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EDUCAÇÃO NA CIBERCULTURA:
o desafio comunicacional do professor presencial e online
Marco Silva *
RESUMO
A aprendizagem digital e online é exigência da cibercultura, isto é, do novo
ambiente comunicacional que surge com a interconexão mundial de compu-
tadores em forte expansão no início do século 21; novo espaço de comunica-
ção, de sociabilidade, de organização, de informação, de conhecimento e de
educação. A aprendizagem digital e online é demanda do novo contexto só-
cio-econômico-tecnológico engendrado a partir do início da década de 1980,
cuja característica geral não está mais na centralidade da produção fabril ou
da mídia de massa, mas na informação digitalizada em rede como nova infra-
estrutura básica, como novo modo de produção. O professor acostumado ao
primado da transmissão na educação e na mídia de massa tem agora o desa-
fio de educar na cibercultura. Terá que desenvolver sua imaginação criadora
para atender as novas demandas sociais de aprendizagem interativa.
Palavras-chave: Cibercultura – Educação – Interatividade – Papel do pro-
fessor
ABSTRACT
EDUCATION IN THE CYBERCULTURE: the communicational
challenge of the presential and online teacher
Digital and online learning is a demand of the cyberculture, that is, of the
new communicational environment that emerges with the worldwide
interconnection of computers in full expansion in the beginning of the 21st
century; a new space of communication, sociability, organization, information,
knowledge and education. Digital and online learning is a demand of the
new socio-economical-technological context produced from the beginning
of the1980 decade, whose general characteristic is no longer in the centrality
of the industrial production or the mass media, but in the digital information
in network as new basic infrastructure, as a new way of production. The
teacher accustomed to the primate of the transmission in education and in
the mass media has now the challenge of educating in the cyberculture.
They will have to develop their creative imagination to fulfill the new social
demands of interactive learning.
Key words: Cyberculture – Education – Interactivity – Teacher role
*
Sociólogo, doutor em educação pela USP, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estácio de Sá – UNESA, e da Licenciatura da UERJ – Universidade do Estado de Rio de
Janeiro. Autor do livro Sala de aula interativa. 3. ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2003. Endereço para correspon-
dência: Av. Princesa Isabel, 334, bloco 3, apt. 086, Copacabana, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: marco@msm.com.br
- site: www.saladeaulainterativa.pro.br
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Educação na cibercultura: o desafio comunicacional do professor presencial e online
Cibercultura
“Conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes,
de modos de pensamento e de valores, que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço”; “novo ambiente de comunicação que surge com
a interconexão mundial de computadores”; é “o principal canal de comunica-
ção e suporte de memória da humanidade a partir do início do século 21”;
“novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de tran-
sação, mas também o novo mercado da informação e do conhecimento [que]
tende a tornar-se a principal infra-estrutura de produção, transação e
gerenciamento econômicos” (LÉVY, 1999, p. 32, 92 e 167). Ciberespaço sig-
nifica rompimento com o reinado da mídia de massa baseada na transmissão.
Enquanto esta efetua a distribuição para o receptor massificado, o
ciberespaço, fundado na codificação digital online, permite ao indivíduo
teleintrainterante a imersão personalizada, operativa e colaborativa na men-
sagem – experiência incomum na mídia de massa.
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pode aprender com o programador digital a nova mete-se às récitas da emissão, mas o que, não
concepção comunicacional.1 se identificando apenas como receptor, interfe-
Portanto, aprender com o movimento da mídia re, manipula, modifica e, assim, reinventa men-
digital supõe antes de tudo aprender com a mo- sagem.
dalidade comunicacional interativa. Ou seja, P. Lévy (1998, p.51-53) sustenta ainda que
aprender que comunicar não é simplesmente é preciso aprender com o movimento das
transmitir, mas disponibilizar múltiplas disposições tecnologias hipertextuais (ou digitais). E enfatiza
à intervenção do interlocutor. A comunicação só as distinções básicas que podem ser dispostas
se realiza mediante sua participação. em quadro sinóptico de modo a torná-las mais
A comunicação interativa é, portanto, o que explícitas. Em suma, são distinções entre mídia
enfatizo como desafio para a educação centrada de massa e mídia digital muito oportunas para a
no paradigma da transmissão. Trata-se de um o professor.
desafio que na verdade se desdobra em três.
Ao mesmo tempo o professor precisa se dar 1
De certo que o professor atento irá verificar que os sites
conta do hipertexto2; precisa fazê-lo potenciar ainda são em geral para ver e saquear e não para interagir.
sua ação pedagógica sem perder sua autoria; e Os especialistas em produção de websites estão subuti-
finalmente precisa perceber ainda que “não se lizando o digital. “A maioria das companhias no mundo
trata de invalidar o paradigma clássico”. Martín- todo está fazendo projetos estúpidos para seus websites”.
Barbero (1998, p.23) formula com precisão os Esta é a opinião de um dos maiores especialistas em internet,
Jacob Nielsen, que intitulou de “TV envy” (inveja da tv),
termos dessa tripla dimensão do desafio.
os sites que “querem ser como a televisão, como um espe-
• O professor terá que se dar conta do hiper- cial da National Geographic”, ironizando. Para Nielsen,
texto: “Uma escritura não seqüencial, uma não se pode dar às pessoas somente coisas para que vejam,
é preciso que interajam. “Se você produz, usa e controla,
montagem de conexões em rede que, ao per-
você ganha, já se você se tornar um usuário pacífico, que
mitir/exigir uma multiplicidade de recorrên- apenas fica sentado em frente à tela, você perde, torna-se
cias, transforma a leitura em escritura.” tudo entediante e fugimos do computador.”
• O professor terá que saber que “em lugar 2
O significado mais profundo do hipertexto tem estreita
de substituir, o hipertexto vem potenciar” sua relação com interatividade e cibercultura. A idéia de
figura e seu ofício: “De mero transmissor hipertexto foi enunciada pela primeira vez por Vannevar
Bush em 1945. Este matemático imaginava um sistema de
de saberes [o professor] deverá converter- organização de informações que funcionasse de modo se-
se em formulador de problemas, provoca- melhante ao sistema de raciocínio humano: associativo,
dor de interrogações, coordenador de equi- não-linear, intuitivo, muito imediato. Mas só nos anos 60
pes de trabalho, sistematizador de experiên- é que Theodore Nelson criou o termo “hipertexto” para
cias, e memória viva de uma educação que, exprimir o funcionamento da memória do computador.
Cito uma definição elucidativa e sintética: “O que é um
em lugar de aferrar-se ao passado [transmis-
hipertexto? Em termos bastante simplificados, podemos
são], valoriza e possibilita o diálogo entre explicá-lo da seguinte maneira: todo texto, desde a inven-
culturas e gerações.” ção da escrita foi pensado e praticado como um disposi-
Para o professor que se dispõe a aprender tivo linear, como sucessão retilínea de caracteres, apoiada
num suporte plano. A idéia básica do hipertexto é apro-
com o movimento contemporâneo da tecnologia veitar a arquitetura não-linear das memórias de computa-
hipertextual, pode-se mostrar a distinção entre dor para viabilizar textos tridimensionais como aqueles
mídia clássica e mídia digital ou hipertextual. do holopoema, porém dotados de uma estrutura dinâmica
Este professor poderá se dar conta de que tal que os torne manipuláveis interativamente. (...) A manei-
modificação significa a emergência de um novo ra mais usual de visualizar essa escritura múltipla na tela
plana do monitor de vídeo é através de ‘janelas’ (windows)
leitor. Não mais aquele que segue as páginas
paralelas, que se pode ir abrindo sempre que necessário, e
do livro de modo unitário e contínuo, mas aque- também através de ‘elos’ (links) que ligam determinadas
le que salta de um ponto a outro fazendo seu palavras-chave de um texto a outros disponíveis na me-
próprio roteiro de leitura. Não mais o que sub- mória.” (MACHADO, 1993, p. 286; 288.).
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os e-mails, são, ainda, formas de interação muito Os fundamentos da interatividade podem ser
pobres. Os cursos pela internet acabam conside- encontrados em sua complexidade na informá-
rando que as pessoas são recipientes de informa- tica, no ciberespaço, enfim, no digital. São três
ção. A educação continua a ser, mesmo com es-
basicamente:
ses aparatos tecnológicos, o que ela sempre foi:
uma obrigação chata, burocrática. Se você não • Participação-intervenção: participar não é
muda o paradigma, as tecnologias acabam ser- apenas responder “sim” ou “não” ou esco-
vindo para reafirmar o que já se faz.” (2001). lher um opção dada, significa modificar a
mensagem.
Para enfrentar o desafio de mudar essa tra-
• Bidirecionalidade-hibridação: a comunicação
dição, o professor encontra no tratamento com-
é produção conjunta da emissão e da recep-
plexo da interatividade os fundamentos da co-
ção, é co-criação, os dois pólos codificam e
municação que potenciam um novo ambiente
decodificam.
de ensino e aprendizagem. Tais fundamentos
mostram que comunicar em sala de aula signi- • Permutabilidade-potencialidade: a comunica-
fica engendrar/disponibilizar a participação/ex- ção supõe múltiplas redes articulatórias de
ploração livre e plural dos alunos, de modo que conexões e liberdade de trocas, associações
a apropriação das informações, a utilização das e significações.
tecnologias comunicacionais (novas e velhas) Estes fundamentos revelam o sentido não
e a construção do conhecimento se efetuem banalizado da interatividade e inspiram o rom-
como co-criação e não simplesmente como pimento com o falar-ditar do mestre que pre-
transmissão. valece na sala de aula. Eles podem modificar o
Seja no espaço físico entre paredes, seja no modelo da transmissão abrindo espaço para o
ciberespaço, a sala de aula interativa socializa exercício da participação genuína, isto é, parti-
liberdade, diversidade, diálogo, cooperação e co- cipação sensório-corporal e semântica e não
criação quando tem sua materialidade da ação apenas mecânica. Em síntese, a interatividade
baseada nestes mesmos princípios. No ciberes- contribui para sustentar em nosso tempo, que
paço, o ambiente virtual de aprendizagem e so- educar significa preparar para a participação
cialização (fórum, chat e outras ferramentas cidadã, e que esta pode ser experimentada na
disponibilizadas no site de um curso que possi- sala de aula interativa (informatizada ou não, a
bilitam interatividade on-line) pode pautar-se distância ou presencial), não mais centrada na
em tais princípios. Assim, promove integração, separação de emissão e recepção. De resto, a
sentimento de pertença, trocas, crítica e auto- imaginação criadora do professor é como nun-
crítica, discussões temáticas e elaborações cola- ca solicitada.
borativas, como exploração, experimentação e Alguns cuidados podem potencializar a sua
descoberta. autoria criativa, seja no presencial, seja a dis-
O professor que busca interatividade com tância.
seus alunos propõe o conhecimento, não o 1. Os estudantes são convidados a resolver os
transmite. Em sala de aula é mais que instrutor, problemas apresentados de forma autôno-
treinador, parceiro, conselheiro, guia, facilitador, ma e cooperativa?
colaborador. É formulador de problemas, provo- 2. Através do diálogo entre professor e estu-
cador de situações, arquiteto de percursos, mobi- dantes as dúvidas são esclarecidas?
lizador das inteligências múltiplas e coletivas na 3. O professor e os estudantes apresentam e
experiência do conhecimento. Disponibiliza es- defendem seus pontos de vista?
tados potenciais do conhecimento de modo que 4. Os estudantes são convocados a apresen-
o aluno experimente a criação do conhecimento tar, defender e, se necessário, reformular
quando participe, interfira, modifique. Por sua vez, seus pontos de vista constantemente?
o aluno deixa o lugar da recepção passiva de 5. Há um clima de cooperação e confiança
onde ouve, olha, copia e presta contas para se entre estudantes e professor valorizando a
envolver com a proposição do professor. troca de experiências?
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Educação na cibercultura: o desafio comunicacional do professor presencial e online
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Caderno 11, p. 5.
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KENSKI, Vani M. Novas tecnologias, o redimensionamento do espaço e do tempo e os impactos no
trabalho docente. São Paulo, SP: FEUSP, 1997. Reprografado.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, SP: Editora, 34, 1999.
_____. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução de
Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora, 34, 1993.
_____. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo, SP: Loyola, 1994.
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997(a).
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