seja, parece que o ponto de estrangulamento
proposta das
diretrizes, no que na formação de professores tem sido a formação deficiente
concerne à prática de (restrita) no que diz respeito à prática de ensino. E que o que as
ensino, pode ser
compreendida se diretrizes reivindicam é que os cursos realmente viabilizem esta
considerarmos que a articulação e desenvolvam, por meio das práticas de ensino, as
maioria dos
professores dos cursos competências necessárias ao bom desempenho do futuro pro-
de formação de
professores liam as
fessor. Ora, entendemos que esta questão transcende a mera
recomendações das organização curricular e que, conseqüentemente, vai além do
diretrizes à luz da
antiga concepção de
que as diretrizes possam oferecer em termos de entendimento
formação de da prática de ensino. Por isso distinguimos a questão da ade-
professores, não
percebendo, quação dos cursos às diretrizes para formação de professores
inicialmente, que não da questão da própria formação de professores. Entendemos
se tratava apenas de
uma reforma que esta distinção é necessária quando se discute a formação
curricular, mas, antes, de professores “de”, no caso, professores de filosofia.
de superar um
paradigma vigente há
anos e assimilar uma A necessidade da superação da concepção de
nova concepção
emergente no que diz prática de ensino dominante nas últimas décadas
respeito à formação
dos profissionais da
Durante anos as estruturas curriculares de alguns cursos
educação. de licenciatura, para não dizer da maioria, reservaram à ativida-
288

de do estágio supervisionado apenas o último ano de forma-


ção dos licenciandos e, em alguns casos, sob a denominação de
“prática de ensino”. Essa identificação da prática de ensino
com o estágio supervisionado, embora vigente por muitos anos
nos cursos de licenciatura, revela, ainda nos dias atuais, o pre-
domínio, no campo educacional, de uma concepção estreita da
prática de ensino, praticamente reduzida ao momento do está-
gio supervisionado que, por sua vez, em muitos casos, foi e
tem sido realizado de modo totalmente desvinculado da reali-
dade sócio-educacional e, principalmente, desarticulado da cha-
mada “formação teórica” dos acadêmicos, comprometendo a
qualidade da formação dos profissionais da educação.
A organização curricular, conhecida como a do “3+1”,
respaldada pela lei n. 5692/71, caracterizou-se, basicamente,
por oferecer uma formação teórica nos primeiros anos do
curso e o conhecimento da realidade escolar, por meio dos
estágios supervisionados, apenas no final do curso. Entende-
se, hoje, que, entre outros fatores, esta forma de disposição
dos componentes curriculares nos cursos de licenciatura é
responsável, em grande medida, pela dicotomia que se de-
senvolveu nos cursos de formação de professores entre teo-
ria e prática, isto é, entre as disciplinas específicas, ditas teóri-
cas (de um curso de filosofia, por exemplo), e o exercício
prático da docência, orientado, quase sempre, por profissio-
nais da área da educação. Ainda em 2002, em algumas univer-
sidades, era o Centro de Educação que se ocupava das disci-
plinas de caráter mais instrumental, técnico, metodológico,
tais como Estrutura e Funcionamento do Ensino, Didática e,
inclusive, a própria supervisão do estágio, ou “prática de en-
sino”, dos estudantes das licenciaturas. O resultado dessa
política de formação de professores foi justamente uma for-
mação fragmentada, desarticulada, que não formava propria-
mente profissionais da educação, entendidos como profissi-
onais cujo saber possui duas dimensões indissociáveis, a sa-
ber, “o domínio do conteúdo de ensino, isto é, de seu próprio
objeto de estudo, e o domínio das ciências de educação que
lhe permitirão compreender e realizar o processo pedagógi-
co” (Cunha, 1989, p. 45). Ora, essas dimensões já eram con-
templadas, sim, nas estruturas curriculares conhecidas como
“3+1”. Todavia, nesse modelo, as ciências da educação eram
trabalhadas de tal forma que não permitiam aos acadêmicos
compreenderem o processo pedagógico, de modo que a prá-
289

tica de ensino se apresentava mais como treinamento do que


prática de ensino propriamente dita.
Com efeito, a lei n. 5.692/71 parece não ter favorecido
reflexões sobre uma prática criativa e transformadora, e
tampouco a reconstrução ou redefinição de teorias que susten-
tassem o trabalho do professor. Pelo contrário, tal lei parece
dar respaldo a este distanciamento entre teoria e prática, na
medida em que “reserva à Didática a tarefa exclusiva de aproxi-
mação da realidade da sala de aula” (Piconez, 1994, p. 17). Sob
a égide dessa lei, coube à Didática Geral, “que se ocupa da prática
pedagógica nos seus aspectos mais amplos” e à prática de ensino, sob a
forma de estágios supervisionados, a formação de professores
de todas as áreas do saber, de filosofia, de geografia, de história
etc. Assim é que, em muitos casos, a discussão da formação de
professores se reduziu a uma discussão de “metodologia do
ensino sob aspectos de planejamento, de execução do ato do-
cente-discente e de verificação da aprendizagem, conduzindo
à prática de ensino” (idem, p. 17).
A constatação de que a estruturação de currículos de
cursos de formação de professores, conforme a lei n. 5.692/
71, já não mais atendiam as demandas sociais e culturais da
atualidade no que diz respeito à formação de profissionais da
educação, a partir da identificação das principais deficiências
desse modelo, vigente desde a década de 70, parece ter sido a
principal propulsora das discussões hoje sintetizadas nas di-
retrizes nacionais para formação de professores da educação
básica. Com efeito, podemos afirmar que o propósito de tais
diretrizes é orientar a organização dos currículos dos cursos
de licenciaturas de tal modo que:
a) a dicotomia entre teoria e prática, caracterizada his-
toricamente nesses cursos pela disposição das disci-
plinas teóricas no início dos cursos e da prática de
ensino, sob a forma de estágios supervisionados, no
final deles, seja superada;
b) haja uma real unidade entre teoria e prática na for-
mação dos (futuros) professores;
c) também seja superada, na formação de futuros pro-
fessores, a dissociação entre o ensino e a realidade,
ou seja, entre a formação do profissional e sua futura
área de atuação.
Ou seja, as diretrizes confirmam, com sua proposta de
considerar a prática de ensino como um componente
290

curricular distinto do estágio supervisionado, que a prática de


ensino abrange muito mais do que o exercício da prática do-
cente efetiva, ou seja, o mero saber “dar aulas”. Mas, como
entender esta nova concepção de prática de ensino, agora
“desvinculada” do estágio supervisionado e, não obstante,
elemento fundamental na formação de professores?

O que dizem as diretrizes


O art. 1º das diretrizes curriculares nacionais para a for-
mação de professores da educação básica define as referidas
diretrizes como “um conjunto de princípios, fundamentos e
procedimentos a serem obser vados na organização
institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino”
no que diz respeito aos cursos de licenciaturas ou de forma-
ção de professores. Considerando, pois, o caráter geral dessas
diretrizes e o fato de existirem vários cursos de formação de
professores de áreas específicas (por exemplo, Filosofia, His-
tória, Geografia, Matemática), impõe-se uma leitura dessas
diretrizes desde a demanda específica de cada curso, ou seja,
há que se responder não simplesmente à questão (específica)
de como cada curso pode organizar seu currículo e todo seu
projeto político pedagógico, contemplando, pelo menos em
termos formais, os “princípios, fundamentos e procedimen-
tos” recomendados pelas diretrizes (gerais!) de formação de
professores, mas, principalmente, como cada curso pode
operacionalizar efetivamente esses princípios e orientações
gerais, tendo em vista suas particularidades e necessidades.
O art. 12 das diretrizes, no seu § 1º, define que “A prá-
tica, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um es-
paço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do res-
tante do curso”. Já o § 2º recomenda que “A prática deverá
estar presente desde o início do curso e permear toda a for-
mação do professor”. No § 3º, finalmente, lemos que “No
interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os com-
ponentes curriculares de formação, e não apenas nas discipli-
nas pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática”. Este
artigo nos parece claro, pois, quanto à necessidade de supera-
ção, na (re)organização das matrizes curriculares dos cursos
de licenciatura, da antiga concepção de prática de ensino.
Todavia, se o art. 12, complementado pela resolução CNE/
CP n. 2, é claro quanto às orientações no que diz respeito à
291

necessidade de considerar a prática como componente


curricular – recomendando que também as outras áreas ou
disciplinas, e não apenas as pedagógicas, sejam contempladas
com uma dimensão prática - ele não diz nada ainda sobre os
procedimentos mais adequados a cada curso, tendo em vista
suas particularidades, quanto à efetiva operacionalização da
dimensão prática das diferentes disciplinas.
Sem dúvida, uma orientação de como inserir a prática
de ensino nos currículos, de modo que seja desmembrada do
estágio supervisionado, podemos vislumbrar no art. 13 das
diretrizes. Com efeito, nesse artigo, as diretrizes se referem a
uma “coordenação da dimensão prática”, cuja finalidade se-
ria “promover a articulação das diferentes práticas, numa pers-
pectiva interdisciplinar”. Além disso, o § 1º afirma que “A
prática será desenvolvida com ênfase nos procedimentos de
observação e reflexão, visando à atuação em situações
contextualizadas, com o registro dessas observações realiza-
das e a resolução de situações-problema”; já o § 2º comple-
menta, afirmando que “a presença da prática profissional na
formação do professor, que não prescinde da observação e
ação direta, poderá ser enriquecida com tecnologias da infor-
mação, incluídos o computador e o vídeo, narrativas orais e
escrita de professores, produções de alunos, situações simu-
ladoras e estudo de casos”.
Ora, se considerarmos, como bem esclarece o parecer
CNE/CP n. 9/2001, que as novas diretrizes trazem no seu bojo
uma proposta para superar a concepção dominante nos cursos
de formação de professores segundo a qual a dimensão prática
desses cursos se expressa ora sob uma visão aplicacionista das
teorias (conteudismo), ora sob uma visão ativista (pedagogismo)12
– em ambos os casos manifestando dissociação entre teoria e
prática - essas orientações do art. 13 das diretrizes devem ser
bem entendidas. Na verdade, uma leitura rápida e descuidada
das mesmas poderá nos fazer (ainda) recair na (antiga) concep-
ção restrita de prática, restrita ao uso (prático!) de novas tecnologias
e metodologias, entre outras coisas do gênero.
Esta é uma questão que parece merecer bastante aten-
ção, tendo em vista que do entendimento correto dela de-
pende, assim entendemos, o êxito da concepção emergente
12 de formação de professores como verdadeiros profissionais
Cf. Parecer CNE/CP
n. 9/2001, p. 20-22. da educação. Detenhamo-nos um pouco nela.
292

Sob o item “3.2.5 - Concepção restrita de prática” do


parecer CNE/CP n. 9/2001 lemos, depois das considerações
acerca do modelo a ser superado, que “a idéia a ser superada,
enfim, é a de que o estágio é o espaço reservado à prática,
enquanto na sala de aula se dá conta da teoria” (p. 23). Ora, se
o documento é claro quanto à idéia a ser superada, ele não
parece tão claro no que diz respeito a “como” superar esta
idéia, pois não é a mera diluição da mesma (concepção de)
prática, que antes era condensada no final dos cursos, ao lon-
go dos cursos, nas suas diversas disciplinas, que vai garantir a
articulação entre teoria e prática, recomendada pelas diretri-
zes. É certo que o documento (parecer n. 9) apresenta uma
definição desta nova concepção de prática:
Uma concepção de prática mais como componente
curricular implica vê-la como uma dimensão do co-
nhecimento que tanto está presente nos cursos de
formação nos momentos em que se trabalha na re-
flexão sobre a atividade profissional, como durante
o estágio, nos momentos em que se exercita a ativi-
dade profissional (p. 22).

Muito longe, considerando que a concepção dominan-


te nos cursos de formação de professores se caracteriza por
segmentar tais cursos em dois pólos isolados entre si (“um
que caracteriza o trabalho na sala de aula e o outro [que] ca-
racteriza as atividades do estágio”), o que denota, ao mesmo
tempo, “uma visão aplicacionista das teorias” e “uma visão
ativista da prática” (cf. parecer, p. 22), como impedir que os
“ativistas” simplesmente estendam a mesma concepção de
prática, predominante na concepção que se pretende superar,
a todo o currículo, reservando, por exemplo, ¼ da carga ho-
rária de disciplinas referenciais para a atividades práticas? Ali-
ás, parece que as diretrizes não deixam outra alternativa ao
estabelecerem 400 h/a de prática de ensino! Como superar a
concepção de prática que segmenta os cursos de formação
de professores nos pólos “trabalho em sala de aula” (geral-
mente considerado trabalho teórico) e “atividades de está-
gio” (entendido como “fazer pedagógico”) com critérios quan-
titativos, como o da distribuição de carga horária – de 400 h/
a? Na realidade, o fato de em uma disciplina de 60 h/a reser-
varmos 15 h/a para atividades de prática de ensino por si só
não significa uma superação da visão ativista da prática, pre-
293

dominante na concepção (ainda) dominante de formação de


professores. O mesmo se poderia dizer em relação àquilo que
o documento chama de “visão aplicacionista das teorias”, que
diz respeito à supervalorização dos conhecimentos teóricos,
acadêmicos, em detrimento das práticas como importante
fonte de conteúdos da formação. De fato, os profissionais
que trabalham com conhecimentos específicos em certa me-
dida consideram que já estão pondo em prática seus conheci-
mentos, e que estão contribuindo para a formação de seus
alunos da melhor forma possível (proporcionando-lhes o
domínio de conhecimentos da área em questão) para serem
bons profissionais.
De qualquer modo, pensamos que a mera leitura das
diretrizes e a simples adaptação curricular às mesmas não
garante um curso de formação de professores de qualidade.
Até porque as instituições de ensino superior, em geral, con-
tam com assessorias pedagógicas para orientarem as revisões
curriculares. Neste caso o ajuste formal das matrizes
curriculares pode ser realizado com relativa facilidade, mas a
compreensão da “filosofia” das novas diretrizes, que implica
o conhecimento de todo um contexto sócio-político-educa-
cional que subjaz às poucas páginas deste documento, nem
sempre é alcançada por todos os professores formadores. O
resultado disso, em alguns casos, é a mera adesão formal às
diretrizes propostas sem uma compreensão real da dimensão
material (política) das mesmas.
Mas, felizmente encontramos nas próprias diretrizes que
as orientações sobre a operacionalização da prática de ensino
não se esgotam nelas mesmas; antes, lemos que, tendo em
vista a especificidade de cada curso, estas orientações, princi-
palmente no que diz respeito ao desenvolvimento das com-
petências do futuro professor, devem ser buscadas (também)
nas diretrizes específicas para cada etapa e área do conheci-
mento. Ou seja, o entendimento da prática de ensino não
pode ser buscado única e exclusivamente nas diretrizes para
formação de professores, cujos princípios, fundamentos e
procedimentos recomendados para a organização curricular
dos cursos de licenciatura nos esclarecem muito pouco acer-
ca de como garantir efetivamente uma formação acadêmica e
profissional de qualidade para nossos futuros professores.
294

Prática de ensino como desenvolvimento de


competências e a formação de professores de Filosofia
As próprias diretrizes para a formação de professores,
que não contêm, em si, uma resposta conclusiva acerca da
operacionalização da prática de ensino, contêm, contudo, ori-
entações segundo as quais cada curso deve organizar seu cur-
rículo e elaborar seu projeto político pedagógico a partir da
sua especificidade própria. O art. 4º das diretrizes, por exem-
plo, reza que na concepção, no desenvolvimento e na
abrangência dos cursos de formação é fundamental que se
busque:
I - considerar o conjunto das competências necessárias
à atuação profissional;
II - adotar essas competências como norteadoras, tanto
da proposta pedagógica, em especial do currículo e
da avaliação, quanto da organização institucional e
da gestão da escola de formação.
Ora, onde buscar o conjunto das competências e habi-
lidades necessárias à formação/atuação do professor de Filo-
sofia, senão nas diretrizes curriculares para os cursos de gra-
duação em Filosofia? Trata-se, no caso da formação de pro-
fessores de Filosofia, de saber quais são as competências ne-
cessárias à sua atuação profissional, pois estas é que devem
ser norteadoras de toda proposta pedagógica do curso, tanto
quanto devem nortear a prática pedagógica dos formadores
dos futuros professores da área. Considero, pois, que as dire-
trizes para formação de professores devem ser, em certa me-
dida, contextualizadas à luz das diretrizes específicas para cada
área do saber – daí a responsabilidade e necessidade de com-
prometimento de todos os professores de cada curso de for-
mação de professores - no caso as diretrizes curriculares para
os cursos de graduação em Filosofia, cujas competências e
habilidades para o egresso são:
- capacitação para um modo especificamente filosófi-
co de formular e propor soluções a problemas, nos
diversos campos do conhecimento;
- capacidade de desenvolver uma consciência crítica sobre
conhecimento, razão e realidade sócio-histórico-política;
- capacidade para análise, interpretação e comentário
de textos teóricos, segundo os mais rigorosos proce-
dimentos da técnica hermenêutica;
295

- compreensão da importância das questões acerca do


sentido e da significação da própria existência e das
produções culturais;
- percepção da integração necessária entre a filosofia e
a produção científica, artística, bem como com o agir
pessoal e político;
- capacidade de relacionar o exercício da crítica filosófi-
ca com a promoção integral da cidadania e com o res-
peito à pessoa, dentro da tradição de defesa dos direi-
tos humanos;
- capacidade de leitura e compreensão de textos filo-
sóficos em língua estrangeira;
- competência na utilização da informática.
Mas, além das diretrizes para os cursos de graduação, a
definição da prática pedagógica do curso de formação de pro-
fessores de Filosofia também pode (e deve!) orientar-se pelos
parâmetros curriculares do ensino médio - campo preferen-
cial de atuação do futuro professor de Filosofia. De fato, eles
contêm, em última instância, orientações sobre o que o futu-
ro professor (de Filosofia) do ensino médio deve saber, e quais
competências ele deve ter. Por isso, tais parâmetros são docu-
mentos importantes a ser considerados na elaboração do pro-
jeto de prática de ensino, no sentido proposto pelas diretrizes
de formação de professores.
Nesta perspectiva nota-se ainda a relevância, para o curso
de Filosofia, das orientações complementares aos parâmetros
curriculares nacionais da Área de Ciências Humanas e suas
Tecnologias. Tais orientações complementares indicam o signi-
ficado das competências específicas da Filosofia para o ensino
médio, explicitando, inclusive, quais são as competências que
devem nortear a disciplina de Filosofia neste nível do ensino:
- ler textos filosóficos de modo significativo;
- ler, de modo filosófico, textos de diferentes estrutu-
ras e registros;
- elaborar por escrito o que foi apropriado de modo
reflexivo;
- debater, tomando uma posição, defendendo-a
argumentativamente e mudando de posição face a
argumentos mais consistentes;
- articular conhecimentos filosóficos e diferentes con-
teúdos e modos discursivos nas Ciências Naturais e
Humanas, nas Artes e em outras produções culturais;
296

- contextualizar conhecimentos filosóficos, tanto no plano


de sua origem específica, quanto em outros planos: o
pessoal-biográfico; o entorno sócio-político, histórico e
cultural; o horizonte da sociedade científico-tecnológica.
Nota-se aqui, ainda, sem uma análise comparativa minuci-
osa, que há consonância entre as competências explicitadas nas
diretrizes curriculares, para os cursos de graduação em filosofia,
e as competências expostas nas orientações complementares aos
parâmetros curriculares nacionais da Área de Ciências Humanas
e suas Tecnologias. Esta consonância dos referidos documentos
garante, pelo menos formalmente, a orientação contida no art.
3º das diretrizes para formação de professores de que se obser-
ve, na formação de professores (aqui especificamente de profes-
sores de Filosofia), a coerência entre a formação oferecida e a
prática esperada do futuro professor. Observa-se, contudo, que
a quase coincidência das competências exigidas tanto no ensino
médio quanto no superior, no que diz respeito às respectivas
diretrizes (guardadas aqui as diferenças dos diferentes níveis de
ensino) é, pelo menos no que diz respeito à formação de profes-
sores de Filosofia, apenas uma condição necessária e não, toda-
via, suficiente para que haja, de fato, coerência entre a formação
oferecida e a prática esperada do futuro professor.
A discussão da formação de professores de Filosofia mos-
tra-se particularmente difícil pela especificidade da Filosofia. Con-
forme Leopoldo e Silva, quando refletimos sobre “os problemas
que hoje se enfrenta no domínio do ensino da Filosofia” é preci-
so considerar o fenômeno do “enfraquecimento dos laços orgâ-
nicos entre Filosofia e cultura” (1993, p. 799). Com efeito, pode-
mos considerar que embora a Filosofia esteja de volta aos currí-
culos escolares, o que a princípio parece altamente favorável à
disseminação e valorização da Filosofia, é preciso reconhecer
“que a Filosofia se insere na cultura contemporânea e no currí-
culo escolar à contra corrente do tempo histórico”13 (Leopoldo
e Silva, 1993, p. 805). Todos já conhecemos as oscilações e reve- 13
ses que a Filosofia tem sofrido no ensino secundário (hoje mé- Apesar de o professor
Franklim ter feito esta
dio) e o pouco prestígio de que ela goza na própria universidade. afirmação há mais de
Segundo Leopoldo e Silva “as oscilações e os reveses que a Filo- dez anos, temos bons
motivos para
sofia como disciplina tem sofrido no ensino de segundo grau, a considerá-la, bem
posição em geral precária que ela ocupa na universidade apenas como suas demais
considerações sobre a
corroboram no nível institucional a aversão ao pensamento como Filosofia em geral e,
fenômeno cultural”. O professor chega inclusive a afirmar que em particular, sobre o
ensino da Filosofia,
“quase seria lícito dizer que a nossa época sobrevive graças à muito atuais.
297

incapacidade de pensar a si mesma”. O mesmo autor afirma


ainda que “nem é surpreendente a tentativa de adequação da
atividade filosófica a modelos de positividade científica, seja para
promovê-la, seja para marcar mais nitidamente a sua impossibi-
lidade” (idem, p. 805). Assim, pensamos que (mais) uma das
questões a serem enfrentadas na discussão sobre a formação de
professores de Filosofia é justamente ter clareza sobre o lugar
que a Filosofia ocupa hoje nos currículos, não só do ensino mé-
dio, mas também nos acadêmicos – tarefa árdua e complexa da
qual nós professores de Filosofia, formadores de outros profes-
sores de Filosofia, não podemos eximir-nos, sob pena de com
nossa prática contribuirmos (paradoxalmente!) com o aumento
da aversão ao pensamento como fenômeno cultural.

Bibliografia
CARVALHO, Anna Maria Pessoa de. Prática de ensino: os estágios
na formação do professor. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1987.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes
curriculares nacionais para a formação de professores da edu-
cação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de gra-
duação plena. Resolução CNE/CP n. 1, de 18 de fev. de 2002
(Diário Oficial da União, 4 de março de 2002. Seção 1, p. 8);
Resolução CNE/CP n. 2, de 19 de fev. de 2002 (Diário Oficial da
União, 4 de março de 2002. Seção 1, p. 9).
_____. Parecer CNE/CP n. 009/2001, aprovado em 8 de
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CUNHA, Maria Isabel da. O bom professor e sua prática. Campi-
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LEOPOLDO E SILVA, F. Currículo e formação: o ensino
da Filosofia. Síntese Nova Fase, v. 20, n. 63, 1993.
PICONEZ, Stela C. Bertholo (org.). A prática de ensino e o está-
gio supervisionado. 2. ed. Campinas: Papirus, 1994.
RIEDEL, Harald. Didática e prática de ensino: aspectos ideoló-
gicos, científicos e técnicos. Trad. Edwino Aloysius Royer.
São Paulo: EPU, 1981.
299

Reflexão sobre a formação de


professores: contribuições de uma
prática reflexiva e comunicativa
Maria Antonia Ramos de Azevedo1
Patrícia do Amaral Comarú2

Refletir sobre o processo educativo envolve, entre ou-


tras coisas, analisarmos a formação de professores, a prática
pedagógica e a ação reflexiva destes profissionais, tendo como
pano de fundo a discussão acerca da crescente dominação da
racionalidade instrumental de um poder cada vez maior so-
bre a sociedade ocidental capitalista.
Para estas reflexões, utilizaremos a teoria da ação co-
municativa que, por meio de Habermas (1980), busca a cria-
ção de ações participantes, independentes e autônomas dos
indivíduos sobre esta sociedade técnico-instrumental, pela
restauração da autonomia que instaura a ação comunicativa
pela busca do entendimento mútuo, num resgate do mundo
intra e interpessoal dos sujeitos envolvidos.
É interessante acrescentarmos que a superação da
1
racionalidade técnica passa pelo encaminhamento de ações e
Professora do Centro reflexões na formação, e atuação, do professor. Este, neces-
Universitário
Franciscano, mestre
sariamente, precisa sobrepor esta racionalidade, tão impreg-
em Educação. nada de técnicas, por uma racionalidade que o faça, por meio
da prática reflexiva, reconstruir sua identidade num resgate
2
Professora do Centro da própria experiência e do conhecimento científico.
Universitário
Franciscano, mestre
Torna-se necessário, portanto, conhecermos algumas idéi-
em Educação. as básicas de Habermas (1980) sobre o mundo sistêmico, fruto
300

da racionalidade instrumental, que domina o mundo da vida; o


papel das instituições sociais, que, criadas pelo homem, tor-
nam-se dominadas por elas e o papel da educação, neste mun-
do moderno de relações sociais, dialéticas e conflituosas.
Dessa forma, como fenômeno pertinente à sociedade,
a educação é instituída pela ação histórica dos homens de
determinada época, constituindo-se, assim, parte intrínseca
dessa mesma sociedade - fruto da criação histórica e, portan-
to, da criação humana.
Como criação histórica, a educação é uma instituição
que pode legitimar o já instituído socialmente, em nível indi-
vidual, ou questionar as instituições sociais existentes para
(re) instituí-las como legitimidade. As formas sociais existen-
tes nas diferentes sociedades e, entre elas, a educação como
conhecimento na sociedade ocidental moderna, são criações
históricas. O mundo sistêmico é o mundo do instituído, do
institucionalizado, com maior ou menor legitimidade; é o
mundo da reprodução material, e institucional, da sociedade.
Na perspectiva da interação, em Habermas (1980), lan-
çamos mão do conceito do mundo vivido e do mundo
sistêmico, porque permite explicar a evolução da sociedade,
no sentido da invasão da racionalidade técnico-instrumental
(característica da ação sobre objetos) na esfera pública. A
desobstrução dos canais comunicativos, característicos do
mundo vivido, possibilita superar a fragmentação dos sujei-
tos sociais, resgatando sua identidade.
Tais reflexões encontram amparo tanto na visão deste
ser humano integrado na esfera da individualidade vivida, na
subjetividade do mundo da vida, na sua cotidianidade - e na
esfera da coletividade a partir das próprias instituições, por
meio de indivíduos autônomos, de espaços políticos diversi-
ficados e democráticos em que predomina a interação
intersubjetiva, que busca o entendimento na esfera pública.
Sustenta, em vista disso, a necessidade de pensarmos o
processo educativo como sendo o espaço de construção da
autonomia individual e social, em se tratando da esfera de
contato da subjetividade do indivíduo com o mundo sistêmico
e a sociedade instituída. Portanto, nossa reflexão se apóia,
por um lado, sobre o caráter emancipatório da racionalidade
da vida, por meio dos canais de expressão do mundo, e pelo
outro, na racionalidade técnico-instrumental do mundo
301

sistêmico (colonização do mundo da vida - na terminologia


habermasiana).
Em contraponto a isso, a racionalidade comunicativa
de Habermas (1980) propõe mudanças significativas e quali-
tativas na maneira do indivíduo perceber-se enquanto ser, na
sua individualidade e na coletividade de si mesmo, nas dife-
rentes relações que estabelece, por meio da perspectiva de
emancipação e autonomia do indivíduo, resultante do pro-
cesso educativo alicerçado na perspectiva da cidadania.
A educação é um locus (um fenômeno social), na qual
são geradas e expressas significações de si, que a constituem e
a determinam como instituição.
Os homens, sendo parte/todo da sociedade, são tam-
bém o próprio gerador e produtor das instituições sociais.
São os homens que, na busca de instituir um conjunto de
significações às próprias criações sociais/históricas, vivem as
tensões provocadas pelo processo de legitimação.
Os homens instituem as diferentes instâncias sociais e
o fazem por meio de uma interação intersubjetiva, a partir do
entendimento humano, em que se estabelecem as regras, os
valores, as normas para o convívio em sociedade. Em vista
disso, Habermas (1980), por meio da teoria da ação comuni-
cativa, revê o conceito unidimensional da sociedade, expon-
do sua visão em mundo sistêmico e mundo da vida.
O mundo da vida é “um horizonte de sentidos não
tematizados, que abrange o pano de fundo contra o qual de-
terminados itens são apresentados em relevo [...] um acervo
de conhecimentos preexistentes transmitidos pela cultura e
pela linguagem” (Ingram, 1993, p. 154-155), ou como escla-
rece Freitag (1986, p. 61): “trata-se da perspectiva subjetiva
dos atores inseridos em situações concretas de vida.”
Esse mundo de relações interpessoais, locus de repre-
sentações que sustentam a vida cotidiana, é permeado pelo
sistema econômico-administrativo, processo esse denomina-
do por Habermas (1980) de racionalização do mundo da vida.
Nesse processo gradativo, a racionalidade técnico-instrumental
– característica do mundo sistêmico – vai permeando o espa-
ço intersubjetivo regido, originalmente, pela ação comunica-
tiva – o mundo da vida.
Deste modo, na sociedade moderna, a lógica sistêmica
(leis do mercado e tecnocracia) tem avançado sobre o mundo
302

da vida num processo de colonização, na terminologia


habermasiana, o qual ressalta a obstaculização dos canais em
que a ação comunicativa poderia tematizar os problemas re-
lativos ao bem comum (Habermas, 1980). Este mesmo pro-
cesso foi denominado por Max Weber como burocratização
da sociedade, com a conseqüente perda da liberdade dos ho-
mens, alienação para Luckacs, ou unidimensionalismo social
para Marcuse (apud Freitag, 1986, p. 62).
Para afirmar que o indivíduo age no mundo da vida –
que é a esfera da individualidade, da subjetividade, da privaci-
dade, do meio essencialmente profícuo para a racionalidade
comunicativa – cada vez mais influenciado pelo mundo
sistêmico – que é o da esfera da coletividade, da publicidade,
da objetividade, meio essencialmente dominado pela
racionalidade instrumental.
A ação técnica, fundada na racionalidade instrumen-
tal, passa a ser o marco sustentador e aglutinador das
explicações que se concentram nas instituições de
educação, de saúde família, etc. O mundo da vida é
invadido pelos subsistemas da ciência, da arte, do
direito, que com sua especificidade destroem a uni-
dade do saber tradicional, estabelecendo profundas
modificações nas formas de interação entre indiví-
duos (Tomazzetti, 1995, p. 25).

Diante desse quadro de dominação da razão instrumen-


tal, exercendo seu poder na sociedade ocidental capitalista,
voltada para um mundo objetivo, não é relevante a consciên-
cia de homens que vivem juntos e utilizam a linguagem, mas
apenas o comportamento que é observado e os fenômenos
experienciados. A teoria da ação comunicativa propõe a
interação entre sujeitos e busca potencializar a linguagem e o
entendimento como forma de construir o consenso.
Essa interação ocorre ao buscar a intersubjetividade, ao
provocar a problematização e o questionamento do mundo
da vida, visto que os indivíduos agem em busca do entendi-
mento.
A interação sujeito-sujeito é a possibilidade de cons-
truir o consenso. A busca do consenso como critério pressu-
põe um processo de aprendizagem cognitiva, cultural e mo-
ral, a ação participativa como direito e dever dos sujeitos va-
lidarem suas pretensões de racionalidade.
303

O consenso se constrói mediante ausência de coação


que, segundo Habermas (1980), é possível pelas argumenta-
ções em situações de fala, nas quais existem quatro expectati-
vas para a sua validação: se há simetria cognitiva entre os indi-
víduos (os conteúdos sejam compreensíveis); se os
interlocutores são verazes (afirmam o que acreditam); se os
conteúdos são verdadeiros e, por último, se o indivíduo ex-
pressa claramente seus interesses, suas pretensões de valida-
de (Freitag; Rouanet, 1993).
A busca de conhecimento mútuo perpassa a possibili-
dade de que os indivíduos, através das reflexões individuais e
coletivas – fruto das concessões, sejam capazes de falar e agir,
resgatando as diferentes racionalidades (cognitiva, cultural e
moral). Assim, a intersubjetividade, mediatizada pela lingua-
gem expressa pelo processo comunicativo, gera a possibilida-
de de os homens participarem com liberdade e autonomia da
sua realidade histórica, ao buscarem no consenso a inter-rela-
ção das diferentes razões. Nas interações entre sujeitos autô-
nomos existe a possibilidade de construção do consenso, que
se constrói como processo educativo na essência.

Os cursos de formação de professores e o dilema


entre o mundo sistêmico e o mundo da vida
A superação da racionalidade instrumental para a
racionalidade comunicativa, por meio da teoria da ação comuni-
cativa de Habermas (1980), supera o paradigma da auto-
consciência, do sujeito e do objeto, para o paradigma do enten-
dimento entre sujeitos capazes de falarem e agirem, priorizando
não só a relação que o sujeito estabelece com o objetivo para
conhecê-lo e dominá-lo, mas, principalmente, a própria relação
em si, havendo a valorização do processo histórico, junto ao fato
de se buscar o entendimento com outros sujeitos.
Assim, o mundo do sujeito mais o mundo, ao qual este
sujeito se reporta, promoverão inúmeras relações entre a his-
tória e a natureza, havendo a integração do mundo sistêmico,
retratado pela lógica formal/linear, com o mundo da vida da
lógica informal/não linear.
Em vista dessa “proposta” habermasiana de superação
da racionalidade técnica para a racionalidade comunicativa,
atrevemo-nos a estabelecer uma ponte com o aspecto da for-
mação de professores, por ser esta discussão imprescindível
304

para modificar a temática e a visão desses professores, no


cenário pedagógico brasileiro.
A atitude profissional atualmente é fruto da racionalidade
instrumental, que está estruturada para a solução de problemas
mediante a aplicação de técnicas. Os professores, fruto desta for-
mação, nos diferentes níveis escolares, desde a Educação Infantil
ao Ensino Superior, acabam reproduzindo este mesmo tipo de
pensamento e prática, não conseguindo enxergar o quanto a so-
ciedade acaba por institucionalizar sua função, não abrem assim
perspectiva para a construção de sua identidade e autonomia,
perdem a oportunidade de institucionalizar seu novo papel e pro-
fissão, tanto no resgate de sua prática pedagógica quanto no co-
nhecimento teórico, profundo da sua área e das ciências.
As contribuições de Habermas (1980) sobre a superação
do paradigma da racionalidade instrumental pelo paradigma da
racionalidade comunicativa contribuem significativamente para
o redimensionamento dos cursos de formação de professores,
pois muitos deles estão presos ao paradigma da racionalidade
instrumental, que se configura, ainda, na dicotomia da teoria e
da prática, na reprodução de conhecimentos e idéias dos ou-
tros, na estigmatização da disciplinaridade e no distanciamento
do mundo sistêmico com o mundo da vida. Isso se deve ao
fato, inclusive, de muitos formadores estarem atrelados a sua
formação inicial, pautada num modelo científico acrítico,
descontextualizado e desconectado do mundo da vida e de suas
interconexões com o mundo sistêmico.
A formação de professores tem, pois, uma função im-
portantíssima dentro dessa discussão, tendo em vista que a
construção da identidade do professor, o conhecimento teó-
rico-prático da sua intervenção com o aluno e o resgate a sua
prática profissional devem ser priorizados na superação do
paradigma da autoconsciência pelo do entendimento.
Essa discussão fica mais clara se tomarmos como
parâmetro as análises de Schön (1983), que prioriza, na for-
mação inicial e continuada do professor, o conhecimento-na-
ação, reflexão-na-ação e reflexão sobre a ação, que constitu-
em os três processos do movimento profissional reflexivo.
Assim, o professor, no conhecimento-na-ação, sabe fa-
zer. Na visão de Habermas (1980) seria o conhecimento téc-
nico, ou solução de problemas.
A reflexão-na-ação é o pensamento sobre o que faze-
mos, ao mesmo tempo em que atuamos. Na visão de
305

Habermas (1980), é na deliberação prática que o aspecto da


vida cotidiana é resgatado.
A reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação retrata
a análise que o indivíduo faz, a posteriori, sobre as característi-
cas e processos da sua própria ação. É o momento de reflexão
crítica do sujeito consigo mesmo, e com o outro, num resgate
dos aspectos intra e interpessoais, na busca do entendimento
do sujeito diante dos objetivos e do próprio sujeito. É o mo-
mento da utilização do conhecimento para descrever, analisar
e avaliar os processos encaminhados anteriormente.
O processo de reflexão, utilizado por Schön (1983), é
em espiral, por meio de estágios de apreciação, ação e
reapreciação. Segundo ele, os “práticos” interpretam e apre-
ciam suas experiências, por meio de um repertório de valo-
res, teorias e práticas, que eles trazem das experiências.
Schön (1983) chama esses repertórios de sistemas apre-
ciativos. Assim, durante e depois da ação, os professores
reinterpretam e reestruturam essas situações, modificando as
baseadas na própria experiência.
Fortalecendo está idéia, Gomez (1992) afirma que o
processo de reflexão sobre as práticas dos professores exige
uma análise consistente e permanente do trabalho docente
quanto ao enfrentamento de problemas complexos da vida
escolar; a resolução das diferentes situações incertas e des-
conhecidas; o próprio processo de elaboração do conheci-
mento e suas mudanças; a forma como experimentam hipó-
teses de trabalho e como utilizam diferentes estratégias e pro-
cedimentos para recriar o próprio trabalho docente.
Dessa forma, o resgate do mundo sistêmico, no mundo
da vida, é contemplado, haja vista a interação da racionalidade
que prima pelo conhecimento do como funcionam as coisas,
com a racionalidade que retrata a vida cotidiana em uma pos-
tura prática reflexiva.
Por isso, a visão do conhecimento que o profissional
deve ter, vai mais longe que a aplicabilidade de regras, fatos e
procedimentos pela investigação científica, porque nos três
processos do movimento do profissional reflexivo, ele não
fica preso à aplicação das técnicas, ou métodos, pois deve
aprender também a construir e a comparar novas estratégias
de ação, novas fórmulas de pesquisa, novas teorias e catego-
rias de compreensão, novos modos de enfrentar e definir os
problemas (Gomez, 1992).
306

É necessário nesse sentido que o professor tenha uma


atitude diferente sobre si mesmo, sobre o outro, sobre o co-
nhecimento, sobre o mundo sistêmico e o mundo da vida,
pois uma prática reflexiva é uma ação que envolve mais que
lógica e resolução de problemas racionais. Reflexão envolve
intuição, emoção e paixão. Ela não pode ser considerada uma
série de procedimentos, para os professores utilizarem.
Dewey, citado por Zeichner e Liston (1996), propõe a
integração de três atitudes, promovendo uma prática reflexi-
va: mentalidade aberta, responsabilidade e doação.
1) Mentalidade aberta é uma ação na qual o professor, na
sua prática, escuta mais de um lado da questão, dando oportu-
nidade para diferentes alternativas e encaminhamentos.
2) Responsabilidade envolve considerar, cuidadosamen-
te, as conseqüências das ações feitas. Professores responsá-
veis perguntam a si mesmos o porquê e o que eles estão fa-
zendo em determinados momentos, ouvindo se está funcio-
nando, ou não, em fazê-las.
Segundo Zeichner e Liston (1996), uma atitude respon-
sável no ensino envolve três tipos de conseqüências:
a) a atitude do professor influencia a concepção dos
alunos;
b) o trabalho do professor interfere no desenvolvimen-
to intelectual dos estudantes (conseqüências acadê-
micas);
c) os efeitos são projetados na vida dos alunos (conse-
qüências sociais e políticas).
3) Doação: professores que se doam, num verdadeiro
espírito de comprometimento e perseverança, examinam cons-
tantemente suas hipóteses e crenças, bem como o resultado
dessa na própria ação.
Possuindo estas três atitudes reflexivas, o professor reflexivo:
Ao pensar junto nesta nova abordagem, torna-se conhe-
cedor dos diferentes aspectos teórico-práticos da sua profissão
e pode, a partir disso, construir e reconstruir novos conheci-
mentos, em níveis cada vez mais interconectados e complexos.
Ao se deparar com o mundo sistêmico e o da vida, vá-
rios conhecimentos o levarão a repensar e a construir temas,
eixos, problemas e questões de um modo mais conjugado, no
qual não haja a soma de objetos e métodos, mas um processo
argumentativo que reconstrua os diversos saberes, sem des-
valorizar os limites das disciplinas.
307

Quanto mais a disciplina se aprofunda e evolui, mais


necessidade ela tem de desconstruir e reconstruir seus funda-
mentos. É por meio de uma ação problematizada e comuni-
cativa que os homens, em suas diferentes especificidades,
poderão, em consenso, desamarrar idéias, reconstruir novas
interpretações do mundo que ora necessitam ser percebidas
enquanto visão científica, ora como pertencentes ao mundo
da vida, numa época histórica determinada.
A construção da identidade do professor, quanto aos
alicerces que compõem sua autonomia, deverá perpassar a
constituição do indivíduo em sua interação com o “outro”,
na capacidade de reflexão e crítica.
Assim, o processo educativo, como fenômeno social, é
então entendido como o ponto que situa o indivíduo no mun-
do sistêmico; constitui-se como espaço de autonomia em re-
lação ao mundo instituído, ao questionar as regras e normas,
e enfatiza, na ação comunicativa, a potencialização do indiví-
duo histórico.
A partir da construção da autonomia – individual e so-
cial – é possível acreditar na possibilidade de um projeto de
educação do homem, a caminho da emancipação. A educa-
ção, como processo emancipatório, “alimenta” o próprio
homem na oxigenação da esfera pública, a partir da autono-
mia individual e social.
Esse é o entendimento de que a cidadania constituída
pelo processo educativo faz a mediação entre esses mundos,
restabelecendo a ação comunicativa em uma relação dialógica,
na esfera pública. Então, o professor, que se apropria da
racionalidade comunicativa, faz a ponte entre o mundo
sistêmico e o mundo da vida, pois, a partir do momento em
que é participante e envolvido no processo educativo, faz tal
mediação significativa.
A capacidade do professor em realizar essa tarefa é, in-
trinsecamente, ligada à construção e resgate de sua identida-
de profissional e pessoal, como forma de ser ele, também,
um homem autônomo individual e socialmente, na plenitude
da realização da ação comunicativa, na medida em que a cons-
trução de sua identidade vai se moldando e tomando forma,
ao interagir “com outro” e fundir um novo ser profissional e
pessoal nessa interação.
Acreditamos que os cursos de formação precisam,
impreterivelmente, instigarem e promoverem um ambiente
308

educativo, em que seja garantido o papel do processo reflexi-


vo na formação, que assegure a busca por uma qualificação
do ensino, focalizando os sujeitos envolvidos na realidade
sociohistórica da qual fazem parte.
É importante que o professor se perceba co-responsá-
vel pela sua formação e atuação, porque o processo de ensi-
nar e aprender deve percorrer toda a vida do profissional.
Essa concepção, de o professor perceber-se agente de
sua formação permanente e atuação consciente e reflexiva,
exige, segundo Zeichner e Liston (1996, p. 6):
a) examinar, organizar e solucionar problemas sobre o
seu fazer pedagógico diário;
b) conscientizar-se das questões, valores, crenças, pressupos-
tos que ele (a) possui no ato de ensinar e o quanto esses
componentes são responsáveis pelo seu “ser professor”;
c) participar e estar em estado de vigia dentro da insti-
tuição e contexto social no qual está envolvido;
d) estar realmente envolvido com as discussões e elabo-
rações no desenvolvimento do currículo, interagindo
com as mudanças que a escola deve passar;
e) responsabilizar-se com seu próprio desenvolvimen-
to profissional .
Urge, então, rever nos cursos de formação de professores: a
maneira pela qual os seus formadores, efetivamente, estão ajudan-
do a construir a identidade profissional, nos seus pares e nos seus
alunos; a maneira como disponibilizam o espaço de sala de aula,
como cenário para a verdadeira emancipação individual, coletiva,
social, cultural, histórica e educacional que, na interação, utiliza-se
da razão comunicativa para superar a alienação do próprio ser.
Diante da problemática exposta e, especificadamente, no
caso do curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano,
entendemos que mudanças paradigmáticas podem contribuir
qualitativamente para a real concepção de ensino, de aprendiza-
gem e de formação dos próprios professores formadores.
Essas mudanças acabariam por provocar discussões co-
letivas, por meio de um processo dialógico entre os professo-
res, exigindo um redimensionamento das atitudes assumidas
por parte de todos no interior do próprio curso diante do
conhecimento, das relações interpessoais, das inter-relações
entre a realidade vivida com a realidade sistêmica.
Dessa forma, a superação do paradigma da racionalidade
instrumental, para a racionalidade comunicativa, por meio da
309

dialogicidade, do conflito e das diferentes possibilidades de


mudanças permeariam o processo formativo dos professores.
Quem forma será formado; quem está sendo formado
vive o sentido amplo da aprendizagem, qual seja: ensinar,
aprender e aprender a aprender concomitantemente.
Assim, professores e acadêmicos enfrentariam o pro-
cesso formativo de outra forma, pois seria exigido deles mu-
danças procedimentais, sociais, atitudinais e cognitivas,
disponibilizando, a partir disso, o enfrentamento desta reali-
dade historicizada, por meio de um processo reflexivo das
práticas exercidas, enxergando-as como de fato elas são:
contextualizadas, problematizadoras, dolorosas, difíceis e, aci-
ma de tudo, reais e verdadeiras.

Bibliografia
FREITAG, Bárbara; ROUANET, Sérgio (orgs.). Habermas. 3.
ed. Coleção Grandes Cientistas Sociais – Sociologia. São Paulo:
Ática, 1993.
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Brasiliense, 1986.
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nais reflexivos. In: NÓVOA, António (org.). Os professores e a
sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
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think in action. São Francisco: Jossy-Bass, 1983.
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modernidade (ou pós-modernidade?). Santa Maria: UFSM, 1995.
ZEICHNER, Kenneth; LISTON, Daniel. Reflective teaching.
New Jersey: Lawrence Erlbaum, 1996.
311

Educação superior:
inquietações e perspectivas
Iraní Rupolo1

Neste texto, faz-se uma reflexão a partir da experiência


vivida em ambiente universitário. É uma visão sobre educação
superior a partir do Centro Universitário Franciscano de Santa
Maria e, nele, buscam-se traçar algumas pistas para que o devir
não se caracterize como uma ocorrência a ser cumprida, mas
como uma possibilidade a ser pensada e planejada.

Dimensão institucional
O Centro Universitário Franciscano de Santa Maria al-
cança seu cinqüentenário e sua maior atuação situa-se na se-
gunda metade do século XX, período de intensas mudanças
na sociedade brasileira.
A trajetória desses 50 anos, tendo-se em conta as cir-
cunstâncias históricas, resulta em uma experiência conside-
rável, porque cada realidade institucional é singular em seu
processo de proposta educativa, gestão, sustentabilidade e
necessária inovação, a fim de que possa corresponder aos
novos tempos da educação e da sociedade.
Se tomarmos como ponto de análise, comparativamen-
te, o tempo desde o início da colonização da América Latina,
meio milênio não poderá ser contado às instituições educacio-
1 nais deste país, uma vez que a escolaridade da população foi,
Reitora do Centro
Universitário rigorosamente controlada, com vistas à manutenção do domí-
Franciscano de Santa
Maria, mestre em
nio civilizatório, do qual carregamos as conseqüências, como a
Educação. fácil submissão, o pensamento educacional tímido e a depen-
312

dência econômica. De acordo com essa idéia, questionamos se


a contribuição brasileira para competir no mercado mundial
não é de boa qualidade? O desenvolvimento educacional no
Brasil, alicerçado no pensamento pedagógico, na organização
do sistema educacional e na existência de instituições educaci-
onais em quantidade suficiente, começou no século XX. As-
sim, não é expressivo o rol de instituições educacionais cente-
nárias, ainda que se pense em educação básica no Brasil.
A educação superior, construída com o empenho dos
educadores, produziu conhecimento, desenvolvimento inte-
lectual e valorizou a arte, as ciências e a afirmação dos valores
humanos da sociedade brasileira.
Se nos referirmos ao tempo em que surgiram as univer-
sidades na sociedade humana - uma distância milenar - en-
contrar-nos-emos em larga desvantagem histórica. Mas, ao
invés de investirmos nesse pensamento, preferimos, com
Fernando Pessoa, afirmar:
De minha aldeia vejo quanto da terra
Se pode ver no universo.
Por isso, a minha aldeia é tão grande
Como em outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho que vejo
E não do tamanho da minha altura
(Guardador de rebanhos)

Nesse contexto, não importa onde se localiza ou há


quanto tempo existe uma instituição. Importa se está onde
estão as pessoas, se está com elas e se sua presença qualifica a
vida humana e indica rumos para o amanhã. Fundamentada
no significado histórico já construído, ciente de que o desafio
se impõe aqui e agora, esta instituição é comprometida com a
qualificação social pelo valor do ensino que desenvolve e por
seu nível cultural e científico.

Mudanças: conflitos e desafios


No contexto da educação superior no Brasil, reconhe-
cida a diversidade de realidades regionais e de instituições de
educação superior, há questões amplamente debatidas e de-
safiadoras para as quais devemos buscar soluções conjuntas,
a partir do potencial das instituições.
Múltiplas funções estão sendo exigidas da universida-
de: funcionar como um meio de ascensão social, ser agente
313

de preparação de mão-de-obra e formar para a especialidade


profissional. Essas exigências estabelecidas de fora para den-
tro, reclamando posicionamento e soluções, geram conflitos
no seu interior e tensão na relação com a sociedade.
Surgem muitas dúvidas que põem à prova a coerência
institucional com relação às suas finalidades, manifestadas no
fortalecimento do interesse econômico e do mercado, do va-
lor ético e da promoção humana, ou ainda, da conjugação do
desenvolvimento econômico em favor da eqüidade social.
Essa complexidade interage, simultaneamente, na soci-
edade e interfere no pensamento e direcionamento da função
da universidade em sua razão de ser, em suas finalidades e em
seu posicionamento na investigação, no ensino e na relação
com a sociedade. As inquietações da atualidade que interfe-
rem na educação superior são a globalização, a rápida renova-
ção do conhecimento e o impacto das novas tecnologias no
ambiente universitário.
A mundialização suscita desafios e oportunidades. O
provento das oportunidades depende das condições de de-
senvolvimento do país. Nesse espaço, a educação superior
tem grande contribuição a dar.
As pessoas e as comunidades humanas deveriam con-
duzir-se para o encontro e o entendimento. Os povos sempre
foram migrantes e o encontro de povos e culturas não é um
fato novo. No entanto, sempre que alguns grupos humanos
alastram qualquer forma de domínio, alcançam o espaço e
invadem a área de outras culturas. Assim, ao invés do encon-
tro, estabelece-se o confronto, sobressaem-se as desigualda-
des e se impõe a supremacia de uns sobre os outros.
Toda forma de dominação e posse, seja intelectual, cul-
tural seja de outra materialidade, é perniciosa. A defesa da
globalização que tem por regra coletiva as leis de mercado
evidencia seu lado mais desastroso que ameaça e põe em ris-
co a vida humana e planetária.
Está em falta o saber que transcende as considerações
econômicas e incorpora as dimensões fundamentais da mo-
ral e da espiritualidade. Para que todos se beneficiem da
globalização, é necessário que o conhecimento avançado, as
novas tecnologias e os serviços de alta qualidade também se-
jam trans-fronteiras.
Uma reação colaborativa, nesse contexto, é superar a
idéia de desencanto pela globalização; reconhecer os aspec-
314

tos de evolução e de desenvolvimento, possibilitados em re-


lações de troca e de aprendizagem mútua dos grupos e na-
ções. É necessário afirmar o valor das diferenças, não das
desigualdades, para que o progresso de alguns não seja anco-
rado na subjugação de outros. Não podemos ser lugar co-
mum, mas devemos assumir a diferença e a especificidade
que compõem o plano global.
A multiplicidade de conhecimentos dos últimos anos criou
uma situação inusitada no compasso (ou descompasso?) da
realidade mundial. O novo saber foi soterrando verdades tradi-
cionais e, quanto mais se conhecem novas idéias, mais apare-
cem novos saberes que lançam luzes sobre novas questões,
produzindo revolução no conhecimento, na cultura e na
tecnologia. Descobertas científicas põem em xeque suas pró-
prias descobertas, quando o novo saber relativiza e refuta teses
consagradas. A rapidez da produção e da divulgação de conhe-
cimentos e a instantaneidade com que a informação circula
não nos garantem a utilização inteligente do conhecimento,
mas dificultam o discernimento diante da novidade e produ-
zem instabilidade existencial na sociedade contemporânea.
Nesse contexto, as instituições de educação superior estão
sob pressão de reformas. Para poderem lhes fazer frente e abri-
rem perspectivas de futuro, deverão constituir um lugar na hu-
manidade e na ciência constitutiva da cultura contemporânea.
Pela lucidez ética e sensibilidade humana, é preciso que
o conhecimento seja colocado a serviço das pessoas para que
desenvolvam suas capacidades de pensar, relacionar-se, lide-
rar, aplicar conhecimentos em situações novas e não familia-
res, lidar com imprevistos, intervir em favor dos valores uni-
versais, enfim, configurar o conhecimento com a prática so-
cial e aperfeiçoá-la pela renovação do conhecimento.
Pensar a sociedade do conhecimento é acreditar que a
humanidade passará da sociedade industrial para uma socie-
dade com alto valor educativo, desenvolvendo novas formas
de acesso e de produção do conhecimento. É acreditar igual-
mente que é possível, pela sensibilidade e pela ação, superar,
além da pobreza material, a pobreza monetária, de compe-
tência profissional, intelectual e ética.
A relação da instituição de educação superior com a socie-
dade do conhecimento, da informação, da comunicação e das
tecnologias, sempre em inovação, causa arrepios diante do com-
315

promisso educativo e de quem se antecipa à sociedade na cons-


trução do novo saber e na formação de autônomas.
De imediato, devemos associar o conhecimento não com
questões já apreendidas, mas especialmente, com o que deve
ser desconstruído, reconstruído e apreendido continuamente.
O uso das tecnologias, na vida e no trabalho, é um im-
perativo para o ensino superior na formação humana e pro-
fissional e interpela sobre o grau de inovação das tecnologias
em uma instituição universitária e sobre como essas tecnologias
são incorporadas ao fazer pedagógico. A partir dessas ques-
tões, temos um amplo espaço de atualização e apelo para um
avanço substancial. Do ponto de vista pedagógico, é necessá-
rio superar barreiras de preconceito e medo quanto ao uso
das tecnologias no ensino, inclusive, com a discussão de que a
tecnologia é, na verdade, ferramenta de contribuição à vida
humana e não elemento de competição ou substituição da
pessoa ou do professor.
As transformações científicas e tecnológicas do mundo
contemporâneo alteram totalmente as formas de conceber,
produzir e armazenar o conhecimento. O sistema universitário
deve estar em sintonia com os desafios científicos, tecnológicos
e educacionais da sociedade para enfrentar questões de sobera-
nia nacional, diversidade cultural e desenvolvimento sustentá-
vel, temas amplamente presentes e preocupantes em vista da
dignidade atual e do futuro da humanidade.

Compromisso e perspectivas
São plenas de saber as declarações e documentos da
Unesco para a educação superior. Singularmente a Declara-
ção Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI, em
seu preâmbulo, afirma:
A própria educação superior é confrontada, portanto,
com desafios consideráveis e tem de proceder à mais
radical mudança e renovação que porventura lhe te-
nha sido exigido empreender, para que nossa socieda-
de atualmente vivendo uma profunda crise de valores,
possa transcender as meras considerações econômi-
cas e incorporar as dimensões fundamentais da
moralidade e da espiritualidade (Anais, 1999, p. 18).

A evidência de que a sociedade contemporânea vive nova


era da evolução científica e tecnológica, seja nas descobertas
316

genéticas, da nanotecnologia, da robótica, seja nas espaciais,


afirma, ao mesmo tempo, o lugar indispensável da educação
como componente essencial à formação humana, bem como
o papel da educação superior em que se inclui a investigação
e o saber científico.
Um dos desafios que se apresenta para o Brasil, nesse
contexto, é ser auto-suficiente na geração do conhecimento.
Esse compromisso deve ser compartilhado pelas instituições
de educação superior.
Pensamos que, como instituição de ensino superior que
completa 50 anos de existência, a Unifra contribui com a for-
mação de profissionais qualificados e capacitados a atuarem
em favor do desenvolvimento do nosso país.
Conscientes de que o cenário mundial está em contínua
transformação, uma instituição tem sua razão de existir, em si
mesma, especialmente pelo compromisso da formação huma-
na, cultural e científica, até certo ponto, independente da reali-
dade externa. Nesse caso, referimo-nos aos fins institucionais,
à autonomia nos objetivos educativos e para preservação de
manipulações em relação a quaisquer outros interesses.
O compromisso de fazer chegar à população os frutos
do conhecimento gerados na instituição e a contribuição pe-
los valores acadêmicos de manutenção da cultura e do desen-
volvimento das ciências e da investigação devem também
preservar a instituição da função utilitária e imediatista de curto
prazo, da prestação de serviço como se o seu papel
extensionista fosse a ênfase essencial de seu existir.
Reafirmamos, assim, a missão desta instituição:
Desenvolver e difundir o conhecimento técnico-científico e a
cultura em suas múltiplas manifestações, distinguindo-se pela
excelência acadêmica na formação de profissionais íntegros e de
cidadãos comprometidos com o desenvolvimento humano e o
bem-estar social a partir dos princípios cristãos.
Coerente com a missão, a Unifra, como instituição de
educação superior, mantém-se no caminho do aprendizado.
Não há como saber, seguramente, o que ensinar hoje na for-
mação do profissional do futuro. Acreditamos no valor da
educação geral e da formação cultural diante da transitorie-
dade do conhecimento técnico. Diante disso, torna-se cada
vez mais importante oportunizar aos estudantes uma educa-
ção geral básica e formação cultural sólida, fundada em qua-
317

dros teóricos, analíticos e gerais, propiciar-lhes uma visão glo-


bal do mundo e das transformações, de modo a desenvolver
o espírito crítico, a capacidade de aprender e de construir
soluções em situações novas.
No cotidiano da instituição, abandonamos teorias do
passado e criamos teorias adequadas ao tempo atual. Condu-
zimos os projetos de ensino na perspectiva da educação per-
manente, do aprendizado no decorrer da vida toda. Temos
em conta os limites do valor do diploma e dos títulos univer-
sitários, atualmente questionados na comunidade universitá-
ria como também pelo mercado de trabalho.
Enfim, há novas formas de acesso ao conhecimento e uma
multiplicidade de saberes que podem complementar-se. Como
instituição de educação superior, convém zelar pelo desempe-
nho de sua função na sociedade e seguir ampliando a coopera-
ção para o desenvolvimento humano, a fim de que a comunida-
de universitária seja um lugar em que todos se respeitem mais,
todos se ajudem e se compreendam mais e, nela, se compartilhe,
mais atentamente, tudo o que acontece no mundo.

Bibliografia
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o
político na pós-modernidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
Créditos das Imagens

Imagem 1 - Notícia do jornal A Razão, de Santa Maria, do


dia 4 de abril de 1955.
Imagem 2 - Estudantes do Colégio Franciscano Sant’Anna,
anos 1950.
Imagem 3 - Estudantes da FIC, década de 1960.
Imagem 4 - Estudantes do curso de Letras Anglo-Germâ-
nicas, 1957.
Imagem 5 - “Os bichos” de 1958.
Imagem 6 - Formandos do curso de Pedagogia, 1959.
Imagem 7 - Da esquerda para a direita: José Mariano da
Rocha, irmã Consuelo, dom Antonio Reis (bis-
po diocesano), monsenhor Floriano Corde-
nunsi, 1965 - 10º aniversário da FIC.
Imagem 8 - Rainha do curso de Filosofia.
Imagem 9 - Colação de grau, 1958.
Imagem 10 - Estudantes do curso de História, 1966.
Imagem 11 - Turma do ano de 1962 no pátio da FIC.
Imagem 12 - Estudantes do curso de Geografia, 1966.
Imagem 13 - Formatura em 5/12/1968. A frente, irmã
Consuelo e monsenhor Floriano Cordenunsi.
Imagem 14 - Mário Guagliotto, vice-diretor da FIC, 1973.
Imagem 15 - General Cezar Montagna de Souza e irmã
Consuelo. Formatura em 1973.
Imagem 16 - Formatura do curso de Administração Esco-
lar, 1973. Na mesa, Vitor Schuch.
Imagem 17 - Professor Amaral Fontoura, curso de Dinâ-
mica da Aprendizagem, 1975.

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