Segundo o dicionário Houaiss, bumerangue é arma de arremesso usada para caçar ou para a guerra na Austrália e alhures, cuja forma varia, sendo a mais usada a peça arqueada de madeira que, após descrever curva, retorna às mãos do lançador. É o que acontece no Brasil com o desrespeito aos Direitos Humanos do preso. Emoldurando a cidadania, os Direitos Humanos constituem a sua condição necessária. Sua existência bem corresponde a uma conhecida assertiva do prof. Roberto Lyra Filho, para quem o direito não é, o direito está sendo, posto que sua criação é incessante, sucedendo-se no tempo em ondas ou gerações. Em função, porém, dos objetivos deste texto, vou tratar aqui somente do direito de todos e de cada um à segurança, erigido como resultado de uma longa tradição, a dos grandes textos históricos e fundadores, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. No Brasil, a Constituição Federal também contempla a segurança, precisamente na Declaração dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, que são os mesmos Direitos Humanos sobre que versam os compromissos dos Estados civilizados no plano internacional. A realidade, porém, parece andar longe desses muitos documentos importantes, tanto que Bobbio, impaciente com o distanciamento, certamente na experiência italiana, entre o discurso jurídico e a prática em matéria de Direitos Humanos, destilou ácida observação, no seu A Era dos Direitos, dizendo que muito mais se tem falado dos Direitos Humanos do que agido para torná-los reconhecidos e efetivos. Com efeito, o cotidiano do contexto prisional brasileiro esmera-se em revogar todas as disposições de nossa Lei Maior: cadeias superlotadas; falta de condições mínimas de higiene; delegacias policiais transformadas em casas de custódia de presos, sem recursos, inclusive, para alimentá-los; emprego corriqueiro da tortura como procedimento disciplinar dos internos; total promiscuidade entre presos que deveriam estar separados, transformando as penitenciárias em universidades do crime; revistas humilhantes nas esposas, mães e irmãs dos supostos reeducandos. Pena virou sinônimo de castigo, e, o que é pior, desproporcional às faltas cometidas, mas pelos pobres, pés-de-chinelo, ladrões de galinha. Quanto aos criminosos ricos, os do colarinho branco, aqueles dos rombos milionários no mercado financeiro e nos cofres do Estado, bem, ninguém sabe em que cadeia eles estão. Nesse regime de barbárie só para os miseráveis, os negros, nem se pensa em psicólogos ou pedagogos planejando e executando programas de ressocialização. Na verdade, a precariedade dessas condições só estimula a revolta, o ressentimento e o desejo de vingança. Tudo isso, na contramão da Constituição, que impõe respeito à integridade física e moral do preso, além de estabelecer que o cumprimento das penas ocorrerá em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. Em suma, nossos governantes, ao negarem direitos fundamentais aos internos, têm anulado, como inevitável conseqüência, também as garantias constitucionais dos cidadãos de bem à segurança, pois, em função dessa (não)política, o Estado só tem contribuído para treinar homens- bomba que, uma vez de volta às ruas, descontarão na sociedade a incompetência e o descaso dos responsáveis pelas deploráveis condições subumanas do falido sistema prisional brasileiro. A verdade está no grande número de egressos que voltam a cometer crimes. Até quando vamos continuar sendo golpeados pelo retorno do bumerangue?