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A LÓGICA DO BUMERANGUE

Paulo Cezar Martins


Segundo o dicionário Houaiss, bumerangue é arma de arremesso usada para caçar ou para
a guerra na Austrália e alhures, cuja forma varia, sendo a mais usada a peça arqueada de madeira
que, após descrever curva, retorna às mãos do lançador. É o que acontece no Brasil com o
desrespeito aos Direitos Humanos do preso.
Emoldurando a cidadania, os Direitos Humanos constituem a sua condição necessária. Sua
existência bem corresponde a uma conhecida assertiva do prof. Roberto Lyra Filho, para quem o
direito não é, o direito está sendo, posto que sua criação é incessante, sucedendo-se no tempo em
ondas ou gerações. Em função, porém, dos objetivos deste texto, vou tratar aqui somente do direito
de todos e de cada um à segurança, erigido como resultado de uma longa tradição, a dos grandes
textos históricos e fundadores, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e
a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
No Brasil, a Constituição Federal também contempla a segurança, precisamente na
Declaração dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, que são os mesmos Direitos Humanos
sobre que versam os compromissos dos Estados civilizados no plano internacional.
A realidade, porém, parece andar longe desses muitos documentos importantes, tanto que
Bobbio, impaciente com o distanciamento, certamente na experiência italiana, entre o discurso
jurídico e a prática em matéria de Direitos Humanos, destilou ácida observação, no seu A Era dos
Direitos, dizendo que muito mais se tem falado dos Direitos Humanos do que agido para torná-los
reconhecidos e efetivos.
Com efeito, o cotidiano do contexto prisional brasileiro esmera-se em revogar todas as
disposições de nossa Lei Maior: cadeias superlotadas; falta de condições mínimas de higiene;
delegacias policiais transformadas em casas de custódia de presos, sem recursos, inclusive, para
alimentá-los; emprego corriqueiro da tortura como procedimento disciplinar dos internos; total
promiscuidade entre presos que deveriam estar separados, transformando as penitenciárias em
universidades do crime; revistas humilhantes nas esposas, mães e irmãs dos supostos reeducandos.
Pena virou sinônimo de castigo, e, o que é pior, desproporcional às faltas cometidas, mas pelos
pobres, pés-de-chinelo, ladrões de galinha. Quanto aos criminosos ricos, os do colarinho branco,
aqueles dos rombos milionários no mercado financeiro e nos cofres do Estado, bem, ninguém sabe
em que cadeia eles estão.
Nesse regime de barbárie só para os miseráveis, os negros, nem se pensa em psicólogos ou
pedagogos planejando e executando programas de ressocialização. Na verdade, a precariedade
dessas condições só estimula a revolta, o ressentimento e o desejo de vingança. Tudo isso, na
contramão da Constituição, que impõe respeito à integridade física e moral do preso, além de
estabelecer que o cumprimento das penas ocorrerá em estabelecimentos distintos, de acordo com a
natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.
Em suma, nossos governantes, ao negarem direitos fundamentais aos internos, têm anulado,
como inevitável conseqüência, também as garantias constitucionais dos cidadãos de bem à
segurança, pois, em função dessa (não)política, o Estado só tem contribuído para treinar homens-
bomba que, uma vez de volta às ruas, descontarão na sociedade a incompetência e o descaso dos
responsáveis pelas deploráveis condições subumanas do falido sistema prisional brasileiro. A
verdade está no grande número de egressos que voltam a cometer crimes. Até quando vamos
continuar sendo golpeados pelo retorno do bumerangue?

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