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de dois
níveis
Double Layer Economy
Manuel Moniz
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A economia
de dois
níveis
Double Layer Economy
POR: Manuel Moniz
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tarmos e da saúde para nos mantermos vivos, precisaríamos de muito
menos dinheiro para viver e seríamos mais felizes. É assim na teoria. A
questão é esta: consegue este sistema funcionar?
De algum modo, os seus princípios já estão em prática. Os diversos
sistemas de protecção dos cidadãos, que vive dos impostos, destina-se
exactamente a servir de almofada aos que caem em situações mais fra-
gilizadas. Mas o facto dos seus orçamentos dependerem directamente
do dinheiro que tem disponível, torna a sua gestão inter-dependente do
próprio sistema. Curiosamente, ou talvez não, são exactamente as áreas
“fundamentais” as que dão maiores lucros à iniciativa privada: quem
controlar a alimentação, a saúde, a habitação e a energia, controla a
economia!
Mas como o passado já provou, não se deve limitar a ambição pesso-
al, desde que ela seja positiva para todos, sendo assim normal que nos
movamos por sonhos. A esse nível a economia deve funcionar livre e
saudavelmente, focando nos seus aspectos mais positivos: a criativida-
de e a inventividade. Mas numa situação em que o dinheiro tenha um
valor muito inferior, as exigências por parte dos trabalhadores serão
igualmente muito inferiores. Com as necessidades básicas resolvidas,
o ser humano passará a concentrar-se nas suas aptidões de criador. Afi-
nal de contas, exactamente aquela para a qual foi criado em primeiro
lugar...
Esta reflexão pretende ser um contributo para a necessária alteração
do sistema económico vigente, facilitando um novo salto evolucionista
e proporcionando um modelo de salvação ambiental do planeta. Uma
resposta convencional à actual crise seria um passo de gigante para
uma crise muito mais profunda e eventualmente inultrapassável a muito
curto prazo.
Manuel Moniz
Abril de 2009
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Do ponto de visa dos objectivos e do próprio conceito de Estado, o
que constitui a verdadeira riqueza não é a quantidade de dinheiro que
circula mas a capacidade produtiva instalada, pois é ela que garante real-
mente o advir da população.
É óbvio que este conceito não se enquadra no ambiente económico
actual, onde o ser humano parece ter perdido a sua componente de “ci-
dadão” para se cingir apenas à de “consumidor”. E quando se fala de
economia de mercado, parece que se está a falar de humanidade – quando
uma e outra são diferentes partes da equação.
A economia de mercado é um instrumento que a humanidade utiliza
para se satisfazer – e a verdade é que de algum modo ela tem cumprido
o seu papel. Mas alguém imagina que dentro de 50 anos o ser humano
estará a funcionar nos mesmos moldes que actualmente? Não creio, por-
que não faz sentido. Se a nossa evolução vai no sentido de melhorarmos a
nossa qualidade de vida, claramente que o modelo actual não se manterá
por muito mais tempo.
Tem a ver com a sua própria génese: a economia de mercado nasce
como resposta a um período específico da humanidade, não como a res-
posta final. E manter uma resposta que já começa a ficar desadequada,
sem se desenvolver conceptualmente novas respostas, é um erro crasso
que urge remediar. Na realidade, a defesa da economia nos moldes con-
vencionais já se enquadra no âmbito do conservadorismo puro, não da
modernidade.
Olhando para o passado, facilmente se percebe que a humanidade tem
vindo a ganhar direitos que simplesmente não devem ser perdidos apenas
porque um sistema económico está a falhar. É sobre esses direitos – ou a
sua reformulação – que a solução para a actual crise deverá encontrada,
ao mesmo tempo que se dará mais um passo em frente na evolução da
humanidade.
Há um pressuposto fundamental no desenvolvimento de qualquer teo-
ria económica e social: ela deve garantir qualidade de vida básica a toda
a população, sem lhe retirar o seu sentido empreendedorismo que a faz
evoluir. É na conjugação destas duas vertentes que o ser humano poderá
encontrar a sua felicidade.
O que vemos, no entanto, e que comprova como o sistema já não
está a dar uma resposta adequada, é que os direitos estão a recuar a uma
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grande velocidade, na proporção exacta do aumento das dificuldades que
o modelo económico enfrenta. Quando o que é necessário é que a livre
iniciativa capitalista consiga viver sobre um substrato de direitos básicos
fortemente arreigados.
Há condições de base que cada Estado deve conseguir garantir com
vista à felicidade dos seus cidadãos: alimentação, vestuário, habitação,
educação, saúde, energia e transportes. E na prossecução do objectivo de
garantir essas necessidades básicas, o Estado deve agir como se se tratas-
se de uma verdadeira empresa, mas, para que seja realmente eficaz, uma
série de conceitos terão de ser alterados.
Desde logo, a ideia de que tudo na vida deve cair no âmbito do capi-
talismo. Na verdade, a não ser que algumas áreas sejam subtraídas a este
modelo, a tendência será de piorar a qualidade de vidas das pessoas. A
única solução possível e desejável vai no sentido de existir uma econo-
mia dupla: uma área cujo objectivo é a garantia da subsistência da popu-
lação, e outra permitindo o desenvolvimento das iniciativas pessoais com
vista ao lucro. Diga-se de passagem que esta solução aparece-nos como
igualmente transitória no plano da evolução humana, mas este é que o
nosso tempo e é para ele que devemos encontrar soluções concretas.
Um dos erros actuais passa por considerar que é no emprego que está
a solução da crise. Da Esquerda à Direita, ouvimos os políticos defende-
rem o “direito ao emprego” como se fosse a panaceia de todos os males.
E seria, se o capitalismo tivesse capacidade para crescer indefenidamen-
te, algo que claramente não tem.
Os empregos, no actual sistema, estão condicionados ao lucro das em-
presas que os criam. Sem lucro as empresas não têm capacidade para os
manter, e o facto é que o lucro depende em muito da própria redução do
número de postos de trabalho por relação com a produção final. Hoje
em dia a produtividade é muito superior ao que foi no passado – cada
trabalhador representa uma produção muito maior, em inúmeros casos o
dobro e triplo do que era há apenas 50 anos atrás. E mesmo nas chamadas
economias emergentes, a tendência inevitável é essa, sendo a capacidade
competitiva baseada no baixo custo do trabalho uma mera fase transitó-
ria.
Os empregos dependem, por isso, da capacidade de aquisição dos
produtos que os mercados têm. Mas quando os mercados demonstram
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incapacidade para adquirir esses produtos, a única forma que as empresas
têm de manterem a sua solvabilidade é reduzindo a sua mão de obra. Tão
simples como dois e dois serem quatro.
Porque engloba tudo, o capitalismo está a ficar cada vez mais aperta-
do. Exige-se cada vez maior produtividade aos empregados sob pena de
falência directa e a importância da tecnologia avança rapidamente. Não
seria em si um mal, pois todo o trabalho que puder ser retirado à huma-
nidade deixa-lhe mais tempo para as coisas realmente interessantes. Só
que o capitalismo não tem pretensões de organizar a humanidade nem a
encara como tal: para capitalismo, a humanidade é sobretudo um merca-
do de consumidores; e mesmo as facilidades que ele aparentemente lhes
concede, destinam-se sobretudo a garantir a sua própria sobrevivência
como sistema.
Então como reorganizar a economia? Subtrair ao capitalismo “nor-
mal” uma série de áreas é a única forma de nos protegermos dos seus
aspectos negativos. Por exemplo, é aceitável que as famílias percam as
suas casas de habitação porque o desemprego aumenta e deixa de ser
possível pagar os empréstimos? Isso, simplesmente, não é nem justo nem
desejável, nem inteligente do ponto de vista da salvaguarda da nossa pró-
pria humanidade.
As soluções actuais prevêem que essas dificuldades possam ser su-
pridas através de apoios do Estado em dinheiro – mas quando o dinheiro
começa a rarear, é inevitável que os estados tenham cada vez mais difi-
culdades em assegurar essa missão e, num caso extremo, mas claramente
provável, poderá ficar impossibilitado de o fazer, o que criará uma crise
social sem precedentes.
A solução passa por separar o que são as componentes de bem essen-
cial e das de luxo dispensável – ao nível da habitação, mas tamém noutras
áreas. Uma casa de tipologia média, com um quarto por cada filho, é um
bem essencial; um palácio é um luxo dispensável. O bem essencial tem
de estar salvaguardado do sistema capitalista e não pode ser encarado
como um bem transaccionável meramente de cariz económico; o segun-
do, pela sua própria natureza, é um bem comercial passível de sofrer as
valorizações ou desvalorizações que estão sempre ligadas ao modelo de
economia de mercado.
Hoje em dia, existem muito mais casas do que o número de famílias
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existente, o que configura já um desequilíbrio importante que tenderá a
acentuar-se. No passado, cada crise era uma oportunidade de bons negó-
cios, e é por isso que se diz que “o dinheiro corre para o dinheiro”. Na
realidade, o que aconteceu foi que quem tinha capacidade económica
fortalecia-se ainda mais com cada crise. No entanto, mesmo esses mo-
vimentos têm limites e que neste momento é possível que já tenhamos
atingido uma certa saturação natural e qualquer aumento do desequilíbrio
entre os que têm e os que nada têm poderá já ser incomportável do ponto
de vista social.
Inevitavelmente, a solução passa por uma desvalorização radical da
componente de bem essencial dos imóveis e de uma clara redução do
ritmo das novas construções. O caminho não deve ser o de relançar a
economia através do aumento da construção civil – mas sim garantir que
as famílias tenham menos encargos e por essa via fiquem menos depen-
dentes da capacidade de gerar lucros das empresas.
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