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Contracapa:

Anna Percy foi para Los Angeles para esquecer dos problemas que tinha em Nova York. E
foi aí que Ben Birnbaum conquistou seu coração tão rapidamente quanto desapareceu,
deixando-a sozinha e desnorteada. Agora Ben está fazendo de tudo para ter Anna de volta.
Enquanto ela está fazendo de tudo para esquecê-lo, inclusive passar o fim de semana com
sua nova amiga Sam Sharpe num spa no deserto. Anna sabe que deve agir com cabeça, mas
ela está numa missão para começar a agir com o coração. A pergunta é: se ela esquecer
Bem, será que seu filme terá o final que ela deseja, ou as coisas sairão totalmente fora do
controle mais uma vez?

“As garotas ficarão ansiosas para saber como é a vida de uma menina milionária...”
Kirkus Reviews

“Garotas em ação é irresistível. As adolescentes vão devorá-lo.”


School Library Journal

PRÓLOGO

Susan Cabot Percy estava parcialmente certa em acreditar que houve uma época em que ela
era tão inocente e virginal como a irmã mais nova, Anna. Mas essa época parecia ter
passado há muito tempo. Tanto tempo que parecia ter sido a vida de outra pessoa.
- Caraca! Irado!
Isso veio do homem ao lado dela.
Susan tentou lembrar o nome dele. Blue? Red? Era uma cor, pelo que se recordava. E o
nome também estava relacionado com um velho músico de folk-rock, porque quando ele se
registrou na clínica naquela manhã e se apresentou, fez uma piada idiota sobre isso com ela.
Brown. Como a cor marrom. Era isso. O nome dele era Brown. Nem o cabelo, nem os
olhos, nem a pele eram remotamente parecidos com a cor do nome, então os pais dele não
podiam ter escolhido com base na aparência. Não que ela ligasse para o motivo de Brown
se chamar Brown. Susan não o conhecia de verdade, não queria conhecer e pretendia
continuar sem conhecer. Sem dúvida, o sexo com estranhos era arriscado (mesmo com as
precauções adequadas), mas uma garota tinha de fazer alguma coisa em seu tempo livre.
Abundante tempo livre, na verdade. Porque Susan estava descobrindo que a reabilitação de
álcool e drogas na famosa clínica Hazelden de Minneapolis era um martírio de tão chata.
Ela sempre matava a terapia de grupo porque não tinha vontade nenhuma de dividir sua
vida pessoal com os desocupados que por acaso estavam na clínica com ela. E as saídas
supervisionadas não eram exatamente a idéia que tinha de diversão. Lembravam a Susan
seu tempo de pré-escolar na 92nd Street Y em Nova York (um lugar impossível de se entrar
a não ser que seu nome fosse Vanderbilt ou Lodge. Ou Percy).
- Droga, fiquei com a porra de um torcicolo – reclamou Brown, esfregando um ponto um
pouco acima da clavícula. Ele se virou sobre uma pilha de toalhas que tinha caído durante o
rendez-vous.
Susan sabia que o armário de roupa de cama e banho não conduzia exatamente a um
encontro relaxante. Mas ela o escolheu porque queria privacidade, e não conforto. Já
passava da meia-noite. Todas as empregadas tinham ido para casa. Toalhas e lençóis
tinham sido contados e distribuídos para os internados há muito tempo, então ninguém ia
aparecer para pegar mais. E o armário era mais confortável do que o banheiro do porão, que
tinha sido sua outra opção para esse "encontro".
- Quer um trago? - perguntou Brown. Os olhos dele eram de um tom de verde tão vibrante
que mesmo sob a luz fraca do armário era possível discernir a cor deles.
"Trago" podia se referir ou ao cachimbo cheio de haxixe ao lado dele ou à meia garrafa de
Jose Cuervo que ele estava segurando. Como ele conseguiu contrabandear isso era outra
coisa com que Susan não se importava.
- Não, obrigada. - Alguma coisa em Hazelden deve estar funcionando, porque Susan tem
andado careta e sóbria desde que chegou. Não havia motivo para estragar sua ficha por
causa de Brown. Os doces e cigarros, entretanto, só faziam preencher o vazio deixado pelo
álcool e os comprimidos, e ela os baniu de sua vida. E embora fosse proibido, pelo
menos o sexo não a deixava gorda nem dava câncer.
Susan se virou e ficou olhando Brown enquanto ele acendia o cachimbo e contava uma
história confusa sobre como os pais superchatos o haviam obrigado a ir para a reabilitação.
Ele era alguns anos mais novo do que ela - talvez ainda estivesse no ensino médio - e muito
bonitinho, com um jeito de surfista louro. Mas eles eram estranhos um ao outro e ela
pretendia que continuasse dessa forma. É claro que Susan podia ter contado sua própria
história de infortúnios. Pobre menininha rica cujos pais socialites nervosinhos a
maltrataram. Choramingando por isso e por aquilo.
Susan olhou o relógio e viu que ainda eram umas dez e meia da noite em Beverly Hills, na
Califórnia, onde a irmã, Anna, morava agora. Anna era a única pessoa com quem Susan
gostava de conversar, sobre qualquer coisa que parecesse remotamente importante. Mas o
dia todo ela deixou recados intermináveis no celular da irmã. Anna não retomou
nenhuma ligação. Susan não queria admitir quanto isso a magoava.
- ...então decidi ir pra Maui com meu amigo e tive que tirar uma grana da minha conta, e
olha só: meus pais bloquearam minha conta, dá pra acreditar nessa merda? – disse Brown
em um tom entediante.
Meu Deus, ele era insuportável. Ou ela calava a boca dele ou ia voltar para o quarto. Mas a
colega de quarto de meia idade, Vanessa, tinha insônia e ficava acordada a noite toda
revendo obsessivamente a carteira de ações, dispensando o uso tanto do laptop quanto do
palmtop para fazer cálculos complexos à mão em um livro-razão com uma caneta-tinteiro.
Como se já não fosse bastante anormal, Vanessa era uma daquelas internas renascidas que
achavam ter a missão pessoal de denunciar qualquer infração. No dia em que Susan recebeu
a tarefa de limpar o banheiro das duas depois de Vanessa ficar "limpa", ela avaliou o
trabalho de Susan com uma lista de verificação de dez pontos. Susan disse a Vanessa onde
podia enfiar os livros-razão dela. Elas não eram exatamente
grandes amigas.
Ela podia dar mais umazinha com o garotão Brown, achava Susan. Ou ver um DVD. OU
tentar imaginar como uma garota tão inteligente, bonita e rica como sabia que ela própria
era, na maturidade de seus vinte anos, podia ter errado tanto. Ou...
A porta se abriu de repente. Lá estava Vanessa, com folhas tingidas de azul na mão, um
braço coberto de tinta azul. Ela deu uma olhada em Brown e Susan, no que era uma posição
extremamente comprometedora para os dois.
- A tinta vazou - disse ela para se explicar.
- É, tudo bem, a gente é legal, né? - perguntou Brown, tentando cobrir casualmente a
garrafa de tequila, o cachimbo e ele mesmo com uma fronha desgarrada. Um completo
fracasso.
Vanessa podia ser um monte de coisas - algumas que precisavam de medicamento
antipsicótico -, mas legal não era uma delas.Nunca foi legal e nunca seria legal. Tinha
espinhas nas costas e cabelo feio, peitos do tamanho de passas e um emprego de gerente
júnior em uma empresa que figura nas listas anuais da Fortune. Susan, por outro lado, era
uma loura com um belo corpo e rica o bastante para jamais trabalhar, a não ser que
quisesse.
Em outras palavras, ela era tudo o que Vanessa não era. Em outras palavras, Vanessa, a
defensora-apaixonada-de-Hazelden, com toda a certeza ia dedurá-los; a administração da
Hazelden ia saber das transgressões de Susan antes do amanhecer. O fato de não ter se
entregado aos produtos do contrabando não serviria de defesa. Susan conhecia as regras.
Ela estava ali. As drogas e o álcool também estavam ali. O que significava, Susan sabia
muito bem, que logo ela seria expulsa da clínica.
E para piorar as coisas, o garotão Brown não valia tudo isso.

DAISY BUCHANAN ENFRENTA DAISY DUKE

Quem é Ben?
Esse era o mantra de Anna Percy para passar pelo primeiro dia na Beverly Hills High. Só
72 horas antes - na véspera de Ano-Novo, na verdade - ela conheceu Ben Birnbaum em um
vôo de Nova York a Los Angeles. Anna estava indo para o outro lado do país morar com o
pai durante o último semestre de seu terceiro ano no ensino médio. Ben era um calouro de
Princeton voltando para casa para um casamento. Além disso, ele não era só um gato, mas
também engraçado e inteligente. O tipo de cara que você sonha que existe, se você é uma
garota sonhadora.
Anna era alta, loura, bem-educada e muito rica, apaixonada por literatura e pelos poemas de
Emily Dickinson. Mas ela não era, por quaisquer padrões (pelo menos para os dela),
sonhadora. Nem impetuosa. Foi por isso que pareceu uma experiência extracorpórea
quando, apenas uma hora depois de conhecer Ben na primeira classe do avião
transcontinental, ela se viu se agarrando com ele no toalete, perigosamente
perto do momento em que o avião levantava vôo.
Anna tinha vindo para Los Angeles com a esperança de se transformar e Ben parecia o cara
perfeito com quem estrear a nova e arrojada Anna. Mas agora, quando pensava em
tudo o que tinha acontecido com Ben entre o vôo celestial e a conclusão infernal, Anna
estava convencida, mais do que nunca, de que seu gosto, em geral impecável, não se
estendia aos homens.
Não havia um jeito elegante de dizer isso: Ben tinha se livrado dela às três da manhã no dia
de Ano-Novo. Desapareceu sem deixar vestígios, voltando a surgir dois dias depois,
pedindo perdão. Ele teve de resgatar alguma celebridade misteriosa de quem era amigo.
Mulher, é claro. Ele não ia contar o nome.
Essa foi a desculpa dele. Quanto mais Anna pensava nisso, mais irritada ficava. Era
verdade que Ben conhecia um monte de celebridades - ela viu dezenas delas no casamento
a que foram juntos. Ainda assim ... Era tudo tão ridículo, um insulto à inteligência dela.
Tinha sido feita de idiota por Ben. E Anna Percy não era feita de idiota por ninguém.
- Anna! Que legal! Estava torcendo para que a gente tivesse pelo menos uma matéria
juntas.
Samantha Sharpe deu um largo sorriso para Anna da fila de carteiras ao lado, exibindo a
perfeição coroada de pérolas de dez mil dólares. Os cabelos castanhos brilhavam de um
jeito que só era possível com uma escova profissional.
-Sam.Oi.
Anna fora bem educada por sua mãe aristocrata em Nova York, portanto ela era especialista
em parecer encantada enquanto por dentro sentia tudo, menos prazer. Então
ela retribuiu o sorriso de Sam. Elas se conheceram no casamento na véspera de Ano-Novo -
o pai de Sam, Jackson Sharpe, o mais adorado astro de cinema da América, tinha
sido o noivo. Naquela noite ela também conheceu as duas melhores amigas de Sam, Dee
Young, filha de um importante executivo de uma gravadora, e Cammie Sheppard,· filha
de um temido e reverenciado über-agente de celebridades de Hollywood. Mas não foi
preciso muito tempo para que elas mostrassem sua verdadeira natureza.
"Bom", pensou Anna, "se eu tenho que fazer uma matéria com uma delas, Sam certamente
é a menos desagradável..."
Nesse momento, Dee e Cammie entraram rebolando pela porta da sala na última aula de
Anna naquele dia, inglês. Os três focinhos de Cérbero presentes. Mas que droga.
- Oi, Anna. Como foi o primeiro dia? -,- piou a baixinha Dee enquanto se sentava
exatamente atrás de Sam.
- Ótimo.
- Sabe de uma coisa, procurei por você na hora do almoço - disse Sam a Anna. - Fomos ao
Westside Pavillion comer sushi e eu queria te convidar. - Evidentemente, as meninas
estavam num humor amistoso.
- Fui andar um pouco - explicou Anna.
Cammie sentou-se na frente de Sam, jogou os cabelos louros avermelhados sobre os
ombros e olhou com frieza para Anna.
- Só por curiosidade, por que você se veste assim?
Anna sentiu o calor incômodo de um rubor na nuca. Em Manhattan, andar rasgada e
decrépita era considerado descolado. Para o primeiro dia na Beverly Hills High, ela colocou
roupas "normais" de escola: camiseta branca, um cardigã de cashmere cáqui com um
buraco de traça na manga e jeans surrados. Ela puxou o cabelo louro, comprido e sedoso
num rabo-de-cavalo simples e aplicou de leve um pouquinho de creme labial Burt's Bee
sabor cereja. O fato de Anna conseguir ficar maravilhosa com esse visual tinha tudo a ver
com a genética e a criação que recebeu.
As três meninas, porém, eram exemplos ambulantes da opinião de Anna de que, em
Beverly Hills, quando se tratava de cosméticos, mais era mais, e quando se tratava de
metros quadrados de carne coberta com tecido de grife, mais era menos. Cada uma delas
exibia tanto brilho labial que parecia que se podia patinar na boca das três. Cada uma delas
usava um suéter muito pequeno e muito caro com calças extremamente baixas e botas de
salto agulha.
Das três, a corpo-de-pêra Sam tentava ao máximo, mas não tinha muito o que fazer com o
material disponível. Dee se arranjava com os olhos grandes, cabelo desgrenhado, uma
pequena preciosidade. E Cammie ... Bom, Cammie parecia o tipo de garota que se exibia
numa revista masculina com um piercing no umbigo. O suéter branco terminava a mais
de dez centímetros de suas calças cargo. De algum jeito ela adquirira um bronzeado desde
que Anna a conhecera, que realçava com perfeição os cachos exuberantes do tipo acabei-
de-transar-Ioucamente. Anna soube na véspera de Ano-Novo que Ben Birnbaum e Cammie
tinham namorado no ano passado; Cammie deixou mais do que claro que queria
Ben de volta.
Anna afastou o rubor.
- Eu não sabia que tinha que me preocupar com minhas roupas para ter sua aprovação.
- Só um conselhozinho - disse Cammie, sem se perturbar. - Não beba café em copo de
papel. Alguém pode largar uma moeda nele.
- Dá um tempo, Cammie - sugeriu Sam.
Anna ficou surpresa. Sam não lhe parecia segura o bastante para enfrentar Cammie. Mas
ser a filha do famoso Jackson Sharpe tinha de valer alguma coisa. Havia ocasiões em que
Anna pensava que talvez Sam pudesse ser sua amiga. Mas como Anna não sabia se a
investida de Sam era para abraçar ou estrangular, a amizade se tornava meio arriscada.
Sam deu as costas para Anna.
- Nós temos mesmo que ir ao shopping. Podemos ir nas lojas da Rodeo, mas tem que ser
numa hora em que não tenha turistas. Não consigo lidar com os primatas na hora em que
pastam moda.
- Eu não preciso de roupa, Sam - disse Anna. – De qualquer forma, obrigada.
A sineta tocou. A professora de inglês, a sra. Breckner, uma mulher de meia-idade com um
conjunto de calça e blusa de uma estampa floral infeliz, fechou a porta.
- Tenho certeza de que todas leram O grande Gatsby nas férias de inverno - começou ela -,
entre gins-tônicas em Aruba e carreiras de pó em Mammoth.
Alguns alunos riram com o humor áspero da professora. Outros reviraram os olhos ou só
pareceram entediados. A sra. Breckner começou uma aula sobre os principais temas de
Gatsby, parando com muita freqüência para fazer perguntas. Anna não se dispôs a dar
nenhuma resposta, embora certamente soubesse todas - ela leu o clássico de Fitzgerald pela
primeira vez quando tinha 13 anos.
- Em vez de fazer a redação de sempre - prosseguiu a sra. Breckner -, vamos tentar uma
coisa nova e diferente. Vocês vão formar duplas e criar um projeto de apresentação com
base no livro. Escrevam uma peça curta, façam uma escultura, uma performance, o que for
do interesse de vocês. Não interpretem o texto literalmente, gente – acrescentou ela. -
Estamos lidando com temas amplos aqui... a riqueza tradicional e a riqueza emergente,
individualismo e autodescoberta contra dinheiro fácil e idéias em grupo. Muito bem, todo
mundo da fila um escolha alguém da fila dois; a mesma coisa para as filas três e quatro.
- E aí, Anna? - perguntou Sam. - Parceiras?
Anna era educada demais para dizer não. Além disso, Sam parecia uma opção um pouco
melhor do que um bando de completos desconhecidos.
- Claro - disse ela. - Será ótimo.
- Alguma idéia brilhante?
- Não de imediato.
- Que tal um curta-metragem? - sugeriu Sam. – Estou pensando numa coisa tipo conflito-
de-classes. Daisy Buchanan, a paixão de Gatsby, enfrenta Daisy Duke, a caipira de Os
gatões. Em uma festa.
- Parece promissor - disse Anna. - Talvez a gente deva dar a festa. Misturar atores com
pessoas reais? E filmar?
Sam bateu um dedo nos lábios, pensativa.
- Não. Não pensei bem nisso. A gente conversa depois, tá legal? Eu te ligo.
- Tudo bem.
Depois Anna se lembrou de que tinha jogado fora seu celular de manhã porque Ben não
parava de ligar para ela.
Não. Ela não ia, não, não ia mesmo pensar em Ben. Ou melhor, Quem é Ben?
- Não liga pro meu celular - acrescentou Anna. - Eu... estou mudando de número. - Ela
escreveu rapidamente o número da casa do pai em uma folha de papel.
Sam enfiou o papel na bolsa Chanel, depois remexeu nos botões de cima de seu suéter
Stella McCàrtney de lã escocesa.
- Sabe, eu queria te perguntar uma coisa: eu não vi Ben Birnbaum hoje de manhã falando
com você?
Anna deu de ombros. Ela não queria entrar nessa com Sam.
- Ele estava horrível- prosseguiu Sam, sem se desencorajar. - Tipo assim: ele ficou a noite
toda acordado numa festa ou coisa parecida. Qual é o problema dele? Só estou perguntando
a você porque estou preocupada.
- Não tenho a menor idéia - respondeu Anna, esperando que o gelo em sua voz dissuadisse
Sam. Não funcionou.
- Ele te contou por que ainda não voltou para Princeton? Sei que as aulas começaram.
- Eu realmente não quero falar do Ben.
- Ah, sem essa - zombou Sam. - Você o conheceu, o que, há três dias? Eu conheço o Ben a
vida toda. Então você pode me contar, porque eu vou descobrir de qualquer jeito.
- Se você e Ben são tão amigos, Sam, pergunte a ele.
Sam ergueu as sobrancelhas perfeitamente-modeladas-por-Valerie.
- Ih, está cheia de não-me-toques.
"Mas que porcaria", pensou Anna.
- Olha, Sam, se você quer saber se Ben e eu estamos nos encontrando, a resposta é não.
Uma alegria que Anna não conseguia entender se espalhou pela cara de Sam.
- Está dizendo que você terminou com Ben Birnbaum? - perguntou Sam, pegando o braço
de Anna.
Anna afastou a mão de Sam com um safanão.
- Nós só ficamos. Não tem essa de terminar.
A sineta tocou, indicando o fim das aulas; Anna pegou os livros e a bolsa. Quando partia,
viu Sam se juntando a Cammie e Dee. Anna se recusou a dar importância. Se elas queriam
ficar obcecadas com Ben, era problema delas. Ela o havia superado.
Mas ...
Enquanto Anna se desviava da massa de gente no caminho para sair da sala de aula, uma
vozinha no fundo de seu cérebro ficava fazendo a pergunta ranheta: se ela o superou, por
que diabos precisava ficar pensando no quanto o havia superado?

HIGH SCHOOL PARA OS ALTAMENTE SUPERPRIVILEGIADOS

- Ei, cuidado! Está em outro planeta?


Enquanto andava pelo corredor apinhado, Anna quase se chocou com Adam Flood, outro
que conheceu no casamento de Jackson Sharpe. Anna gostou dele mais do que de qualquer
outra pessoa que tenha conhecido até agora em Beverly Hills. Talvez fosse porque, como
Anna, ele não fosse dali, vindo de Michigan para a Califórnia dois anos atrás. Felizmente
parece que os setecentos dias de exposição ao ar rarefeito de Beverly
Hills não haviam afetado a reconfortante falta de malícia do Meio-Oeste. Ele também era
alto e magricela, doce e inteligente, e supostamente uma fera no basquete.
- Desculpe, eu estava viajando - disse Anna enquanto Adam colocava-se ao lado dela. Eles
se dirigiram para a porta mais próxima do estacionamento de alunos.
- Viajando em pensamentos bons, pensamentos ruins, ou nenhuma-das-anteriores?
Ela sorriu para ele. Ele tinha uma estrela azul tatuada atrás da orelha esquerda que era
muito bonitinha. Na verdade, estava pensando em como é legal te ver.
- Definitivamente um bom pensamento - disse Adam.
- E aí, como é que foi seu primeiro dia na Beverly Hills High para os Altamente
Superprivilegiados?
- Tenho opiniões variadas. Literatura americana foi legal, química foi bom, até que minha
colega de laboratório me fez uma descrição quadro a quadro de como seduziu um astro de
seriado de tevê. Literalmente quadro a quadro.
- Não diga. Shakti Carter. - Adam manteve a porta aberta e eles saíram para o sol da tarde.
Ela riu.
- Como você sabia?
- Ela é famosa por falar muito, sabe? O que acha da Breckner?
Anna deu de ombros.
- Gosto dela. Estou trabalhando num projeto de O grande Gatsby com a Sam.
Eles andaram pelo estacionamento, onde todo mundo parecia estar entrando em seus
Porsches ou BMWs.
- A Sam é inteligente - disse Adam.
- É, eu acho. Eu quase sinto como se pudéssemos ser amigas, mas ...
- Ah, o infame mas - brincou Adam.
- Ela tem dois acessórios a levar em consideração.
- Dee e Cammie - completou Adam. - A Garotinha Perdida e a Não Tão Garotinha Ainda
Mais Perdida.
- Essa sou eu - disse Anna quando eles chegaram ao Lexus cinza-pérola que seu pai tinha
alugado para ela. Anna protegeu os olhos do sol com a mão direita. - Dee, talvez. Mas
Cammie Sheppard? Ela me parece uma barracuda.
Adam coçou a tatuagem.
- É, ela parece muito arrogante, eu admito. Mas ela não teve uma vida fácil. Sabia que a
mãe dela morreu num acidente esquisito? A madrasta dela a odeia e o pai é pirado.
Acho que ela está numa situação pior do que a Dee.
- Você nunca diz alguma coisa ruim de ninguém?
- Ah, claro - respondeu Adam, olhando o carro de Anna. - Mais ou menos assim, "droga de
garota, tem um carro bacana e ainda está sozinha dentro dele. Nunca ouviu falar em
economizar combustível?".
Anna sorriu.
- É uma indireta pra eu te dar uma carona?
Adam enfiou uma faca imaginária no coração.
- É doloroso admitir, mas tenho certeza de que sou o único veterano listado no b. De
bicicleta. Não espalha.
Anna ergueu a palma da mão.
- Eu prometo.
- Em geral eu descolo uma carona com alguém - acrescentou Adam.
- Pode me chamar de alguém - brincou Arma.- Entra aí. Adam abriu a porta para ela, depois
foi para o lado do carona e entrou no carro. Com a tarde refrescante e Adam sentado ao
lado dela, Anna começou a se sentir melhor com a vida enquanto seguia pela avenida
Sunset. Estava até feliz. Uma buzina de carro tocou. Anna se virou para ver um Jensen
Interceptor clássico vermelho-cereja, a capota arriada, na pista à direita dela. Sam estava ao
volante, Cammie no banco do carona e Dee atrás.
- Vocês dois ficam uma gracinha juntos! - gritou Sam de sacanagem. Cammie lhes deu um
aceno lacônico. - A gente se vê!
- Bom, é melhor do que se tivessem nos mostrado o dedo - assinalou Adam, falando da
saudação de Cammie. - Acho que ela tem ciúme de você estar com Ben. Eles foram
namorados.
- Foi o que eu soube. Mas, para esclarecer as coisas, eu não "estou com Ben" de forma
alguma. Nem o Ben está comigo. - Os olhos dela se voltaram para Adam, depois
para a rua.
- Vire à direita na Rexford e siga para a Coldwater. Então... Você não está louca e
arrebatadoramente apaixonada por Ben Birnbaum?
- Eu nem gosto dele, Adam.
- É mesmo? - Os olhos de Adam se arregalaram.
- É. Por que essa surpresa toda?
- Sabe quando tem um cara na escola que toda garota quer? Acho que Deus os favorece.
Ben era o cara no ano passado. E no ano retrasado.
- Bom, então, acho que não sou qualquer garota.
- É bom saber disso. Reduza. Minha casa fica à direita, com o arco na entrada de carros. -
Anna encostou e parou.
Adam virou-se para ela. - Aí. Obrigado pela carona.
- De nada.
Adam bateu os dedos compridos e finos no painel do carro.
- Aí...
Pareceu a Anna que Adam queria dizer alguma coisa, mas ela não conseguia deduzir o que
era. Ela esperou pacientemente. Foi educada para fazer isso.
- Você gosta de cachorro? - disse Adam de repente.
Era isso que ele queria saber?
-Claro.
Ele assentiu.
- Eu tenho um.
- Que raça?
- Mistureba. Sabe como é. Setenta e sete variedades de vira-lata. O nome dele é Bowser.
Adotei logo depois de me mudar pra cá.
"Foi uma coisa legal de se fazer", pensou Anna. Mais espera e mais batuque de dedo.
- E aí... - Adam disse finalmente. - Estou pensando em levar o Bowser pra passear mais
tarde. Na frente do Gladstone's. Conhece?
Anna sacudiu a cabeça:
- O que é o Gladstone's?
- Um restaurante de frutos do mar entre Santa Monica e Pacific Palisades. Uma tonelada de
turistas, mas a praia é iluminada à noite. Achei que, se você não tiver nada pra fazer, talvez
quisesse vir também. Só dar uma saída.
Será que Adam a estava convidando para sair? Era um encontro? Ou ele quis dizer "dar
uma volta" no sentido de apenas-bons-amigos? Epa. Ela não tinha pensado nele nem uma
vez como um possível romance porque a cabeça dela estava tão cheia de...
"Cala a boca, cabeça", zombou de si mesma.
- Parece divertido - concordou ela.
- É? Caraca. Legal. Ah, coloca uma roupa quente. Fica frio lá depois que anoitece. Vou te
pegar às... seis; tá legal?
- Com o quê? - perguntou Anna. - Achei que você não tinha carro.
- Se eu ligar pra minha mãe no trabalho dela e me humilhar, ela pode me emprestar o dela.
Ela e meu pai dividem o carro para ir ao trabalho ... fazem isso há anos. É quase meigo
demais para se suportar. - Ele saiu e acenou enquanto Anna arrancava.
Durante os cinco minutos que Anna levou para ir à casa do pai, ela pensou em como Adam
era um cara verdadeiramente legal. O tipo de cara que ela devia namorar.
Devia.
Mas Anna não se mudou cinco mil quilômetros para um "devia".
Anna os viu no momento em que encostou o carro na entrada circular da casa do pai. A
casa elegante, construída pelos avós de Anna na década de 1950, era enorme. Paredes
brancas com venezianas vermelhas, sob a sombra de uma palmeira gigante e de eucaliptos.
Flores carmim, rosa, roxas e lilases flanqueavam o caminho até a porta da frente. E hoje,
para ficar mais divertido ainda, as lajotas vermelhas da calçada da entrada por acaso tinham
sido ladeadas com centenas de balões vermelhos e brancos, as cordas presas por sacos de
areia no chão.
Ela parou o carro e seguiu a fila de balões até a porta da frente. Outros três balões estavam
presos na maçaneta e, grudado com fita adesiva no balão maior, havia um envelope.
Anna tirou o envelope; nisso, os três balões flutuaram. Ela os viu balançando no céu,
lembrando da última vez em que soltou balões de gás. Tinha seis anos e passeava com os
pais pelo Central Park de Nova York em uma tarde quente de verão. Ela, a mãe e o pai
tinham endereçado postais para eles mesmos e colaram nos balões, pedindo a quem os
encontrasse que fizesse a gentileza de escrever no cartão onde o balão tinha pousado e
mandasse o cartão pelo correio.
Havia um estranho vento leste naquele dia e os balões voaram para o oeste em direção ao
rio Hudson. Dois dias depois, receberam um postal de um velho de Passaic, em New
Jersey, que encontrou um dos balões pendurado em uma árvore no quintal da casa dele. Era
uma das lembranças mais vívidas que Anna tinha da família quando eles pareciam felizes e
perfeitos.
Quando os balões ganharam o azul do céu da Califórnia, Anna abriu o envelope.

ANNA,
EU FERREI TUDO. ME PERDOE, POR FAVOR.
PRECISO TE VER.
BEN

Droga de Ben. Droga de porcaria de Ben. Por que ele estava fazendo uma coisa meiga e
maravilhosa? E por que ela estava se deixando seduzir por isso?
"Se puder impedir um coração de sofrer, não terei vivido em vão..."
O verso de um poema de Emily Dickinson veio à mente enquanto ela ordenava a si mesma
para endurecer o coração.
Se Ben Birnbaum pensava que ela podia ser seduzida por um monte de balões e um bilhete
de perdão, ele estava redondamente enganado. Independentemente do que Anna sentisse
por ele, independentemente de como se sentisse atraída por ele, independentemente de
como ele a fazia se sentir bem, ela sabia que ele era ruim para ela. O gesto dele foi meigo
por fora. Mas não havia como saber o que o movia por dentro.
Anna viu uma tesoura de poda do lado da porta da garagem e a usou para soltar cada balão
de Ben para o céu - um lugar em que Anna tinha certeza de que Ben nunca
seria admitido.

QUERO FICAR SEDADA

Samantha Sharpe estava tomando chá. E Samantha Sharpe não estava feliz.
O pai astro do cinema e a nova esposa grávida, Poppy Sharpe (ex-Poppy Sinclair, que agora
estava usando enfaticamente o sobrenome do novo marido), tomavam o chá
das cinco na sala de jantar formal de 50m2 da mansão de 1.100m2 da família Sharpe em
Bel Air. Graças ao casamento na véspera de Ano-Novo, Poppy agora era madrasta de Sam
e o trio considerava a mansão o lar, doce lar.
É lógico que Jackson Sharpe e a nova esposa ainda deviam estar em lua-de-mel no Sandy
Lane de Barbados. Mas eles estavam há apenas uma noite na ilha do Caribe quando Poppy
acordou histérica; sentia-se insegura por estar tão longe de Beverly Hills e de seu obstetra.
Jackson tentou argumentar com ela; o bebê só ia nascer oito semanas depois.
Mas Poppy não aceitou o que Jackson disse. E se alguma coisa na dieta exótica incitasse o
trabalho de parto? E se eles não tivessem medicamentos realmente bons que ela precisaria
tomar de qualquer jeito quando entrasse em trabalho de parto?
Então eles fretaram um jatinho e voltaram para Los Angeles, e era por isso que agora Sam
estava com o mais recente membro de sua família ao lado de muffins de cranberrye laranja,
bolinhos de framboesa com creme de coalho e papaia fresca.
Poppy adorava o chá das cinco. Ela havia lido que o chá das cinco era servido no Palácio de
Buckingham. A avó de Poppy era inglesa. Para Poppy, isso era ligação suficiente com a
realeza - ela determinou que o chá das cinco se tornasse uma instituição na casa dos Sharpe.
Sam passou por um momento de desconforto intestinal quando veio da escola e descobriu
que o pai e Poppy tinham voltado da lua-de-mel. Mas o que ela podia fazer? O pai acenou
para ela se juntar aos dois nas xícaras finas como papel, então ela concordou. A visão de
Poppy sentada ali, com o enorme diamante Harry Winston no dedo anular da mão esquerda,
pousada em sua barriga enorme de grávida, foi o bastante para fazer Sam devorar os
bolinhos. (Por acaso, ela foi a única que os consumiu. No último minuto, Poppy concluiu
que eram calóricos demais e se limitou ao chá e ao pão de gérmen de trigo. Quanto a
Jackson Sharpe, ia começar um novo filme no final do mês chamado Clamour Boys, sobre
o ambiente festivo dos anos 1980. Ia interpretar um paciente de aids e tinha de perder sete
quilos antes de as filmagens nas locações começarem. Só o que estava consumindo do chá
das cinco era chá.)
- A família toda! É tão bonito - disse Poppy com doçura e mandou um beijo para o marido
por sobre a mesa.
Ele soprou outro para ela.
Sam engoliu o último de seu terceiro bolinho para lá de consternada. Sua madrasta - sem a
saliência na barriga - parecia uma líder de torcida. Bronzeado permanente, pernas que não
acabavam nunca, cabelo louro alvejado e peitões. Além disso, era só quatro anos mais
velha do que Sam. Pense nos piores clichês que possam haver em Hollywood.
Sam, uma cineasta em desenvolvimento, sempre pensava em sua vida como um filme, com
trilha sonora e tudo. Seus planos eram fazer por esta década o que Scorsese fez pelos anos
1970.O que daria certo agora? Talvez alguma coisa velha e punk? Não. Ramones, não. Eles
estavam usando sua música
em comerciais da AT&T. Dead Kennedys, talvez. "Bêbados demais para ..."
Se ao menos seu pai tivesse levado essa música literalmente. Então Sam não estaria
olhando para a meia irmã ou o meio-irmão que ia adquirir em alguns meses.
Enquanto Sam mastigava, Poppy franziu a testa. - Espero que você não esteja comendo
como louca e tomando purgante, Sam. Porque eu tenho uma amiga que rompeu alguma
coisa e quase morreu disso.
Umas 15 respostas diferentes passaram pela cabeça de Sam, mas ela desistiu de todas em
favor da resposta neutra.
- Obrigada por me avisar.
- Sam... olha o tom - disse seu pai entre goles de chá.
Aparentemente não foi neutra o bastante.
Poppy parecia hipócrita e Sam deu um olhar fulminante para ela, pensando novamente em
como esse casamento não fazia sentido. Como astro mais popular do cinema da América,
Jackson Sharpe podia ter a mulher que quisesse.
Ele quase sempre acabava tendo uma aventura com quem quer que fosse a ingênua quase-
na-idade-de-votar do último
filme. Quando o filme terminava, o mesmo acontecia com o relacionamento. Sam deduziu
que o pai devia ser muito cuidadoso com o controle de natalidade, porque se não fosse -
com o índice de troca de namoradas - agora teria descendentes suficientes para formar seu
próprio time da Liga Infantil de Beisebol.
Mas, então, o que foi que aconteceu com essa garota?
Como Poppy conseguiu engravidar e fazer com que Jackson
se casasse com ela?
Foi aí que Sam teve uma idéia brilhante: e se o pãozinho no forno de Poppy pertencesse a
outra pessoa? Talvez ela pudesse encontrar um jeito de conseguir o teste de DNA do bebê.
Se o bebê não fosse do pai dela, talvez Jackson desse
um pé na bunda de Poppy e ela não teria de perder a pouca atenção que o pai lhe dava para
uma maquininha de babar e arrotar com o queixo perfeito de Poppy.
- E então, Sam, como estão indo as coisas? - perguntou seu pai.
Bom, pelo menos era uma tentativa de demonstrar interesse.
- Tudo legal.
- Otimo, gatinha. - Ele bateu no abdome liso. - Vou dar uma boa malhada. Billy Blanks está
vindo tirar meu couro para me deixar em forma.
Ele olhou o Rollex Cellini Quartz e se afastou da mesa. Ela tentou pensar em alguma
coisa que o mantivesse na mesa por mais tempo.
- Estou fazendo um curta -metragem, pai. Para um trabalho da escola.
- Isso é ótimo, meu amor.
Ele já parecia distraído. Nada bom.
- Com a minha amiga Anna, de Nova York. Ela é legal mesmo... queria que você a
conhecesse.
- Hum-hum. - Ele deu uns tapinhas no alto da cabeça para ter certeza de que o cabelo cobria
o local que estava começando a ficar careca.
- Tipo uma mistura de Gatsby com Fellini e a galera de Beverly Hills - Sam apressou-se em
dizer. - Então eu vou precisar dar uma festa, provavelmente no sábado à noite. E
filmar.
- Sábado? - ecoou Poppy.
- É, Poppy - disse Sam lentamente. - Sabe como é, o dia que vem depois de sexta.
- Eu quis dizer que nossa reforma vai começar neste fim de semana. Então uma festa estaria
fora de cogitação.
Sam se virou para o pai.
- Reforma?
- Eu disse a Poppy que ela podia fazer o que quisesse com esta casa - disse o pai de Sam
alegremente. - Ela ainda não se sente em casa aqui e quer preparar um dos quartos do
segundo andar para o bebê. Aquele do lado do seu, aliás.
Sam praticamente podia ouvir o choro incessante de um bebê com cólicas às três da manhã.
- Acho que estamos ótimos. Não quero a casa redecorada.
Bom, talvez um pouco de revestimento à prova de som.
- Olha, docinho, você vai para a faculdade no ano que vem, Nem mesmo vai morar aqui.
Mas, para nós, é para sempre. - O pai dela contornou a mesa e beijou a nova
esposa. - Desculpe a Sam, Poppy. Todos precisamos de um pouco o de tempo para nos
adaptarmos a nossa nova família.
- Então, e o seu dia hoje?
- Vou me encontrar com minha life coach para trabalhar nos nomes para o bebê. Estou
pensando em Chrysalis, se for menina. Não é lindo?
"Ah, é", pensou Sam. "Só que você não seria capaz de soletrar."
- Depois vou almoçar com Lateesha Allison - prosseguiu Poppy. - Talvez façamos um CD
juntas.
- Ótimo, querida - disse Jackson, distraído, enquanto verificava o cabelo no espelho em
cima do bufê.
- Poppy, Lateesha Allison ficou em primeiro lugar nas paradas no ano passado - assinalou
Sam. - Por que ela faria um dueto com você?
- Seu pai arranjou tudo. Por acaso tenho uma voz já treinada, Sam.
Então era isso.
Havia um limite de tempo em que ela podia ficar sentada ali ouvindo aquela cabeça-de-
vento fingir que sua vida ia além de seu casamento com um ganhador do Oscar. Sam se
levantou, disse que tinha que fazer o dever de casa e foi para a escada.
Ela simplesmente tinha que colocar todas as esperanças no teste de DNA.

MEDO ESSENCIAL

-Oi,Anna.

O pai de Anna, Jonathan Percy, estava parado à soleira da porta que dava para a sala de
jantar palaciana. Alto e magro, usando jeans surrados e uma camiseta azul velha, ele
tranqüilamente parecia dez anos mais novo do que era. Era estranho, porque Anna sempre
soube que o pai era o tipo de homem de terno Savile Row, dedicado ao trabalho, um dos
maiores analistas de investimento do país - um homem que trabalhava no Natal porque
nunca comemoravam o Natal nos mercados asiáticos. Mas nestes três dias, desde que ela
veio para a Califórnia, ele ficava zanzando por ali de jeans e camiseta, com um cheiro nada
fraquinho de maconha.
- Pai. Não esperava que você estivesse em casa. - Anna tirou a mochila de couro do ombro
e se sentou na rústica e antiga mesinha de canto francesa.
Um vaso Ming diferente já havia substituído o outro que ela quebrara acidentalmente na
véspera de Ano-Novo. Ela havia esbarrado no vaso no saguão escuro e ele se espatifara no
piso de mármore.
- Trabalhei em casa hoje - explicou ele. - Como foi na escola?
Anna deu de ombros.
- Sinceramente? Uma perda de tempo. Temos que fazer um trabalho sobre Gatsby pra aula
de literatura. Eu li quando estava na sétima série.
Jonathan assentiu.
- Provavelmente estão ensinando para algum teste padronizado.
Olha, sei que o estágio que arranjei para você na agência de Randall Prescott não deu em
nada, mas estou arrumando outra coisa.
Ela suspirou, sem ter esperança.
- Obrigada. Dei um monte de telefonemas ontem e mandei meu currículo por fax pra todo
canto. Talvez eu tenha uma resposta também. Acho que vou subir e fazer o dever de casa.
Vou sair mais tarde.
- Pode vir até a cozinha? Queria conversar com você sobre uma coisa.
Seu primeiro instinto foi dar uma desculpa para o fato de não ser uma boa hora para um
papinho franco. Evitar o confronto era uma reação instintiva instilada pela mãe de Anna,
que se referia a qualquer contato com um componente emocional como "fazer uma cena".
Mas parte da motivação de Anna para vir para Los Angeles tinha sido a oportunidade de
conhecer o pai, que saiu da vida de Anna quando ela tnha apenas sete anos. A separação foi
demasiado hostil, ele foi obrigado a deixar a esposa não só com o dúplex em Manhattan,
mas com a guarda plena dos filhos e toda a coisa leste. Então ela seguiu o pai até a
imaculada cozinha ultramotima. Havia uma ilha central de inox para cozinhar, um forno
duplo profissional junto a uma parede e uma mesa sueca vermelha e cadeiras da mesma cor
que bem podiam estar na ala de design do Museu de Arte Moderna. Desta vez nenhum dos
inúmeros empregados estava escondido.
Seu pai espiou dentro da geladeira.
- Água com gás? Leite de soja? Suco?
Anna ficou surpresa. A cozinheira parecia comprar o que
precisava diariamente, o que deixava a geladeira vazia.
- Desde quando temos bebida gelada?
- Desde que liguei para o serviço de entrega da Gelson. O que vai querer?
- Suco está ótimo. Qualquer um. - Anna sentou-se em uma cadeira enquanto o pai colocava
suco de pêra em dois copos de cristal Baccarat e passava um deles a Anna.
- E então, como está sua mãe?
Era dela que ele queria falar?
- Ainda na Itália - disse Anna, mantendo a voz neutra.
- Não falei com ela desde a última vez em que você me perguntou. Ontem.
- Achei que vocês duas realmente tivessem um contato mais próximo. - Ele ficou de pé ao
lado do console de culinária, como se relutasse em se sentar.
Anna deu de ombros.
- Eu tenho o número dela. Se te interessa tanto saber como a mamãe está, ligue para ela.
- Duvido que ela vá ficar felizcom esse telefonema. - Ele bebeu de um gole só o que restava
do suco.
- Bom, ao que eu saiba, você não mostrou muito interesse por ela quando os dois estavam
casados, então podia ser estranho começar depois de estarem divorciados há dez anos. -
Anna sabia que isso parecia mais ríspido do que ela pretendia. Mas o pai tinha insinuado
que queria conversar sobre ela. Em vez disso, era sobre ele.
- Eu era um babaca na época. - Por fim ele se sentou de frente para Anna e esticou as
pernas compridas sob a mesa.
- As pessoas mudam, eu acho.
- É bom saber disso.
O pai sacudiu um dedo para ela, mas deu um sorriso corajoso.
- Eu conheço esse tom. É a voz-de-gelo patenteada de Jane Percy.
- Acho que filho de peixe, peixinho é.
Ele assentiu, girando o copo entre os dedos.
- Anna, eu realmente estou tentando arranjar outro estágio para você. Quero que saiba
disso.
- Obrigada. É legal da sua parte.
- Mas você dá a impressão de estar falando com um estranho.
- Bom, nós somos como estranhos - assinalou Anna.
O pai coçou o queixo.
- Touché. Então eu devo descobrir amanhã se vai rolar. Mas pode ser um estágio para
depois da aula. Você vai ter que ir à escola. Desculpe por isso.
- Posso perguntar onde?
- Margaret está saindo da agência para ajudar a criar uma nova. Acho que vai se chamar
Apex. Eles terão alguns atores, mas o foco principal será levantar romances e peças para o
cinema. A meta, a longo prazo, é abrir um escritório em Nova York e fazer livros também.
Margaret era a namorada do pai de Anna. Não era surpresa para Anna que o pai estivesse
amorosamente envolvido com alguém.
O que era surpreendente era que ela não era uma possível starlet de Hollywood, mas uma
mulher nos seus quarenta anos que era uma sósia perfeita da mãe de Anna.
Anna riu.
- Eu agradeço por seu esforço, pai, mas eu realmente não quero estagiar com... namoradas.
- Se der um tempo para conhecer a Margaret, vai gostar dela. Ela é como a sua mãe em
muitos aspectos, só que mais legal.
- Ai.
Jonathan sorriu.
- Eu valorizo sua lealdade. De qualquer forma, você não ia trabalhar especificamente com
ela. Se trabalhar, será com os três sócios. Vou contar a você assim que souber de
alguma coisa.
- Obrigada por isso, eu agradeço de verdade. E aí, como está se sentindo ultimamente?
Jonathan pareceu confuso.
- Ah! Quer dizer as dores de cabeça que ando tendo. Não está tão ruim. - Ele franziu a testa.
- A não ser por uma de matar ontem.
- Você ainda está ... se automedicando? - perguntou Anna, referindo-se ao persistente
cheiro de maconha que até agora acompanhava o pai.
- Só até o meu médico voltar do Havaí - disse Jonathan a ela, percebendo a preocupação no
rosto da filha. - Não se preocupe, é na semana que vem. Não vou deixar mais ninguém
tocar em mim. - A voz dele caiu para um tom
confidencial. - Foi ele que sugeriu meu "remédio".
- Não esqueça de sua consulta - aconselhou Anna.
- Eu sei como você é ocupado.
- Eu tenho duas secretárias e uma assistente para me
lembrar. ..
Ele foi interrompido pelo toque do celular.
- Jonathan Percy - atendeu ele, e ouviu por um momento.
- Ei! É bom te ouvir! - Ele sorriu e falou para Anna:
- É a sua irmã.
A irmã de Anna, Susan, estava há três semanas em sua mais recente tentativa de
reabilitação. O álcool era seu veneno preferido, embora outras substâncias ilegais tenham
encontrado um jeito de descer pela garganta dela, subir pelo nariz ou entrar em suas veias.
Quando Susan ficava sóbria, ela e Anna tinham um relacionamento ótimo. O problema -
nos últimos anos, pelo menos - era que Susan nunca ficava sóbria por muito tempo.
O pai estava franzindo a testa novamente. Ele passou o telefone para Anna.
- Ela quer falar com você - disse ele friamente.
Anna pegou o telefone, perguntando-se o que a irmã tinha dito para irritar tanto o pai.
- Sooz?
- Oi, tentei falar com você no seu celular o dia todo. Não verificou sua caixa postal?
- Ah, desculpe, eu... perdi meu telefone - disse Anna, uma vez que era complicado demais
para explicar.
- Meu Deus, estou reduzida a ligar para nosso suposto pai. - Susan deu de ombros. - Como
é que consegue morar com ele?
Anna olhou para o pai, que a estava observando com grande intensidade. Ela não conseguia
entender por que Susan derepente estava tão furiosa com ele. Sim, ele as negligenciou. Mas
ele pecou por omissão, e não por ação. Além disso, parecia que era possível mudar. No dia
de Ano- Novo, Jonathan ligou para a reabilitação procurando Susan e disse a ela o quanto
queria consertar o relacionamento dos dois.
- Está tudo ótimo - disse Anna.
- Besteira - rebateu Susan.
- Foi por isso que me ligou?
Agora a irmã estava rindo.
- Não, sua pirralha. Eu só queria dizer que Hazelden me devolveu o privilégio de usar o
telefone e você é a primeira pessoa para quem estou ligando.
Anna riu. Tirando a animosidade para com o pai - que era uma coisa contínua -, Susan
parecia bem. Talvez esse tempo na reabilitação realmente estivesse funcionando mais
do que alguns meses.
- E aí, como é que está, Sooz?
- Legal.
- Não, é sério - insistiu Anna. - Me conta.
- Estou legal, irmãzona - brincou Susan.
Anna riu. Embora Susan fosse dois anos mais velha do que ela, sempre brincava que Anna
agia como se fosse a mais velha.
- Você parece melhor do que da última vez em que conversamos.
- Eu estava numa crise existencial, questionando o significado da vida, essas coisas. Além
disso, estava saindo de um pico de glicose. Quatro barras de Snickers com cerveja sem
álcool.
-Que lindo.
- Bom, pelo menos comecei a malhar de novo. Isso me faz bem. Então olha só, compre um
celular novo para eu poder te ligar, tá legal? Você tem meu número.
- Tudo bem, faço isso amanhã - prometeu Anna.
- Você parece mesmo bem melhor, Sooz.
- Ei, eu sou a mulher-que-nunca-desiste. E aí, quanto tempo vai ficar no papai?
- Não sei. Por enquanto. Estou na Beverly Hills High.
- Bom, isso não deve ser tão ruim.
- É mesmo - concordou Anna.
- Então você não vai voltar nem tão cedo? - perguntou Susan.
Do que ela estava falando?
- Não. Por quê?
- Então sei onde te achar, Anna.
- Aqui.
- Aí. É. Saquei. Tá legal Eu te amo, irmãzinha. A gente se fala.
Anna devolveu o telefone ao pai.
- Tiveram uma conversa boa? - perguntou ele sarcasticamente.
- Porque ela praticamente arrancou minha cabeça com os dentes.
- Acho que ela está melhor, pai - disse Anna, esperando que suas palavras o aplacassem.
Ele enfiou o telefone no bolso.
- Que gênio tem essa garota.
- De acordo com a mamãe, ela puxou a você.
- Talvez tenha puxado, talvez. - Ele bufou um pouco.
- Quer jantar no Los Angeles Farm? Eles fazem o melhor ahi da costa oeste.
- Eu tenho um encontro. Ou algo parecido. - Ela se levantou.
- É melhor fazer meu dever de casa e me aprontar.
O pai fez uma careta mas deixou que ela saísse da cozinha.
- Espero que não seja com aquele imbecil da véspera de Ano-Novo.
- É claro que não.
- Bom, se ele te magoar. .. quem quer que seja ele... me conte. Eu acabo com a raça dele.
- Vou dar o recado. - Anna sorriu. Pelo menos o pai estava mostrando interesse, apesar do
jeito meio Neanderthal.
Talvez fosse verdade. Talvez ele estivesse mesmo fazendo progressos. E talvez Anna
pudesse levar algum crédito pela mudança nele. Talvez, por manter-se firme, ela finalmente
estivesse ensinando as pessoas a tratarem-na como merecia ser tratada.
Talvez a experiência de viver em Los Angeles estivesse começando a dar certo.

BIG AL'S

"Não estrague tudo", disse Adam a si mesmo talvez pela zilionésima vez nos últimos 45
minutos. Tirando o "visual bonzinho de Ben Stiller", ele estava se sentindo muito bem com
o novo cabelo curtinho e o modo como exibia a tatuagem de estrelinha azul atrás da orelha
esquerda. Seu senso de humor e estilo discreto tinham seu próprio apelo com as mulheres e
sua psique de armador no basquete estava se tornando mais definida a cada dia. Ninguém
desconfiava nada de Adam Flood. Não havia uma palavra desagradável a ser dita sobre ele.
Ainda assim, Anna Percy não era como
as outras garotas que Adam conhecia.
Quando a conheceu na mesa dos amigos de Sam Sharpe no casamento de Jackson Sharpe,
ele ficou impressionado com a beleza natural de Anna. Quem não ficaria? É claro que ela
foi com Ben Birnbaum. Mas com o correr da noite, ele Anna passaram bastante tempo
conversando para Adam perceber que Ben era um cara de sorte. Sempre foi, sempre será.
Adam sorriu. Que diferença podiam fazer três dias. Agora ele estava a caminho de se
encontrar com Anna e Ben Birnbaum não estava à vista em lugar nenhum. Melhor ainda,
Anna dissera a ele que não tinha nenhum interesse amoroso em Ben. Adam custou a
acreditar nisso - ele viu como Anna olhou para Ben no casamento. Mas ainda assim a
realidade era a realidade. Ele estava prestes a passar a noite com ela e Ben estava fora do
lance.
Dirigindo o Saturn da mãe, ele pegou Anna na casa do pai dela - ela ainda conseguia ficar
maravilhosa com Levi' s velhas, tênis e uma camiseta Trinity - e depois lutou com
o trânsito de final de tarde na avenida Sunset, atravessando Santa Monica e as montanhosas
Pacific Palisades, dirigindose para o ponto em que elas se fundiam com a auto-estrada
Pacific Coast. Só o passeio nesta auto-estrada era um acontecimento. Começando por um
penhasco à margem da linda praia branca, fundindo-se num oceano azul interminável, o sol
amarelado e brilhante em um céu sem nuvens, não havia nada igual a isso.
Adam parou no estacionamento do Gladstone's. Eles passaram por turistas tremendo de frio
com suas bebidas no deck e levaram Bowser para a praia iluminada por holofotes.
Juntos, ficaram de pé na areia, olhando o mar enquanto Bowser corria feliz em volta deles.
E agora que Adam estava mandando que Bowser voltasse para o carro, ele demonstrava
uma resistência incomum.
- Quieto, Bowser! - instruiu Adam enquanto o vira-lata enorme corria excitado em volta de
Anna, pulando periodicamente para lamber o rosto dela. - Ele parece ter ficado com uma
surdez seletiva. Mas acho que está apaixonado por você.
- Eu te amo também, Bowser - disse ela, afastando-se do cachorro. - Agora, senta!
O cão sentou.
- Impressionante - admitiu Adam. - Talvez seja melhor que você diga a ele para entrar no
carro.
Ela disse. Bowser obedeceu de imediato, esparramando-se no banco traseiro e olhando para
Anna com puro amor nos olhos.
- Talvez você precise ser a adestradora dele em tempo integral- disse Adam a Anna.
- Acho que seu Bowser é meio trapaceiro. No seu lugar, eu procuraria por marcas de patas
no espelho do banheiro.
Adam riu. Essa garota era ou não era ótima?
- Ei, está com fome?
- Na verdade estou.
- Tem uma lanchonete no caminho para Malibu onde a gente pode comer em uma varanda
com vista para o mar.
- Ele apontou para a multidão no Gladstone' s que transbordava para o estacionamento. -
Sem turistas, prometo.
- Parece ótimo. - Anna olhou para o cachorro. - Quer um hambúrguer, né, Bowser?
Vinte minutos depois, após uma viagem razoavelmente tranqüila pela auto-estrada Pacific
Coast, Adam virou o Saturn para um pequeno estacionamento.
- É aqui - anunciou ele, apontando para a estrutura em A. - O Big Al's.
Anna olhou a placa em madeira entalhada na porta.
- Ali diz Tofu Schack.
Adam riu.
- Tofu Schack? Esse é o Big Al's! Ele era um velho motoqueiro que só queria saber de
carne, o tempo todo.
- Quando foi a última vez que esteve aqui?
- No verão - admitiu Adam.
- Bom, ou o Big Al teve uma iluminação espiritual, ou vendeu o lugar.
- Tofu - murmurou Adam com nojo. - Papelão comestível. Mas se você gostar, a gente
pode...
- Por que não entramos para beber alguma coisa? - sugeriu Anna. - Você disse que tem uma
varanda, e tenho certeza de que é linda. Já está ficando tarde.
- Por mim, tudo bem. E vamos levar o cachorro. Se disserem alguma coisa, eu digo a eles
que somos do conselho diretor da Sociedade Protetora dos Animais.
Mas o Tofu Shack não criou problemas com Bowser, desde que ele ficasse embaixo da
mesa. A garçonete hippie e velha até trouxe uma tigela de água para ele. Dez minutos
depois, os três - dois humanos e um vira-lata- estavam sentados satisfeitos
com suas bebidas a sessenta metros do Pacífico, as ondas abaixo deles quebrando na praia.
No mar, as luzes de alguns barcos de passagem dançavam delicadamente na noite.
Anna respirou fundo.
- Hmmmm. Adoro o cheiro do mar.
- Eu também. Um de meus muitos objetivos na vida é morar de frente para o mar. É claro
que, por aqui, você tem que ser muito rico para conseguir isso.
- Esse também é um de seus objetivos na vida? - perguntou Anna. - Ficar podre de rico?
- Na verdade, não. Isso é meio como uma doença em Beverly Hills. "Sou rico, logo existo",
tipo assim.
- Mas a vida é mais fácil com dinheiro - disse Anna com delicadeza.
- É, mas ... sei lá. Talvez seja valorizado demais. Estou pensando em comprar um veleiro
velho, consertá-lo e dar a volta ao mundo ou coisa assim.
- Parece ótimo.
Ele ficou surpreso.
- Está falando sério?
- Por que não estaria?
- A maioria das garotas em Beverly Hills só está interessada em iates. De preferência de
mais de cem pés, com uma equipe de vinte empregados.
- Minha mãe é sócia de um clube em Long Island que tem vários barcos que parecem a
Casa Branca flutuante - disse ela. - Já entrei em uns algumas vezes. Não é nenhuma
grande aventura.
- É isso que está procurando? Aventura?
Bowser colocou o focinho no pé de Anna; ela estendeu a mão e afagou a cabeça dele.
Acho que sim. É um dos motivos para eu ter saído de Nova York.
- Beverly Hills não é exatamente um safári na selva.
- Não sei, não - disse Anna.
Ele riu.
- É, acho que pode ser estranho.
- Tem tanta briga por status aqui, tanta ênfase em coisas superficiais. Meu Deus, agora, que
avaliação mais clichê essa, se não fosse...
- Não, eu sei o que você quer dizer. Mas você não pode levar essa porcaria a sério. Quem
ficou de porre em que festa? Que roupa é mais cara? Quem fez os implantes maiores?
Quem liga pra isso?
- Exatamente - concordou Anna. - De qualquer forma, no ano que vem vamos para a
faculdade e tudo isso vai parecer um sonho ruim.
- Já sabe para onde você vai?
- Yale. E você?
- Tem um amigo meu que dá aula numa academia no centro de Detroit. Andei pensando em
voltar para Michigan por um ano para dar uma força.
- Um ano fora? Nunca pensei nisso - refletiu Anna, considerando a idéia agora e gostando
do que estava pensando.
- Não conta pros meus pais. Eles podem parecer liberais, mas quando toquei no assunto, os
dois engasgaram à mesa de jantar.
Anna riu. Mais uma vez Adam quase teve que se beliscar. É claro que ele já teve namorada.
Mas nenhuma delas era como essa garota. Com cachos cor de trigo roçando no rosto por
causa da brisa e os olhos brilhando à luz da Lua, ela era
tão... viva. Tão autêntica. Tão parecida com a garota que ele sempre sonhou, mas
certamente nunca pôde ter.
"Não se precipite", disse Adam a si mesmo. "Talvez ela só pense em você como amigo. O
que seria o beijo da morte."
A mão esquerda de Anna estava perto da mão direita dele. Ele podia pegá-la com tanta
facilidade. Não era grande coisa. Só o que tinha de fazer era...
Nesse momento Anna afastou a mão.
Droga.
- É legal aqui fora - disse ela. - É.
"Só amigos", disse ele a si mesmo, decepcionado. "De novo, com uma garota que eu
realmente gosto, será 'apenas bons amigos'."
E foi por isso que ele se surpreendeu tanto quando ela se inclinou para ele e o beijou.

PALHAÇA BÊBADA E PINTADA

Tudo bem, os sonhos não significam necessariamente alguma coisa.


Foi o que Sam disse a si mesma na manhã seguinte enquanto tomava um banho, deixando a
água escaldante desabar nos ombros. Meu Deus, que sonho. Começou com ela e Anna. E
foi uma reprise de um momento da vida real, da festa de 16 anos da Dee, quando os pais
dela alugaram o Dorothy Chandler Pavillion - a mesma sala de concerto que agora usavam
na entrega do Oscar - para a festa. Eles contrataram
um cenógrafo para converter o lugar num cassino de Las Vegas, completo, com showgirls e
animais vivos.
Na vida real, alguém tinha posto vodca escondido no ponche e Sam ficou bêbada. Só para
fazer um escândalo, ela beijou Dee no meio do palco. Para surpresa de Sam, ela até que
gostou.
No sonho de Sam, foi seu próprio aniversário de 16 anos. A festa tinha o tema do Oscar -
ela havia acabado de receber o prêmio fictício da Academia por melhor direção. Anna foi a
apresentadora. Quando passou a ela a estatueta dourada, Anna a beijou. Não no rosto. Na
boca.
E... Sam retribuiu o beijo. Retribuiu o beijo de verdade, enquanto o tema de Titanic crescia
ao fundo.
Muito esquisito. Porque Sam tinha certeza de que não era gay. O bichinho do tesão tinha
pulado em suas calcinhas de seda La Peda muitas vezes por muitos caras. Ela não era uma
piranha como, digamos, Cammie Sheppard - e quem era? -, mas tinha sua parcela de
ficadas. Então, o que tinha rolado no sonho, afinal?
Será que foi porque Anna tinha ficado com o Ben e Sam tinha uma queda por Ben há um
tempão? Uma espécie de falha de sintaxe das ondas cerebrais?
Não era possível que ela fosse gay. Mas nem pensar.
- Ei, peraí - gritou Sam para Anna, que ela viu caminhando para o prédio da escola. Era
outra manhã linda e ensolarada de Los Angeles. Sam correu para alcançá-la o mais rápido
que seus saltos agulha permitiram.
Isso foi três horas depois do sonho. Quando ela se vestiu, deu uma última olhada de
apreciação para si mesma no espelho triplo de corpo inteiro. Ela adorava a camiseta justa
Yohji Yamamoto de seda vermelha e violeta com inspiração asiática, a jaqueta de couro
vermelho curtido Valentino e os jeans Gucci tamanho 36, que eram surpreendentemente
elegantes, considerando a cintura baixíssima. Pouco antes
do café da manhã, a limusine da família chegara com o cabeleireiro dela, Raymond, para
ele fazer uma escova em casa. (Sam não conseguia se imaginar sentada em seu novo salão,
o Menage, com outras mulheres do tipo estou-fazendo- uma -escova-antes-de-começar -
meu -dia.) Como sempre, Raymond tinha feito um trabalho espetacular; com a ajuda das
novas extensões capilares Genius de Raymond, seus cabelos pareciam espessos e
luxuriantes.
Mas mesmo com tudo isso, mais a maquiagem aplicada da forma como aprendeu no
empório de cosméticos Valerie, Anna Percy - que não usava nada mais elaborado do
que uma camiseta preta de manga comprida, calças pretas de cós baixo e sapatilhas de
dança Capezio totalmente despretensiosas - fazia com que Sam se sentisse uma palhaça
pintada e bêbada.
- Oi, Sam. E aí?
- A parada da festa-e-filme-na-minha-casa não vai ser nesse fim de semana - disse Sam a
Anna enquanto elas entravam no prédio juntas. - Olha, quantos sinônimos você
conhece para idiota?
Anna ficou confusa.
- Como?
- Burra, obtusa, retardada, estúpida, monga, parva, imbecil, cabeça de titica - respondeu
Sam a si mesma enquanto elas atravessavam o prédio e iam para a quadra. - Todos se
aplicam a minha nova... que náusea... madrasta, que decidiu
redecorar minha casa à imagem dela, começando neste fim de semana. Logo, sem festa.
- Não dá para rodar num clube? - sugeriu Anna. - Algum
lugar decadente?
- Já foi feito - respondeu Sam. - Um cara no ano passado fez um curta no Aubar que entrou
no Festival de Cinema de Los Angeles. Precisamos de uma coisa nova.
A gente realmente precisa fazer isso nesse fim de semana se quiser ... peraí. Já sei. A
Maison de Veronique!
- A casa de Veronique? - traduziu Anna.
- Éaquele spa incrível em Palm Springs - explicou Sam. - Andei pensando em ir lá no final
do mês, de qualquer forma. Aqui, dá uma olhada. Olha a última página. - Ela pegou a
última edição da revista Los Angeles da mochila e passou para Anna, que abriu na última
página, onde encontrou o mais minúsculo dos anúncios.
Dizia simplesmente: MAISON DE VERONIQUE. Lista
de espera só para o ano que vem. E-mail somente para
reserve@veronique-palmsprings.com. NADA de telefonemas.
- Ano que vem? Impressionante - disse Anna.
- Eles não precisam de anúncio; só colocam isso para ser rabugentos. Tipo assim, eles nem
dizem a você que é um spa; você simplesmente tem que conhecer. Confie em mim, esse
lugar é o mais Daisy Buchanan que a gente pode conseguir. Misturado com um pouco de
filosofia indiana, mas deixa pra lá. Acho que a gente devia ir nesse fim de semana. E filmar
lá.
Anna devolveu a revista a Sam.
- Imagino que a lista de espera não se aplique a você.
- Como assim? - perguntou Sam.
- Nada. Mas eu não sei se posso passar o fim de semana fora.
- E por que não?
- Posso ter planos.
- Mude.
- Adam e eu estávamos conversando sobre ir ao zoológico de San Diego.
- É, eu vi os dois juntos ontem. - Sam se esforçou ao máximo para não olhar para a boca de
Anna. Que coisa mais doentia! O único motivo para ela chegar a pensar nisso era o sonho
idiota, que não significava nada. - Convide o Adam para ir com você ao V. Aí, hein, você e
Adam?
Anna deu de ombros.
- Somos amigos.
- Amigos que ficam nus e fazem obscenidades ou amigos
do tipo comum?
Anna riu.
- Não sei ainda.
Sam sacudiu os cachos perfeitos do rosto.
- Ah, qual é. Você sabe se tem vibração ou não.
Anna pareceu contemplativa.
- Bom, eu o beijei ontem à noite.
Sam fez uma consulta íntima para saber como se sentia com relação a isso, mas tudo estava
embaralhado demais em sua cabeça.
Ela deu de ombros.
- Um beijo é só um beijo.
- Casablanca. "A kiss is just a kiss." - Anna sorriu.
- Peraí, achei que você tinha me dito que nunca foi ao cinema -lembrou Sam a ela.
- Ah, qual é. Casablanca é um clássico.
- E você é uma garota clássica - supôs Sam. Ai meu Deus, será que isso pareceu uma
azaração? Porque isso seria horrível! - E aí, como foi?
- Foi bom.
- Traduzindo ... sem química - deduziu Sam.
- Foi o primeiro beijo, e não um bombardeio arrasador.
- Química é química - insistiu Sam. - Quer você queira transar com ele, quer não. Espera,
tenho que dar um tefonema. Sam pegou o celular na bolsa e fez uma chamada rápida para a
assistente executiva do pai, dizendo a ela para reservar duas suítes no V para o fim de
semana.
- Pronto. - Sam recolocou o telefone palm-size na bolsa com um largo sorriso. - A gente vai
detonar. - Seus instintos lhe diziam que o caso de Anna e Adam não era exatamente tórrido.
Além disso, a idéia de passar o fim de semana em um spa com Anna fazia com que ela se
sentisse... feliz. - E é por minha conta - acrescentou ela.
- Não é necessário, mas obrigada pela oferta. Olha, se vamos fazer um filme, não vamos
precisar escrever um roteiro? - observou Anna.
Sam sacudiu a cabeça.
- Vamos só improvisar e ver no que vai dar.
- Acho que essa é outra maneira de dizer que estaremos despreparadas.
Sam suspirou. Por que Anna estava sendo difícil?
- Tá legal, vamos escrever um ...
- Por que não deixa comigo? - interrompeu Anna. - Você dirige e produz, e eu posso pelo
menos escrever.
Sam ficou em dúvida.
- Já escreveu um roteiro antes?
- Não. Mas estamos falando de quê, um filme de dez minutos? Todo mundo tem que
começar de algum lugar.
- Sério, Anna, eu devia...
- Não, eu devia - insistiu Anna. - É um projeto em colaboração, lembra?
- Tá legal- concordou Sam, embora não estivesse satisfeita com isso. Ela olhou o novo
relógio Cartier Tank.
- Droga, estou atrasada para encontrar a Cammie. Olha, me encontra depois da aula no
Beverly Hills Hotel e a gente pode planejar tudo.
- Por que o Beverly Hi...
- É conveniente, elegante, tem Starbucks. Tenho que correr. Eu te vejo mais tarde.
Sam partiu, a mente zumbindo. Estava acostumada a dar ordens, não a receber. Por outro
lado, ela meio que gostava de que Anna Percy não fosse fácil. Pode-se dizer que Sam
estava achando tudo... atraente.

HAZELDEN QUE SE DANE

- Oi, Sam - disse a garçonete parecida com Angelina Jolie enquanto estendia a mão atrás da
cabeça e pegava uma caneta no rabo-de-cavalo.
- O de sempre?
- É. Obrigada, Madeline. Anna?
- Um expresso seria ótimo - disse Anna.
As meninas estavam sentadas no Polo Lounge, a cafeteria na calçada do Beverly Hills
Hotel. Cercadas por uma série espetacular de palmeiras e flores de brilhantes tons de rosa,
Anna lembrava dos chás da tarde que tinha com os avós quando era pequena. .
Embora fosse início de janeiro, só o que Anna precisou vestir por cima da camiseta foi uma
jaqueta de brim. Sam apoiou os cotovelos na mesa. Uma de suas mãos veio pousar em cima
da mão de Anna.
- E aí, andei pensando em como é perfeito para a gente fazer esse trabalho juntas. É como
se você fosse Daisy e eu Jay.
Anna tentou entender o que Sam podia estar querendo dizer com essa observação. Em O
grande Gatsby, Jay Gatsby tinha uma paixão enorme pela rica Daisy Buchanan. Ele próprio
enriqueceu. Mas seu dinheiro "novo" não era considerado tão bom quanto o "antigo".
Embora tenha feito tudo o que podia, Jay nunca convenceu Daisy - ou a si mesmo - de que
era bom o bastante para ela. O que Sam queria dizer com isso? Era sobre dinheiro? Classe?
Ou outra coisa?
Não. Não podia ser romance. Sam era hetero. Mas... Só por precaução, Anna retirou a mão
de Sam de cima da dela.
- Poderia explicar? - perguntou ela, casualmente tirando a mão.
- Só estava brincando. Estou pensando que, quando estivermos no V, a gente devia
organizar uma nova facção de alpinistas sociais e perguntar a eles se gostariam de fazer um
filme. As pessoas sempre concordam, especialmente quando percebem quem sou eu.
- E se eles não souberem atuar? - perguntou Anna.
- Alguém tem que fazer os diálogos que vou escrever.
Sam fez um gesto de rejeição.
- Pense nos convidados como figuras de fundo. A gente definitivamente vai ter seus
arrogantes podres de ricos do oeste. Você pode até conhecer algum deles. Se tivermos
sorte, algum cara podre de rico que ganhou dinheiro com pornografia na internet virá de
visita do Texas. Isso tudo vai acrescentar, hmmm, uma cor. Corte e cole, misture e
combine, emende no roteiro e voilà: conseguimos uma crítica visual da moderna
aristocracia americana que daria orgulho a Scott Fitzgerald. E aí, e o seu roteiro?
- O que tem? - disse Anna, esperando parecer confiante.
- Pensou nele?
_ Claro - improvisou Anna. Era verdade. Ela havia pensado nele. Só não tinha chegado a
conclusão nenhuma.
- Sabe ao menos quais são os personagens principais? - provocou Sam.
- Um Gatsby, é claro. E... uma Daisy. E provavelmente outra mulher. - Anna estava
inventando enquanto prosseguia.
- Será que Parker Pinelli pode fazer o Gatsby? - Ela também conheceu Parker no
casamento. Era um aluno assombrosamente bonito do terceiro ano da Beverly Hills High
que alegava ser ator.
- Por que, está interessada em Parker agora? - perguntou Sam.
Anna percebeu uma aspereza na voz de Sam.
- De jeito nenhum. Mas ele pode atuar, né?
- Usando o termo livremente - admitiu Sam. - E, para ele pode ser mole. Vamos pegar o
irmão dele, Monty, para ajudar também. Vou pensar um pouco na personagem
da Daisy e falo com você. A não ser que você queira fazer a Daisy.
- Definitivamente não. E só há outro veto absoluto no elenco: nada de Cammie Sheppard.
- Tem a minha palavra - disse Sam com uma risadinha.
Anna não tinha certeza do que a risadinha queria dizer. E, para falar com franqueza, ela não
se importava com isso... Se a má opinião de Anna sobre Cammie Sheppard era cômica para
Sam, que fosse. Desde que Cammie ficasse fora do set.
- Aqui está, Sam. - A garçonete colocou diante dela uma xícara de café e um copo de cristal
gelado com framboesas frescas. - Ei, fui contratada pela produção do novo
filme do seu pai.
- Que bom para você - disse Sam.
- É só uma cena ... Eu faria uma dançarina go-go no Limelight que tem a informação que o
personagem do seu pai precisa para encontrar a amante seqüestrada. Mas é uma assassina.
- Que ótimo, Madeline. Espero que consiga.
Madeline cruzou os dedos, depois passou para a mesa seguinte.
Sam abriu um pacote de adoçante e sacudiu no café.
- Eu juro que todo mundo nesta cidade é delirante. Eu vi o teste dela. Ela é péssima.
- Então por que ninguém conta a verdade a ela? -Agora você está em Los Angeles, Anna. A
verdade é sempre relativa. - Sam puxou uma framboesa do copo com os dedos recém-
manicurados e colocou na boca. - Um monte de garotas que não sabe atuar acaba
conseguindo. Se ela conseguir, você não vai querer ser a pessoa que a menosprezou. Ou ela
pode estar dormindo com alguém realmente importante. Você a menospreza, ela conta a
ele... Ou a ela... E você está ferrada. E outras variações sobre o mesmo tema. - Sam
mastigou outra framboesa, depois baixou o tom de
voz. -Eles usam garotas como Madeline para a cena da "caixa".
- O que é?- perguntou Anna.
- Sabe como sempre tem uma foto de uma garota de biquíni ou de calcinha na caixa de
qualquer DVD? É para atrair compradores e locadores para o filme, mesmo que o
filme não tenha nada a ver com a foto. Quer uma? - Ela empurrou as framboesas para
Anna.
- Não, obrigada. Na verdade, acho que tenho que voltar para a casa do meu pai e começar a
escrever. Alguma idéia para a trama?
- Vai fundo, vamos ver o que você vai criar - disse Sam, tomando o café. - Mas não vá
embora agora. Vamos ficar mais um pouco por aqui.
Infelizmente Anna estava mesmo se coçando para começar a escrever. Muitas vezes ela foi
acusada de viver com o nariz em um livro, mas nunca pensou que realmente se tornaria
escritora. Talvez ela tivesse talento. Isto é, se ela pudesse bolar uma história de verdade
para um filme.
- Li em algum lugar que Fitzgerald veio para cá para ser roteirista -lembrou ela.
- E fracassou terrivelmente - acrescentou Sam. - Só parecia fácil.
- Bom, então é melhor que eu comece logo - disse
Anna, enquanto se levantava para pegar suas coisas. Definitivamente estava progredindo.
Alguns dias antes, ela teria se sentido culpada por deixar Sam sozinha. Mas Sam podia se
cuidar.
E Anna também.
Meia hora depois, quando Anna encostou o carro na entrada circular, havia um Saleen
Mustang vermelho estacionado perto da porta da frente. Aprimeira coisa que lhe passou
pela cabeça foi: Ben. A segunda coisa que lhe passou pela cabeça foi mandar a primeira
coisa calar a boca. Primeiro, ela sabia que Ben dirigia um Maserati. Segundo, só porque ele
mandou os balões na véspera, não significava que ia tentar substituir aqueles balões hoje.
Terceiro, Anna sabia que ele tinha de voltar a New Jersey para o começo das aulas em
Princeton. Era muito provável que ele já estivesse
lá. Mas mesmo que por um acaso infeliz ele ainda estivesse na cidade e aquele fosse o carro
dele, isso não queria dizer - quarto - que ela falaria com ele.
- Anna? - A porta do carro se abriu. Não era Ben. Era a irmã de Anna.
- Susan?
- Dá um abraço na sua irmãzona! - Susan veio na direção de Anna com os braços
estendidos.
Anna saiu do Lexus e abraçou a irmã enquanto se perguntava como isso era possível. Ela
conversou com Susan em Hazelden 24 horas antes. Ela sabia que a irmã mais velha ainda
ficaria na reabilitação por várias semanas.
Susan retribuiu o abraço com força.
- Senti tanto a sua falta!
- Eu também fiquei com saudade - disse Anna. - Mas o que você está fazendo aqui?
- Ei, você devia ficar feliz em me ver. - Susan afastou o cabelo louro platinado do rosto. Ela
era mais de um centímetro mais baixa do que Anna, e um observador imparcial diria que
não tinha uma beleza tão clássica. Mas quando Susan estava no auge, Anna sabia que a
irmã podia ser deslumbrante - embora agora de um jeito meio urbanóide, de rebelde. No
momento ela estava meio gorducha, com um jeito provocante e sensual: montes de
delineador preto borrado, batom vermelho, jeans apertados e uma camiseta branca sem
mangas debaixo de uma jaqueta de motoqueiro de couro preto. Seus cabelos eram
naturalmente da mesma cor dos de Anna, mas nos últimos anos ela o descoloria com louro
branco que nem a Courtney Love. Isso deixava a mãe das duas maluca, o que Susan
considerava um excelente
motivo para continuar agindo dessa forma.
- Estou mesmo feliz em ver você - disse Anna, recuando um passo e avaliando a irmã. -
Você está ótima. É sério.
Susan sacudiu a cabeça.
-Não, não estou. Estou uma bola. Preciso perder uns sete quilos rapidinho. Me livrar do
queijo e das barras intermináveis de Snickers da reabilitação. Olha, todo viciado
precisa de alguma coisa.
Anna passou o braço pelo de Susan.
- Bom... vamos entrar. Por que está aqui fora, aliás?
Susan apertou o braço dela.
- Porque eu realmente não quero ver o papai, é por isso. Eu estava esperando por você. Ei,
gosta do meu carro? - Ela bateu no capô do Saleen vermelho. - Demais, né? De zero a cem
quilômetros por hora em 3,3 segundos.
- É, ótimo - disse Anna, distraída. - E aí. Aqui está você. Em Los Angeles.
Susan pegou os cigarros no bolso.
- Cara. Não vai perder o ar de felicidade nem nada disso.
- É só que ... Você não devia sair de Hazelden para ...
- Hazelden que se dane - disse Susan, acendendo o cigarro e dando uma tragada profunda. -
Por causa de Hazelden, estou fumando de novo e estou gorda. Então eu
saí. - Ela fez um beicinho para a irmã.
- Ah, qual é, Anna. Relaxa. Eu estou bem. É sério. Eu estava preocupada com você,
totalmente sozinha aqui com o querido e velho pai. E ele nem vai cuidar de você nem nada.
Anna ficou tentada a dizer que Susan também nunca cuidou de Anna; na verdade, foi Anna
quem sempre cuidou de Susan. Susan precisava de alguém que cuidasse dela. Anna, não.
Mas ninguém nunca falava nisso. Era assim que sua família funcionava.
- O papai está tentando mudar - disse Anna, sem revelar o que havia pensado, enquanto
abria a porta.
- Emocionante. - Susan atirou o Marlboro Light aceso numa moita. - Não vou ficar aqui,
independentemente disso. Ele não está em casa agora, está?
- Duvido.
- Então eu vou entrar. - Elas entraram no vestíbulo e Susan deu uma olhada no ambiente
espaçoso. - Meu apartamento inteiro no East Village podia caber nessa entrada.
- Você sabe que não precisa morar numa espelunca lembrou Anna a ela. - E aí, onde está
pensando em ficar?
- Talvez eu pegue um bangalô no Beverly Hills Hotel. Lembra quando a gente ficou num
bangalô lá para a inauguração do museu de arte Getty Center? Foi tão bom.
- Que engraçado. Estive lá hoje à tarde. No hotel, quer dizer. Me encontrei com alguém
sobre um projeto da escola. Mas olha, Sooz, o papai tem toneladas de quartos...
- Pode esquecer. Só me mostre o banheiro, depois vamos sair.
- Vem até o meu quarto comigo. Quero tirar minha jaqueta - disse Anna. O semblante da
irmã escureceu.
Não se preocupe. Ele não está em casa mesmo. Você não vai vê-lo.
Relutantemente, Susan seguiu Anna até o segundo andar. Assim que chegaram ao corredor,
elas foram atingidas por um cheiro esmagador de rosas. Quanto mais perto chegavam do
quarto, mais forte ficava o cheiro.
quarto, mais forte ficava o cheiro.
- Meu Deus, acha que a empregada usou desodorizador de ar demais? - perguntou Susan.
Anna abriu a porta.
- Mas que merda - arfou Susan.
Cada superfície horizontal do quarto de Anna estava coberta de rosas: carmim e vermelho-
cereja, rosa-claro e escuro, brancas, amarelas, até laranjas. Algumas estavam em vasos,
outras espalhadas pela cama de Anna e algumas cobriam os
tapetes e o chão de madeira. Havia um bilhete no meio da cama.

ANNA ...
AINDA ESTOU NA CIDADE. DEIXA EU ME
RETRATAR COM VOCÊ. ME LIGA. POR FAVOR.
BEN

Susan leu o cartão por sobre o ombro de Anna.


- Quem é Ben?
- Um cara que conheci no vôo de Nova York. - Anna amassou o cartão e o atirou na lixeira.
Por que Ben estava tornando tão difícil para ela fazer o que era certo? Se ele
realmente se importasse com Anna, deixaria ela em paz ... não é?
- Um cara que manda mil rosas para você...
- Que estão prestes a ser retiradas uma por uma pelas empregadas. - Com indiferença, Anna
foi até o armário - esmagando pétalas de rosa no caminho - e pendurou a jaqueta.
- O que ele quer dizer com "deixa eu me retratar com você"? - perguntou Susan enquanto
espanava pétalas da cama de Anna para poder se esparramar nela.
- Não importa. Ele é um cretino.
Susan deu um sorriso de quem sabe das coisas.
- Um cretino gostoso?
- Muito - admitiu Anna. - Mas a vida é mais do que isso.
- Meu bem, fiquei tranca da por três semanas com uns cem adeptos dos 12 passos de
Alcoólicos Anônimos para a recuperação pessoal. Agorinha mesmo não consigo pensar
em nada melhor do que um cretino gostoso.
- Esse, não. Confie em mim. Vem, vamos embora.
- Vamos no meu carro - disse Susan. - Eu nunca consegui dirigir em Manhattan.
No primeiro andar, Anna achou a cozinheira e deu a ela trinta dólares para levar as rosas
para o abrigo de mulheres espancadas mais próximo. Depos elas foram para o carro de
Susan. Estavam saindo da entrada de carros quando Django apareceu. As raízes escuras de
seu cabelo platinado apareciam mais a cada dia.
- Caraca, o que é que era aquilo? - perguntou Susan, esticando o pescoço para dar outra
olhada.
- O motorista do papai. Ele mora na casa de hóspedes.
- Ele aluga?
- Acho que faz parte do salário.
- O mauricinho do papai contratou um cara que usa anéis? Nos polegares?
- O papai anda muito relaxadão ultimamente - replicou Anna. - Vire à esquerda, vamos em
direção à avenida Sunset. E aí, quanto tempo pretende ficar aqui?
Susan seguiu as instruções da irmã.
- Vou me deixar levar. Aliás, vamos fazer alguma coisa divertida nesse fim de semana, tá
legal?
-Não posso. Estou escrevendo um curta-metragem e vou a um spa em Palm Springs para
filmar.
- Desde quando você escreve filmes?
- Desde agora, eu acho.
- Anna, você nem vai ao cinema. Agora, se fosse um romance ...
- É para a escola - explicou Anna. - E eu vou ao cinema, sim.
- É, se for um filme estrangeiro.
Anna sorriu. Estava acostumada com as sacanagens de Susan e sentiu falta disso. Sentiu
falta dela.
- Você devia ir ao spa comigo. Vai ser legal.
- Como você sabe? - A voz de Susan era cética.
-Tenho a sensação de que Sam Sharpe não vai deixar as coisas caírem no tédio.
- Sam mulher ou Sam homem?
- Sam mulher. Filha de Jackson Sharpe.
- Que legal. Eu adoro Jackson Sharpe.
- Então vamos. Sam disse que o spa é incrível. Não quer uns mimos de primeira classe?
- É, bem que eu queria mesmo. Na Hazelden a gente tinha que esfregar o banheiro dos
outros. Minha colega de quarto fazia Ilsa,a mulher-lobo da SS nazista, parecer uma gatinha
inofensiva. Enquanto eu estava limpando, ela ficava parada em cima de mim, sacudindo
uma lista de verificação.
Anna não acreditou.
- Você limpou banheiros?
- Banheiro - corrigiu Susan. - Depois da primeira vez, eu comecei a pagar alguém para
fazer isso. Quer dizer, qual é?Eu tenho uma herança de oito dígitos. Não é ridículo querer
que eu finja ser humilde?
- Sei lá. Você mora no East Village e finge que é pobre - assinalou Anna.
- A pobre menina rica, vivendo como favelada. Eu sou um clichê - admitiu Susan.
- Eu ainda não entendo por que você mora lá.
- Olha, sou a única mulher na avenida D que tem uma faxineira. - Elas chegaram a outro
sinal e um Porsche Carrera prata encostou ao lado delas.
Susan deu uma olhada no motorista - um homem de uns cinqüenta anos - e acelerou o
motor do Mustang. O homem riu e Susan piscou para ele. Anna se lembrou de quando a
irmã mais velha seguia as regras de comportamento ainda
melhor do que ela. Mas isso fora há muito, muito tempo.
- Gosto mais das pessoas que moram no centro da cidade do que das pessoas em nosso
bairro antiquado - disse Susan. A atmosfera é simplesmente demais no Upper East Side. E
além disso, eu adoro deixar a mamãe apoplética.
Disso Anna já sabia. Parecia mesmo que Susan já estava curada. Mas ela não disse nada
enquanto o sinal abria e Susan pisava no acelerador.
- Siga aquele carro, aquele que virou à direita na avenida Ikverly. Pegue a direita e depois
uma esquerda rápida para a rua do Beverly Hills Hotel.
Susan virou à direita como o carro à frente e um minuto
depois estavam passando pela placa verde e branca que dava
as boas-vindas aos hóspedes do hotel.
- Legal. Não vou sentir nem um pouco de saudade da pindaíba.
Susan parou o carro na entrada. O mesmo empregado que recebeu Anna mais cedo abriu as
portas.
- Bem-vinda de volta, senhorita - disse ele a Anna.
- Obrigada. Minha irmã vai ficar hospedada aqui. A bagagem dela está no porta-malas.
- Que bom. Basta entrar e se registrar; eu cuidarei disso.
Anna colocou alguns dólares na mão dele e entrou com Susan.
- Então o plano é esse, irmãzinha - disse Susan enquanto elas entravam na pequena fila da
recepção. O lobby do hotel era cavernoso. Feito em tons de rosa-claro e cinza, com cadeiras
de couro rosa-claro pontilhando toda a área, e todo o espaço sombreado por enormes
palmeiras envasadas.
- Comprei dois biquínis e um deles fica perfeito em você. Vamos trocar de roupa, depois
sentar à beira da piscina e contar quantos caras dão mole pra gente.

CINEMA PRIVÊ

Dee e Cammie iam ao Beverly Hills Hotel como as outras adolescentes vão ao shopping.
Na verdade, foi só coincidência que, enquanto Susan estava se registrando no hotel, elas
estavam ajeitando a maquiagem no banheiro das mulheres
logo atrás do saguão. Isso depois de passar a hora anterior paquerando uns caras no bar do
Polo Lounge. Supostamente, esses caras eram músicos e estavam na cidade porque íam
abrir o show de Avril Lavigne no Pond, em Anaheim, na noil
seguinte.
Quinze minutos depois, os rapazes convidaram Cammie e Dee para ir à balada. Dee já
estava pronta para ir, mas Cammie não ficou tão animada com a idéia. Os rapazes
só alcançaram nota cinco na escala básica de zero a dez de Cammie, perdendo três pontos
por abrir o show de Avril mas ganhando um ponto de bônus pelo sotaque britânico. Dee
acompanhou Cammie e não confirmou nada. Em vez disso, as meninas tinham pedido
licença para ir ao toalete.
Enquanto estava parada na frente da vaidade espelhada, Dee ficou olhando Cammie
admirar seu próprio reflexo. Ela usava uma camiseta de seda rosa estonada LaPerla debaixo
de um casaco Gucci rosa desbotado, com jeans de cós tão baixo
que dava para ver os ossos dos quadris e até uma sugestão de aonde os ossos dos quadris
levavam. Os scarpins de bolinha rosa e branca abertos nos dedos que tinha encomendado
especialmente na Christian Louboutin davam a impressão de
que suas pernas continuavam indefinidamente. Suas unhas dos pés estavam perfeitas e ela
trazia uma pulseira de ouro e diamante no tornozelo esquerdo. Como sempre, seus cachos
ouro-avermelhados se enovelavam rebeldes sobre um dos
olhos e desciam pelo meio das costas. Era um fato reconhecido que Cammie sabia que era
linda. Na verdade, ela sempre dizia que, se tivesse inclinação para mulheres, a pessoa com
quem queria transar era ela mesma.
Cammie retocou o brilho labial e Dee imediatamente olhou para os próprios lábios. Mais
finos. Menores. Ela suspirou.
Era impossível ficar com Cammie e não se encantar com a autoconfiança dela.
"Não que seja a coisa mais importante" , acrescentou Dee mentalmente. "A carne é
efêmera, o corpo é apenas um recipiente. Ainda assim, pelo menos tenho melhor aparência
do que Sam."
- E aí, quer sair com aqueles caras? - perguntou Dee.
Cammie borrifou Tres Cammie em si mesma, um perfume feito sob encomenda que seu pai
comprara para ela no seu aniversário de 16 anos.
- É o mesmo que perguntar se queremos morrer de tédio.
- Eu queria te dizer isso antes. A gente podia ter feito a aula de spinning às seis horas na
Yoga Booty.
- Spinning é para manés. Moramos em Los Angeles, onde você pode dirigir 27 quilômetros
direto da praia de Santa Monica até Palos Verdes. Quem vai querer ficar sentado numa
bicicleta ergo métrica numa academia e pedalar para lugar nenhum?
Dee suspirou. Às vezes era difícil ser a melhor amiga de Cammie porque Cammie tinha
tantos problemas de hostilidade.
Ultimamente, em especial, estava sendo difícil. Elas viram Ben no casamento com aquela
garota nova, a Anna. Cammie tinha bolado um plano para conseguir Ben de volta. E Ben
lhe dera as costas.
- Sabe de uma coisa? Você era muito mais legal quando estava namorando Ben.
Cammie largou o pequeno frasco de perfume de volta na bolsa Chanel.
- E?
- E eu acho que você compara todo cara que conhece com ele.
- Só na sua cabeça - bufou Cammie.
- Ben é impressionante. Sei que você era feliz com ele sei quanto você o quer de volta. Eu
lamento que não esleja acontecendo de acordo com seus planos. - Essa era a primeira vez
que Dee via Cammie não conseguir um cara que ela queria. Era tudo culpa de Anna Percy.
Ela tinha que aplaudir Anna por isso. Ben era um cara ótimo. Dee nunca viu Cammie tão
feliz como quando estava com ele. Ben tinha deixado Cammie... mais gentil. Não
simplesmente gentil, porém mais gentil. Isso não significava que Dee pensava que Ben
fosse o cara certo para Anna. Ele combinava muito mais com, digamos ela.
Ela e Ben compartilharam aquela noite mágica em Princeton alguns meses atrás, na viagem
que Dee fez à costa leste para conhecer algumas universidades. Ele tinha ficado meio
bêbado. Talvez até muito bêbado. Mas e daí? Ainda assim foi mágico.
Cammie nem sabia que tinha acontecido o interlúdio Dee Ben. Nem Sam sabia. Dee não ia
cair na asneira de contar às duas amigas qualquer coisa que fosse verdadeiramente
importante. Mas ela contou a Anna no dia de Ano-Novo, concluindo depois que, em sua
própria procura por Ben Birnbaum, a melhor defesa era um bom ataque.
Cammie sacudiu os cachos do rosto.
- Se eu quisesse, podia ter Ben de novo.
- A aceitação é o primeiro passo para a cura, Cammie.
- Dee, por favor, não venha com esse papo newage pra cima de mim. Não estou com bom
humor para isso.
- Cammie voltou ao Polo Lounge com Dee seguindo-a de perto. - O que eu acho que a
gente deve fazer é... espere aí um minuto.
- Pra quê? - perguntou Dee, confusa.
Cammie apontou com o queixo para a recepção do hotel, onde uma pessoa acabara de atrair
sua atenção. Uma pessoa graciosa, loura e adorável sem esforço nenhum.
- Olha lá. Mas quem diria.
- Anna Percy.
- É. - O rancor de Cammie por Anna era palpável. Cammie queria Ben; Anna tinha Ben.
Era simples. Simplesmente Cammie nunca havia perdido no amor.
- Por que Anna estaria se registrando? - perguntou-se Dee.
Os olhos de gata de Cammie brilharam e um sorriso brincou em seus lábios.
- Talvez haja mais na Madame Patricinha da costa leste do que os olhos podem ver.
- Com quem você acha que ela está? - cochichou Dee.
- Talvez seja a namorada dela.
Dee nunca tinha pensado nisso.
-Você acha?
- Nunca se sabe - disse Cammie, rindo.
Dee não tinha certeza se Cammie estava falando a sério ou brincando. Antes que Dee
pudesse provar, Cammie já estava andando pelo saguão na direção de Anna e da garota
misteriosa. Dee não teve escolha a não ser segui-la.
- Anna! - disse Cammie alegremente. - Que ótimo encontrar você!
- Oi, Anna! - ecoou Dee, atirando os bracinhos no pescoço de Anna. - Que legal! Cara, o
que você está fazendo aqui?
A reação de Anna a Cammie foi impassível. Tanto é que Dee não sabia dizer o que Anna
estava sentindo. Mas tinha certeza de uma coisa - sem dúvida nenhuma não era prazer.
- Oi, Cammie. Dee.
- Quem é a sua amiga? - perguntou Cammie, dissimulada.
- Essa é minha irmã, Susan - disse Anna. - Susan, ammie Sheppard e Delia Young. São da
minha escola.
Dee sabia! De jeito nenhum Anna era lésbica. A energia dela era cem por cento
heterossexual.
- Coitadas, a escola é um porre - disse Susan de um jeito animado.
- Srta. Percy? Aqui estão as chaves do seu bangalô. - O elegante homem por trás da mesa
passou um envelope a Susan. - Vai precisar de cópia?
- Vou - disse Susan. - Minha irmã vai ficar comigo.
- Não vou, não - objetou Anna, falando baixinho.
- Vai, sim - disse Susan, e o funcionário da recepção imediatamente passou a ela um
segundo envelope, que ela colocou na palma da mão de Anna. - E aí, só vamos vestir
o biquíni, pegar uma piscina e ver quem vai babar na gente. Querem se juntar a nós?
- Sabe de uma coisa, é uma ótima idéia! - disse Cammie.
- Hmmm, Cammie? - começou Dee, perguntando-se por que diabos Cammie queria passar
parte da tarde com uma garota que desprezava. - Aqueles caras estão nos esperando...
- Esqueça. É muito melhor ficar com Anna e Susan.
- Cammie lampejou o mais encantador dos sorrisos para Susan. - Espere só um minuto. Dee
e eu vamos descer até o Promenade. Eles têm umas lojas decentes por ali, e vamos comprar
uns biquínis bonitinhos. Depois encontramos vocês na piscina, tá legal?
- Ótimo - disse Susan. - Quem chegar por último paga o jantar.
Cammie riu.
- Anna, gostei mesmo da sua irmã. Vai ser divertido... Uma oportunidade de a gentese
conhecer melhor. Então, a gente se vê daqui a pouquinho.
- Segura. - Susan atirou as duas minúsculas peças de um biquíni de crochê cor de tangerina
pelo quarto do bangalô. Eles caíram nos pés de Anna. - Só posso usar isso quando perder
algum peso. Eu juro que dá para tirar uns bons bifes da minha bunda. Mas vai ficar ótimo
em você. Aliás, é por isso que eu te odeio.
Anna se sentou na beira da cama de mogno, sem se incomodar
em pegar o biquíni.
- Olha, Susan. Eu realmente não estou com vontade de sair com aquelas meninas. Não
gosto delas. Nem você vai gostar.
Susan estava vasculhando uma de suas malas.
- E por que não?
- Elas são pavorosas, é por isso.
- Arrá! - Susan pegou um duas-peças preto de frente única Anika Brazil mais conservador e
o segurou no alto em triunfo.
- É sério, Sooz - continuou Anna. - Elas são fúteis. E umas piranhas.
- Parecem com metade das pessoas com quem fomos criadas - disse Susan enquanto tirava
os jeans Seven.
- Isso não é verdade e você sabe disso.
- Ah, qual é. Quer dizer, eu sei que uma garota perfeita como você tem padrões elevados,
mas pega leve um pouco. Vamos curtir a piscina, não vamos nos casar.
- É que eu estava preocupada com você, Sooz - disse Anna. - Tem um bar lá.
Continuo dizendo que eu estou bem. Limpa e sóbria,
andando certinho na linha, meritíssimo.
- Mas se a reabilitação te ajuda ...
- Olha, eu sou filha de Jane Percy- disse Susan alegremente. - Posso cuidar de mim mesma.
- Ela deu um abraço rápido em Anna. - Vamos. Não fique chateada. Você é
a única pessoa que eu amo nesse mundo sujo, Anna.
- Idem - disse Anna, retribuindo o abraço da irmã.
- Tudo bem. Chega de rasgação de seda. - Susan vestiu a frente-única. - Felizmente
qualquer peso que eu ganhe acima da cintura vai para os meus peitos. Como estou? Ótima,
ne?
Susan estava mesmo incrível. Incrível demais para ser seqüestrada da piscina por uma irmã
mais nova superprotetora.
Quando Anna e Susan chegaram na piscina, uma lua crescente tinha se erguido acima do
hotel e um leve manto de vapor cobria a piscina aquecida.
Elas encontraram quatro espreguiçadeiras desocupadas - elas puderam escolher, porque a
maior parte da área bem iluminada da piscina estava deserta, a não ser pelo barlrestaurante
ao ar livre na parede distante. Imediatamente um garçom estava ao lado delas.
- Boa noite. Posso trazer alguma coisa para as senhoritas?
- Rum e Coca - pediu Susan.
Anna ficou lívida.
- Brincadeirinha - acrescentou Susan rapidamente, revirando os olhos. - Suspende o rum.
- Uma garrafa de Evian, obrigada - disse Anna ao garçom.
- Ah, assim é bem melhor. - Susan se esticou agradecida enquanto o garçom ia pegar as
bebidas. - Sem neve. Sem banheiros para limpar. Sem terapeuta bundão me dizendo como
eu sou uma ferrada por causa da origem da minha família mas que isso não importava,
porque eu agora tenho uma oportunidade de assumir o controle da minha vida.
- Ele dizia isso mesmo?
- Ele era ela, e que droga, dizia, sim. Um monte de baboseiras. Ah, meu Deus, Anna, olha
lá. - Susan apontou o queixo para o outro lado da piscina, onde dois homens de
boa aparência conversavam em seus celulares. Pratos de sushi intocados estavam na mesa
entre eles.
- O que é que tem? - perguntou Anna.
- De que planeta você veio? São Alex Souter e Noah
Monahan.
- Quem são eles?
- Você não viu o Oscar? Eles ganharam por melhor roteiro juntos. E Alex, o mais alto de
cabelo escuro, estava estreando num filme de ação de Natal ... esqueci o nome. Está se
revelando. Noah, o louro, está virando produtor.
Anna achava uma realização significativa ganhar um prêmio da Academia por melhor
roteiro. Não tinha o nível de um prêmio PEN/Faulkner de literatura, mas ainda assim ...
seria interessante ser um cara como aqueles. A melhor amiga dela, Cyn, de Nova York, já
teria se levantado e se apresentado.
Dez minutos depois eles provavelmente estariam se agarrando na Jacuzzi - os três. "Eu
podia ser essa garota", pensou Anna. A palavra audaciosa veio a sua mente. Sim. Ela podia
ser audaciosa. No comando e audaciosa.
O garçom estava no bar da piscina. Anna pediu licença e foi até ele, explicou o que queria e
depois voltou para a espreguiçadeira.
Susan olhou para ela, as sobrancelhas erguidas.
- O que você foi fazer?
- Eu só mandei ... qual é mesmo o nome deles?
- Daqueles caras? Alex Souter e Noah Monahan.
- Isso. - Anna se esticou na cadeira. - Eu só mandei umas as bebidas para eles.
- Tá brincando! - disse Susan, rindo. - Mandou coisa nenhuma. Você nunca fez nem de
longe algo parecido em toda a sua vida.
- Este - disse Anna - é exatamente o sentido de eu estar aqui.
Ainda assim, o estômago de Anna se agitou enquanto ela esperava que as bebidas fossem
entregues. Estava de olho nos dois homens famosos, e esperava não ser óbvia nisso, quando
Cammie e Dee entraram na área da piscina e foram na direção delas. Os homens pararam
de conversar para olhar Cammie com seu biquíni Vix branco. O decote baixo de malha
destacava o seios perfeitos 42 que ela comprara;
a calcinha minúscula era presa por tiras. Dee exibia um biquíni riscadinho de azul e
amarelo Anna Sui que mostrava o resultado de centenas de aulas de spinning e sessões de
ioga. Para surpresa de Anna e Susan, os homens tiraram os fones de celular do ouvido e
começaram a conversar com Cammie e Dee.
Susan cutucou Anna.
- Suas amigas conhecem esses caras?
- Elas não são minhas amigas. E nós recebemos o secretário- geral da ONU para um jantar
na mansão da mamãe. Acho que isso é um pouco mais impressionante.
- Eu não diria tanto - disse Susan.
Naquele momento o garçom entregou as bebidas de Anna a Noah e a Alex. Ele colocou os
dois copos guarnecidos com folhas de menta diante deles, depois apontou para Anna com o
queixo para mostrar que as bebidas vieram dela.
- O que você mandou para eles? - perguntou Susan.
- Chá gelado.
- Chá gelado de Long Island, espero.
- Do tipo não-alcoólico - admitiu Anna, corando.
Noah e Alex estavam olhando para ela agora. Essa parte foi legal O problema foi que
Cammie e Dee fizeram o mesmo.
Cammie riu e disse alguma coisa a Noah e a Alex que os fez rir. Os homens olharam
novamente para Anna e ergueram as bebidas numa saudação.
"Sorria", disse ela a si mesma. "Sorria como quem paquera. Porque sim, que diabos."
Cammie e Dee foram em direção a Anna e Susan, seguidas por Alex e Noah. O que não era
exatamente o que Anna tinha imaginado para esse encontro. Mas como podia saber que
Cammie e Dee conheciam os dois roteiristas?
- Ah, meu Deus, Alex e Noah estão vindo para cá - sibilou Susan. Ela chupou a barriga e
atirou o cabelo num dos olhos. Anna não fez nada a não ser esperar e se sentir meio
ridícula.
- Ora, ora, as duas parecem confortáveis - comentou Cammie, tirando as sandálias de tiras.
- Trouxemos uns amigos.
- Estou vendo. - Susan sorriu para os homens famosos.
- Oi, eu sou a Susan.
- Oi. Sou Alex e esse é o Noah - disse Alex, dando um sorriso que aparentemente vendeu
milhões de ingressos de cinema. Ele se sentou na beira da espreguiçadeira de Cammie.
- A gente sabe - disse Susan. - Eu adorei seu filme.
- Obrigado. - O olhar de Noah dirigiu-se para Anna.
- E obrigado pelas bebidas.
- De nada - respondeu Anna. E não conseguiu pensar em mais nada para dizer.
- Você tem nome? - acrescentou Alex brincando, agachando-se ao lado da cadeira de Anna.
- Tenho. Claro. Desculpe. - Anna se sentou. - Sou Anna Percy. - Ela estendeu a mão e
apertou a dele. Ele pareceu se divertir com a formalidade dela.
- Você também gostou do nosso filme, Anna Percy?
- Para falar a verdade, não vi - confessou Anna.
Alex riu.
- Quem diria que conheceria uma garota na América que não viu - zombou Noah.
- E aí, como vocês se conheceram? - perguntou Susan a Cammie.
- Meu pai é agente deles - disse Cammie indiferente, esticando-se numa cadeira do outro
lado de Susan. - Eles foram na nossa casa para um churrasco um dia depois do
Natal.
- Onde é que eu estava? -lamentou Susan de brincadeira.
- Se estiver por aqui da próxima vez, vou te convidar - prometeu Cammie.
Susan ficou radiante.
- Ótimo.
Noah colocou o punho no coração, como se Anna o tivesse ferido.
- Você sabe como magoar um homem.
- Se eu soubesse que ia te conhecer, teria visto - explicouAnna.
Ela parecia diverti-lo.
- Uns cem milhões de pessoas viram porque quiseram ver.
Anna ficou vermelha.
- Eu não vou muito ao cinema.
- Cara, por que não? - perguntou Dee.
- A maioria dos filmes não é grande coisa - disse Anna.
- Ah, tá, crava mais fundo ainda - escarneceu Cammie.
- Bom, é claro que eu tenho que fazer alguma coisa com isso - decidiu Noah. Ele pegou o
telefone de cortesia na mesinha entre as espreguiçadeiras. - Oi, aqui é Noah
Monahan ... Não, está tudo bem, obrigado. Olha, pode providenciar
uma exibição de O sonho de Piper no meu bangalô? Agora seria ótimo. Obrigado. Tchau. -
Ele desligou e se virou para Anna, agitando as sobrancelhas numa imitação de Groucho
Marx enquanto fingia segurar um cigarro. - Vamos, querida. Arrumei uma sessão privê.
Anna ficou momentaneamente confusa.
- Ah,eu ...
Ele desistiu da imitação de Groucho.
- Olha, você não vai rejeitar uma sessão privê do meu filme, vai?
Ela faria isso? E se fizesse, então por que tinha mandado
as bebidas a eles? Não estaria afinal correndo perigo algum. Estava no Beverly Hills Hotel,
pelo amor de Deus. Mas e o Adam? "O que tem ele?", pensou Anna. "Eu gosto dele. Muito.
Mas não é que tenha algum compromisso com ele."
- É claro que não - concordou Anna.
- Vai nessa, mana - exclamou Susan, estimulando-a.
Noah estendeu a mão e ajudou Anna a se levantar. De pé, ela era um pouco mais alta do
que ele. Ele tinha olhos azuis, cabelo louro desgrenhado e um sorriso infantil cheio
de dentes. Noah olhou para os pés de Anna, enfiados em ilandálias de couro Chanel
informais.
- Lindas sandálias - disse ele.
Que coisa estranha. Porque eram realmente comuns, npesar de extremamente bem-feitas.
Ela sempre usava. Mas llllvezele só quisesse encontrar um jeito singular de cumprimentá-
la, deduziu Anna.
- Obrigada - disse ela.
- Tá legal, vamos. - Ele estendeu a mão para ela novamente.
Anna pegou a mão dele.
- Mas como eles podem ter encontrado o filme e preparado tudo tão rápido?
Ele riu para ela.
- Anna Percy, é isso que eles fazem aqui: deixar a gente feliz.
- E agora o Noah vai fazer a Anna feliz e vice-versa - intrometeu-se Cammie, cheia de
insinuações.
Anna sentiu que devia fazer uma renúncia pública. "Não, eu não vou para o bangalô de
Noah Monahan para transar." Mas ela se obrigou a manter a boca fechada.
- Susan, depois eu te encontro aqui - disse Anna, olhando para a irmã por sobre Noah. -
Quanto tempo dura?
- Uma hora e vinte e dois minutos. A não ser que eles tenham a versão do diretor, que dura
trinta minutos a mais.
A idéia de deixar Susan sozinha com Cammie não enchia Anna de confiança. Mas ela não
podia ficar rondando Susan feito um segurança. "Além disso", disse Anna a si mesma, "o
encontro com Noah era exatamente o tipo de coisa para a qual veio para a Califórnia. Mais
ou menos isso."
- Tudo bem pra você? - perguntou à irmã.
Susan acenou para ela.
- Eu estou ótima.

- Desnudem a alma um para o outro - disse Cammie


com um risinho. - Vou cuidar muito bem da sua irmã.
Era isso que Anna mais temia.

DEDOS ELEGANTES

Adecoração do bangalô de Noah era no estilo nativo-americano chique, com tapetes navajo
coloridos espalhados pelo piso de madeira. Na frente de uma TV enorme, havia um sofá
suntuoso coberto de um tecido cobre, marrom e marfim, com estampa de totem. Um cocar
de índio emoldurado estava pendurado acima dele.
- Tire os sapatos, fique à vontade - gritou Noah enquanto ia para a cozinha. - O que quer
beber?
- Uma Coca está bom, obrigada - gritou Anna de volta.
Ela considerou se devia se sentar no sofá ou na cadeira em diagonal a ele. Mas a cadeira
não estava realmente de frente para a TV. Além disso, ela temia que ele a sacaneasse por
isso, como se ela tivesse medo até de se sentar no sofá com ele.
Noah voltou com duas garrafas de Coca e passou uma para Anna. Ele se sentou a uma
distância confortável dela, pegou o controle remoto e ligou a TV. Os alertas de sempre do
FEl encheram a tela gigante, seguidos por um céu noturno de Manhattan.
- Alex e eu escrevemos o primeiro esboço quando ainda estávamos em Yale - explicou
Noah enquanto os créditos rolavam.
Anna tomou um gole de Coca. Na verdade, isso era meio fantástico. Ela nunca havia se
sentado com um roteirista ganhador do Oscar, vendo o filme dele. E Noah parecia um cara
legal. Não exatamente de "Hollywood", o que Anna gostava.
Na tela, a câmera deu uma panorâmica do céu para as ruas e a noite se transformou em dia,
as ruas cheias de gente em ritmo acelerado.
- Não ficaria mais confortável com os pés para cima? - sugeriu Noah.
- Não, obrigada, eu estou bem - disse Anna.
A câmera seguiu uma garota cheia de piercings com cabelo verde entrando na barbearia do
Astor Place. Ela foi para os fundos e colocou a mochila esmolambada em um armário.
- Essa é Piper - explicou Noah. - Olha só. Eu faço a melhor massagem nos pés do mundo.
Coloca seus pés aqui.
Anna pensou no assunto. Nada havia de errado em uma massagem nos pés. Ela girou um
pouco e colocou as pernas no colo de Noah. Parecia bastante inocente.
Ele abriu uma gavetinha na mesa lateral e pegou um óleo de jojoba. Na tela, Piper
explicava para o dono do salão por que estava atrasada. No bangalô, Noah Monahan
massageava o pé direito de Anna.
- Meu Deus, seus pés são perfeitos - disse Noah.
Anna nunca tinha pensado nisso antes. Tinha curvatura alta - o que era bom para dançar. E
eles a levavam de A para B.
- Obrigada.
- Seus dedos são tão elegantes - continuou Noah.
Dedos elegantes? Mas isso não era esquisito? Anna não conseguia decidir. Talvez ela
estivesse exagerando. Não é que Noah estivesse fazendo um filme com ela. Ele só estava
Inassageando o pé dela. E fazendo um trabalho danado de
bom, também. Na tela, Piper pegava uma bacia de água com sabão para cuidar dos pés de
uma cliente.
- Gostaria disso? - perguntou Noah a Anna.
- Tipo o quê?
- Eu podia pintar as suas unhas pra você - ofereceu-se de, a voz ficando meio abafada.
Tá legal, isso estava definitivamente ficando esquisito.
- É gentil de sua parte, mas não, obrigada. - Ela tentou baixar as pernas, mas Noah pegou o
tornozelo direito dela e o manteve firme.
- Seus pés são tão excitantes. Alguém já lambeu seu pé?
Já bastava. Anna recolheu as pernas e calçou as sandálias.
- Tenho que ir.
- Ei, olha, a gente não precisa...
- Desculpe, mas acabo de me lembrar que preciso ir a um lugar. - Anna se levantou e foi
pegar a bolsa. Ela balbuciou uma coisa ou outra como agradecimento e saiu dali. Seu
coração estava batendo forte enquanto ela voltava para a piscina. Espere só até ela contar a
Cyn.
Na piscina, Anna encontrou Susan e Cammie imersas numa conversa. Felizmente, Alex
tinha ido embora. Dee estava na piscina, dando voltas. Anna se juntou a ela.
- Ah, oi, foi rápido - comentou Dee. - Não gostou do Noah?
- Ele é legal - disse Anna, sem estar disposta a entrar em detalhes com a Dee.
- Eu sei, mas ele não é o Ben, né? - Dee colocou os pés no fundo da piscina e as mãos na
barriga.
Anna não estava preparada para isso.
- Você não está grávida, Dee.
O olhar de Dee vacilou.
- Bom, na verdade está muito, muito atrasada. E nunca atrasa comigo. Então, se eu estiver,
é do Ben. E aí, tem falado com ele?
- Desde quando?
- Desde o Ano-Novo.
- Não. - Que sentido tinha dizer a verdade a Dee?
- Eu vi você com ele na escola hoje. É carma muito ruim mentir, Anna.
Anna estava se arrependendo de sua decisão de entrar na água. Essa garota era de
enlouquecer.
- A questão é que Ben e eu não estamos mais juntos. A gente só saiu uma vez. Só isso.
Dee franziu a testa.
- Não sei se acredito em você.
- É só uma suposição da minha parte, Dee, mas talvez seja porque ninguém que anda com
você diz a verdade. Talvez seja contagioso.
- Pode ser - concordou Dee. - Então você não se importa que ele e eu tenhamos ficado?
- Não, Dee. Eu não ligo.
Se isso era completamente verdadeiro, Anna não tinha certeza. Mas ela começou a nadar
vigorosamente para o outro lado da piscina, fazendo uma virada perfeita na ponta. Isso era
bom. O que não foi bom foi o que ela viu quando tirou a cabeça da água novamente. Era
Susan, rindo alegremente de alguma coisa que Cammie tinha dito.
- Tiraram os sapatos um para o outro, Anna? - gritou Cammie. - Brincaram de cadê-o-
ratinho-que-tava-aqui?
Anna ficou rubra. Então Cammie sabia da fixação de Noah mas não se incomodou em
alertá-la. Mas estava claro que tinha dito a Susan, que também ria de sua desventura.
Chega de ser impetuosa e espontânea.
Anna chegou em casa duas horas depois e encontrou o pai com a namorada, Margaret, no
sofá de seda da sala de estar, jantando comida chinesa em pratos de porcelana Wedgewood
que pertenceram à bisavó de Anna.
- Quer um prato, Anna? - perguntou o pai. - Tem muito.
- Ébom te ver de novo, Anna - acrescentou Margaret.
Mais uma vez Anna ficou estarreeida com a semelhança mais do que passageira de
Margaret Cunningham com Jane Percy: O mesmo cabelo cor de trigo, a mesma postura alta
e esguia, os mesmos traços aristocráticos.
Margaret ainda por cima usava roupas do tipo Jane Percy: calças cinza justas e um
cahmere de três fios preto com gola rulê.
- Pedi ao Django para ir até o Sam Woo na Van Nuys e trazer- explicou Jonathan. - O
camarão ao curry de lá é de outro mundo, de tão bom que é.
- Obrigada, mas comi um sanduíche de atum com a Susan. - Anna se sentou na bergere
antiga na frente do sofá.
- Sua irmã está aqui? Em Los Angeles? Ela não pode estar aqui. - A intenção que Anna
teve de chocar funcionou.
- Bom, eu acabo de deixá-la num bangalô no Beverly Hills Hotel, então devo dizer que é
possível.
- E Hazelden?
-Ela saiu.
- Meu Jesus. De todas as coisas idiotas e irresponsáveis ...
- Jonathan, calma - advertiu Margaret.
Ele bateu a mão cansada no rosto.
- Ela pelo menos está sóbria?
Anna assentiu.
- Acho que ela está se esforçando de verdade, pai.
- Se ela estivesse realmente se esforçando, ainda estaria com a bunda na reabilitação! - Ele
atirou revoltado o guardanapo embolado na mesa. - Peça a Susan que me procure, Anna. Eu
e ela precisamos conversar.
- Pegue o telefone e peça você mesmo.
- Você sabe que ela vai desligar na minha cara - disse o pai. - A única pessoa que tem
alguma influência sobre ela é você.
Anna cruzou os braços.
- Ela está com muita raiva de você, sabe disso.
- om, não posso fazer nada se ela não quer me ver, osso?
Houve um silêncio por alguns momentos enquanto Anna pensava novamente no assunto e
percebeu que o que o pai disse tinha muito sentido.
- Tudo bem - concordou ela. - Vou falar com ela amanhã. Mas não sei se vai fazer alguma
diferença. Com licença. - Anna se dirigiu para a escada.
- Anna, um minutinho - pediu Margaret.
Anna se virou e esperou.
- Seu pai me contou como você ficou decepcionada quando o estágio na agência de Randall
Prescott não saiu - disse Margaret. - Eu me sinto responsável em parte por isso ... tive uma
discussão horrível com ele sobre um dos clientes dele que caiu fora. Na verdade, ele está
sendo processado.
- Está tudo bem - disse Anna automaticamente.
- Na verdade, não está, mas é gentil da sua parte dizer isso. De qualquer forma, acho que
seu pai te disse que estou envolvida numa nova empresa chamada Apex. Sou sócia de
alguns agentes importantes da ACA, a mais influente agência de talentos de Hollywood, e
da Paradigm. Estamos levando nossos clientes conosco... o que causará muita agitação no
mercado amanhã.
- Desejo toda sorte do mundo.
Margaret sorriu.
- Obrigada, é muito estimulante. Agora, o caso é o seguinte: vai haver muito trabalho. Se
você ainda estiver interessada em um estágio, nós adoraríamos oferecer o cargo.
Mas será depois da escola, e não no lugar dela.
- Eu te disse que ia arrumar - disse o pai.
Anna ficou encantada apesar do fato de que, se aceitasse, ainda ia ter que comparecer às
aulas do ensino médio.
- Parece ótimo. O que eu faria?
- Temo que parte do trabalho vá ser bem maçante. Você terá que conhecer muito bem a
máquina de fotocópia. Mas parte de nossa missão é transformar jovens dramaturgos em
roteiristas. Esses jovens precisam circular pela cidade, ser vistos nos lugares certos e
conhecer as pessoas certas. Acredite, eles prefeririam ser vistos com alguém mais próximo
de sua´própria idade do que com o agente.
- Isso parece ... estimulante - admitiu Anna.
- E é claro que você teria a oportunidade de ler muito... Nós estimulamos isso. Você não ia
querer acompanhar um escritor pela cidade sem estar familiarizada com o trabalho dele. Ele
detestaria isso.
- Ou ela - acrescentou Anna com um sorriso.
- Touché. - Margaret inclinou a cabeça para Anna. - Você e eu vamos nos dar muito bem.
- É incrivelmente gentil de sua parte - disse Anna.
Margaret riu.
- Por que você parece tão surpresa?
"Porque eu antipatizei com você no momento em que a vi na véspera de Ano-Novo, por
nenhum motivo melhor do que ser a namorada do meu pai", pensou Anna.
Ela não disse nada, porém.
- Estou simplesmente encantada - foram as palavras perfeitas que ela escolheu pronunciar.
- Que bom. Pode ir lá amanhã depois da aula e conhecer todo mundo? Seu pai tem o
endereço.
Anna se virou para a escada novamente.
- Tudo bem.
- Não vai esquecer de falar com a Susan, vai? - perguntou o pai dela.
- Não. Na verdade, vou ligar para ela agora.
Anna pediu licença e subiu para o quarto. Ela ligou a TV enquanto se preparava para
dormir. Enquanto escovava os dentes no banheiro, ouviu: "E agora voltamos com O sonho
de Piper."
Que ironia. Anna desligou a TV. Às vezes fama e fortuna não são o que a gente espera.
Estava prestes a lavar o rosto quando se lembrou de ligar para a irmã. Assim que chegou ao
telefone, ao lado da cama, ele tocou.
Ela ergueu o fone.
- Alô?
- Não desligue. Por favor.
Ben. Anna reconheceria a voz em qualquer lugar. Seu coração sapateou em compasso
duplo.
- Por que está me ligando? Não há mais nada para dizer.
- Se você olhasse nos meus olhos, saberia que isso não é verdade.
- Está tudo perfeitamente bem, posso usar minha imaginação - disse ela friamente.
- Ou pode olhar pela janela.
Ela fez uma pausa por um momento para absorver tudo aquilo. Era estranho ser o objeto de
uma perseguição tão implacável. Quando se sentiu pronta, foi até a janela que dava para o
jardim dos fundos. Lá estava o lindo Ben num facho de luz, os olhos azuis elétricos
brilhando no céu noturno. A cena do balcão de Romeu e Julieta veio à mente. "Vem, noite;
vem, Romeu."
Anna tinha se apaixonado pela peça aos dez anos, quando a viu ser encenada em um revival
na Broadway. Ela sussurrou as falas de Julieta em seu travesseiro de linho belga sonhou
que um dia amaria um rapaz e ele também a amaria tão apaixonadamente quanto Julieta
amava Romeu.
"Romeu e Julieta terminaram mortos", lembrou-se Anna agora. E o que o amor febril te dá.
Melhor ficar com um cara como Adam, onde não existe tanto fogo..."
- Vamos conversar? - perguntou ele. - Por favor!
- Como foi que entrou sem disparar o alarme?
- Logo depois do jantar, o portão estava aberto. Fiquei esperando que a luz se acendesse no
seu quarto. Desce. Por favor!
Ela hesitou.
- Para quê?
- Anna. - A voz dele falhou com a ênfase. - Eu não consigo comer, não consigo dormir.
Não posso voltar para a faculdade antes de conversar com você. Vem cá. A gente não pode
terminar assim. Aquela noite não significou nada para você?
Dor e raiva arderam dentro dela. Ele parecia estar recitando as falas de uma novela
vagabunda. E que droga, ele conseguiu levar lágrimas aos olhos dela, de qualquer forma.
- Essa é a questão. Significou, sim.
- Então ...
- Cala a boca. E não se mexa. - Anna desligou o telefone e vestiu uma calça jeans. Pegou
uma camiseta, calçou as sandálias e foi para a porta. No último momento ela parou, foi até
o armário e borrifou Chanel nO5. Se ia lhe dar um beijo de despedida, então, que droga, ia
beijá-lo cheirando muito bem.
Anna saiu pela porta da cozinha. Lá estava Ben, parado no caminho de tijolos que dava no
caramanchão, de jeans e um suéter de tricô. Quanto mais perto chegava dele, mais seu
coração acelerava. Ela até podia ouvir as vibrações.
- Anna.
Embora ela preferisse acreditar que era o frio no ar da noite, o modo como ele disse o nome
dela a fez tremer. "A mente domina o corpo", disse a si mesma. Ela respirou fundo antes de
se dirigir a ele.
- Ben, só estou aqui para você poder olhar nos meus olhos quando eu disser isso a você pela
última vez. Acabou.
- Por quê? Eu sei que você sente alguma coisa por mim ...
- Só porque os hormônios não têm consciência.
Ben pareceu ofendido.
- É mais do que isso. Você sabe que é.
- Não, não sei. Nós não nos conhecemos realmente. Eu tinha bebido demais no avião.
Quando saímos na véspera de Ano- Novo, eu me deixei seduzir pelo cara que eu queria que
você fosse. Mas você não era ele.
- Eu posso ser esse cara, Anna.
- É mesmo? - Ela cruzou os braços. - Vamos começar com alguma sinceridade, então.
Quem é a celebridade misteriosa cuja vida você teve que salvar na véspera de AnoNovo?
Ben esfregou os olhos, vermelhos.
- Não posso dizer.
- Legal.
Ela se virou a fim de voltar para casa, mas Ben a pegou pelo pulso.
- Qual é, Anna. Que tipo de imbecil eu seria contando a você?
- O tipo que afirma que eu significo alguma coisa para ele - disse Anna, os olhos ardendo. -
O que você acha que vou fazer, publicar na internet?
- Não pode estar falando a sério. Você só vai reconsiderar se eu disser o nome?
- É mais do que isso. Você tem uma desculpa para tudo.
Por que teve um relacionamento no ano passado com uma piranha como a Cammie, por que
terminou na cama com a Dee , por que me largou na véspera de Ano-Novo. E tenho certeza
de que há um milhão de outras iguais.
Um músculo palpitou no queixo de Ben
- Desculpe por não ser perfeito o bastante para você.
Essa declaração calou fundo em Anna; era parecido demais com o que Susan tinha dito a
ela. Será que ela estava sendo injusta?
Não, concluiu Anna. Ben estava destinado a magoá-la repetidamente. Por que ela devia
dizer sim a isso? Não havia ninguém em Los Angeles que fosse apenas ... normal? Será que
todo mundo tinha propósitos ocultos? Nem todos. Não o Adam. Ele era um cara tão
claramente superior, o cara com quem ela devia ficar.
- Ben, você não tem que ser nada, nem fazer nada para mim - disse ela em voz baixa. Mas
seu coração ainda batia com a mesma força que bateu no momento em que ouviu
a voz dele ao telefone. - Nem balões, nem rosas, nem telefonemas. Nada.
Os olhos dele pareciam torturados.
- Anna...
Pare. Não posso fazer isso. - "Simplesmente magoa demais", acrescentou ela mentalmente.
- Estou te pedindo para me deixar em paz, Ben. Ésó isso que quero dizer. - Ela se virou e
voltou para casa da forma mais decidida que pôde para que Ben não tivesse a oportunidade
de discutir.
Mas, de volta a seu quarto, ela não conseguiu se conter. Foi até a janela e olhou para o
jardim. E com toda a certeza ele ainda estava lá, sentado em um dos bancos de pedra junto
ao caminho, a cara enterrada nas mãos. Não havia como negar; ela se sentia exatamente da
mesma maneira que ele

AMOR CANINO

Fon fon!
Adam engoliu o que restava do suco de laranja e colocou o copo na pia. A cozinha era toda
de madeira brilhosa e, com uma mesa gigantesca de carvalho que tinha sido feita
por um ex-colega de faculdade do seu pai. Sua mãe, Linda, estava sentada diante dele na
mesa, bebendo café e lendo o Los Angeles Times. Usava uma camiseta aveludada cor de
ferrugem que combinava perfeitamente com o cabelo curto
e ruivo. Ela olhou para o filho.
- Pelo que vejo, você arrumou uma carona - disse ela, sorrindo.
- Sam Sharpe. - Ele pegou a mochila e passou a alça num dos braços. Bowser pulou nele, a
língua de fora, ofegando cheio de esperança. - Não, Bowz, não pode ir para
a escola comigo. Desculpe.
- É - concordou Linda enquanto o vira-lata se retirava. - Todo mundo sabe que não
permitem cachorros na Berverly Hills High.
Adam apontou para ela de brincadeira.
- Fez uma piada sexista, mãe. Vou ligar AGORA para a Liga das Mulheres.
- Sei que meu segredo está seguro com você. Achei que você ia pegar carona com aquela
garota que levou à praia na outra noite.
- É tão deplorável pedir. Eu preciso mesmo de um carro, mãe.
- Então vou dizer que você precisa de um emprego.
- Por que não pode me estragar de tanto mimar, como todas as outras mães de Beverly
Hills?
- Porque ela tem valor e consciência - disse seu pai, Leonard, enquanto descia a escada,
vestido com um terno azul de bom gosto.
Fon fon!
- Tenho que ir, depois eu choramingo mais. - Adam deu um beijo na testa da mãe antes de
correr para a porta.
Embora fosse verdade que ele quisesse desesperadamente um carro, também era verdade
que ele gostava genuinamente dos pais. Adam tinha visto as famílias de filme de terror da
maioria de seus amigos de Beverly Hills. Comparada com eles, a família de Adam era
como uma volta a algum seriado dos anos 1950: pais casados há vinte anos e ainda
apaixonados um pelo outro. Pais que ouviam. Pais que se importavam.
- Bom dia - disse Adam enquanto entrava no Tensen vermelho de Sam.
- Podemos pular a parte da buzina no futuro? - perguntou Sam enquanto apontava o carro
esporte para fora da entrada de carros.
- E você me dá um dos carros da sua família? Sabe como é, uma transação direta, sem
intermediários - brincou Adam.
Sam entrou no Coldwater Canyon.
- Vai lá e escolhe um. Meu pai tem tantos carros que não consegue conservá-los direito.
Provavelmente vai dizer que foi roubado e pegar o dinheiro do seguro.
- Hmmm, acho que é crime, Sam. De qualquer forma, obrigado.
Fazia uma linda manhã: o sol estava brilhando, o céu stava claro, a neblina tinha baixado e
a temperatura estava abaixo dos 15 graus. Adam se sentia tão bem que começou a cantar
junto com Bono no CD player de Sam.
- Agora eu sei por que você não entrou para o coro -disse Sam.
- Pra que a afinação quando a gente fica empolgado?
Sam olhou para ele antes de entrar na avenida Sunset.
- O que te deixou nojento de tão feliz?
- Novos amigos, talvez.
- Devo traduzir por "garota"?
Adam riu. Ele gostava de Sam, sempre gostou, desde o dia em que a conheceu. Quando ela
não estava bancando a diva porque o pai dela era você-sabe-quem e quando não lamentava
por si mesma porque o pai era você-sabe-quem, ela era realmente uma garota divertida e
inteligente.
- Anna Percy - completou Adam.
- Ah, é mesmo.
- Não viu a gente junto no carro na segunda-feira?
Sam assentiu.
- Vi. Mas ela ainda não falou que está perdidamente apaixonada por você.
- Ela se abre com você? - perguntou Adam.
- Na verdade, não - disse Sam alegremente, sem mencionar que Anna tinha contado a ela
sobre o beijo que deu em Adam. Um detalhe sobre ser criado em Hollywood: a
informação é um bem precioso.
Adam não estava em Los Angeles há tanto tempo quanto Sam, mas também aprendeu
quando podia compartilhar e quando não podia. Ele não ia contar a verdade a Sam - que ele
não conseguia parar de pensar em Anna. Ele não era muito bom no jogo da indiferença - o
único lugar em que gostava de jogar era a quadra de basquete. Tinha mais a ver com a
timidez. Ele já teve namoradas. Teve a Julie Hewser, em Michigan. Ela era meiga,
inteligente, realmente uma ótima garota. Mas quando ela disse a ele que o amava, ele ficou
pouco à vontade porque ele não achava que podia dizer o mesmo a ela. Depois de algum
tempo, ela quis que
eles transassem para que ela, como ela própria disse, "desse uma prova de seu amor". Ele
não tinha de fazer isso, apesar de Julie de calcinha de renda na casa do lago dos pais dele
ser uma verdadeira tentação. Então ele a levou para casa, ela
o chamou de o maior mané do mundo e esse foi o fim de tudo. Ele nunca contou a história a
nenhum dos amigos por medo de que eles apoiassem a acusação de Julie.
Quando ele se mudou para Beverly Hills, ninguém ligara para ele até que as meninas viram
a fera que ele era na quadra de basquete. Depois elas correram para ele. Ele namorou uma
das líderes de torcida, uma menina bem bonitinha chamada
Tabitha, cuja idéia de diversão era entrar no club Lotus com identidade falsa e ver quantas
celebridades ela conseguia que falassem com ela. Quando Tabitha disse a ele que achava
Fernão Capelo Gaivota o maior romance escrito no mundo, ele
entendeu que era hora de dar o fora. Depois teve Sam Sharpe.
Eles ficaram na véspera de Ano-Novo e Adam achou que ela era uma das meninas mais
inteligentes que ele conheceu na vida. Mas ela parecia fmgir que nada tinha acontecido,
então ele deixou rolar.
E agora havia Anna. O que, francamente, tomava mais fácil não pensar em Sam.
Sim, Anna o havia beijado, mas ela não ligou para ele na noite anterior. E quando ele ligou
para a casa do pai dela procurando-a, não houve nenhuma resposta. E se ela nem gostasse
dele tanto assim?
- A gente levou o cachorro para passear na praia.
- É, mas aposto que seus sonhos com ela são muito mais fantasiosos - sugeriu Sam.
Adam podia se sentir corando. Porque, como sempre, Sam acertara na mosca.
- Ei, caia fora dos meus sonhos e entre no meu carro brincou Adam, citando uma velha
música de Billy Ocean. Por algum motivo estranho, em alguns dias seu rádio interior
sintonizava a Light FM. - Quer dizer, se eu tivesse carro.
- Bom, a idéia do grande ladrão de carros ainda está de pé - disse Sam. - Ah, olha, lá está
seu objeto de desejo.
- Sam inclinou a cabeça para os degraus da frente da escola. Vamos dizer a ela que você
quer transar. Brincadeirinha.
Te pego mais tarde.
- Obrigado pela carona! - gritou Adam enquanto Sam virava para a entrada lateral, onde
sempre encontrava Dee e Cammie antes da aula começar. Ele correu para alcançar Anna. -
Bom dia!
Ela pareceu feliz em vê-lo. Um bom sinal.
- Oi,Adam.
Eles entraram na escola juntos. Adam se emocionou com a beleza de Anna Percy e
percebeu que ela estava mais elegante do que o normal, com calças pretas sofisticadas e o
que pareceu a Adam um cashmere branco de gola rulê.
- Uau, você está ótima - disse ele.
- Obrigada. - Eles se esquivavam pelo corredor abarrotado, indo em direção ao armário de
Anna. - Tenho uma reunião depois da aula sobre um estágio numa agência. Tentei me vestir
de acordo.
- Parece ótimo, espero que consiga. - Eles pararam na frente do armário dela e ela girou a
combinação da tranca.
- Aí, olha só - continuou ele, esperando estar usando o tom casual. - Que tal vir comigo e
com o Bowser para um passeio pelo Runyon Canyon... é tipo o parquinho de cachorro não
oficial de Hollywood. Ele disse que se eu não te convidar, vai fazer greve de fome.
- E se você vier e esperar enquanto eu vou a essa reunião? - sugeriu Anna, guardando
alguns livros no armário e pegando outros. - Não deve levar muito tempo... acho que é só
para me apresentar. Depois vou trocar de roupa, a gente pode pegar o amor canino da
minha vida e ir. Fica longe?
- Pra lá. - Adam apontou para as colinas acima do Laurel Canyon. - Por mim, tudo bem. E,
de brinde, não vou ter que descolar uma carona pra casa.
Anna riu.
- Eu sabia que você tinha motivos ocultos.
A mente de Adam estava a mil por hora. "Ela deve gostar de mim, ou não teria concordado
com tanta rapidez. Mas que tipo de gostar será que é?"
- Ora vejam só, olha o que temos aqui.
Adam se virou; Cammie e Dee estavam se aproximando deles.
- Adam Flood e Anna Percy. Não são uma gracinha mesmo? - perguntou retoricamente
Cammie a Dee.
- Sam disse que vocês estão namorando - disse Dee a Anna e Adam. - Que bonitinho!
Adam teve vontade de matar Sam. Ele nem tinha coragem de olhar para Anna.
- Somos amigos - corrigiu ele. - E daí?
Cammie empurrou os óculos de sol Armani de aro branco para a cabeça.
-Nada de mais. Vamos pro Bev depois da escola. Talvez vocês dois queiram ir.
- Quem é Bev?- perguntou Anna.
Cammie riu.
- Meu Deus, você é mesmo uma NP.
Anna sacudiu a cabeça, sem entender.
- NP quer dizer nova na parada - traduziu Adam. - E Bev é como todo mundo chama o
Beverly Hills Hotel.
- Ah - Anna sorriu.
- Temos um garçom favorito ali - disse Dee. - Ele vai trazer umas bebidas pra gente.
- No meio da tarde? - perguntou ele, animado. - Vivendo perigosamente.
- Bom, agora eu não estou bebendo, por razões pessoais. - Dee deu um olhar significativo a
Anna. Adam não tinha idéia do que se tratava. - Mas vocês podem.
- Ah, Adam, eu te adoro. Você é tão do meio - disse Cammie.
Meio, a parte do país que você sobrevoa quando vem
de Nova York a Los Angeles - traduziu Adam para Anna.
- Onde as pessoas vêem Sétimo Céu e não ficam constrangidas em admitir.
Cammie foi até ele e o beijou no rosto.
- Acho você um charme. E invejo a garota que for a primeira a entrar em ação com você.
Aposto que dentro desse armador de basquete tem um coelhinho da Duracell.
Adam riu, embora ao mesmo tempo percebesse que Cammie
tinha razão em considerá-lo virgem - um dos últimos de Beverly Hills, evidentemente.
- Duvido que exista alguma coisa que você não descubra, Cammie.
- Ooh, ele arremessa e marca - anunciou Cammie no estilo de comentarista esportivo.
- De qualquer forma, já temos planos para depois da aula - acrescentou Anna.
- Então, tudo bem - cantarolou Cammie. - Vamos dar lembranças a sua irmã.
- Minha irmã? O que vocês querem com ela? - perguntou Anna com aspereza.
- Anna, relaxa. Vamos ao hotel, ela está hospedada lá e provavelmente vamos vê-la na
piscina. Qual é o problema? - perguntou Cammie sensatamente.
A voz de Anna ficou impassível.
- Não tem problema nenhum. Ela só está frágil agora. Espero que você entenda isso.
- Ela parecia bem ontem à noite - disse Cammie, levantando os ombros. - Sei lá. Então,
uma tarde de arrasar para os dois, onde quer que estejam indo
Anna olhou para Cammie e Dee, sacudindo a cabeça
enquanto elas partiam.
- Sua irmã está na cidade? - perguntou Adam enquanto caminhavam em direção ao armário
dele.
O rosto de Anna ficou mais sombrio.
- É uma longa história.
Adam não tinha certeza se esse era o jeito de Anna convidá-lo a se aprofundar ou o jeito
educado de dizer a ele para cuidar da própria vida.
Mas antes que ele conseguisse descobrir mais, a sineta da primeira aula tocou.

O ESTÁGIO PERFEITO

"O teste para saber se uma inteligência é de primeira é a sua capacidade de sustentar
mentalmente e a um só tempo duas idéias contrárias e ainda manter a capacidade de
funcionar"
Anna releu a frase da famosa série de ensaios intitulada O colapso, de F. Scott Fitzgerald,
talvez pela décima vez. A sra. Breckner permitira que ela passasse a aula de inglês na
biblioteca para que pudesse trabalhar no projeto de Gatsby.
As palavras eram cativantes - Anna sabia que podia ser o ponto de partida para o curta-
metragem... Mas ela ainda não sabia exatamente como seriam traduzidas para a tela. Anna
deduziu que Fitzgerald estava se referindo às dualidades de sua própria vida aplicadas por
ele a Jay Gatsby - o amor e o ódio pelo dinheiro, a atração pela vida dos muito ricos e a
repulsa à hipocrisia deles. Fez com que Anna se perguntasse
sobre si mesma e suas próprias dualidades, mas não de uma forma que tivesse a ver com
dinheiro ou estilo de vida. Era mais como idéias contrárias de Ben e Adam e como eles se
encaixavam na vida dela. O que não tinha nada a ver com o roteiro que ela devia estar
escrevendo. A não ser...
E se... o roteiro tratasse de uma garota rica lutando com sua identidade? Por um lado, ela
ansiava por uma aventura apaixonada e perigosa - Ben. Mas por outro, ela procurava o
conforto de um relacionamento seguro - Adam. A garota ficaria presa entre os dois rapazes.
Ela podia trabalhar usando como pano de fundo o spa de Palm Springs como uma forma de
revelar o mundo de sua protagonista e ao mesmo
tempo mostrar as dualidades do culto à preocupação dos ricos consigo mesmos.
"Gostei da idéia."
Anna começou a digitar em seu laptop. Sam tinha lhe dado um monte de scripts de
roteiristas famosos de Hollywood - entre eles O sonho de Piper- e um software especial,
para que qualquer coisa que ela escrevesse pelo menos parecesse profissional. Nomes de
personagens como Alana, Berkeley e Aaron passaram por sua cabeça - ela não tinha idéia
do motivo.
Logo estava perdida em sua própria história - Alana em uma festa de Hollywood como a
festa a que Anna fora na véspera de Ano-Novo, cortejada primeiro por Berkeley, depois por
Aaron, incapaz de decidir com quem ficar.
Foi só no toque da última sineta que Anna ergueu os olhos do laptop. Ela salvou o que
havia escrito e foi se encontrar com Adam no estacionamento dos alunos, como eles
haviam combinado. Se não tivesse compromisso na Apex, ficaria feliz em permanecer na
biblioteca e continuar escrevendo.
Adam estava tão gracinha, inclinado no Lexus de Anna, esperando por ela. Ela ficou tão
tonta com a idéia do roteiro que impetuosamente lhe deu um leve beijo na boca.
- É bom te ver também - disse ele, rindo.
Enquanto saía do estacionamento na direção da avenida Wilshire, Anna transbordava de
idéias para o roteiro. Parecia tão bom ficar entusiasmada novamente com alguma coisa que
não envolvesse homens - exceto no papel, é claro.
- Sei que é só um curta - disse Anna enquanto ia para a avenida Westwood. - Mas é
empolgante pensar que eu realmente vou conseguir ver isso filmado. Sam disse que a
gente pode usar a ilha de edição do pai dela.
- Bacana. Mas acho que isso significa que não vamos a San Diego nesse fim de semana.
- Você devia ir ao deserto - disse Anna. - Quer dizer, se você quiser. Pode conhecer minha
irmã ... ela também vai.
- Voce ia me contar sobre ela -lembrou -lhe Adam.
Anna assentiu, depois hesitou.
- Um cara altamente evoluído como eu sente que tem alguma coisa errada - disse Adam. -
Tem a ver com a sua irmã?
Anna sabia que era ridículo, mas não conseguia resolver se abrir.
se abrir.
- Outra hora eu te conto - disse ela alegremente. Depois abriu o console central entre seu
banco e o de Adam; estava cheio de CDs. Quando viu que o pai dela alugou o Lexus para
Anna, Django trouxe um sortimento eclético de música.
Anna nunca tinha ouvido falar na maioria dos artistas. Ela apontou para os CDs. - Escolhe
um. Bem alto. Adam ergueu um CD.
- Coldplay. Vamos ver.
Ele colocou o CD no aparelho; uma balada de dar nó nas tripas encheu a cabeça e o
carro de Anna. Ela disse a ele que era ótimo para afogar seus pensamentos confusos.
Minutos depois eles estacionaram na garagem subterrânea da esquina da Westwood com a
Le Conte, embaixo do prédio que sediava os escritórios da Apex. Um dos onipresentes
manobristas da cidade pegou o carro dela, e Anna eAdam entraram
no elevador que levava ao saguão principal, que era enorme. As janelas iam do chão ao teto
e plantas altas cercavam todo o espaço. No meio do teto estava pendurada uma imensa tela
Liechtenstein e todos os móveis eram cromados. Ela se sentiu no set de um filme futurista
da década de 1960. Anna se apresentou à segurança e recebeu um crachá de visitante, que
ela prontamente enfiou no bolso.
- Olha, conheço esse bairro. Vou tomar um café na Jerry's Deli. Fica ali na esquina. Me
encontra lá quando acabar - propôs Adam.
- Tenho certeza de que existe uma recepção onde você pode esperar.
- Não. Você tem que subir sozinha. Boa sorte.
- Obrigada. - Anna pegou o elevador para o décimo segundo andar, onde a porta se abriu
para um vestíbulo espaçoso que ainda cheirava a tinta fresca. Uma jovem espantosamente
bonita com cabelo preto curto e olhos verdes estava sentada com headphones numa enorme
mesa circular.
- Boa tarde, Apex, um momento, por favor. Boa tarde, Apex... Vou transferir. Boa tarde,
Apex, um momento, por favor. - Depois, deixando os telefones tocarem por alguns
minutos, a garota olhou para Anna. - Sim?
- Sou Anna Percy. Tenho hora marcada com Margaret Cunningham às três.
A garota apertou um botão no console e falou no headset brevemente antes de se virar
novamente para Anna.
- Ela já vem. Posso lhe servir alguma coisa? Café? Uma Coca? Água mineral?
- Não, obrigada. - Anna se sentou em um sofá baixo de couro cinza e olhou para as
publicações numa mesa de canto: Variety, Hollywood Reportere Publishers Weekly. Uma
revista de viagem atraiu a atenção de Anna.
Na capa havia um hotel em estilo mediterrâneo em uma praia onde hayia muito vento. Só
de olhar Anna se sentiu mais relaxada. Ela abriu na página da matéria de capa. O Montecito
Inn. Em Santa Barbara, a mais ou menos uma hora e meia de Los Angeles. Construído por
Charlie Chaplin para acomodar os amigos em visita. Parecia tão tranqüilo, tão sereno. Anna
podia se imaginar andando pela praia, os jeans arregaçados nas canelas, ouvindo o mar.
Para uma garota da cidade grande, ela gostava incomumente de lugares nada parecidos com
a cidade grande.
- Anna Percy? - Uma asiática baixinha num terno Armani procurava por ela.
- Sim. - Anna se levantou.
- Sou Wei Ling Feinberg, assistente de Margaret. - Ela apertou a mão de Anna. - Teve
algum problema para nos encontrar?
- Não, nenhum.
- Que bom. Quer um café? Uma Coca? Água mineral?
- Anna declinou. - Bem, venha comigo - instruiu Wei Li ng. -Ainda está um mar de caixas
por aqui, então cuidado onde pisa.
Anna seguiu a assistente por portas duplas e por um longo corredor, passando por uma sala
de reuniões envidraçada com vista para as montanhas de Santa Monica. Enquanto andavam,
ela pôde ouvir fragmentos de conversas ao telefone - a maioria deles extremamente
profanos - de dentro das várias salas.
"Aqueles imbecis foderam com Al e Miles em Hysteria, então
agora podem enganar, eu tenho boa memória, Bob..." "Diga ao babaca do seu chefe que é
melhor ele atender a porcaria do meu telefonema, ou você nunca vai trabalhar
nessa cidade de novo." "E daí que sua peça esteja em pré-estréia? Eles ofereceram 250 para
ela melhorar o roteiro e ela nem precisou fazer um trabalho muito bom."
A sala de Margaret ficava no final do corredor. Dava para oeste, para Brentwood, Santa
Monica, e para o mar depois dela. Embora alguns trabalhadores estivessem instalando um
carpete com padrão navajo, Margaret estava placidamente sentada atrás de sua mesa de
mármore e aço. Quando viu Alma, levantou-se graciosamente e veio até a porta.
- Anna, vejo que você achou o hospício. Wei Ling te ofereceu alguma coisa?
- Sim, obrigada. - Anna se virou para a assistente, mas ela já havia desaparecido.
- Olha a frente! - Dois trabalhadores estavam puxando um enorme pôster emoldurado de
Um estranho no ninho através da porta; Margaret e Anna tiveram de se afastar de
lado para que eles passassem.
Margaret suspirou.
- Por que não vamos para a sala de reuniões? Acho que é o único lugar tranqüilo por aqui.
Elas voltaram pelo caminho que Anna havia feito - Margaret parando em algumas salas
para apresentar Anna a vários funcionários. Por fim, chegaram à sala de reuniões. Podia
acomodar confortavelmente vinte pessoas em uma longa mesa cercada de cadeiras de couro
cor manteiga com encosto alto. Anna passou os olhos pela parede de vidro do chão ao teto:
a sala tinha a mesma vista do escritório de
Margaret. Mas, olhando para baixo, ela podia ver apenas a borda do Cemitério Nacional de
Los Angeles, com suas filas incontáveis de lápides de soldados reluzindo brancas contra a
grama verde.
Margaret fechou a porta e o vozerio dos escritórios da Apex transformou-se numa relativa
tranqüilidade.
- Por favor. - Margaret sentou -se numa cadeira grande à cabeceira da mesa e gesticulou
para que Anna se sentasse no lugar à direita dela. - Então, Anna. Você sabe usar e-mail e
máquina de xerox, não é?
Anna sorriu.
-Sim.
Margaret tocou o braço dela.
- Vamos tentar não te sobrecarregar com muito trabalho maçante. Francamente, com sua
aparência e sua formação, podemos fazer melhor uso de você lá fora. - Ela gesticulou para a
vidraça. - E eu garanto que será muito mais divertido. Está dentro?
- Claro que sim - disse Anna entusiasmada.
- E quanto a ler roteiros e livros? Interessada em cobertura de texto?
- Desculpe, não sei o que é isso.
Margaret riu.
- Deixe-me informá-la de um segredo não-tão-grande de Hollywood. Nesta cidade, nenhum
dos grandes executivos lê. Eles fazem com que seus assistentes mais novos leiam livros e
roteiros.. e escrevam resumos para eles.
- Mas como eles podem saber se é bom ou não? - perguntou Anna. - Quer dizer, o texto é o
que mais importa, não é?
- Infelizmente, um monte de produtores não tem os escritores em alta conta na cadeia
alimentar - disse Margaret- E esse é um dos motivos para que façam tantos filmes ruins.
Mas aqui na Apex nós temos um grande respeito pela palavra escrita.
Anna assentiu. Parecia interessante. E talvez a ajudasse com sua própria redação.
- Maravilhoso. Bem, temos um armário cheio de roteiros e provas de prelo e cinqüenta
gavetas de arquivo cheias de resumos de cobertura onde você pode aprender. Sirva-se. Se
tirar alguma coisa, coloque de volta depois. De qualquer forma, sou uma mulher tolerante e
somos uma agência tolerante. Um de meus clientes, um dramaturgo de Nova York, acaba
de ser contratado, a partir do pitch, para escrever um roteiro para a Touchstone.
- Pitch? - perguntou Anna.
- Desculpe, é outro termo de arte. Ele teve uma idéia que achamos vendável, então
agendamos algumas reuniões para ele com grandes estúdios. A Paramount não quis,
mas isso não foi uma surpresa. A Warner rejeitou e isso me surpreendeu. Mas a Touchstone
Pictures mordeu a isca. De qualquer forma, consegui um acordo fabuloso para ele, entre
seis e sete dígitos. Ele voltou a Manhattan para comprar um apartamento e está vindo para
cá no sábado. Os Steinberg vão dar uma baita festa nas colinas no mesmo dia. Gostaríamos
que você o acompanhasse lá.
O nome Steinberg não significava nada para Anna, mas ela concluiu que podia pesquisar.
Ainda assim, ficou surpresa com a sugestão de Margaret.
- Ficaria feliz em ir. Mas não devia ser alguém com mais experiência?
Margaret acenou com repúdio.
- Ele é um rapaz de 21 anos com a maturidade de uma
berinjela, mas também é danado de inteligente. Acredite em mim, Brock ficará encantado
em ver você.
Anna se surpreendeu. Brock era um nome muito incomum. Seria possível que ...?
- Margaret, está falando de Brock Franklin?
- Estou, exatamente.
Anna riu.
- Eu o conheço.
- Ele foi para o Trinity, onde eu e minha irmã, Susan, estudamos. Ele era veterano quando
Susan era caloura. Acho que talvez eles tenham saído uma ou duas vezes.
- Bom, isso é incrível, não é? - admirou-se Margaret. - Sem dúvida, eu escolhi a estagiária
perfeita. Ainda não tenho detalhes sobre a hora e o local, mas assim que eu
souber...
A porta da sala de reuniões se abriu e entrou um homem alto e de meia-idade com cabelos
alourados e um bronzeado de surfista.
- Porra, Margaret, precisamos de você agora - disse ele com veemência. - A Artisan está
tentando foder a gente na porra do acordo. De novo.
- Tudo bem, eu já vou. Clark, essa é nossa nova estagiária, Anna Percy. Anna, este é Clark.
Ela...
- Porra da Artisan - o homem interrompeu-a. - Uma porra de sucesso e acham que são Jack
Warner. É agora ou nunca, Margaret. - Ele se virou, batendo a porta ao sair.
- As boas maneiras não são o forte dele - disse Margaret como que se desculpando. - Mas
ele tem clientes antigos. - Ela se levantou. - Desculpe por ter que interromper tão cedo.
Anna se levantou também.
- Obrigada pela atenção. Estou ansiosa para trabalhar aqui.
- Que amável - Ela segurou a porta para Anna. - Certifique- se de pedir a Tamara na
recepção para te validar. Manterei contato.
Margaret trocou um aperto de mãos com Anna. Anna não entendeu a última parte sobre
Tamara e validação, então simplesmente voltou aos elevadores e ao térreo. Quando as
portas se abriram, ela se surpreendeu ao ver Adam parado ao lado da mesa da segurança,
lendo a seção de esportes do Los Angeles Times.
- Oi - disse ele. - O Jerry's estava fechado ... algum filme da semana está sendo rodado ali.
Então eu voltei. Não queria que ficasse perdida.
Anna sorriu.
- Quanta consideração.
- Não demorou muito - disse ele, dobrando o jornal e colocando-o debaixo do braço.
- Não, mas acho que vai ser ótimo. - Eles foram para o elevador que levava ao
estacionamento. - Vou levar Brock Franklin numa festa no sábado.
- Eu devia saber quem ele é?
- Não, na verdade, não. Ele escreveu uma peça de sucesso sobre uma garotada rica, imatura
e grossa do Upper East Side e ganhou um milhão de dólares com ela, evidentemente.
- Anna riu. - Não que ele precise de outro milhão de dólares.
- Como você saberia disso?
- Minha irmã e eu freqüentamos a mesma escola que ele. Já ouviu falar da Franklin Mint? É
da família.
- Bom, que conveniente. O que mais?
O elevador chegou e eles entraram.
- Conheci um dos sócios da Margaret - continuou Anna. - Bom, conhecer é a palavra
errada. Ficamos na mesma sala por um tempinho, embora ele nem tenha olhado para mim.
E a palavra preferida dele é porra. Clark qualquer coisa,
acho que era o nome dele. Depois alguém chamado Tamara tinha que me validar, sei lá o
que isso significa.
A porta do elevador se abriu no andar da garagem.
- Opa, rebobina - sugeriu Adam. - Clark Sheppard?
- Não sei. Talvez. - Anna encontrou o ticket do estacionamento e deu ao manobrista. Ele
disse a ela que eram dez dólares e ela pagou em seguida. - Acho que sim.
- Cabelo louro, bronzeado, alto?
- É - disse Anna. - Por quê?
- Sheppard - repetiu Adam. - Esse sobrenome não te lembra alguma coisa?
Ela teve que pensar por um minuto. E depois, de repente, ela entendeu.
- Ah, merda.
- Ah, é. Ele é o pai da Cammie.
O manobrista trouxe o carro de Anna e eles entraram.
- Bom, espero nunca ter que trabalhar especificamente com ele - disse Anna.
- Bom, pelo que eu sei, todo mundo trabalha para ele. Ele é esse tipo de cara.
- Acho que vou descobrir - disse Anna. - E a parte sobre validar com a Tamara?
- É a parte sobre você economizar suas dez pratas. 'Tamara provavelmente é a
recepcionista. Validar significa carimbar seu ticket de estacionamento para que você
estaione de graça.
- Ufa. Eu estava preocupada que significasse validar meu valor pessoal- acrescentou Anna
com uma careta.
Adam colocou novamente o Coldplay eAnna voltou para a avenida Wilshire.
Então o pai de Cammie era um dos sócios na agência onde ela ia estagiar. Isso a fez pensar
na filha dele e em seu suposto interesse numa amizade com a Susan.
- Adam, se importa se eu der uma paradinha no Beverly Hills Hotel? No caminho de volta?
- Não acho que esteja me convidando para pegar um quarto e violar você.
- É meio cedo para isso.
- Aí, um cara pode sonhar.
- Minha irmã está hospedada lá. Só queria parar e dar um alô.
- Tá, claro - disse Adam tranqüilamente, mas havia uma pergunta nos olhos dele.
- É...- Anna parou. Mas ela sabia que estava sendo ridícula. Os problemas de Susan não
eram nenhum segredo de Estado. E daí que fosse informação particular da família? "Eu não
sou a minha mãe", Anna lembrou a si mesma.
- Minha irmã, Susan, teve uns problemas ultimamente. Com álcool.
- Bem-vinda a Los Angeles ... ela vai se adaptar bem aqui.
- Mas Cammie e Dee são tão chegadas numa balada...
Adam assentiu.
- Entendo o que quer dizer.
- Então tem algum problema para você se...
- Tudo bem - disse Adam. - Olha, talvez sua irmã queira conhecer o Bowser. Mas devo te
avisar, ele é cachorro de uma mulher só. E o coração dele já pertence a você.
Mas quando eles chegaram ao hotel, Susan não estava no quarto e o manobrista disse que o
carro dela não estava no estacionamento. Anna tentou se convencer de que não se
importava. Ela ficou algum tempo com Adam, levou o cachorro
para passear no canyon e depois foi para casa trabalhar no roteiro. Talvez ela até o
mandasse por e-mail para Sam fazer observações. Susan podia cuidar dela mesma.
Talvez.

TERAPIA DAS COMPRAS

Naquele momento Susan estava com Cammie Sheppard no Beverly Center, um shopping
de alta classe com lojas variadas em West Hollywood. Estavam numa expedição de
compras improvisada. É verdade que o Beverly Center tinha sua parcela de lojas de
departamento bregas, mas também havia algumas butiques bastante razoáveis e o shopping
atraía visitantes de todo o mundo.
Cammie e as amigas consideravam um esporte observar os turistas com seus ooh e aaah
enquanto vagavam de uma loja a outra.
Cammie acreditava na terapia das compras. Ela sabia que era um clichê, mas que maneira
melhor de esquecer dos problemas do que comprar alguma coisa nova - ou algumas coisas
novas - para vestir? O fato de Anna ficar insatisfeita com a amizade de Cammie e Susan
tornava a expedição de compras ainda mais deliciosa. O fato de Ben e Anna não serem
mais Ben-e-Anna era só um pequeno conforto. A humilhação que ela suportou na véspera
de Ano-Novo, quando tinha feito de tudo, exceto dançar no colo de Ben para tentá-lo e
consegui-lo de volta, provavelmente não ia passar com tanta facilidade. Resumindo: ao
transar com Ben, Anna tinha ferrado com Cammie. E Cammie não conseguia se esquecer
disso.
- Ah, experimenta esse, Susan. Vai ficar ótimo em você!
- Elas estavam na loja Betsey Johnson, onde Cammie segurava um top preto de stretch
superdecotado, com dez centímetros de uma franja que começava bem abaixo dos seios.
- Preto é a minha cor favorita, mas a franja é meio brega - concluiu Susan. Até agora, ela
não tinha visto nada que chamasse atenção.
- Está querendo uma coisa meio motoqueira rica, né?
- Cammie vasculhou outra prateleira de tops e pegou uma camiseta rosa-shocking. - Tem
certeza de que não gosta de algo mais colorido? Susan deu de ombros, pegando um
minivestido roxo aberto no meio.
- É tudo tão... colorido.
- Então esse é perfeito - decretou Cammie, exibindo um top preto e sensual para Susan.
Susan o pegou e o segurou pensativamente contra si mesma, depois fez uma careta.
- Não preciso nem experimentar; é pequeno demais. - Ela gemeu. - Meu Deus, eu sou
tamanho 36.
- Acho que vai gostar da minha amiga Sam - disse Cammie, exalando sinceridade. - Não
acha que é importante que nós, mulheres, aceitemos mais nosso corpo? Você
não devia se desvalorizar desse jeito.
- Carboidratos da reabilitação - disse Susan, suspirando. - Eu sempre fico tipo uma porca
quando saio.
Cammie agradeceu mentalmente a Deus. Como podia ter essa sorte toda? A irmã de Anna
tinha acabado de sair da reabilitação?A vida estava ficando cada vez melhor.
- Ah, meu Deus, sei o que quer dizer - concordou ela. - Ganhei quase quatro quilos da
última vez em que estive lá.
- Não brinca, você foi pra reabilitação?
Cammie tentou parecer contrita.
- Não gosto de espalhar isso, mas sim. - Eu fui para a Hazelden. Para onde você foi?
- Sierra Vista - disse Càmmie, citando automaticamente as instalações de reabilitação do
Arizona para onde o pai dela tinha mandado vários clientes dele se tratarem.
- Uau. Eu soube que é brabo por lá. Qual o seu lance?
- Qual não é? Sexo, drogas, álcool- confidenciou Cammie. - Eu abusava em qualquer
oportunidade.
- Nem me fale - concordou Susan. - Eu estava na Hazelden só há alguns dias e mataria
alguém por um gole de vodca. Não Stoli. Flagman. Com gelo. A glória líquida.
- Total- concordou Cammie. Ela viu um par de calças pretas e as pegou na prateleira. - Mas
não é uma boa idéia. Olha, vamos mudar de assunto. Eles me disseram na reabilitação que a
pior coisa a fazer é começar a falar com outra viciada sobre quanto a gente gostava da
droga preferida. Ei, por que não experimenta essa calça? Depois a gente pode ir na M.A.C.
Estou sem lápis labial Spice.
Susan sorriu e pegou as calças com Camrnie.
- Tudo bem. Volto já.
- Pescou bem - disse Cammie.
"Não", pensou ela enquanto Susan desaparecia em uma das cabines do provador. "Eu
pesquei bem. Na verdade, pesquei a Susan. Anzol, linha e chumbo. Só o que tenho que
fazer é rodar o molinete, a hora que eu quiser."

PRIMA ALEXIS

- E aí, quantas estrelas de cinema você conhece? - perguntou Alexis a Ben enquanto eles
andavam pela esplanada de Santa Monica. Fazia um lindo final de tarde e as calçadas dos
restaurantes estavam cheias.
Eles passaram por um comediante que tocava gaita e duas crianças sapateando em um palco
improvisado de compensado. Ben teve que rir. Sua prima Alexis, que morava em Salt Lake
City, em Utah, tinha acabado de fazer 15 anos. Com o cabelo castanho avermelhado
lustroso caindo em um dos olhos e calças cargo que deixavam à mostra boa parte do
diafragma, ela facilmente podia passar por vinte - isto é, até
que abrisse a boca. Nessa hora ela parecia ter 12 anos.
- Ah, dezenas deles - caçoou Ben.
- Pára com isso! - Ela bateu o quadril de brincadeira nele. - Estou falando sériol
Há anos Alexis e os pais dela não iam a Los Angeles visitar a família de Ben, e ela estava
tão animada que mal conseguia deixar de pular pela esplanada.
- Tá legal, eu conheço algumas - admitiu Ben. - Mas não vou ficar citando nomes.
- Ah, qual é - Alexis girou o corpo enquanto eles passavam por uma Banana Republic e um
camelô vendendo brincos de prata. - Por favor?
- Jackson Sharpe. Na verdade, fui ao casamento dele.
- Uau! - sussurrou Alexis. - Isso é tão bacana. Quer dizer, ele é velho e tudo, mas mesmo
assim ... E aí, qual era a do casamento? Quem estava lá?
"Anna estava lá", pensou Ben. Por que todos os caminhos pareciam levar a ela?
- Jennifer Aniston estava lá? - instigou Alexis. - Ou Beyoncé?Ah, meu Deus, eu mataria
para conhecê-la. E Tobey Maguire? Ele é demais.
- Não - disse Ben. - Mas ... deixa ver. Mike Myers
'stava. E Jim Carrey. E Nicole Kidman. - Tá brincando! - exclamou Alexis. - Ai, meu Deus,
você dançou com a Nicole?
"Eu dancei com Anna", pensou Ben. Ele podia vê-la em sna mente: cabelos louros caindo
nos ombros, balançando ontra as maçãs de seu rosto. A elegância do pescoço esguio, o
ponto exatamente na clavícula onde ele a beijara...
- Dançou? - interrompeu Alexis.
- Eu tive um encontro - explicou Ben.
De repente, como se pensar em Anna a tivesse feito surgir por encanto, ele a viu andando
na direção dele. Ela estava qnase na metade do quarteirão com um cara, rindo.
Não, não podia ser ela. Era só outra loura alta, magra...
Ela chegou mais perto. Era mesmo Anna. E ela estava com Adam Flood. De braços dados.
Eles pareciam tão felizes. Foi como um soco no estômago de Ben. Então esse era o
verdadeiro motivo para ela dar o fora nele. Ela estava com Adam. Que droga! Por que não
podia estar com um babaca? Adam era um cara legal, embora, no momento, Ben quisesse
que ele desmaiasse e morresse.
- Aquela garota está olhando pra você - disse Alexis, apontando o queixo para Anna. -
Conhece?
- Me faz um favor, Al, finja que é minha namorada, tá? -pediu Ben.
- Tá, acho que sim - disse ela dando de ombros. - Mas por quê?
- Depois eu te conto. E fico te devendo uma. Anna! - gritou ele. Os dois foram na direção
de Adam e Anna. Ben rapidamente apresentou todo mundo. Pôs o braço no
ombro de Alexis. Ela fez a parte dela, aninhando-se nele.
- E aí, o que é que tá rolando? - perguntou Ben, como se esbarrar com Anna significasse
tanto para ele quanto esbarrar com, digamos, Sam.
- Fomos ao Runyon Canyon com meu cachorro - explicou Adam. - Depois apresentei a
Anna ao Pink' s World Famous.
- Ficar numa fila para comprar cachorro-quente foi uma nova experiência - acrescentou
Anna. Ela parecia nervosa. Os olhos dela dardejavam para Alexis, depois para Ben. - E
vocês dois?
- Ah, passamos a tarde só namorando - disse Alexis alegremente. - Fomos ao Johnny
Rockets e tinha um casal na cabine ao lado gritando: "Arranjem um quarto!" Aí...
- Ela está brincando - disse Ben rapidamente.
- Os dois são perfeitos um para o outro - disse Anna, a voz ficando fria.
- Vocês dois também. - Ben se obrigou a dizer.
Adam enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans.
- E aí, quando vai voltar para Princeton, Ben?
- Ele não pode - respondeu Alexis antes que Ben conseguisse abrir a boca. - Só o que ele
faz é me arrastar para a cama.
- Bom, neste caso você é definitivamente o tipo dele - disse Anna. Ela passou o braço no de
Adam de novo. - É melhor a gente pegar os ingressos do Streetheart antes que acabem.
- Bom, neste caso você é definitivamente o tipo dele - disse Anna. Ela passou o braço no de
Adam de novo. - É melhor a gente pegar os ingressos do Streetheart antes que
acabem - disse ela a Adam.
- Eles vão fazer um show no píer ao pôr-do-sol- explicou Adam a Ben. - Uma banda de
blues que é demais conhece?
- Já ouvi falar deles - disse Ben vagamente. - Então, divirtam-se. Foi legal encontrar vocês -
acrescentou ele, esperando que soasse verdadeiro.
- Igualmente - disse Adam, colocando um braço no ombro de Anna.
Ben pegou o pulso de Alexis.
- É. A gente se vê. - Ben e Alexis continuaram descendo na esplanada. Só quando
chegaram na esquina ele tirou a mão do pulso da prima.
- Entendi. Você queria deixar a garota com ciúme, né? - perguntou Alexis.
- Mais ou menos isso.
- Ela é linda.
Ben suspirou.
- Eu sei.
- Então ela era sua namorada ou coisa assim? - insistiu
Alexis.
- Fiquei com ela uma vez.
- Mas agora ela está com esse cara, o Adam, né? Que saco. Quer dizer, só de olhar pra sua
cara fica totalmente óbvio que você está perdidamente apaixonado por ela.
- É, bem, é ver para crer - declarou Ben. - Ela agora está com o Adam. Fim de papo.
- Se quer voltar com ela, tem que brigar por isso - concluiu Alexis. - É o que aconteceria
nos filmes.
- Só que esta é a vida real.
- Nada disso - disse Alexis. - Isto aqui é Los Angeles.
Nada aqui é real. Foi você mesmo que me disse isso. Então me compra um sorvete de
creme triplo e vou te dizer como conseguir sua namorada de volta.
Ben deu uma guinada para a sorveteria pela qual tinham acabado de passar.
- Sim para o sorvete, não para o conselho.
- Mas...
- Mas nada - insistiu Ben, mantendo a porta aberta para a prima. Eles passaram pela
multidão e entraram na fila. - Não dá para chutar cachorro morto, e este poodle já
foi para o céu dos cães.
- Fale a minha língua - exigiu Alexis.
- Quero dizer que acabou. - Ben teve que se obrigar a dizer isso. - No que se refere a Anna
Percy, eu ferrei tudo. E não posso culpar ninguém a não ser a mim mesmo.

OS MAURICINHOS CHATOS DE SEMPRE·

Anna atravessou o agora conhecido caminho para o bangalô de Susan no Beverly Hills
Hotel. O único som era o tuac-tuac tuac das raquetes batendo nas bolas daqueles que
jogavam tênis nas quadras iluminadas do hotel. Por quê, por quê, por
que ela teve que esbarrar com Ben e a nova namorada dele? As imagens marcavam o
cérebro de Anna a ferro. Cabelo castanho avermelhado brilhante, bronzeado, barriga
convexa - ela era o oposto físico de Anna. Ela não devia ligar para isso. Sabia que não
devia. Então por que se sentia tão mal? Que traço de masoquismo a fazia querer um cara
que foi cruel com ela? Ela devia estar pensando em Adam. Eles passaram
um ótimo dia juntos.
Anna queria gritar. E pensar que Ben tentara reatar quando já tinha uma namorada nova!
Que idiota! Ela fechou os olhos com força por um momento, como se isso afugentasse os
pensamentos fixos em Ben. Ela pensou em Susan. Era muito mais fácil se preocupar com
os problemas da irmã do que ficar obcecada com os próprios.
Ultimamente, Susan vinha sendo um enigma. Ela era iteligente, provavelmente ainda mais
inteligente do que Anna. Susan se formou em quarto lugar na turma. Foi aceita
em todas as universidades a que se candidatou, inclusive Harvard. Mas preferiu o Bowdoin
College, no Maine, para que pudesse estudar com um certo historiador famoso que dava
aulas lá.
No começo ela se saiu muito bem. Depois as coisas mudaram. De repente ela parou de ir à
aula e começou a sair com uns caras que estavam se formando em drogas e álcool. Ela se
transferiu para a Universidade de Nova York, apaixonou-se por um guitarrista irlandês de
rock e largou a faculdade para acompanhar a banda do cara numa turnê vagabunda pela
costa leste. E depois o relacionamento terminou. Então, Susan voltou para a avenida D, no
East Village.
Até agora, Anna não tinha idéia do que acontecera em Bowdoin para fazer Susan mudar.
Isso entristecia Anna.
Numa família em que todos eram reconhecidamente distantes, houve um tempo em que
Anna e Susan dividiam seus segredos e eram o refúgio uma da outra. Mas isso parecia ter
sido há muito, muito tempo.
Enquanto se aproximava do bangalô de Susan, Anna pôde ouvir os Wallflowers - uma das
poucas bandas de rock com que se identificava - berrando pelas janelas, um sinal certo de
que Susan tinha voltado sabe-se lá de onde tinha ido. Anna bateu discretamente na porta.
- Entra! - Ela ouviu o grito abafado de Susan através da porta. Um segundo depois a porta
se abriu. Susan estava usando o roupão felpudo branco com mono grama que o
hotel providenciava para cada hóspede; os cabelos molhados enrolados numa toalha. -
Anna! Pensei que fosse o serviço de quarto.
- Não. Sou eu.
- Entra. Pedi o bastante para dois. Já comeu?
- Cachorro-quente com um amigo.
- Minha irmãzinha dando uma de pobre - brincou Susan. - Estou impressionada. Entra aí.
Anna estremeceu ao entrar no bangalô. Era tão parecido com o de Noah Monahan que ela
não conseguia se livrar da j magem dele tentando seduzir seus pés. O bangalô exibia uma
cozinha totalmente equipada, salas de estar e de jantar espaçosas e um quarto com uma
cama luxuosa. Pela porta aberta do quarto, Anna pôde ver sacolas de compras de vários
tamanhos no chão.
- Foi fazer compras? - perguntou ela.
- Com Cammie Sheppard - disse Susan. - Foi divertido, de uma forma meio idiota. Não sei
por que você não gosta dela, Anna. Ela é uma figura.
- Só tenha cuidado com ela.
Susan deu de ombros, tirou a toalha da cabeça e foi para o banheiro secar o cabelo.
- Você pensa e se preocupa demais - decretou Susan.
"Será que era verdade?", perguntou-se Anna. Provavelmente. Era como se ela não
conseguisse se livrar do monólogo que corria em sua cabeça. Às vezes ela invejava as
pessoas que simplesmente conseguiam ser.
Houve três batidas discretas na porta.
Houve três batidas discretas na porta.
- Agora deve ser o serviço de quarto - disse Susan, voltando-se para a porta. Uma olhada
pelo olho mágico confirmou sua suspeita e ela abriu a porta para o garçom, que empurrou
um carrinho trazendo um arranjo central de lavanda com orquídeas brancas.
- Antepasto de torta de caranguejo, sopa de lagosta, sanduíche natural com bacon extra,
fritas, salada de manga com abacate, cheesecake de avelã e uma Coca - enumerou ele,
levantando as tampas de prata dos vários pratos e colocando-os na mesa de jantar. - Mais
alguma coisa, senhorita?
- Não, está ótimo, obrigada. - Susan assinou seu nome na conta, acrescentou uma gorjeta
generosa e deixou o garçom sair. Virou-se para Anna, o rosto vermelho. - Como eu disse,
você me pegou numa bela comilança. Então agora vai ter que me ajudar a comer.
- Não estou com fome - protestou Anna.
- Vamos lá. Me livra dessa humilhação.
Anna riu.
- Tudo bem, claro. Posso ficar com a sobremesa,
Elas se sentaram juntas. O garçom achou que o pedido era para duas pessoas, então foram
providenciados pratos extras. Anna pegou um prato e uma parte do sanduíche natural e deu
uma mordida.
- Delicioso. E aí, o que você fez além das compras?
- Nada. - Susan partiu para a torta de caranguejo. - Cammie queria sair hoje à noite, mas
ainda estou meio com jet-lag, então dispensei.
- Foi inteligente.
- Estou legal com o álcool, Anna.
- Eu não disse que você não estava.
- É esse tom. Você parece a mamãe. - Ela lambeu a maionese do dedo mindinho.
- Pareço? - Anna se sentiu atacada.
- Não, desculpe. - Susan estendeu a mão para pegar a de Anna - Meu Deus, por que eu faço
isso? Às vezes fico na defensiva com você.
- Talvez eu faça você se sentir assim - disse Anna, culpando- se.
Susan deu de ombros e mordeu mais um pedaço da torta de caranguejo.
- O que posso te dizer? Você é controlada. Mamãe é controlada. E eu não. Os homens
adoram isso. É um dos motivos para papai ter se apaixonado por ela.
Anna pegou a Coca de Susan.
- Por falar nisso, eu devia pedir a você que ligasse para ele.
- Eu já disse, Anna, não quero vê-lo.Nem falar com ele.
- Tudo bem, tá legal, você não gosta dele, eu sei. Mas ele está tentando mudar. Por que não
dá uma chance a ele?
- Porque não.
- "Porque não"? Que tipo de resposta é "porque não"?
- Já ocorreu a você, irmãzinha, que eu posso saber de umas coisas que você não sabe sobre
o papaizinho querido? E que desta vez eu posso estar te protegendo, em vez do contrário?
Não, esse tipo de coisa nunca tinha passado pela cabeça dela.
- Que coisas?
Susan acenou a mão como quem rejeita a idéia.
- Esquece. Come aí. Depois vamos ver as roupas lindas que Cammie me fez comprar.
Temos que aprontar muito nesse fim de semana para que eu possa exibir todas. Aliás,
vamos ver agora.
Susan levou Anna para o quarto e mostrou as compras - uma blusa Prada malva sem
mangas com franzidos, um casaco laranja Marc Jacobs com botões enormes, um vestido
drapeado Diane von Furstenberg com estampa de tigre e uma saia Ann Demeulemeester
que Anna não conseguiu entender. Ela se juntava na cintura e a bainha era cortada num
ângulo extremo - onde é que alguém ia usar uma coisa dessas? De repente o estilo da irmã
era indefinível.
repente o estilo da irmã era indefiníveL
- Eu me transformei numa esquizofrênica da moda - confessou Susan. - Mas você tem que
admitir que a calça preta é demais. - Ela a vestiu para mostrar a Anna. -O que acha?
Ela era de renda e meio transparente. Anna nunca usaria uma roupa nem de longe parecida
com essa. Bom, nunca, não. Ela usou uma calça muito mais perua na véspera de Ano-
Novo, quando ficou com Ben e comprou a calça de leopardo falso mais fina do mundo, na
sex shop da Hustler, e depois a usou na festa da Warner Brothers. A lembrança a fez
tremer.
- Qual é o problema? - perguntou Susan. - Ficou ruim?
- Não, está ótima - respondeu Anna, tentando parecer entusiasmada.
Susan riu. Foi até a mesa-de-cabeceira para pegar cigarros.
- Você é cheia de merda, Anna. Você odiou essa calça. Você é tão patricinha.
- Você também costumava ser.
Susan acendeu o cigarro e deu uma tragada longa.
- A diferença é que isso nunca me satisfez. - Ela olhou para sua irmã pensativamente. - Já
fez alguma coisa errada na vida, Anna? Já quis fugir e ficar doidona?
- Servem aqueles dez minutos no bangalô do Noah?
- Dando o pé nele, literalmente? - Susan riu. - Cammie me contou sobre, hum, a predileção
dele. De qualquer forma, essa não serve.
- Muito eca - disse Anna, rindo. - E ele parecia tão normal!
- Se quer gente normal, Anna, saia com os mesmos mauricinhos chatos com quem saía em
Nova York. Não tem problema um pouco de piração, sabe como é.
"Eu tive na véspera do Ano-Novo", pensou Anna. "Com Ben. E só o que consegui foi me
magoar." Anna tentou esclarecer a observação de Susan.
- Então você acha que eu devia deixar o Noah lamber os dedos dos meus pés?
- Nada disso. Você sabe o que eu quero dizer.
De repente Anna queria contar a Susan sobre o Ben - ela se lembrou da época em que as
duas irmãs não tinham segredos uma para a outra. Além disso, Susan já não tinha muita
idiotice e maluquice na vida dela? Ela era a primeira a admitir isso. Por que era melhor
guardar segredo e deixar Susan acreditar que só a irmã mais velha julgava mal as coisas?
Elas voltaram à mesa para comer e Anna se arriscou: contou
a Susan tudo sobre Ben.
- Caraca. Quem diria? - disse Susan. Ela acendeu outro cigarro e jogou o fósforo na torta de
caranguejo intocada.
- Que droga, querida.
- Vivendo e aprendendo.
- Os homens podem ser uns merdinhas.
Anna suspirou. -É.
Susan puxou as pernas para cima e se sentou à mesa no estilo indiano - um hábito que fazia
Anna se lembrar de quando elas eram crianças.
- A mamãe odiava quando você sentava desse jeito lembrou Anna. - Dizia que não era
digno de uma dama.
- Mamãe está a mais de mil quilômetros de distância; acho que é improvável que ela
descubra. Quer dizer, a não ser que você conte a ela.
- Não conto nada a ela.
- Ótimo. Aliás, Anna, como você sabe que esse cara, o Ben, não está dizendo a verdade?
Sobre,o motivo pelo qual ele te largou sozinha naquela noite, quero dizer?
- Sooz, qual é. Ele me largou às três da manhã porque tinha que salvar a vida de uma
celebridade misteriosa. Você acha que isso é plausível?
Susan pegou um copo de água gelada e o bebeu antes de falar.
- Não. E é exatamente por isso que eu acho que ele podia estar dizendo a verdade. Quer
dizer, pelo que você contou, o cara é inteligente, né? Inteligente, tranqüilo, um gato. Um
cara como esse definitivamente pode pensar numa mentira melhor.
Anna sacudiu a cabeça.
- Sinceramente, eu duvido disso.
- Vai por mim. Ben pode ter contado a verdade.
Anna foi até as janelas abertas, embora não houvesse nada para ver do lado de fora a não
ser algumas luzes junto ao caminho que passava pelos bangalôs. Ela podia sentir o cheiro
de jasmim e laranja, flores que brotavam o ano todo em Los
Angeles, e inalou profundamente, tentando se acalmar. Por quê, por quê, por que sempre
voltava a Ben? A imagem dele com sua nova namorada inundou novamente seu cérebro.
Ela queria tão desesperadamente não ligar para isso!
- Isso não interessa mais - disse ela por fim, voltando-se para a irmã. - Eu superei tudo. Ele
está com outra pessoa. E eu também.
Susan riu.
- Mentirosa.
- Estou, sim! Eu estava com ele agora, aliás. A tarde toda. O nome dele é Adam. Ele é o
anti-Ben;
- Eu não quis dizer que você estava mentindo sobre sair com outro, docinho - 'explicou
Susan. - Quis dizer que está mentindo sobre ter superado Ben.
Anna sentiu o pescoço corar; esperava que Susan não pudesse ver.
- Não estou, não.
- Besteira. Posso sentir o cheiro de tensão sexual em toda a sala. Você precisa seriamente
de sexo. Estou te dizendo, a gente deve ir pra balada com a Cammie e a Dee nesse fim de
semana. Sua tarefa é pegar o cara mais gostoso que encontrare transar.
Quando Susan ficava desse jeito, Anna se irritava.
- Primeiro, esse é um conselho ridículo - rebateu Anna.
- Segundo, eu já te disse: vou a um spa com a Sam nesse fim de semana. Estou trabalhando
num roteiro para um curta, lembra? E você vai comig... a não ser que tenha mudado de
idéia. Terceiro, a Cammie e a Dee não estão no topo da minha lista de gente-com-quem-
quero-passar-meu-precioso-tempo. E quarto, o sexo sem sentido é tão... tão sem sentido!
- Como pode saber? - perguntou Susan laconicamente. -Nunca fez.
- Não preciso fazer para saber.
- Só existe uma razão para você dizer isso, Anna. Porque já conhece o cara com quem seria
significativo.
Tudo bem, Susan agora a estava irritando de verdade./
- Se quer dizer o Ben, está enganada - insistiu Anna. - Por acaso sua nova melhor amiga
Cammie não falou que ele foi namorado dela?
- Não. - Susan pareceu surpresa, o que deixou Anna satisfeita. - É mesmo?
- E a sua outra nova melhor amiga Dee Young por acaso disse que ela passou uma noite
com ele?
O queixo de Susan caiu.
- Está falando sério?
- Infelizmente, sim.
- Mas que babaquice. Eu retiro tudo o que disse. O cara é um galinha.
- Obrigada.
- Mas o outro cara... qual é o nome dele?
-Adam.
- Adam - repetiu Susan. - O que você acha dele?
Anna pensou por algum tempo.
- Ele é legal - disse ela por fim.
- Legal?- protestou Susan. - Legal?Um gatinho novo é legal. Seu professor do primeiro ano
era legal. Aquele cara com quem você foi ao baile da sétima série? Paul Brody, aque le que
parecia um albino, que os pais eram donos da metade do Upper East Side. Ele era legal.
Mas você me disse que ele babava quando beijava. Anna, você tem quase 18 anos. Não
precisa de um cara que é apenas legal!
- Ah, por favor, que coisa mais clichê - insistiu Anna. - Um cara pode ser um gato sem ser
bad boy. Adam é incrível. É inteligente. É sincero...
- Então dá um excelente assistente social- observou Susan. - Talvez haja uma vaga para ele
na Hazelden. Mas, como namorado? Você vai ficar morta de tédio em três meses. E foi por
isso que você veio pra cá, né? Não precisa mais ficar morta de tédio!
- Tá legal- rebateu Anna. - E você não precisa sair à noite com as ex-paixões de Ben.
Susan pareceu desafiadora.
- O que espera que eu faça, Anna, que eu nunca mais saia pra dançar e me divertir?
- Não é como comer e dormir, Susan. Não é uma coisa que você tenha que fazer.
- Desculpe. Mais uma vez sua irmã mais velha vai decepcioná -la.
Anna suspirou. Às vezes Susan simplesmente a esgotava.
- Tudo bem. Faça o que quiser.
- É o que você diz, mas não é o que quer dizer - disse Susan.
- Tem razão. Porque eu te amo. E prefiro que você fique por aqui pelos próximos cinqüenta
ou sessenta anos.
Susan desviou os olhos. Ficou em silêncio por algum tempo.
- Tá legal- disse ela finalmente. - Você venceu. Deixa, Cammie e a Dee pra lá. Eu vou para
Palm Springs com você.
- Ótimo. - Anna podia sentir seus ombros se despregando dos lóbulos das orelhas. Pelo
menos não teria que se preocupar com Susan por mais alguns dias. Ela foi até a
Irmã e lhe deu um abraço rápido. - A gente vai se divertir. Você vai ver.
Susan pegou uma mecha do cabelo de Anna.
- Provavelmente, não. Mas eu sei que você só está cuidando
de mim. Posso te dizer uma coisa?
-Claro.
- Pense no que eu disse. Não dá pra você negar o seu desejo por alguém. E esse tipo de
amor tranqüilo e estável... Esse pode esperar até a meia-idade chegar.
Em todo o caminho para casa, Anna pensou no que Susan tinha dito. Será que estava
escolhendo a segurança à custa da paixão, e fazia isso porque Ben a havia magoado tanto?
Ela gostava de Adam. Muito. E se sentia mesmo atraída por ele. Mas Susan estava certa:
Anna não sonhava em arrancar as roupas de Adam. Não sentia um friozinho na barriga
quando pensava nele. E nem todo gostar do mundo ia fazer com que isso acontecesse.
Se era porque ela estava com medo ou só porque não havia química, ela não sabia. Mas
Anna sabia de uma coisa: não era justo com Adam.
A questão era: que diabos ela ia fazer com isso?

MAS...

- A paixão é o estado inicial de amor ou desejo, quando uma pessoa acha a outra perfeita -
explicou a sra. Breckner.
- Basicamente, estamos falando de desejo sexual. Gatsby desejava Daisy, mas chamava de
amor. A diferença entre as duas coisas é...
A aula da sra. Breckner foi interrompida pelo sinal. Anna suspirou. Na verdade, ela estava
interessada em ouvir o que A professora pensava ser a diferença entre as duas coisas. Ela
ficou acordada a noite toda, revirando-se na cama, tentando deduzir o que ela devia dizer a
Adam, se dissesse alguma coisa.
Talvez o que sentisse por Ben fosse só desejo e isso estivesse contaminando seu
julgamento.
Ela jogou o caderno na mochila e passou-a pelo ombro, depois saiu da sala de aula com
todos os outros. Adam eslava encostado nos armários do lado de fora da porta. Ela o evitara
o dia todo.
- Oi, estranha - disse ele, e deu aquele sorriso torto e doce dele. Ele foi para o lado dela e os
dois desceram o orredor. - Não nos vemos há muito tempo. E aí, o que
tá rolando?
- Não muita coisa. - Anna tinha dificuldade de olhar Adam nos olhos. - Quer uma carona
pra casa?
- Quero, claro. - Ele manteve a porta aberta para ela. Era uma tarde rara de um céu nublado
e melancólico. Adam franziu a testa. - Ei, está tudo bem?
- Está. Só ando pensando muito. - Ela podia ouvir como parecia tensa, como estava
superficial.
Foi só quando eles estavam dentro do carro que Adam
falou novamente. Ela estava prestes a girar a ignição quando
ele pôs a mão na dela e a fez parar.
- Não é preciso ser telepata para entender que tem alguma coisa errada com você, Anna. Se
tem alguma coisa a ver comigo...
Anna ficou olhando para as próprias mãos no colo. Isso era horrível. Mais horrível do que
ela imaginou que seria.
- Ah, droga, tem alguma coisa a ver comigo - disse Adam. Ele esfregou a tatuagem de
estrela atrás da orelha.
- Você sabe que eu gosto de você, Adam. - A voz de Anna era baixa e intensa. Ela se
obrigou a olhar para ele. - Você é um dos melhores caras que já conheci.
- Tem um "mas" de merda vindo por aí, não é? - conjecturou Adam. - Tipo assim, "mas
Ben e eu voltamos".
- Não. Não voltamos.
- Ufa - Adam suspirou. - O que é, então?
- Eu não ... Eu ... - Anna não conseguia encontrar uma forma de dizer isso sem magoar
Adam era a ultima coisa mundo que queria fazer. -Eu me sinto muito confusa com os
homens atualmente - disse ela por fim. - Eu só não acho que possa ter um relacionamento
agora.
- Se eu estou indo rápido demais...
- Não é isso - garantiu Anna a ele. - Fui eu que te beijei, lembra? Eu só acho que preciso de
algum tempo para mim. Eu me importo com você. Muito. E não quero te
magoar...
- Peraí, você está terminando comigo porque não quer me magoar? - perguntou Adam. -
Isso não é lá muito lógico.
- É- concordou Anna. Ela passou um dedo no volante. - Estou lidando muito mal com isso.
Ben ... me magoou. Não vou fingir o contrário. Fui uma idiota em deixar que ele
me magoasse, mas... aconteceu. E acho que preciso superar isso, e aprender algumas coisas
sobre mim mesma, antes de me envolver em outra relação. Isso faz algum sentido?
- Na verdade, não. - Adam apoiou a cabeça na porta do carro. - Droga! Quer dizer, eu sei o
que devia dizer: "Tudo bem, tá legal, dê o tempo que você precisar"; mas, francamente, não
é assim que eu me sinto. Não é como se a gente etivesse namorando sério...
- Eu sei disso. Só preciso ficar sozinha um tempo. Vou para o deserto com a Sam nesse fim
de semana tentar organizar as coisas na minha cabeça.
- E quanto tempo vai levar pra você "organizar as coisas na sua cabeça"?
- Eu não sei, tá legal? - Anna ouviu a aspereza na voz dela. Ela não esperava que Adam a
pressionasse desse jeito.
- No momento sou uma oportunista terrível, Adam. E isso não é justo com nenhum de nós.
Adam ergueu as palmas das mãos.
- O que posso dizer?
- Eu lamento muito - disse Anna, e ela foi sincera. - Eu realmente me importo com você.
Talvez, no futuro ...
- O que eu devo fazer, esperar que você telefone?
- Não. Deve encontrar uma garota que mereça você. Porque você é incrível.
- Ah, é, ótimo - resmungou Adam. - Esse é o fora mais legal do mundo. - Ele passou a mão
no cabelo eriçado. - Faça o que precisa fazer, então.
Anna assentiu e deu a partida no carro. Ela arrancou do estacionamento. Em silêncio, eles
foram para a casa de Adam. Quando ela chegou na entrada de carros, ele se virou para ela.
- Não estou exatamente orgulhoso de como lidei com isso, Anna. Se você precisa de um
tempo sozinha, então precisa de um tempo sozinha.
Ela teve vontade de abraçá-lo, ele era tão doce. Por que ela não podia ser apaixonada por
ele? Por que a droga do seu coração era tão completamente torto?
- Obrigada - disse ela. - Por entender.
- Então eu vou tomar um monte de duchas de água fria e vamos ver o que acontece. - Adam
saiu do carro e foi para o lado do motorista. Ele falou com Anna pela janela aberta.
- Bowser vai reagir muito mal a isso, sabe como é.
Anna assentiu. Foi só o que conseguiu fazer. Adam deu um meio tchau e ela recolocou o
carro na rua. Adam ainda estava olhando-a quando ela se afastou. Se ela imaginou que ia se
sentir melhor depois de terminar com Adam, imaginou errado. Porque agora Anna se sentia
pior do que nunca. Por que as mulheres parecem muito mais obcecadas pelos homens do
que os homens são obcecados pelas mulheres? Anna precisava tirar Ben e Adam da cabeça
totalmente e substituí-los por alguma coisa que dissesse respeito a ela, e não a eles.
Ela tomou uma decisão repentina e entrou à direita na avenida Sunset em vez de virar à
esquerda, que levaria à asa do pai. Foi para a Biblioteca Pública de Beverly Hills.
Pesquisar para o roteiro de Gatsby era a única coisa a fazer, concluiu ela. Talvez houvesse
alguns ensaios sobre o amor, o desejo e a paixão em Gatsby que poderiam ajudá-la a
escrever seu roteiro. Ela simplesmente se atiraria no projeto.
Bem que ela poderia ser uma escritora fabulosa. Certamente sabia o bastante sobre os temas
da vida, do amor, do desejo, da paixão para fazer jus a um filme de dez minutos. Pelo
menos, quando escrevia, ela ficava no controle de tudo o que os personagens diziam e
faziam.
Ela só precisava escrever seu próprio final feliz.

RESERVA

Sam Sharpe vasculhou o closet - um cômodo inteiro ao lado de sua suíte - tentando decidir
o que levar para o spa. O segredo era encontrar um traje de banho que acentuasse os
aspectos positivos. E eliminasse os negativos. Sam tinha um preto da Calvin Klein com um
debrum pequeno na calcinha. Era ótimo para cobrir suas coxas, mas o detalhe em metal a
fazia parecer a Barbarella. Sempre haviaa fórmula menos-é-mais - às vezes, mostrar mais
pele criava uma ilusão de ótica. Desviando a atenção de todos para os peitos, as falhas
sempre eram dissimuladas.
Droga! Já eram quatro da tarde e ela disse a Anna que a pegaria às quatro e
meia para seguirem de carro até Palm Springs. Com sorte, elas iam escapar do
engarrafamento por causa do rush da tarde.
O que vestir, o que vestir, o que vestir? Era improvável que houvesse algum solteiro
interessante no Veronique. Sim, havia os cassinos indígenas em Palm Springs e montes de
campos de golfe. Cassino mais golfe é igual a homens. Mas Sam odiava golfistas - só as
roupas eram o suficiente para lhe dar náuseas - e os cassinos eram estritamente vagabundos
comparados com, digamos, o Bellagio de Las Vegas. Cassinos vagabundos atraíam homens
vagabundos, e Sam não tinha interesse em homens vagabundos. Nem em mulheres.
Nem em mulheres? Que diabos essa ideiazinha estava fazendo na sua cabeça? Mas ela
sabia a resposta - uma palavra de quatro letras começada com A. Anna.
Tudo bem. Então Sam tinha uma quedinha. Era bonitinho, na verdade. Se as menininhas
podiam ter paixonites por menininhas, então as crescidinhas podiam ter paixonites por
crescidinhas. Isso não queria dizer nada.
Como que para provar este argumento, ela elaborou uma lista mental de homens gostosos.
Bom, havia o Ben, é claro, seu primeiro amor. E depois havia ...hmmm ... vamos ver. Os
irmãos Pinelli. Os dois iam ao V no sábado de manhã para ajudar no filme. Monty não fazia
o tipo de Sam, mas Parker era realmente um colírio. Ainda assim, Sam suspeitava de que
ele se amava demais para ter tempo para qualquer outra pessoa.
Tinha que existir alguém além de Ben. Mas, estranhamenIe, ninguém veio à mente. Ela
preferia fazer uma massagem em Anna do que em algum cara suado e peludo que
conhecessena sauna tentando enfiar a língua em sua orelha e...
Ah, que merda. Ela preferia fazer uma massagem em Anna?
Ela sabia que tinha de pensar em outra coisa, então se concentrou em sua bagagem. Sam
pegou o único maiô de que gostava, da Gottex, mais jeans, shorts e uma seleção de
camisetas Versace e Pucci, e atirou tudo na mala de couro coach azul-clara que estava em
cima da cama. Roupa de baixo também. Enquanto lutava com o zíper, o telefone na
mesinha-de-cabeceira tocou.
- Hein? - atendeu ela.
- Oi, Sam, é a Anna.
- Oi, Anna - disse Sam, com o cuidado de manter o tom de voz animado. - E aí?
- Estou no bangalô da minha irmã no Beverly Hills Hotel. Então você não precisa me pegar
na casa do meu pai. A gente pode encontrar você no saguão.
- Tudo bem.
- Tem certeza de que não quer usar dois carros? Porque não tem problema nenhum.
Podemos ir no Mustang da Susan.
- Não. Monty e Parker vão levar todo o equipamento na van. Vai ser mais divertido para a
gente ir num carro só. Então, vejo vocês daqui a pouco.
- Sam? Eu terminei o roteiro. Fiquei acordada a maior parte da noite trabalhando nele.
- Otimo. - Sam tentou parecer empolgada. - Quando vou poder ver? Você devia me mandar
para eu fazer as anotações.
- Posso ler para você no carro, se quiser.
- Vou ler eu mesma quando a gente estiver lá. Eu estarei aí em, deixa eu ver, meia hora.
Sam desligou, mordiscando o lábio inferior. Uma coisa era ter uma quedinha por Anna e
outra era se tornar a chefe de torcida da nova carreira de roteirista dela. Todo executivo de
estúdio de Hollywood tentava transformar sua namorada gostosona em roteirista ou
produtora. Era ridículo. Bom, Sam tinha escrito um roteiro de reserva, só para garantir. Não
foi difícil. Em vez de contar uma história completa - o que
é difícil de fazer em dez minutos -, ocorreu a ela fazer tudo no estilo de um episódio
comemorativo do Entertainment Tonight sobre um personagem tipo Jay Gatsby, mas com
uma revelação chocante no final. Sim, Sam daria uma olhada no roteiro de Anna. Esperava
que fosse bom. Mas era mais provável que não fosse.
Sam terminou de preparar a bagagem, enfiou as malas no Cherokee do pai e seguiu para o
hotel para pegar Anna e a irmã dela. O trânsito desta vez estava tranqüilo, então ela chegou
lá às quatro e meia, como combinado. Anna e Susan esperavam na entrada do hotel, as
malas ao lado do porteiro noturno, o que deu a Sam a oportunidade de checar Susan
enquanto ela se aproximava. Cammie tinha contado tudo sobre Susan a Sam, é claro. De
acordo com Cammie, a irmã de Anna, Susan, era a garota-propaganda da namoro.com e
tinha se internado na reabilitação mais vezes do que a Whitney Houston. Certamente ela
parecia se encaixar no papel, vestida com uma camiseta preta habilmente rasgada, calças de
camuflagem de cós baixo e uma jaqueta de motoqueiro de couro preto. Usava batom
vermelho e um monte de delineado r nos olhos e tinha uma leve semelhança com Marilyn
Monroe.
Então evidentemente a irmã mais velha de Anna ia atacar de dinamite sexual. Ia dar certo.
Enquanto o porteiro colocava a bagagem na traseira do Jeep de Sam, Anna apresentou Sam
a Susan. Susan ofereceu a mão a Sam.
- É um prazer - disse ela num tom perfeitamente modulado que entrava em choque com a
aparência de durona.
"Engraçado", pensou Sam. "Dá pra tirar uma garota do Upper East Side de Manhattan, mas
não dá pra tirar o Upper East Side de uma garota." Ou colocá-lo numa garota, aliás, se ela
não o tiver. É claro que algumas pessoas tentavam. Mas
Susan e Anna eram de verdade.
Anna sentou-se na frente, Susan atrás, e Sam arrancou para a avenida Sunset. Enquanto iam
para a estrada Freeway 101, Sam perguntou a Susan se ela estava interessada em ajudar no
filme.
- Trabalho de escola? - perguntou Susan com desdém. - Definitivamente não.
Sam ficou surpresa. Quem diabos era Susan para desprezar um trabalho de escola? A
pessoa que ia fazer o "trabalho de escola" estava em vias de se tornar uma cineasta
realmente famosa. Além disso - se ligaaaa!-, ela era filha de Jackson Sharpe.
- Na verdade ... Susan, né? - disse Sam dirigindo-se ao banco traseiro. - Um curta meu
entrou no Independent Film Channel no ano passado, Susan - disse Sam. - Talvez
Anna tenha contado que meu pai é Jackson Sharpe. Ele vê todos os meus filmes. Então,
nunca se sabe.
- Eu adoro o seu pai - disse Susan. - Especialmente em O último patriota. Acho que vi
todos os filmes dele.
Então tá. Solte o nome mágico de Jackson Sharpe e elas sempre vêm correndo.
- Obrigada - disse Sam, olhando Susan pelo retrovisor.
- E aí, mudou de idéia?
- Claro que não.
Não? Sam não estava acostumada com "não". Em geral, todo mundo que ela convidava
para participar de seus filmes dizia sim. Até garotas que a odiavam diziam sim. Era uma
espécie de doença de Los Angeles, onde todo mundo pensava estava a ponto de se tornar
uma estrela. Mas Susan ercy não podia ser mais desinteressada. E agora Sam podia er pelo
retrovisor que Susan estava enfatizando sua recusa se recostando no banco e fechando os
olhos.
"Bom, ela que vá pro inferno", pensou Sam, vendo o jeito queria -que- fosse-1977 -e-eu -
namorasse- um -Sex-Pistol de Susan. Que música deixaria essa garota mais irritada? Ela
vasulhou os CDs, encontrou um velho disco do Frank Sinatra
que o pai adorava, e ela detestava, e o colocou. A introdução de cinco notas repetidas de
"New York, New York" berrou no Cherokee.
Sam olhou pelo retrovisor. Os olhos de Susan se abriram por um brevíssimo segundo,
depois se fecharam de novo.
Touché.
Na verdade, essa era a única música de Sinatra que Sam realmente gostava. No bar mitzvah
de Ben, a banda tinha tocado essa música, e Ben dançou com ela. Era uma lembrança
bonita.
- Gosta dessa música? - perguntou ela a Anna.
- Não muito - admitiu Anna.
- É do meu pai - confidenciou Sam. - Minha madrasta adolescente gosta de cantar pra ele. É
tortura auricular. Sabe omo ela começou no ramo?
-Não.
Sam mudou de pista - estavam se aproximando da entrada da via expressa - depois abaixou
o volume da música.
- Ela era caloura no Santa Monica College, um cara a viu correndo no meio da avenida San
Vicente e disse que ela podia ser uma estrela. Ela se mudou para a casa dele e
ele a colocou no elenco como uma fugitiva de uma série do
Showtime.
Sam olhou para Anna, que parecia completamente desligada, depois de volta para a estrada.
Ela percebeu que estava tagarelando nervosamente, como se as duas estivessem no
primeiro encontro.
- Não tenho idéia de por que estou contando isso. É uma chatice, eu sei.
- Desculpe - disse Anna. - Eu só estava pensando na festa que tenho de ir no domingo à
tarde para meu estágio na Apex. Acho que devo levar um cliente deles.
- A festa dos Steinberg? Sei tudo sobre ela. Eu também vou - disse Sam.
- Mundinho pequeno, esse - comentou Anna.
- Não é muito diferente de onde você veio. A mesma bosta em pratos diferentes.
- Tem razão - reconheceu Anna. Ela se virou para a irmã no banco traseiro. - Você vai à
festa comigo amanhã, não é?
- Ainda estou sofrendo com o fato de o pretenso idiotinha ter ficado famoso - disse Susan
sem abrir os olhos. - Meu Deus, ele costumava ofegar quando me beijava. Mas
que grossena.
- Vou considerar isso um sim - disse Anna.
Sam queria continuar a conversa, mas Anna fechou os olhos. Alguns minutos depois, ela
estava dormindo. Ela parecia tão calma e serena que Sam não suportou a idéia de
interromper seu cochilo. Então ela calou a boca e dirigiu.
Para Anna, a viagem de três horas pelo deserto parecia interminável. Ela praticamente
cochilou o tempo todo, perguntando-se se tinha feito a coisa certa dando um tempo com o
Adam. Ela ainda podia ver a dor no rosto dele. Susan dormiu na maior parte da viagem e
Sam ouviu uma música que Anna realmente não gostava. Mas elas finalmente chegaram
nos arredores de Palm Springs, passando entre duas imensas extensões de moinhos de
vento para geração de energia que se espalhavam dos dois lados da estrada. Havia centenas
deles, iluminados por holofotes, girando loucamente no vento tempestuoso do deserto.
Entre eles, havia placas anunciando
cassinos indígenas.
- Cassino Morongo. - Da traseira, uma Susan recém desperta leu em voz alta um dos
cartazes. - A gente devia matar o spa amanhã à noite e ir lá.
Anna ficou tensa. "Lá vamos nós de novo".
- Essa não é uma idéia muito boa, Sooz.
- Credo, Anna, eu posso beber Red Bull ou coisa pareida. Acabei de sair da reabilitação -
acrescentou Susan, para deleite de Sam
Arma queria que Susan tivesse guardado esse último comentário para ela mesma. Houve
uma época em que Susan era ainda mais reservada do que Anna.
- O que é que está pegando? - perguntou Sam, perebendo a reação de Anna. - Metade das
pessoas que eu conheço está na reabilitação. A outra metade acaba de sair.
- Ela olhou pelo retrovisor lateral e depois passou suavemente para a pista de entrada.
Um exagero, obviamente, mas Anna pensou que era bem característico de Sam tomar uma
atitude tão otimista.
- Eu que o diga - concordou Susan. - E aí, pronta pra uma rapidinha nos dados e nos
homens, Sam?
Os olhos de Sam fulminaram Anna, depois voltaram à estrada. Ela sentiu o desconforto de
Anna com o fato de a irmã ficar num ambiente tão ensopado de álcool como um cassino.
- Sabe como é, Susan, só vamos ficar pelo spa. As pessoas se matam para conseguir uma
reserva no V. Você devia aproveitar. E as massagens são incríveis.
- Dá pra conseguir uma boa massagem em qualquer lugar. - Susan se inclinou para a frente
e puxou uma mecha do cabelo de Anna. - Vamos lá. Vamos nos divertir. Vai te
ajudar a tirar o Cara das Flores da cabeça.
O estômago de Anna se revirou. Tarde demais, ela percebeu que devia ter dito à irmã para
não falar nada de Ben ou Adam para Sam - porque Sam parecia ser estranhamente
obcecada pela vida amorosa de Anna.
Nos velhos tempos, ela podia ter contado com a discrição de Susan. A discrição daquela
época não estava mais no vocabulário da irmã.
- Cara das Flores? - ecoou Sam.
- É, é uma doideira - disse Susan a Sam. - O cara mandou centenas de rosas para Anna.
- Adam Flood? - supôs Sam.
- Ben qualquer coisa - completou Susan. - Ouvi dizer que é um babaca.
- Ben? - ecoou Sam, incrédula. Ela desviou os olhos da estrada e olhou para Anna. - Pensei
que vocês tivessem terminado. Ele te mandou flores de Princeton?
- Hmmm ... ele ainda pode estar em Los Angeles - murmurou
Anna, tentando desesperadamente pensar numa forma de mudar de assunto sem parecer
óbvia. Agora Sam agarrava com força o volante e olhava diretamente
para a frente.
- Acho que ele quer voltar com você.
Anna deu de ombros. Sam parecia levar isso muito a sério ela não tinha idéia do motivo.
Era só por causa da Cammie? Ela decidiu mudar de assunto.
- Vamos falar do nosso filme, tá legal? Posso ler pra você...
- Anna foi inteligente em dar o fora nesse cara. - Susan forçou a barra, aparentemente sem
perceber o desconforto da irmã ou talvez por isso mesmo. - Os galinhas são uns merdas.
- É- ecoou Sam. - Você fez bem em dar o fora nele.
"Mas... não foi ontem mesmo que Sam falou que Ben era um cara ótimo?" Anna pensou em
lembrar Sam disso. Mas não o fez.
- Se as duas não se importam, eu realmente prefiro não falar dele. Nem do Adam. Nem de
nenhum outro cara, aliás.
Susan riu.
- Está brincando, né?
- Não. Falo sério. No momento não estou nada interessada em homens.
O coração de Sam deu um salto. "Anna não está nada interessada em homens?" Será que
estava mandando um sinal a Sam? Ou era só a imaginação febril de Sam? E mesmo que
estivesse mandando um sinal, Sam não tinha muita certeza do que devia fazer com isso.
Sam nunca pensava muito no passo seguinte. Será que deveria ficar sozinha com Anna num
canto escuro e avançar? A idéia era esquisita demais para
sequer pensar nela. Sam estava ficando fora de si. O que precisava era de mais
informação.
- Então no que está interessada, hein? - perguntou Sam, da forma mais casual que pôde.
- Em nosso filme - disse Anna a ela. - E em mim. Pra variar.
Ah. Então foi isso que ela quis dizer. Sam sorriu de alívio. Ainda não estava pronta para
chegar lá. Ainda.
- Por mim, tudo bem.
Susan assentiu.
- Se importa se eu fumar? - perguntou a Sam.
- Os pulmões são seus - disse Sam a ela.
Susan colocou um cigarro entre os lábios, acendeu e abriu
um pouco a janela.
- Esquentar o banco de reservas é uma idéia desagradável
até pramim.
Sam girou, quase esbarrando no próprio ombro.
- O que foi que você disse?
- Eu não culpo a Anna - disse Susan, fazendo uma careta e exalando um anel de fumaça. -
Quem quer ser o reserva de outra pessoa? Primeiro veio a Cammie, depois a Dee.
Sam empalideceu. Dee nunca falou claramente que tinha ficado com Ben.
- Dee?De jeito nenhum. Não consigo acreditar que Ben... Como poderia...? E depois te
mandar flores suficientes para cobrir a Parada das Rosas ...
- Ben é... - Anna parou. Estava prestes a dizer a Sam o que tinha acontecido com ela e Ben
na véspera de Ano- Novo.
Mas ela já havia falado disso com Susan. Será que tinha que envolver Sam? Anna pensou
na mais próxima e mais querida amiga de Sam - Cammie Sheppard, uma garota que Alma
tinha certeza absoluta de que meteria uma estaca no seu coração
e daria gargalhadas enquanto sangrasse. Que dirá seu coração das trevas.
E no entanto Anna realmente queria ter uma amiga em LosAngeles. Ela precisava de uma
amiga em Los Angeles. Sam era a única candidata ao cargo. Anna pensou em sua longa
amizade com Cyn em Nova York. Cyn definitivamente tinha amigas que Anna não
suportava, mas Anna achava que isso não depunha contra ela. Por que para Sam o padrão
seria diferente?
- Hein? - insistiu Sam.
- Ah, conta pra ela - disse Susan. - Sei que nossos pais são o rei e a rainha do Fique de Boca
Fechada o Tempo Todo, e nenhum dos dois é feliz.
"Talvez Susan tenha razão", pensou Anna. "Além disso, eu não fiz nada de medonho."
- Sam - começou Anna -, gostaria que você não contasse a Dee e Cammie o que vou te
dizer agora.
Sam riu.
- Eu não conto a elas nem o que acontece na minha vida, ainda mais na sua.
Então Anna informou Sam, indo até a desculpa ridícula de Ben por ter abandonado Anna
para salvar a vida de uma elebridade misteriosa que era amiga dele.
- E isso - concluiu Anna - é toda a historinha sórdida.
Na verdade, não era. Ela deixou de fora detalhes sobre o que tinha - ou não tinha -
acontecido no barco logo depois da meia-noite. O status de sua virgindade era uma coisa
que ia continuar privada.
- Meu Deus - sussurrou Sam. - Um filme e tanto.
- Sei que Ben é seu amigo, Sam. Mas talvez você não o conheça tão bem como pensa.
Minha teoria é que ele só me quer de volta porque eu caí fora.
Sam pareceu pensativa.
- Talvez.
- Talvez? - repetiu Anna. - Você não acreditou nessa história, né?
- Bom, ele conhece um monte de atrizes - disse Sam enquanto o centro de Palm Springs
finalmente aparecia a distância. - Metade das garotas da Warner Brothers eram da Beverly
Hills High.
Susan chegou para a frente no banco.
- Então de quem ele é amigo?
- Deixa ver. .. - Sam mordiscou o lábio inferior. - Fomos na festa de Natal da House of
Blues no ano passado e ele foi com aquela garota do Smallville, não lembro o nome dela.
- Desculpe, não vejo muito TV - disse Anna.
- Tudo bem. Estou tentando pensar em mais alguém... - refletiu Sam.
- Alguém que ninguém acreditaria que é drogada - acrescentou Susan ansiosamente.
Anna não conseguia acreditar. Sua irmã havia estado na festa de aniversário de 18anos da
princesa de Jarudi representando sua mãe, Jane Percy, porque a rainha tinha ido para o
internato com Jane. Ela se sentou no camarote real no torneio
de tênis de Wimbledon. E agora Susan estava brincando de adivinha-quem -é-a -
celebridade-drogada -de- Ben?
Talvez fosse alguma coisa na água da costa oeste.
- Tá legal. Pouca gente sabe disso - começou Sam, a voz baixa apesar do fato de só as três
estarem no carro. - Mas depois que Ben e Cammie terminaram, uma certa atriz muito
famosa... ela estava num seriado que todo mundo sempre via e se casou com um certo ator
muito famoso... ele é louco por ela... conheceu o Ben numa festa. Ela teve uma briga com o
marido porque achava que ele estava fumando maconha, então ela foi à festa sem ele. Ela
não sabia que Ben ainda estava no segundo grau. Uma coisa levou à outra ...
- Como você sabe disso tudo? - perguntou Susan.
- Pelo amor de Deus, Susan, era a minha festa. E as mesmas pessoas vão estar na festa dos
Steinberg. Dá pra imaginar que ela ficou toda transtornada por Brad fumar bagulho quando
ela é que tem o problema? - perguntou Sam.
- Brad? - repetiu Susan. - Você disse Brad? De Brad...
- Pára. Pode parar por aí - pediu Sam. - Eu nunca dedurei meus amigos. Eu só deduro os
amigos dos outros. A conversa continuou nesse filão. Anna não participou,
mas, certamente, ouviu. E ficou divagando. E se Sam estivesse certa? E se Ben realmente
tivesse contado a verdade?
Não. Isso não importa mais.
"Sim, importa", disse uma vozinha insistente no fundo de sua mente, "porque quando você
dormiu agora há pouco, sonhou com ele."

EU-EU-EU-RECLAMA-RECLAMA-RECLAMA

O V não tinha placa, mas Sam sabia onde encontrar a estrada privativa que levava até a
entrada. Luzinhas brancas brilhavam nos cactos junto às laterais da entrada de cascalho. Era
o primeiro sinal de civilização. Depois elas fizeram uma curva fechada e encostaram numa
guarita. Um homem corpulento de uniforme cáqui saiu. Não havia nada ali que
identificasse o spa Veronique. Na verdade, Anna pensou que parecia mais a entrada de um
retiro de uma milícia de direita.
- Boa noite, senhoras - disse ele. - Nome, por favor?
- Sam Sharpe - disse Sam a ele.
- Um momento, por favor, srta. Sharpe. - O homem de cáqui voltou à guarita e digitou
furiosamente em um computador, depois saiu novamente. - Está sendo aguardada,
srta. Sharpe.
Ele apertou um botão em seu beeper. De repente a estrada que passava pela guarita foi
iluminada de um emocionante branco e laranja, e um portão que bloqueava o caminho se
abriu automaticamente. Dois minutos depois, elas chegavam a uma grande construção
sobre colunas que era meio parecida com a Casa Branca. Três belos homens vestindo
camisas de golfe cáqui e azul-claras entraram em ação, abrindo portas e pegando a
bagagem na mala do Jeep.
- Srta. Sharpe, srta. Percy e srta. Percy, bem-vindas ao Veronique - disse o mais velho
deles, que tinha bochechas proeminentes. - Levaremos sua bagagem para as suítes. Srta.
Sharpe, aqui estão seus cartões.
O empregado passou a Sam os cartões para os quartos.
- Não tem registro? - perguntou Anna a Sam.
- O V tem um arquivo de todos os hóspedes e prepara os empregados. O registro é feito por
telefone. E não dê gorjeta.
É cobrada na conta.
Anna se espreguiçou, rígida da longa viagem, maravilhada com o frio que fazia - a
temperatura não podia estar acima de sete graus. Depois ela se lembrou de que estavam no
deserto em pleno inverno.
- Muito bem, tudo pronto - prometeu o empregado.
- Entrem e se aqueçam. E não se preocupem, a previsão do tempo para amanhã é de 21
graus.
As três garotas entraram no saguão espaçoso. O ar estava quente, as luzes, baixas. As cores
na mesa de centro de orquídea selvagem captavam o lavanda claro e o rosa do piso de
mármore e calcário. Obras de arte inestimáveis enfeitavam a.sparedes - Anna reconheceu
um Monet, um Ticiano e um El Greco. Em vez de um balcão de registro, havia um par de
mesas com placas discretas que simplesmente diziam "Assistência aos Hóspedes". Atrás da
mesa, havia um enorme quadro a óleo de uma mulher que tinha de ser a própria Veronique.
Tinha uma forte semelhança com a ex-mulher de Donald Trump.

Susan passou o braço pelo de Anna enquanto elas atravessavam o saguão em direção a uma
porta que levava aos quartos.
- Ah, a vida dos jovens ricos e ociosos. Não temos essa sorte.
- Na verdade temos - respondeu Anna.
- Eu sei disso. Sei mesmo. - Susan apertou a mão de Anna. - Quando eu entrar numa de eu-
eu-eu-reclama-reclama-reclama, bata na minha cara, está bem?
- E você faça o mesmo comigo - disse Anna, abraçando a irmã. - Vai ser divertido, Sooz.
Não passamos um fim de semana juntas há um tempão.
- Srta. Sharpe? - Uma voz com sotaque escandinavo fez com que Anna se virasse. Uma
loura espetacular num simples vestido azul perfeitamente bem cortado vinha na
direção delas.
- Ingrid! - exclamou Sam. - Como você está?
- Feliz em revê-la, srta. Sharpe - disse ela a Sam. Só o crachá que dizia "Ingrid Svenson" e
um V simples monogramado indicavam que a jovem trabalhava no spa. - Desculpe não tê-
la recebido ao chegar. O jantar será servido até as dez no Salão Versalhes, ou podem comer
no quarto, se preferirem. Srta. Sharpe, está na suíte Marilyn, srta. Anna Percy, na suíte
Bette, e srta. Susan Percy, na suíte Rita. - Ela gesticulou para o outro lado do saguão. - Seus
quartos ficam depois do pátio e da piscina, passando por estas portas duplas. Uma
caminhada curta. Ou podemos ligar para Paolo para que traga o carro de golfe aqui.
Antes que uma das meninas pudesse responder, uma voz ele mulher gritou: "Ei, vocês!"
Cammie Sheppard.
Anna ferveu. Que diabos Cammie Sheppard estava fazendo aqui? Ela percebeu que Sam
não pareceu nada surpresa.
Cammie beijou Sam e Susan sem nem encostar as bochechas. Anna, ela ignorou.
- Que ótimo, Susan - exclamou Cammie. - Eu não sabia que você vinha.
- Não sabia que você estaria aqui também - admitiu Susan.
Cammie apontou um dedo brincalhão para Sam.
- Que menina má. Sabe que deve me contar tudo.
- Por acaso Sam também não me contou isso - observou Anna, a voz fria.
Os olhos de Cammie dardejaram para Anna. Ela bocejou.
- Ah. Oi, Anna.
- Quando você planejou tudo isso? - perguntou Anna a Sam num sussurro.
- Cammie, Dee e eu marcamos semanas atrás - admitiu Sam.
- Você não me contou.
- Elas não vão atrapalhar em nada. A gente veio a trabalho, elas vieram por prazer.
- Dee está aqui? - perguntou Anna.
Enquanto as portas duplas se abriram, a voz petulante de Dee respondeu à pergunta de
Anna.
- Uau, oi, meninas! Vai ser muito divertido! Em que quartos estão? Querem jantar?
A cabeça de Anna começou a latejar.
- Preciso desfazer as malas - disse ela. - E precisamos ver o roteiro, Sam.
- Não precisa ser neste exato momento, precisa? - perguntou Sam.
- Anna - suspirou Cammie. - Não dá pra ver que estamos nos esforçando? Esse é nosso
jeitinho de dizer que gostamos de ficar com você.
- Eu realmente não estou com muita fome, então vejo vocês todas depois. Susan? Quer vir
comigo?
Susan deu de ombros.
- Sinceramente? Estou faminta.
- Vamos jantar no pátio - sugeriu Sam. - Aquele garçom gostosão da Dinamarca ainda está
aqui? Qual é o nome dele mesmo?
- Ulrik - respondeu Cammie. - Está aqui, sim, e ele vive para servir. Dia e noite -
acrescentou ela como quem sabe das coisas. - Está trabalhando nesse momento, na
verdade.
Susan virou-se para Anna.
- Importa-se?
Sim, Anna queria dizer. Mas parecia tão ... fútil.
- Faça o que quiser. Está tudo bem.
- Vamos ver o roteiro depois, Anna - garantiu-lhe Sam.
- Tudo bem. Acho que é melhor assim. Vou ter um tempo a mais para reescrever umas
coisas - acrescentou Anna de forma pouco convincente, uma vez que não tinha
certeza de que o que precisava fazer era reescrever. Ela pediu Iicença e pegou o curto
caminho que passava pela piscina até chegar a um prédio de dois andares construído em
tons de ('erra claro com uma fachada de adobe. A dúzia de quartos
no prédio estava listada em ordem alfabética em uma placa de madeira; Anna viu que o
dela ficava no primeiro andar, mais perto das montanhas. Ela passou o cartão de acesso na
máquina de autorização instalada na porta, depois esperou que a luz verde acendesse para
que pudesse entrar.
A sala de estar era toda branca: tapete felpudo, sofá de veludo e poltrona. Um vaso de rosas
brancas estava no meio da mesa de centro. Ao lado dele, havia uma tigela branca cheia de
frutas frescas. Anna foi até o quarto. Em cima da ama branca de dossel, estava pendurado
um quadro de Bette Davis usando um sarongue branco.
Anna foi ao banheiro, também todo branco. Havia uma banheira funda o bastante para
nadar e larga o suficiente para quatro, e um vaso de cristal com pétalas de rosa para colocar
na água, se ela quisesse. No toucador de mármore branco, uma gama de miniaturas de
produtos de beleza, perfumes e óleos, xampus e condicionadores, cada um deles em um
frasco branco com um V dourado. Um bilhete manuscrito
dirigido a Anna e assinado por Ingrid explicava que eram cortesia do Veronique e que, é
claro, todos estavam disponíveis para compra na loja de presentes do spa. Ou Anna podia
encomendar pela TV interativa do quarto.
Anna lavou o rosto com a Emulsão Brilho Suave, cortesia da Veronique. Tinha cheiro de
petúnia e almíscar - enjoativo demais para o gosto de Anna. Ao lado da cama, havia uma
pasta de couro branco com o familiar monograma em V. Anna abriu-a; continha uma
descrição detalhada dos intermináveis serviços que o Veronique oferecia aos clientes.
Ela passou para a seção de massagem - trinta segundos na presença de Cammie e Dee a
haviam deixado tensa. Uma massagem parecia ótimo. Havia uma hidromassagem marinha
mineral. Massagem tailandesa. Massagem esportiva com
óleo de cedro. Massagem de rocha vulcânica quente. Massagem de ilangue-ilangue a quatro
mãos. Quatro mãos? Anna desfez as malas e sentou-se no sofá para pensar num título para
seu roteiro. Exatamente aí ouviu uma discreta batida na porta. Quando Anna a abriu, Dee
estava parada ali, segurando uma garrafa de champanhe e duas taças.
- Posso entrar? - perguntou ela.
A boa educação venceu novamente, e foi por isso que Anna concordou.
Dee entrou e olhou em volta.
- Vau, que lindo. Estou no Madonna. O Madonna é muito colorido. Mas o Bette Davis é tão
calmante. Meio virginal. Sabe como é, todo branco. Não que Bette Davis fosse
uma virgem. Quer dizer, ela foi casada e tudo.
- Eu não sei muita coisa sobre ela - disse Anna, incapaz de entender por que Dee estava lhe
fazendo uma visita. Dee gesticulou para o sofá.
- Importa-se?
- Alguns minutos, tudo bem - disse Anna. - Estou meio cansada. E preciso trabalhar no meu
... - Ela gesticulou para o roteiro na mesa de centro.
- Conheço um herborista que pode dizer por que você está cansada só de lavar seu cabelo -
disse Dee enquanto colocava a garrafa e as taças na mesa de centro. - E aí, estou aqui tipo
com uma proposta de paz.
- Não estamos em guerra, Dee.
- É, mas... - Dee afastou as mechas desgrenhadas da testa. - Sam não te contou que a gente
vinha aqui, né?
Anna foi se sentar na poltrona.
-É.
- A gente sempre vem aqui depois das férias. Sabe como é, meio que uma desintoxicação.
Ah, por falar em desintoxicar, eu soube que a sua irmã acaba de sair da reabilitação. Isso é
bom.
A cabeça de Anna começou a latejar novamente.
- Eu não quero discutir. ..
- Não, tem razão, desculpe - disse Dee rapidamente.
- Sabia que a Cammie fingiu que estava na reabilitação também para que sua irmã se
sentisse melhor? Não é gentil?
Anna não tinha idéia do que Dee sabia sobre a Susan. Não que ela estivesse surpresa. Por
outro lado, conhecendo a Dee, ela podia estar inventando tudo com a mesma facilidade com
que dizia a verdade.
- Duvido que Cammie tenha feito alguma coisa gentil na vida, Dee.
- No fundo, ela é muito legal - insistiu Dee. - Mas depois que a mãe dela morreu, ela ficou
muito dura por fora. Mas onde é que eu estava mesmo? Eu meio que queria me
desculpar. Porque apareci assim, sem avisar.
- Não é culpa sua. Sam devia ter me contado.
- É. Ela sabe que você odeia a gente. Eu sei que você disse que não, mas não admitir sua
raiva é tóxico para o corpo, então eu queria que você simplesmente, sabe como é,
dissesse isso. Mas acho que começamos com o pé esquerdo. Especialmente agora que você
e Ben são parte do passado. E foi por isso que achei que a gente podia fazer um brinde.
Pelo recomeço.
- Não devia ter cuidado com a bebida, Dee? - perguntou Anna incisivamente.
Ah, quer dizer. .. - Dee bateu na barriga. Ela ergueu a garrafa. - Cidra com gás. Sem álcool.
- Ela abriu a garrafa, serviu as taças pela metade e passou uma para Anna. - A
uma nova amizade.
Anna fez um gesto de brindar, depois tomou um gole da cidra.
- Então... foi, legal você ter passado aqui. Mas tenho certeza de que as outras estão sentindo
a sua falta.
Se tivesse lido o Grande Livro É assim que fazemos, edição especial para os bem-nascidos
da costa leste, Dee saberia que "Tenho certeza de que as outras estão sentindo a sua falta"
era um código para "Por favor, saia daqui".
Infelizmente, Dee não era tão bem informada.
Ela se recostou nas almofadas do sofá.
- Não estou mais com fome. Fiz uma drenagem linfática há uma hora e parece errado comer
depois disso. Sabe de uma coisa, você devia pensar em fazer uma sessão de renascimento
comigo amanhã. É tão assombroso. Você entra nua na piscina aquecida...
- Estarei ocupada fazendo o filme com Sam.
O lábio inferior de Dee caiu.
- Ah. Tudo bem. Só pensei que talvez pudéssemos ser amigas.
- Talvez a gente possa, Dee. Vai levar tempo.
Dee assentiu solenemente.
- Meu Deus. Como é ser você?
Anna ficou surpresa.
- Como?
- Quer dizer, você é tão perfeita. Eu fico me perguntando como é ser assim.
- Dee, eu não sou perfeita.
- É sim. Você deve ter feito alguma coisa realmente grande na vida passada para ter tanta
sorte nessa vida. É por isso que Ben está com você e não comigo. Acha que você e Ben
estavam juntos na vida passada?
- Não tenho a menor idéia.
- Pode ser. - Dee bebeu a cidra com gás. - Isso explicaria tudo. É o destino.
Anna pôs a taça de champanhe na mesa de centro.
- Dee. Se quer ser minha amiga, pode pelo menos ser sincera comigo?
- Quer dizer sobre...?- Dee pôs a mão na barriga novamente. Depois desviou os olhos. -
Não quero falar disso.
- Mas você disse que queria ser minha amiga. - Anna decidiu pressionar. Se tinha que ficar
sentada ali com aquela garota bizarra, podia pelo menos tentar esclarecer algumas coisas do
quebra-cabeça enlouquecedor. De certa forma, sua
decisão sobre Adam e Ben tornava isso mais fácil.
- Eu quero.
- Ben me disse que nem tem certeza se aconteceu alguma coisa naquela noite.
Os olhos de Dee ficaram do tamanho de dois frisbees.
- Ele disse isso?
- Não é que ele não se importe com seus sentimentos, ele só bebeu demais naquela noite e a
memória dele não está clara.
Lágrimas encheram os olhos de Dee.
- Então não significou nada?
Tudo bem, a menos que Ben fosse um completo mentiroso, essa garota estava seriamente
biruta.
- Talvez você tenha baseado o que aconteceu entre vocês dois numa coisa que na verdade
não existiu.
Dee piscou rapidamente.
- Vocês dois estão apaixonados. Eu sei disso.
- Eu não estou apaixonada por ele. Acabou tudo. O que quer que seja esse "tudo".
Dee suspirou.
- Sua aura está dizendo outra coisa. Bom, só o que tenho que dizer é que, na próxima vida,
quero voltar como você. - Ela se levantou e andou lentamente até a porta, a cidra esquecida.
Mas que estranho. Será que Dee tinha bebido? Em caso afirmativo, ela precisava parar. E
em caso negativo, talvez ela devesse beber alguma coisa. De preferência alguma coisa
receitada por um psiquiatra. Quando chegou à porta, Dee
se virou.
- Só diga a ele que o bebê e eu não vamos precisar de ajuda financeira. Mas Ben Júnior ou a
pequena Delia definitivamente vão precisar de apoio emocional. - Depois
ela fechou a porta atrás de si, deixando Anna encarando a placa que explicava o que fazer
em caso de incêndio ou terremoto.
Bom, isso protege de desastres naturais, mas o que as pessoas devem fazer numa realidade
alternativa? Enquanto preparava um banho quente, a imaginação de
Anna tomou conta dela. Ese Dee estivesse dizendo a verdade? E se ela estivesse mesmo
carregando um filho de Ben? Anna nunca seria capaz de olhar para aquela criança sem
lembrar de Ben e de toda a dor que causou a ela. Que fardo pavoroso
para uma criança inocente carregar.
Mas enquanto acrescentava espuma de grife ao banho,
Anna se obrigou a desprezar aqueles pensamentos horríveis. Depois de se deitar na
banheira enorme e espalhar preguiçosamente pétalas de rosa na água, era fácil deixar que os
pensamentos vagassem para uma direção diferente. Se havia uma banheira que gritava
"banho para dois", era essa. De certa forma, ela já sentia falta de Adam. Sempre se sentia
ótima quando estava com ele. Mas isso não era motivo para deixá-lo quando desejava outro
cara.
Não. Banho para um definitivamente era uma idéia muito melhor.

SINCERIDADE

Ben se deitou na espreguiçadeira da piscina dos fundos da casa dos pais,bebericando uma
cerveja, olhando para o turvo céu noturno de Los Angeles, turvo por causa da poluição.
Eram quase duas da manhã, mas ele não conseguia dormir. Seu pai havia desaparecido por
aí e a mãe não conseguia parar de chorar. A casa estava um desastre. Na verdade, ele sentia
que tudo em sua vida estava um desastre.
Onde Anna estava agora? Estaria olhando para as mesmas estrelas neste exato minuto? Será
que pensava nele? Provavelmente não, a não ser que estivesse feliz por ter se livrado dele.
Mas mesmo quando pensava nisso, outra parte de Ben sabia que não era verdade. Não
podia ser verdade. Ele conhecia Adam Flood. Até gostava dele - eles jogaram basquete
juntos e Adam tinha lhe dado uma surra. Adam Flood era
um cara legal. Mas Ben tinha certeza de que Adam não podia fazê-La sentir o que ele a
fazia sentir. Se ele não conseguisse falar com ela mais uma vez e explicar realmente...
"Que besteira. Ela tem namorado novo. Você já decidiu deixá-La pra lá, cara. Então dá um
tempo."
Ben tomou um susto tão grande quando o celular tocou que quase deixou cair a Heineken.
-Alô?
- Oi. Eu estava sonhando com você. - Ninguém mais no mundo tinha essa voz sombria e
rouca.
- São duas da manhã, Cammie - disse Ben, cansado.
- Não, eu estava mesmo - disse Cammie.
- Não quero saber disso.
- Quer, sim. A gente nem estava na cama.
- Mas que surpresa.
- Muito engraçado. Olha: você era advogado e estava na argumentação de um caso na
Suprema Corte dos Estados Unidos. Eu estava na galeria, te vendo. E estava tão orgulhosa!
Ben realmente olhou para o telefone, como se fosse magicamente
capaz de ver Cammie através dele.
- Isso foi ... legal, Cammie - disse ele, uma vez que não
conseguia pensar em nada melhor.
- É - disse ela de um jeito tristonho. - Foi.
Tudo bem, Cammie estava tramando alguma coisa. Ela
era uma garota calculista. Ben tomou um gole contemplativo
da cerveja.
- O que você quer, Cammie?
- Devo ser sincera?
- Claro - disse Ben.
- O que eu quero é... um novo começo. Para nós.
- Qual é, Cammie - repreendeu-a gentilmente. - Não existe mais nenhum "nós" e você sabe
disso.
- Pode haver. Tem idéia de como eu lamento? Que tanta coisa tenha dado errado?
- Eu lamento também, Cammie, mas ...
- É por causa da Anna? - perguntou Cammie.
- Nós terminamos antes de eu conhecer a Anna, Cam.
Mas por quê? - gemeu Cammie.
Ben podia ouvir as lágrimas na voz dela. Era tão diferente da Cammie fria como iceberg
que ele conhecia. Este lado terno e vulnerável era um aspecto que ela mantinha bem
escondido. O que tornava muito mais difícil dizer a ela que
realmente acabou, para sempre.
- Nós dois nos afastamos, Cammie - disse ele por fim.
- Mas se você não tivesse se apaixonado pela Anna, a gente ficaria junto novamente no
casamento do Jackson. Eu sei disso.
- Foi por isso que você rasgou metade do vestido da Anna naquela noite?
- Eu nunca teria feito aquilo se não quisesse você. Você devia considerar um elogio. Nós
realmente temos que conversar, Ben. Pessoalmente. Então por que não vem até
aqui?
-Aqui onde?
- Estou no spa Veronique. Sabe onde fica, em Palm Springs. A gente pode andar pelo
deserto. Ou colocar uma placa de Não Perturbe na porta e ficar na cama o dia todo. Eu sei
de tudo o que você gosta, Ben. Sei exatamente como deixar seu fogo aceso ...
Cammie estava enrolando a língua. Isso explicava tudo.
- Cammie, você andou bebendo?
- Um pouco de vinho, só isso.
Ben tomou outro gole de cerveja.
- Cammie, eu agradeço muito pelo convite, mas...
- Você viria se a Anna estivesse aqui?
Isso atraiu a atenção de Ben.
-Ela está?
- Não - disse Cammie rapidamente. - Ela não está
aqm.
- Isso não importa - disse Ben com tristeza. - Ela me deu o fora. Eu fiz umas idiotices. Tive
o que merecia.
- Que idiotices? Tipo o que aconteceu na véspera de Ano-Novo?
Ben estremeceu.
- Como sabe disso?
- Como se houvesse algum segredo em Beverly Hills. Eu sei quem era a mulher, aliás.
- Que mulher?
- Aquela que derrubou a Anna no Ano-Novo. Ela ia adorar saber.
-Cammie ...
- O nome é L-o-v-e, não é? Você a conheceu no verão passado, quando sua mãe levantou
recursos para o CedarsSinai. Você me contou tudo, lembra? A imagem pública de pura-
como-a-neve e os medonhos hábitos pessoais dela. Os versos que ela pôs na capa do
primeiro CD que ela fez.
- Que desperdício para ela quando o filme dela afundou. Você disse
que ela era uma caipira texana.
- Eu não disse isso, Cammie.
- Ben, me conta a verdade. Quando estávamos juntos, você me traía com ela?
- Ah, qual é, sem essa.
Ben se levantou e foi para a piscina. Ele estava descalço, então se sentou na beira e
mergulhou os pés na água aquecida.
- Primeiro, eu nunca disse nada dessas coisas sobre ela.E nunca dormi com ela. Somos
amigos, é só isso.
- Esse é o código de Beverly Hills para "Eu transei pra caramba com ela mas estou sendo
discreto".
- Cammie, pode pensar o que você quiser. Eu não dormi com ela.
Ben ouviu Cammie suspirar.
- Teria sido mais fácil se tivesse. Então pelo menos eu ia entender por que você terminou
comigo. Qual é, Ben. - A voz dela estava baixa, sensual, hipnótica. - Venha para o deserto.
A noite está gloriosa aqui. Por um instante Ben ficou tentado pela cabeça abaixo da cintura.
Do ponto de vista puramente físico, nunca houve ninguém como a Cammie. Uma noite com
ela podia abafar a dor que estava sentindo por causa de Anna. Mas não. Esse seria apenas
mais um erro para acrescentar a um monte deles.
- Desculpe, Cammie. Não posso dar o que você quer.
Ele a ouviu chorar - uma coisa que nunca ouvira dela antes -, depois ela desligou. Ele
mergulhou na piscina, depois subiu à superfície e boiou de costas, tentando escolher
uma constelação - qualquer constelação - no céu noturno. Procurou por um longo tempo.
Mas o que estava procurando não podia ser encontrado nas estrelas.

UM FATO CIENTÍFICO

Enquanto a luz ocre da manhã escorria pela janela, Anna deu uma lida nas novas páginas
do roteiro. Ficou acordada a noite toda revisando e tinha bolado um título perfeito:
Tripolar. A reescrita melhorou enormemente o texto, mas ela ainda não
sabia se o que tinha escrito era realmente bom.
Os três personagens foram renomeados: a mulher era Nina, os dois homens eram Dan e
Mike.
Depois de ter lutado uma eternidade com o diálogo - e decidir às três da manhã que seus
personagens falavam como se tivessem saído de um romance como aqueles Julia e Sabrina
- Anna fmalmente preferiu escrever três monólogos que podiam ser intercalados, em que os
personagens falavam diretamente para a câmera.
A família de Dan havia ganhado recentemente uma montanha de dinheiro no mercado de
ações; Mike vinha de uma família da elite aristocrática de Boston. Para Nina, Anna
decidiu se concentrar em quem era e no que queria, em vez de em sua formação familiar.
Numa tradição gatsbyana clássica, aquelas esperanças e sonhos entraram em conflito direto:
o desejo de ter uma grande família ou uma grande carreira, uma vida simples ou um monte
de dinheiro, viver uma longa vida, mas que envolvesse assumir riscos físicos e assim por
diante.
Os três monólogos também podiam ser usados como falas em off para o filme que deveriam
rodar.
"Provavelmente é um saco", pensou Anna quando se levantou. Hora de encarar a Sam. Ela
mandou uma cópia para Sam de manhã cedo; elas concordaram em se reunir no pátio às
onze para conversar sobre o roteiro.
Quando Anna chegou no pátio ao lado da sala de jantar, Sam já estava na mesa ao sol,
bebendo uma xícara fumegante do que ela disse ser chá Curativo Flora BIJA. Ela usava
uma camiseta stretch Pucci num turbilhão de cores primárias e jeans Seven. Sua
maquiagem estava perfeita como sempre, e era óbvio que Sam tinha feito escova no cabelo
pela manhã no salão do spa.
Um garçom apareceu quase imediatamente. Anna pediu uma limonada enquanto Sam dizia
que Susan tinha ido a algum lugar com Cammie e que Dee estava fazendo uma
aula de ioga.
- Parker já chegou - disse Sam, indicando o bar ao ar livre. Anna o viu ali com uma mulher
de meia-idade bem conservada que usava um hibisco rosa atrás de uma orelha. A cor rosa-
shocking combinava com o suéter felpudo, tão pequeno que fazia com que os peitos dela
parecessem armas letais.
- Que pena que não podemos colocar isso no filme - disse Sam enquanto a mulher mais
velha se aproximava de Parker com um desejo mal disfarçado nos olhos. - A
Chick é um clássico: criada no Simi Valley... casada com um magnata da indústria da TV...
chegou até esse status na maior mordomia.
Anna olhou para seu roteiro - estava em cima da mesa, ao lado da xícara de chá de Sam.
Sam falava de tudo, menos dele. Não era um bom sinal.
Anna bateu o dedo na capa.
- Você detestou.
Sam sorriu por trás dos óculos de aviador Gucci.
- Você está nervosa! Não pensei que um dia te veria nervosa.
- Bom, aproveite. - Anna cruzou os braços. - E aí?
- Tá legal, tá legal. O que você escreveu é bom.
Anna se espantou com o fato de o elogio ter agradado tanto.
-É mesmo?
- Não é ótimo - alertou Sam. - Vamos fazer umas mudanças de última hora nos diálogos
antes de rodar, é laro. Mas já dei os monólogos de Parker e Dan para que
trabalhem nele, então isso diz alguma coisa. Está vendo o ara falando com Monty no bar?
Com o queixo quadrado e abelo curtinho? É Jamie Cresswell. Acho que os ancestrais dele
vieram no Mayflower ou coisa assim.
- Como sabe disso?
- Porque ele me disse hoje de manhã quando comíamos omeletes de clara de ovo. Ele nunca
atuou em nada, mas tem uma banda de rock. Eu disse as palavras mágicas... Jackson
Sharpe... e depois, para ele aceitar, disse que meu pai está
procurando por um grupo sem contrato para fazer uma participação pequena no novo filme
dele. De repente ele ficou todo animadinho para interpretar o Mike.
- Éverdade? - perguntou Anna. - Sobre seu pai estar procurando uma banda desconhecida?
- Francamente. - Sam agitou a mão, rejeitando a idéia. - Meu pai não lida com esse tipo de
detalhe. Eu inventei tudo, mas foi por uma boa causa. Então vou trabalhar com
os atores hoje à tarde e vamos rodar à noite com as deixas em cartões, cortesia de Monty e
um pincel atômico. Vai ser moleza cortar na ilha de edição. Obrigada por facilitar nossa
vida.
Anna se sentia ótima. Quem teria previsto que ela se tornaria roteirista? Os professores dela
sempre disseram que tinha talento. Ela se lembrava de um professor de inglês
particularmente bom no ensino fundamental que insistia com Anna para que ela "se
soltasse" quando escrevesse. Bom, talvez ela finalmente tenha aprendido a fazer
exatamente isso.
- Quem vai fazer a Nina? - perguntou Anna.
- Que tal... você? - sugeriu Sam.
- Definitivamente não.
- Eu tinha que arriscar. Eu adoraria que Susan fizesse, então.
- O risco é maior ainda - disse Anna. - Ela nem deixou que tirassem uma foto dela para o
livro do ano do Trinity.
- Então vai ter que ser a Dee - alertou Sam. - A não ser que você mude de idéia sobre a
Cammie.
- Não. - Anna foi enfática. - A Cammie, não. Qualquer uma, menos a Cammie.
- Por falar nisso, tenho uma confissão a fazer. Eu falei com a Cammie e a Dee sobre Ben ter
te largado no Ano Novo.
Anna mal piscou. Na verdade, ficou tão tocada com a sinceridade de Sam que quase sorriu.
- Tô boba.
- Tá legal, então você pensou que eu faria.
- Digamos que a possibilidade passou pela minha cabeça.
- Otimo. Neste caso, não pode ficar puta comigo.
- Quem está puta? - perguntou Anna. - Não ligo que elas saibam, e ligo ainda menos para o
que pensam.
- Cammie disse que sabe quem era a mulher.
- Sam, pare enquanto está por cima, tá bem?
Sam pegou um pãozinho que estava num prato em cima da mesa e deu uma mordida,
pensativa.
- Como se você não quisesse saber.
- Não quero - insistiu Anna.
- Não sei se acredito em você - disse Sam. Ela pôs a mão no roteiro de Anna como se fosse
a mão da própria Anna. - Mas você tem firmeza de opinião.
Ela bebeu um gole do chá e fez uma careta, depois afastou
a xícara para a beirada da mesa.
- Eca. Nunca mais vou pedir isso. Olha, eu sempre gostei do Ben. Mas sua irmã está certa.
Ben é um galinha. Você merece coisa melhor. Alguém mais meigo, que realmente vá te
entender. E tão inteligente quanto você também.
- Se quer dizer Adam, eu já te falei. Não é interessada em homens no momento, Sam.
Sam passou um dedo contemplativo no ferro filigranado da mesa.
- Engraçado, porque eu estou começando a sentir a mesma coisa. Às vezes acho que os
homens são uma merda. E depois que conseguirem a clonagem, os homens ficarão
obsoletos. Já imaginou como a vida seria mais fácil se todas as mulheres mais legais fossem
gays?
- Na verdade, não - respondeu Anna. Essa era uma conversa muito esquisita. - Não acho
que seja uma coisa que se possa escolher.
Sam deu de ombros.
- Não estou dizendo que é uma coisa que se possa fingir, mas é um fato científico que todos
somos inerentemente bissexuais. É algo a se pensar. ..
Provavelmente não. No momento Anna tinha uma ou duas coisas mais prementes em que
pensar do que sua própria bissexualidade latente. Hora de mudar de assunto.
- E aí... qual é o próximo passo?
- Muito bem. Vou pedir ao gerente para fazer mais cópias do seu roteiro. Depois vou fazer
umas anotações. Eu ligo para o seu quarto quando estiver pronto - prometeu Sam.
- Parece um bom plano - disse Anna.

DR. FRED
Sam digitou o número já conhecido em seu celular e andou enquanto ele tocava. "Atende,
atende, atende", murmurou ela a meia voz. A conversa que acabara de ter com Anna tinha
sido muito estranha. O tempo todo ela teve que se esforçar
para olhar para o queixo ou a orelha de Anna. Porque ela ficou tão obcecada com a boca de
Anna, que foi preciso toda a concentração do mundo para não olhar para ela. Sam não
estava pensando no filme que estava prestes a rodar. Não estava pensando em nada a não
ser na boca de Anna. Como era sábado, ela ligou para a casa do dr. Fred. E embora fosse
verdade que tenha demitido o psicoterapeuta alguns dias antes, Sam sabia que ele ia ficar
encantado em tê-la de volta. O dr. Fred podia ser famoso, com seu próprio programa de
televisão, mas o pai de Sam o ajudara a chegar lá contratando-o como o psicanalista dela.
Ela era uma de suas clientes filhas-de-celebridade, e Jackson Sharpe tinha sido um
dos primeiros convidados do programa dele. Os honorários iam à estratosfera. Logo, ele
devia muito a ela.
- Alô? - Sam reconheceu a voz dele, com as vogais distintamente abertas do meio-oeste.
- Dr. Fred? É Sam Sharpe.
- Sam! Que bom te ouvir!
"E aí ele volta se arrastando", pensou Sam. "Sem outros 'não ligue para a minha casa' ou
'espere até a próxima sessão". Eu sabia.
- Como você está, Sam? - continuou o dr. Fred. - Andei preocupado com você o ano todo. É
claro que o ano começou há alguns dias. - Ele riu da própria piada sem graça.
Sam pensou na melhor abordagem para fingir que não o havia demitido.
- Estou em Palm Springs com umas amigas. As coisas estão esquisitas.
- Como assim?
- Bom, tem uma garota aqui. O nome dela é Anna. Ela é uma nova amiga.
- Sim?
- Ela é de Nova York. Inteligente. Linda. Rica.
- Sim?
- Ela é maravilhosa. E talentosa. Estamos trabalhando num filme para nossa aula de inglês.
E ela disse que escreveria o roteiro para ele. E eu pensei: "É, tá legal. Vai em frente.
Escreva seu roteiro. Mas vai ser tão chato que é melhor eupreparar um roteiro de reserva só
pra garantir."
- E?- insistiu o dr. Fred.
- Ela escreve bem mesmo. O roteiro era melhor do que o meu. Bem, talvez.
- Disse a ela como era bom?
Sam hesitou. Ela e o dr. Fred trabalharam no ciúme de Sam por algum tempo. O dr. Fred
ficaria muito decepcionado se soubesse que Sam tinha dito a Anna que o roteiro era bom e
"não ótimo".
- Na verdade, não.
- Sam, só porque Anna é boa em alguma coisa não quer dizer que você não seja. Não há
limites para quantas pessoas podem ser boas em alguma coisa.
- Tá legal, vou trabalhar isso - disse Sam, dispensando o conselho. Tinha um problema
maior para resolver. - Mas não foi por isso que eu liguei. Liguei porque não consigo parar
de pensar nela.
- Pode ser mais específica, Sam?
- Tipo assim... eu quero beijá-Ia - confessou Sam, diminuindo o tom da voz.
- Interessante.
- Não, não é interessante - rebateu Sam. - Eu disse: as coisas estão esquisitas.
- Tudo bem, então você gostaria de beijar essa amiga nova - respondeu o dr. Fred. - Como
isso é esquisito?
- Me deixa lembrar você de novo - disse Sam lentamente. - Ela é uma mulher.
- Então, você está preocupada que tenha impulsos sexuais voltados para essa jovem?
- Não é que eu queira ir para a cama com ela - insistiu Sam, o coração aos saltos. - Eu só
queria beijá-la. É meio como em Beijando ]essica Stein, sabe qual é?Quando a garota
hétero pensa que se sente atraída por uma mulher, mas na verdade ela é hétero e no fim ela
termina com aquele cara ótimo.
- A-hã - murmurou o dr. Fred. - Só que no filme a garota hétero realmente se sente atraída
pela garota gay. Sua nova amiga Anna é gay?
- Não. Talvez. Não sei. Ela me disse que está dando um tempo dos homens. Isso quer dizer
que ela pode ser gay. Ou pelo menos bi.
- Ou só quer dizer que alguma coisa aconteceu na vida dela que a fez querer dar um tempo
de homens e se concentrar
em si mesma, para variar. Acho que você se sente ameaçada por este impulso - supôs o dr.
Fred.
- Não. Não mesmo. Por que estaria? Não é tão incomum, é? Ou estou totalmente fodida?
- Todos nós temos de nos lembrar de que nosso valor pessoal não é determinado por nossa
sexualidade - declarou o dr. Fred. - Você tem repetido suas afirmações?
O dr. Fred e a porcaria das afirmações dele. Ele chegou a ter uma nova linha de cartões de
apresentação com aquelas malditas afirmações. Eu crio minha própria realidade. Sou um
perfeito ser de luz. Eu escolho ser feliz agora.
- Não. Elas são idiotas.
- Como se você tivesse bom senso para dizer isso. Tudo pode ter a ver com o seu pai, Sam.
E sua hostilidade em relação a Poppy. Por ora, diga suas afirmações e pratique aqueles
exercícios respiratórios que eu te passei. Não seja tão dura consigo mesma.
consIgo mesma.
- Tá, tá, tá - grunhiu Sam.
- Posso agendar uma consulta para você no seu antigo horário da quarta-feira - prosseguiu o
dr. Fred. - Posso te esperar?
- Tá - disse Sam, de má vontade. Pelo menos o Dr. Fred a ouvia.
- Excelente. E, Sam, sentir uma coisa e agir de acordo com o que sente são coisas
diferentes. Lembre-se disso.
Sam desligou e se esparramou na cama de bétula sueca, diretamente abaixo do delicioso nu
a óleo de Marily Monroe. Não se sentia menos ansiosa.
- Sentir uma coisa e agir de acordo com o que sente são coisas diferentes - murmurou ela
para si mesma. Mas isso não a fazia se sentir melhor.

ALÔ?

- De acordo com Cammie, os coquetéis de sábado do V ao pôr-do-sol são desprezíveis -


disse Susan a Anna. Elas estavam no quarto de Anna, onde Anna estava se vestindo para a
festa. Susan já estava pronta: trocou o preto do Lower East Side por uma blusa de tricô de
seda vermelha com gola rulê Patricia Field justinha, calças de veludo quadriculado Chanel
e sandália vermelha de salto alto e tiras Miu Miu. Na verdade, a roupa parecia alguma coisa
que Cammie vestiria.
- Desprezíveis por quê? - perguntou Anna enquanto ia ao banheiro para escovar o cabelo.
- Evidentemente não há homens héteros o suficiente pura todas, então a festa é a maior
disputa de mulher a oeste de Mississippi.
- Cammie sempre vem com essa. As mulheres não vão spas para transar - gritou Anna para
a irmã pela porta entreaberta. - Vai ver que fazer compras demais fritou o
cerebro dela.
Anna sabia que Susan e Cammie tinham passado a tarde em um shopping de ponta-de-
estoque perto da via expressa. Elas passaram por ele quando vinham para a cidade: era do
tamanho de um pequeno parque temático e tinha todas as
grifes, de Armani a Zou Zou.
- Como você sabe como são os coquetéis em spas? Sempre que íamos a um spa com a
mamãe, você ficava com a cabeça enfiada num livro. - Susan abriu a porta do banheiro e
enfiou a cabeça para dentro. - Não vai usar maquiagem nenhuma?
- Não gosto de maquiagem.
- Jane Percy Júnior - caçoou Susan. - E aí, qual é a do Parker Pinelli? Eu o conheci hoje à
tarde.
- Bonitinho, legal, meditativo, não muito brilhante - disse Anna. - Se você mudar de idéia e
fizer o papel de Nina no nosso filme, vai poder descobrir sozinha.
Susan se espreguiçou.
- Posso descobrir de qualquer forma. E não ligo para o QI dele. Não é na cabeça dele que
estou interessada.
- Ele ainda está no ensino médio, Sooz. Se você não fizer a Nina, vai ter que ser a Dee.
- Eu nem gosto que tirem foto minha, Anna. Você sabe disso.
É verdade.
- Tá legal. Vai ser a Dee, então. Pode me trazer o telefone? - Anna se lembrou de que tinha
de verificar com Brock Franklin sobre a festa dos Steinberg e ver a que horas ele
queria que ela o pegasse. - E o número do hotel de Brock... está na minha bolsa.
- Brock é um completo babaca. Lembra da minha amiga Alexandra Moir? - gritou Susan,
depois apareceu com o telefone de Anna e o número de Brock. - Aquela que
namorou ele?
- Achei que você é que tinha namorado Brock.
- Uma vez. Mas ela ficou com ele por uns dois meses. Lembra dela?
- Tinha cabelo ruivo e sardas bem bonitinhas, né? - disse Anna.
- É. O pai dela é dono de metade do Lower Manhattan. seu novo amiguinho, o Brock, traiu
Alexandra com uma rarota do Wesleyan que conseguiu uma matéria na Granta, aquela
revista literária.
- Eu não estou namorando Brock. Ésó trabalho. - Anna se sentou na borda da banheira e fez
a chamada. - Ele já havia se registrado, mas não estava no quarto. Então ela deixou um
recado lembrando Brock de que ela era irmã de SusanPercy e gostaria de se encontrar com
ele no hotel na tarde seguinte, às quatro horas, antes da festa dos Steinberg.
- Quais Steinberg? - perguntou Susan. - Os velhos ou os novos?
- Acho que os novos. Sei que eu devia saber quem são, mas eu não sei.
- Eles são simplesmente o casal de vinte anos mais poderoso de Hollywood. Ele dirige, ela
escreve e produz. Os Steinberg velhos fazem filmes tipo ... ah, deixa pra lá. Você nem liga.
- Sinceramente? Não muito.
- Não seja tão esnobe, Anna. Existem filmes americanos que são realmente bons. Vamos
ver um quando voltarmos a Los Angeles. Por que não me contou antes que a festa era essa?
Eu adoraria ir!
- Viu como isso se resolveu bem? - perguntou Anna alegremente. Ela pegou um cordão de
couro para prender o cabelo.
- Ainda depreciando a realidade, pelo que vejo - observou Susan.
Anna deu de ombros.
- Fico à vontade assim.
- O conforto é superestimado. - Susan se esticou, revelando a barriga. - Meu Deus, o que é
um coquetel sem álcool?
- Se você acha que não pode lidar com isso, fique aqui. Por que encarar a tentação?
- Escondida no meu quarto? - escarneceu Susan. - Sem tentações, a vida é um tédio.
Enquanto Susan ia até um espelho comprido para olhar seu corpo inteiro, Anna a analisou
de uma forma diferentc. O que tinha acontecido com ela? Essa era a Susan Percy que falava
quatro línguas fluentemente, que sempre usava as roupas mais caras, simples e de excelente
gosto? Ou era a Susan que se formou em história moderna da Europa e queria acabar com a
fome no mundo? Ou a Susan que morava no prédio sórdido da avenida D, em Nova York,
com drogados recostados na escada dela?
- Foi em Bowdoin - disse Anna categoricamente.
-O quê?
- Que você começou a beber.
Susan afofou o cabelo.
- Ah. Isso. Velharia.
- Aconteceu alguma coisa com você lá, Sooz?
- Eu saí de casa, foi só isso. E decidi viver do jeito que eu queria. Por que você tem que
fazer psicodrama de tudo?
- Havia uma aspereza na voz dela.
- É só que você mudou - explicou Anna. - E eu não sei por quê.
- Talvez você devesse se perguntar por que você não mudou -disse Susan.
- Como assim?
Susan cruzou os braços.
- Você me disse que veio para a Califórnia pra mudar de vida. Só que não mudou nada.
Arma ficou surpresa. Era como se a irmã estivesse partindo para o ataque.
- É só por alguns dias, Sooz.
- É, mas olha quem você está namorando. Adam, o cara legal.
- Legal não é um palavrão, Susan.E além disso, eu terminei com ele.
Susan pareceu surpresa.
- Desde quando?
- Desde que você apontou o erro no meu jeito de escolher alguém seguro - respondeu Anna.
- Parecia mais que eu estava usando alguém seguro. Gosto demais do Adam pra fazer isso
com ele.
- Bom, você não é nenhuma escoteira. E aí, vai voltar com o bad boy?
- Eu só quero ficar sozinha por algum tempo.
Susan riu.
- Nenhuma mulher quer ficar sozinha.
A irritação de Anna explodiu.
- Nem sempre se trata de homem, tá legal? Ninguém te obrigou a grudar com aquele mané
com quem você ficou na faculdade.
Susan fechou a cara.
- Você nem o conheceu. E não faça isso comigo, Anna.
Tá bom, vamos fazer comigo então.
- Posso te dizer exatamente o que vai acontecer. Você vai passar mais ou menos um mês
nessa de "sou mulher" e Adam simplesmente vai ficar por aí de qualquer forma, esperando
que você mude de idéia. Você vai gostar disso... porque vai ter ainda mais poder.
- Meu Deus, você me irrita, Susan! Não foi por isso que eu terminei!
- Minta pra si mesma, se quiser - disse Susan alegremente. - Mas não pra mim. Com ele,
você mandava no show. Anna chama, Adam vem. Literal e figurativamente.
- Que baixaria - disse Anna.
- E verdadeira. Mas o que acontece quando você não está no controle? O que acontece?
Eu sei exatamente o que acontece, pensou Anna. Acontece Ben.

Quando Anna e Susan chegaram, a festa já estava a todo o vapor. Enquanto um quarteto de
cordas tocava Mozart, os privilegiados e lindos se misturavam. Parker e Dee estavam na
mesa com uma ruiva linda; Anna pôde ver uma cópia de seu roteiro na frente deles. Ela deu
uma olhada no bar: a mulher de meia-idade que tinha dado em cima de Parker mais cedo
estava segurando um drinque alto, atirando flechas imaginárias para ele. Perto, Sam estava
imersa numa conversa com Jamie Cresswell, o cara que ela escolhera para interpretar Mike.
Monty Pinelli segurava uma câmera de vídeo portátil de alta resolução e falava com uma
das gerentes do spa.
Quando Susan e Anna se aproximaram, Parker levantou-se para recebê-las. Ele beijou Anna
no rosto, apertou a mão de Susan calorosamente e depois foi procurar duas cadeiras. Um
minuto depois ele as estava apresentando à linda ruiva, cujo nome era Prima McNaughton.
Ela estava de visita, vinda do Texas com os pais. Prima tinha um tique incomum. Sempre
que Parker olhava para ela, ela se inclinava o bastante para que seus seios massageassem o
braço dele.
Susan olhou bem para a garota.
- Peraí, seu nome é Prima McNaughton?
- A-hã.
- Sua mãe é bem magra? - perguntou Susan.
- É. Por quê?
Susan fez uma cara de quem se concentra.
- Graças a Deus eu encontrei você. Eu a vi agora mesmo perto da segurança do prédio
principal. Ela procurava por você. Lembro disso porque seu nome é muito incomum. Ela
parecia frenética.
- Juro que é como se eu estivesse com uma coleira - falou Prima de forma arrastada, com
um suspiro. Ela se levantou. - Encontro vocês depois.
Susan acenou com os dedos para Prima enquanto ela se afastava.
- E aí, Parker, nos encontramos de novo - disse ela sedutoramente, e Anna percebeu que a
irmã estava tendo uma atitude digna de Cammie. Isto é, ela inventou uma história para se
livrar de imediato de Prima e poder avançar em Parker.
- Oi, Susan. Você está ótima - disse Parker. - Posso pedir uma bebida para as damas?
- Qualquer coisa sem álcool e com frutas - disse Susan tranqüilamente.
- O mesmo para mim - concordou Anna.
Parker se virou e acenou um dedo discreto para atrair a atenção do garçom, depois tocou o
roteiro em cima da mesa.
- Os monólogos que você escreveu são ótimos, Anna - disse ele. - Eu não sabia que você
era escritora.
- Obrigada - disse Anna. - Sinceramente? Nem eu.
- Eu também adorei meu monólogo - disse Dee.- "Nem sei quem sou" - recitou ela com sua
voz infantil, praticando uma das falas. - Cara, isso é tão verdadeiro. Você pode
mesmo se tornar uma roteirista de verdade, Anna. Vai estar aqui quando a gente filmar
amanhã de manhã?
Anna tinha sugerido a Sam que elas rodassem os monólogos no deserto pela manhã, para
tirar vantagem da luz do sol. Ela pensou que os closes à luz do dia ficariam excelentes
contra todas as tomadas noturnas e internas que iam fazer. Sam concordou prontamente e
chegou a elogiá-la por sua sensibilidade visual.
Anna assentiu.
- Vou, para o caso de precisar fazer mudanças de última hora. Nunca se sabe. Na verdade,
logo depois dessa festa vou voltar para meu quarto. Não estou satisfeita com um dos
monólogos do Mike e quero reescrever. É estranho, como se eu não conseguisse tirar as
falas da minha cabeça.
- Não precisa reescrever nada - insistiu Parker. - Seu primeiro rascunho é melhor do que a
maior parte da porcaria que tenho que ler nos testes.
- Obrigada - disse Anna, surpresa com o nível de excitação com o projeto. Especialmente
porque a reação de Sam tinha sido morna.
- E aí, quando vai filmar o resto disso? - perguntou Susan depois que o garçom sinalizou
que chegaria logo.
- Sam e Monty vão começar a rodar as cenas de fundo aqui na festa a qualquer momento -
disse Anna a ela. - A última seqüência será na sauna Mount St. Helens, mais tarde.
- Parece quente e suarento - disse Susan, rindo. - E divertido.
Parker ergueu as sobrancelhas e sorriu maliciosamente.
- Podia ser. Mas eu soube que você não quer entrar no filme.
Susan franziu os lábios.
- Eu podia deixar você me convencer.
Parker se inclinou para Susan.
- O que seria preciso para você mudar de idéia?
- Hmmm ... Ainda não sei bem. Mas estou disposta a descobrir, se você estiver.
Susan e Parker olharam-se nos olhos eAnna concluiu que não era capaz de suportar nem
mais um segundo ali. Esta festa era uma perda de tempo. Cada minuto em que estava
sentada ali era outro minuto em que não estava trabalhando no roteiro. E o monólogo de
abertura de Mike a incomodava cada vez mais. Apesar das garantias de Sam de que dava
para rodar, Anna não achava que estava totalmente bom.
- Com licença - disse ela, levantando-se. - Vou voltar ao trabalho.
Dee disse um até logo, mas só o que Susan e Parker conseguiram fazer foi dar um aceno
meio frio. Anna fez uma prece silenciosa para que a irmã estivesse usando
anticoncepcionais e depois foi para o quarto. Algumas horas com seu roteiro, seu laptop e
sua impressora pareciam extremamente convidativas.

Isso foi poucas horas antes de Anna tirar os olhos do laptop. Ela não tinha idéia de quanto
tempo se passara. Agora o monólogo de Mike estava muito melhor, mais sincero. Ela releu
as últimas frases.

As pessoas podem chamar de paixão. Ou desejo. Ou obsessão. Eu não me importo. Só


quando estou com ela, tocando-a, é que me sinto completamente vivo. Se você
nunca sentiu o poder disso, eu lamento por você.

Anna se levantou e alongou o pescoço. Antes de Ben, ela nunca poderia ter escrito essas
falas porque, antes de Ben, ela não conhecia esses sentimentos. Se pudesse voltar no tempo
e magicamente fazer com que os dois nunca se conhecessem, ela não teria feito isso.
Porque junto com a dor estava a doçura de sentir tudo o que ela sentia por ele. Parte dela
queria que ele soubesse disso. E nem importava a garota na esplanada.
"Mas como posso? Ele acha que estou com Adam", percebeu Anna. "Queria que ele
soubesse que eu não o troquei por ninguém, a não ser por mim mesma. Que eu não namoro
pessoas para afastar a solidão. Ben devia saber que estou sozinha. Por opção própria."
De repente, corrigir a impressão de Ben de que ela estava com Adam tornou-se a prioridade
número um de Anna. Ela procurou o número de Ben no PalmPilot. Depois pegou o celular
na bolsa, mas a bateria tinha arriado - ela esquecera le recarregar. Impulsivamente, ela
pegou o telefone do hotel lia mesa e ligou para o celular de Ben.
-Alô?
A voz de Ben! A primeira reação de Anna foi desligar. Não, isso era ridículo. Estava sendo
imatura. Ela estava no comando.
- Oi, Ben, é a Anna.
- Anna.
A voz dele era como uma carícia. De repente ela se sentiu ridícula. Será que devia
simplesmente vomitar que ela e Adam não estavam juntos? Agora, tarde demais, ela
percebeu que pareceria uma paquera ridícula. Ela terminou com Ben! Por que ele se
importaria se era porque ela estava com Adam, Mickey Mouse ou qualquer outro?
Resposta: ele não ia se importar.
- Desculpe, eu não devia ter ligado - começou ela.
- Devia, sim! - disse ele rapidamente. - Eu estava pensando em você.
A mão de Anna estava bem úmida no telefone; isso revelava o quanto estava nervosa.
- Eu ia te dizer que Adam e eu não estamos nos vendo mais. Mas agora parece ridículo.
- De jeito nenhum - garantiu-lhe ele. - Onde você está?
- Isso não importa. Eu não devia...
- Dá pra parar com isso, Anna? Onde é que você está?
- Não é o que você pensa, Ben - prosseguiu Anna, sentindo-se pior de repente. - Eu não
quero ficar com ninguém agora.
Silêncio.
- Peraí. Você ligou pra me dizer que quer ficar sozinha?
- Desculpe, Ben, de verdade.
- Anna, que diabos ...
Ela desligou, as mãos tremendo. Meu Deus, que idiota ela era! Por que teve que ligar para
ele? Que parte perversa de seu cérebro decidiu que era uma boa idéia?
Anna foi para o quarto e se deitou na cama. Que coisa mais imbecil de se fazer. Ela estava
com nojo de si mesma.
Quem diabos era ela para julgar o comportamento de Susan quando o próprio
comportamento era tao patético.
Para isso, ela não tinha nenhuma resposta.

MOUNT ST. HELENS

A sauna Mount St. Helens no spa V tinha esse nome por um bom motivo - supostamente as
rochas vulcânicas da sauna só eram coletadas dos taludes de um vulcão a tivo de
Washington com o mesmo nome. Alegava-se que a sauna tinha poderes curativos especiais.
Ao descer correndo a escada de mármore para as saunas no térreo do prédio principal do
spa, Anna esperava que a sauna merecesse sua reputação, porque Sam ia dilacerá-la
membro por membro - ela já
estava 45 minutos atrasada.
O fato de ela ter ficado no quarto trabalhando no roteiro e de ter se esquecido da hora era
uma desculpa bem fraca. Depois de ter interrompido o telefonema para Ben, ela voltou a
trabalhar e perdeu a hora.
Quando chegou ao térreo, ela leu as placas em cada porta de madeira. Hidro Sauna de Alga
Marinha. Sauna da Serenidade e Purificação. Ah, ali estava: Sauna Mount St. Helens.
Anna pendurou o roupão branco e felpudo em um gancho do lado de fora da sauna e entrou.
Ficou aliviada ao ver que todos no enorme espaço revestido de cedro estavam de roupa de
banho. Parker estava com calções de surfe. Aos pés dele, a mulher de meia-idade que o
perseguira o dia todo. Cammie estava deitada no banco mais alto com um maiô Gottex
branco espetacular com decotes muito reveladores.
Dee e Jamie Cresswell sentavam-se juntos no banco superior de frente para Cammie - e
também havia alguns outros convidados. Enquanto isso, Sam e Monty manejavam duas
câmeras diferentes - o filme estava sendo rodado.
_ Que bom que se juntou a nós, Anna - disse Sam.
- Desculpe pelo atraso. Eu estava escrevendo.
Sam desprezou a desculpa com um aceno.
- Estamos bem aqui.
- Posso ajudar em alguma coisa?
- Em nada. Está tudo sob controle. Sente-se. Grata por Sam não tê-Ia deixado ainda mais
constrangida, Anna encontrou um lugar junto à parede. Parker veio até ela e lhe deu um
grande abraço. Anna foi pega de surpresa. Sim, ela conhecia Parker, mas não eram amigos
íntimos.
- Ei, vem aqui comigo - disse ele.
Depois Monty apontou a câmera para eles e Anna percebeu
que era tudo de propósito, para o filme.
- A gente estava falando da festa dos Steinberg no sábado - disse Parker. - Sua irmã disse
que você vai.
- Hmmm, é - disse Anna. Ela se sentia constrangida e inibida. Ela disse a Sam que não
queria estar no filme. Isso era uma forma passivo-agressiva de vingança?
- Com o Brock "Sou-Tão-Pretensioso" Franklin - a crescentou Susan.
- É, é, todos nós sabemos disso - disse Cammie.
- Anna é estagiária da agência do meu pai. Isso pode ficar interessante.
- Não estou trabalhando para ele - disse Anna.
- Na verdade, Anna, se você trabalha na Apex, então está - rebateu Cammie.
- Sabe de uma coisa, Cammie, talvez seu pai pudesse conversar comigo como cliente -
disse Parker. - É possível que eu faça uma nova produção dramática na Warner
Brothers. Sobre a garotada rica de Beverly Hills.
- Que mora em Beverly Hills 90210? - perguntou
Cammie, virando-se de costas. Um cara baixinho e peludo com uns cinqüenta anos sorriu
lascivamente, desfrutando a cena.
Anna ficou confusa.
- É nosso CEP?
O cara peludo riu, e explicou a Anna:
- Ela está se exibindo para você. Era um seriado de TV de antigamente que se passava em
Beverly Hills, na área do CEP 90210: Barrados no baile. Eu tinha uma produção na Fox
nessa época.
- Com licença, Stevie, Stewie...como é mesmo seu nome?
- interrompeu Cammie.
- Stanley.
- Stanley - repetiu Cammie. - Não estamos nem aí. Dee, que estava deitada atrás de Parker,
sentou-se.
- Você não conhece mesmo Barrados no baile, Anna?
Anna balançou a cabeça negativamente.
- Era sobre a garotada rica de Beverly Hills - explicou
Dee.
- Tipo dez anos atrás, Dee - disse Cammie.
- Bom, é, mas eles passam a reprise na TV a cabo o tempo todo. - Dee virou-se para Sam,
que ergueu a câmera para focalizar nela. - Sabe de uma coisa, Sam, algumas pessoas
dizeem que você parece a Tori Spelling. - Dee enumerou
os motivos nos dedos: - Seu pai é um produtor famoso. Ela q queria entrar no ramo, então
conseguiu um papel em Barrados no baile, que ele produzia. E eu li que ela sempre era
meui insegura com a aparência...
-Corta! - gritou Sam, abaixando a câmera e olhando para Monty até que ele desligasse a
dele também. - Dee, não deve ser sobre mim. Estamos fazendo um filme.
- Bom, é, mas devia ser real, né? - perguntou Dee. - Além disso, você disse pra gente antes
de a Anna chegar que Parker devia tentar chegar na Anna. Então só estou tentandodo criar
tensão dramática.
- É sempre bom saber que você está prestando atenção, Dee- disse Sam asperamente. - Dá
para ter algum vapor aqui?Tá legal, vamos rodar de novo.
Monty começou a filmar enquanto Parker colocava água fria nas rochas vulcânicas em
brasa. Alguns filetes de vapor brancosubiram para o teto.
- Mais - comandou Cammie, obviamente confortável demais para se mexer.
- Se fizermos isso, não vamos conseguir te ver - disse Monty.
- Não, peraí, vamos tentar assim - decidiu Sam. - Porque agora vocês não estão produzindo
nada. Talvez mais vapor deixe vocês mais relaxados. Use a válvula.
Sam apontou para uma válvula de saída de vapor no chão; Parker concordou em abri -la
completamente. Um gêiser de vapor encheu a sauna, o bastante para obscurecer a vista de
todos.
- Perfeito. - Sam deu uma risadinha. - Parker, feche.
Assim que a gente conseguir ver os rostos, Monty, comece a filmar de novo.
Depois Anna ouviu a porta se abrir. Alguém entrou, mas ela não conseguiu ver quem era
por causa do vapor espesso. Mas ela reconheceu a voz. Ela a reconheceria em qualquer
lugar.
- Anna, você está aí? - chamou a voz. - É o Ben.
VINGANÇA

Ninguém ferrava com Prima McNaughton e saía ileso. É claro que Prima ficou furiosa
consigo mesma por ter caído na história idiota sobre a mãe estar procurando por ela.
Mas era a idiota da Susan Percy que teria que pagar. Prima sabia que Parker e Susan iam
mais tarde a uma das saunas do spa como parte de um filme de estudantes. Era tudo de que
ela precisava.
De biquíni na mão, Prima desceu às pressas a escada do prédio de serviço do spa, quase se
chocando na base da escada com um cara incrivelmente gato. Alto e meio bronzeado, com
cabelos castanhos curtos e olhos azuis, ele usava uma camisa
da cor dos olhos dele e jeans que o vestiam com perfeição
Caraca. Tempo. Susan podia esperar. Graças a Deus Prima estava com o minivestido Miu
Miu e as sandálias de salto Manolo Blahnik - esse cara fazia Parker parecer um nerd. Hora
de entrar em modo de azaração.
Prima se apresentou. O cara disse que o nome dele era Ben; procurava uma amiga. Alguém
da recepção disse a ele que Sam Sharpe estava filmando na sauna Mount St. Helens; ela
sabia onde ficava?
Prima tinha feito o dever de casa e apontou com confiança para a terceira porta à esquerda.
Será que Ben ia se trocar? Porque Prima estava prestes a colocar o biquíni - ela acenou o
material cor-de-rosa como quem dá mole. Quem sabe eles
podiam ir à sauna juntos?
Mas o cara, o Ben, tinha mentalidade limitada. Procurava por Sam e outra garota chamada
Anna Percy. Tinha de encontrá-las.
Anna Percy? A irmã da piranha da Susan Percy? Era uma maldita conspiração?
Ben deixou Prima e foi para a sauna enquanto Prima o olhava, as mãos nos quadris. Hora
de se vingar. Alguém tinha deixado uma barra de exercícios de metal no canto. Perfeito.
Quando a porta da sauna se fechou, Prima apoiou a barra na maçaneta da porta e prendeu a
outra ponta na parede do outro lado.
Bingo. Eles estavam trancados lá.
Ah, ela sabia que devia haver um botão de emergência ali.O V cobria a retaguarda para o
caso de algum velho maluco ter um ataque cardíaco no meio da sauna e precisar de ajuda.
Mas provavelmente levaria algum tempo até que alguém encontrasse o botão e o apertasse,
e ainda mais tempo até que alguém chegasse na sauna a partir do prédio principal.
Prima sorriu. A vingança era mesmo doce. Ela atirou as mechas ruivas e brilhantes no
ombro. Depois foi embora o mais rápido que seus sapatos caros lhe permitiram.

BOTÃO VERMELHO

Anna tinha a sensação de que não conseguia respirar, .mas não havia nada a fazer com o
calor da sauna. Insano, bizarro mas era verdade - Ben Birnbaum , totalmente vestido, estava
a alguns centímetros dela. As perguntas eram: como e por quê?
- Ben? - perguntou ela, completamente surpresa.
- Então é Ben Birnbaum, o bad boy - disse Susan com a voz estridente. - Que entrada
interessante. Sou a irmã de Anna, Susan.
- Anna, posso falar com você? Por favor? - perguntou Ben.
- O quê, e deixar a gente de fora desse momento meigo? - perguntou Cammie, o tom de voz
cortante. - Sam, espe ro que tenha gravado isso para a posteridade.
- A câmera está desligada - disse Sam.
Anna sentiu Sam encarando-a enquanto ela se virava para Ben.
- Como soube que eu estava aqui? Eu não disse onde estava!
- Eu tenho identificador de chamada. Olha, estou derretendo com essa roupa. Por favor. Só
preciso de cinco minutos.
Anna tinha se esquecido de que ligara para Ben do telefone do hotel. Não foi muito esperta.
Mas agora ele estava ali, então ela teria que lidar com ele. Em particular.
então ela teria que lidar com ele. Em particular.
Ela assentiu rigidamente e desceu do banco de madeira. Ben se virou e empurrou a porta da
sauna. A porta não se mexeu.
Ele empurrou novamente. Nada.
- Acho que está emperrada - disse ele, colocando pressão muscular na terceira tentativa. -
Que ótimo, isto é bom pra caramba pra todo mundo.
- Aperte a droga do botão vermelho ao lado da porta - disse o cara peludo, aborrecido. -
Alguém virá do prédio principal.
- Enquanto isso - intrometeu-se Cammie -, todos adoraríamos saber o que Ben está tão
desesperado para dizer a Anna.
- A Anna, Cammie - disse Ben com firmeza. - Não a você.
Ele já havia transpirado a camiseta toda, então a tirou.
- Devo colocar uma música de strip- tease? - perguntou Susan delicadamente.
Anna gemeu. A irmã estava botando mais lenha na proverbial fogueira, embora Anna
tivesse de admitir que o torso retesado e suado de Ben era uma perfeição.
- Talvezeu possa esclarecer um pouco as coisas,Ben - continuou Susan.
- Anna acha que o único motivo para você querer voltar com ela é porque ela não quer mais
você.
Ben olhou para Anna.
- Você disse isso a ela?
Anna encarou a porta da sauna, desejando que abrisse.
- Eu realmente não quero falar desse assunto aqui.
- É porque Anna e Adam agora estão juntos - disse Dee a Ben.
- Ela terminou com Adam - corrigiu Susan.
- Essa não! - gritou Dee. - Quando foi que isso aconteceu?
- Será que vocês, por favor...? - começou Anna.
Ninguém a estava ouvindo.
- Não é que Anna confie em você, Dee - disse Cammie.
- E aí, Ben - começou Susan -, sabia que a Dee andou dizendo a todo mundo que te pegou
em Princeton?
- Susan! - protestou Anna.
- Ah, qual é, Anna. O que toda essa besteirada de vamos- manter-tudo-em-particular vai te
dar? Você acha que a mamãe é feliz? Acha que algum de seus amigos é feliz?
- Meu Deus - murmurou Ben. - Estou num psicodrama.
- Então você deve ser o psicó... é você que está de pé numa sauna, completamente vestido,
meu bem - disse a mulher de meia-idade ao lado de Parker. - Quando a segurança vai
chegar aqui? Estou completamente desidratada.
Cammie se virou para Dee.
- É verdade? Você dormiu com o Ben?
- E se dormi? - desafiou Dee. - Foi quando eu viajei para ver a faculdade. Vocês nem
estavam mais juntos.
- Nós não transamos, Dee - insistiu Ben.
- Transamos, sim. Você estava de porre, então talvez não se lembre - declarou Dee. - Mas
eu me lembro. Lembro de cada minuto.
- Conte o resto a ele - insistiu Susan.
- É segredo - disse Dee.
Susan sacudiu a cabeça.
- Não acha que deve dizer a verdade a Ben?
Foi aí que Anna percebeu qual era "a verdade" a que Susan se referia. Dee deve ter dito a
Susan a mesma coisa que disse a Anna - que estava grávida de Ben.
Dee hesitou.
- Émeio cedo para isso.
- Olha, meu bem. Ou é a verdade ou não é-disse Susan.
- Ou você está grávida ou não está.
- O quê? - gritou Ben.
Dee mordeu o lábio inferior.
- Bom, na verdade, eu ainda não fui ao médico.
Ben jogou as mãos pro ar.
- Isso é loucura!
- Ô, amigo, tem alguém aqui além de mim que você não comeu? - perguntou o cara peludo.
Ben o ignorou.
- Você não está grávida, Dee.
- Como sabe disso? - respondeu Dee. - Eu posso estar.
Sam deu um pigarro alto, atraindo a atenção de todos.
- É mesmo? Então por que você bateu na minha porta ontem à noite e me pediu absorvente?
- Na lata! - Susan riu.
O único som na sauna foi o sibilar fraco do calor saindo das rochas vulcânicas.
- Bom, eu achei que estava - começou Dee, a voz suave.
- Quer dizer, talvez estivesse, por algum tempo. - Ela enterrou a cara nas mãos. - Vocês
todos estão sendo tão
grosseiros.
Anna se levantou.
- Isso é horrível- declarou ela. - O que quer que tenha acontecido entre Dee e Ben foi entre
eles. E o que quer que tenha acontecido entre mim e Ben diz respeito apenas a nós dois.
Não me importo com o que vocês pensam. - Os olhos dela passaram de Sam para Dee e
depois para Cammie. - E vocês três. Vocês dizem ser as melhores amigas umas das outras.
Mas ficam tão... tão alegres com a infelicidade da outra. Qual é o problema de vocês?
A sauna ficou em silêncio. Até Cammie fez a cortesia de parecer meio culpada, pelo menos
momentaneamente. Por fim, a mulher mais velha quebrou o silêncio.
-Aprendam comigo, meninas. Jamais fiquem loucas por um rostinho bonito. Casem-se com
um homem que seja muito mais velho e mais rico do que vocês. Se vocês forem
boas de cama, ele não vai exigir exame pré-nupcial. Com aquelas pérolas de sabedoria, a
porta se abriu e dois seguranças entraram na sauna na frente de uma lufada de ar frio.
- Vocês estão bem? - perguntou um deles.
- Mais do que bem - exultou Monty, enquanto desligava a câmera de vídeo. - Peguei a porra
toda na fita!

POR QUE TRANSFORMAR UMA COMÉDIA EM UMA TRAGÉDIA?

- Anna! Mas que droga, Anna! - gritou Ben.


Anna disparou pela porta do prédio de serviço do spa, decidida a não olhar para trás. Mas
logo Ben estava ao lado dela.
- Aonde está indo?
Ela olhava diretamente para a frente.
- Qualquer lugar que não seja aqui.
- Ei, foi você que me ligou, lembra?
- Vamos chamar de insanidade temporária.
Ele manteve o ritmo enquanto ela andava a passos largos
pelos jardins luxuosos que levavam ao prédio principal.
- Olha, eu não estava esperando uma revelação na sauna, Anna. Eu não planejei isso.
- Legal. Você não planejou isso.
- Então por que está me culpando?
Ela virou para ele com tanta rapidez que ele involuntariamente deu um passo para trás.
- Culpar? A culpa não tem nada a ver com nada. Está vendo o tipo de gente que você chama
de amigos, Ben? Sam devia ser sua amiga, mas até ela chama você de galinha. Dee? Ela é
ridícula. E Cammie é uma piranha insensível.
- Não me julgue por elas...
- Tudo bem, vou te julgar pelo que sei de você. Você disse que não sabe se transou ou não
com a Dee porque estava chapado demais para se lembrar. Que tipo de pessoa faz isso,
Ben? Você disse que me largou no Ano-Novo porque foi resgatar uma amiga. Depois nem
entrou em contato comigo por três dias e por fim deu uma desculpa idiota! Ou estava
bêbado naqueles dias também? Você não pode abdicar da
responsabilidade por seu comportamento só porque ficou íntimo do Johnny Walker Red
Label!
- Não é uma coisa que eu... A situação era... - Ben parou.
Ele suspirou. Os ombros caíram. - Tudo bem. Talvez você tenha razão.
Ele parecia tão triste que Anna por um momento quis colocar os braços em volta dele.
- Tem sorte que Dee não esteja grávida, Ben - disse Anna, a voz mais suave agora. - Mas
não está vendo? Você não se lembra do que aconteceu naquela noite, o que significa que
podia ser verdade. Então o que você teria feito?
- Não sei. - A voz dele estava áspera, os olhos infelizes.
- Com toda a sinceridade, me desculpe, Anna. Eu queria poder explicar para você
entender... Mas acho que não importa mais pra você. Desculpe se eu te incomodei.
Ele enfiou as mãos nos bolsos e se afastou. Anna não conseguiu evitar; ela sentia como se
Ben tivesse arrancado seu coração do peito e estivesse levando-o com ele. Ou, mais
precisamente, o arrastasse atrás dele. Ela teve que se obrigar a não segui-lo.
Acabou. Acabou de verdade. Não havia mais nada a dizer.
Quando Anna voltou para o quarto, a irmã estava parada do lado de fora da porta.
- Bom, foi um espetáculo - disse Susan enquanto Anna abria a porta.
- Que bom que pude te dar uma diversão pós-reabilitação.
- Caraca. Não me lembro de ter ouvido você sendo sarcástica antes - comentou Susan.
Anna se atirou no sofá, deitou-se e fechou os olhos.
- Como pode achar isso engraçado?
- Porque é. Por que transformar uma comédia em uma tragédia?
Anna abriu os olhos de novo. Susan estava à mesa, olhando o cardápio do serviço de
quarto.
- E se eu tivesse dito isso a você?
- Bravo, ponto para a irmã mais nova. Quer lanchar?
- Adivinha uma coisa, Susan. É possível ter problemas
de verdade na vida sem ter de ir para a reabilitação para
resolvê-Ios.
Susan continuou com os olhos no cardápio.
- Sei disso - disse ela em voz baixa.
As lágrimas encheram os olhos de Anna quando ela se sentou.
- O que aconteceu com você, Sooz?
Susan olhou para ela.
- Do que está falando?
- A pessoa neste quarto comigo ... não é você.
- Talvez seja.
- Não. Você nunca foi fria. Nem cruel. Nem desagradável. Você sempre foi ... Você se
importava com as pessoas. Você se importava comigo.
Susan largou o cardápio e foi até uma das poltronas felpudas. Ela se sentou com uma das
pernas sobre um dos braços.
- Talvez eu só não queira mais me importar tanto assim, Anna. A vida é mais fácil desse
jeito.
- Isso é simples demais - disse Anna. Ela não pretendia discutir com Susan, especialmente
depois do que aconteceu na sauna. Nem tinha percebido conscientemente como o
comportamento de Susan a estava incomodando. Mas ali
estavam elas.
-Por quê? Porque eu decidi não jogar mais pelas regras da mamãe? - perguntou Susan. -
Todas as advertências e os adendos do que é ou não permissível? Deus lhe proíbe ter
desejos. Deus lhe proíbe de ter paixão. As regras da mamãe são um porre, Anna. Prefiro
viver do meu jeito e foder com tudo em vez de ficar nessa prisão. Eu já te disse isso, e vou
dizer de novo: quando foi a última vez que você aproveitou
uma oportunidade?
- Vir para Los Angeles foi uma grande oportunidade, e não estamos falando de mim.
- Tudo bem - rebateu Susan. - Porque para você é melhor se concentrar nos meus
problemas do que nos seus. Então você se mudou para Los Angeles. Grande coisa. Nada
mudou, só o mar.
Anna sentiu seus punhos cerrando.
- Tá legal. Vou tentar do seu jeito. Como é que é mesmo? Largar a faculdade para morar
com um pobretão fracassado Ferrar com tudo. Depois ir para a reabilitação e abandoná-la.
Depois se tornar a mané das festas. Entendi direitinho?
Toda a cor sumiu da cara de Susan.
- Eu não abandonei a reabilitação.
- Abandonou, sim - insistiu Anna. - Pelo menos assuma seu...
- Eu consegui ser expulsa - rebateu Susan. - Satisfeita?
Anna ficou em silêncio. Ela não sabia o que dizer. Até que finalmente pensou numa coisa.
- É claro que não estou satisfeita. O que aconteceu?
Susan olhou para o tapete, como se não conseguisse suportar olhar para a irmã.
- Eu não bebi, se é o que você pensa. - Por fim, ela ergueu os olhos. - Eu estava com um
cara. Ele bebeu. A gente foi apanhado. E não vou perguntar se você acredita em mim
porque não ligo a mínima. Então vai se foder, Anna, você e a sua caretice. -Susan se
levantou e foi direto para a porta.
Anna ficou sentada, atordoada. Ela sabia que Susan estava sofrendo. Devia haver segredos
que Susan não queria dividir. Mas em vez de se colocar à disposição da irmã, ela a atacou.
O pior era que Anna sabia como Susan ficava triste com isso,
porque o pai delas tinha feito exatamente a mesma coisa.

TAMANHO 34

- Quarenta e oito, quarenta e nove, cinqüenta!


Cammie se sentou na tábua de abdominais, tendo acabado uma série de cinqüenta.
- Impressionante - disse Susan, enxugando o pescoço numa toalha. Ela havia acabado de
fazer cinco quilômetros de spinning.
Era o dia seguinte. Cammie ligara para Susan no Beverly Hills Hotel e a convidara a ir
malhar com ela na Summit, a academia mais exclusiva de Los Angeles. Ocupando a
cobertura e o terraço do prédio mais alto da Century City, a Summit atraía atores, modelos,
executivos de estúdio e celebridades que não se importavam nem um pouco em pagar a
taxa anual de cinco dígitos e que não gostariam de ser pegos nem mortos na, digamos, Los
Angeles Fitness, independentemente de Cindy Crawford fazer a propaganda de lá.
A Summit era enorme. A Summit era suntuosa. Haviauma piscina no terraço, quatro
quadras de tênis iluminadas e uma quadra de basquete coberta, uma parede de escalada, um
restaurante e uma loja de sucos, salas de aeróbica, ioga, spinning e kick-boxing, além de
equipamento de halterofilismo, circuit training e cárdio, que alguém podia querer. O que
mais agradava aos sócios - além de ficar isolados da ralé de Los Angeles, e da incrível vista
através das vidraças que davam para o Pacífico e também para o centro da cidade - era que
depois que saíam do andar da academia, não havia nada da presunção que estragava tantas
academias.
Mesmo que os clientes estivessem mesmo na capa das principais revistas, todos se vestiam
para malhar. E era por isso que Cammie e Susan estavam usando shorts comuns de
ginástica, camisetas e calçados atléticos. Esse era talvez o único lugar "in" em Los Angeles
em que se vestir bem era "out", a não ser no sentido
de todos ficarem de olho na perfeição da forma física dos outros - ou na falta dela.
- Pronta para se trocar? - perguntou Cammie, enxugando o cabelo molhado da testa.
Susan concordou. Cammie levou-a até o vestiário, que exibia paredes de vidro do chão ao
teto - o vidro era de uma face para que nenhum paparazzo de helicóptero, com lentes
telescópicas, pudesse tirar fotos constrangedoras.
- Ligou para Anna e disse a ela que vai me levar na festa dos Steinberg?
Susan abriu o armário.
-Não.
- Por que não?
- A gente brigou ontem à noite. A gente mal se falou quando voltou do deserto.
"Perfeito." Cammie tinha analisado o relacionamento de Susan e Anna. Susan era o ponto
fraco de Anna. E, por extensão, seu cordeiro sacrificial.
Cammie xingou a si mesma por não ter sido capaz de insistir com Ben Birnbaum. E xingou
Anna Percy por ter tanto poder sobre ele. Ben tinha procurado por Anna em plena sauna
Mount St. Helens, completamente vestido. Ele nunca fez nada disso por ela, e nunca faria.
Magoava tanto saber que ele amava Anna de um jeito que jamais a amaria. Anna ia pagar
por isso.
Enquanto se despia, Cammie teve o cuidado de esconder o sorriso afetado. Susan era
emocionalmente dependente de Anna; isso, Cammie já havia deduzido. Uma briga entre as
duas era definitivamente uma coisa de que podia tirar proveito.
A coitadinha da Susan podia facilmente ficar soltinha, sem a Anna para ampará-la.
Cammie se espreguiçou, sabendo que seu corpo nu era incrível. Contrastan:do com o de
Susan, cuja barriga era flácida e a bunda caía um pouco. Depois que elas se despiram para
tomar um banho, Susan se enrolou numa toalha e prendeu a ponta.
- Mas e aí, sobre o que foi a grande briga? - perguntou Cammie.
- Eu prefiro não falar sobre isso.
Cammie riu.
- Você parece a sua irmã.
- Que se parece com a nossa mãe. Que provavelmente escreve um bilhete de agradecimento
depois que transa. - A beira da toalha de Susan estava solta, revelando seu corpo nu. - Meu
Deus, queria perder o peso que ganhei na
reabilitação.
Os olhos de Cammie varreram o corpo de Susan antes de Susan prender novamente a
toalha.
- Não é um porre? A mesma coisa aconteceu comigo quando fiquei na clínica.
- Já perdi um quilo e trezentos - disse Susan. - Mais duas semanas e perco o resto.
- Bom, admiro sua autoconfiança. Quer dizer, deve ser um saco ter uma irmã tão perfeita.
Susan se limitou a dar de ombros.
Elas passaram a meia hora seguinte no banheiro de mármore e vidro e na sala de vapor.
Cammie tratou de deixar os olhos correrem pelo pequeno pneu na cintura de Susan, depois,
quando Susan pegou Cammie olhando-a, ela fingiu que não estava olhando. Ela apontou
para o corpo esbelto e lindo das outras mulheres que viam. E fez uma piada de que era
ilegal ter tamanho acima de 34 na Summit.
- E aí, que roupa vai usar na festa? - perguntou Cammie
enquanto elas iam para a área dos armários.
- A calça preta que compramos na Betsey Johnson.
- Aquela? Ah. Ótimo. - Cammie se certificou de que a dúvida ficasse um pouco óbvia na
sua declaração.
Susan largou a toalha no cesto de toalhas molhadas e pegou as roupas no armário.
- Que foi? Você me ajudou a escolher!
- Ela é ótima - garantiu Cammie. - Você e Anna têm estilos tão diferentes.
- E daí? - Susan fechou o sutiã e estendeu a mão para a camiseta.
- É só que Anna nunca usaria a calça que você comprou.
Susan puxou a calcinha, depois a calça jeans.
- Eu podia usar qualquer outra coisa.
- Não, essa é legal. Você tem gosto próprio. Quer dizer,
você gosta desse visual. É ótimo.
- Que visual?
- Sabe como é, o visual eu-sou-legal-pra-caramba. Você é rebelde, isso é legal.
- Obrigada, dr. Fred - resmungou Susan.
- Sei bem como você se sente - prosseguiu Cammie.
Susan estava sentada no banco, amarrando as sandálias, então Cammie se sentou ao lado
dela, curvando-se para se aproximar mais, a voz baixa e hipnótica.
- Já sentiu como se você se deixasse vencer por tudo o que quer, que você simplesmente
não pára de querer?
- O tempo todo - confessou Susan. Ela pegou a outra sandália.
- Tipo você nunca vai estar à altura. E nada consegue te satisfazer, nunca - continuou
Cammie -, porque você é essa coisa gulosa, carente? Eu sinto isso o tempo todo.
Susan olhou em volta. O vestiário estava vazio. Ninguém estava lá para ouvir a conversa.
- Bom, você esconde muito bem.
- É?- Cammie fingiu surpresa. Ela pegou as sandálias de camurça e couro Giuseppe Zanotti
no armário. - Obrigada. Vou te contar, Susan, depois da reabilitação, eu tinha
medo de fazer tudo. Comer estava fora de cogitação ... eu estava uma porca. Beber como eu
podia parar no primeiro drinque? Fumar bagulho eu queria fumar até esquecer e ficar ali.
Coca, Ecstasy, sexo ... qualquer coisa que eu fazia antes da reabilitação, eu queria fazer sem
parar.
- E aí, como foi que parou?
- Tive que provar que podia dominar isso, sabe? Quer dizer, o que eu devia fazer, ficar
sozinha no meu quarto ouvindo música deprê pelo resto da minha vida? Então eu
simplesmente, sabe como é, tomei um drinque. Cammie podia ver o anseio por "um
drinque" na cara de Susan.
- E?- insistiu Susan
- E daí? É sério, foi a conclusão a que eu cheguei. Se eu tomar um ou dois drinques, e daí?
Faz com que eu me sinta melhor. Eu não machuco ninguém. E provei que posso me divertir
e não, tipo assim, simplesmente apagar.
- Deve ser legal. - Susan se levantou, fechou o zíper da calça e vestiu a blusa Chanel..
- É legal. - Cammie vasculhou o fundo da bolsa de ginástica e encontrou o que estava
procurando: uma meia garrafa de vodca Flagman, o rótulo russo provando que era
autêntica. Ela desatarraxou a tampa. - Não suporto que as pessoas me digam o que fazer.
Quer um pouco?
- Não. - Susan borrifou perfume Escada no pescoço, depois começou a escovar o cabelo e a
passar brilho labial
- Tudo bem. Eu entendo. No seu lugar eu daria um belo "foda-se" a Anna e a todo mundo
que acha que sabe exatamente como eu devo ser e quem eu devo ser. - Cammie tomou um
gole longo e dramático. Podia sentir os olhos de
Susan nela. - Ah, que bom. Nada faz me sentir assim. Tem certeza de que não quer?
-Tenho.
- Você tem razão. Se realmente está descontrolada, quer dizer. Um golinho e vai dançar
feito uma gelatina. - Cammie pôs a garrafa de pé novamente.
- Não estou descontrolada.
- Anna acha que está. Do contrário, por que ela ficaria bancando O clube das babás com
você? - Cammie levou a garrafa aos lábios mais uma vez; podia sentir o desejo de Susan
enquanto o líquido causticante descia pela garganta. - Hmmm. Nada me acalma como a
Flagman, sabia? Faz as outras parecerem água.
Susan não respondeu, mas Cammie podia ver que ela estava trincando os dentes enquanto
usava o secador de cabelo.
- Mas olha só - prosseguiu Cammie. - Eu entendo totalmente. Acho que a Anna está certa.
Você é essa mané descontrolada que nunca mais vai poder beber. Parece uma
sentença de morte, mas você sabe o que é melhor pra você.
- Quando foi que eu disse que não ia beber nunca mais?
Cammie deu de ombros.
- Já passei pelo que você está passando. Para mim, a única maneira de derrotar o medo é
fazer o que me assusta e provar que posso lidar com isso. Mas acho que você é diferente.
Susan olhou para ela.
- Que besteira.
- Prove, então. Mané. - Cammie passou a vodca para Susan.
Por um bom tempo Susan ficou olhando a garrafa como se fosse a caixa de Pandora.
Cammie podia sentir que ela estava vacilando.
- Por que eu deveria? - perguntou Susan, os olhos na garrafa aberta.
- Para provar que ela não tem poder sobre você. Para provar que você não é a mané gorda
que sua irmã acha que é.
Outro longo intervalo, depois Susan pegou a garrafa das mãos de Cammie.
- Sabe de uma coisa: minha irmã tem razão sobre você. Você é mesmo uma piranha.
Elas se encararam. Por um momento Cammie pensou que Susan ia largar a vodca no chão
do vestiário. Mas, em vez disso, Susan ergueu a garrafa até a boca e tomou um
longo gole.
Bingo.

HOME THEATER

A enorme casa dos Steinberg nas Hollywood Hills estava no meio de uma reforma
completa, então a festa acontecia na mansão Graystone, na avenida Loma Vista, em
Beverly Hills. Enquanto Anna pegava Brock no hotel e o levava para a festa de carro, ele
ficou completamente em silêncio, exceto para mencionar a Anna que recentemente tinha
adotado o budismo e sempre se sentia indisposto quando visitava Los Angeles.
- Acho que estou destinado a viver e morrer em Nova York - disse ele.
York - disse ele.
Ela sorriu e parou no sinal da avenida Santa Monica. Ele não estava muito diferente de
como Anna se lembrava dele em Nova York: baixo e magro, com cabelo escuro liso que
caía infantilmente em um dos olhos, usava calça jeans preta, camiseta preta e um enorme
casaco esporte também preto, além do último modelo Puma nos pés. Estava mais quieto,
porém. E muito mais legal do que ela se lembrava.
Anna escolhera a roupa cuidadosamente: um vestido preto sem mangas de seda pura
Chanel que pertencera à mãe dela. O único acessório era uma corrente de ouro branco no
pescoço que fora um presente de Susan no aniversário de 16 anos. Ela deixou o cabelo
solto; ele caía numa linha brilhante e reta nos ombros.
Brock olhou pela janela.
- Não acha que essas mansões ficam muito perto uma da outra? Se você estiver cagando e
faltar papel higiênico, dá pra ligar para a casa ao lado e pedir um rolo.
- O terreno é muito caro aqui - disse Anna enquanto
o sinal ficava verde.
- Essas pessoas só querem provar que têm a casa maior - disse Brock a ela. - É tudo tão
irrelevante.
- Acho que sim - disse Anna diplomaticamente, prudente o bastante para não lembrar que
ele tinha acabado de despejar três quartos de milhão de dólares num apartamento em
Chelsea que não tinha nem 140 metros quadrados.
Alguns minutos depois, ela encostou o Lexus diante da impressionante mansão de pedra.
Um empregado abriu a porta dela e a ajudou a sair, outro abriu a porta para Brock, que
juntou as mãos num gesto de oração e fez uma leve mesura em agradecimento. A porta para
a mansão estava aberta e eles podiam ouvir a festa bombando.
- Pronto? - perguntou Anna.
Depois que Brock assentiu, eles entraram e abriram caminho por gente bonita até a imensa
sala de estar. Seu teto de catedral tornava a sala ainda maior do que era; a mobília ia do
dark e gótico ao contemporâneo eclético. Havia mesas de canto chinesas, entalhadas à mão
em três níveis e enfeitadas com imagens de dragões; sofás de veludo opulentos e de cores
intensas; e almofadas de tapeçaria roxa espalhadas pela sala. Um magnífico aquário de água
salgada fora montado em uma enorme mesa de centro. Em vários cantos da sala,
almofadões de veludo verde e vermelho criavam áreas de conversa. Havia até um fogo
crepitando numa lareira de pedra.
Anna procurou pela irmã. Depois da volta silenciosa para Los Angeles com Sam, elas
deixaram Susan no bangalô. Anna tentou falar com ela no início da tarde para fazer as
pazes, mas não houve resposta. Só o que ela conseguiu foi deixar o endereço da festa na
caixa postal de Susan, fazer um breve pedido de desculpas por sua parte na briga e dizer
que ela esperava ver a irmã mais tarde.
Susan, porém, não estava em lugar nenhum. Mas havia muita gente da indústria do cinema.
Ela avistou um casal de celebridades - o exaltado ator-diretor italiano Roberto Benigni. Ela
o reconheceu do filme ganhador do Oscar, A vida é bela. O ator francês Gerard Depardieu.
Ele estava no filme Roxanne, uma refilmagem de Cyrano de Bergerac.
- Brock! - Um homem baixinho e careca com um casaco de beisebol vermelho atravessou a
multidão para se juntar a eles. - Kenny Kendall ... nós conversamos por telefone na semana
passada. Margaret Cunningham, da Apex, nos apresentou. Eu dirigi Case Sensitive. Ela
mandou o DVD para você. Vai entrar no Sundance este ano.
- Sim, sim - disse Brock, apertando a mão dele. - Brilhante trabalho, cara.
- Por falar nisso, vi Uptown/Downtown em Nova York na semana passada. - As mãos dele
adejaram para o rosto. - Demais, demais, demais. Eu adorei.
- Ei, eu só tentei dizer a verdade ali - disse Brock.
- É por isso que seu trabalho mexe comigo. - Ele apertou os bíceps inexistentes de Brock e
se aproximou. Como Brock não tinha se incomodado de apresentar Anna, ela
deduziu que essa era a deixa para ela.
- Oi, sou Anna Percy, da Apex. - Ela estendeu a mão. Kenny deu um aperto de mão
murcho, os olhos grudados em Brock.
- Olha, temos que trabalhar juntos de qualquer maneira. O produtor alemão do meu novo
filme deve vir na semana que vem. Duplo samurai. É a busca espiritual de um homem
sofrido por algo em que acredite. Harrison está colado para estrelar, mas, francamente,
precisa ser reescrito de alto a baixo. Eu liguei para Margaret. Olha, quer conhecer o
Harrison?
- Claro - disse Brock. - Adoro ele!
- Que bom. Vamos!
Antes que Anna pudesse abrir a boca, Kenny tinha posto a mão no cotovelo de Brock e o
estava guiando pela mullidão. O que ela devia fazer, trotar atrás dele? Não, isso seria
ridículo. Por que Margaret não mandou um agente de verdade para a festa, alguém que
soubesse o que fazer?
- Oi, Anna.
Anna se virou. Dee Young estava parada diante cicia.
- O que está fazendo aqui?
- Meu pai fez a música do último filme de Krissy Steinberg, então ficamos amigos. Eu só
queria que você soubesse, Anna, que eu decidi virar a página.
- A-hã -murmurou Anna, uma vez que não entendia bem o que Dee estava dizendo e tinha
menos interesse ainda.
- Minha life coach me disse que tenho o poder de me reinventar.
- O que é uma life coach?
- Ela me ajuda a planejar meu caminho. - As mãos de Dee foram para a barriga achatada. -
Ela me ajudou a perceber que embora eu estivesse com gravidez psicológica de Ben, não
era uma realidade física.
Sem dúvida, Dee precisava de alguém um pouco mais preparado em psicologia do que uma
life coach. Mas agora não era hora de Anna dar conselhos a ela. Anna tinha que encontrar
Brock
- Com licença, preciso usar. .. - Anna apontou para o banheiro das mulheres.
- Tudo bem. - Dee deu um abraço rápido em Anna e acenou enquanto Anna se afastava.
Assim que Dee estava fora de vista, Anna disparou para o outro lado da casa, procurando
por Brock.

Era perverso, mas Sam não conseguiu evitar.


Ela se sentou no home theater do pai (que mais parecia uma pequena sala de cinema de arte
- vinte filas de cadeiras suntuosas com porta-copos embutidos, um telão, até uma máquina
de pipoca antiquada nos fundos) e viu repetidamente o filme que Monty fizera da revelação
de Anna -Ben presos na sauna Corral da V. A ironia não passou despercebida a ela. Até
muito recentemente, seria para Ben que ela olharia
com desejo. E agora o objeto de desejo era Anna.
Sam mordeu nervosamente uma unha, arruinando a manicure de banho-de-óleo-de-
Iavanda-e-de-cera-de-abelha de cem dólares que tinha feito no spa. Ela sabia que não era
gay. Pelo menos ela não achava que era gay. Ela viu Cammie nua mil vezes, Cammie tinha
o corpo mais bonito do planeta, e só o que Sam sentiu foi inveja.
Então por quê, por quê, por que tinha que sentir tudo isso por Anna?
Simplesmente não era justo. Nunca, nem em um milhão de anos Anna se sentiria atraída
por Sam. Não que Sam quisesse que fosse. Era só essa coisa esquisita sobre um beijo.
Beijar Anna.
À luz oscilante da tela, Sam olhou o relógio. Hora de ir para a festa dos Steinberg. Cammie
estaria lá com Susan, ela já fora informada. Dee iria com o pai dela. Coitada da Dee. Estava
ficando mais estranha a cada dia.
E Anna estaria acompanhando algum jovem futuro dramaturgo/roteirista
de Nova York. Na tela, uma Anna de seis metros de altura estava falando com um Ben de
seis metros de altura ensopado de suor. Como Anna pode ficar tão bem num simples traje
de banho, o cabelo puxado para trás e sem maquiagem? Ela provavelmente era adorável até
quando chorava.
Merda.
Sam se virou e gritou para Monty na cabine de projeção:
- Desliga!
A tela ficou escura e as luzes da casa se acenderam.
- É de matar, né? - disse Monty enquanto entrava na sala de projeção.
É, era mesmo. Havia a simples grace-kellyesca Anna, obrigada a entrar em um confronto
por seu lindo garanhão, Ben. Ela quase podia ouvir Anna dizer: "Isto simplesmente não está
certo!" Era uma ilustração incrível do abismo entre a riqueza nova e a antiga. Mas Sam
tinha prometido a Anna que não usaria nada desta filmagem no trabalho da escola.
Não que Sam estivesse imune a quebrar uma promessa. Não
seria a primeira promessa quebrada da semana, nem do fim
de semana.
O filme ficaria muito melhor com a revelação da sauna. E era tão torturante, até satisfatório,
pensar em todo mundo da escola vendo o fora de Anna em Ben Birnbaum. Se você não
conhecesse a história sobre Ben tê-la largado na véspera de Ano-Novo - e ninguém na
escola sabia da história -, Anna pareceria uma piranha total. Éclaro que Anna não era uma
piranha. Era talvez a menos piranha das garotas que
Sam conhecia.
Mas isso era irrelevante. Seria simples para Sam editar este material antes que mostrassem
o filme à turma naquela semana. Pareceria a todos que Anna queria que o filme estivesse lá
- dando a ele, portanto, o elemento mais importante que qualquer obra de arte podia ter:
negabilidade plausível. E uma vez que era filme da Anna além de ser da Sam, bem... se
Anna protestasse, todos achariam que ela se acovardara
no último minuto.
Mas o problema era que Sam sabia que se sentiria terrivelmente culpada. Seria tão mais
fácil se ela odiasse Anna.
Mas eu tenho que gostar dela. E não é que Anna esteja preparada
para atirar os braços em mim e trocar saliva comigo.
Sam tomou uma decisão. O que não era bem uma decisão. Ela guardaria o trecho filmado,
mas evitaria usar no filme da escola.
Por enquanto.

SUSAN PRECISA DE UM CAFÉ

- Então eu estou lendo o roteiro e chorando porque eles querem que eu faça a cena do
chuveiro, entendeu?
Justine, a alta e espantosamente bonita ucraniana e exmodelo da Victoria' s Secret, zumbiu
na orelha de Anna - havia um trio de jazz em um canto da sala de estar que tornava difícil
ouvir. E no entanto ela estava fazendo todos os ruídos adequados para mostrar interesse
porque Justine era uma cliente da Apex. Mas sua cabeça estava em Brock. Ela não o via há
uma hora, embora fizesseum esforço danado
para encontrá-lo.
- Eu queria ser artista séria - insistiu Justine com seu forte sotaque.
Anna não conseguia entender como Justine podia ser uma "artista séria" a não ser no papel
de alguém com pouco domínio da língua inglesa, mas sustentou o sorriso de prazer na cara.
- Então eu estou me encontrando com roteirista maravilhoso na academia - prosseguiu
Justine. - Ele disse que escreve papel para mim. Papel de ação. Tipo Lara Croft, só mais
alta.
Nesse momento, Anna viu Margaret entrar na sala de estar. Ela usava um tailleur Dolce e
Gabbana impecavelmente bem-cortado, bege e feito sob medida. Os olhos de Margaret
varreram a sala; Anna sabia por quem ela estava procurando. Anna. Ou, mais corretamente,
Anna e Brock Franklin.
- Oh, é Margaret Cunningham! - exclamou Justine, acenando. Como Justine estava com
quase um e noventa de altura com os saltos agulha Charles David, até quem estava no
interior da Califórnia podia ver o aceno.
Naturalmente, Margaret respondeu.
- Ela é velha e ainda está bem, sabe? - disse Justine a Anna enquanto Margaret
graciosamente abria caminho na direção delas. - Ela fez lifting no rosto, não acha?
- Justine, que prazer ver você - disse Margaret, beijando a atriz sem nem encostar o rosto. -
E nossa querida Anna.
Anna colou um sorriso ainda mais alegre na cara.
- É bom te ver, Margaret.
- Onde está Brock? - perguntou Margaret.
Boa pergunta.
- Vai voltar logo - garantiu Anna.
- Sim, e acho que você não podia acompanhá-lo até o banheiro, não é? - disse Margaret
concordando. - Está se divertindo?
- Parece que sim. - Anna foi evasiva.
- Bom, tenho certeza de que está fazendo um trabalho esplêndido, Anna. Tenho total
confiança em você. - Margaret apertou rapidamente a mão de Anna. - Pensei em te dar uma
folga para apresentar Brock a algumas pessoas importantes aqui que ele não conhece. Tirar
um pouco a pressão dos seus ombros, querida.
- É muita consideração - disse Anna.
- É uma coincidência incrível que sua irmã tenha namorado Brock - disse Margaret. - Ela
ainda não chegou?
- Estou ansiosa para conhecê-la também.
- Ainda não.
- Ela não está tendo nenhum ... problema? - perguntou Margaret alegremente.
Anna sabia que Margaret estava se referindo à tarefa abortada da reabilitação.
- Ela está indo bem - garantiu Anna a Margaret.
- Excelente - disse Margaret, radiante. - Sem dúvida, é todo um novo começo para ela.
- Ela vem com Cammie Sheppard, na verdade - disse Anna, grata por Margaret estar sendo
tão discreta a respeito de Susan.
Margaret deu um sorriso tímido.
- A filha de Clark? Meu Deus, que mundo pequeno. Não sabia que vocês são amigas.
A gente se conheceu no casamento de Jackson Sharpe.
- Anna deu o mínimo de informação necessária. - Sam Sharpe nos apresentou.
- Ah, eu estou conhecendo a Sam! - grilou Justine alegremente. - Ela é garota legal!
Ótimo. Todo mundo conhecia todo mundo e todo mundo era amável. Exceto por Anna, que
sabia que tinha que encontrar Brock Franklin nos próximos cinco miinutos ou
enfrentar a ira de sua chefe. Então ela alegou que ia se refrescar e foi na direção de onde
podia ser o banheiro.
Com a maior rapidez que ousou ter, ela disparou pelo corredor que levava aos jardins dos
fundos da mansão, esperando encontrar Brock em algum lugar por ali.
Nos fundos, a festa tinha um clima diferente: as pessoas estavam de pé em volta de uma
larga fonte de pedra, escutando e dançando reggae ao vivo e bebendo drinques tropicais em
cocos. Longas mesas cobertas de linho branco transbordavam
de comida jamaicana - frango na brasa, garoupa grelhada e ackee. Gente bonita se
misturava, ria, falava e tentava atrair a atenção ao mesmo tempo em que fingia não fazer
nada disso. Brock Franklin não estava entre eles.
Assim que estava prestes a voltar para a mansão, porém, Anna viu a irmã, Susan, naquele
grupo, junto com Cammie. Anna sentiu um alívio imediato. Susan definitivamente seria
capaz de ajudá-la a encontrar Brock. Só o que tinha
de fazer era puxar Susan de lado, desculpar-se novamente e explicar a situação, e...
Susan a viu.
- Anna! É a Anna! - gritou ela numa voz tremida. Ela abriu os braços e correu para a irmã
como um avião se preparando para pousar.
- Minha irmãzinha!
Anna pegou-a enquanto ela tropeçava em seus braços. A verdade estava no bafo de Susan:
a irmã estava bêbada.
- Desculpe por nossa briga. Eu me sinto culpada, é isso aí, você sabe que eu te amo pra
caralho - balbuciou Susan, apertando Anna. - Ei! Tá se divertindo, Anna? Vamos nos
divertir um pouco!
Cammie se colocou ao lado dela.
- Como pode ver, Anna, sua irmã mais velha está de ótimo humor.
- Você é responsável por isso? - perguntou Anna retoricamente.
Ela imaginou as próprias mãos no pescoço de Cammie, apertando a garganta dela.
- Eu? - perguntou Cammie. - Não ensinam na reabilitação que você é a única responsável
por si mesma?
- Por quê, Cammie? Eu gostaria mesmo de saber.
- Pergunte ao Ben - disse Cammie friamente.
- Então isso deve ser uma vingança, não é?- perguntou Anna. -Você é doente, Cammie.
Precisa de ajuda.
- Na verdade, estou fabulosa - disse Cammie, dando uma olhada severa em Susan, que
tentava inutilmente tirar o cabelo colado em seu brilho labial. - Eu disse que é a sua irmã
que precisa de ajuda agora.
Anna manteve a voz baixa.
- E eu digo que você é uma piranha insensível que precisa tornar o mundo tão infeliz
quanto você.
- Vai se foder - disse Cammie através de um sorriso.
- Não aposte nisso - rebateu Anna. Mas agora ela não podia perder tempo com Cammie.
Tinha que lirar a irmã dali.
- Vamos tomar um café, Susan - disse Anna, pegando no braço da irmã.
Susan deu um puxão no braço.
- Não quero café. Só quero curtir.-Ela girou para o trio de reggae, que tinha começado
"One Love" de Bob Marley, e empurrou Anna para os músicos. - Vamos dançar, Anna!
Anna se desvencilhou.
- Nada de dançar, Susan. Vamos entrar e...
- Não! Vem! - Susan vacilou na direção dos músicos, acenando bêbada para a irmã
enquanto algumas pessoas sorriam e apontavam.
Anna apertou o pulso de Cammie com força.
- Preste atenção, Cammie. Você vai me ajudar a levar Susan para dentro, do jeito mais
discreto possível.
- Ou o quê?
- Ou eu vou fazer você lamentar muito, muito mesmo - prometeu Anna. Ela não se
lembrava de ter ameaçado alguém em toda a sua vida e não tinha certeza de como
cumprir uma ameaça dessas. Mas sabia de uma coisa: ela falou a sério.
Cammie olhou para a mão de Anna em seu braço com desprezo.
- Tá, tudo bem - escarneceu ela.
- Anna Cabot Percy, vem cá! - gritou Susan. Ela segurava o cabelo no pescoço e
cambaleava em círculo. - Vem dançar!
"Ah, meu Deus."
Anna largou Cammie e foi até a irmã trôpega, mas foi interceptada por uma mulher de
blusa branca e saia preta que tinha cara de alguém encarregado pela festa.
- Com licença, sou a planejadora desta festa e responsável por casos como esse - disse ela a
Anna. - Você conhece a garota?
- É minha irmã. Susan.
- Susan precisa de um café. Vou ajudar você.
- Seria ótimo, obrigada.
Anna e a mulher se aproximaram de Susan, que acenou alegremente para elas enquanto
dançava.
- Você é tão durona, Anna Percy. Todo mundo na nossa família é tão durão. Uuu-uuuu! -
Ela girou como um dervixe, depois, de repente, tombou no pátio. Vários convidados vieram
ajudá-la e ela pediu uma bebida a eles.
- Você não precisa de uma bebida - disse Anna, pegando o braço da irmã.
- Preciso, sim - insistiu Susan. - Está tão quente aqui fora!
- Susan, entra com a gente - disse-lhe a planejadora da festa.
Susan colocou um dedo no nariz de Anna.
- Ela levou você a isso, não foi? Porque ela é uma chorona e eu sou uma mané. Fodona,
quer dizer, ela é a fodona, eu sou a chorona. Meu Deus, está quente pra caralho.
Antes que Anna pudesse detê-la, Susan se soltou novamente, correndo para a grande fonte
de pedra no meio do pátio. Anna teve uma sensação de enjôo no estômago. Susan não ia...
Evidentemente Susan foi.
Ela pulou a mureta, tirou a calça, atirou-a longe e rapidamente puxou o top por sobre a
cabeça. Depois, vestida com nada mais do que uma calcinha de renda francesa, ela pulou na
fonte rasa no exato momento em que o trio de reggae terminava a música. Um silêncio
pesado encheu o ar enquanto todos viam o espetáculo.
- Anna! Anna! O que está acontecendo...?
Anna reconheceu a voz fria mesmo quando a banda começou a tocar a música seguinte, que
encheu o ambiente. Uma olhada na porta dos fundos da mansão confirmou suas suspeitas-
uma Margaret pálida, parada ali com um Brock, que não parecia nada estável de pé.
- Ei! Eu te conheço! - gritou o jovem escritor para Susan, que estava dançando na fonte
com uma musica que só ela podia ouvir, a calcinha tão ensopada que podia bem
estar nua. -Você é Susan Percy! Eu reconheceria essa bunda em qualquer lugar!
Susan girou.
- Quer a minha bunda, babacão? Tá aqui a minha...
Ela não terminou a frase. Em vez disso, emborcou, jogando água na multidão enquanto o
corpo tombava e a cabeça afundava na água.

FIM DA FILMAGEM

Sam Sharpe estava parada em uma das laterais do jardim dos fundos da mansão, pensando
no que fazer. Havia acabado de testemunhar a escapada bêbada de Susan, visto o olhar de
choque e humilhação no rosto de Anna enquanto a irmã tombava na fonte, e percebido
como Margaret Cunningham estava aterrada.

Enquanto Anna corria para ajudar a irmã, Sam sorriu. Ela sabia exatamente o que tinha de
fazer. Graças a Deus decidira rodar mais um pouco do filme na festa dos Steinberg. E
graças a Deus era filha de Jackson Sharpe. Quando perguntou à planejadora da festa se
tinha algum problema ela e o parceiro filmarem, a planejadora disse que estava tudo bem -
desde que ela conseguisse que Jackson Sharpe e Poppy aparecessem antes que a noite
acabasse. Sam garantira a ela que isso era totalmente possível, embora na realidade só o
que tenha feito fora deixar um recado para o pai e a nova madrasta.
- Monty? - Sam falou baixinho no microfone sem fio que sempre prendia na lapela quando
filmava numa locação. - Vem para os fundos. E, pelo amor de Deus, aponte a
câmera para a fonte. Agora.
Depois Sam correu até a área dos fornecedores, pegou uma toalha de mesa sobressalente e
correu para Anna e Susan. Anna estava ajoelhada na água, as mãos embaixo da cabeça
ensopada da irmã, tentando garantir a Susan que tudo ficaria bem.
- Use isso - ordenou Sam, atirando a toalha de mesa para Anna.
Anna pegou-a e olhou, aturdida, para Sam.
-Quê?
- Não faça perguntas. Só coloque em volta de sua irmã. Ou quer que o show continue? -
Depois Sam se virou, procurando por Monty no meio da multidão. Ali estava ele, perto da
banda de reggae em completo silêncio, a câmera zumbindo.
- Tá legal, fim da filmagem! - gritou ela para ele.
- Peguei! - gritou Monty de volta.
- Esta seqüência vai ficar incrível - disse Sam a Anna numa voz bem alta enquanto elas
ajudavam uma Susan completamente encharcada a sair da fonte. - Sua irmã é uma atriz
fabulosa! Vamos levá-la para se secar!
Quem não sabia o que estava acontecendo, agora estava sorrindo. Ah, era uma cena de
cinema! E pensar que eles caíram nessa! E a garota na fonte, Sam Sharpe, não era a filha de
Jackson Sharpe? Ela estava fazendo um filme e era tudo parte dele. Que coisa brilhante!
Sam apontou o queixo para a lateral da mansão.
- Por aqui. Não se preocupe com Monty; ele pode se cuidar.
Juntas, elas levaram Susan pela mansão para a área de estacionamento. Sam entregou o
canhoto e uma nota de cem dólares a um dos manobristas; seu Jensen se materializou em
questão de segundos. Elas colocaram Susan no banco traseiro e minutos depois estavam
seguindo pela avenida Loma Vista.
Na festa, Cammie foi até o bar ao ar livre para pegar outra taça de champanhe. Porcaria da
Anna. O plano de Cammie tinha funcionado brilhantemente. Mas em vez de humilhar
Anna, só o que conseguira fora uma Sam-ao-resgate. Agora Anna e Sam provavelmente
ficariam amigas ou coisa assim.
Era mesmo deprimente.
- Oi, Cammie - disse Dee enquanto aparecia ao lado de Cammie, um suco de laranja na
mão. - Está se divertindo?
- Não. - Cammie pegou o champanhe com o bartender e bebeu.
- Foi muito legal mesmo a Sam salvar a Susan daquele jeito, não foi? - perguntou Dee.
Jesus Cristo. Isto estava ficando cada vez pior. Se Dee pôde deduzir que Sam tinha
aparecido para resgatar Susan, então qualquer um deduziria o mesmo.
- Aliás, como a Susan ficou tão doidona? - perguntou Dee.
- Como é que vou saber, Dee?
- Bom, quer dizer, ela veio à festa com você - assinalou Dee.
- Ela é uma alcoólatra - rebateu Cammie. - É isso que os alcoólatras fazem.
- Bom, é, mas, quer dizer, não quando tem uma amiga por perto para levá-Ias a escolher
melhor. - Dee arregalou os olhos. - Você não deu bebida a ela de propósito, deu? Quer
dizer, sei que às vezes você demonstra seus problemas de hostilidade, mas você não ia fazer
isso, né?
O cantor de reggae no jardim soltou o verso" Lend me not into temptations, sister".
Cammie tomou um longo gole de champanhe.
-Eu não levei Susan à tentação, Dee - menl iu ela. - Ela chegou lá sozinha.

- Ela está bem? - perguntou Sam.


- Apagada - relatou Anna.
-Você está bem?
- Não muito - admitiu Anna. Enquanlo dirigia pela avenida Loma Vista, Sam pôde ver as
mãos de Anna tremendo. Tudo para manter a frieza exterior... o sangue-frio. - Margaret
Cunningham vai me matar. Mas ainda assim eu não sei o que dizer a você, Sam. Obrigada
parece inadequado.
Sam estava comovida, mas sem graça demais para demonstrar. Ela decidiu tagarelar.
- Que tal "tenho uma enorme dívida de gratidão para com você, e você escolherá hora e
lugar de sua preferência para que eu lhe pague"~]
- Pode ser. Eu nem sabia que você estava lá. Você pensou incrivelmente rápido.
- Olha, você é minha amiga e minha parceira; amigo é pra essas coisas, né? E para onde
vamos?
- Não para o Beverly Hills Hotel. Estou enjoada daquele lugar - decidiu Anna. - Na casa do
meu pai? Vou colocar a Susan no meu quarto.
Sam assentiu e entrou na avenida Sunset.
- Correndo o risco de parecer óbvia, parece que a reabilitação não funcionou.
- Cammie fez isso.
- O quê, ela enfiou álcool pela garganta da sua irmã?
- Você sabe o que quero dizer.
- É. - Sam pensou no assunto por um momento. - Isso é baixaria, mesmo pelos padrões
baixos dela. - Elas continuaram em silêncio até que Sam chegou à entrada de
carros e parou no caminho da porta da frente. - Lar, doce lar. Vamos levar sua irmã para
dentro.
Juntas, elas ergueram e arrastaram Susan para fora do carro. Levou cinco minutos de
esforço hercúleo para levá-la para dentro, subir a escada e colocá-la na cama de Anna.
Ali Anna tirou a toalha de mesa girando o corpo de Susan, e delicadamente colocou dois
cobertores sobre seu corpo nu.
- Obrigada, Sam - disse Anna. - Mesmo.
- À disposição, sempre que precisar. - Sam descobriu que tinha dito isso de todo o coração.
O que estava acontecendo com ela? - Espero que o show não tenha reapresentação.
Susan grunhiu, rolou e encolheu o corpo numa posição fetal. Sam tinha tomado porres
como esse várias vezes, mas a visão de Susan a fez jurar que não faria isso novamente. Pelo
menos não tão cedo.
- Quer um café? - perguntou Anna.
- Claro.
Elas desceram até a cozinha, onde Anna ligou a máquina Braun.
- Estou relutando em ligar para Margaret - confessou Anna. - Não vai ser nada bonito.
Provavelmente ela vai me demitir.
- Por cuidar da sua irmã?
- Eu devia estar lá em nome da Apex, lembra?
- Bom, não é que esse estágio seja assim tão essencial pra você. Você nem quer trabalhar
no ramo, quer?
- Não - disse Anna. - Acho que não, de qualquer forma.
- É uma pena - disse Sam a ela. - Porque eu acho que você realmente escreve bem. Posso
ter minimizado isso no começo, mas foi porque me senti ameaçada. Tem tanta coisa que a
gente pode fazer juntas ... um dia.
- Bom, obrigada pelo elogio. Quem sabe ... talvez eu pense nisso - disse Anna. - Mas eu ia
ter que conhecer todos aqueles escritores. E ler peças e roteiros.
- Roteiros? - Sam desdenhou com descrença. - Quer roteiros? Tem uns dez mil roteiros no
estúdio do meu pai. Roteiros de filmes, textos de peças, originais de livros. Dos maiores
escritores do mundo. Quer saber por quê? Porque todos sabem que, se conseguirem
envolver meu pai num projeto, vão conseguir que o filme seja feito e vão ganhar o milhão
de dólares mais fácil da vida deles. Roteiros? Pode chegar, você é bem-vinda a eles. Mas
vou te prevenir, a maioria é uma droga. É por isso que a maioria dos filmes é uma droga.
Anna brincou com a xícara de café enquanto esperava que a Braun fizesse seu trabalho.
- Não é esse o meu estilo - queixou-se ela. - Eu nunca me envolvi num escândalo tão
grande como esse. É horrível.
- Anna, você não fez nada. Sua irmã é que fez.
- Tem razão - disse Anna. - Vou ligar para a Margaret.
Anna encontrou o número do celular de Margaret, mas só caía na caixa postal. Deixou um
pedido de desculpas curto, pediu a Margaret para retomar a ligação e desligou.
O café estava pronto, então ela serviu duas xícaras e entregou uma a Sam.
- Creme? Açúcar?
- Puro.
- Que dia. - Anna tomou um gole da bebida fumegante. - Que tal se a gente se sentar no
caramanchão? Está lindo lá fora e eu preciso tirar os impulsos homicidas da cabeça.
Elas foram para fora, seguindo o caminho no quintal até o caramanchão antiquado.
- Se você deixar a Cammie te atingir, ela vence, sabe disso - observou Sam enquanto elas se
sentavam.
- Por que sempre se trata de ganhar ou perder, Sam? Como a Cammie pode se sentir melhor
me magoando? Isso é mesmo doentio.
- É, bom, se é uma doença, é a praga de Hollywood. Além disso, a Cammie também tem
umas qualidades ótimas.
- Você está defendendo a Cammie?
Os olhos de Sam caíram numa estátua do Cupido no meio do chão do caramanchão; alguém
tinha colocado uma rosa vermelha na aljava dele.
- Digamos que eu saiba quanto pode doer um coração partido.
- Eu também sei, mas isso não é desculpa para o comportamento dela. Quando olho para
ela, só o que vejo é ódio.
Anna estendeu o braço e pôs a mão na de Sam. - Mas você... você é uma boa pessoa. É
melhor do que Cammie. E é inteligente demais para Dee. Não tem que andar com
elas.
O coração de Sam cambaleou. Seria possível que Anna estivesse correspondendo a ela?E
se estivesse, era uma reação platônica... ou outra coisa? Sam queria que Anna fosse sua
amiga. Mas também queria que Anna a beijass .Mas também
não queria ser gay nem bi, apesar de essas duas coisas serem chiques hoje em dia. O Dr..
Fred podia dizer o que quisesse sobre não agir por impulso, mas sentir o que ela estava
sentindo enquanto a mão de Anna pousava na sua era o bastante
para deixá-la agitada de ansiedade.
Sam retirou a mão. Podia ser amiga de Anna, talvez. Se elas simplesmente não se tocassem.
Independentemente do que seu próprio corpo estivesse dizendo a ela para fazer.
- Desculpe - disse ela rapidamente. - Vamos falar de você e Ben. Porque ainda existe um
você e Ben, apesar devocê tentar se convencer de que não existe.
- Sam, ele me largou ...
- É, tá, tá, já ouvi isso um zilhão de vezes - cantarolou Sam. - Você não dá o benefício da
dúvida a ninguém?
- Como assim, ele me disse a verdade?
- Como é que vou saber? Talvez sim, talvez não. Então, por uma noite, ele não ganhou um
A em seu relatório diário da vida. E daí? Meu Deus, você sempre vem com essa. O
verdadeiro motivo para você estar resistindo é que você tem medo. Medo de que possa ser
levada por ele a um lugar onde você nunca foi antes. Medo de ele te fazer querer queimar
aquele relatório idiota. Acho que isso te assusta pra caramba.
Anna não respondeu e Sam pôde ver que acertou na
mosca.
Anna olhou a paisagem do quintal e franziu a testa.
- Engraçado. Eu vim para a Califórnia para me libertar de tudo. Mas parece que um novo
tudo me seguiu até aqui.
- É, bom, como o dr. Fred sempre me diz, "Onde quer que você vá, Sam, você estará lá". -
Sam não tinha certeza se estava falando dela mesma ou de Anna. Ou talvez das duas.
- Eu só queria me isolar um pouco. Já sentiu isso?
- O tempo todo. Mas eu ia perder minhas escovas da manhã com Raymond. Brincadeirinha.
Olha, por que não faz isso? Se isola.
- Como? Tem Susan, Margaret e nosso projeto... - Anna piscou. - Que engraçado. Porque
eu acabei de pensar no lugar perfeito.
- Onde?
- Vi numa revista na recepção da Apex. O Montecito Inn, acho que era esse o nome.
- Ah, sei, já fui lá - disse Sam. - Fica na costa de Santa Barbara. Meio discretinho pro meu
gosto, mas é legal.
- Parecia lindo. Meu Deus, eu adoraria ir - disse Anna com tristeza.
- Entra no carro e vai, então.
Os olhos de Anna brilharam.
-É?
- É. Mas volte na terça à noite. Temos muito filme para editar. Tomei a liberdade de dar
uma olhada rápida nos monólogos que filmamos de manhã, e eles ficaram tão bons na tela
como no papel. Eu disse, acho mesmo que você tem muito talento.
Quem quer que consiga fazer Dee Young parecer atraente tem um dom.
Anna sorriu.
- Obrigada, Sam. Por tudo. Eu te devo uma. É sério.
- É, você deve. Não se preocupe, eu vou cobrar. - Ela acrescentou um sorriso todo especial.
- Me dê seu ticket do manobrista da festa. Vou conseguir que um dos lacaios do meu pai
traga seu carro até aqui.
Dez minutos depois, Sam estava voltando para a propriedade dos Sharpe em Bel Air, os
pensamentos se atropelando. Ben e Anna. Adam e Anna. Anna ter dito que não quer ficar
nem com Ben, nem com Adam. Sam e Anna. O que Sam descobriu que queria, mais do que
tudo, era ter Anna como amiga. O tipo de amigas que se ajudam e fazem coisas altruístas
uma para a outra, tudo em nome da amizade. Bom, pelo
menos era o que acontecia nos filmes.
Sua vida podia não ser um filme. Mas isso não significava que Sam Sharpe não podia fazer
alguma coisa altruísta pelo menos uma vez em sua vida superprivilegiada. Antes que
pudesse mudar de idéia, ela usou o viva-voz do carro para discar um número em seu
celular.

CINQUENTA MIL PRATAS

Anna ficou no caramanchão por alguns minutos depois que Sam foi embora, ligando para
Margaret novamente de seu celular, só conseguindo ouvir a secretária eletrônica da caixa
postal. Depois ficou sentada ali, zangando-se com a luz mortiça daquele sábado estranho.
Com a escuridão veio o frio da noite e uma brisa forte do Pacífico, o que a fez voltar para a
casa. Assim que entrou na cozinha, o pai explodiu com ela.
- Anna? O que aconteceu? - Ele estava de pé ao lado da mesa, um copo cheio de conhaque
na mão. - E que diabos Susan está fazendo desmaiada na sua cama?
- Foi por acaso. Eu a encontrei na festa. Estava bêbada. Tive que tirá-la de lá, pai.
- Você contou a Margaret?
- Ela me viu. Mas não era hora de eu falar com ela.
- Bom, então, imagino que você esteja saindo do estágio - disse Jonathan.
- Era a coisa certa a fazer. Susan estava com problemas. Eu faria tudo igual novamente.
Jonathan se sentou novamente à mesa.
- Margaret nunca devia ter convidado sua irmã. Ela sabe muito bem que Susan acabou de
sair da reabilitação... O que eu estou dizendo? Lá vou eu de novo, dando desculpas para ela.
Todos damos desculpas pela Susan.
Anna se sentou de frente para o pai.
- Até onde eu sei, Susan não ficou bêbada sozinha.
- Alguém despejou bebida pela garganta dela?
- Não - admitiu Anna. - Pelo menos, acho que não.
O pai dela esfregou os olhos.
- Ela me culpa, não é?
Qual era o problema de sua família? Será que ninguém assumia a responsabilidade por
nada?
- Olha, pai - disse Anna, mudando de assunto e indo para a escada. - Acho que preciso sair
por uns...
- Anna, espera.
Alguma coisa na voz do pai a fez parar. Ela cruzou os braços e se esforçou para mostrar
uma paciência que não tinha mais.
- O que é?
_-Nossa família é muito boa em evitar as coisas - disse onathan. - Com Susan... Quando ela
foi para Bowdoin... Meu Deus, não é fácil. - Ele apoiou o copo de conhaque
na mesa.
E de repente Anna percebeu; seu pai estava tentando dizer alguma coisa específica. Sobre
Susan.
- Eu sabia que tinha acontecido alguma coisa, pai. Mas nunca soube o que era.
- A verdade é que a vida de sua irmã estava em perigo. Ela se envolveu com um músico
pobretão - disse o pai. - Sexo, drogas e rock and roll... a coisa toda. Se houvesse um
problema, ele tinha. E ele estava passando isso para sua irmã.
- Você tentou conversar com ela? - perguntou Anna.
- Milhões de vezes - disse Jonathan. - Ela jurava que ia terminar, mas depois não terminava.
Era como uma doença. Quer dizer, o cara a prendia, não sei como. A gente devia ter
enxergado que era um vício.
Anna engoliu em seco. Ela nunca soube dos detalhes dessa história - e agora podia entender
por que Susan relutava tanto em falar no assunto.
- Desculpe - disse ela ao pai. - Deve ter sido muito difícil para você e a mamãe.
- Nem me fale - disse Jonathan. - Foi como se sua irmã estivesse num carro desgovernado,
indo para um precipício, sem volante nem freio.
- Foi assim?
Anna se virou. Uma Susan muito pálida e instável estava na soleira da porta, apoiando-se
no batente com as mãos.
- Um carro desgovernado, sem volante nem freio? Vim pegar um copo de água e escuto
isso?
- É a verdade! - disse Jonathan enfaticamente.
- Está tão longe da verdade como qualquer mentira - retorquiu Susan. - A verdade, Anna, é
que eu era louca pelo Eric. A mamãe, é claro, ficou transtornada porque ele era tão
terrivelmente inadequado para os padrões dela. Ela costumava me mandar bilhetes no papel
timbrado... escritos à mão... em que falava nos rapazes adoráveis de Dartmouth e Williams
com quem eu iria à faculdade e como todos estavam perguntando por mim. Era o jeito dela
de dizer: "Livre-se do fracasso do seu namorado." Já nosso querido papai tinha outros
métodos.
- Susan, isso foi há muito tempo. Não há necessidade de mexer nessa história - disse
Jonathan.
- Desculpe a expressão, pai, mas que se foda. A gente devia ter contado a Anna há muito
tempo. - Susan olhou para Anna novamente. - Mamãe ficou tão irritada que pediu ao papai
para viajar pra costa leste para procurar Eric. Então papai, com sua diplomacia de sempre,
explicou a Eric que ele podia dizer quanto queria para sair da minha vida.
Levou algum tempo para Anna entender o que Susan estava dizendo.
- Quer dizer que ele pagou a seu namorado para largar você? - Ela se virou para o pai com
descrença.
- Ele era um imoral...
- Ah, meu Deus, você fez isso. Quanto pagou a ele?
- Isso importa?
- Eu só queria saber a taxa operacional - disse Anna com frieza.
- Cinqüenta mil pratas. E ele aceitou. Ele até contou a Susan antes de partir. Sua mãe e eu te
fizemos um favor, Susan.
- Bom, adivinha só, pai? Eu penso muito nisso toda vez que fico alta. Eu valho cinqüenta
mil paus!
Anna pôs a cabeça nas mãos. Algumas coisas finalmente estavam começando a fazer
sentido.
- Por quanto tempo vai usar essa desculpa? - perguntou o pai, na defensiva. - Para viver
como uma porca, nos odiar e beber até morrer?
- Como é?- sussurrou Anna para o pai. - Como pôde fazer isso com ela?
- É, papaizinho - disse Susan. - Como pôde fazer isso comigo?
Jonathan afundou na cadeira.
- Quando você for mãe, vai entender. Sinceramente, me desculpe.
A não ser pelo zumbido metálico da geladeira, a cozinha ficou em silêncio por um bom
tempo. Finalmente Anna disse:
- Olha aqui, vocês dois. Vou sair por um ou dois dias. Vou voltar na terça. Nesse meio
tempo, sugiro enfaticamente que continuem essa conversa a partir do "Me desculpe" do
papai.

A VERDADE

O Montecito Inn ficava bem em frente ao mar, só a alguns quilômetros de Santa Barbara.
Enquanto o camareiro levava Anna até o quarto, ela pôde ouvir as ondas batendo e as
andorinhas cantando. Ela levou apenas uma mala - era toda a bagagem que tinha, a não ser
que contasse a do tipo emocional.
O camareiro abriu as janelas, acendeu algumas luzes suaves e ligou o ventilador de teto.
Anna deu uma boa gorjeta; ele saiu. Depois ela se deitou em uma das duas camas queen
size e ficou olhando as cortinas de renda dançando na brisa.
O quarto era em tons de azul bem clarinho. Acima clela, um antiquado ventilador de teto
em madeira zumbia lentamente.
Parecia o símbolo de sua vida - girando, girando, mas sempre no mesmo lugar. Nenhuma
dica de como separar quem ela era de quem foi criada para ser.
Engraçado. Será que Susan não se viu na mesma situação mais ou menos no mesmo
momento da vida? Em Bowdoin, ela tentou concluir quem era, separada de sua família pela
primeira vez, até que o laço de veludo da fortuna de seus pais envolveu o pescoço dela,
sufocando o ser que ela estava tentando criar. Cometer erros não fazia parte de deduzir
quem diabos você era - até mesmo escolher o cara errado?
Anna pensou novamente em como os pais sempre evitaram o contato com as filhas.
"Mas eles não transformaram sua irmã numa alcoólatra", disse uma voz em sua cabeça.
Anna ficou preocupada com a irmã, mas definitivamente Susan tinha de ser responsável por
si mesma.
Assim como Anna tinha de assumir a responsabilidade por deixar Brock vagar pela festa
dos Steinberg. Se o estágio na Apex tinha acabado - talvez Margaret desse
outra chance a ela, talvez não -, era responsabilidade inteiramente dela.
Então realmente ...
Chega. Anna se sentou direito. Eram pensamentos demais! Ela precisava se mexer, e não
pensar. Uma corrida pela praia era justamente o que precisava. Então Anna trocou de
roupa, vestindo shorts, tênis e uma camiseta, pôs um suéter da Trinity, prendeu a chave do
quarto no tênis e saiu.
A noite estava fria, mas agradável. Anna correu para a beira da água. Quando chegou à
areia dura abaixo da linha da maré alta, ela pegou o ritmo, a areia rangendo embaixo dos
Reeboks. Não andava se exercitando ultimamente e se sentia ótima em exigir do corpo. Ela
realmente precisava entrar numa aula de balé, restituir alguma disciplina a sua vida e...
Meu Deus, era tão difícil para ela desligar o zumbido em sua mente. Mesmo quando não
queria, pensava demais em tudo! Anna se obrigou a se concentrar na respiração -para
dentro, para fora, dentro, fora, dentro, fora - enquanto dava voltas em torno do hotel e
descia para o mar.
Trinta minutos depois ela parou, largando-se na base de um posto salva-vidas. Ela calculou
ter corrido uns cinco quilômetros. Tirou o suéter, passou na testa suada e depois o pendurou
no pescoço.
- Não podemos continuar nos encontrando desse jeito, Anna.
Anna tomou um susto enorme. Alguém - um homem - estava do outro lado do posto salva-
vidas. Ela pensou que parecia... mas não podia ser...
Mas era.
Ben contornou o posto, as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans. Ele usava um suéter
azul de pescador que combinava com os olhos.
- Que tal um "oi" para começar? - perguntou ele.
A mente de Anna tentava acompanhar a realidade. Ele estava ali com ela, na praia em Santa
Barbara, à meia-noite.
- O que você... como você...
- Sam me ligou ontem à noite e me disse que você estaria aqui - disse Ben. - Eu vi você
correndo quando cheguei.
- Por que ela fez isso? Ligar para dizer aonde eu ia?
Ben deu de ombros.
- Acho que se chama amizade.
- E eu acho que o que você está fazendo é assédio - disse Anna, afastando do rosto suado o
cabelo que tinha escapado do rabo-de-cavalo. - Eu vim aqui para ficar sozinha.
- Tenho uma coisa pra te contar. Depois disso, pode passar toda a sua vida sozinha, se
quiser. Estou cansado demais de mentir.
Mentir. Ben tinha mentido. No fundo, ela sabia disso o tempo todo.
- Estou enjoada disso também, Ben. Então por que não
me conta a verdade?
- Acha que é fácil?
- Então não é fácil, e daí? Dificilmente alguma coisa que vale a pena é fácil Por que não
pode só ... Ah, deixa pra lá!- - Frustrada, ela pegou uma pedra e a atirou na arrebentação.
- A verdade é que eu não fiquei com nenhuma celebridade misteriosa depois que deixei
você sozinha no barco no Ano-Novo - disse ele. - Eu estava num avião para Las
Vegas.
Las Vegas? Isso não fazia sentido nenhum.
Anna esperou que ele continuasse. Ele olhou para o mar enquanto falava.
- Não foi uma grande atriz que quase morreu. Foi o babaca do meu pai. Ele tem problemas
com apostas. Dos grandes. Ganhava uma pequena fortuna e apostava tudo. Foi a minha mãe
que me ligou. Eles tiveram uma briga naquela noite e ele foi para Vegas de carro para jogar
blackjack com um cacife de cem dólares. Não era grande coisa. Até que minha mãe
descobriu que ele tinha levado uma pistola com ele.
Anna não conseguiu evitar. Ela engoliu em seco.
- Ela ligou para a polícia ... então você pode checar essa história, se quiser. Mas eu não ia
esperar pela polícia. Fui direto para o aeroporto e peguei um avião para Vegas. Eu o
encontrei no Bellagio... onde ele sempre fica... com um rombo de sessenta mil pratas.
Quando tentei tirá-lo da mesa, ele me deu um soco. O plano dele era ganhar ou explodir o
próprio cérebro.
A mão de Anna voou até a boca.
- Família legal, né? - perguntou Ben com amargura.
- Por que não me contou isso? - sussurrou Anna no escuro.
- Porque era uma humilhação do caramba, foi por isso. E porque eu guardei o segredo dele
por tantos anos que nem sabia mais como contar a verdade. Então agora minha mãe se
internou na unidade psiquiátrica da Universidade de Los Angeles por "estafa" - ele ergueu
os dedos formando aspas, interrompendo-se, aborrecido -, o eufemismo que minha família
gosta de usar. Foi por isso que não voltei para a faculdade.
Então ela não era o motivo de ele ainda estar na cidade.
Meio decepcionante, se Anna fosse sincera consigo mesma.
- Eu não devia ter deixado você no barco naquela noite, Anna - continuou Ben. - Mas eu
tentei te ligar duas vezes. Acho que você dormiu
- E a garota? - perguntou Anna, surpreendendo-se. As palavras tropeçavam de sua boca
como se tivessem vontade própria. Até então, Anna tinha certeza de que não se importava
mais. Obviamente ela se importava.
- Que garota?
- Aquela na calçada.
- Era minha prima. Eu juro. Pedi a ela para fingir que era minha namorada quando vi você
com o Adam, e ela meio que exagerou. Bem ridículo, né?
Anna não respondeu. Havia tanta informação para processar.
Ela simplesmente ficou de pé em silêncio, desenhando
linhas curtas na areia com a ponta do tênis.
- Então é isso - disse Ben. - Não precisa dizer nada. Acredite em mim, eu sei que estraguei
o que tínhamos juntos. Podíamos ter, de qualquer forma. Você nunca vai saber como eu
lamento por isso. Não vou te incomodar mais. Pelo menos agora posso viver comigo
mesmo. - Ele se virou e foi para o estacionamento do hotel.
- Ben, espera. - Ela correu e andou ao lado dele, acompanhando o ritmo enquanto ele
caminhava. - Obrigada. Por me contar, quero dizer.
Ele não disse nada até que o estacionamento estivesse à vista.
- Bom, antes tarde do que nunca, né?
- Sei tudo sobre segredos de família e criar uma fachada perfeita. Meus pais são mestres
nisso.
- A versão para os bem-nascidos da costa leste e a versão judaica da costa oeste, hein? Eles
provavelmente são mais parecidos do que qualquer um possa pensar. - Ele tentou sorrir e
apontou com o queixo para um Altima branco simples. - Alugado. Contenção de despesas.
Minha mãe tem medo de que tirem a casa. Não quero nem pensar nas mensalidades do
segundo semestre da universidade. Quer dizer, se eu voltar para Princeton neste período. -
Ele apertou um botão no chaveiro e a porta do carro destrancou. - Se cuida, Anna.
- Você também.
Ele entrou no Altima, deu a partida e depois engrenou a ré. O coração de Anna saltava. Ele
ia sair de sua vida com a mesma rapidez com que entrou, quando se conheceram naquele
avião. A não ser que ela o detivesse. Ela pulou na frente do carro. Ele abriu a janela e pôs a
cabeça para fora, uma pergunta nos olhos.
- Pare - disse ela.
Ele estacionou e desceu.
- Eu queria te mostrar uma coisa. - Anna pegou a mão dele e o levou para o quarto. Ela
abriu a porta. Eles ficaram parados na soleira.
- Anna? O que é?
- Isso. - Ela passou os braços no pescoço dele e o beijou. Anna pôde sentir que estava
despencando, caída por ele, fora de controle, louca por um cara que era completamente
errado para ela.
- Tem certeza? - sussurrou ele nos cabelos dela.
Uma frase de Gatsby veio à mente de Anna, algo sobre como todas as emoções humanas se
tornam uma mercadoria. E isso a fez pensar em uma frase de Anna Karenina, sobre o erro
que a humanidade comete quando imagina que a felicidade
depende da realização de desejos materiais. Ela não conseguia se lembrar qual era
exatamente a citação. Ficou feliz, porque isso permitia a ela dizer à sua própria mente a
mesma coisa que disse a Ben:
- Cale a boca.
Os pais dela nunca aprovariam: ele era novo-rico e o pai dele apostou todo o dinheiro. A
mãe dele estava no meio de um colapso nervoso. E o sobrenome dele era Birnbaum.
Anna não tinha certeza de nada, e menos ainda de todas as decisões que estava prestes a
tomar.
Mas enquanto ele a levava para o quarto e fechava a porta, ela não se preocupou com quem
era, quem devia ser ou o que os outros pensavam. Ela não pensou em sua decisão de não se
envolver com nenhum homem agora. Ou em como ia se sentir depois do que estava prestes
a fazer.
Porque nesse momento tudo o que Anna queria era Ben, e pela primeira vez na sua
superplanejada vida cheia -de-cuidados de boa menina que era, ela simplesmente não dava
a mínima.

FIM

Créditos: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=34725232

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