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Transcrição do Seminário apresentado em 1999,

na Universidade Católica de Santos


Curso: Mestrado em Filosofia da Educação
Autora: Melissa Elias Viana
Título: Começando a compreender a questão da Dialética da Razão de Habermas

Mephisto a Fausto: "vamos que o saber é longo e o tempo curto". (Goethe)


O livro que vou abordar aqui chama-se "Habermas e a Dialética da razão", de David
Ingram, de 87 (mas que foi traduzido só em 94). Confesso que o texto é denso,
difícil mesmo, mas aos poucos a coisa foi indo, eu fui buscar explicações em
outras fontes, em outras pessoas, espero que eu consiga passar um pouco da
essência desse livro.

Sobre Habermas existem muitas coisas escritas, mas sobre o Ingram, foi até um fato
curioso, principalmente porque existem vários David Ingram, que são professores,
por incrível que pareça. Teve um Ingram que eu tava pesquisando e tal, e quando eu
fui traduzir me deparei com um PhD em botânica.... Mas o nosso Ingram é professor
de filosofia na Universidade de Chicago e autor de alguns livros como: "Teoria
Crítica e Filosofia" e "Teoria Crítica: leituras essenciais.

A Escola de Frankfurt discutia, principalmente a questão da ideologia. Para onde


estava indo o homem, a sociedade, o mundo?
A Escola de Frankfurt, fundada nos anos 20, era formada por filósofos e cientistas
sociais que criaram uma teoria crítica de uma sociedade, oprimida pela indústria
capitalista. Esses pensadores eram, sobretudo marxistas, judeus, perseguidos e a
Alemanha estava vivendo o nazismo. Adorno, Horkheimer, Marcuse e outros, queriam
mostrar que havia uma ideologia por trás disso tudo.

Porém, eles eram muito pessimistas e não davam uma saída para o problema.
Habermas, como aluno assistente de Theodor Adorno começa pensando como a Escola de
Frankfurt, mas, com o fim da guerra e a reconstrução da Europa, Habermas começa a
ver que o mundo estava mudando. E começa a ler Heidegger, começa a ler outros
pensadores, como Weber, Durkheim, Mead, Parsons... Vai buscar explicações na
Psicanálise de Freud, na hermenêutica de Gadamer e na pragmática comunicatica de
Apel e vai se distanciando daqueles traumas do pós-guerra.

Habermas é considerado o representante da segunda geração da Escola de Frankfurt,


embora essa denominação não seja muito bem "digerida". A preocupação dele é que
estão deixando de pensar no humano para pensar as ciências, mas o homem será
sempre homem e terá sempre suas virtudes, seus fracassos.

Os pensadores de Frankfurt diziam que a razão só levaria à destruição. Habermas


diz que não é a razão que deve ser criticada, mas sim o conceito de que ela é
muito ampla.

David Ingram, o autor do livro, é um dos poucos da língua inglesa que se


habilitaram a fazer uma análise abrangente da obras de Habermas, e não uma
crítica. Mas ele não pôde abranger todas as obras, obviamente, porque o livro é de
87 e Habermas continuou produzindo. (não inclui, por exemplo, o Balanço
Intermediário no Processo do Esclarecimento/89, Facticidade e Validade/92).

Antes de Ingram, só um outro americano, Thomas Mc Carthy havia escrito sobre


Habermas, em 78, mas não incluiu também sua principal teoria: a Teoria da Ação
Comunicativa/81.

Ingram estrutura o livro de forma a colocar diversos conceitos na compreensão da


teoria de grandes pensadores que influenciaram Habermas, depois apresenta os
argumentos deles, as críticas, as complementações para chegar na teoria prática e
discursiva de Habermas.

Tem uma resenha desse livro, escrita pela Bárbara Freitag, no caderno Mais da
Folha de S. Paulo, que dizia que um outro fato curioso é a tradução, que foi muito
bem feita, mas alguns termos que o próprio Ingram não captou em alemão, a versão
brasileira acabou por encontrar também dificuldades. Um exemplo disso é o termo
que provavelmente o Paulo Schiff depois vai abordar, o "lebenswelt", traduzido por
"lifeworld" e depois para "mundo vivo", quando já se falava em "mundo vivido" ou
"mundo da vida" aqui no Brasil.

Traduzir um texto de ou sobre Habermas é mais do que um trabalho mecânico. Isso


significa, como lembra o próprio Habermas, recriar o texto. Esses estudiosos
deveriam se reunir e publicar um glossário...

Habermas tem uma abrangência impressionante e uma grande segurança das fontes que
cita. Seu estilo é denso. Sua leitura é difícil, afasta leitores potenciais e por
isso mesmo, é muito criticado.
Muitas dessas críticas fizeram com que ele revisse seus pensamentos, suas teorias,
outras, geraram apenas polêmicas. Temos as discussões entre Habermas e Popper/
Adorno (o positivismo, ele era contrário à idéia da verificação das ciências
sociais através da falseabilidade de Popper). Habermas e Gadamer (a hermenêutica
filosófica pro Habermas não dá conta de explicar as ciências sociais, ela só pode
ser aceita depois de uma Teoria Crítica); Habermas e Peter Sloterdjik (a
biogenética, uma questão mais recente, pra ele a idéia de clonagem e coisas do
tipo remetem ao passado da Alemanha nazista). Mas isso são polêmicas. O que
interessa saber é que Habermas continua produzindo, e muito!

Logo que eu estava começando a ver Habermas, eu li uma crítica do Eduardo Gianetti
que dizia assim: “Marx, reclama num prefácio de um de seus livros que nunca alguém
havia escrito sobre dinheiro com tanta falta dele. E nunca alguém falou tanto em
defesa da comunicação não distorcida, do debate aberto e das condições ideais do
discurso de uma forma tão opaca, tortuosa e impenetrável como Habermas". Eu
confesso que eu fiquei assustada, mas aos poucos as coisas foram se encaixando, eu
fui lendo outros artigos, tive várias ajudas e vi que ele é difícil sim, mas não é
esse monstro de sete cabeças, ele só é muito otimista e prolixo.

E o livro trata da luta de um grande pensador para abordar o paradoxo central da


vida moderna: a perda da liberdade, do respeito pela vida humana e seu
significado.

Para começarmos a entender Habermas e a dialética da razão, é preciso dar um


rápido giro pela história filosófica, passando por alguns dos grandes pensadores
que influenciaram suas teorias.

O que é essa razão? O que é essa questão da dialética que Habermas coloca?
Dialética da razão é a busca incessante da razão. E o que é a dialética senão a
busca da perfeição?

Eu vou procurar mostrar isso de uma maneira bem simplificada. À minha


hermenêutica.

Para Platão, a razão tinha uma proximidade muito grande com a verdade.
(essa verdade era dada através da virtude – antes o cosmo, agora o homem)

Aristóteles via a razão como a metodologia do pensamento, numa elaboração lógica


capaz de se chegar à verdade; a possibilidade de uma ciência empírica. (discípulo
de Platão/moral, Aristóteles científico-botânico, prof. Alexandre O grande)
Descartes dizia que a razão não dependia só do pensamento, pois em última
instância o pensamento era verdadeiro. E essa verdade para ele, era a própria
existência. Não é o "homem pensa, logo ele existe". É "Eu penso, logo existo". A
minha existência é dada porque eu "me" penso. A ética de Habermas, do Agir
Comunicativo começa a ser entendida aí.

Para Kant existia uma ruptura, um distanciamento (sujeito-objeto). É possível


então a razão se legitimar pela lógica da ciência. Mas aí surge um problema. É
possível, mas não para tudo. A ação não está na dependência da razão. A lógica
pura é a lógica da ciência. E a lógica da ação se baseia em valores morais. A
lógica da razão pura e da razão prática. As duas não são a mesma coisa, portanto
se dividem. Kant resolve isso pelos universais. O universal do universal, a máxima
moral kantiana, que vira depois o Princípio U de Habermas. "Não faça aos outros o
que não quereis que vos façam" (que também é o princípio do Cristianismo). Mas
isso ainda é insuficiente. A questão fica colocada, de uma forma simplificada.
Seria possível uma ciência do comportamento? A questão não se resolve pelo
empirismo ou pelo racionalismo.

Hegel então começa a encaminhar a solução. Ele restaura a consciência pensante. O


sujeito construindo o mundo, a lógica dialética, histórica. Ele se apropria do
conteúdo através do movimento da razão. A consciência em Hegel é fundamentalmente
dialética.

Para entendermos melhor isso, eu vou fazer uma analogia com um acontecimento
recente, que eu achei bastante válido pra exemplificar isso. Antes mesmo de uma
colega falar a respeito, eu já tinha estruturado essa pequena "ousadia". E me
perdoem os psicólogos se eu cometer alguma heresia. Mas a questão é:

O rapaz que matou três pessoas no cinema. (Mateus da Costa Meira)


- Quem matou? Foi o rapaz.
- Mas esse rapaz é criminoso ou incapaz de compreender os seus atos? A tal da
questão da imputabilidade...
- Se ele é incapaz, ele não matou. Mas todo o que mata é criminoso.
Ele não é só criminoso, então ele é incapaz.
- E quem vai dizer isso? Ora, o psiquiatra. Que vai se utilizar de categorias pra
chegar a um diagnóstico.
Se ele é incapaz, ele deixa de ser criminoso e se suspende o juízo dele, pois não
é possível julgar o incapaz se somos normais.
- Estamos trabalhando um ser que pegou um instrumento e matou. Ele será julgado ou
não segundo critérios racionais, critérios da ciência.
- Na hora em que alguém disser que ele é incapaz e assinar embaixo, ele deixa de
ser um criminoso para se tornar uma categoria diferente.
Estamos dando a isso uma realidade formal.
- Isso não exime o ato real do que ele fez. Então, por que o julgamento, nesses
casos, é especial?
- Porque sua condição é dada através de uma "positividade formal". (as leis são
positivas)

A razão para Hegel é formal, e não a realidade.

O conceito é: o rapaz é incapaz, é jovem, estudante de medicina.

Suspendemos o juízo porque não podemos afirmar se ele é criminoso ou incapaz. Essa
realidade só vai ser definida quando ficar caracterizado, por um processo
racional, essa "materialidade racional".

A razão para Hegel é conceitual, mas a realidade também é conceitual! E aí o


problema é sério. Quantos de nós estamos na realidade?
Só aqueles que detêm a capacidade de conceituar estão na realidade?

E como chegar a isso? Através de um movimento. E esse movimento se dá na história


e é a história que leva à consciência.
Quando ela supera a materialidade, entra no plano conceitual e entra em outra
materialidade.
O rapaz é incapaz. Mas ele é incapaz para escovar os dentes? Não. Então, outra
questão surge. O que é incapaz? Se retirarem a capacidade jurídica ele se torna um
criminoso. Mas ele já não é um criminoso?

O formal que é o conceitual, que é o formal.


Esse movimento se dá não por oposição, mas por um movimento contínuo. Tese e
antíteses estão interligadas. O primeiro termo está ligado ao segundo. É a força
do movimento da história que faz o outro termo mudar.

Marx diz (de uma forma simplificada) que não é a história, a força da razão ou do
espírito. A força é dada por questões materiais que levam à transformação.

Voltando ao exemplo.
Esse rapaz tem uma situação de vida material tal que, usar a arma, era para ele se
mostrar como existente, independentemente do uso de arma ser proibida no país.
Para existir, os seres que não existiam para ele, poderiam desaparecer, serem
deletados. A existência deles era um teste. (Se eles deixassem de existir é porque
ele existiria. Senão, ele é que não existiria!)

Marx iria ler isso de uma forma mais ampla. O rapaz tem uma determinada arma que
mostra a classe econômica a qual ele pertence. Marx seria mais abrangente...

Hegel puxa a questão do criminoso incapaz da existência. Ele quer entender a ação.
E aí o enfoque é outro. O ser, agindo no meio de expectativas comuns, deve ter
ações adequadas.

O estudante de medicina teve um comportamento diferente. Até que ponto ele


insurgiu quanto a essa expectativa?
Ele está próximo da gente. Ele é classe média.
Por que ele não correspondeu às expectativas, como consenso?
Freqüentou boas escolas, tem carro, dinheiro. Se não tivesse poder aquisitivo,
poderia ser frustrado, seria até esperado. Mas, nesse caso, não.
Habermas começa a trabalhar nessa questão. Até que ponto esse "eu" interno tem
poder de escolha.

Eu "me" penso.
Quem sou eu que, a mim mesma não se revela?
Eu sou um pra mim.
Sou o que o outro me vê.
Sou algo que eu não sei quem sou.
E o outro é algo que eu também não sei quem é.

Bonito isso, né? O "eu" e o "me" recolocam o agir no contexto.


É racional essa relação.
Mas que razão é essa que permite articular tudo isso?
Habermas e Mead analisam esse "me". Esse "eu para mim mesma". O "selbst", a
subjetividade, o si mesmo.
Quem sou eu e como é que eu consigo me adaptar?

Essas questões estão vinculadas ao mesmo sujeito que se comunica.


Eu consigo "me" fazer.
Como é possível incidir sobre essas maneiras para que a educação se torne
possível? Quais valores vão pautar essa ação?

Você tem aí: Eu, Melissa para vocês alunos. A Melissa para a professora
Conceição. A Melissa para a família. A Melissa para o trabalho. "Me" viram assim,
mas eu não sou assim!
Ah, ela é insegura. Não, sou tímida. Ah, ela tá com medo. Não, tô ansiosa.
Percebem?

A proposta está em encontrar a verdade.


Mas qual é a verdade que deve ser a coerente do objeto e quando você critica o
objeto? O objeto não se mostra todo para o sujeito.
E não há uma resposta conclusiva. Por isso, Habermas trabalha a questão da
comunicação, da própria linguagem.
A verdade é o que eu falo? Sobre o que eu falo?

O critério da verdade, para Habermas, estaria além do critério metafísico.

A gente aprendeu que as cores da bandeira representam: o amarelo (ouro), o verde


(as matas), etc e tal, quando, na verdade as cores correspondem às do brasão da
família Orleans e Bragança.
Ou então a máxima do Brasil ter sido descoberto por acaso, e todas as outras
histórias da carochinha que só nos damos conta muito tempo depois.

É correto aprender mentira?


Discute-se educação e os nossos alunos não sabem nem escrever! Nosso discurso é
falso!

Pra Habermas a Verdade tem que ser recoberta de autenticidade, de sinceridade, de


propriedade. Então ele cria determinadas regras verificáveis dessa verdade.

Uma das coisas fundamentais que devemos entender em Habermas é a idéia da esfera
pública. Um espaço fora da vida doméstica, fora da igreja, fora do governo, onde é
possível as pessoas discutirem sobre a vida. É onde as idéias são examinadas,
discutidas, argumentadas. É um espaço que tem diminuído cada vez mais, pela
influência das grandes corporações, do poder da mídia. Um fato curioso é o
aparecimento de uma nova esfera pública: a internet.

A outra idéia fundamental da Ação Comunicativa de Habermas é o argumento de que


qualquer um que usa a linguagem, presume que ela pode ser justificada em 4 níveis
de validade:

1 - o que é dito é inteligível, ou seja, a utilização de regras semânticas


inteligíveis pelos outros.
2 - que o conteúdo do que é dito é verdadeiro.
3 - que o emissor justifica-se por certos direitos sociais ou normas que são
invocadas no uso do idioma.
4 - que o emissor é sincero no que diz, não tentando enganar o receptor. Isto é o
que Habermas classifica de comunicação não distorcida. Quando uma das regras é
violada, ou seja, o locutor está mentindo, então a comunicação tem muitas
implicações, inclusive uma definição de caráter universal.

Depois, temos as AÇÕES SOCIAIS

Para Habermas, a relação sujeito-objeto é pragmática e intencional e aí ele é


incisivo ao dividir as nossas ações sociais em: estratégicas, normativas,
dramatúrgicas e comunicativas.

Estratégicas: quando são teleológicas, ou seja, um sujeito utiliza um meio para


atingir o seu objetivo. Nesses casos, os atores são objetos ou obstáculos para a
realização de um fim. (por exemplo, eu, para fazer esse seminário eu fui buscar
ajuda em diversos livros, pessoas....mas, o fim era o seminário).

Normativas: Estabelecem normas de conduta, sempre se preocupando com o outro (eu


ouço, presto atenção no que dizem). As metas pessoais podem ficar prejudicadas
devido aos deveres sociais. Os padrões precisam ser aceitos socialmente.

Dramatúrgicas: Quando as ações se revestem de uma máscara, onde o sujeito deixa


transparecer algo que ele não é, para atingir os seus objetivos (isso é bem
próprio dos políticos, quer pior que o caso do narcotráfico?).

Comunicativas: evidentemente as ações mais importantes para Habermas, onde duas ou


mais pessoas procuram chegar a um acordo, bom para todos, através do diálogo
cooperativo, do consenso.

E, dentro dessas ações comunicativas, temos os ATOS DA FALA que o Habermas coloca
em 4 grupos:

- Atos de falar reguladores: pretendem uma correção, eles prescrevem, proíbem,


ordenam. (Ex: médico e paciente)

- Atos de falar expressivos: revelam sentimentos, desejos, disposição.


(Ex: namorados)

- Atos de falar executivos ou imperativos: baseados no poder. Para Habermas,


este ato de fala já exprime um fim em si, é teleológico. (Ex: patrão e empregado)
- Atos de falar constativos: reivindicam a verdade, representam, descrevem,
afirmam ou negam uma situação objetiva (Ex: advogado e promotor)

Evidentemente, para Habermas, a questão está na comunicação aberta e franca para


atingir um denominador comum. A análise do diálogo é apenas um fator da
racionalidade. Habermas quer uma fala que tenha um objetivo de verdade, despido de
mentiras, haverá sempre aí a questão da hermenêutica.
E falando em hermenêutica, essa era a minha, em relação ao livro. É isso pessoal!
Obrigada.

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