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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanga a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
"" controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
: dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estéváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada


em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xxxix Fevereiro 1998 429
A Pará-oikía (paróquia) do Cristáo

A Declaracáo do Rio de Janeiro Sobre a Familia

As Organizacoes Internacionais e a Familia

Urna conversáo a Vida

A Pdicáo Oficial do Catecismo da Igreja Católica

Lutero e Maria Santíssima

Os Doutores da Igreja

989.000.000 de Católicos no Mundo

O Tempo na Concepcáo Judaico-cristá


PERGUNTE E RESPONDEREMOS FEVEREIRO1998
Publicacáo Mensal N°429

SUMARIO
Diretor Responsável
Estéváo Bettencourt OSB A Pará-oikía (paróquia) do Cristáo 49
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico No Riocentro:
A Declaracáo do Rio de Janeiro Sobre a
Diretor-Administrador: Familia 50
D. Hildebrando P. Martins OSB
Uma voz abalizada fala:
As Organizacóes Internacionais e a
Administracáo e Distribuicáo:
Familia 76
Edi?óes "Lumen Christi"
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5o andar - sala 501 Fala o Rei do Aborto:
Tel.: (021) 291-7122 Uma Conversáo á Vida 70
Fax (021) 263-5679
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A Edicáo Oficial do Catecismo da Igreja
Enderezo para Correspondencia:
Católica 74
Ed. "Lumen Christi"
Caixa Postal 2666 O Protestantismo se afastou...
Lutero e Maria Santíssima 81
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Sania Teresinha entre
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Os Doutores da Igreja 87
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
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e-ma¡l: LUMEN.CHRISTI @ PEMAIL.NET 989.000.000 de Católicos no Mundo 91
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O Tempo na Concepcáo judaico-cristá .. 93

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA


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O Papa e as Sagradas Imagens. - "Querido Papa" (Freí Betto): comentarios. -"Macona-


ria e Fé Crista" (J. Scott Horrell). - "A Nova Era diante da Fé Crista" (Cario Maccari). -
"Católicos pelo Direito de Decidir"; quem sao? - A Indissolubilidade do Matrimonio: Obje-
cóes e Respostas.

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Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"


Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro - RJ y
A PARÁ-OIKÍA (PARÓQUIA) DO CRISTÁO

O cristáo utiliza os vocábulos "paróquia, pároco, paroquiano" sem tai-


vez se dar conta de todo o alcance desses termos. Na verdade, sao portado
res de profundo significado.

Com efeito, paróquia vem do grego pará-oikía, o que significa casa ou


pousada (oikía) ao lado... (para). Tal é a tenda que o viandante ergue quan-
do faz urna parada na estrada para repousar; nao entra na cidade, mas acam
pa ao lado (ou fora) da cidade, porque nao é cidadáo da mesma nem preten
de al¡ fixar residencia; ele quer ir adiante; por isto é pároikos.
O vocábulo é muito caro á linguagem bíblica: o povo de Deus e cada
um dos seus membros sao tidos como viandantes ou peregrinos sobre a tér
ra, em demanda da Cidade Definitiva, "cujo Arquiteto e Construtor é o próprio
Deus" (Hb 11,10). O autor da epístola aos Hebreus chega a dizer: "Nao temos
aqui urna cidade estável, mas procuramos a futura" (Hb 13,14). Com muito
acertó o cristáo percebe que este mundo nao pode ser o destino supremo do
homem; as contradicóes aqui existentes acenam a urna realidade melhor, em
que o Bem e o Mal seráo reconhecidos como tais. Consciente disto, Sao
Pedro se refere "aos tempos da nossa paroikía", vocábulo que se traduz ge-
ralmente por exilio: "Portai-vos com temor durante o tempo da vossa paroikía"
(1Pd 1,17). Na verdade, "a cidadania do cristáo está nos céus, donde ele
espera ansiosamente o Salvador, que o levará para a gloria" (Fl 3,20).

As mesmas conviccóes se expressam nítidamente na literatura crista


dos primeiros séculos. Assim as Atas do Martirio de Sao Policarpo (t 156)
saúdam os leitores destinatarios com as palavras: "A Igreja de Deus que é
pároca em Esmirna á Igreja de Deus que é pároca em Filomélio". "Ser páro
co", no caso, significa "ser viandante acampado a caminho da meta definiti
va". Esse mesmo documento refere-se "a todas as paróquias (assentamentos
de caminheiros) da Igreja Católica". Um pouco mais tarde, no século III, um
cristáo anónimo escrevia a Diogneto, dizendo-lhe: "Os cristáos habitam a sua
patria, mas como pároikoi, (viandantes). De tudo participam como cidadáos,
mas tudo suportam como estrangeiros. Toda térra estrangeira é patria para
eles, e toda patria Ihes é térra estrangeira" (5,5).
Tal vocabulario passou para a linguagem católica posterior, mas foi per-
dendo o seu significado originario táo importante. É oportuno reavivar nos
cristáos a consciéncia de que tudo passa neste mundo ("passa a figura deste
mundo" 1Cor 7,31). Isto nao dispensa os fiéis, pároikoi de trabalhar zelosa-
mente na construcáo de um mundo melhor, mas abre horizontes, e ajuda a
olhar para o futuro que trará a resposta cabal aos anseios dos homens, res-
posta que nenhuma obra meramente terrestre, por mais bela que seja, jamáis
poderá propiciar.
E.B.

49

PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXXIX-N° 429-Fevereiro de 1998

No Riocentro:

A DECLARAQÁO DO RIO DE JANEIRO


SOBRE A FAMÍLIA

Em síntese: A familia é atualmente ameagada por normas gover-


namentais e costumes que a destroem, ferindo nao somente a Moral ca
tólica, mas a própria dignidade humana. O Congresso Teológico-Pasto-
ral realizado no Rio de Janeiro de 1o a 3 de outubro de 1997 reafirmou a
Familia "como Dom e Compromisso, Esperanga da Humanidade". O res
pectivo texto vai abaixo publicado.
* * *

Com a devida autorizagáo, publicamos a seguir, precedido de bre


ve Introdugáo, o texto das Conclusóes do Congresso sobre a Familia
(Rio de Janeiro, 1 "-3/10/97). O texto tem caráter provisorio, mas como tal
é altamente significativo, merecendo pleno acato.

Um Congresso Teológico-Pastoral Internacional teve lugar no Rio


de Janeiro, de 1 ° a 3 de outubro, quando se realizou o Segundo Encontró
do Santo Padre com as Familias. Mais de 2.500 participantes provenien
tes de cada continente, representantes de 75 países, reuniram-se por
intermedio do Pontificio Conseiho para a Familia e da Arquidiocese do
Rio de Janeiro. Ouvindo especialistas de todo o mundo e trabalhando em
pequeños grupos, foram explorados os aspectos mais importantes do
tema deste Encontró Mundial: A Familia, o Dom, o Compromisso, a Es
peranga para a Humanidade. Estas conclusóes sao fruto do trabalho dos
participantes desse Congresso.

A DECLARACÁO DO RIO DE JANEIRO SOBRE A FAMÍLIA


1. A FAMÍLIA EM TEMPOS TURBULENTOS
1.1. A familia está sob a mira de ataque em muitas nacóes. Urna ideolo
gía anti-família tem sido promovida por organizacóes e individuos
que, muitas vezes, nao obedecem a principios democráticos.

50
A DECLARAgÁO DO RIO DE JANEIRO SOBRE A FAMÍLIA 3

1.2. Temos testemunhado urna guerra contra a familia, em nivel tanto


nacional como internacional. Nesta década, em Conferencias das
Nacoes Unidas, tém sido vistas tentativas para "desconstruir" a fa
milia de tal forma que o sentido de "casamento", "familia" e "materni-
dade" é agora contestado. Tem sido estabelecida urna falsa oposi-
cáo entre os direitos da familia e os de seus membros individuáis.
Sob o nome de liberdade, tém sido promovidos "direitos sexuais"
espurios e "direitos de reproducáo". Entretanto, estes direitos estáo,
de fato, principalmente, a servico do controle populacional. Sao ins
pirados em teorías científicas em descrédito, num feminismo ultra-
passado e numa mal-direcionada preocupacáo com o meio-am-
biente.

1.3. A familia senté os efeitos de urna tendencia neo-totalitária. Ñas so


ciedades em que o consumismo e o materialismo substituíram os
valores humanos, a pessoa é reduzida a simples coisa. Desta for
ma, "liberado" dos eios da familia e da sociedade, o individuo ¡sola
do, vítima de urna nova forma de alienacáo, torna-se suscetível a
todas as formas de despotismo.

1.4. Urna linha social-materialista, ao lado do egoísmo e da


irresponsabilidade, contribuí para a dissolucáo da familia, deixando
urna multidáo de vítimas indefesas. A familia está sofrendo com a
desvalorizacáo do casamento através do divorcio, da desercáo e da
coabitacao. Um clima de permissividade encoraja exploracáo de cri-
ancas, o aumento do vicio em drogas e a criminalidade juvenil. Cri-
ancas abandonadas vagam pelas rúas, ao passo que outras crian-
gas estáo abandonadas em casa. Tanto a violencia contra as mulhe-
res aumenta, como a violencia do aborto; o infanticidio e a eutana
sia calam fundo no coracáo da familia. Na verdade, as familias de
hoje estáo ameacadas por urna sub-repticia cultura da morte.

1.5. A dissolucáo da familia é urna das maiores causas da pobreza em


muitas sociedades. A maior parte dos pobres do mundo é de mulhe-
res e criancas que sao, muitas vezes, exploradas em sua pobreza.

1.6. A queda da natalidade e o número crescente de idosos dependen


tes está produzindo urna crise económica. As tensóes entre as ge-
racóes aumentam, os mais velhos nao sao sempre respeitados; as
tradicóes culturáis se perdem e o tecido social torna-se enfraque-
cido.

1.7. Entretanto, em face de todos estes desafios, rejeitamos o cliché "a


familia está em um estado de crise". Com confianza, proclamamos
que, apesar de pressóes sem precedentes, a familia é e sempre
será um dom, um compromisso e a esperanca da humanidade!

51
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

2. A FAMILIA COMO DOM

Com a gratidáo ao Senhor, proclamamos os sete dons da familia.

2.1. A familia é o dom do Senhor, o Criador. É a primeira célula, viva e


natural da sociedade.

2.2. A familia é alimentada pelo dom mutuo do amor entre marido e es


posa no casamento. A pessoa humana é criada para esta doacao
de amor, que está no projeto original de Deus.

2.3. A familia recebeu o dom da transmissáo da vida humana - a mater-


nidade e a paternidade.

2.4. Cada crianca é um dom de Deus, com dignidade e direitos ¡natos,


desde o momento da concepcáo.

2.5. A vida em familia é um dom diario - um dom que requer amor, paci
encia e sacrificio. É um dom que perpassa as diferentes geracóes
numa cadeia ¡nterminável de reciprocidade e solidariedade.

2.6. A familia é um belíssimo dom á sociedade, a toda a humanidade.


Nesta primeira escola de virtudes, aprendemos o respeito ao outro,
a ajuda mutua e o auto-controle.

2.7. A familia é um dom para a Nova Evangelizacáo. Através da oracáo


em familia e do testemunho profético de fidelidade, generosidade e
hospitalidade, as familias cristas revelam Cristo ao mundo.

3. A FAMÍLIA COMO COMPROM1SSO

Os dons de Deus pressupóem responsabilidades e, portante, o re-


conhecimento dos seguintes compromissos:

3.1. A familia é o paradigma e requer um compromisso mutuo. Convoca


mos as familias no sentido de refletir e renovar este compromisso,
de encontrar tempo para estar juntos, para rezar junto, para se co
municar e estabelecer confianca recíproca.

3.2. O primeiro compromisso é o próprio casamento. Convocamos os


cónjuges a urna renovada dedicacáo recíproca. Sao sempre
benvindos os movimentos cujos objetivos sejam promover a fideli
dade conjugal e a abertura á vida. Convocamos os Governos a le
gislar em favor dos elos matrimoniáis.

3.3. A familia é o "santuario da vida". Seu compromisso com a protecáo


e a nutricáo da vida, desde o momento da concepcáo, é preenchido
verdadeiramente através da paternidade responsável.

52
A DECLARAQÁO DO RIO DE JANEIRO SOBRE A FAMÍLIA 5

Denunciamos toda e qualquer invasáo pública ou privada a este


santuario. Chamamos a atencáo especialmente para as novas ameagas
á liberdade de reprodugáo, que incluem as campanhas de esterilizagáo
em massa.

3.4. Denunciamos, especialmente, os programas de "contracepgáo de


emergencia", que estáo sendo promovidos entre as mulheres refu
giadas. Na verdade, trata-se da promogáo do aborto em consorcio
com as agencias das Nagóes Unidas e com os grupos de controle
populacional. Esta é urna grande injustica com as familias que se
encontram em circunstancias trágicas, e envolve riscos para a saú-
de das mulheres.

3.5. Mais do que nunca, a familia precisa comprometer-se com os nao


nascidos. Clamamos por protecáo legal e social para a pessoa do
náo-nascido.

As familias precisam estar vigilantes em relagáo as novas formas


químicas de aborto (abortivos), criados para uso doméstico; além disso,
devem estar prontas para as novas tecnologías que ameagam o conceito
exato de paternidade: a clonagem, por exemplo.

3.6. O compromisso da juventude com a cultura da vida deve tornar-se


urna prioridade em todos os níveis, a comegar pela educagáo para a
vida dentro de casa e na paróquia.

3.7. Clamamos pela solidariedade com as familias cujos membros estáo


lutando contra o vicio das drogas, no sentido de criar novas estrate
gias para apoiá-las, bem como fomecer um apoio maior a movimen-
tos comprometidos com a integracáo daqueles que sofrem em sua
volta á familia e á sociedade.

3.8. O compromisso dos pais em educar seus filhos implica responsabi


lidades, embora os pais tenham o direito de escolher a educagáo
que desejam para seus filhos. Rejeitamos a imposicáo de ideologí
as as criancas, através de programas, modelos e métodos que usur-
pam dos pais seu direito de serem agentes da educacáo.

3.9. Dar urna educagáo auténtica sobre o amor e a sexualidade humana


é direito e dever dos pais e deve ser realizado dentro de casa; apoi-
ada, se necessário, por outros, mas que esteja sempre sob a super-
visáo e o controle dos pais. Os pais devem-se organizar para resistir
aos esforgos do Estado, dos meios de comunicagáo de massa ou
de grupos de controle populacional para corromper seus filhos.

3.10. A sociedade deve ter compromisso com a familia, mas isso só pode
ser atingido urna vez que as familias se tornem protagonistas de

53
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

urna política da familia. A acáo política em beneficio das familias


deve ser objetivada no apoio as familias que criam seus filhos em
qualquer setor da vida social.

Denunciamos a legislacáo que discrimina familias ou que interfere


na vida da familia, em áreas como educacáo, impostos, emprego, saúde,
habitacáo, etc.

3.11. O compromisso com as familias pobres e com as enancas abando


nadas deve ser urna prioridade política e social. Clamamos por jus-
tica para todas as familias, mas, em especial, por solidariedade as
familias pobres.

Denunciamos os projetos que controlam o tamanho das familias dos


pobres, inclusive as familias de refugiados e familias sob ocupacao. Na
verdade, estas familias necessitam de cuidados de saúde primarios, edu
cacáo, protecáo legal efetiva, condicóes decentes de vida e de justica
económica.

3.12. Clamamos aos políticos, legisladores e economistas que se com-


prometam a construir urna economía para as familias, onde a pes-
soa humana está sempre no centro. A subsidiariedade significa que
á familia, nao ao Estado, nao as grandes organizacóes, deve ser
dada a responsabilidade na gerencia e no desenvolvimento de sua
própria economía.

3.13. O compromisso da fé em Jesús Cristo cria um elo de unidade den


tro da grande familia da Igreja.

Convocamos os clérigos para a construcáo da familia espiritual da


Igreja através da pastoral das familias ñas paróquias, fato que inclui o
ensino e a oracáo pela dignidade da vida humana, do casamento e da
familia. Recomendamos urna preparacáo sistemática de seminaristas e
preparacao constante de clérigos para a prioridade da familia no cuidado
pastoral na paróquia e na diocese.

3.14. Urna espiritualidade mais profunda da familia é necessária para


enriquecer o compromisso, com Cristo, de todos os membros da
comunidade de vida e amor.

4. A FAMÍLIA COMO ESPERANCA PARA A HUMANIDADE

4.1. Nestes anos que nos levam ao Terceiro Milenio, fazem eco as pala-
vras do Papa Joáo Paulo II no Primeiro Encontró Mundial em Roma,
1994: "Familias, voces sao gaudium et spes, alegría e esperanca!"

4.2. As familias oferecem a maior esperanca em relacáo ao sofrimento


das criancas abandonadas, particularmente aquelas que estáo ñas

54
A DECLARACÁO DO RIO DE JANEIRO SOBRE A FAMÍLIA 7

rúas de nossas cidades grandes. Acolhemos os movimentos que


facilitam a adogáo e desenvolvem modelos familiares que se devo-
tam a estas changas.

4.3. A esperanga para familias pobres pode ser oferecida pela educacáo
das mulheres, por cuidados para com a saúde das criangas, mas,
ácima de tudo, pelas familias mais prósperas que facam urna "op-
gáo preferencial pelos pobres e desvalidos."

4.4. Acolhemos os rápidos avangos dos métodos naturais modernos de


regulagáo da fertilidade, na esperanga de que eles possam ser am-
plamente divulgados pelo mundo.

4.5. Os diversos movimentos de jovens para a vida e para a familia sao


um grande sinal de esperanga para o mundo, nao só como a Igreja
do futuro, mas como urna forga ativa na Igreja de hoje.

4.6. Em face de continua disseminagáo das drogas, a familia oferece


esperanga para evitar o vicio, curando aqueles que sof rem e reinte
grándoos á sociedade.

4.7. Aplaudimos esforgos de movimentos e paróquias que trabalham jun


tos e em harmonía para evangelizar familias e para formá-las em
seu papel de evangelizagáo. Um entendimento mais profundo do
sacramento do matrimonio está enriquecendo a vida da fé e dos
sacramentos em muitas familias hoje.

4.8. Regozijamo-nos na esperanga oferecida a familias dissolvidas, par


ticularmente familias uniparentais, através de urna evangelizagáo
que as acolhe na comunidade da paróquia e reconhece que todas
as familias podem evangelizar, aínda que dissolvidas.

4.9. Esperamos por mais cooperagáo ecuménica na familia e nos as-


suntos da vida humana.

4.10. A esperanga de urna nova evangelizagáo, através de e para as


familias é baseada na unidade de fé e de fidelidade á Igreja. Desta
forma, o Evangelho de Cristo, a Boa-nova da familia, ressoará até
os confins da térra.

Que o Espirito Santo traga urna renovagáo de nossos coragóes no


momento em que nos preparamos para o Terceiro Milenio! Que nos com
prometamos com alegría no trabalho que abra urna nova era para as
familias, fortalecidas pelo Senhor da Vida, que é o Senhor da Familia.

55
Uma voz abalizada fala:

AS ORGANIZARES INTERNACIONAIS E A FAMÍLIA


Prof- Mary Anne Glendon

A familia é agredida por Organizacóes Intemacionais, inclusive a


ONU, em nome dos direitos do individuo, tidos como absolutos. A Profa
Mary Anne Glendon, da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard
e Presidente da Delegagáo da Santa Sé na Conferencia de Pequim so
bre a Mulher, proferiu a respeto notável conferencia ño Riocentro aos
2/10/97, apontando fatos concretos, geralmente ignorados pelo grande
público. O nivel da explanacáo é elevado e erudito, evidenciando que se
trata de porta-voz devidamente abalizada para falar.

Eis o respectivo texto:

A FAMÍLIA E A SOCIEDADE:
AS ORGANIZARES INTERNACIONAIS E A DEFESA DA FAMÍLIA

INTRODUCÁO

Quanto mais refletimos sobre o tópico "Organizacóes Intemacio


nais e a Defesa da Familia", mais perplexidades parecem acumular-se
numa única palavrinha "e". Que ligacóes há, ou deveria haver, entre os
mais antigos agrupamentos sociais e enormes Organizacóes modernas,
que sao táo distantes da vida diaria? A Declaracáo Universal dos Direitos
Humanos da ONU proclama que a familia merece a protecáo da socie-
dade e do Estado1. Mas nao há qualquer evidencia, no paño de fundo
histórico da Declaracáo, de que os seus redatores esperassem que a
própria ONU desempenhasse um papel relevante na protecáo da familia
— exceto naquilo de que as familias poderiam beneficiar-se das ativida-
des humanitarias de agencias tais como a Organizacáo Mundial da Saú-
de e o Fundo da ONU para a Infancia. Agora que a ONU e suas agencias
especializadas se tornaram burocracias em expansáo, simbióticamente
entrelagadas com grandes associagóes intemacionais de lobby, ainda
nao está nada claro como instituicóes desse nivel podem melhor atender
as familias. De fato, as atuais atividades de muitas organizacóes intema
cionais freqü ente mente levam-nos a interrogar se a familia precisa de
ser defendida por elas ou protegida contra elas!

1 Deciaragáo Universal, Art. 16 (1948).

56
AS ORGANIZAgÓES INTERNACIONAL E A FAMÍLIA 9

O que está fora de discussáo, é que, no mundo de hoje, cada vez


mais familias estao sendo atetadas, para o bem ou para o mal, pelas
operacóes de varios tipos de agentes internacionais remotos - desde
multinacional até órgáos supranacionais (mundiais como a ONU e o
Banco Mundial, ou regionais como a Organizacáo dos Estados America
nos e a Uniáo Européia), sem falar da vasta gama de Organizacóes Nao
Governamentais (um termo que incluí grupos táo diferentes na sua apro-
ximacáo á familia, como a Federacáo Internacional de Planejamento
Familiar e a Igreja Católica).

Os efeitos das Organizacóes Internacionais sobre as familias


sao as vezes diretos e intencionáis - como acontece com os diversos
servicos prestados pela Igreja através de suas 300.000 organizacóes
educacionais, de saúde e ajuda, servindo principalmente as familias
mais pobres no mundo. Freqüentemente, entretanto, a vida da familia
é afetada por atividades multinacionais dirigidas a outros fins - como
quando urna Companhia transiere suas operacóes, criando empregos
em um país e destruindo-os em outro. Quando organizacóes de con
trole de populacáo pretendem atuar sobre a familia, típicamente agem
de modo indireto, buscando influenciar agencias nacionais e interna
cionais ou grupos privados de servíco social que estáo em contato
direto com familias. A minúscula conjuncáo "e" no meu título, portan-
to, cobre urna rede de relacíonamentos extremamente complexa, al-
guns benéficos as familias, alguns dañosos, e alguns cujos efeitos
sao mistos, ou difíceis de discernir.

O que mais gustaríamos de saber sobre tudo isso, é: como ampliar


os beneficios e, ao mesmo tempo, reduzir os danos? No momento, ainda
é muito limitado o nosso conhecimento sobre como todas essas organi
zacóes internacionais realmente afetam a vida da familia. Portanto, o
que eu gostaria de focalizar hoje sao as atividades relativas á familia de
um único grupo de organizacóes: a ONU e suas afiliadas. Especifica-
mente, desejo chamar a atencáo para urna tendencia surpreendente que
está tomando vulto enquanto se aproxima o 50Q aniversario da Declara-
cáo Universal dos Direitos do Homem da ONU. Essa transformacáo é
nada menos do que um multifacetado assalto a diversos principios fun
damentáis consagrados na Declaracáo, inclusive a afirmacáo de que a
familia é a unidade social básica, e que ela merece protecáo. Embora
estes ataques tragam as bandeiras de varios movimentos de libertacáo,
sugerirei que eles também representam propostas para formas de con
trole social sem precedentes. Finalmente, oferecerei algumas sugestóes
baseadas no ensinamento social católico sobre como podemos reconhe-
cer e combater essas tentativas de voltar o projeto dos direitos humanos
contra a familia.

57
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

I. A VISÁO DA DECLARAgÁO DE 1948: A FAMÍLIA ENQUANTO


OBJETO DE PROTEQÁO DOS DIREITOS HUMANOS
A primeira manifestacáo importante de interesse pela familia feita
por urna organizacáo internacional ocorreu em 1948 quando foi emitida a
Declaracáo Americana dos Direitos e Deveres do Homem em Bogotá,
Colombia. Esse documento notável foi urna das principáis influencias ñas
disposicóes relativas á familia da Declaracáo Universal dos Direitos do
Homem da ONU, que foi aprovada em Paris, mais tarde no mesmo ano.
Lendo hoje esses dois documentos, nao se pode deixar de notar a inten
sa presenca das referencias á familia. Ambas as Declaracóes destacam
que a familia é a unidade fundamental da sociedade; salientam que to
dos tém o direito de casar-se e estabelecer familia; que o lar é inviolável;
que o trabalhador tem direito a um padráo de vida aceitável para si pró-
prio e sua familia; e que a familia em geral, e a maternidade e a infancia em
particular, sao merecedoras da protecáo da sociedade e do Estado2. A De
claracáo da ONU dispóe, adicionalmente, sobre a igualdade dos esposos, e
sobre o direito dos pais de dirigir e escolher a formacáo dos seus filhos3.
Vale a pena refletir sobre por que os redatores desses documentos
de direitos humanos do após-guerra decidiram incluir a familia como ob
jeto de protecáo. Cartas mais antigás, como o "Bill of Rights" americano
e a Declaracáo dos Direitos do Homem e do Cidadáo francesa, nao men-
cionavam absolutamente o assunto. A explicacáo parece ser que os re
datores das declaracóes de pós-guerra usaram, até certo ponto, Consti-
tuicoes nacionais como modelos. No que concerne as familias, há gran
des semelhancas no modo como o tema é abordado ñas Declaracóes e
ñas varias Constituicóes de países da Europa continental e América Latina".
Mas isso nos leva precisamente a urna pergunta ulterior. Por que
esses países acrescentaram a protecáo á familia as suas listas de direi
tos políticos e civis tradicionais? Essa transformacáo pode ser atribuida
primeramente á influencia dos partidos Sociais Cristáos e Demócratas Cris-
táos, cujas políticas sobre familia, por sua vez, foram inspiradas pelas
2 Declaragáo Universal, Arts, 16 e 25; Declaracáo Americana, Arts. 6, 7, 9 e 14.
3 Declaracáo Universal, Arts. 16 e 26.
4 Porexemplo, Solivia 1945 (Art. 133: "O matrimonio, a familia e a maternidade estáo
sob a protegió do Estado"); Franca 1946 (Preámbulo: 'A nagáo garante ao individuo
e é familia as condigóes necessárias para seu desenvolvimento"); Irlanda 1937 (Art.
41: "O Estado reconhece a familia como a primeira, natural e fundamental unidade
grupa! da sociedade... Portanto, o Estado garante a protegáo da familia através de
sua Constituigáo e autoridade..."); Italia 1947 (Art. 29: "A República reconhece os
direitos da familia enquanto unidade social natural baseada no matrimonio"); Espanha
1945 (Art. 22: "O Estado reconhece e protege a familia enquanto instituigáo natural e
fundamental da sociedade com direitos e deveres anteriores e superiores a quaiquer
lei positiva"). Urna linguagem semelhante encontrase na Constituigáo de 1947 do
Brasil e ñas Constituigdes de 1946-1947 dos Estados da Alemanha ocupada.

58
AS ORGANIZARES INTERNACIONAL E A FAMÍLIA 11

Encíclicas sociais da Igreja Católica. Embora ninguém tenha chamado a


atencáo para isso na ocasiáo, um conjunto comum de idéias passou assim
dos ensinamentos sociais cristáos, por via da política normal, para a lei naci
onal, e eventualmente encontrou seu caminho até as DeclaracÓes de Bogo
tá e da ONU. A recepcáo dessas idéias no processo de redacáo da ONU foi
possivelmente facilitada pelo fato de católicos proeminentes, particularmen
te o filósofo Jacques Maritain e o diplomata libanes Charles Malik, estarem
entre os principáis arquitetos do projeto de direitos humanos da ONU.

Outra importante ligacáo entre as DeclaracÓes de 1948 e certas


Constituicóes nacionais reside na maneira como tratam da familia. As
duas declaracóes internacionais pertencem, em forma e em espirito, a
um conjunto de instrumentos relativos aos direitos do pós-guerra, que
nao sao, filosóficamente, nem libertarios nem coletivistas. Sao baseados
antes num conjunto comum de afirmacoes sobre o homem e a sociedade
que poderiam ser chamadas dignitaristas ou personalistas. As declara-
cóes de Bogotá e da ONU indicam, numa linguagem quase idéntica, que
todos os homens e mulheres nascem livres e iguais em dignidade e direi
tos; que o ser humano é dotado de razáo e consciéncia, e que todos
devem agir entre si num espirito de fraternidade5. Ambos os documentos
tratam o portador de direitos individuáis, nao como mónade auto-sufici
ente, mas como pessoa inserida em relacionamentos comunitarios e fa
miliares. A declaracáo da ONU, por exemplo, indica que cada um tem
deveres para com a "comunidade, único lugar onde é possível o desen-
volvimento livre e completo da própria personalidade"6.

Quanto ao problema que nos envolve hoje, é interessante notar


que a historia das DeclaracÓes de 1948 silencia sobre como suas consi
derares relativas á familia deveriam ser levadas a efeito. Tudo indica
que os redatores consideravam a protecao da familia como uma tarefa
que devia ser cumprida por instituicóes mais próximas das próprias fami
lias. O principio de subsidiariedade parece implícito no Artigo 16 da De
claracáo da ONU, que estabelece: "A familia... merece a protecao da
sociedade [bem como] do Estado". Para além de afirmar um pequeño
núcleo de principios fundamentáis que as instituicóes públicas e priva
das estariam chamadas a observar, o envolvimento da ONU, em seus
primeiros anos, com as familias ficou básicamente limitado a prover as-
sisténcia humanitaria.

Entretanto, com o passar do tempo, a ONU tornou-se uma buro


cracia complexa, empregando milhares de funcionarios internacionais.
Suas agencias especializadas multiplicaram-se e estenderam seus al
cances. Aiguns dos grupos mais novos da ONU, como o Fundo para a

5 Declaragáo Americana, Preámbulo; Declaragáo da ONU, Art. 1.


6 Declaragáo da ONU, Art. 29; cf. Declaragáo Americana, Preámbulo.

59
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

Populacáo e o Comité para a Situacáo da Muiher, pretenderam gerenciar


a familia mais do que assisti-la. Conforme a burocracia da ONU cresceu
e expandiu-se, atraiu grupos de interesse desejosos de influenciar suas
atividades, criando relacóes estreitas de trabalho com esses grupos. In
felizmente, alguns desses grupos ¡nternacionais de lobby desejavam pro
teger a familia tanto quanto lobos desejariam proteger cordeiros. O as-
salto á familia comecou assim nos bastidores, muito antes de vir a público.

II. O ASSALTO Á FAMILIA: A FAMÍLIA ENQUANTO OBSTÁCULO


Para compreender por que e como o principio da protecáo á fami
lia passou a ser atacado na ONU, é conveniente considerar urna serie de
eventos importantes que aconteceram em 1995. No comeco desse ano,
o Secretariado da ONU para o Ano Internacional da Familia publicou um
folheto dizendo: "O principio básico da organizacáo social sao os direitos
humanos dos individuos, que foram estabelecidos em instrumentos in-
ternacionais dos direitos humanos"7.

Essa idéia parece bastante inocente, mas somente até quando se


considera o modo como ela se encaixa na Declaracáo de 1948, que es-
tabelece que a familia é a unidade básica da sociedade. O Secretariado
da ONU previu essa pergunta. É verdade, admitiram eles, que "varios
documentos sobre direitos humanos" referem-se á familia como a unida-
de social básica, garantindo a sua protecáo e assisténcia, mas "o poder
da familia é e deve ser limitado pelos direitos humanos básicos dos seus
membros individuáis. A protecáo e assisténcia dispensadas á familia
devem salvaguardar esses direitos".

Ninguém pode razoavelmente colocar objecóes a essa proposicáo,


se ela apenas significa que nao há direitos que sejam ilimitados, mesmo
aqueles relativos á familia. Mas, junto com outras apreciacóes na ONU,
particularmente aquela que erosionava sutilmente a autoridade moral dos
pais na Convencao de 1989 sobre os Direitos da Chanca8, a orientacáo
de 1995 parecía fazer parte de um esforco deliberado para colocar os
direitos individuáis em oposicáo as relacóes familiares, para inserir o
7 Depart. da ONU para coordenado de Poli'ticas e Desenvolvimento Sustentado,
Secretariado para o Ano Internacional da Familia, Guia Indicativo para Agio sobre
Assuntos da Familia (Viena: ONU, 1995), par. 74.
6 Ver Bruce c. Hafen e Jonathan O. Hafen, "Abandoning Children to their Autonomy:
The United Nations Convention on the Rights oí the Child", 37 Harvard Intemational
Law Journal 449 (1996), descreyendo como grupos de interesse que fracassaram
em política nacional voltaram-se para a arena internacional para obter aceitagáo de
sua visáo extremada sobre autonomía das enancas. De acordó com urna publicagáo
oficial da ONU, "reconhece-se em geral na comunidade internacional que as organi-
zagóes nao govemamentais tiveram um impacto direto e indireto nesta Convengáo
sem paralelo na historia da redagáo de acoróos internacionais". Doek e Cantwell, The
United Nations Convention on the Rights of the Child (Amsterdam: Nijhoff, 1992), 23-24.

60
AS ORGANIZAQÓES INTERNACIONAL E A FAMILIA 13

Estado entre as enancas e os pais, e para minar o status da familia como


objeto de protecáo dos direitos humanos. Essa interpretacáo ganhou
plausibilidade em novembro de 1995, quando o Comité da ONU sobre os
Direitos da Crianca atacou ferozmente a Santa Sé por suas reservas
quanto a esses aspectos da Convencáo dos Direitos da Crianca9. Consi
derando que todos esses documentos foram publicados pela própria ONU,
acontecía que a raposa estava no galinheiro.

Todas as dúvidas relativas a essa avaliacáo foram eliminadas pela


conferencia da ONU sobre a Muiher que ocorreu em Pequim em setem-
bro daquele ano10. Quando li pela primeira vez o rascunho do documento
da Conferencia preparado pelo Comité da ONU sobre a Situacáo da
Muiher, mal pude acreditar no que estava vendo. Como tinha sido possí-
vel que o programa de acao proposto para a Conferencia da Muiher pra-
ticamente nao mencionasse o matrimonio, a maternidade, ou a vida em
familia em lugar algum de suas 149 páginas? E quando o matrimonio e a
vida em familia - e até a religiáo - eram mencionados, apresentavam-se
básicamente a partir de um enfoque negativo como fontes de opressáo
ou obstáculos ao progresso da muiher! A explicacáo é que o Comité da
ONU sobre a Situacáo da Muiher se havia tornado, em grande parte,
ferramenta de grupos de interesses particulares que promoviam um tipo
de feminismo já ultrapassado nos próprios países onde se originara. O
rascunho de Pequim repetiu assim muitos dos desgastados "clichés" do
feminismo de 1970 - um feminismo que havia alienado a grande maioria
das mulheres, através de sua desatencáo para os problemas da vida real
no trabalho e na familia, mediante a sua hostilidade aos homens e sua
infeliz indiferenca quanto ao bem-estar das enancas11.

Ñas negociacoes previas a Conferencia, esses ataques feministas


da velha guarda contra a familia foram combinados com esforcos para
promover urna noció mais recente: a idéia de que a familia e a identida-
de sexual sao apenas categorías arbitrarias, construidas socialmente, e
infinitamente maleáveis. Na própria Conferencia de Pequim, urna coalisáo,
liderada pela Uniáo Européia, continuou esse esforco duplo para
"desconstruir" a familia e remover qualquer referencia positiva ao matri
monio, á maternidade, á familia, aos direitos dos pais e á religiáo.

9 Comité da ONU sobre os Direitos da Crianca, notas de imprensa de 16 e 25 de


novembro de 1995, citadas em Matt Daniels, Revolution by Treaty: An Analysis of the
U.N. Convention on the Rights of the Child (Washington: Free Congress Foundation,
1996), p. 12. Este Relatório da ONU também ataca a Igreja Católica por conservar
escolas para um só sexo, assim como o sacerdocio masculino!
10 Para urna descrigáo mais detalhada, ver Glendon, "What happened at Beijing",
First Things, Janeiro de 1996. p. 30.
" Ver Elizabeth Fox-Genovese, 'Feminism is not the Story of my Ufe': How Today's
Feminist Élite Has Lost Touch with the Real Concerns of Women (New York:
Doubleday, 1996).

61
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

Aquelas delegadas pareciam desconhecer que a linguagem que


tentavam remover dos documentos de Pequim, sao centais na maioria
de suas próprias Constituicóes nacionais! Foi um panorama triste ver
muiheres da Franca, Irlanda, Italia, Alemanha e Espanha tripudiando sobre
os direitos humanos que foram ganhos pelos sacrificios de seus próprios
pais e máes! E mais triste ainda ver delegadas de muitos países em
desenvolvimento permanecerem em silencio, enquanto materias de inte-
resse vital para seus próprios concidadáos eram subordinadas ás agen
das dos grupos de interesse do primeiro mundo.

Um estranho a essas controversias ficaria imaginando por que al-


guém poderia desejar prejudicar o principio da protecáo á familia, justa
mente numa época em que as familias estáo submetidas a tensóes ex-
cepcionais em todas as partes do mundo. As respostas padronizadas
que se escutam a esta questáo, sao montadas em termos de liberdade
individual, igualdade entre os sexos e compaixáo para com as vítimas de
abuso marital e infantil. Ouvimos que nao se pode permitir que a familia
se interponha no caminho dos direitos das muiheres e das criancas. E
que, de qualquer forma, a familia foi definida táo rígidamente que deu
injusta preferencia ao casamento heterossexual, em detrimento da co-
habitacáo sem matrimonio ou das unióes homossexuais.

Mas acredito que seria um engaño ver estes assaltos ao principio


da protecáo á familia meramente como esforcos mal dirigidos para pro
mover a liberdade e a igualdade. Eles sao também ligados ao poder e
aos interesses, embora seja difícil dizer até que ponto. Muito da lideran-
ca e do apoio financeiro para essas iniciativas provém de pessoas que
estáo interessadas nao nos direitos das muiheres ou das criancas ou dos
homossexuais, mas na preservacáo dos próprios privilegios. Procuram
nao a libertacáo geral, mas o controle social ñas máos deles.

Seus motivos menos obvios podem ser vislumbrados nos estra-


nhos direitos novos que propóem - direitos que freqüentemente se tor-
nam facas de dois gumes, "direito para mim, dever para vocé". Os cha
mados "direitos reprodutivos", por exemplo, podem representar autono
mía para algumas muiheres, mas também constituem urna cobertura
conveniente para esforcos de controle sobre o tamanho das familias po
bres por quaisquer meios. O "direito de morrer" proposto pode satisfazer
os desejos, de algumas pessoas abastadas, de se sentirem "no controle
" até o fím, mas nao se tenha dúvida de que pressagia o dever de morrer
para aqueles que estáo doentes, abandonados, e incapazes de pagar
pelos cuidados médicos. Quanto aos "direitos sexuais", nao parece
fantasioso vé-los como versáo moderna do "pao e circo", urna oferta de
líberdade sexual ilimitada como distracáo para a perda da genuína liber
dade e negacáo da justica económica.

62
AS ORGANIZACÓES INTERNACIONAL E A FAMÍLIA 15

Os propósitos mais indesejáveis dos promotores das iniciativas in-


ternacionais anti-família podem ser percebidos no triángulo de ferro de
exclusáo que estáo montando em seus próprios países natais: estáo ex-
cluindo a vida nova pelo aborto e a esterilizacáo; trancando a porta con
tra os estrangeiros através de políticas restritivas de imigracáo; e voltan-
do as costas aos pobres através dé cortes nos programas de assisténcia
á familia. No que tange ao auxilio externo, daráo milhóes para "servicos
reprodutivos", mas tostóes para nutricáo materna e infantil, agua pura, ou
cuidados primarios com a saúde12. Como os fariseus no Evangelho se
gundo Mateus (23), "eles preparam fardos pesados para os ombros dos
outros homens, mas nao movem um dedo para ajudá-los". Quando olham
para as enancas dos pobres, vém somente urna ameaca ao meio ambi
ente, um presságio de agitacáo social, e urna ameaca ao seu próprio
nivel de consumismo. A principal fonte de problemas do mundo, a seu
ver, é a superpopulacáo, e a sua principal solucáo é eliminar os pobres.

É esta agenda vergonhosa que liga silenciosamente o movimento


do direito ao aborto com os movimentos anti-imigracáo nos países de
senvolvidos e com certos segmentos dos movimentos ambientalistas13.
É essa agenda que se esconde atrás das saias dos movimentos femini-
nos, mas nao tem qualquer apreco pelas mulheres. É essa agenda que
conseguiu apoio em um número grande demais de agencias da ONU14, e
se insinuou na política externa de um número excessivo de países de
senvolvidos. É essa agenda que demasiados delegados trouxeram para
as recentes conferencias da ONU.

Num certo sentido, os atuais ataques á familia representam urna


nova versáo de urna estória que é táo velha quanto a própria política. Os
grupos que desejam minar a ordem estabelecida, desde a Revolucáo
francesa aos marxistas do século XX, típicamente atacaram as familias,
que sustentam os valores da velha ordem. E os tiramos sempre soube-
ram que, quanto mais os individuos forem desligados das familias e de
outros grupos mediadores, tanto mais fácilmente poderáo ser subjuga-
dos. O movimento para "desconstruir" a familia e legitimar estilos de vida

12 Ver Michel Schooyans, "L'Europe et le controle de la population dans le Tiers-


Monde", Familia et Vita ( Pontificio Conselho para a Familia, 1997), pp. 84-88.
13 Para urna discussáo dos vínculos entre o controle da populagáo, os direitos da
muiher e o ambientalismo na mentalidade do Departamento de Estado dos Estados
Unidos, verJeffreyGedmin, "Clinton's Touchy-Feely Foreign Policy", Weekly Standard,
13 de maio de 1996, pp. 19,22-23.
14 Especialmente do Fundo para a Populagáo da ONU cujo Relatório de 1997 pega
passagens de urna "Carta sobre os Direitos Sexuais e Reprodutivos" publicado pela
Federacáo Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), permitindo legitimar a rei-
vindicacáo do IPPF no sentido de que sua controvertida agenda estaría fundada
num "consenso internacional". State of the World Population, 1997.

63
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

alternativos tem assim implicares sobre a liberdade humana muito dife


rentes das imaginadas pelas feministas e ativistas homossexuais, sufici
entemente inocentes para acreditar que estariam melhor sem a familia.

Entretanto, o que torna a nossa situacáo atual históricamente nova,


é que o ataque á familia é difuso. Nao pode ser identificado com urna
nacáo em particular, ou urna regiáo, ou urna única ideología. Suas diver
sas manifestacoes tém pouco em comum, fora a promocio dos interes-
ses de urna classe burocrática-gerencial-terapéutica animada quase ex
clusivamente pelo desejo de consolidar a prosperidade sem precedentes
que teve na segunda metade do século XX. Como colocou recentemente
um administrador do Programa de Desenvolvimento da ONU: "Urna élite
global emergente, básicamente urbana e interligada de diversos modos,
possui grande poder e riqueza, enquanto mais da metade da humanida-
de está abandonada"15.

Essa nova classe é realmente internacional. Seus membros - os


operarios do conhecimento, muito movéis, semi-educados, que povoam
agencias do governo, empresas, universidades, profissóes, meios de
comunicacáo de massa e agencias de servico social de toda nacáo -
cada vez tém mais em comum entre si do que com os pobres de suas
próprias sociedades16. De fato, o Relatório sobre o Desenvolvimento
Humano da ONU de 1996, indica que esta disparidade cresce cada vez
mais ao ponto de que os aquinhoados e os pobres vivem cada vez mais
em mundos separados17.

O mundo nunca viu antes algo parecido com esta forca amorfa,
nao-estatal, que pretende conquistar o controle social a partir de urna
classe que procura manter, nao exercer, a sua posicao. Seu movimento
nao tem cabeca, mas tem muitos bracos que se movem mais ou menos
na mesma direcáo. Essa direcáo comum nasce menos de conspiracáo
do que de um paralelismo inconsciente. Nao sao propriamente contra á
familia, mas determinados a nao deixar que a familia, a religiáo ou qual-
quer outra ¡nstituicáo se coloque no caminho daquilo que desejam.

É fácil ver por que grupos de interesse da nova classe, bem finan
ciados, acorrem as organizacoes intemacionais como a ONU e a Corte

15 Barbara Crossette, "U.N. Survey Finds World Rich-Poor Gap Widening", New York
Times, 15 de julho de 1996, p. A3.
1C O finado Christopher Lasen escreveu extensamente sobre este assunto, especial
mente em The Revolt of the Élites and the Betrayal oí Democracy (New York: Norton,
1995). Kenneth Anderson continuou a crítica em artigos recentes, p. ex. "Heartless
World Revisited", Times Literary Supplement, 22 de setembro de 1995.
" Programa de Desenvolvimento da ONU, Human Development Report 1996, (Oxford
University Press, 1996).

64
AS ORGANIZACÓES INTERNACIONAL E A FAMÍLIA 17

Européia para os Direitos Humanos18. Em seus países de origem, desde-


nham os processos políticos normáis, que iriam expor suas agendas ao
julgamento de seus concidadios. Antes, procuram influenciar agencias
administrativas, ou obter sentencas inapeláveis de Cortes Constitucio-
nais nao eleitas. Portante, nao deve gerar surpresa que tenham assumi-
do, rápidamente, novas oportunidades para operarem longe da observa-
gao pública e da responsabilidade democrática. Organizares como a
Federacáo Internacional para o Planejamento Familiar (IPPF) tém feito
todos os esforcos para transformar as conferencias da ONU em pracas
de fabricacáo "off-shore" para fazer com que a agenda do controle
populacional se torne um "padrao internacional", que entáo poderia ser
usado para influenciar nao só as agencias internacionais, mas também
políticas locáis e programas de ajuda externa. Desse modo, urna agenda
controversa pode afetar as vidas de milhóes de pessoas, sem jamáis ter
sido submetida á prova das urnas.

Em resumo, os anos entre 1948 e 1995 assistiram ao crescimento


de diversos movimentos que visavam a tratar a familia {e a religiáo) como
obstáculos aos direitos humanos, em vez de objeto da protecáo dos di
reitos humanos. Ao final de 1995, parecía que os principios a favor da
familia da Declaracáo Universal de 1948, para além de seu reconheci-
mento, corriam serio perigo de ser distorcidos ou suprimidos. Isso nos
traz a seguinte questáo:

III. QUE FAZER?

Muitos homens e mulheres de boa vontade, desgostosos com es-


ses desenvolvimentos e desencorajados em geral pela incapacidade da
ONU para cumprir sua promessa inicial, acreditam que os grupos pró-
família nao deveriam ter mais nada a ver com a ONU. Mas há varias
razóes teológicas e de prudencia pelas quais essa opcáo é problemática
para os católicos.

Em primeiro lugar, a Cristandade Católica exige que sejamos ati-


vos no mundo. Somos chamados, cada um com seus dons diferentes, a
ser o sal da térra, o fermento do pao social, trabalhadores na vinha para
a vinda do Reino.

Em segundo lugar, tal como a Igreja já reconheceu muitas vezes, a

18 Um quadro completo das recentes mudangas no papel das organizagoes interna


cionais em relagáo á familia precisaría incluir a Comissao Européia e a Corte de
Direitos Humanos de Strasbourg. Para urna análise profunda dos caminhos da pro
tegió á familia na Europa realizada por um dos principáis estudiosos da legisiagáo
sobre a familia no mundo, ver Marie-Thérése Meulders-Klein, "Internationalisation
des Drolts de l'Homme et Evolution du Droit de la Famille: Un Voyage Sans
Destination?", ed. F. Dekeuwer-Defossez (París: L.G.D.J., 1996), pp. 179-213; e "Vie
Privée, Vie Familiale et Droits de l'Homme" Rev. Int. Droit Comparé (1992), pp. 767-794.

65
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

ONU, apesar dos seus defeitos, desperdicios e fracassos, tem feito muito
bem, especialmente nos países pobres, e oferece muita esperanca num
mundo onde as nacóes enfrentam muitos desafios que atravessam as fron-
teiras nacionais19. Na Familiaris Consortio, o Santo Padre disse as familias
que o papel social e político da familia foi "alargado de modo inteiramente
novo" por causa da "dimensáo mundial de varios problemas sociais". Esse
papel, disse, envolve agora "cooperacáo para uma nova ordem internacio
nal", participando "no crescimento auténticamente humano da sociedade e
das suas instituicoes, ou mantendo de varios modos associacoes que espe
cíficamente se dedicam aos problemas de ordem internacional"20.

Em terceiro lugar, tal como se evidenciou na atividade da Santa Sé


na ONU, mesmo urnas poucas vozes podem fazer diferenca, quando
falam a verdade e chamam o bem e o mal pelo nome. Muito da melhor
linguagem sobre justica social em documentos recentes da ONU está lá
porque a Santa Sé a propós ou a defendeu. Gracas á Santa Sé, a ONU
continua comprometida com o principio de que o aborto nunca deverá
ser proposto como meio de controle da natalidade. Mesmo em Pequim,
onde era uma minoría pequeña, a Santa Sé foi capaz de salvar artigos
sobre a protecáo á familia, pondo-os em destaque. Quando a Uníáo Eu-
ropéia lutou contra todas as referencias positivas á familia, á religiáo e á
autoridade dos pais, enviamos uma nota de imprensa a todos os maiores
jomáis europeus perguntando por que os representantes da Europa es-
tavam tomando posicóes contrarias as suas próprias Constituicóes e ás
políticas dos seus governos relativas á familia. Perguntamos se esses
delegados representavam realmente a política oficial ou a opiniáo públi
ca de seus países. Em 24 horas, comecaram a ser levantadas questoes
nos Parlamentos europeus sobre o que estavam fazendo realmente seus
delegados em Pequim. Antes de passar mais um dia, os delegados euro
peus recuaram de sua posicóes e os textos contestados foram salvos.

No fim da Conferencia de Pequim, muita gente boa e religiosa ain-


da considerava que o documento da Conferencia era táo cheio de defei
tos que a Santa Sé deveria rejeitá-lo inteiramente. Pediram que nossa
delegacáo se retirasse da Conferencia. Mas o Papa Joáo Paulo II ins-
truiu-nos a nao tomar o caminho da retirada. Falando desde o próprio
núcleo da tradicáo teológica católica, disse: "Aceitem o que é bom no
documento, e denunciem vigorosamente o que é falso ou pernicioso".

O tempo já demonstrou a sabedoria dessa orientacáo. A Conferen


cia do Habitat de Istambul, realizada um ano depois de Pequim, presen-
ciou uma derrota fragorosa da coalisáo anti-família. Como um repórter
19 William F. Murphy, 'The United Nations: Why Bother?" The Pilol, 29 de setembro
de 1995, p. 12. Ver especialmente, neste contexto, o discurso do Santo Padre na
ONU em outubro de 1995.
20 Familiaris Consortio, 48.

66
AS ORGANIZACÓES INTERNACIONAL E A FAMÍLIA 19

colocou: "Apesar de muita pressáo, golpes e chantagem aberta, os paí


ses em desenvolvimento recusaram-se a curvar-se á pressao ocidental
favorável á 'saúde reprodutiva' e á definicáo ambigua da 'familia'. Em
vez disso, os representantes do G-77 recolheram votos para: reafirmar a
importancia dos direitos dos país; garantir o respeito aos valores religio
sos e éticos dos Estados membros; reconhecer que a familia (e nao a
palavra-código 'familias') é a unidade básica da sociedade; e cancelar
todas as referencias á 'saúde reprodutiva', salvo urna cujo fraseado impedia
que fosse usada para impor o aborto no mundo em desenvolvimento"21.

Até mesmo o Secretariado da ONU para o Ano da Familia parece


ter experimentado urna mudanca no coracáo, ou pelo menos ñas apa-
réncias. Em 1997 publicou um relatório de tom muito diferente do folheto
de 1995, que citei anteriormente. Em seu sumario oficial de todas as
provisóes relativas á familia das últimas conferencias da ONU, o Secre
tariado destaca principalmente as provisóes que sobreviveram devido
aos esforcos da Santa Sé!22.

Parece indiscutível a conclusáo de que a retirada da Santa Sé da


ONU só teria servido para o conforto dos agentes da cultura da morte.
Contudo, chegou a hora de reconhecer que a Santa Sé na ONU tem sido
muitas vezes como o menino holandés que impediu a ¡nundacao, man-
tendo seu dedo no dique. Chegou a hora de atender ao chamado urgente
do Santo Padre para as próprias familias se tornarem "'protagonistas' da
chamada 'política familiar' e assumir a responsabilidade de transformar
a sociedade"23. O Pontificio Conselho para a Familia reiterou recente-
mente este chamado, lembrando-nos que 'a familia nao está abandona
da (...) As familias devem associar-se, organizar-se e construir a política
familiar (...) através de processos democráticos de participacáo, a fami
lia deve assegurar que o Estado reconheca sua autonomía, seus direitos
e seu valor como a comunidade resiliente do futuro"23.

Como mae e avó, sei que nao é fácil para os membros da familia
responder a este apelo. Cada um de nos terá que discernir através da
oracáo como deverá contribuir. Mas o Papa Joáo Paulo II nos lembra que
há urna coisa que as familias podem fazer, independentemente de sua
situacáo na vida. Elas podem esforcar-se para "oferecer a todos o teste-
munho de urna dedicacáo generosa e desinteressada pelos problemas
sociais, mediante a 'opcáo preferencia!" pelos pobres e marginalizados"25.
21 Mary Meaney, "Radical Rout", National Review, 15dejulho de 1996.
22 Relatório da Secretaria Geral do Ano Internacional da Familia (ONU, Genebra, 6
de Janeiro de 1997).
23 Familiaris Consortio, 44. Ver também a Introdugáo a Caña sobre os direitos da
familia, que chama as familias a se "unirem na defesa e promocáo dos seus direitos".
24 "Una Economía perla Famiglia", L'Osservatore Romano, 14 de margo de 1996, p. 4.
25 Familiaris Consortio, 47.

67
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

Além disso, exorta as familias cristas "a engajarem-se ativamente a to


dos os níveis" em associacóes que trabalhem para o bem comum e o
bem da familia26.

No que concerne á arena internacional, isto nos traz de volta a urna


das questóes que propus no inicio destas consideracóes: como saber o
que ajuda ou prejudica a familia? Devemos lembrar-nos de que a Igreja
tem meditado profundamente esta questáo, á luz das Escrituras e de sua
própria experiencia como "perita em humanidade". Os frutos dessa medi-
tacáo estáo ao nosso alcance no rico armazém do ensinamento social
católico. Como coloca o Padre Richard John Neuhaus: "Nenhum Estado,
nenhum partido, nenhuma instituicáo académica, nenhuma outra comu-
nidade de fé tem proposto urna visáo táo abrangente e táo sólida da
familia no mundo moderno. O ensinamento da Igreja é urna proposta
corajosa pela justica familiar, que pode informar integralmente o pensa-
mento e a acáo públicos, desde a política de bem-estar e as práticas
empregatícias até o direito dos pais de escolherem a educacáo que de-
sejam para seus filhos"27.

Embora o pensamento social católico nao traga respostas a ques


tóes políticas específicas, ele ilumina nossas indagacoes com seus tres
grandes principios "S": subjetividade, solidariedade e subsidiariedade.

Acontece, por razóes que mencionei antes, que esses tres principi
os estáo presentes nos grandes documentos sobre direitos humanos do
século XX: as Declaracóes de Bogotá e da ONU, e numerosas Constitui-
cóes do pós-guerra. Urna teoría da subjetividade está implícita em sua
visáo da pessoa humana, que evita a falsa oposicáo entre individuo e
familia, rejeitando tanto o individualismo radical quanto a total subordina-
cao dos individuos ao grupo28. A solidariedade está explícita ñas muitas
provisóes que tratam da justica social e no reconhecimento de que o
individuo nao pode florescer fora das familias e comunidades. A
subsidiariedade está implícita no principio da protecáo á familia, que
está agora sob assalto. Esse principio significa que o Governo nao deve
substituir a familia, mas sim ajudar as familias a fazerem melhor o que
fazem. Todos esses principios precisam de ser recuperados e vivificados
para urna nova geracáo, que esqueceu o que os homens e mulheres que

26 Familiaris Consortio, 72. O destaque é nosso.


" Richard John Neuhaus, 'To Propose the Truth", Crisis, abril de 1994, pp. 20, 25.
23 Considerar, por exemplo, as explanagóes da Corte Constitucional da Alemanha
sobre a "imagem do homem" na Lei Básica Alema de 1949: "A imagem do homem na
Leí Básica nao é a de um individuo ¡solado soberano. Pelo contrario, a Lei Básica
resolve a tensáo entre o individuo e a sociedade a favor da coordenagáo e
interdependencia com a comunidade, sem tocar no valor intrínseco da pessoa".
Investment Aid Case, 4 BVeríGe 7 (1954).

68
AS ORGANIZACÓES INTERNACIONAIS E A FAMÍLIA 21^

sobreviveram ao desastre económico e á guerra mundial, aprenderam


através de amargas experiencias.

Os redatores das grandes Cartas de pós-guerra tinham um senso


agudo da importancia da familia nao só para seu próprio bem, mas tam-
bém para o bem de seu ambicioso projeto moderno de direitos humanos.
Afinal, como se pode promover a liberdade, a dignidade e a solidariedade
humanas, sem um número suficiente de homens e mulheres capazes e
dispostos a sustentar esses exigentes principios? E onde háo de ser for
mados esses homens e mulheres, se nao, antes de tudo, em familias
sólidas e saudáveis? Resulta que a sociedade deve atender as necessi-
dades ¡mediatas das pessoas inseridas em familias desfeitas ou dis-
funcionais, mas deve fazé-lo sem abalar as frágeis estruturas familiares,
que, a longo prazo, sao as mais favoráveis ao desenvolvimento humano.

As ¡mplicacóes em relacáo ao nosso tema - as organizacoes inter-


nacionais e a familia - sao claras: o que pode ser feito pela familia nao
deve ser assumido por estruturas sociais maiores; o que pode ser feito
pelas estruturas intermediarias da sociedade civil nao deve passar para
o Governo; o que pode ser feito em um nivel mais baixo do Governo, nao
deve ser assumido por um nivel mais alto e a fortiori nao por organiza
coes internacionais distantes. Quando se aproxima o 509 aniversario da
Declaracáo Universal dos Direitos Humanos, nos, membros de familias,
podemos ajudar a recuperar sua visáo original favorável á familia, que
corresponde táo de perto aos ensinamentos sociais católicos.

Caras irmás e irmáos em Cristo, resolvamos entáo responder ao


apelo do Santo Padre para nos tornarmos protagonistas da política fami
liar. Nao desprezemos a política, pois, como ensinaram Aristóteles e Sao
Tomás de Aquino, ela é a grande arte de ordenar, em conjunto, as nos-
sas vidas para o bem comum. Recuperemos sim a política das máos
daqueles que a pervertem, visando a propósitos malignos. Lutemos pelo
direito de determinar democráticamente as condigóes sob as quais vi
vemos, trabalhamos e criamos nossas familias. Resistamos aos especi
alistas auto-nomeados, que fingem saber melhor do que nos como criar
nossos filhos. Tomemos de volta a educagáo de nossos filhos das máos
dos secularistas proselitistas. Resgatemos a nossa arte, música e litera
tura dos mercenarios do hedonismo. Nao busquemos matar a ONU de
fome, mas procuremos colocá-la numa dieta correta. Empenhemo-nos
em assumir quaiquer papel que pudermos na construcáo da civilizagáo
da vida, resistindo á cultura da morte. Como os filhos dos hebreus anti-
gos, podemos fazé-lo confiantes em que, ao obedecer ao mandamento
de "escolher a vida", o Senhor mesmo "marcha á nossa frente; ele estará
conosco e nunca nos deixará nem nos abandonará" (Deuteronómio, 31).

69
Fala o Reí do Aborto:

UMA CONVERSÁO Á VIDA

O Dr. Bernard Nathanson, já apresentado em PR 424/1997, pp.


418-420, refere a sua conversáo de praticante de milhares de abortos á
defesa da vida e, ao mesmo tempo, do indiferentismo religioso á fé cató
lica. O texto que se segué, foi apresentado pelo próprio autor no Con-
gresso Teológico-Pastoral do Riocentro aos 3 de outubro de 1997.
* * *

Médico, ginecologista e obstetra na cidade de Nova York. Foi


confundador da Liga Nacional pelos Direitos do Aborto nos Estados Uni
dos, primeira organizacáo política no mundo para promover o aborto. Foi
colaborador da Federacáo Internacional da Paternidade Planejada e
médico diretor (1970-1972) da maior Clínica abortista do mundo. Duran
te dois anos foram praticados nessa Clínica 60.000 (sessenta mil) abortos.
No inicio de 1973, deixou a Clínica de abortos e tornou-se Diretor
do Departamento de Obstetricia da Universidade de Columbia, na cida
de de Nova York. Comecou, entáo, a usar novas tecnologías, tais como
ultrassom, monitoramento do coracáo do feto, fetoscopia, histeroscopia,
para ver o interior do útero e muitos outros aparelhos de tecnología avan-
cada.

Posteriormente, após anos de estudos destas tecnologías avanca-


das para observar o ventre materno, Dr. Nathanson abriu sua conscién-
cia e reconheceu, grapas aos avancos da ciencia, a existencia da vida
desde o momento da concepcáo.

Atualmente, o Dr. Nathanson tornou-se um dedicado dentista a


revelar suas descobertas por todo o mundo e é, hoje em dia, um dos
maiores advogados dos direitos humanos no seio materno.

Até 1988, havia escrito varios livros contra o aborto e foi produtor
dos filmes "O Grito do Silencioso", "Eclipse da Razao" e "A Resposta".
Seu segundo filme "Eclipse da Razáo" ganhou varios premios em impor
tantes festivais de cinema e chegou a ser apontado para o "Osear" em
Hollywood.

UM TESTEMUNHO DE CONVERSÁO
Eis um testemunho e nao urna apresentacáo sobre o aborto. Des
culpas antecipadas, pois poderia parecer urna apresentacáo muito pes-

70
UMA CONVERSÁO Á VIDA 23

soal. Nasci na fé judia e de tradicáo hebraica. Por uma serie de circuns


tancias, que nao menciono, perdi a fé completamente em minha infancia
e adolescencia, a ponto de chegar a ser chamado de judeu ateu. Entáo,
sem moral centrada em Deus, e impulsionado por firme dedicacáo a uma
situacáo relativista e também uma moral relativista ou de situacáo, colo-
quei-me, ¡mediatamente, a servico do pior e mais completo dos males, o
ataque á vida. Fui um dos organizadores do NARAL, nos Estados Uni
dos, que era um grupo cabalístico poderoso para lutar contra todas as
leis que se opunham ao aborto. Percorri os Estados Unidos por inteiro e
estive em outros países, nesta cruzada a favor do aborto. Simultanea-
mente fui Diretor da maior Clínica de abortos do mundo ocidental e du
rante dois anos fui totalmente responsável por 75.000 (setenta e cinco
mil) abortos.

Falo-lhes, agora, de minha conversáo á vida, médica e científica


mente, sem dúvida, uma conversáo incompleta. Médica e científicamen
te minha conversáo á vida deu-se, de maneira clara, pela minha compre-
ensáo cada vez maior da vida das pessoas e, sobretudo, da vida e do
ciclo da vida desse pequeño ser humano, táo pequeño e vulnerável que
se encontra no ventre materno. No inicio dos anos 70, havia uma grande
quantidade de informacóes que me foram convencendo de que se trata-
va de um ser humano em toda a extensáo da palavra. Era alguém que
tinha uma moral, uma dignidade, e que necessitava de protecáo e inter-
vencáo. Contudo, nao foi tanto a informacáo científica, mas a máo de
Deus em mim, que me fez compreender essa informacáo. Eis o crucial;
nao apenas o acumulo de ¡nformacóes, mas a capacidade de assumi-las
e trabalhar com perspectivas novas, que aiguns chamaram uma troca de
paradigmas, de opiniáo, isto se deve a Deus, que me deu tal capacidade.

Com o passar do tempo, na década de 70, todas as razóes sociais


e médicas para o aborto, eu nao as aceitava mais. Atualmente, creio que
nao há razóes sociais, económicas, médicas e psicológicas para o abor
to; nao há razáo alguma. Tive, entáo, oportunidade de compreender mi
nha missáo como médico e doutor, através da leitura da Encíclica do
Papa Joáo Paulo II em que afirma que a missáo de gerar a vida nao deve
estar exposta á vontade arbitraria do homem. Devem-se reconhecer os
limites invioláveis do homem quanto ao seu corpo, que a ninguém é per
mitido ultrapassar.

Nao se podem suprimir tais limites, por respeito á integridade do


organismo humano e suas funcóes de acordó com os principios anterior
mente mencionados e conforme a compreensáo correta do principio da
totalidade ilustrado pelo Papa Pió XII.

Minha conversáo científica e médica á vida, moralmente incomple-

71
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

ta, exigía dois elementos: 19) converter-me-ia em defensor da vida, publi


camente, da mesma forma como antes participava de sua destruicáo; 29)
a busca da fé, em que poderia basear mais firmemente minhas convic-
cóes em favor da vida. Nao basta compreender que nao devemos matar;
sou contra toda forma de assassinato e pena de morte e guerra. Nao
matar é um mandamento, dom precioso de Deus; a sua criacáo perfeita
é o homem.

Tornei-me porta-voz da defesa da vida; mas apresento-me aos se-


nhores com o sangue de 75.000 (setenta e cinco mil) vidas inocentes em
minhas máos. Urna destas vidas é a de meu próprio filho.

Falhei também como esposo com varios casamentos falidos; fa-


Ihei como pai, como médico. Lembro-me agora da passagem de Sao
Mateus: "Ouviram-se em Rama gritos, solucos e lamentos. Raquel nao
quer consolar-se porque chora seus filhos mortos".

E como diz o Eclesiastes: "Nada é útil, tudo é vaidade". Nao podia


suportar este peso moral intolerável, inimaginável, e continuar vivendo;
cheguei a pensar seriamente no suicidio. Urna vez mais, porém, a máo
de Deus ajudou-me, e um sacerdote amigo ajudou-me a sair do nada.
Ele perguntou-me se gostaria de conversar com ele e eu aceitei. Nossas
conversas duraram 5 (cinco) anos e me levaram a compreender que no
sofrimento e no amor infinito de Cristo encontraría o que estava buscan
do: a fé, o perdáo, a absolvicio e a vida eterna.

A fé crista me mostrou a posicáo primordial da morte no mundo dos


homens e o ápice da perfeicao humana: amar infinitamente. Mostrou-me
também que o mundo nao é como alguns cientistas seculares dizem: acon-
tecimento de urna oportunidade insignificante; nao somos urna especie
como segundo pensamento num mundo vazio. Os cientistas, sem dúvida,
trabalham com a razáo, mas esta deve aperfeicoar-se com o auxilio da fé.
Sem Deus como seu centro, a teoría científica mais sofisticada, mais abs-
trata, em minha opiniáo, é nihilismo inigualável na historia. Inclusive, o
grande filósofo Bersgon, ao morrer, disse: "Todo bem que ocorre no mun
do, ocorre desde que Cristo se fez presente nele". Assim creio.

A máo de Deus trabalha, urna vez mais, de maneira misteriosa.


Quando na Universidade de Montreal, no Canadá, estudava Medicina,
no fim dos anos 40, tinha como professor de Psiquiatría Cari Stern, judeu
de Viena, emigrado para o Canadá. Tornamo-nos bons amigos; eu era
um de seus estudantes favoritos e tentou convencer-me a estudar Psi
quiatría. Nao sabia, entretanto, que o Dr. Stern se estava convertendo ao
Catolicismo, quando o conheci. Alguns anos depois, deparei-me com um
livro que ele escreveu naquela época, em que falava de sua conversao.
O último capítulo desse livro é urna longa carta ao seu irmáo que estava
72
UMA CONVERSÁO Á VIDA 25

em Israel. Seu irmáo continuava sionista e Stern quería explicar-lhe sua


conversáo. A carta é longa, mas leio a última passagem, que fala de suas
conviccóes. Diz ele:

"Nunca esquecerei a manhá de minha Primeira Comunháo; como


em qualquer outra manhá de dezembro, entrei na igreja quando fora es-
tava escuro. No interior havia muita gente como soi acontecer em qual
quer igreja católica, tanto na periferia como no centro de urna grande
cidade, homens e mulheres vindos de casas pequeñas da área comerci
al. Alguns vinham a Missa depois de terem trabalhado á tarde. Nossas
vidas, de minha esposa, de meus amigos, chegaram a um ponto conver
gente a daqueles desconhecidos que nos rodeavam; foi como se aíesti-
vessem nossospais e a Familia Cohén, osjudeus da Sinagoga de Cañan,
Jack Moretain e Dorothy Day e as piedosas solteironas de nossa juventu-
de em Viena. Nao havia dúvida alguma de que para ELE comamos afas-
tando-nos d'ELE. Porém, durante todo este tempo, ELE estava presente
no centro de tudo".

Permitam-me concluir meu testemunho dizendo-lhes:

"O amor é o poder mais duradouro deste mundo. Esta forga criado
ra táo formosamente exemplificada na vida de Cristo, é o instrumento
mais poderoso de que dispomos para buscar a humanidade, a paz e a
justiga".

Que sabemos sobre a Biblia?, por Ariel Álvarez Valdés. Volume


1o. Tradugáo do Pe. Afonso Paschotte C.Ss.R. - Editora Santuario,
Aparecida (SP) 1997, 140 x210mm, 100 p.

O autor, licenciado em Teología Bíblica pelo Estudo Bíblico Francis


cano de Jerusalém, aborda dez perguntas referentes ao texto bíblico:
quantos livros tem a Biblia? A Arca de Noé existiu? Nao havia lugar para
María na hospedaría? ...A intengáo do autor é desfazer falsas concepgóes
acerca de certas passagons escríturísticas; Ariel Álvarez o consegue em
varios casos, dissipando mal-entendidos. Todavía o seu estilo é breve e
genérico demais, a ponto de desfigurar por vezes a realidade; é o que
ocorre, por exemplo, quando o autor dá a entender que o canon bíblico
só foi definido em 1546 pelo Concilio de Trento; esquece queja em 393 o
Concilio de Hipona o havia definido como hoje ele é, tendo sido esta
definigáo repetida pelos Concilios regionais de Cartago III (397), Cartago
IV (419), Trulos (692) e pelo Concilio Geralde Florenga (1442). No tocan
te ao diluvio, podería ter enfatizado as raizes do relato bíblico na Babilonia.
- Em suma, quem lé a obra de Ariel Álvarez, pode colhera impressáo de
que o texto bíblico exige interpretagóes, por vezes, opostas as que se Ihe
costumou atribuir - conclusáo sumaría demais ou mesmo falsa.

73
Agitagáo da Opiniáo Pública:

A EDIQÁO OFICIAL DO CATECISMO DA


IGREJA CATÓLICA

Em síntese: O texto oficial latino do Catecismo da Igreja foi publi


cado aos 9/9/97. Em relagáo a primeira edicáo (esta, francesa), datada
de 1992, contém mais de cem retoques, que nao afetam o essencial da
doutrina; sao modifícagóes que esclarecem o texto anterior, quando ne-
cessário. Chamam a atengáo os números relativos a pena de morte. Esta
nao é rejeitada como inaceitável, mas, diz a nova edigáo, as ocasióes de
aplicar a pena capital em nossos dias sao extremamente raras ou mesmo
inexistentes. O porque dessa avaliagáo do recurso á pena de morte con
siste em que a fé católica eré que todo homem - mesmo o mais criminoso
- pode ser recuperado ou convertido pela graga de Deus, de modo que
se deve evitar tirar-lhe a vida e sonegar-lhe a possibilidade de conver-
sáo; o bem da sociedade (que a pena de morte procuraría preservar)
pode ser assegurado por outros meios, de que dispóe a autoridade go-
vernamental. Além do mais, sao notorios os abusos que decorrem de
atribuirá um homem o poder de decidir sobre a vida e a morte de outrem.

O novo Catecismo da Igreja Católica (CIC) foi publicado em 1992.


Redigido originariamente em francés (língua comum aos membros da
Comissáo responsável pelo texto), foi traduzido para diversos idiomas. A
língua latina é o idioma oficial da Igreja no Ocidente, de modo que a
edicáo latina do Catecismo vem a ser a editio typica, a edicáo modelo
ou paradigmática de tal obra. O texto latino beneficiou-se da experiencia
de cinco anos de aplicacáo do Catecismo, de modo que o texto francés
foi retocado em pouco mais de cem passagens. Trata-se de retoques
que aperfeicoam o texto, mas nao o alteram em sua esséncia; segundo o
Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregacáo para a Doutrina da
Fé, nao há diferenca fundamental entre a primeira e a nova edicáo do
Catecismo; esta apenas é "mais exata, corrige certas ¡mprecisóes e pre-
enche certas lacunas". A publicacáo do texto emendado latino deu-se
em 9/9/97.

A imprensa noticiou a revisáo do Catecismo, deixando, porém, in-


terrogacóes a bertas. Ñas páginas subseqüentes, apresentaremos os mais
significativos pontos retocados.

74
A EDICÁO OFICIAL DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 27

1. Os Pontos Revistos

Deter-nos-emos sobre cinco pontos.

1.1. Pena de Morte

Sao tres os parágrafos do Catecismo que abordam tal assunto:

1.1.1. CICn92265

a) Eis o texto anterior:

"A legitima defesa pode ser nao somente um direito, mas um dever
grave, para aquele que é responsável pela vida de outros, pelo bem co-
mum da familia ou da sociedade".

b) Eis o texto revisto:

"A legítima defesa pode ser nao somente um direito, mas um dever
grave para aquele que é responsável pela vida alheia. A defesa do bem
comum exige que o agressorseja posto em condigóes de nao mais preju-
dicar. Conseqüentemente os legítimos detentores da autoridade tém o
direito de usar até mesmo das armas para rechagar o agressor da socie
dade civil confiada á responsabilidade deles".

Como se vé, o novo texto é mais longo e mais explícito, defenden-


do o direito da sociedade, mediante seus governantes, de recorrer as
armas para coibir a acáo dos malfeitores.

1.1.2. CICn9 2266

a) Eis o texto anterior:

"Preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor seja


privado das possibilidades de prejudicar a outrem. A este título, o
ensinamento tradicional da Igreja reconheceu como fundamentado o di
mito e o dever da legítima autoridade pública de infligir penas proporcio
nadas á gravidade dos delitos, sem excluir, em casos de extrema gravi-
dade, a pena de morte. Por razóes análogas os detentores de autoridade
tém o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil
pela qual sao responsáveis. A pena tem como primeiro efeito compensar
a desordem introduzida pela falta. Quando esta pena é voluntariamente
aceita pelo culpado, tem valor de expiagáo. Além disso, a pena tem um
valor medicinal, devendo, na medida dopossível, contribuir para a corre-
gáo do culpado".

b) Eis o texto revisto:

"O esforgo do Estado que procura conter os comportamentos ofen


sivos aos direitos do homem e as regras fundamentáis da concordia civil

75
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

corresponde á exigencia de tutela do bem comum. A legítima autoridade


pública tem o direito e o deverde infligir penas proporcionáis á gravidade
dos delitos. A pena tem por finalidade, antes do mais, reparar o daño
causado pelo delito. Quando a pena é voluntariamente aceita pelo culpa
do, ela se reveste de valor expiatorio. Além da defesa da ordem pública e
pelo fato de que garante a seguranga dos cidadáos, toda pena tende a
urna finalidade medicinal, de vendo, na medida do possível, contribuir para
a emenda do culpado".

Como se vé, o texto anterior mencionava a pena de morte; o novo


já nao o faz, embora nao a condene. Falava também do direito, da auto
ridade pública, de reprimir pelas armas os agressores da nacáo - coisa
que nao aparece no novo texto, para evitar a repeticáo do que foi dito no
n9 2265. Tal omissáo, porém, nao significa a condenacao do uso de ar
mas para garantir o bem comum; apenas evita a referencia aos instru
mentos da violencia.

Eis agora o texto mais importante sobre a pena de morte:

1.1.3. CICns 2267

a) Tal é o texto anterior:

"Se os meios nao sangrentos bastarem para defender as vidas


humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a seguran
ga das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque
correspondem melhor as condigóes concretas do bem comum e estáo
mais conformes á dignidade da pessoa humana".

b) Eis o texto revisto:

"Dado que se possa reconhecer, sem hesitagáo, a identidade e a


culpabilidade do réu, o ensinamento tradicional da Igreja nao excluí o
recurso a pena de morte, se esta aparece comprovadamente como a
única via praticável para a defesa eficaz da vida dos seres humanos
ameagados por um injusto agressor. Se, ao contrario, os meios pacíficos
sao suficientes para que a sociedade se defenda do agressor e para
proteger a seguranga das pessoas, a autoridade se limitará ao uso dos
meios nao sangrentos, visto que sao os mais aptos para responder as
condigóes concretas do bem comum e os mais conformes a dignidade da
pessoa humana. Com efeito, hoje, dado que o Estado tem recursos para
reprimir eficazmente o crime, tornando inofensivo aquele que cometeu o
delito, sem Ihe tirar a possibilidade de se recuperar, os casos de necessi-
dade absoluta de supressáo do delinqüente tornam-se extremamente raros
ou mesmo inexistentes".

Aqui se percebe que a pena de morte é descartada nao como algo


de mau ou iníquo em si, mas como um recurso praticamente desneces-

76
A EDIQÁO OFICIAL DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 29

sário, pois nao há contexto que a exija; a preservacáo do bem comum


pode ser obtida sem a morte do criminoso, que, deixado em vida, pode
usufruir da ocasiáo de se recuperar.

1.2. Homossexualismo

O ns 2358 assim rezava na edicáo francesa:

"Um número nao negligenciável de homens e mulheres apresenta


tendencias homossexuais. Nao sao eles que escolhem sua condigno
homossexual. Para a maioria, esta constituí urna provagáo".

A nova redacáo substituiu a palavra "condicáo" por "inclinacáo"...


"inclinacáo intrinsecamente (ou como tal) desordenada".

A razáo da substituicáo é que a palavra "condicáo" pode sugerir


que o homossexualismo é ¡nato ou presente desde a concepcáo ou o
nasclmento da pessoa. Visto que esta tese nao está provada, a nova
redacáo usou um termo mais ampio, que pode enquadrar todas as teorí
as relativas á origem da homossexualidade (seja por via congénita, seja
por aquisicáo em certas situacóes). O adverbio "intrinsecamente
desordenado" significa que o homossexualismo contraria a natureza hu
mana, constituida por homem e mulher complementares entre si.

1.3. O Transplante de Órgáos


a) Eis o que dizia o n9 2296:

"O transplante de órgáos nao é moralmente aceitável se o doador


ou seus representantes legáis nao deram para isso explícito consenti-
mento. O transplante de órgáos é conforme á moral e pode ser meritorio
se os perigos e os riscos físicos e psíquicos a que se expóe o doador sao
proporcionáis ao bem que se busca no destinatario. É moralmente inad-
missível provocar diretamente a mutilagáo que venha a tornar alguém
inválido, ou a morte de um ser humano, mesmo que seja para retardar a
morte de outras pessoas".

b) Eis o texto revisto:

"O transplante de órgáos é conforme á leí moral, se os perigos e


riscos físicos e psíquicos ocorrentes para o doador sao proporcionáis ao
bem acarretado ao destinatario. A doagáo de órgáos após a morte é um
ato nobre e meritorio, que deve ser estimulado como manifestagáo de
solidariedade generosa. O transplante nao é moralmente aceitável no
caso em que o doador ou seus tutores responsáveis nao tenham dado
seu consentimento explícito".

O novo texto acrescenta ao anterior urna palavra de estímulo á


doagáo de órgáos após a morte do doador: é ato nobre de solidariedade

77
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

para com grande número de pessoas, que por vezes dependem da cari-
dade alheia para poder sobreviver.

A primeira parte do parágrafo refere-se á doacáo entre vivos; em


tal caso, aceita-se que o doador sofra algum daño decorrente da doacáo
(transfusáo de sangue, por exemplo), mas requer-se que o beneficio cau
sado ao receptor seja maior do que tal daño. No caso de doacáo de
morto para vivo, exige-se a morte real (nao provocada artificialmente) do
doador - o que torna tal operacáo muito delicada.

1.4. Limitacao da Prole

a) O texto anterior do n9 2372 dizia:

"O Estado é responsável pelo bem-estar dos cidadáos. Por isso é


legítimo que ele intervenha para orientara demografía da populagáo. Pode
fazer isso através de urna informagáo objetiva e respeitosa, mas nunca
por via autoritaria e por coagáo. O Estado nao pode legítimamente subs
tituir a iniciativa dos esposos, primeiros responsáveis pela procriagáo e
educagáo de seus filhos. O Estado nao está autorizado a favorecer mei-
os de regulagáo da populagáo contrarios á moral".

b) A nova redacáo conserva o texto anterior na íntegra com a se-


guinte cláusula final: "A propósito, o Estado nao está autorizado a intervir
por recursos contrarios á lei moral".

Vé-se que o final difere da redacáo anterior por pequeña diferenca:


o Estado nao deve aplicar meios contrarios á lei moral, diz a nova versáo,
em lugar de "nao deve favorecer meios de regulacáo demográfica con
trarios á Moral". A nova redacáo parece mais ampia, aludindo em geral "a
meios contrarios á lei moral" em qualquer setor que seja, e nao apenas
em vista da regulacáo da natalidade.

1.5. O Magisterio da Igreja

a) O n9 88 estava assim redigido:

"O Magisterio da Igreja empenha plenamente a autoridade que re-


cebeu de Cristo quando define dogmas, isto é, quando, utilizando urna
forma que obriga o povo cristáo a urna adesáo irrevogável de fé, propóe
verdades contidas na Revelagáo divina ou verdades que com estas tém
urna conexáo necessária".

b) A nova redacáo fez um acréscimo:

"O Magisterio da Igreja empenha plenamente a autoridade que re-


cebeu de Cristo quando define dogmas, isto é, quando, utilizando urna
forma que obriga o povo cristáo a urna adesáo irrevogável de fé, propóe
verdades contidas na Revelagáo Divina ou verdades que com estas tém
78
A EDICÁO OFICIAL DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 31

urna conexáo necessária ou quando propóe, de modo definitivo, ver


dades que tém entre si uma necessária conexáo".
Como se vé, o final do texto foi acrescido da cláusula "quando pro
póe, de modo definitivo, verdades que tem entre si uma conexáo neces
sária". Tal suplemento tem em vista, por exemplo, o caso da ordenacáo
de mulheres para o presbiterado: trata-se de uma declaracáo que se pren
de as nocóes de Igreja e sacramento da Ordem, cuja estrutura nao pode
ser alterada (mas seria alterada, se se autorizasse a ordenacáo presbiteral
de mulheres).

Tais sao os principáis retoques que a nova edicáo - a latina, typica


- do Catecismo apresenta. Nao afetam a doutrina da Igreja como tal.
Seja agora examinado de mais perto o problema da pena de mor-
te, táo comentado em nossos dias.
2. A Pena de Morte na Redacáo retocada

Como dito, a nova redacáo do Catecismo nao exclui nem condena


a aplicacáo da pena de morte. Esta fica sendo aceitável "nos casos de
extrema gravidade", como afirmava a redacáo de 1992. A novidade con
siste em dizer que "tais casos sao extremamente raros ou mesmo
inexistentes" (CIC n9 2267). Trata-se, pois, de uma questáo de avaliacáo:
será que a pena de morte, hoje em dia, é a única defesa possível para a
sociedade ou é a única maneira de coibir a criminalidade e proteger o
bem comum? - Pode-se crer que nao seja o recurso único e necessário
a fim de garantir seguranca ou alivio para os cidadáos; outros meios atin-
gem o mesmo objetivo, pode-se pensar, sem sacrificar a vida do delin-
qüente; este, de resto, é um ser humano, que talvez tenha a oportunida-
de de se recuperar, caso seja devidamente tratado.
E quais seriam as razóes que levam a Igreja a restringir de tal ma
neira a aplicabilidade da pena de morte?
Podem-se apontar tres motivos principáis:
1) O Cristianismo é fundamentado sobre o Cristo Ressuscitado,
que se tornou fonte de vida ou fonte de possível conversáo da existencia
humana voltada para o pecado e a morte, mas capaz de receber a graca
da recuperacáo. Todo ser humano é imagem e semelhanca de Deus, cuja
conversáo fica sendo sempre possível. Nao se prive de tal graca a criatu
ra delinqüente, obrigando-a a morrer quicá ainda empedernida ou fecha
da para os apelos de Deus. O tempo é sempre um grande remedio e um
sabio conselheiro. O bem comum pode ser assegurado por outros meios.
2) A absolutizacáo do poder dos homens sobre os homens pode
levar ao exercício da tiranía. Com outras palavras: atribuir a um juiz ou a
79
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

um tribunal o direito de decretar a morte de alguém pode ocasionar gra


ves abusos (voluntarios ou involuntarios); é o que atestam as tragedias
do racismo, os processos sumarios dos regimes totalitarios e a minucio
sa sistematizáoslo dos genocidios ou da extincáo de populacoes sob o
pretexto de garantir os interesses públicos... So Deus é o Juiz justo e
imparcial, que também é o único Senhor da vida e da morte; somente
quando Deus julga é que nao há de recear sentencas injustas.
3) Cristo aceitou a pena de morte numa atitude de livre entrega á
sentenca dos homens. Ele mesmo dizia:

"Ninguém me tira a vida, mas eu a dou Hvremente. Tenho o poder


de entregá-la e o poder de retomá-la" (Jo 10,18).

A pena de morte que Cristo sofreu, nao pode ser tida como
paradigma do comportamento dos homens entre si. Cristo quis morrer
para salvar a humanidade; isto nao pode ser reiterado. O que se pode e
deve imitar em Jesús Cristo, é o amor a todos os homens, a misericordia
irrestrita e a confianca ñas possibilidades de mudanca do pecador, do
mais atolado dos criminosos, até o último instante da sua vida.

Eis tres razóes que levam a Igreja a crer que a oportunidade con
creta de se aplicar a pena de morte em nossos dias é quase nula ou
mesmo nula. Prevalecem fortes razóes em contrario.

Pergunte ao Papa, 50 Perguntas a Joáo Paulo II, por Augusto


Silberstein e Paulo Marcos Brancher. - Legnar Informática e Editora Ltda,
Rúa das Camelias 854, 04048-061 Sao Paulo (SP) 1997, 140x210 mm
126 pp.

Augusto Castejón Silberstein e Paulo Marcos Brancher sao dois


jovens que se interessam por problemas da atualidade e a resposta que
o Papa Ihes dá em seus discursos e escritos. Escolheram cinqüenta ques-
tóes relativas á sexualidade, a vida social, a Moral, a ciencia... e procura-
ram nos pronunciamentos de Joáo Paulo II a resposta adequada. Póde
se dizer que fizeram um bom trabalho, pois souberam ser plenamente
fiéis aos ensinamentos do S. Padre; cada resposta cita alguns textos do
Papa e tece-lhes comentarios sabios e corretos. Como espécimen do
acertó com que procedem os dois autores, citamos trechos de seus co
mentarios ao uso de preservativos: "Além de que o uso de preservativos
nao é 100% seguro, liberar o seu uso convida a um tipo de comportamen
to sexual incompatível com a dignidade humana... O uso da chamada
'camisinha'acaba estimulando, queiramos ou nao, urna prática desenfre-
ada do sexo... O preservativo oferece urna falsa idéia de seguranga e
nao preserva o fundamental" (pp. 57s).

O livro é muito recomendável e merece parabéns aos respectivos


autores.

80
O Protestantismo se afastou...

LUTERO E MARÍA SANTÍSSIMA

Em síntese: O protestantismo contemporáneo se mostra avesso a


María SSma., ao menos em suas denominagóes mais recentes. Nisto ele
se afasia dos reformadores do século XVI, que conservaram reverencia
e estima a Santa Máe de Deus. Em nossos dias, há indicios de retorno as
origens, em correntes protestantes mais tradicionais. No artigo que se
segué será exposto o pensamento de Lutero, Calvino e Zvinglio, ao que
se acrescentará o testemunho de Madre Basiléia Schiink, luterana, queplei-
teia em nossos dias a recuperagáo da veneragáo á Santa Máe de Deus.
* * *

O protestantismo contemporáneo, ao menos em suas modalida


des mais recentes, é avesso a Maria Santíssima, afastando-se do pensa
mento dos reformadores do século XVI. Estes guardaram muito da vene
rado tradicional á Santa Máe de Deus. Nota-se, porém, urna tendencia
a retornar á posigáo de Lutero, como se depreenderá das declaracoes de
Madre Basiléia Schiink, que seráo transcritas após apresentacáo da mente
dos reformadores.

1. Os Reformadores do século XVI

Os reformadores reconhecem a grandeza da Santa Máe de Deus -


título este que Lutero utiliza, em fidelidade ao Concilio de Efeso (431).
Em 1522 o mesmo escreveu um comentario do Magníficat de Maria, no
qual pede á Virgem SS. que ore por ele; com efeito, este texto termina
exclamando:

"Pegamos a Deus que nos faga compreender bem as palavras do


Magníficat... Oxalá Cristo nos conceda esta graga por intercessáo de sua
Santa Máe! Amém."
Em relacáo á Imaculada Conceicáo, nao é claro o pensamento de
Lutero; este nao é sistemático em suas afirmacóes; nao raro é influenci
ado pela situacáo do momento e pela finalidade que tem em vista, che-
gando, por isto, a proferir sentencas contraditórias. Lutero sustentou que
o Filho de Deus devia nascer de urna Virgem pura; em 1528, afirmou que
a alma humana de Maria, ao ser infundida no seu corpo, foi purificada da
culpa original1. Mas em escritos posteriores, identifica a Virgem SS. com
■ Schimmelpfennig R. é da opiniáo de que Lutero defendeu exatamenle a doutrina
que em 1854 foi proclamada dogma de fé pelo Papa Pió X. Cf. Die Geschichte der
Maríenverehrung im deutschen Protestantismos, Paderborn 1952, pp. 14s.

81
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

os demais seres humanos, que, para ele, sao simultáneamente justos e


pecadores.

Como quer que seja, as referencias de Lutero á Máe de Deus


supreendem por sua freqüéncia e seu conteúdo - o que bem mostra que,
para ele, Maria nao era assunto secundario. Em suma, podemos obser
var com Nordhues Petri:

"As afirmagdes de Lutero permitem dizerque María poderia ocupar


um lugar importante também na piedade plasmada pelas exigencias e
pelos principios da Reforma, sem que por isto se deva renunciar áquilo
que é considerado essencial para a concepgáo evangélica da fé" (U. V.
Balthasar, Beinert, Jungclause e outros, O Culto a María Hoje, p. 80).
No calendario luterano ficaram tres festas marianas, que tém base
no Novo Testamento e estáo muito ligadas a Cristo: a Anunciacáo ou
festa da Encarnacáo, a Visitacáo de Maria a Isabel ou festa da vinda de
Cristo, e a Purificacáo de Maria aos quarenta dias após o parto, também
tida como festa da Apresentacáo de Jesús no Templo.

O que acaba de ser dito a propósito de Lutero, aplica-se, de certo


modo, também aos outros reformadores do século XVI, especialmente a
Zvinglio, de Zürich (Suica).

Calvino aceita o título "Máe de Deus" definido pelo Concilio de Éfeso


em 431. Sustenta a perpetua virgindade de Maria, afirmando que "os
irmáos de Jesús" citados em Mt 13,55 nao sao filhos de Maria, mas pa-
rentes do Senhor; professar o contrario, segundo Calvino, significa "igno
rancia", "louca sutileza" e "abuso da S. Escritura".

Zvinglio, o reformador em Zürich, conservou tres festas marianas e


a recitacáo da Ave Maria durante o culto sagrado.

Todavía a veneracáo a María foi-se atenuando sempre mais no


decorrer dos tempos entre os protestantes. No século XVIII particular
mente, século do racionalismo iluminista, os reformados deixaram de
reconhecer a figura de Maria e de celebrar até as festas marianas que
tém fundamento bíblico (Anunciacáo, Visitacáo, Apresentacáo no tem
plo...).

O endurecimento da posicáo protestante, principalmente nos tem


pos recentes, vem a ser, em grande parte, urna réplica á recente devocáo
a Maria dentro do Catolicismo.

2. Sinais de aproximacáo

1) Merece atencáo o seguinte parágrafo tirado do Evangelischer


Erwachsenenkatechismus. Kursbuch des Glaudens (Catecismo
82
LUTERO E MARÍA SANTÍSSIMA _35

Evangélico para adultos. Manual da Fé), publicado a cargo da Igreja


Luterana da Alemanha, sob a direcáo de W. Jentsch e outros autores em
Gütersloh:

"María faz parte do Evangelho... É apresentada como aquela que


ouviu de maneira exemplar a palavra de Deus, como a serva do Senhor
que diz sim a palavra de Deus, como a cheia de graca que por si mesma
nada é, mas que é tudo por bondade de Deus. É, com efeito, o modelo
original dos homens que se abrem a Deus e se deixam enriquecer por
Ele o modelo original da comunidade dos crentes, da Igreja... 'Concebi
do por obra do Espirito Santo, nascido de María Virgem1, é urna verdade
que confessamos a respeito de Jesús; conseqüentemente confessamos
que María é Máe de Nosso Senhor. O elemento feminino, receptivo, ma
terno nao é a parte pior da realidade humana; antes, é a melhor e, sobre-
tudo, a melhor da realidade crista" (p. 392s).
Assim o Catecismo Luterano afirma que Maria nao é só católica;
ela é também evangélica. Maria é tida outrossim como arquetipo da Igre
ja, á semelhanca do que afirma a teología católica:
"Como ela deu ao mundo o Salvador, assim a Igreja o leva aos
homens por meio do Evangelho. Como Maria, assim também a Igreja vé
em si mesma a humilde serva a quem o Senhor fez grandes coisas (Le
1,48s)" (Catecismo Luterano, p. 922).
2) Após a segunda guerra mundial (1939-1945) apareceram em
ámbito protestante novas formas de vida comunitaria, á semelhanca da
vida conventual que Lutero abandonou. Sejam citadas:
- a Comunidade de Taizé, que tem origem protestante, mas assu-
miu caráter ecuménico, acolhendo em seu seio católicos fiéis ao Catoli
cismo;
- a Comunidade ou a Ordem do Ágape e da Reconciliacáo, em
área anglicana;

- a Comunidade Ecuménica das Irmas de Maria, fundada em


Darmstadt (Alemanha) e espalhada pelo Brasil e outros países. Deseja
servir a Cristo seguindo o exemplo de Maria; as Irmas dessa Comunida
de acrescentam ao seu nome de batismo o de Maria, como acontece ñas
Congregacóes Religiosas Católicas.
Precisamente na Sociedade das Irmas de Darmstadt vive Madre
Basiléia Schlink, que publicou o livro "Maria - Der Weg der Mutter des
Herrn" traduzido para o portugués por Irma Arturis e publicado em Cuntiba
no ano'de 1982. Desse precioso escrito, sejam extraídos alguns trechos
dos mais significativos encontrados no respectivo epílogo:
83
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

Epílogo

Martinho Lutero escreveu a respeito de María:


"O que sao as servas, os servos, os senhores, as mulheres os
principes, os reís, os monarcas da térra, em comparagáo com a Virgem
María, que, além de ter nascido de urna estirpe real, é também Máe de
Deus', a mulhermais importante da térra? No meio de toda a crístandade
ela é ajóia mais preciosa depois de Cristo, a qual nunca pode ser sufici
entemente exaltada; a imperatriz e rainha mais digna, elevada ácima de
toda nobreza, sabedoria e santidade".

"Porjustiga teria sido necessárío encomendar-lhe um carro de ouro


e conduzi-la com 4.000 cávalos, tocando a trombeta diante da carrua-
gem, anunciando: 'Aqui viaja a mulher bendita entre todas as mulheres, a
soberana de todo o género humano'. Mas tudo isso foi silenciado; a po
bre jovenzinha segué a pé, por um caminho táo longo e, apesar d'isso, é
de fato a máe de Deus. Por isso nao nos deveríamos admirar, se todos'os
montes tivessem pulado e dangado de alegría".

"Esta única palavra máe de Deus contém toda a sua honra. Nin-
guém pode dizeralgo de maiordela ou exaltá-la, dirígindo-se a ela, mes-
mo que tivesse tantas línguas quantas folhas crescem ñas folhágens,
quantas graminhas há na térra, quantas estrelas brilham no céu e quantos
gráozinhos de areia existem no mar. Para entender o significado do que é
ser máe de Deus, é preciso avallar e pesar esta palavra no coragáo "
(explicagáo para o Magníficat).

Ao ler estas palavras de Martinho Lutero, que até o fim de sua vida
honrava a máe de Jesús, que santificava as festas de María e diariamen
te cantava o Magníficat, se percebe quáo longe nos geralmente nos dis
tanciamos da correta atitude para com ela, como Martinho Lutero nos
ensina, baseando-se na Sagrada Escritura. Quáo profundamente todos
nos, evangélicos, deixamo-nos envolverpor urna mentalidade racionalista,
apesar de que em nossos escritos confessionais se léem sentengas como
esta: "María é digna de ser honrada e exaltada no mais alto grau" (Art.
21,27 da Apología da Confissáo de Augsburgo)!

O racionalismo ignorou por completo o misterio da santidade. O


que é santo, é bem diferente do resto; diante do que é santo, só nos
podemos quedar em admiragáo, adorar e prostrar-nos no pó. O que é
santo, nao é possível compreendé-lo. Diante da exortagáo, de Martinho
" Essa expressáo significa que María nao é a máe de um grande homem qualquer,
mas sim a máe do Filho de Deus, o qual é a segunda Pessoa da Divindade. Infeliz
mente a Divindade de Jesús é negada hoje muitas vezes, ao ser apresentado como
um mero homem ou até mesmo como um pecador. (N. d. Basiléia Schlink).

84
LUTERO E MARÍA SANTÍSSIMA 37

Lutero, de que María nunca pode ser suficientemente honrada na cristan-


dade como a mulher suprema, como ajóia mais preciosa depois de Cris
to eu sou obrigada a me confessar adepta daqueles que durante muitos
anos de sua vida nao seguiram esta admoestagáo de exalta-la e assim
também nao cumpriram a exortagao da Sagrada Escritura segundo a qual
as geragóes considerariam María bem-aventurada (Lucas 1,48). Eu nao
entrei na fila destas geragóes. É verdade que também li na Sagrada Es
critura como Isabel, mulher agraciada por Deus, falando pelo Espirito
Santo e denominando María "a máe do meu Senhor", Ihe prestou a maior
homenagem, ao Ihe dizercomo prima mais idosa: "Donde me vem a hon
ra de tu entrares em minha casa?!" Eu, de fato, poderla ter aprendido o
procedimento correto com Isabel. Mas eu nao prestei homenagem a Ma
ría com pensamento algum, com nenhum sentimento do coragao, com
palavra alguma, nem com algum canto. E muito menos eu a louvava sem
fim, deixando de seguir a oríentagáo de Lutero, quando escreve que ja
máis chegaríamos a exaltá-la o suficiente.
Minha intengáo, ao escrever este opúsculo sobre o caminho de
María segundo o que diz déla a Sagrada Escritura, foi conscientemente
reparar esta omissáopela qual me tornei culpada para com o testemunho
da Palavra de Deus. Ñas últimas décadas o Senhor me concedeu a gra-
ca de aprender a amar e honrar cada vez mais a María, a máe de Jesús.
E isto á medida que, pela Sagrada Escritura, me ia aprofundando no
conhe'cimento de sua vida e dos seus caminhos. Minha sincera intengáo,
ao escrever este livro, é fazer o que posso para ajudar, a fim de que entre
nos os evangélicos, a máe de nosso Senhor seja novamente amada e
honrada como Ihe compete, segundo as palavras da Sagrada Esentura
e conforme nos recomendou Martinho Lutero, nosso reformador.
Com gratidáo gostaria de confessar aqui quanto o testemunho de
sua obediencia, de sua entrega total de disponibilidade para andar todos
os seus penosos caminhos, me foram urna béngáo. Pois ela viveu e an-
dou o caminho da humilhagáo, numa atitude que - no dizerde Lutero,
cuando escreve a introdugáo ao Magníficat - nos pode servir deexemplo:
"A delicada máe de Cristo sabe ensinar melhor do que ninguem - pelo
exemplo de sua prática - como devemos conhecer, louvar e amar a Deus ...
Quanto amor nos, os evangélicos, dedicamos aos apostólos Paulo
e Pedro! Muitas vezes até encontramo-nos num relacionamento individu
al e espiritual com eles. Nos os honramos e Ihes agradecemos por terem
andado este caminho de discípulos de Cristo. Agradecemos ao apostólo
Paulo, porque sabemos que, sem ele, a mensagem de Jesús nao tena
chegádo até nos, os gentíos. Exaltamos, cheios de gratidao, os madres
de nossa Igreja, cujo sangue foi sementé da qual a Igreja tira vida^ E nos
esquecemos muitas vezes de agradecer a María, a máe de nosso Senhor.
85
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

Nao está ela inserida na "nuvem de testemunhas" que nos circun-


dam (cf. Hebreus 12,1) e cujo testemunho nos deve fortalecer para a luta
que temos a sustentar? ^
Se honramos apostólos e arcanjos e deles esperamos que seiam
nossos guias no caminho, usando seus nomes para denominar comuni
dades e igrejas nossas, entáo, como é que poderfamos excluir María
que esta ligada a Jesús como a primeira e mais íntima e que andou com
Ele o caminho da cruz?

A nossa Igreja Evangélica deixou de Ihe prestar honra e louvor


receando com isto reduzira honra devida a Jesús. Mas o que acontece é
o segumte: toda honra auténtica dirigida aos discípulos de Jesús e tam-
bem a Sua máe aumenta a honra do Senhor. Pois foi Ele, só Ele que os
elegeu, os cobríu com Sua graga e fez deles Seu vaso de eleicáo Por
sua fe, seu amor e sua dedicagáo para com Deus, é Deus colocado no
centro das atengoes e é glorificado.

É também intengáo nossa - como Irmandade de María - contribuir


em obediencia á Sagrada Escritura, para que nosso Senhor Jesús nao
seja entristecido por um comportamento nosso destituido de reverencia
para com Sua máe ou até de desprezo. Pois ela é Sua máe que O deu a
luz e O cnou e educou e a cujo respeito falou o Espirito Santo por inter
medio de Isabel: "Bem-aventurada a que creu!"
Jesús espera de nos que a honremos e amemos. É isto que nos é
proposto pela Palavra de Deus e é, portanto, Sua vontade. Esomente os
que guardam Sua palavra, sao os que amam a Jesús de verdade (Joáo
14,23). '

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86
Santa Teresinha entre

OS DOUTORES DA IGREJA

Em síntese: Doutor da Igreja é aquele crístáo ou aquela crista que


se distinguiu por notorio saber teológico em qualquer época da historia.
O conceito de Doutor da igreja difere do de Padre da Igreja, pois Padre
da Igreja é somente aquele que contribuiu para a reta formulagao dos
artigos da fé até o século Vil no Ocidente e até o secuto VIII no Oriente.
Há Padres da Igreja que sao Doutores. Assim os quatro maiores Padres
latinos (S. Ambrosio, S. Agostinho, S. Jerónimo e S. Gregorio Magno) e
os quatro maiores Padres gregos (S. Atanásio, S. Basilio, S. Gregorio de
Nazianzo e S. Joáo Crísóstomo).
* * *

A inscricáo de Sta. Teresinha de Lisieux entre os Doutores da Igreja


despertou a atencáo do público para o conceito de tal título. Que significa
ser "Doutor(a) da Igreja"? - Eis o que as páginas subseqüentes procura-
ráo dizer.

1. Doutores da Igreja: quem sao?

Os Doutores da Igreja sao homens e mulheres ilustres que, pela sua


santidade, pela ortodoxia de sua fé, e principalmente pelo eminente sa
ber teológico, atestado por escritos varios, foram honrados com tal titulo
por designio da Igreja.

Os Doutores se assemelham aos Padres da Igreja, dos quais tam-


bém diferem, como se verá a seguir.
Padres da Igreja sao aqueles cristáos (Bispos, presbíteros, diáconos
ou leigos) que contribuíram eficazmente para a reta formulacáo das ver
dades da fé (SS. Trindade, Encarnacáo do Verbo, Igreja, Sacramentos...)
nos tempos dos grandes debates e heresias. O seu período se encerra
em 604 (com a morte de S. Gregorio Magno) no Ocidente e em 749 (com
a morte de S. Joáo Damasceno) no Oriente.
Para que alguém seja considerado Padre da Igreja, requer-se anti-
güidade (até os séculos Vil/VIH), ao passo que isto nao ocorre com um
Doutor.

87
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998
Para os Padres da Igreja, basta o reconhecimento concreto nao
explicitado, da Igreja, ao passo que para os Doutores se requer'uma
proclamacáo explícita feita por um Papa ou por um Concilio.
Para os Padres, nao se requer um saber extraordinario, ao passo
que para um Doutor se exige um saber de grande vulto.

Por conseguinte, o que caracteriza um Padre da Igreja é princi


palmente a sua antigüidade; ao contrario, o Doutor se identifica
precipuamente pelo seu saber notorio. Isto, porém, nao impede que
naja Padres da Igreja que também sao Doutores, como se verifica
por exemplo, no caso dos maiores Padres do Ocidente (S. Ambrosio'
S. Agostinho, S. Jerónimo, S. Gregorio Magno) e no dos quatro maio
res Padres do Oriente (S. Atanásio, S. Basilio, S. Gregorio de Nazianzo
e S. Joáo Cnsóstomo). Sao os oito grandes Doutores da Igreja.
Esta terminología, precisa como é, nao era usual na antigüidade
pois a palavra doutortinha o sentido de doctor, docente, mestre, de
modo que eram doutores antigamente aqueles que conheciam bem
os artigos da fé e os sabiam explanar com clareza. Sao Paulo parece
aludir a este sentido ampio de mestre, quando diz que o Senhor "cons-
tituiu apostólos, profetas, evangelistas, pastores em sua Igreja" (cf Ef
4,11; ver 2Cor 12,28; At 13,1).

Com o tempo, o título de Doutor foi-se tornando mais específico-


a principio era atribuido somente a Padres da Igreja, isto é, aqueles
Padres que sobressaíram por seu brilho doutrinário.
Interessante é notar que nenhum mártir foi proclamado doutor da
Igreja (tal poderia ter sido o caso de S. Cipriano de Cartago, vigoroso
defensor da unidade da Igreja),... e nao o foi porque o martirio é con
siderado o maior título de gloria, que nao necessita de algum comple
mento para enaltecer a figura do cristáo.

No século XVI a Igreja abriu máo da nota da antigüidade e pas-


sou a designar como Doutores figuras de épocas mais recentes. A
pnmeira proclamacáo neste sentido foi feita pelo Papa S. Pió V, aos
11/4/1567, em favor de S. Tomás de Aquino (f 1274). Outras procla-
macóes ocorreram posteriormente, como se depreende da lista
publicada a seguir.

Além dos Doutores reconhecidos na Igreja inteira, há os que pos-


suem tal título apenas em determinado país ou ambiente. Tal é o caso
de S. Leandro de Sevilha (f 604), doutor na Espanha, e S. Próspero
da Aquitania (f após 455), Doutor entre os Cónegos Regulares do
Latráo.

88
OS DOUTORES DA IGREJA 41

2. Os Doutores da Igreja

NOMES FUNCÁO DATADA PAÍS NATAL OBRAS PRINCIPÁIS


NA IGREJA MORTE

Hilario de Bispo 367 Franca A Tríndade.

Poitiers Comentario aos Salmos.


Comentario a S.Mateus.

Atanásio Bispo 373 Egito A Encamacáo do


Worhn
VTjIUw.

Apología contra os Arianos.

Efrém Diácono 378 Siria Comentarios á Biblia.


Poemas de Nísibe.

Basilio Bispo 379 Turquía Tratado do


Espirito Santo.

Cirilio de Bispo 386 Palestina Catequeses


Jerusalém

Gregorio Bispo 390 Turquía Homilías. Cartas.


Nazianzeno Versos.

Ambrosio Bispo 397 Italia Comentario do Evangelho de


Lucas. Tratado da Virgindade.

Joáo Bispo 407 Turquía O Sacerdocio.


Crisóstomo Homilías. Cartas.

Jerónimo Monge 419 lugoslávia Vulgata {Traducáo


Latina da Biblia)

Bispo 430 Argelia Confissoes. Cidade de Deus


Agostinho
A Trindade. Cartas.

Bispo 444 Egito Comentario de S. Joáo.


Cirilo de
Contra Nestórío.
Alexandria

Pedro Bispo 450 Italia Homilías.


Crisólogo

Papa 461 Italia Homilías. Cartas.


Leáo Magno

Papa 604 Italia Moral. Diálogos.


Gregorio
Magno

636 Espanha Etimologías


Isidoro de Bispo
Sevilha

Monge 735 Inglaterra Historia Eclesiástica


Beda o
dos Anglos.
Venerável

Monge 749 Siria Contra os Iconoclastas.


Joáo
Damasceno

89
42 'PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998
Pedro Damiáo Cardeal 1072 Italia 0 Livro de Sodoma.
Vida de S. Romualdo.
Sermóes.
Anselmo Bispo 1109 Inglaterra Monologion. Proslogion.
A Verdade. Cartas.
Bernardo Abade 1153 Franca A Graca. Para Eugenio III.
Sermóes sobre o
Cántico dos Cánticos.
Antonio de Frade 1231 Portugal Sermóes
Pádua

Tomás de Frade 1274 Italia Suma Teológica.


Aquino
Contra Gentiles.
Com. de Pedro Lombardo.
Boaventura Cardeal 1274 Italia Apología dos pobres.
Itinerario do Espirito
a Deus.
Alberto Magno Bispo 1280 Alemanha 38 volumes sobre ciencia,
teología, filosofía, Biblia.
Catarina de Religiosa 1380 Italia Diálogo. Cartas.
Sena

Teresa de Monja 1582 Espanha Autobiografía. Caminho


Ávila da Perfeícáo. Castelo
Interior ou As moradas.
Joáo da Cruz Frade 1591 Espanha Cántico Espiritual
Subida da Carmelo
Noite Obscura.
Pedro Canísio Padre 1597 Alemanha Catecismo.
Lou renco de Frade 1619 Italia Comentario do Génesis.
Bríndisi Sermóes.
Roberto Cardeal 1621 Italia Controversias.
Belarmino

Francisco de Bispo 1622 Franca Introducáo á vida


Sales devota. Tratado do
amor de Deus.
Afonso de Bispo 1787 Italia Teología Moral.
Ligório Glorias de María.
Prática de amar a
J. Cristo. A oracáo.
S. Teresa de Monja 1897 Franca Autobiografía.
Lisieux

Alguns Doutores receberam um aposto que caracteriza sua perso-


nalidade. Assim

90
OS DOUTORES DA IGREJA 43

S. Anselmo de Cantuária, Doutor Mariano (devoto de María SS.)


S. Bernardo de Claraval, Doutor Melifluo (dotado de palavra doce
como o mel)

S. Antonio de Pádua, Doutor Evangélico (eximio pregadordo Evan-


gelho)
S. Tomás de Aquino, Doutor Angélico, Comum

S. Boaventura, Doutor Seráfico


S. Alberto Magno, Doutor Universal (grande erudito também ñas
ciencias naturais de sua época)
S. Afonso Maria de Ligório, Doutor Zelosíssimo (sabio moralista)
Santa Teresinha se distinguiu no campo da Espiritualidade ou da
Ascética e Mística. Desenvolveu as palavras do Senhor Jesús que convi-
dam os fiéis a se tornar enancas espiritualmente (cf. Mt 18,3s) vivendo
como filhos bem-amados na presenca de Deus. A monja carmelita dedu-
ziu profundas conclusóes dos dizeres do Senhor, que ela explanou com
simplicidade na sua autobiografía intitulada "Historia de urna Alma" e em
escritos paralelos, inclusive poesías. Essas obras fizeram enorme bem a
Igreja, o que justifica plenamente o título de Doutora que Ihe foi conferido
pelo Papa Joáo Paulo II aos 19/10/97.

A Linguagem dos Números:

989.000.000 DE CATÓLICOS NO MUNDO

Segundo o último Anuario da Igreja Católica recém-publicado pela


Santa Sé existem atualmente 989 milhóes de católicos no mundo, ou
seja, 17,4 % da populacáo global. Esta proporcáo tem-se mantido estavel.
O maiorcrescimento de católicos deu-se na Asia, chegando a 4,9%
em 1995 Pela primeira vez o número de católicos da Asia ultrapassa os
100 milhóes As llhas Filipinas contam 58,7 milhóes de católicos, supe
rando os Estados Unidos, que tém 57 milhóes, e a Italia com seus 55,6
milhóes A taxa mais elevada de crescimento é a da parte asiática da ex-
Uniáo Soviética, onde se julga que o número de católicos passou de
122.000 a um milháo.
Na África, o crescimento registrado é de 4,1 %, e o número de
católicos é de 107 milhóes.
91
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS8 429/1998

A América Latina é o continente mais católico, com seus 415 mi


lhóes de fiéis. O Brasil conta 135 milhóes de católicos.
Na Europa, o crescimento é mais lento. O número de católicos
passou de 287,5 milhóes a 289 milhóes.

A América do Norte (Estados Unidos e Canadá) conta 69 6 mi


lhóes de fiéis.

A Oceania progride também: registra 7,8 milhóes de católicos, ou


seja, 100.000 mais do que em 1995.

Estes dados servem de estímulo ao zelo missionário dos católicos,


aos ouvidos dos quais ressoa o mandato de Cristo: "Ide e pregai o Evan-
gelho..." (Mt 28, 18). Observa o Santo Padre na sua encíclica sobre a
Validade do Mandato Missionário:

«37. O multiplicarse das Igrejas jovens, nos últimos tempos, nao


deve ¡ludir-nos. Nos territorios confiados a estas Igrejas, especialmente
na Asia, mas também na África, na América Latina e na Oceania, existem
varias zonas nao evangelizadas: povos inteiros e áreas culturáis de gran
de importancia, em muitas nagóes, aínda nao foram alcangados pelo anun
cio evangélico nem pela presenga da Igreja local. Inclusive em países
tradicionalmente cristáos, há regióes confiadas ao regime especial da
missáo ad gentes,1 com grupos e áreas nao evangelizadas. Impóe-se,
pois, nestes países, nao apenas urna nova evangelizagao, mas, em cer-
tos casos, a primeira evangelizagao...

40. A atividade missionária ainda hoje representa o máximo desa


fio para a Igreja. Á medida que se aproxima o fim do segundo milenio da
Redengáo, é cada vez mais evidente que os povos que ainda nao rece-
beram o primeiro anuncio de Cristo constituem a maioria da humanidade.
Certamente o balango da atividade missionária dos tempos modernos é
positivo: a Igreja está estabelecida em todos os continentes, e a maioria
dos fiéis e das Igrejas particulares já nao está na velha Europa, mas nos
continentes que os missionários abriram á fé.
Permanece, porém, o fato de que os confins da Térra, para onde
0 Evangelho deve ser levado, alargam-se cada vez mais, e a sentenga
de Tertuliano, segundo a qual o Evangelho foi anunciado por toda a
Térra e a todos os povos, está ainda longe de se concretizar: a missáo
ad gentes ainda está no comego. Novos povos aparecem no cenário
mundial e também eles tém o direito de receber o anuncio da salva-
gao. O crescimento demográfico no Sul e no Oriente, em países náo-
cristáos, faz aumentar continuamente o número das pessoas que ig-
noram a redengáo de Cristo».

1 aos pagaos (Nota da Redagao).

92
O TEMPO NA CONCEPQÁO JUDAICO-CRISTÁ1

O tempo é algo de misterioso, pois está em fluxo constante: o pas-


sado já se foi, o futuro aínda nao existe, e o presente escapa... Por isto os
pensadores antigos em geral refletiram sobre o significado do tempo. Na
Grecia e em países do Oriente a ¡mpressáo de que o tempo é cíclico e se
desenvolve em continuos retornos fez que muitas escolas depreciassem
o tempo; era simbolizado por urna serpente que se enrosca e, após muito
girar, acaba mordendo a própria cauda (donde se perceberia o náo-senso
do tempo); para muitos, era necessário escapar do eterno retorno ou do
ciclo das reencarnacóes. Outro, porém, foi o modo de pensar dos judeus
e cristáos, como passamos a expor.

1. A Historia no Judaismo

1. Chama-nos a atencáo o fato de que os judeus, no mundo antigo


tenham valorizado a historia, escrevendo livros que percorrem os tempos
desde Abraáo (século XIX a. C.) até a época dos Macabeus (século II a.
C). A razáo deste fato é a conviccáo de que a historia é um discurso de
Deus, do único Deus, que se revela por ditos e feitos aos homens (os
ditos sao ilustrados pelos feitos e vice-versa). Conseqüentemente a ¡ma-
gem que methor significa o tempo, no caso, é a de um cone que se abre
aos poucos, comecando com o primeiro Adáo e culminando no segundo
Adáo, o qual encerra os tempos. Já no primeiro homem se espelhava a
imagem do futuro ou do final:

RomS.14

2. Os israelitas, por mais conscientes que fossem do valor do tem


po, sabiam que houve um desastre no inicio da historia, desastre que
explica os males das épocas subseqüentes: doencas, morte, flagelos di
versos... É o que dá a entender o relato do pecado original em Génesis 3:
o homem foi dotado originariamente de bonanca material e espiritual, mas
perdeu-a por efeito de urna ruptura com o Criador. Esta conviccáo judaica
é atestada, a seu modo, por outros povos antigos, que referem também
urna desordem original, responsável pela inclemencia da historia. Eis al-
gumas dessas lendas, que, embora ficticias, exprimem a consciéncia,
' Síntese de urna conferencia proferida pelo Pe. Estéváo Bettencourt O.S.B. na IX
Semana de Filosofía da Faculdade Eclesiástica Joáo Paulo II aos 30/10/97.

93
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

compartilhada por muitos povos em diversos continentes, de que houve


urna queda inicial correspondente ao pecado original da Biblia:
Em New South Wales (África) varias tribos afirmam que os primei-
ros homens foram destinados a nao morrer. Contudo era-lhes proibido
aproximarse de certa árvore oca, em que abelhas selvagens tinham feito
a sua colméia. No decorrer do tempo, as mulheres cobigaram o mel da
árvore proibida, até que, belo día, urna délas, desprezando as admoesta-
góes dos homens, tomou do seu machado e o arremessou contra o tron
co; ¡mediatamente saiu deste urna enorme coruja. Era a Morte, a qual de
entáo por diante circula livremente sobre o mundo e reivindica para si
tudo que ela possa tocar com as asas.

Os pigmeus referem que Deus (Mugasa) a principio criou dois rapa-


zes e umajovem, com os quais vivía amigavelmente na floresta, comopai
com seus filhos, num lugar de toda bonanga: nada faltava aos homens,
nem tinham que recear por alguma perspectiva de morte. Mugasa apenas
Ihesproibira queprocurassem vera sua face. Habitava urna tenda, diante
da qual diariamente a jovem tinha que depositar lenha para o fogo e um
jarro de agua. Um día, porém, a moga, vencida pela curiosidade, escon-
deu-se atrás de urna árvore, ficando á espreita do "Pai", que havia de
aparecer. De fato, ela o pode ver, quando estendia o brago reluzente de
ornamentos a fim de apanhar o jarro. A menina alegrou-se entáo profun
damente e guardou o segredo do ocorrido. Mugasa, porém, percebera a
desobediencia. Chamou os tres irmáos á sua presenga e Ihes censurou a
falta, predizendo-lhes que havia de os deixar; para o futuro, a indigencia e
a morte pesariam sobre eles. Os prantos do grupinho humano nao conse-
guiram deter a sentenga; certa noite Mugasa partiu rio ácima, e nao foi
mais visto. Quanto ao primeiro filho que nasceu á mulher, morreu após
tres días de existencia...

Os Bagandas da África Central contam que Kintu, o primeiro ho-


mem, depois de ter superado varios testes, obteve a licenga de se casar
com Nambí, urna das filhas de Mugulo (o Céu ou o Alto). O pai da donzela
deixou que ela viesse com seu consorte para a térra, trazendo ricos pre
sentes, entre os quais urna galinha; ao despedirse do casal, mandou que
se apressassem por sair, aproveitando o fato de que o irmáo de Nambí,
chamado Warumbe (a Morte), estava fora de casa; recomendou-lhes,
outrossim, nao voltassem para apanhar o que querque tivessem esqueci-
do. Durante a caminhada, porém, Nambi verificou que chegara a hora de
dar de comer á galinha; já que esquecera o milho, consentiu entáo em
que Kintu voltasse á casa para buscá-lo. Mugulo, o pai, ao rever o genro,
irritou-se pela desobediencia; Warumbe (a Morte), estando de novo em casa,
fez questáo de acompanhar Kintu; toda resistencia tendo sido vá, a Morte
desceu com o casal para a tena, onde até hoje habita com os homens.
Graciosa é a historia que contam os japoneses: o príncipe Ninighi
94
O TEMPO NA CONCEPQÁO JUDAICO-CRISTÁ 47

se enamorou pela princesa "Florescente como as flores". O pal da jovem,


que era o Deus da Grande Montanha, consentiu em seu casamento, e
deixou-a partir com sua irmá mais velha "Alta como as rochas". Esta, po-
rém, era tremendamente feia, de sorte que o noivoa mandou voltarpara
casa. Em conseqüéncia, o velho Deus amaldigoou o genro, e declarou
que sua posteridade seria frágil e delicada como as flores!
Os "Bataks" de Palawan (ilhas Filipinas) contam que o seu deus
costumava ressuscitar os mortos. Todavía certa vez os homens o quise-
ram engañar, apresentando-lhe um tubaráo enfaixado como um cadáver.
Quando a Divindade descobriu a astucia, amaldigoou os homens, conde-
nando-os a ficar sujeitos ao sofrimento e á /norte.
3. Voltando ao texto bíblico, verificamos que ele nao somentenarra
a desobediencia do homem, mas promete outrossim a restauracáo da
amizade de Deus com os homens, no chamado Proto-Evangelho (cf. Gn
3 15). Essa restauracáo se daria em Cristo e por Cristo na pienitude dos
te'mpos. Em conseqüéncia, após o primeiro pecado duas correntes per-
passam a historia: o progresso do mal e a obra da restaurado mediante
os Patriarcas e os Profetas.

2. A Historia no Cristianismo

O aguardado Messias veio, inaugurando nova fase da historia. Esta


agora é fortemente ambigua, pois ainda nao consumada; nela se cruzam
dois aiones ou dois mundos: o mundo velho, herdeiro do primeiro Adao,
contaminado pelo pecado, e o mundo novo, iniciado pelo segundo Adáo.
É o que Sao Paulo refere, ao dizer que "a nos chegaram os fins ou as
pontas de dois séculos" (1Cor 10,11):

2*Addb

Em Ef 4,22-24 encontra-se a imagem do homem velho e do homem


novo que habitam em nos, de tal modo que o recuo do velho implica um
avango do novo homem no cristáo. É o que se pode significar pelo gráfico
de dois ángulos que se cruzam: um, que se fecha, é o velho homem; o
outro, que se abre, é o novo homem; cf. Ef 4,22-24:

95
1! "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 429/1998

^ Mesmo ambiguo como é, o tempo atual é o tempo oportuno ou o


kairós, tempo decisivo ou essencial. Toda a historia que assim corre, tem
seu ponto alto em cada domingo, pois entáo se comemora a Páscoa'ou a
Vitoria do segundo Adáo sobre o pecado e a morte, Vitoria da qual partici-
pam os cristaos pela Eucaristía; em cada domingo o cristáo vive um pou-
co mais os valores definitivos, que tendem a absorver o que é velho.
Assim se evidencia o valor do tempo para o cristáo; é o período de
desdobramento de um germen de eternidade colocado em cada neófito
pelo Batismo e alimentado pela Eucaristía.

De resto, o valor do tempo já saltava aos olhos do filósofo estoico


Séneca (t 65 d.C), que escrevia a seu amigo Lucílio:
"Meu caro Lucílio, reivindica a posse de ti mesmo. Teu tempo até
agora te era tomado, roubado; ele te escapava. Recupera-o e cuida dele.
A verdade, ei-la: nosso tempo, arrancam-nos urna parte dele, desviam
outra parte e o resto nos escorre entre os dedos. Todavía é mais digno de
censura perdé-lo por negligencia. E, para quem considera bem, urna boa
parte da vida decorre em feitos desajeitados; outra parte decorre na vadi-
agem; a vida inteira passa enquanto fazemos coisas diferentes daquelas
que deveríamos fazer.

Poderias citar-me um homem que dé valor ao tempo, que reconhe-


ca o valor de um día, que compreenda que ele morre diariamente? Nosso
erro está emjulgar que a morte está diante de nos. No que se refere ao
essencial, ela já passou. Urna parte da nossa vida está atrás de nos e
pertence á morte.

Por conseguinte, caro Lucílio, faze o que dizes: segura cada hora.
Serás assim menos dependente do amanha, pois tu te terás apoderado
do día presente. Os homens adiam a vida para mais tarde. Enquanto o
fazem, a vida se escoa.

Lucílio, tudo se acha fora do nosso alcance. Somente o tempo nos


pertence. Este bem fugidio, escorregadio, é a única coisa de que a natu-
reza nos fez proprietários. E o primeiro que sobrevém, no-lo arrebata! As
pessoas sao loucas: diante do mínimo presente, de quase nenhum valor,
cada qual se senté obrigado a retribui-lo, ao passo que ninguém sejulgá
obrigado em virtude do tempo que Ihe é concedido, tempo que é a única
coisa que homem algum pode retribuir, seja ele o mais grato dos homens"
(Séneca, Carta a Lucílio I § 2).

Estéváo Bettencourt O.S.B.

96
PARA O ANO LETIVO:

1998

Que livros adotar para os Cursos de Teologia e Liturgia?

A "Lumen Christi" oferece as seguintes obras:

1. RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2a ed.), por Dom Cirilo Folch Gomes
O.S.B. (falecido a 2/12/83). Teólogo conceituado, autor de um tratado completo
de Teologia Dogmática, comentando o Credo do Povo de Deus, promulgado
pelo Papa Paulo VI. Um alentado volume de 700 págs., best seller de nossas
Edicóes RS 34,80.

2. O MISTERIO DO DEUS VIVO, P. Patfoort O. P. O Autor foi examinador de D.


Cirilo para a conquista da láurea de Doutor em Teologia no Instituto Pontificio
Santo Tomás de Aquino em Roma. Para Professores e Alunos de Teologia, é
um Tratado de "Deus Uno e Trino", de orientacao tomista e de índole didática.
230 págs R$ 16,80.

3. LITURGIA PARA O POVO DE DEUS (4a ed., 1984), pelo Salesiano Don Cario
Fiore, tradugáo de D. Híldebrando P. Martins OSB. Edicao ampliada e atualiza-
da, apresenta em linguagem simples toda a doutrina da Constituicáo Litúrgica
do Vat. II. É um breve manual para uso de Seminario, Noviciados, Colegios,
Grupos de reflexáo, Retiros, etc., 216 págs R$7,20.

4. DIÁLOGO ECUMÉNICO, Temas controvertidos. 3- Edicáo.


Seu Autor, D. Estéváo Bettencourt, considera os principáis pontos da clássica
controversia, entre Católicos e Protestantes, procurando mostrar que a discus-
sáo no plano teológico perdeu muito de sua razáo de ser, pois, nao raro, versa
mais sobre palavras do que sobre conceitos ou proposicóes - 380 páginas.

SUMARIO: 1.0 catálogo bíblico: livros canónicos e livros apócrifos - 2. Somen-


te a Escritura? - 3. Somente a fé? Nao as obras? - 4. A SS. Trindade, Fórmula
paga? - 5. O primado de Pedro - 6. Eucaristía: Sacrificio e Sacramento - 7. A
Confissáo dos pecados - 8. O Purgatorio - 9. As indulgencias - 10. Maria,
Virgem e Máe - 11. Jesús teve irmáos? - 12. O Culto aos Santos - 13. E as
imagens sagradas? - 14. Alterado o Decálogo? - 15. Sábado ou Domingo? -
16. 666 (Ap. 13,18) - 17. Vocé sabe quando? - 18. Seita e Espirito Sectario-
19. Apéndice geral: A era Constantina RS 16,80.

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Apresenta em seqüéncia todos os momentos
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didático, em paróquias, noviciados.
PREFACIO
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OOLACAO
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OOXOtOGIA FINAL

O ANO LITÚRGICO
Presenga de Cristo no tempo
Quadro mural (formato 65 x 42). Ilustrado em
cores, para estudo do Ano Litúrgico em cursos
para equipes de Liturgia. É um "calendario" com
as solenidades e festas do ano eclesiástico,
com breves explicacóes.
Pode ser afixado as portas de igrejas, em sa
las de aulas, noviciados, etc.
Elaborado por D. Hildebrando Martins. Útil á
Catequese R$4,00.

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Igreja, a Santificacáo do dia, os diversos elementos da Liturgia das Horas.
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100 págs R$4,00.

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