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"A perversão mais grave da avaliação é avaliar conhecimentos que a escola não ensinou"
Perrenoud, que ficou conhecido no Brasil como o pensador dos ciclos de aprendizagem, é
professor e pesquisador das áreas de currículo escolar, práticas pedagógicas e
instituições de formação na Universidade de Genebra, onde se tornou um teórico
rigoroso. Seu trabalho tem contribuído não apenas para uma melhor compreensão do
que acontece na Escola, mas também para a mudança de seu funcionamento, na
tentativa de torná-la uma instituição cada vez menos injusta e desigual. O autor foi uma
referência para os novos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e do Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores, estabelecidos pelo MEC, nos anos 1990.
Por e-mail, Philippe Perrenoud nos concedeu essa entrevista sobre Avaliação Formativa e
as relações de poder entre professores, estudantes, pais e instituições.
Podemos discutir sobre as provas, pensar que são uma forma de avaliação pouco
confiável, que não levam em conta o aprendizado, que abrem amplo espaço ao
imprevisto, à “decoreba”, à trapaça, ou a habilidades que não têm relação com o que se
supõe ser o objeto de avaliação das provas: saber fingir conhecimentos, se auto-
promover, esquivar-se das perguntas difíceis, negociar a nota. Resta saber se a forma
pode viciar o conteúdo. A prova clássica é adequada mais para a avaliação de
conhecimentos e não de competências. O que é grave é que a forma de avaliação
tradicional permite privilegiar certos objetivos, mas deixa de lado outros aprendizados de
igual importância, porém mais difíceis de serem revelados por meio de uma prova do tipo
“papel-caneta”.
A avaliação escolar nunca é uma simples medição. Ela prepara decisões: reprovação,
passagem para a série seguinte, orientação, exclusão, certificação, regulamentação.
Essas decisões trazem conseqüências, modificam o futuro. Na medida em que elas se
referem a uma avaliação, esta última se torna uma aposta, objeto de estratégias e de
compromissos. A avaliação é uma relação social entre aluno e professor. Freqüentemente,
os pais são envolvidos nesse processo, assim como outros alunos, outros professores, a
administração. Na escola, a negociação é menos organizada e somente os que têm
lastro, liderança e os códigos sociais da negociação têm chances. Dito de uma outra
maneira, os pais e os estudantes que pertencem às classes privilegiadas têm mais
chances nesse processo. O problema não está na negociação da avaliação e de suas
conseqüências, mas na opacidade dos processos e na desigualdade social em face da
negociação.
Como o senhor destaca em seu trabalho, uma avaliação formativa incita à
diferenciação. Conhecendo o sistema brasileiro de ensino e tendo como
perspectiva uma regulação da aprendizagem para a valorização das
competências, como lidar com as diferenças, as desigualdades individuais ou
coletivas, especialmente em nossa rede pública de ensino fundamental e médio
no Brasil?
Resta ainda dizer que nenhuma pedagogia diferenciada digna desse nome é possível em
condições de trabalho desastrosas: classes superlotadas, professores mal preparados,
mal pagos, pouco reconhecidos, gestão pouco dinâmica dos estabelecimentos de ensino
etc. É por isso que a pedagogia diferenciada deve ser a expressão de uma política de
educação no patamar do Estado. No mais, não se pode exigir que a pedagogia lute por
ela mesma contra a pobreza e as desigualdades econômicas e culturais.
Essas hierarquias não são nem arbitrárias nem artificiais. Em todas as sociedades,
mesmo sem escola, existem hierarquias de excelência, existem classificações em todos
os domínios importantes onde a extensão dos conhecimentos ou das competências faz
diferença. Não se pode valorizar uma forma de excelência e não classificar os indivíduos
em função de seu distanciamento a essa norma. É assim na arte, no esporte, no jogo, no
trabalho, nas relações humanas. A escola não pode fugir da excelência e da comparação,
e conseqüentemente das classificações. Os alunos as reintroduzem enquanto os
professores tentam suprimi-las. O problema vai além: não reduzir os seres humanos à sua
posição nas hierarquias de excelência escolar e não congelá-los na posição que
ocupavam ao concluírem a educação fundamental.
Como a escola pode inspirar a confiança dos alunos para revelar competências
sem que a constatação do fracasso de uns ou do sucesso de outros seja um
impedimento para a cooperação entre todos?
Como a busca pela excelência, a busca por poder faz parte da vida social em todas as
épocas e em todas as sociedades. A escola deveria ensinar a reconhecer e a gerir esta
dimensão da existência, a conceitualizá-la e a encará-la frente aos processos de
influência. Se existe manipulação e usos perversos do poder, é porque o conhecimento
dos mecanismos de poder é muito mal disseminado. Algumas pessoas não têm nenhum
mecanismo de defesa, são incapazes de reconhecer e de denunciar uma manipulação,
uma sedução perversa, uma chantagem afetiva, uma autoridade sádica, a busca por um
bode expiatório. Não é estranho que professores e estudantes tentem influenciar os
outros de acordo com seus interesses. Podemos reivindicar deles uma ética do poder,
mas a regulamentação mais interessante é garantir a todos uma “educação para o
poder”, terrivelmente ausente na educação fundamental. Talvez fosse necessário colocá-
la no centro de uma educação para a cidadania.
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