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ENSINO DE PORTUGUÊS: PRECONCEITO, LEITURA E GENÊROS


TEXTUAIS
Autor:
Hudson Marques da Silva

Ensino de português: preconceito, leitura e gêneros textuais


The teaching of Portuguese: reading and textual genres
Hudson Marques da Silva[1]

Resumo: Este trabalho discute preconceito, mitos e variedades lingüísticas da língua portuguesa, levando em
consideração possíveis obstáculos enfrentados pelos alunos no estudo da língua materna, e propõe um modelo de estudo
baseado na reflexão e diversidade textual.
Palavras-chave: Preconceito. Variedades lingüísticas. Diversidade textual. Ensino de português.
Abstract : This work discusses prejudice, myths and Portuguese language linguistic varieties, considering possible
barriers faced by students when studying their mother tongue, and suggests a study model based in reflection and textual
diversity.
Keywords: Prejudice. Linguistics varieties. Textual diversity. Portuguese teaching.

INTRODUÇÃO
Durante muitos anos, o ensino de língua portuguesa no Brasil voltou-se à mera reprodução das regras
apresentadas pelos livros de gramática. O bom professor de português era aquele que dominava todas as regras de
temas como classificação das palavras ou análise sintática. O ensino dessas regras era ministrado com a exposição
de frases pré-elaboradas, formando, assim, uma gramática das frases.
Esse modelo de ensino parece ter gerado alguns mitos e ideologias que permeiam tanto a sociedade quanto o
próprio sistema educacional. Desse modo, muitos professores procuraram ensinar um "português correto", tomando
como base a escrita.
Todavia, com o avanço dos estudos lingüísticos, na década de 1960, surge a Lingüística Textual, que, para
Marcuschi (1983, p. 7), "[...] é uma das linhas de pesquisa mais promissoras da lingüística atual.", uma vez que
contempla os recursos lingüísticos partindo do texto - gramática textual - e não mais das frases.
A principal preocupação da Lingüística Textual é formar indivíduos lingüisticamente competentes, capazes de
utilizar a língua nas suas diversas modalidades de acordo com cada situação. Dessa forma, este trabalho discute
possíveis obstáculos causados pelo preconceito lingüístico e propõe um modelo de ensino baseado na reflexão e
diversidade textual.

Norma padrão, preconceito e mitos

A idéia que normalmente se faz a respeito do profissional que trabalha com o ensino de língua
portuguesa é a de que ele é o responsável por habilitar o aluno a utilizar e dominar a língua tanto oral, quanto escrita.
O professor de língua portuguesa é reconhecido como alguém que ensinará o aluno a "expressar-se bem", seja lá o
que isso for, e o conduzirá a conhecer e utilizar as regras prescritas pela gramática normativa - a chamada norma
"culta" ou norma padrão.
Apesar de existirem três conceitos de gramática, normalmente difundidos entre os lingüistas: a normativa,
a descritiva e a internalizada (FRANCHI apud MENDONÇA, 2001), é através da gramática normativa que muitos
estudantes têm contato com o ensino da língua portuguesa, uma vez que é ela que adentra pela escola por meio dos
livros didáticos e das gramáticas tradicionais. Entretanto, esta concepção de gramática preza pelo"bom" e "correto"
uso da língua, não dando tanta atenção à importância de formar indivíduos críticos e capazes de interagir
lingüisticamente nas mais diversas situações, possibilitando a análise não apenas do aspecto gramatical, mas da
intenção do discurso, das idéias que ele pretende transmitir e de sua importância. Pode-se inferir que esse modelo
tradicional colabora para a petrificação de uma norma "culta" que pode ser instrumento, na verdade, de uma
discriminação social.
Bagno (2003) observou que o preconceito contra certas variações lingüísticas está associado não

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somente à língua em si, mas à classe social à qual o falante pertence, pois o modo de falar, de certo modo, denuncia
se o indivíduo é nordestino, interiorano, e principalmente se faz parte das classes menos prestigiadas. Dessa maneira,
o preconceito não é puramente lingüístico, e sim social. A fim de constatar isso, Bagno (2004, p. 44) exemplifica:
Na pronúncia normal do Sudeste, a consoante que escrevemos T é pronunciada [ts] (como em tcheco)
toda vez que é seguida de um [i]. Esse fenômeno fonético se chama palatização [...] E todo mundo acha
isso perfeitamente normal, ninguém tem vontade de rir quando um carioca, mineiro ou capixaba fala
assim.
Quando, porém, um falante do Sudeste ouve um falante da zona rural nordestina pronunciar a palavra
escrita OITO como [oytsu], ele acha isso "muito engraçado", "ridículo" ou "errado". (grifo do autor).

No âmbito lingüístico, os dois fenômenos acima citados são o mesmo: palatização, entretanto, cada
situação apresenta características singulares que diferenciam padrões sociais.
De acordo com Bagno (2003), a concepção de padrão lingüístico no Brasil pode ser mais ampla do que
aparenta. Esse autor classifica as variedades lingüísticas em três esferas: a norma-padrão, que são as regras
preconizadas pela gramática normativa e que, segundo ele, se trata de uma variedade abstrata, isto é, não utilizada
efetivamente pela grande maioria; as variedades prestigiadas, faladas pelas pessoas com alta escolarização e em
que o não cumprimento das regras gramaticais não é tão discriminado; e as variedades estigmatizadas, faladas
pelas pessoas menos privilegiadas, com baixo nível de escolarização.
Para Bagno, as variações não estariam ligadas somente a aspectos geográficos, mas, sobretudo, ao
padrão de escolarização do falante, uma vez que todas as variedades lingüísticas podem ser identificadas em
qualquer região do Brasil. Numa mesma cidade, podem-se encontrar tanto pessoas que falam as variedades
prestigiadas quanto as que falam as variedades estigmatizadas. Portanto, a origem das variedades lingüísticas reside
nos padrões de escolarização e não de localidades.
Outro tipo de equívoco lingüístico que geralmente se comete é discutido por Perini (2004). O lingüista
argumenta que, para a maioria das pessoas, a forma "correta" da língua é a escrita, e a fala não passa de uma forma
simplificada e até "errada" de se reproduzir a escrita. A esse respeito o pesquisador considera:

[...] a diferença entre a fala e a escrita não é que a fala seja uma espécie de escrita descuidada; as noções
de "certo" e "errado" são completamente inadequadas para descrever as relações entre o modo como
falamos e o modo como escrevemos. (PERINI, 2004, p. 56).

Por outro lado, alguns lingüistas acreditam que a fala é mais importante e que a escrita consiste apenas
numa tentativa de reproduzi-la por meio de sinais gráficos. Tal concepção - chamada de associacionista
(BARBOSA, 2000) - pode ser um tanto simplista, pois as línguas, tanto oral quanto escrita, consistem em dois meios
de comunicação distintos, como argumenta Perini (2004, p. 57):

Mas acontece que a escrita é muito mais do que uma representação gráfica da fala. Há diferenças
profundas entre a linguagem que utilizamos ao falar e a que utilizamos ao escrever: algumas dessas
diferenças são de caráter gramatical, mas as mais importantes têm a ver com a maneira como
estruturamos o próprio texto ao falar e ao escrever.

Nota-se, na sociedade, uma tendência em supervalorizar a escrita em detrimento da fala. Isso pode
ocorrer devido a nossa tradição da filologia que, enquanto primeira ciência da linguagem, tinha apenas o texto escrito
como objeto de estudo. Por essa e outras razões, durante muitos anos perdurou um modelo de ensino de língua
portuguesa nas escolas brasileiras baseado nos padrões estáticos das frases pré-elaboradas e principalmente da
gramática normativa.
Embora os estudos lingüísticos já tenham desmistificado a legitimidade desse modelo, sobretudo com o
surgimento da lingüística textual, de certo modo, parece haver uma resistência em sua manutenção na sala de aula.
Todavia, as contribuições da lingüística têm focalizado a comunicação como o principal objetivo no estudo da língua,
o que fez com que os livros didáticos utilizados para o ensino de português já apresentem uma modificação na sua
estrutura e nos seus objetivos.

Aula da leitura na escola


Os professores de língua portuguesa freqüentemente relatam que uma das principais dificuldades que
encontram em seus alunos, no estudo da língua materna, está na incapacidade de ler e interpretar textos, atentando
para os seus detalhes, fazendo inferências de informações não contidas explicitamente neles e assim por diante. Por
isso, uma das grandes preocupações da lingüística aplicada tem sido o desenvolvimento de métodos de ensino de
leitura que sejam eficazes. Para Azambuja e Souza (2003, p. 49), "[...] estudar um texto é trabalhar nele de modo
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analítico e crítico, desvendando-lhe sua estrutura, percebendo os recursos utilizados pelo autor para a transmissão da
mensagem [...]".
Nesse aspecto, o professor de língua portuguesa poderia propor as seguintes capacidades: a formativa,
que possibilita a compreensão e produção de qualquer tipo de texto; a transformativa, que possibilita a
reformulação de uma idéia; e a qualificativa, que possibilita a identificação da tipologia do texto (CHAROLLES
apud TAVAGLIA, 2002). Desse modo, o aluno adquiriria a chamada "competência textual".
Azambuja e Souza (2003) sugerem um modelo como técnica para o ensino de leitura que se divide da
seguinte forma:
Predisposição para a leitura: é a fase em que o professor motivará o aluno a ler o texto, aguçando sua
curiosidade acerca do tema em questão. Para isso, o professor levará em consideração as experiências
prévias dos alunos, a fim de que o texto não seja entregue "secamente".
Atividade de leitura do texto: é quando o aluno tem o primeiro contato com o texto, que pode ser
individual-silenciosa - sendo esta uma etapa importante enquanto primeira leitura, pois o aluno a fará de
acordo com o seu ritmo e não será induzido a interpretações por parte do professor ou dos colegas - e
oral - pode ser realizada com textos curtos e ajuda no desenvolvimento da expressão oral do aluno,
podendo ocorrer individual ou coletivamente.
Estudo do texto propriamente dito: o texto deverá ser lido quantas vezes forem necessárias. O aluno
levantará hipóteses, para testá-las, confirmá-las ou refutá-las; deixando, portanto, de ser uma leitura
superficial.
Estudo do texto como gerador de outro texto: as autoras argumentam que o texto só é bem estudado
quando gera outro texto, isto é, quando o aluno recria, isso significa que ele não se limitou a receber
significados, de forma passiva e acrítica, mas construiu dentro de si suas próprias idéias.

Para a realização de uma aula de leitura, as etapas acima sugeridas parecem atingir um resultado
significativo, podendo também ser adaptadas de acordo com cada nível ou necessidade comunicativa do aluno. No
entanto, fica com o professor a responsabilidade de aprimorar os métodos de ensino e investigar a eficácia dos seus
resultados, uma vez que é ele quem está inserido na sala de aula aplicando os métodos e convivendo com os alunos.

OS gêneros textuais e os PCNs no ensino de língua portuguesa


Uma possibilidade para a superação das falhas vigentes na atual conjuntura do ensino de língua
portuguesa seria a efetiva implementação das propostas dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), modeladas
de acordo com a realidade de cada escola. Um dos objetivos dos PCNs é a formação de cidadãos, e isso não
condiz com o modelo do ensino de língua portuguesa tradicional com o qual, usualmente, deparamos no Brasil.
Nesse modelo, nota-se a restrição a apenas uma exposição gramatical da variedade padrão da língua, e
que, quando parte para os níveis textuais, não se concentra no pleno desenvolvimento da competência discursiva,
que é a capacidade de comunicação oral e escrita nas diversas situações. O que, para Jacqueline Peixoto Barbosa
(2000, p. 151), é "[...] um dos 'passaportes' para a cidadania". Mesmo sendo este um elemento que é inerente ao
ensino de língua portuguesa, não se pode dizer que seja significativamente efetivado, pois grande parte dos
profissionais da área desenvolve as tipologias textuais focalizando apenas os aspectos estruturais, o que não contribui
em muito para a formação lingüística do discente.
Um fato que tem contribuído para o fracasso no ensino de língua portuguesa, enquanto língua materna, é
que, com a restrição à variedade padrão da língua, as regras gramaticais são vistas como a forma "certa" de se falar e
escrever, e isso parece ter criado uma "barreira" no momento da produção textual, pois o aluno, por não dominar
essa norma, na maioria das vezes, acaba criando um sentimento de inferioridade e um bloqueio no momento de
produzir um texto.
Portanto, a adoção da noção bakhtiniana do discurso pode ajudar para desenvolvimento da
competência discursiva do aluno, já que ela concentra-se nos aspectos da enunciação e do discurso, relacionando-os
ao contexto sócio-cultural e histórico de cada texto. Sendo assim, trabalhar com a noção bakhtiniana trata-se de
abordar os gêneros textuais, focalizando não apenas os aspectos internos do texto, mas também as condições de
produção e as características singulares de cada gênero.
O trabalho com os gêneros do discurso exige uma preparação dos professores de português para que
eles possam estabelecer uma progressão curricular que consista numa seleção dos gêneros a serem aplicados,
baseados em critérios coerentes e não em critérios de ordem, simplesmente, como aqueles que classificam os textos
em narrativos, descritivos e dissertativos, sem uma preocupação com as características singulares de cada texto e
que, muitas vezes, passam despercebidas. A fábula, o conto de fadas, a crônica literária, o romance policial, o
romance de aventura podem ser textos narrativos, mas com características próprias que os diferenciam. Assim como
o editorial de jornal, o artigo de opinião, a resenha crítica e o artigo científico são geralmente considerados textos
dissertativos, mas não chamam a atenção para as diferenças de gênero. Isso não aconteceria num trabalho com

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agrupamentos de gêneros.
Para que haja a efetiva e adequada aplicação de tal modelo de ensino de português, poder-se-ia
elaborar programas que ajudariam a preparar os professores a trabalharem com os gêneros do discurso, visto que
muitos deles ainda estão restritos à noção de expor em sala de aula apenas os conteúdos gramaticais.
Os cursos de especialização na área de lingüística aplicada ao ensino de língua portuguesa são
oferecidos por programas de pós-graduação - lato sensu - de diversas faculdades, porém, muitos professores, por
vários motivos, não conseguem ter acesso ou não se interessam por esses cursos. Um meio de esse aperfeiçoamento
atingir diretamente os professores de língua portuguesa seria a promoção de minicursos/oficinas ministradas por
especialistas da área na própria escola periodicamente. Para isso, o governo e a iniciativa privada teriam de investir
no desenvolvimento dos profissionais da educação, visando uma melhoria na formação dos estudantes.

CONSIDERAÇÃOES FINAIS

Em um país como o Brasil, mesmo com as lutas contra o racismo, o machismo, a discriminação social e
assim por diante, a palavra preconceito ainda não caiu em desuso, pois se trata de um sentimento que, embora fruto
da ignorância, persiste em várias esferas da sociedade. Como visto neste trabalho, o preconceito contra certas
variedades lingüísticas está ligado não à língua, mas às camadas sociais às quais os falantes pertencem.
Essa ideologia infiltrou o espaço pedagógico fazendo com que até os profissionais da língua reproduzissem
esse discurso, como pudemos ver pelo sucesso de alguns programas de TV e livros que ensinam como falar
corretamente.
No ensino de português, esse modelo pode limitar a liberdade de expressão, fazendo com que o aluno sinta-
se incapaz de escrever um texto ou até de falar em determinadas situações. Nessa perspectiva, a língua também pode
ser um instrumento de poder, pois somente aqueles que tiveram acesso a determinadas variedades lingüísticas podem
se expressar escrita ou oralmente.
Se isso é verdadeiro, é dever do professor superar todas essas visões e ajudar o aluno a inserir-se na
sociedade como sujeito capaz de modificá-la, de expressar suas idéias e de defender seus direitos. Para que se atinja
tal objetivo, a língua pode ser o primeiro recurso a ser aprimorado, através da formação de indivíduos competentes
lingüisticamente.

REFERÊNCIAS

AZAMBUJA, Jorcelina Queiroz de; SOUZA, Maria L Rocha de. O estudo de texto como técnica de ensino. In:
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Técnicas de ensino: por que não? 15. ed. São Paulo: Papirus, 2003.

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 33. ed. São Paulo: Loyola, 2004.

______. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. 3. ed. São Paulo: Parábola, 2003.

BARBOSA, Jacqueline Peixoto. Do professor suposto pelos PCNs ao professor real de língua portuguesa: são os
PCNs praticáveis? In: ROJO, Roxane H. R. A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. São
Paulo: EDUC, 2000.

MARCUSCHI, L. A. Lingüística textual: o que é e como se faz? Recife: Editora Universitária da UFPE, 1983.

MENDONÇA, Marina Célia. Língua e ensino: políticas de fechamento. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES,
Anna Christina (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

PERINI, Mário A. A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo: Parábola, 2004.

TAVAGLIA, L. Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 8. ed.
São Paulo: Cortez, 2002.
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São Paulo: Cortez, 2002. ENSINO DE PORTUGUÊS: PRECONCE…

[1] Fafire

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