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segunda-feira, 5 de Dezembro de 2005

O Jornal das Boas Notícias tem hoje um número


especial. Especial porque não obedece, em absoluto
Se Deus não existisse, não haveria ateus rigor, à sua intenção inicial – dar conta de notícias
O Jornal das Boas Notícias
Chesterton (1874-1936) que por serem boas não são notícia. É especial,
também, porque é quase inteiramente dedicado ao
Ministério da Educação mandou retirar crucifixos das escolas..........................1 reflexo na comunicação social da directiva do
O sinal da cruz..................................................................................................................2 Ministério da Educação que lembrava às escolas
Os inimigos da liberdade...............................................................................................2
O tabu do Além...............................................................................................................3 infractoras o cumprimento da Constituição.
Crucifixo haja coerência.................................................................................................3 Porém, é uma boa notícia perceber uma reacção tão
Intolerância socialista......................................................................................................5 numerosa perante a insensatez da medida e a
Liberdade e religião .........................................................................................................5 pretensão de fazer deste caso, um caso polémico.
Deus não é suficientemente grande para alguns .....................................................6 É também uma boa notícia porque nos desperta,
Perseguidos por um crucifixo.......................................................................................8
Crucifixos e Liberdade...................................................................................................8 neste tempo do Advento, para aquele “indesmentível
A Cruz e o trapézio.........................................................................................................9 facto histórico”(Manuela Ferreira Leite, p.5) que
Crianças e mulheres primeiro.....................................................................................11 dois mil anos depois continua tão intensamente
O laicismo e a República.............................................................................................12 presente. Presente a ponto de nos mudar, de dar
Querem mandar os Padres para a prisão?...............................................................13 sentido e gosto à vida que vivemos e não apenas de
Verdade Condenada......................................................................................................14
nos ajudar a lidar com a morte (Umberto Eco, pg. 8)
Políticas acidentais.........................................................................................................17
Que este tempo de espera por Quem temos a certeza
de que já está presente seja um tempo cheio de
significado.
Ministério da Educação mandou retirar O crucifixo é sinal de contradição.
crucifixos das escolas Se calhar, por isso mesmo, uma atitude insensata,
26.11.2005 - 19h37 PUBLICO.PT manifestações de intolerância e uma polémica criada
O Ministério da Educação mandou retirar o acabam por ser uma Boa Notícia, porque nos
crucifixo, enquanto símbolo religioso, das remetem para a certeza da presença d’Aquele que
morreu crucificado
escolas, numa directiva de Abril. Desde Maio já
Pedro Aguiar Pinto
foi enviado uma dezena de ofícios para a região
Norte, noticia hoje o “Diário de Notícias”.
A directora regional da Educação do Norte, Estado, ela é comunitária. E todos os aspectos
Margarida Elisa Moreira, citada pelo jornal, disse culturais de uma escola têm muito a ver com a
que “os ofícios invocam a lei e a Constituição e comunidade que a envolve. Antes de ser tomada
constituem uma ordem”. uma decisão nesse sentido deve debater-se o
A orientação do ministério não se terá assunto com os alunos, os pais e a própria
consubstanciado numa circular para todas as comunidade".
escolas mas apenas para aquelas onde foi Na sequência de uma queixa da Associação
detectada uma situação específica. República e Laicidade, o Governo sublinhou que
Em Abril, a Associação República e Laicidade uma eventual retirada de símbolos religiosos de
(RL) denunciou ao ministério cerca de 20 casos de escolas públicas só se efectivará no seguimento de
crucifixos nas salas de aula e pediu a sua retirada, queixas, que serão depois estudadas pelas
de acordo com a Constituição e a Lei de autoridades competentes, numa lógica de caso a
Liberdade Religiosa. Como consequência, o caso.
ministério pediu um levantamento às direcções Para Ribeiro e Castro, "o Estado presta
regionais. supletivamente uma função que pertence às
Segundo a TSF, a Comissão da Liberdade famílias, a de educar. E responde às necessidades
Religiosa disse hoje que o Governo devia ter delas". Defendeu ainda um "entendimento de
consultado a Igreja sobre a medida. escola pública como instituição comunitária e
CDS/PP não estatista, projectando uma ideologia ou uma
Ribeiro e Castro diz que escolas devem ouvir não ideologia".
comunidade antes de retirar crucifixos O líder do CDS/PP falava após o encerramento
26.11.2005 - 21h00 Lusa de um congresso distrital do Porto da Juventude
O líder do CDS/PP, Ribeiro e Castro, defendeu Popular, em Penafiel, onde considerou que "se
hoje que cada escola deve ouvir alunos, pais e não fosse o 25 de Novembro, o 25 de Abril não
comunidade envolvente antes de retirar os seria hoje um dia de liberdade mas sim de
crucifixos das suas paredes. totalitarismo".
"Não considero que uma escola pública seja do Francisco Louçã diz que crucifixos deviam ter
saído das escolas em 1974 intriga, mas vários responsáveis afirmam que isso
O candidato presidencial Francisco Louçã é uma exigência da lei que garante a laicidade do
afirmou hoje, no Porto, que a retirada de Estado.
crucifixos das escolas públicas portuguesas "devia "Não se trata de nenhuma ofensiva contra os
ter acontecido na tarde de 25 de Abril de 1974 ou, católicos", afirmam, mas simples "respeito pela
quando muito, no dia em que a constituição foi diferença". De facto, não se trata de uma ofensiva
aprovada". contra os católicos, mas contra a liberdade de
"Somos um Estado laico, não confessional. No pensamento e expressão.
ensino público português é tão surpreendente que A laicidade do Estado é um dos valores mais
haja um crucifixo como um símbolo islâmico", importantes da democracia. Numa sociedade
disse o candidato presidencial. aberta e pluralista, a neutralidade pública perante
"Um Estado com uma Igreja dentro de si próprio as religiões e culturas constitui um pilar central
é uma nova parceria Salazar/Cardeal Cerejeira", da vida comunitária.
acrescentou Francisco Louçã, que falava numa Ultimamente revelou-se mesmo vital e decisiva,
acção de rua da sua candidatura na Baixa do em tantos tristes exemplos mundiais.
Porto. A falta de liberdade religiosa tem gerado a perda
da liberdade e até da vida.
O sinal da cruz Laicidade, porém, nada tem a ver com laicismo.
Octávio Ribeiro
In: Correio da Manhã, 051128 A primeira afirma a imparcialidade pública
Duas semanas depois de meio milhão de pessoas perante as religiões. O segundo, pelo contrário,
ter desfilado à chuva por Lisboa na consagração constitui uma posição religiosa específica.
da cidade à Virgem, torna-se público que o Nunca se deve esquecer que, dada a
Governo oficiou escolas do Estado para que impossibilidade lógica de demonstrar a
retirem os crucifixos das paredes. inexistência de Deus, o ateísmo é apenas a crença
É uma medida míope que atinge especialmente o de que Deus não existe.
Norte. O Estado é laico, republicano, e mantém A recusa da divindade é uma fé, tal como o negro
laivos socialistas. Porém, na mesma Constituição está na pintura e a pausa faz parte da música.
que serve de pretexto para estas decisões Aliás, constitui uma seita das mais pequenas, que,
carbonárias pode ler-se que cabe ao Estado por isso mesmo, costuma ser extremista e
“proteger e valorizar o património cultural do fanática.
povo português”. O Estado laico deve assumir uma posição neutra
É de cultura que se trata quando a nossa matriz perante as religiões, tal como deve assumir uma
cristã ainda é lembrada nas paredes de escolas do posição neutra perante as candidaturas
1.º Ciclo, no Centro e Norte do País. Agora, presidenciais.
uma pobre cruz na parede pode ser reclamada – Mas essa atitude não implica que deva proibir a
falta saber quais os requisitos para a legitimidade entrada dos candidatos na escola pública ou, mais
da queixa – como violadora do princípio da tonto ainda, que tenha de dizer que o Presidente
laicidade do Estado e da liberdade de culto. É da República não existe. O mesmo se passa na fé.
ridículo! Mas, principalmente, é perigoso. Para Laicidade não é recusa de Deus e ausência de
quê afrontar os sentimentos profundos de religião, mas liberdade de religião.
larguíssima maioria? Para quê dar azo a uma Deus está na escola, tal como a cultura está na
guerra artificial quando, na acção governativa, escola, a política, a arte, o futebol e a amizade
tantas outras, e tão justas, estão em curso? estão na escola.
Cada vez mais, o papel do Estado deve ser o de O que os poderes públicos devem garantir é a
não poluir com regras imperativas as áreas onde, autonomia para cada escola fazer o que os seus
de forma harmoniosa, as comunidades se auto- professores, pais e alunos decidam. É isso a
regulam. neutralidade.
Octávio Ribeiro, Director -Adjunto O facto de a escola ser pública apenas indica que é
paga pelos impostos de todos.
Os inimigos da liberdade
João César das Neves
Como os contribuintes são, na sua esmagadora
In: DN051205 maioria, cristãos, tal como os professores e
As pequenas coisas revelam mais que as grandes. alunos, é normal que haja crucifixos nas salas de
Os jornais estão a tentar criar uma zanga à volta aulas.
da retirada dos crucifixos das escolas públicas. Mas também pode ser normal, se a escola quiser,
Não interessam os contornos concretos da
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que ele esteja ausente ou seja substituído por lugares e gestos comuns. Sempre a morte e a sua
outros símbolos adequados à comunidade escolar. ausência exploradas pelo negócio, pelo poder
Sobretudo, não são activistas ou burocratas a político, económico e religioso, sem esquecer a
centenas de quilómetros que têm o direito de máfia que joga com ela como joga com a vida. A
definir a decoração das paredes, em vez dos morte como objecto simplesmente pragmático.
alunos, famílias, professores e funcionários. Mas também algum azedume, numa espécie de
Acaba de ser publicada pela Gradiva uma coração seco, amargurado, vedando qualquer
excelente reflexão sobre este problema, no livro passagem ao além. O máximo que se permite a
Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade, Deus é que seja escrito com minúscula ou que
de Isaiah Berlin. As conferências que o escape nalguma expressão incontida. A orquestra
constituem têm mais de 50 anos e tratam de do mundo – com o violoncelo incluído – não tem
teorias com mais de 200. Mas é incrível que ainda conserto. Não passa duma montanha de acasos
hoje, em nome da liberdade, alguns pretendem onde impera mais a fatalidade das sequências
impor a sua opinião particular a todos. Esta energéticas – porventura cegas – que um acto de
terrível armadilha, de que Berlin é um dos inteligência doce e humano com um projecto
maiores opositores, esteve na base dos grandes sobre a vida.
desastres do século passado. Mas permanece bem Ficam longe as grandes questões da vida e da
viva, como se vê. morte. Mas a narrativa dos factos menores e
Num país livre pode ser-se ateu ou religioso. Mas, soltos, conduz à suspeita de que nem vale cansar a
em nome da liberdade, os laicistas arrogam-se o cabeça com tais questões.
direito de obrigar as escolas a seguir os seus Qualquer autor tem direito a ir onde as letras o
gostos e irritações pessoais. levam. Mas nestas Intermitências, dói percorrer
Um pequeno grupo arma-se em juiz de todos os um país como o nosso e lá só encontrar becos.
cultos, só porque não segue nenhum e os Com medo de existir.
considera horríveis a todos. Como odeia a Não sei se aqui se inscreve (na expressão densa de
religião diz-se neutro perante ela. Equivale a José Gil), o ofício que mandou retirar os
afirmar que os bons árbitros são os que crucifixos das escolas. A seguir deverá sugerir-se a
abominem o futebol ou que só vegetarianos demolição do Mosteiros dos Jerónimos ou
sabem gerir um talho. Como é possível tal tolice Alcobaça, a Igreja de São Roque... e milhares de
manter tanta credibilidade intelectual e política?! símbolos patrimoniais cristãos que estão patentes
Os crucifixos na sala de aula são apenas um no nosso país. Ficaria, para memória, sei lá, a
pequeno detalhe. Mas um detalhe revelador de Casa dos Bicos a que seria melhor chamar Casa
uma luta crucial da Humanidade, a luta em prol dos Becos. Bastaria, para isso, um ligeiro retoque
da liberdade. na Constituição.
O Ministério da Educação, em vez do esforço
baldado para tirar Deus das escolas, devia antes Crucifixo haja coerência
procurar pôr algum bom senso nelas. António Bagão Félix
In: DN051204
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
1. Há crucifixos (ou simples cruzes) em algumas
O tabu do Além escolas públicas!
António Rego Há que limpar as escolas dos perturbadores
In: Ecclesia, 051205
crucifixos, clama uma obscura associação e, por
Há livros que leio por dever, desde que a leitura
reflexo, emite uma circular o Ministério da
não constitua um pesadelo de paciência. Não é o
Educação!
caso de Saramago. Leio por dever mas gosto da
O país acorda, estremunhado, com tal anúncio
sua escrita, ainda que revele uma concepção do
revelador de "atraso" e de "antimodernidade", em
mundo e da vida estruturalmente oposta à minha.
pleno século XXI! Perante este dito problema,
Das Intermitências da Morte, direi que se trata de
que importa tudo o resto neste Portugal feliz e
um singular Adagio duma encantatória peça
encantado!
musical. A história decorre num país bem
Ora aí está o mais decisivo problema da escola em
semelhante ao nosso, onde a morte suspende a
Portugal a cruz! O resto é adjectivo. A reforma
sua espada, a retoma e, por fim, se engana e
educativa prossegue. Outros símbolos e outras
demite por vulgares razões de alcofa. Uma
manifestações da dita modernidade até podem ser
viagem fantástica, inteligente, íntima, com o
subsidiados. E os pais vão dormir descansados:
leitor pela mão a ser envolto pela ironia,
vai deixar de haver crucifixos em algumas
sarcasmo, surpresa, magnitude das palavras nos

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escolas… a ver algumas desastrosas consequências?
2. É recorrente nestas alturas falar-se da separação - Porque há feriados dias santos neste Estado tão
compulsiva entre o Estado e a Igreja. laico? Não serão inconstitucionais? Por que razão
A receita para tal intervenção é a habitual o o Estado colabora na celebração da paixão e
Estado é constitucionalmente laico. No sentido morte do Senhor, da sua Ascensão, ou da
cru e árido da interpretação jurídica até pode ser Assunção de Nossa Senhora? E sendo dias santos,
que possam esgrimir com esta razão estritamente porque se dispensam de trabalhar nesses dias os
formal e legalista. Porém, a esta nova investida de ateus e agnósticos que não querem crucifixos nas
raiz jacobina subjazem várias falácias. escolas?
A primeira é a de que a neutralidade religiosa - Porque não são proibidos presépios e árvores de
torna obrigatório um Estado que transforma a Natal em locais ou estabelecimentos públicos
laicidade pura e dura numa nova forma de para não ferirem a laicidade do todo-poderoso
religião. Como há poucos anos a Conferência Estado? Ou será que um crucifixo é mais
Episcopal Portuguesa reafirmou em Carta "perigoso" que a representação simbólica do
Pastoral, a louvável e imperativa neutralidade nascimento de Cristo?
religiosa do Estado não pode, porém, transformar - Por que razões se vêem autoridades públicas,
este num Estado anti- -religião, um Estado desde o Presidente da República ao mais modesto
confessional de sinal contrário. Um Estado laico, autarca, a participar nessa qualidade em
não confessional não é necessariamente um manifestações da Igreja?
Estado ateu que faz da laicidade uma espécie de - Porque continua o Estado a pavonear-se em
nova religião do Estado. cerimónias religiosas como casamentos e funerais
A segunda é a confusão propositada e enviesada e outras manifestações?
entre Estado e sociedade, no sentido de que a - Porque não acabam com o "serviço público" da
laicidade do Estado tem que implicar a laicidade transmissão dominical da missa na TV do Estado?
da sociedade. - Por que razão alguns intolerantes para com a
A separabilidade entre Estado e religião Igreja a utilizam em proveito próprio quando isso
(curiosamente uma ideia que só se concretizou lhes convém nas transacções eleitorais ou
com o cristianismo) não tem que significar populares?
necessariamente neutralidade obsessiva, seja por - Porque não proíbem atletas e jogadores das
hostilidade activa, omissão, indiferença, selecções de Portugal de fazerem o sinal da cruz
abstenção, ignorância, desrespeito ou ou de se persignarem pública e abertamente nos
desconhecimento dos fenómenos religiosos. seus jogos ou actividades?
A liberdade religiosa não se limita ao plano do - Porque não acabam com esses cartões de boas-
direito individual na esfera privada intimista, festas natalícias que os ministros, secretários de
introspectiva. Exprime-se também como direito Estado, directores-gerais e tantos responsáveis do
social, colectivo, comunitário. É uma liberdade Estado gastam com o dinheiro dos contribuintes?
de consciência individual, em primeiro lugar, sem - Porque não erradicam das escolas, hospitais,
deixar também de corporizar uma liberdade museus e outros locais públicos todos os
colectiva de expressão, de comunicação, de resquícios de cristianismo ou religiões, desde as
associação, de reunião. Uma liberdade, porém, chagas de Cristo na Bandeira Nacional até à
que nada impõe aos que não professam a mesma audição de oratórias, requiem, magnificat e outras
fé. músicas sacras?
3. Perante esta determinação de pragmatismo - Porque não mandam fazer uma auditoria a
secular do Ministério da Educação, e a título de todos os espaços públicos para retirar todas as
exemplo, pergunto às autoridades políticas e seus manifestações artísticas, designadamente de
úteis (e às vezes bem subsidiados) satélites laicistas pintura, alusivas a Cristo?
da sociedade - Porque são estes arautos do pragmatismo secular
- Sendo a escola não apenas betão armado, mas e da denúncia de qualquer sinal religioso no
sobretudo pessoas, professores, alunos e Estado os primeiros a meter-se na vida intra-
funcionários, para quando a proibição de os que eclesial, opinando com "autoridade" sobre o
são fiéis poderem levar crucifixos ao pescoço ou celibato do clero, a não dissolução do
outros símbolos da sua fé, ainda que de outra matrimónio religioso, o acesso das mulheres à
religião? Quererão enveredar pelo caminho do ordenação, etc.?
jacobinismo republicano francês de que já se estão 4. Por aqui me fico. A tolerância não se decreta

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ou despacha. Exercita-se no respeito pela reais e não meras fantasias não seria possível,
diferença e por essa realidade fundamental, às neste preciso momento, o Governo preocupar-se
vezes tão desprezada, que se chama família A e abrir uma polémica com a questão dos
intolerância, por seu lado, é uma prova de falta de crucifixos nas escolas. Além de me ter enganado
inteligência e de cegueira. E a demonstração de sobre aquilo que julgava ser as preocupações dos
que a história e a tradição são desprezíveis para portugueses, direi mesmo que tenho andado
certas mentes, tal o ódio que destilam perante a muito distraída porque não tinha reparado que
Igreja. este facto era fonte de mal-estar na sociedade em
Sei que está na moda este tipo de actuação. E que, geral e na escola em particular. Não reflectirei
para proteger as minorias, nada melhor que sobre a matéria religiosa que é evidentemente do
desprezar as maiorias! foro pessoal. Apenas afirmo a minha
Mas como católicos, não é tanto de tolerância que perplexidade com a ausência de senso que este
temos necessidade, mas de respeito. E como facto demonstra.
afirmava Jean Guitton, "pretender que se é São vários os comentários que têm surgido sobre
neutro, que todas as opiniões são verdadeiras, é este assunto. Uns filosóficos, outros com receios
pressupor que todas falsas. Eis o cepticismo a de resquícios do passado, poucos sobre a
cada um a sua verdade e todos estarão importância dos símbolos em sociedades
tranquilos". materialistas e nenhuns sobre a gratuitidade da
decisão. Os crucifixos nas escolas agrediam muito
Intolerância socialista poucos porque cada um é livre de lhe atribuir o
Manuela Ferreira Leite
In: Expresso, 051203 significado que entender àquele indesmentível
PELOS inquéritos de opinião que facto histórico. Retirá-los, agride muitos. É uma
periodicamente são divulgados, estava convencida provocação, cujos intuitos imagino quais são.
que as grandes questões que afligiam os Por isso, não reajo.
portugueses se relacionavam com o desemprego, Apenas registo.
com o sistema de saúde, com a garantia futura das
reformas, com o funcionamento do sistema Liberdade e religião
João Carlos Espada
judicial, com o nível de vida. Pelas notícias que In: Expresso, 051203

no dia-a-dia vamos acompanhando, também me Gesto gratuito Parece que, na semana passada,
parecia que o grande problema do nosso sistema terá chegado às escolas estatais uma ordem do
educativo não era a falta de recursos, mas a Ministério da Educação para remover os
ausência de resultados aceitáveis. Na verdade, é crucifixos das salas de aula.
um sistema que mantém uma enorme taxa de Não deixa de ser curioso que, pela mesma altura
abandono escolar, um baixíssimo nível de em que este gesto gratuito era noticiado, o tema
aproveitamento e uma visível desadaptação entre da religião e da liberdade tenha ocupado vários
os conhecimentos adquiridos e as exigências do jornais estrangeiros, designadamente ingleses.
mercado de trabalho. Uma breve incursão pode ser sugestiva.
Além disto, achava ainda que o desprestígio da Umberto Eco No «Sunday Telegraph» de
classe política era um dado adquirido entre os domingo último, Umberto Eco publicou um
cidadãos e que, por esse motivo, a defesa da artigo sobre religião. Explica que foi educado
democracia devia exigir dos protagonistas como católico e que depois abandonou a Igreja.
políticos um esforço de seriedade, de coerência e Mas que, neste Natal, voltará a fazer o Presépio
de respeito pela inteligência dos eleitores que de com o seu neto, tal como o seu avô fazia com ele.
alguma forma ajudasse a dignificar uma função Explica que tem o maior respeito pelas tradições
que muitos, demasiados, passaram a encarar cristãs e que vê nelas fonte de sabedoria e
como «menor», por vezes mesmo inútil. moderação. Em contrapartida, vê com crescente
Também tinha dado conta que muitas das preocupação o ataque ao cristianismo em nome
medidas tomadas recentemente por este do laicismo. E diz que esse ataque cria um vazio
Governo, ou porque erradamente priorizadas, ou em que o cristianismo tende a ser substituído pela
porque mal explicadas, têm originado uma superstição e o paganismo. Não resisto a citar esta
crispação traduzida em movimentos sociais em passagem:
série e que eu pensaria que preocupava os «Como filho do Iluminismo e crente nos valores
responsáveis. Afinal estava enganada. iluministas da verdade, do inquérito aberto e da
Na verdade, se as questões que enumerei fossem liberdade, fico deprimido com aquela tendência.

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Isto não se deve apenas à associação passada entre Dirigindo-se ao Sínodo da Igreja Anglicana,
o oculto e o nazismo e o fascismo - e essa sublinhou o carácter único da fé cristã:
associação era muito forte (...). O oculto continua «Para os cristãos, o elevado ritmo de mudança em
a fascinar os neofascistas no meu país. E hoje, que vivemos é uma oportunidade. Quando tanta
quando passeamos pelas prateleiras das livrarias coisa está em fluxo, quando uma quantidade sem
dedicadas ao oculto, encontramos os habituais limites de informação, muita dela efémera, está
volumes sobre os templários, os cabalistas, instantaneamente acessível, existe uma fome
obviamente o Código Da Vinci, de Dan Brown, renovada daquilo que persiste e dá sentido. A
ao lado de panfletos anti-semitas como Os Igreja cristã pode falar de forma única a essa
Protocolos dos Velhos do Sião.» necessidade, porque no coração da nossa fé está a
Cameron e Blair Na semana anterior, o candidato convicção de que todas as pessoas,
favorito à liderança do Partido Conservador independentemente da sua raça, origem social ou
britânico, David Cameron, fora entrevistado na circunstâncias, podem encontrar significado e
BBC pelo inevitável Jeremy Paxon. Com a propósito no Evangelho de Jesus Cristo.»
agressividade habitual, Paxman perguntou a Pluralismo Pode agora perguntar-se aonde desejo
Cameron se ele também falava com Deus (a piada chegar com todas estas referências. Em boa
favorita das «chattering classes» sobre George W. verdade, a lado nenhum obrigatoriamente. Cada
Bush). Tranquilamente, Cameron respondeu que um pode reflectir sobre estes tópicos à sua
acreditava em Deus, ia à Igreja mais vezes do que maneira. Eles não conduzem a uma conclusão
pelo Natal e a Páscoa, embora talvez menos do única. Mas negam uma conclusão única: a de que
que deveria ir, mas que não tinha uma «linha a exclusão das referências religiosas da praça
directa» para Deus. pública é condição da liberdade ou da tolerância.
Dir-se-á que é uma resposta normal de um líder Monismo dogmático Em boa verdade, essa
conservador. Mas este é o primeiro líder conclusão única é unicamente devedora da pobre
conservador, desde a sra. Thatcher, a afirmar cultura política francesa. E o que essa pobre
claramente a sua fé cristã. E o que talvez seja cultura política tem de mais pernicioso é a busca
menos conhecido entre nós é que o líder da uniformidade. Para cada problema, ela imagina
trabalhista, Tony Blair, afirma abertamente a sua que existe uma e uma só solução perfeita. Menos
fé cristã (anglicana), tal como a sua mulher - que é do que a perfeição não a satisfaz. E imagina que a
católica. solução perfeita se obtém através de um
William F. Deedes Também o meu cronista raciocínio dedutivo elaborado pelos chamados
preferido, o nonagenário W. F. (Lord) Deedes, «especialistas». Uma vez desenhada a solução
escreveu sobre religião no «Telegraph» da semana perfeita, ela deve ser uniforme e
passada. Referiu-se precisamente às tentativas de centralizadamente imposta a todas as realidades
apagar símbolos cristãos de locais públicos, como locais, a todas as circunstâncias particulares, a
as escolas, e observou que isso raramente tem a todos os modos de vida que não foram
ver com o respeito pelas outras religiões. Resulta centralmente desenhados de acordo com a
muito mais do sectarismo dos que são contra solução perfeita.
todas as religiões. E o que advogou Deedes em Michael Oakeshott, Isaiah Berlin e Anthony
resposta a essas medidas? Recordou uma Quinton chamaram a isso «política de perfeição».
reportagem que fizera, mesmo antes do milénio, a E avisaram sobre as suas consequências: em nome
países onde a religião cristã era ou tinha sido da liberdade, restringe-se e desprestigia-se a
severamente reprimida: Rússia, Cuba, Sudão e liberdade; e fomenta-se radicalismos de sinal
Paquistão. Eis o que Deedes observou: contrário.
«Todos estes países ilustravam de diferentes jcespada@netcabo.pt

maneiras a indestrutibilidade do cristianismo. Deus não é suficientemente grande para


Quanto mais pequena a minoria, quanto mais alguns
severas as punições ou as ameaças, mais forte era a Umberto Eco
fé. (...) Estes cristãos recordam-nos gentilmente In: The Daily Telgraph, 051127
(Trad. Paulo Ghiraldelli Jr. - Portal Brasileiro da Filosofia: www.filosofia.pro.br )
que não é o fim do mundo se a nossa junta de Adaptado para Português de Portugal por Pedro Aguiar Pinto

freguesia insiste em substituir as ‘luzes de Natal’ Estamos a aproximar-nosde um momento crítico


pelas ‘luzes de Inverno’.» do ano para as lojas e supermercados: o mês antes
Finalmente, a rainha Também a rainha de do dia de Natal é feito de quatro semanas em que
Inglaterra falou de religião na semana passada. lojas de todos os tipos vendem seus produtos
rapidamente. O Pai Natal significa uma única

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coisa para as crianças: presentes. Ele não tem reconcilie com a inevitabilidade da nossa própria
nenhuma conexão com o original São Nicolau, morte.
que realizou o milagre de dar dotes a três pobres G. K. Chesterton é, não raro, tido como quem
irmãs, habilitando-as aos seus casamentos, com o fez a observação: "quando um homem cessa de
que escaparam de uma vida de prostituição. acreditar em Deus, não acredita em mais nada.
Os seres humanos são animais religiosos. É Ele acredita em qualquer coisa". Seja lá quem
psicologicamente muito difícil atravessar a vida disse isso, estava certo. Supomos estar a viver em
sem a justificação e a esperança fornecidas pela uma era céptica. De facto, vivemos em uma era
religião. Podemos ver isso nos cientistas de credulidade escandalosa.
positivistas do século XIX. A "morte de Deus", ou pelo menos a morte do
Eles insistiram que estavam a descrever o Deus cristão, foi acompanhada pelo nascimento
universo em termos rigorosamente materialistas – de uma abundância de novos ídolos, que se têm
embora de noite assistissem a sessões espíritas e multiplicado como bactérias no corpo da Igreja
tentassem evocar os espíritos mortos. Cristã – dos estranhos cultos pagãos às seitas
Mesmo hoje, não raro encontro cientistas que tolas, superstições sub-cristãs de O Código Da
uma vez fora de suas disciplinas, são Vinci.
supersticiosos – isso ocorre em tal extensão que É espantoso como muitas pessoas tomam aquele
algumas vezes me parece que para ser um livro literalmente, e imaginam que ele é
descrente rigoroso hoje em dias tem que se ser verdadeiro. Admitidamente, Dan Brown, seu
um filósofo. Ou talvez um padre. autor, criou uma legião de seguidores zelosos que
Nós precisamos de uma justificação para as nossas acreditam que Jesus não foi crucificado: casou-se
vidas para nós mesmos e para as outras pessoas. com Maria Madalena, tornou-se o Rei da França,
Dinheiro é um instrumento. Não é um valor – e começou sua própria versão da ordem
mas necessitamos de valores tanto quanto de maçónica. Muitas das pessoas que agora vão ao
instrumentos, e fins tanto quanto de meios. O Louvre apenas olham para a Mona Lisa, porque
grande problema enfrentado pelos seres humanos se trata do centro do livro de Dan Brown.
é encontrar um modo de aceitar o facto de que Perguntaram uma vez ao pianista Arthur
cada um morrerá um dia. Rubinstein se ele acreditava em Deus. Ele disse:
O dinheiro pode fazer muitas coisas – mas não "não, não acredito em Deus. Acredito em algo
pode ajudar-nos a reconciliarmo-nos com a nossa maior". A nossa cultura sofre da mesma
própria morte. Pode algumas vezes ajudar alguém tendência inflaccionária. As religiões existentes
a postergar a sua própria morte: um homem que não são suficientemente grandes: procuramos
pode gastar um milhão de dólares em médicos algo a mais vindo de Deus do que as descrições da
pessoais normalmente viverá mais do que um que fé cristã podem fornecer. Assim, voltamo-nos
não pode. Mas não pode ir muito mais longe do para o oculto. As assim chamadas ciências ocultas
que a média de vida alcançada por pessoas nem mesmo revelam qualquer segredo genuíno:
abastadas no resto do mundo. elas somente prometem que há algo secreto que
E se acredita só no dinheiro, então cedo ou tarde explica e justifica tudo. A grande vantagem disso
descobrirá as grandes limitações deste: o dinheiro é que permite a cada pessoa preencher o
é incapaz de justificar o facto de que se é um "recipiente" do segredo vazio com o seu próprio
animal mortal. Certamente, por mais que se tente medo, com a sua própria esperança.
escapar desse facto, mais seremos forçados a Enquanto filho do Iluminismo, e crente nos
perceber que nossas posses não fazem nenhum valores iluministas de verdade, investigação
sentido perante a morte. aberta e livre, estou deprimido com esta
É papel da religião fornecer essa justificação. As tendência actual. Isto não é apenas por causa da
religiões são sistemas de crenças que capacitam os associação entre o oculto e o fascismo e o
seres humanos a justificar as suas existências e que nazismo – embora essa associação tenha sido
nos reconciliam com a morte. Nós, na Europa, muito forte. Himmler e muitos homens de Hitler
temos assistido a um enfraquecimento da religião eram devotos das fantasias ocultistas mais
organizada em anos recentes. A fé nas igrejas infantis.
cristãs está em declínio. As ideologias tais como o O mesmo era verdadeiro de alguns dos gurus
comunismo, que prometiam suplantar a religião, fascistas na Itália – Júlio Evola é um exemplo –
falharam de um modo espectacular. Assim, que continua a fascinar os neofacistas no meu
estamos todos ainda à procura de algo que nos país. E hoje, se alguém olha para qualquer

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prateleira de qualquer livraria especializada em Iemanjá. Odeio os tipos gordos como um Buda
ocultismo, encontrará os volumes costumeiros ou aquelas estatuetas de seis braços dos hindus. E
sobre Templários, Rosacruses, pseudo-cabalistas acho que tudo isso deveria ser proibido na escola,
e, é claro, O Código Da Vinci, mas também com especial incidência para os gordos ou toda e
tratados anti-semitas tais como "Os Protocolos qualquer pessoa com mais de dois braços.
dos Anciãos de Sião". Seria, no entanto, ingénuo pensar que os
Eu cresci como católico, mas embora tenha símbolos religiosos apenas estão nas escolas. Não
abandonado a Igreja, neste Dezembro, como de é verdade! Os símbolos são como o Santana,
costume, montarei um presépio para o meu neto. andam por aí. Claro que há gente que não
Construiremos o presépio juntos – como meu pai entende os símbolos e, por isso, eles lhes passam
fez comigo quando eu era criança. Tenho um despercebidos. Vendo só o óbvio, apenas querem
profundo respeito pelas tradições cristãs – que, proibir o crucifixo na escola. Mas eu pergunto: e
como rituais para lidar com a morte, fazem mais os postes dos telefones, o que são senão crucifixos
sentido que as suas alternativas puramente ligados com fios de cobre? E as gruas do porto e
comerciais. dos edifícios em construção? E as estrelas, à noite,
Penso que concordo com o decaído herói católico quando parecem ter seis pontas e propagandeiam
Joyce em “Um retrato do artista enquanto o sionismo? E quartos minguantes que são a mais
jovem”: "que tipo de libertação seria a que descarada propaganda do islamismo? E a hora de
abandona um absurdo que é lógico e coerente e almoço no McDonalds, que não é mais do que
abraça outro que é ilógico e incoerente?" A um hino ao budismo? Não serão outros tantos
celebração religiosa do Natal é, ao menos, uma símbolos que devem imediatamente ser proibidos
absurdidade clara e coerente. A celebração antes que nos levem a loucuras terríveis como
comercial nem mesmo isso é. gostar de um Deus, de uma ideia divina ou de
in
http://www.telegraph.co.uk/opinion/main.jhtml?xml=/opinion/2005/11/27/do2701.xm qualquer transcendência como a vida além da
l morte ou a reincarnação?
Perseguidos por um crucifixo Gente assim torna-se perigosa. Sobretudo porque
Henrique Monteiro
se pode sentir livre dos compromissos terrenos e
In: Cartas Abertas, Expresso 051203 dedicar-se ao que lhe apetece. Gente assim pode,
Lisboa, 30/11/2005 em última instância, ir para um confim do
Exma. Senhora Ministra da Educação mundo ajudar os miseráveis. Ou dar esmola aos
pobres! É gente com quem não se deve ter
Uma das coisas que mais sentido veio dar à minha contemplações.
vida foi a proposta que lhe fizeram no sentido de E, depois, o crucifixo sempre me perseguiu.
retirar os crucifixos das escolas. Há muito que os Tenho a certeza que ainda hoje diz mal de mim.
crucifixos me perseguem de modo impiedoso, comendador@mail.expresso.pt

por vezes com certa brutalidade. Meu Deus! E o


Crucifixos e Liberdade
que eu tive de ouvir dos crucifixos, que se
António Pinheiro Torres
juntavam aos magotes para dizer mal de mim, In: Público, 051202

sempre que eu falhava um golo na equipa do A anunciada retirada de crucifixos das escolas
colégio? E o que eles faziam para eu ter más públicas, por ordem do Ministério da Educação,
notas? E o que eles contribuíram para eu nunca tem pelo menos, em virtude da sua visibilidade, o
ter chegado a Catedrático ou a outra coisa mérito de tirar as dúvidas, a quem ainda as
qualquer neste país? tivesse, de que existe uma ofensiva organizada, na
O crucifixo é uma arma terrível. Só mesmo nos linha da “melhor” tradição maçónica da 1ª
Estados Unidos, onde toda a gente tem uma República, da cultura fundamentalista do
pistola ou uma espingarda, se pode considerar laicismo. Tem também o mérito de tornar claras
normal que haja crucifixos nas escolas públicas! e transparentes, duas situações: o domínio do
O crucifixo é uma barbaridade e - ainda por cima, Ministério da Educação por parte de grupos que
ao que parece - um símbolo religioso. comungam desse mesmo ideal (e por isso tão
Na verdade, eu além de ser contra os crucifixos dedicados à criação de dificuldades ao ensino não
sou contra os símbolos religiosos. Talvez até seja estatal, em grande parte de origem religiosa) e
mais contra os símbolos religiosos do que contra também o que pode esperar a ingenuidade de
os crucifixos. Também não posso com estrelas de alguns quando procuram dialogar ou esperam
seis pontas, determinadas fases da lua e alguns abertura de correntes de pensamento, para as
búzios que me recordam vagamente a lenda de quais a influência social e a presença pública da

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Igreja Católica são causa de enorme incómodo. Não. Eu não quero acreditar que o dr. Mário
Tudo isto se agrava quando, em vez da simples Soares, em quem vou votar, a cuja comissão de
inimizade, quem assim procede invoca valores honra me orgulho de pertencer, subscreva ou
que revela claramente não respeitar. Em aprove o primaríssimo artigo que a sua
concreto, a laicidade do estado e a liberdade mandatária para a juventude, Joana Amaral Dias,
religiosa. Por laicidade entende-se que as esferas escreveu no DN de 29 de Novembro, sob o título
política e religiosa, são autónomas. A esfera Crianças e mulheres primeiro. Soares, que tanto
política não precisa de uma religião para se contribuiu, no pós-25 de Abril, para evitar
legitimar, justificar ou funcionar. Em "guerras religiosas" ou conflitos com a Igreja
contrapartida o estado é incompetente em Católica, não está certamente envolvido nesta
matéria religiosa, não podendo imiscuir-se na fé absurda polémica sobre os crucifixos nas escolas.
individual nem na vida das igrejas. Quanto à Não pode estar.
liberdade religiosa entende-se como o direito de Mas é um facto que o alarido, começado em
todos os homens a professarem a religião que surdina, tem sido assoprado e não apenas por
entenderem ou a não professar nenhuma. Inclui aqueles a que mais convém e que em tal causa
também o direito ao exercício individual e obterão triunfo facílimo e demagógico. Não direi
comunitário da fé de cada um. que vai de vento em popa (a nota do Ministério
Ora, na retirada dos crucifixos, aquilo a que da Educação de 27 de Novembro é prudente),
assistimos é contrário. Ou seja, a adopção do mas vai já queimando quanto baste. E "basta" é a
laicismo (aquela atitude que consiste em afastar a ordem que se impõe ouvir.
religião do espaço público) como religião do Até por mero tacticismo, a gente do "cruzes,
Estado. A violação da liberdade religiosa através canhoto" devia ver (ou rever) um filme de John
da prática política da intolerância. Ao impedir as Ford chamado The Long Gray Line. O
comunidades locais e escolares, que o desejem, de protagonista (Tyrone Power) aposta, num jogo
viverem as suas identidade, tradição e convicções, de basebol, em equipa de um colégio não-
é vedado a milhares de portugueses fazer uma confessional contra equipa de um colégio
experiência pessoal, social e cultural que tem a católico. Esta vence e o rapaz perde. Observa-lhe,
sua origem numa realidade (o povo que se sábio, o velho pai (o saudosíssimo Donald Crisp):
reconhece na igreja católica) que é mais antiga, "Meu Filho, nunca apostes contra a Igreja." Os
neste território, que a nação portuguesa. turiferários deviam pensar nesta frase, que até
Para nós católicos, o ponto fundamental é este: o hoje se tem revelado certeira. Parece que houve
da liberdade. A liberdade de educarmos os nossos um deputado comunista que pensou e lembrou
filhos como entendemos. A liberdade de termos que quem quer varrer cruzes acaba crucificado.
connosco nos momentos decisivos da nossa vida Mas a questão ultrapassa relações de forças ou
colectiva aqueles que queremos como companhia. histórias de vária táctica. Vai muito mais longe,
A liberdade de vivermos a nossa fé nas ruas e nas como tentarei demonstrar.
praças. A liberdade de criar e desenvolver as 2. Se, em nome da lei da liberdade religiosa, se
nossas instituições sociais. A liberdade de começa a banir cruzes de escolas, terão pensado
expressão para nós e para os nossos sacerdotes os libertários onde se iria parar, se quisessem ser
(ver nota). A liberdade de constituir e viver em inteiramente coerentes?
família. Estamos convictos que defendendo a Dou três exemplos, mas podia dar trinta.
nossa liberdade, defendemos a liberdade de todos. a) Em primeiro lugar, era preciso mudar de
António Pinheiro Torres
Ex. deputado do PSD bandeira. Efectivamente, mesmo a actual
Nota: em Portugal, este ano, em virtude seja de Bandeira Nacional, aprovada pela Assembleia
homílias seja de artigos na imprensa, houve já três Constituinte de 1911, certamente insuspeita de
sacerdotes a contas com a justiça penal ou com o qualquer laivo clerical, mostra a esfera armilar e o
“tribunal” dos media… escudo com "o campo branco das quinas", que
nela figuram desde D. João I e resistiram às
A Cruz e o trapézio mudanças de D. Manuel, D. João VI ou D. Pedro
João Bénard da Costa
In: Público 051204
IV. As cinco quinas figuram o quê? Como toda a
1.Não. Eu não quero acreditar que o Governo do gente sabe, ou devia saber, figuram as cinco
eng. Sócrates queira reacender, sob artificiais chagas de Cristo, que Este terá mostrado a D.
pretextos, a chamada "questão religiosa", extinta Afonso Henriques quando lhe apareceu em
há cerca de cinco décadas, pelo menos. Ourique. A aparição não tem fundamente

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histórico e foi patranha inventada, vários séculos c) O Presidente da República tem residência
depois, para justificar a suposta origem divina da oficial em Belém. Não seria de mudar o nome ao
independência e do país. Mas o caso pouco sítio que recorda presépios e Meninos
interessa a não ser a interesseiros historiadores, virginalmente nascidos? Não será demais que a
com particular relevo para os de Alcobaça em Belém se some S. Bento, como sede da
tempos de ocupação espanhola. Com os tempos - Assembleia da República e residência oficial do
e tantos tempos são - tornou-se um símbolo primeiro-ministro? Do Calvário, em Lisboa, à rua
cultural. Abel Botelho, Columbano, João da Gólgota, da Agustina, no Porto quantos
Chagas, José Afonso Pala e Antonio Ladislau nomes canónicos ou santificados por essas
Pereira, os autores da Bandeira verde e encarnada, cidades, vilas, aldeias, ruas ou largos de Portugal?
ainda levaram algumas "bicadas". Mas foram Não é tempo de mudar esses nomes todos que
muitos mais as dos que queriam conservar o azul tresandam a sacristia?
e branco (Junqueiro, Braancamp Freire ou Ou será que Cristo e a Cruz só são de banir
António Arroio) do que as dos recordadores de quando se trata de criancinhas? Fica a pergunta,
Ourique e das feridas do Senhor. A Bandeira mas é de bom tamanho.
ainda hoje é vulgarmente conhecida por 3. Nos casos evocados, como no caso das cruzes
"bandeira das quinas" (o que Pessoa achou nas escolas, a dimensão do símbolo ultrapassa, de
providencial) e não recordo, nem mesmo do mais longe, a questão religiosa para ser sobretudo uma
fanático anticlerical (aquele que, na minha questão cultural. Entendam-me bem: para um
infância, me aterrorizava aos gritos de "Viva a católico (no caso da Cruz para qualquer cristão,
República! Abaixo a Padralhada"), qualquer seja ele protestante ou ortodoxo) a Cruz é o
ataque a essa simbologia primacial. Mas, em símbolo supremo da morte redentora de Jesus, a
nome de tal "liberdade religiosa", não faltaria quem chamavam de Cristo, e, como tal ou
alguma razão aos inflamados de agora, se enquanto tal, nenhuma outra simbologia se
levassem a lógica às de cabo, em se insurgir contra sobrepõe a essa. Mas, para os outros portugueses,
tal marca no símbolo da Pátria, que, se não erro, mesmo os que mais professem o ateísmo, o
ainda vale aos que a desrespeitem uma pena de símbolo é o símbolo de uma cultura que, goste-se
três meses a um ano de cadeia. ou não, queira-se ou não, desde a fundação da
b) A recente revisão da Concordata manteve nacionalidade foi e é critério. Mesmo aqueles para
como feriados nacionais sete datas de conotação quem Jesus foi só um dos milhares de homens
obviamente religiosa e obviamente católica. Dois que sofreu uma das mais horríveis formas de
deles (8 de Dezembro e 15 de Agosto) celebram a morte que homens infligiram a outros homens,
Imaculada Conceição de Maria e a Assunção da mesmo até para aqueles que põem em causa a sua
Virgem aos céus, em corpo e alma. São dogmas existência histórica, a Cruz é um elemento
relativamente recentes (1854 e 1950, sociologicamente identificador, que assinala a
respectivamente) e que, mesmo entre nossa pertença a uma determinada civilização e a
ortodoxíssimos católicos, levantaram, à época em uma determinada cultura. A História que
que foram proclamados, rijas polémicas. Alguém culminou nela e que foi narrada pelos quatro
estremece quando descansa nessas datas, evangelistas (eventualmente por muitos outros
considerando-as absurda intromissão da Igreja na que a Igreja Católica não aceita como
sua vida privada? testemunhos fidedignos e a que continua a
E já nem sequer falo do Natal, celebração de chamar "textos apócrifos") é a História sem a
acontecimento por demais conhecida, e feriado qual nada compreenderíamos da História de
em quase todo o mundo ocidental. É verdade que Portugal e da esmagadora maioria da poesia e
o fundamentalismo americano, desde há alguns literatura portuguesas ou da arte portuguesa.
anos, começou a fazer campanha contra o "Merry Suponha-se uma leitura de Os Lusíadas, do Crime
Christmas", substituindo-o por "Season"s do Padre Amaro ou da Relíquia, da Mensagem ou
Greetings". Ouvi dizer que, no ano passado, o do pagão Caeiro, sem referência a essa cultura
presidente Bush, na sua mensagem de Natal, informadora e formadora. Haveria maneira de
omitiu, pela primeira vez, a palavra "Christmas" compreender algo? E dispenso-me de chegar até
para ser mais "politicamente correcto". Não me José Saramago, obcecado por essa cultura, para
digam que o Bush=Hitler foi mero lapso, fonte não dizer por essa religião. Suponha-se uma visita
de liberdade e que nele se inspiram os que agora a qualquer dos nossos museus, sem qualquer
clamam. Já tenho visto contradições maiores. familiaridade com a religião católica. O

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"maravilhoso cristão", para quem o não queira largas, laicismo é também a doutrina política que
interpretar de outro modo, é a chave de acesso, proclama a laicidade absoluta do Estado,
como chaves de acesso são as mitologias greco- entendendo-se por ela, comummente, a
romanas, não conhecendo eu ninguém que creia neutralidade perante todas as crenças religiosas e
em Zeus ou em Vénus, em Ares ou em Mercúrio. perante crentes e não-crentes. Mas, mesmo nessa
Suponha-se que era de tradição uma reprodução latíssima acepção (gramaticalmente abusiva), o
da Vénus de Milo nas escolas. Assistir-se-ia a um Estado não está obrigado a fazer tábua rasa dos
clamor nacional, invocando a liberdade religiosa valores de que é por igual herdeiro. Não está
para varrer a Vénus de peitos desnudos da vista obrigado, e muito menos o deve fazer, sob pena
das criancinhas? Só se fosse pelos ditos peitos, em de atentar gravemente contra direitos culturais
nome de moral assaz reaccionária. Por causa da igualmente reconhecidos e que o impedem de
deusa, não seria certamente. apagar porção relevante do nosso passado e da
4. No seu infeliz artigo, Joana Amaral Dias nossa história. É verdade que a Revolução
recorda que, de acordo com a Constituição de 76 Francesa o tentou fazer, mudando tudo, desde os
e suas várias revisões, "o ensino público não será nomes dos meses e a numeração dos anos, até à
confessional". A presença da Cruz nas escolas figura do rei no baralho de cartas. Sabe-se no que
determina a confessionalidade? Se assim fosse, a isso deu, como se viu, nos últimos meses, o que
presença do retrato do Presidente da República, deu a absurda proibição do véu islâmico nas
em inúmeros edifícios públicos, ofenderia escolas oficiais francesas.
também os monárquicos, que têm tanto direito a Desculpem-me a expressão, mas, "por amor de
sê-lo como qualquer outro português de ser Deus", parem com esta loucura ou com este
politicamente o que lhe apeteça. Como a fundamentalismo reverso. A não ser que se
presença da coroa (por exemplo no Teatro queiram imortalizar, como se imortalizou o
Nacional de São Carlos) ofenderia os Gouvarinho de Eça quando acusou os defensores
republicanos, diariamente agredidos por armas da educação física de quererem substituir a Cruz
reais e brasões ou outras insígnias semelhantes, pelo trapézio. Como se costuma dizer, o ridículo
patentes na maior parte dos palácios nos mata. E, só para não invocar o Santo Nome em
chamados monumentos nacionais. vão, não termino esta crónica dizendo: "Haja
"Mas a República é laica", observou a jovem Deus", expressão corrente na boca de tantos
mandatária, reconhecendo embora (muito favor ateus. Escritor
dela) que "cada um pode ter as convicções que
quiser". Crianças e mulheres primeiro
Chegamos a uma palavra que tem sido uma das Joana Amaral Dias
In: DN051129
maiores fontes de equívocos e de interpretações Meninos sem Jesus. Não seria de esperar que a
dúbias. Laico (do latim laicu) significa apenas que interdição de crucifixos nas salas de aula das
se não é eclesiástico religioso. Há um clero escolas públicas portuguesas fosse assunto. Mas é.
regular (o clero das ordens religiosas) e há um E não tanto porque foi noticiada a ordem de
clero laico (o clero que não pertence a nenhuma retirada, nem mesmo porque existem muitas
dessas ordens e que também se costuma chamar escolas que não cumprem a lei.
clero diocesano). Depois há os leigos (e laico e São as reacções a estas notícias que as
leigo são termos equivalentes) que são todos transformam, inopinadamente, em polémica num
aqueles que não foram ordenados padres, ou seja país europeu no século XXI.
a esmagadora maioria da população. Os leigos De acordo com a Constituição "o ensino público
(todos quantos não receberam o sacramento da não será confessional" e a Lei da Liberdade
Ordem) tanto podem ser crentes como não- Religiosa define que ninguém pode ser obrigado a
crentes. Quando a Igreja se dirige aos leigos, "receber propaganda em matéria religiosa".
dirige-se a todos eles, embora só os que a A presença de crucifixos nestas condições
reconheçam enquanto tal estejam obrigados a possibilita que a Igreja Católica faça a difusão das
obedecer-lhe ou sequer a ouvi-la. Eu sou tão laico suas crenças através dos meios que o Estado
como Jerónimo de Sousa ou Francisco Louçã, no possui para o cumprimento dos seus deveres no
sentido em que a palavra nada mais diz senão que ensino.
nem eu nem eles professámos ou recebemos Portanto, a ordem de mandar retirar os crucifixos
Ordem. só peca por tardia.
É certo que, por um galicismo de costas muito Contudo, a atitude do Ministério da Educação foi

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pouco clara. Depois de noticiada a ordem de solução para o rejuvenescimento da população
retirada dos símbolos religiosos, teve necessidade europeia através da emigração. Ou seja, falha
de explicar que a mesma não corresponde "a ecológica e globalmente.
qualquer orientação do ministério nesse sentido" Além do mais, comporta o risco de interpelar o
(DN, 27/11), adiantando que o procedimento, controlo da natalidade enquanto direito das
mediante ofício enviado pela Direcção Regional mulheres que, independentemente das
da Educação, diz respeito a situações concretas circunstâncias económico-sociais, devem poder
resultantes de queixa. optar.
É difícil compreender como é que a DRE dá esta Por outro lado, muitas mulheres não querem
ordem sem ser por orientação do ministério, que (mais) filhos porque têm que conciliar as
deveria ter uma posição pública e sem responsabilidades maternas, familiares e
ambiguidades sobre este tema. domésticas com as exigências profissionais (ao
A Igreja Católica e o CDS/PP, como seria de contrário de muitos homens) e/ou pelas
esperar, opõem-se à medida, mostrando como dificuldades económicas que as famílias
ambos concordam com a interferência desta atravessam.
religião na esfera pública. Apenas mais e melhores políticas para a igualdade
Do mesmo modo, Cavaco Silva teve uma reacção entre géneros e a criação de apoios sociais
inadmissível. Ao afirmar que se sente especiais, que acompanhassem o desejado
"surpreendido" com a decisão, que "há uma aumento da natalidade, poderiam minimizar o
separação entre o Estado e a Igreja mas que não se risco de ameaça a conquistas civilizacionais.
pode ignorar que na sociedade portuguesa Não sendo isto possível, num contexto
predominam os valores do catolicismo", revelou, económico desfavorável, políticas de aumento da
uma vez mais, que não tem perfil para Presidente natalidade trarão mais problemas do que
da República. soluções.
Cada um pode ter as convicções que quiser. Mas a genecanhoto@hotmail.com

República é laica. O laicismo e a República


Quando Cavaco Silva diz que, pelo facto de uma
Narana Coissoró
religião ser maioritária face às outras, se justifica a
In: JN, 051203
violação da Constituição e se desculpa um
AComissão da Liberdade Religiosa, criada em 10-
tratamento diferenciado por parte do Estado,
defende uma excepção à regra da laicidade e 12-2003 (DL 308/2003), é um órgão
igualdade. independente, de consulta da Assembleia da
Cavaco Silva evidencia que, ao contrário do que República e do Governo, e tem por atribuição
afirmou, considera o assunto relevante. Quando a "no âmbito da protecção do exercício da
Igreja Católica perde qualquer privilégio, há logo liberdade religiosa, do controlo de aplicação e de
quem esteja disposto a fazer barulho. pronúncia sobre matérias relacionadas com a Lei
da Liberdade Religiosa (Lei 16/200 de 22 de
Se, por causa da retirada de "apenas" esta regalia
Junho).
ilegal, Cavaco, cuja estratégia é estar calado sobre
Este CLR organizou, em Lisboa, nos dias 25 e 26
os mais diversos e fundamentais temas, fala,
imagine-se o que aconteceria tratando-se de de Novembro, um colóquio internacional,
outros benefícios dedicado ao tema "Religião no Estado
Mãe Natal? A propósito do envelhecimento da Democrático" em que intervieram juristas,
população, tem sido aventada a necessidade de canonistas e teólogos de diversos países europeus,
aumentar a natalidade. além de, claro está, ilustres constitucionalistas
No entanto, num mundo globalizado só faz portugueses.
Existiu o consenso generalizado de que há uma
sentido pensar os seus desafios e procurar
clara distinção entre o laicismo e a laicidade, e a
soluções que o reconheçam como tal. Se a Europa
propósito, o prof. Jorge Bacelar Gouveia
está alarmada com o decréscimo dos nascimentos,
outras regiões do globo apresentam dificuldades apresentou uma desenvolvida comunicação sobre
opostas. as várias experiências nacionais a francesa, em que
Como tal, colocar esta questão como resolúvel o Estado se cinge a "inimigo" da religião,
pelo aumento da natalidade apresenta vários pretendendo eliminar os seus vestígios, numa luta
problemas. Nega a questão da necessária especialmente política com a igreja católica; a
racionalidade sobre os recursos planetários e a norte-americana, em que o Estado coopera com
as religiões, as reconhece e as aceita no espaço

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público. os títulos o que se passou é grave.
O modelo da I República foi do fundamentalismo Primeiro que tudo, porque constatou-se no
negativista do racismo jacobino, com a decorrer do julgamento que a pretensa ofendida
perseguição declarada infrene da igreja católica, (a APF) não havia usado do direito de resposta
levada a cabo por organizações maçónicas, que que legalmente lhe assistia (e através do qual pela
saqueavam as igrejas, confiscavam os bens, publicação de um esclarecimento poderia ter
dissolviam as ordens religiosas, retiravam, com remediado o eventual dano junto dos menos de
violência, os objectos de culto dos templos, dois mil eventuais leitores do jornal). Antes
principalmente os crucifixos e imagens dos deixava supor que usava o processo como meio
santos. de pressão sobre quem pensava de forma
A lei actual de Liberdade Religiosa, como diferente. Por outro lado impressionou também
doutrinou o mesmo constitucionalista, adopta o que nas declarações das suas testemunhas, a APF
"modelo de separação cooperativa entre o Estado não foi capaz de negar nem a exactidão das
e a Religião. Não se alinha por qualquer ideia citações que o Padre Serras Pereira tinha
separatista radical, na esteira de concepções laicas transcrito, nem alguns dos factos constantes do
mais neutrais... mostrando-se favorável à artigo. Apesar disso a juíza do processo revelou
separação cooperativa e colaborante entre o com a sua decisão que não foi sensível a este
Estado, Direito e Religião". Esta tese não aspecto do julgamento.
mereceu qualquer reparo da assistência, e foi Ora, este desenrolar do processo veio revelar que
longamente aplaudida por largas dezenas de também em Portugal poderá vir a suceder aquilo
auditores presentes no colóquio. que já é prática em alguns países democráticos.
Na mesma reunião, em que participei, pude Ou seja, a manifestação de uma opinião contrária
certificar-me de que o Ministério da Educação, à mentalidade dominante nos “media” pode dar
até hoje, não solicitou qualquer parecer da origem a processos judiciais e por vezes, resultar
Comissão de Liberdade Religiosa, quanto à mesmo em prisão. Nessa medida tem razão quem
pretensão da Associação República e Laicidade, declara que esse dia foi um dia negro para a
de, segundo diz, executar a Lei da Liberdade liberdade de expressão em Portugal. Trinta anos
Religiosa mandando remover os crucifixos das depois do 25 de Abril ainda há quem pretenda
escolas públicas. exercer o exame prévio e a censura, quando for
Será que o Estado cria as entidades como a contrariado…
Comissão da Liberdade Religiosa, como novos Nesse sentido impressiona muito a falta de
ornamentos, sem que a sua existência seja cultura democrática da APF quando vem
respeitada pelo Governo, como lhe é exigido instaurar um processo por difamação alegando a
legalmente, e deixa-se guiar por qualquer falsidade (que não conseguiu demonstrar) dos
associação, cuja existência e objectivo só agora factos invocados no artigo em causa. Ou quando
foram conhecidas, sem que se saiba as suas se queixa da linguagem empregue que não só
origens, a relevância na sociedade portuguesa? corresponde à tradição literária portuguesa da
Afinal, estamos na I ou III República? polémica, como não excede o tom habitual no
Narana Coissoró escreve no JN, semanalmente, aos sábados
debate político mais fervoroso. Perguntamo-nos
Querem mandar os Padres para a prisão? pelo escândalo que causaria a instauração de
António Pinheiro Torres
processos por parte dos que defendem o Não ao
In: O Diabo, 051129 aborto livre, sempre que as nossas posições são
Na semana passada, num dos juízos criminais de classificadas, na melhor das hipóteses, como
Lisboa, foi condenado a 130 dias de multa a um hipócritas…
euro por dia (a pena prevista no Código Penal é Mas engana-se quem pensar que assim nos
de dois anos de prisão) o Padre Nuno Serras atemoriza. Processos como estes vem mostrar a
Pereira e absolvido o Padre José Luís Borga. intolerância que se esconde por trás da apregoada
Ambos eram acusados de crime de difamação pela tolerância daqueles que são favoráveis ao aborto
Associação para o Planeamento da Família (que livre: essa passa sempre pela exclusão de alguém.
se reconhece em relatórios internacionais como Mas, como dizia o poeta, haverá sempre alguém
uma das principais associações promotoras das que resiste, haverá sempre alguém para dizer
campanhas em favor do aborto livre) na Não!
sequência da publicação do artigo (da autoria do António Pinheiro Torres
Juntos pela Vida
primeiro) “Os Abortófilos”, no jornal do Nota: a pergunta que intitula este artigo, faz
Entroncamento (dirigido pelo segundo). A todos

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referência ao estafado slogan de “eles querem mais promove o homicídio/aborto a nível
mandar as mulheres para a prisão”…o seu a seu mundial. O seu ramo em Portugal é a APF – esta
dono. «sucursal», generosamente subsidiada e
patrocinada por sucessivos governos, ao longo de
Verdade Condenada décadas, dá formação aos nossos políticos, esteve
Nuno Serras Pereira
In: Infovitae 051202
implicada, como motor principal, em todas as
Breves considerações sobre alguns aspectos de uma investidas abortistas em Portugal, foi
sentença condecorada, em 1998, pelo Presidente Jorge
Sampaio e viola impunemente a lei quando lhe
1. Não seria, porventura, um absurdo que alguém convém.”
fosse atirado para o banco dos réus e condenado i) Comecemos por dar uma definição do termo
como difamador, por desmascarar ou denunciar serial killer. Segundo o sítio www.answers.com
um indivíduo que fingindo-se cidadão honesto e este termo refere-se a “someone who murders
de grandes virtudes, não passasse, afinal, de um more than three victims one at a time in a rela-
patifório avezado ao esbulho de inocentes tively short interval … someone who commits
desprevenidos, dando-se este por ofendido e three or more murders over an extended period
injuriado? Não será uma sem-razão que o of time with cooling-off periods in between. In
investigador cheio de dados objectivos e between their crimes, they appear to be quite
verificáveis seja increpado – e consequentemente normal, a state which Hervey Checkley and
acriminado em juízo –, pelo pedófilo que o acusa Robert Hare call the «mask of sanity»”, alguém
de falsificação propositada? E se se desse o caso de que mata mais de três vítimas, uma de cada vez,
uma instituição – que dissimuladamente se num curto espaço de tempo, etc. O Oxford
dedicasse de alma e coração ao infanticídio –, se Dictionary define a mesma expressão nos
empertigar, soberba da sua “benevolência”, de seguintes termos: “a person who murders several
processo em riste contra quem revelasse a sua people one after the other in a similar way”, uma
verdadeira natureza, conseguindo a sua pessoa que assassina várias pessoas, uma após
condenação em tribunal como difamador outra, de um modo parecido.
péssimo, não estaríamos perante um desatino Procuremos agora, recorrendo ao prestigiado
monstruoso? dicionário da língua portuguesa Houaiss,
2. Arguir em sentença condenatória que as conhecer o significado da palavra assassínio:
expressões “organização serial killer” e “viola “homicídio voluntário, geralmente cometido com
impunemente a lei quando lhe convém”, premeditação”. O mesmo desmancha-dúvidas
constantes do artigo processado, Os Abortófilos, elucida-nos sobre o termo homicídio: “destruição
ultrapassam os limites dos direitos “à crítica”, “à da vida de um ser humano …; crime que consiste
liberdade de expressão”, “à revolta”, “à em tirar a vida de outrem”.
indignação”, e que “a fronteira de «risco Podemos, portanto, concluir que assassínio
permitido»” “foi clamorosamente violada” só é significa matar voluntariamente, geralmente de
possível admitindo, como a sentença o faz, que “o caso pensado, um ser humano. Do ponto de vista
autor sabia que os factos imputados à queixosa moral ou ético importa acrescentar o adjectivo
eram falsos e, ainda assim, escreveu-os” e inocente, uma vez que, por exemplo, quem mata
publicitou-os, na Internet. em legítima defesa não assassina. Nesta
Importa, por conseguinte, verificar se são perspectiva, assassinar significa o acto de matar
mentirosas as afirmações em questão, pois caso se directa e propositadamente qualquer ser humano
comprove que são verdadeiras desaparecem os inocente.
fundamentos da condenação. Temos, pois, que serial killer é todo aquele que
Analisemos, por isso, as expressões no seu assassina, de um modo semelhante, um a um, ais
contexto: de três seres humanos.
a) Diz a sentença que “… o arguido … ii) Importa agora saber o que significa o termo
expressamente apelida a assistente [ou seja, a aborto provocado, uma vez que todo o artigo gira
APF] de «organização serial killer»”. à volta dele e que, portanto, as afirmações
O que está escrito no artigo é o seguinte: produzidas têm que ser lidas nesse contexto. A
“A IPPF, uma organização serial killer, é a questão fundamental aqui é a de saber se o aborto
segunda ONG maior do mundo, sendo que a provocado é ou não um assassínio, um
primeira é a Cruz Vermelha, e é a instituição que homicídio. É, pois, essencial, olhar para a

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realidade, para a sua verdade e não para sentidos psi-cológica, mas existencial: fundamentalmente
atribuídos de modo inconstante e volúvel ao não depen-de nem da idade, nem da condição
sabor das conveniências inconfessáveis dos mais psicológica, nem dos dons da natureza de que o
fortes e poderosos. Por isso, o contexto em que o sujeito é provido. A per-sonalidade pode
autor se coloca, como se depreende, da leitura do permanecer sob o limiar da consciência – como
artigo, é o da lei natural (e a do direito que dela quando dormimos –, mas permanece e é
deriva), rectamente interpretada pelo Magistério necessário fazer-lhe referência. A personalidade
da Igreja. pode também não estar desenvolvida, como
Trata-se, portanto, de um reconhecimento, de quando somos crianças, mas desde o início ela
uma descrição e não de uma invenção ou exige respeito moral. É até possível que a
manipulação: “nenhuma palavra basta para per-sonalidade em geral não assome nos actos, na
alterar a realidade das coisas: o aborto provocado medida em que faltam os pressupostos psico-
é a morte deliberada e directa, físicos, como acontece em doentes mentais. E,
independentemente da forma como venha por fim, a personalidade pode ainda ficar
realizada, de um ser humano na fase inicial da sua escondida, como no embrião; mas esta dá-se nele
existência, que vai da concepção ao nascimento.” desde o início e tem os seus direitos. É esta
(João Paulo II, Evangelium Vitae, 58). personali-dade que dá aos homens a sua
Que a vida humana, ou melhor, que a vida do ser dignidade. Esta distingue--os das coisas e torna-os
humano, ainda mais explicitamente, que o sujeitos. Trata-se uma coisa como se fosse uma
indivíduo da espécie humana começa na coisa quando a possuímos, a usamos e finalmente
concepção, isto é, na fecundação é uma evidência a destruímos ou – como se diz em relação aos
certificada nos livros de embriologia, ensinada seres humanos – a matamos. A interdição de
nas faculdades de medicina, admitida pelos matar o ser humano exprime na forma mais
próprios propugnadores do aborto (cf. Nuno incisiva a proibição de o tratar como se fosse uma
Serras Pereira, A Pílula do Dia Seguinte, 16. 09. coi-sa.» (cf. Romano Guardini, Os direitos do
2002), verificada pelos especialistas da chamada nascituro, in Stu-di Cattolici, Maio/Junho 1974).
procriação medicamente assistida (que com maior iii) É necessário, ainda, um terceiro passo para
propriedade se deveria nomear procriação indagar da possibilidade de saber se a IPPF, pelo
tecnicamente substituída), etc. menos em alguns dos seus ramos ou “sucursais”,
Daí que o Papa João Paulo II possa concluir com realiza abortamentos e, em caso afirmativo, qual
toda a justiça: “a gravidade moral do aborto a quantidade, para podermos aferir se existe ou
provocado aparece em toda a sua verdade, não algum exagero ou excesso na expressão serial
quando se reconhece que se trata de um killer.
homicídio.” (João Paulo II, Idem). Tenho diante de mim um fax – datado de 1 de
Homicídio ou assassinato porque morte directa e Novembro deste ano, que me foi enviado dos
voluntária de uma pessoa, já que “todo o ser USA, assinado por Jim Sedlak, Vice-presidente do
humano é pessoa” (Papa João XXIII). projecto STOPP International, da American Life
Ciente da “vasta rede de … instituições League (www.all.org) –, que entre outras coisas
internacionais, fundações e associações, que se diz o seguinte:
batem sistematicamente pela legalização e difusão “Planned Parenthood Federation of America [a
do aborto no mundo” (João Paulo II, Evangelium federação das APF dos USA] is the United States
Vitae, 59), João Paulo II alerta: “A distinção que affiliate of the International Planned Parenthood
por vezes é sugerida em alguns documentos Federation [IPPF]. PPFA currently runs a chain
internacionais entre ser humano e pessoa of 165 surgical abortion facilities in the United
humana, para depois reconhecer o direito à vida e States. … The data we use come from PPFA’s
à integridade física somente à pessoa já nascida, é own material – Primarily from its Annual Re-
uma distinção artificial sem fundamento ports and its Service Reports. … As can be seen
científico nem filosófico ... ” (João Paulo II, from the attachments [também recebidos por
Discorso ai participanti ella ottava Assemblea fax], PPFA has committed over 3.5 million abor-
Generale della Pontificia Accademia Per La Vita, tions since 1970 and currently does almost a
L’Osservatore Romano, 1 Marzo 2002, p. 5). quarter-million each year.” …
E Romano Guardini explica: É, pois, evidente que não se cometeu nenhum
A vida do homem é inviolável, porque ele é excesso ao apelidar de serial killer uma
pessoa. O ser pessoa não é um dado de natureza organização que, só nos USA, em trinta e cinco

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anos, provocou três milhões e quinhentos mil recorrendo, por exemplo, à sedução. Depois, será
abortos, sendo que actualmente realiza cerca de possível negar que um sujeito, consciente e livre,
duzentos e cinquenta mil por ano. E se tivermos que propositadamente forneça armas a outros
em conta a doutrina da Igreja Católica (de que o com o objectivo confessado de que eles
autor é membro e sacerdote) sobre o assunto, a assassinem, seja ele também um matador, um
saber – “dentre todos os crimes que o homem homicida, um serial killer? Adaptando o dizer do
pode realizar contra a vida, o aborto provocado nosso povo tão ladrão é o que vai à vinha como o
apresenta características que o tornam que fica a ver, estaria mal proverbiar tão
particularmente perverso e abominável” (João homicida é o que assassina como o que dá a arma
Paulo II, Evangelium Vitae, 58) –, só se poderá para o fazer?
concluir que se o escritor prevaricou, foi por b) Vejamos agora, ainda que em breve instantes,
defeito, nunca por demasia. se é possível apresentar algum dado objectivo que
Por último, convirá acrescentar que o escrever comprove a segunda afirmação, dada como falsa
que a IPPF é uma organização serial killer não pela sentença: “… a APF … viola impunemente a
significa necessariamente afirmar que todos os lei quando lhe convém.”.
seus ramos ou “sucursais” o são, ou que o são em i) O Jornal de Notícias (JN) noticiou a 16-06-2000
igual medida – por isso, não deixa de ser curiosa a (http://jn2.sapo.pt/arquivo/noticia.asp?id=1809
assertiva de que “… o arguido … expressamente 48):
apelida a assistente [ou seja, a APF] de A Associação para o Planeamento da Família
«organização serial killer»”. Porém, o facto de em (APF) vai disponibilizar a pílula do dia seguinte
Portugal, por enquanto, não se admitir a [pds] sem obrigatoriedade de receita médica nas
realização de abortamentos em clínicas privadas suas delegações regionais e outros serviços de
poderá ser um factor decisivo da não realização atendimento jovem em que participe. …
cirúrgica deste tipo de homicídios, por parte da Comercializada em Portugal desde Setembro de
APF. Se esta instituição partilha de toda a visão 1999, a chamada pílula do dia seguinte actua com
ideológica da IPPF e procura que ela se imponha eficácia se for tomada até um máximo de 72 horas
e se leve a efeito em Portugal, porque é que não após a relação sexual desprotegida, estando
se há de admitir que só não faz o que as outras disponível apenas mediante receita médica. …
congéneres concretizam, nos USA, por estar A citação é clara, quando a lei positiva estabelecia
impedida?, e que todo o seu empenho terá, que a pds só poderia ser adquirida mediante
também, como objectivo uma prática idêntica? receita médica a APF anunciou a sua distribuição
Depois, é público e notório que a APF promove prescindindo dela. Alguém sabe de alguma sanção
e facilita abortivos precoces, tais como a pílula do a que esta instituição tenha sido sujeita por esta
dia seguinte ou o DIU. Aliás nas páginas do seu razão? Será necessário algum comentário?
sítio, a APF, sem o dizer claramente, admite a ii) Todo o debate do aborto tem girado à volta do
morte dos concebidos, como se pode verificar, direito à vida, ou seja, do reconhecimento da
por exemplo, quando a propósito da chamada dignidade de cada ser humano, de cada pessoa,
contracepção de emergência (isto é, pílula do dia desde o seu primeiro instante. Uns defendem,
seguinte [pds]) declara: “Assim, a C.E. pode: … com acerto, que esse direito é primordial, sendo o
Impedir a implantação dum ovo [eufemismo fundamento e a raiz dos demais, e que por isso
usado para dizer, camuflando, ser humano na sua deve ser sempre reconhecido, respeitado e
fase embrionária] na parede do útero …” tutelado por todos e, particularmente, pelo
(http://www.apf.pt/novidades/contemg.htm) Estado; outros, erradamente, desvalorizam a vida
É verdade, suponho eu, que a APF não agarra, a humana intra-uterina, isto é, a pessoa humana,
mãos ambas, os maxilares e mandíbulas das mães eminentemente inocente, na sua fase mais
grávidas (para a manipulação ardilosa desta vulnerável, advogando que ela deva ceder – sendo
expressão de modo a fazer crer dolosamente que a liquidada pelos serviços de saúde (!?), pagos com o
gravidez se inicia com a nidação, ou implantação, dinheiro de todos –, perante outros direitos ou
e não com a fecundação ver: Nuno Serras Pereira, simples interesses e conveniências de quem é mais
A Pílula do Dia Seguinte, 16. 09. 2002), forçando- forte e poderoso, a mãe e outros.
as a engolir o fármaco, como os pais faziam Isto significa que quando se trata deste assunto o
antigamente aos filhos que repugnavam o óleo de seu centro é a questão da vida ou da morte, e não
fígado de bacalhau. Há, no entanto, outras uma arbitrária definição de gravidez. Vamos ao
formas de coação, que podem ser dissimuladas ponto: em Portugal o aborto provocado foi

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legalizado, mas só em determinadas Isto é visível na forma como se reduzem certas
circunstâncias. Porém, na prática, ao arrepio da questões políticas a escolhas técnicas. Depois do
lei positiva (no caso da pds, pelo menos até 8. 03. tanto que ouvi, confesso que já não sei o que
2001, em que foi aprovado dolosamente - pelo PS, pensar do futuro aeroporto de Lisboa, do TGV
PCP e BE - um projecto de lei sobre a ou de como reciclar os resíduos tóxicos. E, no
contracepção de emergência) liberalizou-se entanto, a forma como estas questões nos são
totalmente o aborto até ao momento da apresentadas indiciaria urna decisão fácil. O
implantação do concebido no seio de sua mãe, discurso sobre estas e outras políticas está
através de vários métodos que são dominado pela invocação da técnica e da ciência.
disponibilizados nos serviços de saúde do Estado Ambos os lados parecem estudantes aplicados,
gratuitamente ou, ao menos, por ele esgrimindo estudos técnicos, planos de impacto,
comparticipados. E, claro, como sabemos, e a projectos de viabilidade e outras expressões
própria faz questão de divulgar, a APF tem em enjoativas. Por vezes, não sei se assisto a um
tudo isto muita parte. Não sendo jurista, não debate político ou a um exame de engenharia.
poderei garantir que neste aspecto se dê uma Parece que não se trata de fazer opções políticas
violação da lei positiva. Deixarei aos especialistas mas de determinar o que é verdade ou mentira.
o cuidado de examinarem esta questão, caso não As políticas são apresentadas como o resultado de
entendam que seja uma insignificância tratar dos uma decisão técnica, mas parece que a técnica está
nossos irmãos minúsculos. De qualquer modo, mais confundida que a política.
para mim é claríssimo que a APF viola a lei Se o problema fosse só técnico a opção política
natural e o faz impunemente uma vez que o seria simples: confiar nos melhores técnicos. Mas
Estado não tutela, como é seu estrito dever, a o problema é outro: é que já não conseguimos
igual dignidade de toda a pessoa humana. distinguir entre o que pertence à técnica ou à
política. Não sabemos se foi a ciência que tomou
Políticas acidentais conta da política ou se é esta que se esconde atrás
Miguel Poiares Maduro daquela. A ciência é fundamental para esclarecer e
In: DN051113 iluminar a escolha política mas não se pode é
Bismark disse que para continuarmos a respeitar reduzir a política a uma questão de ciência. Por
as salsichas e as leis não de vemos ver como são exemplo: a ciência pode e deve ajudar -nos a
feitas. determinar o risco de um certo método de
Nunca gostei muito de salsichas mas quanto às reciclagem de resíduos tóxicos mas essa não é a
leis é difícil fazer dieta... Estão em todo o lado. questão política. As perguntas a resolver
Há um sério problema de obesidade legislativa. politicamente são outras: é esse risco socialmente
Quando não temos solução para uni problema aceitável face às alternativas existentes e aos riscos
legislamos. As leis parecem apresentar desejos em que também comportam? Como deve ser esse
vez desilusões. O homem sonha e logo legisla, risco distribuído na sociedade (quem o deve
arriscando-se a transformar as leis em meras comportar e como deve ser compensado por
intenções. Multiplicamo-las sem chegar a isso)? A política tem de partir dos factos mas não
soluções. Mas de onde vem este existencialismo pode ser reduzida a um juízo de facto (o que é
legislativo? Tem origem numa crise existencial da verdade ou mentira). A política, como a vida, é
própria política. um processo de escolha entre diferentes
À política caberia tradicionalmente a decisão alternativas imperfeitas.
sobre certos riscos sociais, distribuição dos seus Falta visão periférica às políticas. Em parte,
custos e benefícios e arbitragem entre os devido a urna “guetização” do discurso político,
diferentes interesses a eles associados. Hoje em organizado em torno de grupos com objectivos
dia, a política tem dificuldades em desempenhar específicos. Cada um destes grupos identifica o
estas funções. A verdadeira política tirou férias: a interesse geral com o que entende prioritário
ênfase é toda colocada na arte de fazer política, proteger. Num contexto destes, o verdadeiro
esquecendo as políticas que deviam ser a sua interesse geral devia resultar do equilíbrio entre
razão de ser. A estética da política (não confundir os diferentes interesses parcelares. À política
com a estética dos políticos) interessa mais que as deveria caber promover o debate entre todos e
próprias políticas. Neste contexto, não é de arbitrar entre eles. Mas não é bem assim:
estranhar que as políticas pareçam, por vezes, um Primeiro, devido à crescente complexidade social
resultado acidental da política. e, logo, das decisões políticas, a segregação do

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discurso político tem-se reflectido numa que gostaríamos de poder fazer. As políticas são
segregação das próprias políticas. Criam-se acidentais quando as escolhemos sem ter
diferentes instituições (comités, institutos, consciência dos limites da nossa escolha.
agências) a que se atribuem certos objectivos
específicos. Naturalmente, tais instituições
centram a acção na maximização desses
objectivos. O mesmo sucede crescentemente em
diferentes áreas de governo: moldados por
diferentes objectivos e com conhecimentos
compartimentados, é natural que, por exemplo, o
Ministério do Ambiente tenha uma cultura do
interesse público bem diferente do da Economia.
Quando a política já não consegue coordenar e
arbitrar estes diferentes poderes, as políticas
entram num ciclo de constante alternância,
consoante quem é chamado a controlá-las. Em
vez de as políticas representarem a escolha entre
diferentes alternativas imperfeitas à luz dos vários
interesses em causa, são, alternativamente,
dominadas por interesses parcelares. Por vezes, a
consequência é uma enorme instabilidade
legislativa e política. Noutras, onde os interesses
estabelecidos asseguram o domínio numa certa
área e o problema é o oposto: um congelamento
da democracia, em que a transformação de certos
interesses predominantes em direitos adquiridos
impede a reforma de políticas que, mesmo que
inicialmente o tenham sido, há muito deixaram
de ser eficientes e justas.
No fundo, subjacente à dificuldade de assumir a
política como escolha encontra-se um enorme
mito: a presunção de que os recursos do Estado
não são escassos. Muitas vezes, as reivindicações
que se ouvem em Portugal parecem entender que
prosseguir um certa política é apenas uma questão
de vontade e não exige uma opção entre
diferentes utilizações possíveis dos mesmos
recursos limitados. Fala-se muito de justiça
distributiva mas ignoram-se os efeitos
redistributivos da maior parte das políticas.
Fornecer o acesso universal a um certo serviço
(como a educação) pode parecer
incontestavelmente desejável. Mas o que temos
verdadeiramente de decidir é se é preferível usar
certos recursos do Estado para garantir um acesso
gratuito a todos independentemente do seu
estatuto económico ou se há alternativa melhor
para utilizar e distribuir esses recursos.
Uma política perfeita é um pouco como a
felicidade, toda a gente diz que a viu e que anda
por aí mas ninguém sabe onde mora. É bom ter a
ambição de buscar a perfeição mas não viver
obcecado com ela. Na política como no resto o
que conta são as escolhas que se fazem e não as

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