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JURÍDICO
Fonte: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/16429
8
ii
Brasília – DF
Novembro/2005
iii
Brasília – DF
Novembro/2005
iv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................5
CONCLUSÃO .............................................................................................................................59
INTRODUÇÃO
1
BRASIL, Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de1999. Regula o Processo Administrativo no Âmbito da Administração
Pública Federal
6
A abordagem deste tema buscou questionamentos como por exemplo: Por que não
poderia ser revista uma aposentadoria concedida pela Administração com flagrante ofensa à lei,
cujos proventos sejam muito superiores aos que determinam a lei, pelo simples transcurso de
tempo? Por que perpetuar uma situação ilegal ou mesmo não exigir o ressarcimento de uma
pessoa que receba proventos muito superiores aos de todos que se aposentaram na mesma
situação? Por que deveria a sociedade sustentar tais pagamentos, quando evidenciada a
irregularidade do ato de concessão? Foram estas questões práticas que nos levaram a tecer
considerações equilibradas sobre a segurança jurídica, que assim como a legalidade é bem
jurídico e princípio a ser respeitado.
A escolha do tema deu se em virtude da minha atuação na área de legislação de
pessoal. Após muitos estudos relacionados ao poder/dever da Administração de rever seus atos
quando eivados de vícios, deparei-me com o instituto da decadência administrativa, insculpido no
artigo 54 da Lei nº 9.784/99.
Sob esta ótica iniciarei meu trabalho apresentando de forma suscinta os Princípios
da Administração Pública. Abordarei os princípios previstos no art. 37 da Constituição Federal:
Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência e ainda os previstos na Lei nº
9.784/99.
Após, apresentarei a s’egurança jurídica elencada pela Lei nº 9.784/99 como
princípio a ser observado pela Administração, ao lado de outros, como os já citados.
Neste trabalho a abordagem dos princípios a serem observados pela
Administração Pública limitar-se-á ao Princípio da Legalidade e da Segurança Jurídica.
Para chegar ao foco da questão que envolve estes dois princípios, traçarei
considerações sobre o dever/poder da Administração anular atos ilegais quando eivados de vícios,
dever este consagrado no enunciado sumular nº 473 do Supremo Tribunal Federal.
Trarei à colação valiosos ensinamentos referentes ao princípio da legalidade
administrativa, previsto na constituição e em toda a Administração Pública. Transcreverei
excertos de doutrinadores que elevam este princípio como basilar da Administração,como
assevera Hely Lopes Meirelles:
9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme a lei, a
legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos.
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na
Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o
particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa
‘deve fazer assim’.
As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos
não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de
seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-
deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da
função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de
exercitar os poderes e de cumprir deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes,
conferido à Administração Pública para serem utilizados em benefício da
coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador
sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação
administrativa.2
2
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª edição – São Paulo: Malheiros, 2005, p.88.
8
3
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª Edição – São Paulo: Malheiros, 2001,
pp. 93-94.
9
1. Administração Pública
1.1 Conceito
faz-se necessário conceituarmos a própria Administração Pública, traçando a sua natureza e fins a
que se destina.
Milão, 1949, pp. 37 e ss., assim dispõe quanto ao conceito de Administração Pública:
4
MEIRELLES, op. cit., p. 84.
11
órgãos e serviços do Estado, assim como a ação de gestão de bens e interesses qualificados da
1.2 Natureza
realização do interesse que visará o bem–estar da coletividade. Terá o dever indeclinável de agir
segundo os preceitos do Direito e da Moral administrativa, uma vez que tais preceitos expressam
5
MEIRELLES, op. cit., p. 85.
12
1.3 Fins
Finalmente, no que tange aos fins da Administração pode-se, em síntese, dizer que
consubstanciam-se na defesa do interesse público. Nas lições de Hely Lopes Meirelles, “os fins
administrada”. 7
1. 4 Princípios
decorrem do nosso regime político, sendo devidamente enumerados no art. 2º da Lei nº 9.784, de
Pública.
6
MEIRELLES, op. cit., p. 85/86
7
MEIRELLES, op. cit., p. 87.
8
BRASIL. Constituição Federal (1988)
13
exigindo que ele não se afaste ou desvie dos preceitos da lei e do direito.Nas lições de Hely
Lopes Meirelles:
a legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que
o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos
mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar
ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade
disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. 9
Assevera ainda, citado doutrinador, que “na Administração Pública não há
liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei
Público, que deve atuar segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé. Nos dizeres de
Hely, cumprir simplesmente a lei na frieza de seu texto não é o mesmo que atendê-la na sua letra
9
MEIRELLES, op. cit., p. 87.
10
MEIRELLES, op.cit., p. 88.
11
MEIRELLES, op. cit., p. 88.
14
prática do ato para o seu fim, que é unicamente o interesse público. Nas lições de Maria Sylvia
Zanella Di Pietro:
[...] este princípio, que aparece, pela primeira vez, com essa denominação, no
art. 37 da Constituição de 1988, esta dando margem a diferentes interpretações,
pois, ao contrário dos demais, não tem sido objeto de cogitação pelos
doutrinadores brasileiros. Exigir impessoalidade da Administração tanto pode
significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados
como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio estaria
relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade
administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a
prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o
interesse público que tem que nortear o seu comportamento.12
O princípio da finalidade veda a prática de ato administrativo sem interesse
administrativo deve ser publicado, só se admitindo sigilo nos casos de segurança nacional e nas
hipóteses previstas na Constituição, uma vez que a Administração que o realiza é pública.
Partindo dessa premissa – a Administração é pública –não somente os atos serão públicos, mas
também a conduta interna dos agentes que atuam na Administração. Com muita propriedade
12
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª Edição – São Paulo: Atlas, 2005, p. 71.
15
Referido princípio, além de encontrar-se inserido no art. 37 da Constituição Federal, passou a ser
tramitação.
13
MEIRELLES, op. cit., p. 94-95.
14
MEIRELLES, op. cit., p. 96.
16
pela Administração Pública, além dos princípios traçados na Constituição, aos princípios
Federal busca compatibilizar os meios e os fins, de modo a evitar abusos ou restrições por parte
da Administração, com lesão a direitos. A respeito de referido princípio, Hely Lopes Meirelles
assim disciplina:
entre os Princípios da Administração Pública. Referido princípio se justifica pelo fato de ser
15
BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, Regula o Processo Administrativo no Âmbito da Administração
Publica Federal.
16
MEIRELLES, op. cit., p. 93.
17
de orientação termina por gerar insegurança jurídica, daí a necessidade de inserção do princípio
Referido princípio será abordado em capítulo próprio, uma vez que é o tema deste
estudo. Inicialmente, vale transcrevermos as lições de Hely Lopes Meirelles quanto a este
princípio, verbis:
a sua função movidos por motivos de interesse público da esfera de sua competência, leis e
17
MEIRELLES, op. cit., p. 97-98.
18
assegura aos litigantes, em processo administrativo o contraditório e a ampla defesa. Nas lições
Administração não pode dispor desse interesse e nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para
tal tutela. Hely Lopes Meirelles, assim dispõe sobre referido princípio:
18
DI PIETRO, op. cit., p. 82.
19
MEIRELLES, op. cit., p. 102.
19
passemos ao estudo mais acurado de dois deles que serão o centro das atenções do objeto tema
2. Princípio da legalidade
2.1 Conceito
Como já mencionado no capítulo anterior, o Princípio da Legalidade condiciona o
administrador aos mandamentos da lei, exigindo que ele não se afaste ou desvie dos preceitos da
[...] a legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa
que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos
mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar
ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade
disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. 21
público somente fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies
normativas.
20
MEIRELLES, op. cit., p. 103.
21
MEIRELLES, op. cit., p. 87.
20
quando eivados de vícios, com base no seu poder de autotutela sobre os próprios atos, conforme
Federal, verbis:
administrativistas:
22
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado sumula nº 346.
23
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado sumular nº 473.
24
FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. 4ª edição – Belo Horizonte: Del Rey, 2001,
p. 68.
21
Administrador, obriga o ato aos seus ditames. Numa eventual desconformidade, faltaria ao ato o
suporte legal, tornando-o nulo, ilegal e conseqüentemente dele não decorreria direitos.
2.3 Jurisprudência
simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor
25
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5ª Edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 146-
147.
26
MEIRELLHES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19ª Edição – São Paulo: Malheiros, 1994, p. 82.
27
FARRANDO, Ismael. Manual de Derecho Administrativo, Ediciones Depalma, Buenos Aires, 1996, p. 52
(traduzi).
22
e do Superior Tribunal de Justiça (ROMS 12.815/TO; RMS 12.031/TO; RMS 5.114/TO; RMS
28
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 172.531-1, Relator Min. Ilmar Galvão, DJ de
29/09/1995, p. 31917.
23
mesmo aqueles originados em erro de direito decorrente de ignorância da norma não nascem
29
BRASIL. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 12.815/TO, Relator Min. Jorge Scartezzini, DJ de
29/10/2001, p. 221.
30
BRASIL. Recurso em Mandado de Segurança nº 12.031/TO, Relator Min. Felix Fischer, DJ de 04/02/2002, p. 423.
24
legalidade, a doutrina tradicional perfilhou a tese de que os atos administrativos ilegais são nulos,
não podendo gerar quaisquer efeitos. Não obstante, parte desta mesma doutrina tem se insurgido
Antes de entrarmos nesta discussão, faremos uma breve exposição deste Princípio.
Para melhor elucidar a questão, valho-me das lições de Celso Antônio Bandeira de
Mello, verbis:
este último, não terá sido exercitado o próprio direito substantivo. Exemplo: a
forma única de exercer-se o direito de não ser considerado pai de filho ilegítimo
da própria mulher é mover ação contestando-lhe a legitimidade; a forma única
de exercer o direito de revogar, quando cabível, uma doação efetuada é mover
ação para revogá-la; o único modo de o cônjuge coacto exercer o direito a não
ser havido como casado, se o casamento efetuou-se sob coação, é mover ação
anulatória sob tal fundamento. Vê-se que, em todas estas hipóteses, o exercício
do direito confunde-se com o exercício da ação para manifestá-lo.
A distinção entre os institutos da prescrição e da decadência é importante
porque a prescrição só pode ser argüida pelo interessado, ao passo que o juiz,
nas ações submetidas a seu juízo, pode decretar de ofício a decadência de
direito em razão do transcurso do prazo legal e - mais relevante do que isto - o
prazo prescricional pode ser suspenso ou interrompido, ao passo que o prazo de
decadência é fatal: nem se interrompe, nem se suspende.
[...].31
verifica-se facilmente que a perda da possibilidade de a Administração prover sobre dada matéria
prescrição. Com efeito, não se trata, como nesta, do não-exercício tempestivo de um meio, de
uma via, previsto para defesa de um direito que se entenda ameaçado ou violado.
pretensão substantiva da Administração, isto é, de seu dever-poder; logo, o que estará em pauta,
exercício do direito.
31
MELLO, op. cit., p. 922-923 e 928
26
[...] no Direito Privado a prescrição basta para garantir a segurança jurídica [...]
o mesmo não se dá no Direito Público, pois o princípio da segurança jurídica só
fica resguardado através do instituto da decadência, em se tratando de atos
inconvalidáveis, devido ao fato da Administração Pública não precisar valer-se
da ação, ao contrário do que se passa com os particulares, para exercitar o seu
poder de invalidar. Logo, o instituto da prescrição não seria suficiente para
pacificar a situação que advém da matéria objeto deste estudo. Tanto é exata
esta assertiva que não se concebe a possibilidade de interrupção ou suspensão
do prazo para a Administração invalidar, característica esta da decadência, em
oposição à prescrição.
Assim, muito embora a doutrina tenha utilizado o prazo prescricional como
forma de sanação dos atos inválidos, este consiste em prazo decadencial [...].32
operantes há um certo tempo e que já produziram efeitos perante os seus destinatários. Esta
situação traduz-se na perda do direito da Administração rever seus atos pelo decurso de tempo –
Administração.
considerar, também, o princípio da segurança jurídica. Onde um não for útil, o outro também não
caberá.
32
ZANCANER, Weida. Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos. 3ª Edição – São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 77.
27
Administração Pública Federal, elencou a segurança jurídica como princípio a ser observado pela
55, inseridos no capítulo XIV, a lei tratou da anulação, da revogação e da convalidação dos atos
administrativos. O art. 54 fixou em 5 anos o prazo decadencial para que a Administração anule os
atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, salvo nos casos de
comprovada má-fé.
CAPÍTULO XIV
DA ANULAÇÃO, REVOGAÇÃO E CONVALIDAÇÃO
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de
vício de legalidade, e pode revoga-los por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.33
33
BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regulamenta o Processo Administrativo no Âmbito da
Administração Pública Federal.
34
Id.
28
O art. 53 utilizou o verbo dever, aparentemente para deixar claro que a anulação
do ato ilegal não é mera faculdade da Administração, mas um dever. Isso não significa, todavia,
art. 54 estabelece o prazo de decadência dentro do qual a Administração poderá anular; e o art. 55
anular os seus próprios atos eivados de ilegalidade e dos quais decorram efeitos favoráveis para
não admitiam que o destinatário do ato vivesse em eterno sobressalto, à espera de possível
35
Id.
29
36
MELLO, op. cit., p. 93-94.
30
Direito, na medida em que a confiança nas instituições organizadoras de uma sociedade se arrima
na idéia de justiça e na certeza de que as relações jurídicas admitidas pelo Direito não serão
devido processo legal, vale dizer, no respeito às linhas mestras traçadas pela lei para a
desconstituição dos atos jurídicos. A alteração destes atos encontra barreira no direito adquirido e
estabilidade e pacificação social, as situações jurídicas apresentam atributos que impedem a sua
forma, mostra-se assente a presença do Princípio da Segurança Jurídica como um dos elementos
37
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 7ª Edição – Rio de Janeiro: Lumem Júris,
2001, p. 731.
38
SILVA, Almiro do Couto e. Revista de Direito Público, nº 84, 1987, p. 46.
31
desencadeia entre eles quando de sua aplicação aos atos inquinados de ilegalidade.
Administração pode desfazer seus próprios atos, quando nulos, em razão do princípio da
legalidade. Esta concepção de que o Estado tem sempre o poder de anular seus atos ilegais era a
verdade indiscutida no Direito Privado, desde o Direito Romano, de que o nulo jamais produz
efetivamente é, então caberá sempre à Administração Pública revisar seus próprios atos,
desconstituindo-os de oficio, quando eivados de nulidade, do mesmo modo como sempre será
possível, quando válidos, revogá-los, desde que inexista óbice legal e não tenham gerado direitos
subjetivos.
irretroatividade das leis ou no de que são válidos os atos praticados por funcionários de fato,
39
SILVA, op. cit., p. 54 –56.
40
SILVA, op. cit., p. 56 –57.
34
Na parte final de seu artigo, o Professor Almiro do Couto e Silva passa à análise
solução a ser dada a situações irregulares, nascidas de atos administrativos inválidos, mas que
41
SILVA, op. cit., 58-59.
42
SILVA, op. cit., p. 60.
36
questão, para tanto, deve ser examinada à luz de dois princípios que podem entrar em colisão: o
Tribunal Federal, podemos constatar casos em que o Supremo mitigou a aplicação do enunciado
43
ALENCAR, Cristiane. Revogação e Anulação de Atos Administrativos. 2002. Trabalho apresentado como
requisito parcial para aprovação na disciplina de Direito Administrativo. Associação de Ensino Unificado do Distrito
Federal.
37
“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que
os tomam ilegais, por que deles não se originam direitos, ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.45
ilegais não comporta, a priori, nos termos deste enunciado sumular qualquer exceção.
conservadora e que se poderia qualificar até mesmo de atrasada, se posta em confronto com as
adotadas em outras países. Assim é que no RMS 13.807, da Guanabara (RTJ 37/248), a 3ª Turma
do STF (ao decidir caso relacionado com situação de aluno que se formou e passou a exercer
guiada pelo voto do Min. Prado Kelly, entendeu que a liminar dera causa a uma situação de fato e
de direito que não conviria fosse inovada. Não era isso outra coisa do que o reconhecimento da
sanatória do nulo. No RMS 17.144, da Guanabara (RTJ 45/589), reiterou-se, em caso semelhante
44
ALENCAR, Cristiane. Op. cit.
45
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado sumular nº 473.
38
pode determinar a anulação de um ato írrito na sua origem, entretanto, numa visão sistemática,
existiriam ocasiões em que as situações jurídicas decorrentes de ato viciado deveriam ser
aspecto material do Estado Democrático de Direito Brasileiro, tal princípio não pode ser colocado
Em que pese tais argumentos, a matéria está longe de ser trivial e envolve a
Administração Pública Federal, elencou a segurança jurídica como princípio a ser observado pela
mencionado, nos artigos 53 a 55, inseridos no capítulo XIV, a lei tratou da anulação, da
decadencial para que a Administração anule os atos administrativos de que decorram efeitos
anular os seus próprios atos eivados de ilegalidade e dos quais decorram efeitos favoráveis para
não admitiam que o destinatário do ato vivesse em eterno sobressalto, à espera de possível
no âmbito do Direito Administrativo (RDA 84 - out-dez de 1987, pp.46/63). Esse artigo foi fonte
fundamental para outro mais recente, de 1997, do Professor Márcio Nunes Aranha, intitulado
“Segurança jurídica stricto sensu e legalidade dos atos administrativos: convalidação do ato nulo
temporal” (in Revista de Informação Legislativa 34, abril/junho 1997). Esse último artigo fez
referência ao então projeto de lei, que seria posteriormente convertido na Lei 9.784/99.
A questão - diga-se uma vez mais - não é trivial e envolve o sentimento de justiça
e de respeito ao princípio da isonomia. Por que, por exemplo, uma aposentadoria concedida pela
Administração com flagrante ofensa à lei, cujos proventos sejam muito superiores aos que
determina a lei, não poderia ser revista em razão do simples transcurso do tempo? Por que
perpetuar uma situação ilegal ou mesmo não exigir o ressarcimento de uma pessoa que receba
proventos muito superiores aos de todos que se aposentaram na mesma situação? Por que deveria
LEGALIDADE
ilegalidade que emanam efeitos favoráveis aos destinatários se perpetuam pelo tempo,
entre os dois grandes princípios que se contrapõem de maneira quase inconciliável quando se
jurídico, como já tratado em capítulo anterior, encontra amparo no Enunciado Sumular nº 473 do
46
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Enunciado sumular nº 473.
41
período inicial em que há o dever de anular, pela manutenção do princípio da legalidade; mas
norma legal, como uma das inovações introduzidas no ordenamento jurídico pela novel Lei nº
9.784/99. O princípio assente no Direito que o ato nulo não gera efeitos em virtude da
sobreposição do princípio da legalidade, nos termos do art. 54 do normativo legal citado, começa
a ser relativisado.
Assim, o princípio da segurança jurídica tem sido invocado pela moderna doutrina
administrativo.
ilegal, pela Administração, a qualquer tempo, tem sido atenuada em homenagem à segurança e à
estabilidade das situações juridicamente constituídas. Nesse sentido, posiciona-se Hely Lopes
Meirelles:
47
BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o Processo Administrativo no Âmbito da Administração
Pública Federal.
42
Não é outro o entendimento esposado por José dos Santos Carvalho Filho:
48
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19ª Edição – São Paulo: Malheiros, 1994, p. 188-
190.
43
49
FILHO, op. cit., p. 117.
44
É que diante do dilema de atender ora um, ora outro princípio, ambos de igual
importância para a satisfação do interesse da coletividade, o Estado terá sempre
de se pautar por um princípio maior, que arbitre sua decisão. E este é o do
interesse público.50
norteadora na elaboração da Lei nº 9.784/99, vale transcrever a preciosa lição de Maria Sylvia
Zanella Di Pietro:
O princípio da segurança jurídica, que não tem sido incluído nos livros de
direito administrativo entre os princípios da Administração Pública, foi inserido
entre os mesmos pelo artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99.
Como participantes da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto de que
resultou essa lei, permito-me afirmar que o objetivo da inclusão desse
dispositivo foi o de vedar a aplicação retroativa de nova interpretação de lei no
âmbito da Administração Pública. Essa idéia ficou expressa no parágrafo único,
inciso XIII, do artigo 2º, quando impõe, entre os critérios a serem observados,
‘interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o
atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova
interpretação.
O princípio se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver
mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a conseqüente
mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já
reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior. Essa
possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera insegurança
jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situação será passível
de contestação pela própria Administração Pública.51
50
MUKAI, Toshio. Direito Administrativo Sistematizado. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 225-226.
51
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 12ª Edição – São Paulo: Atlas, 2000, p. 82.
45
temporal, quando se tratar de ato do qual decorram efeitos favoráveis aos administrados. Nesse
sua desconstituição somente se torna possível se operado no prazo de cinco anos, a contar, como
interessados.
52
BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o Processo Administrativo no Âmbito da Administração
Pública Federal.
46
53
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 108782-1
47
Pública, pois “[...] ressalvados os atos discricionários praticados por autoridade incompetente, ou
adotada”54. Essa terceira hipótese ocorre em razão da existência das chamadas barreiras ou
54
ZANCANER, op. cit., p. 55.
48
55
ZANCANER, op. cit., p. 60-62
49
56
SILVA, op. cit., 46-47.
50
O leading case nessa matéria foi apreciado antes do advento da Lei nº 9.784/99
pela 1ª Turma do STF no RE 85.179, do Rio de Janeiro, Rel. Min. Bilac Pinto.
Nesse acórdão, que trata de efeitos gerados por medida liminar em mandado de
ementa:
anulação quanto a convalidação são deveres da Administração, que deverá optar por uma das
duas atitudes, de acordo como o que melhor atenda ao interesse público, no caso concreto. A
segunda é no sentido de que o princípio da legalidade não é absoluto nem pode ser aplicado com
57
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 85179/RJ, Relator Min. Bilac Pinto, DJ
02/12/1977.
51
quando permanecem por largo tempo, com a tolerância do Poder Público, dando causa a
situações perfeitamente consolidadas, beneficiando particulares que estão em boa fé, convalidam,
convalescem ou sanam. Também não podemos olvidar que diante do ato inválido no nosso
poder/dever de anular o ato. O anulamento não é uma faculdade, mas algo que resulta
atividade jurídica que consiste muitas vezes em saber o exato ponto em que certos princípios
doutrina e jurisprudência nacionais, com as ressalvas apontadas, têm sido muito tímidas na
ao aplicá-lo a situações em que o interesse público estava a indicar que não era aplicável,
desfigura-se o Estado de Direito, pois se lhe retira um dos seus mais fortes pilares de sustentação,
Este trabalho não tem outro objetivo senão o de, modestamente, contribuir para
Com efeito, atos inválidos geram conseqüências jurídicas, pois se não gerassem
não haveria qualquer razão para nos preocuparmos com eles. Com base em tais
atos certas situações terão sido instauradas e na dinâmica da realidade podem
converter-se em situações merecedoras de proteção, seja porque encontrarão em
seu apoio alguma regra específica, seja porque estarão abrigadas por algum
princípio de Direito. Estes fatos posteriores à constituição da relação inválida,
aliados ao tempo, podem transformar o contexto em que esta se originou, de
modo a que fique vedado á Administração Pública o exercício do dever de
invalidar, pois fazê-lo causaria ainda maiores agravos ao Direito, por afrontar a
segurança jurídica e à boa-fé.58
58
ZANCANER, op. cit., p. 61-62.
53
positivo estrangeiro é evidente na Lei nº 9.784/99, que fez menção expressa à segurança jurídica
como princípio a ser observado pela Administração (art. 2º) e fixou o prazo decadencial de 5 anos
para que a Administração anule os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para
anulação de ato irregular na sua origem. Entretanto, uma visão sistemática da aplicação dos
59
ARANHA, Marcio Nunes. Segurança Jurídica stricto sensu e legalidade dos atos administrativos: convalidação do
ato nulo pela imputação do valor da segurança jurídica em concreto à junção da boa-fé e do lapso temporal. Revista
de Informação Legislativa 34, abril/junho 1997, p. 66.
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comprovada má-fé.
Neste dispositivo, não se referiu o legislador se o ato seria sanável ou não, nulo ou
anulável, apenas que a Administração decairia do poder de anular atos administrativos em cinco
anos.
Se a lei não fez distinção entre atos nulos e anuláveis, sem ressalvas, a não ser no
caso de má-fé, tem-se, em tese, que em ambas as hipóteses se admite a convalidação pelo decurso
na coisa julgada, no ato jurídico perfeito e com ela se impede que situações jurídicas criadas
Por sua vez, a segurança jurídica por decurso de tempo se funda da mesma forma
dos cidadãos de não serem surpreendidos por efeitos inesperados e intempestivos de atos seus ou
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BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regulamenta o Processo Administrativo no Âmbito da
Administração Pública Federal
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sanatória de atos inválidos. Sua aplicação está em consonância com o princípio da legalidade.
ainda que nascida de maneira irregular, ao conceder novo direito, relacionado à situação anterior
ignorando esta, terminaria por ferir frontalmente o princípio da segurança jurídica. Assim,
administrativa. Ausência e excesso de legalidade abrem espaço para o abuso de poder e são
Administração Pública, aplicando-o a situações em que o interesse público estava a indicar que
não era aplicável, termina por desfigurar-se o Estado de Direito, retirando um dos seus mais
Assim, a aplicação da convalidação dos atos administrativos nulos, acobertados pelo decurso de
princípio da segurança jurídica, a uma situação fática, efeitos jurídicos dos quais decorrem
direitos.
Jose dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, partidário da noção acima, assim
preleciona:
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REALE, Miguel. Revogação e Anulamento do Ato Administrativo. 1ª Edição – Rio de Janeiro: Forense, 1968,
p.42-43.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11ª Edição – São Paulo: Malheiros, 1999,
p. 340.
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Pelo exposto, temos que o dever de anular atos administrativos inválidos impõe-se
caso 5 anos, prazo previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99, a autoridade competente terá o dever
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FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 8ª Edição – Rio de Janeiro: Lumem Júris,
2001, p. 122-127.
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9.784/99, sobre atos administrativos irregulares, resultam no reconhecimento de que destes atos
sobre a legalidade, nos aspectos do dever da Administração abster-se de invalidar por decadência
CONCLUSÃO
porque referidos atos foram acobertados pelo manto da decadência, em homenagem ao princípio
da segurança jurídica consagrado no artigo 54 da Lei nº 9.784/99.
A segurança jurídica por decurso de tempo se funda na consolidação de situações
jurídicas, na estabilidade das relações e na garantia dos cidadãos de não serem surpreendidos por
efeitos inesperados e intempestivos de atos seus ou de outrem.
A Administração à vista de uma situação jurídica que ela mesmo já respaldou,
ainda que nascida de maneira irregular ao conceder novo direito relacionado à situação anterior
ignorando esta, terminaria por ferir frontalmente o princípio da segurança jurídica. Assim,
nenhuma segurança haveria para os servidores de boa-fé, crentes na correta atuação
administrativa. Ausência e excesso de legalidade abrem espaço para o abuso de poder e são
controlados pela segurança jurídica.
A observância dos princípios da Administração Pública de forma sistêmica é
imprescindível ao interesse público e à efetividade dos princípios da Administração Pública.
O dever de anular atos administrativos inválidos impõe-se à Administração
quando o interesse público recomende que no confronto entre o princípio da legalidade e o da
segurança jurídica aquele seja aplicado e este não.
Todavia, se o interesse público maior for de que o princípio aplicável é o da
segurança jurídica e não o da legalidade da Administração Pública, conjugando a boa-fé dos
interessados com a tolerância da Administração e com razoável lapso de tempo decorrido, no
caso 5 anos, prazo previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99, a autoridade competente terá o dever
de não anular, aplicando a sanatória do inválido, em homenagem ao princípio da segurança
jurídica previsto expressamente no artigo 2º e implicitamente no artigo 54 da Lei nº 9.784/99.
Assim, conclui-se, por fim, que as conseqüências do decurso de tempo, em termos
de segurança jurídica, devidamente incorporadas na legislação, a teor do artigo 54 da Lei nº
9.784/99, sobre atos administrativos irregulares resultam no reconhecimento de que destes atos
decorrem direitos subjetivos, em observância ao princípio da segurança jurídica preceituado no
mesmo normativo legal.
Resta, assim, incontroversa a possibilidade de prevalência da segurança jurídica
sobre a legalidade, nos aspecto do dever da Administração abster-se de invalidar por decadência
como no de convalidar atos irregulares.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS