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Emoção e Paixão - Embriaguez no Direito Penal

1. Introdução.

A proposta do presente trabalho é traçar um melhor entendimento sobre os temas que nos
foram propostos para análise e aperfeiçoamento da área. Através deste estudo, sem pretensão
de aprofundar nos temas, mostrar a importância dos mesmos para a sociedade; mostrar que os
direitos estão inseridos em nosso ordenamento jurídico e que, a aplicação correta depende de
uma conduta ética dos aplicadores e receptores da lei.

2. A emoção e a paixão.

Emoção é um sentimento súbito; é uma viva excitação do sentimento que toma de assalto
a pessoa, tal e qual um vendaval. É uma forte e transitória perturbação da afetividade a que estão
ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares das funções da vida orgânica, ou
seja, fugaz, efêmero, passageiro, esvaindo-se com a mesma rapidez.

A paixão é a emoção em estado crônico, é um sentimento lento, que, se vai cristalizando


paulatinamente na alma humana até alojar-se de forma definitiva (amor, ódio, vingança,
fanatismo, desrespeito, avareza, ambição, ciúme etc.). Enquanto a emoção é passageira, a
paixão é duradoura.

Emoção e paixão praticamente se confundem, embora haja pequena diferença entre


ambas e esta se origine naquela. “Emoção é como uma torrente que rompe o dique da
continência, enquanto a paixão é o charco que cava o próprio leito, infiltrando-se, paulatinamente
no solo”, como dizia Kant. A emoção dá e passa, enquanto a paixão permanece, alimentando-se
nas suas próprias entranhas. Alguns pensadores chegam a situar a paixão, pelas suas
características emocionais, entre a emoção e a loucura.

É extremamente difícil distinguir, com segurança, emoção e paixão, uma vez que não
apresentam diversidades de natureza ou de grau, pois esta nasce daquela, e , assim como há
paixões violentas e emoções calmas, o inverso também é verdadeiro, embora se diga que a
emoção é aguda e a paixão é crônica (Mirabete). A única diferença que se pode afirmar com
certeza é que a emoção é passageira e a paixão é duradoura.

No entanto, nem uma, nem outra excluem a imputabilidade, uma vez que o nosso Código
Penal adotou o sistema biopsicológico, sendo necessário que a causa dirimente (excludente da
culpabilidade) esteja prevista em lei, o que não é o caso nem da emoção, nem da paixão (CP, art.
28, I).

Embora a emoção ou a paixão não afastem a imputabilidade penal, em várias se suas


passagens, o Código Penal valorou tais sentimentos, seja para diminuir ou mesmo para aumentar
a pena aplicada, a exemplo do art. 65, III, c, última parte, que prevê como circunstância legal
genérica, denominados atenuante, o fato de ter o agente cometido o crime sob a influência de
“violenta emoção”, provocada por ato injusto da vítima. No homicídio privilegiado, o juiz pode
reduzir a pena de um 1/6 a 1/3 quando o agente comete o crime sob “violenta emoção” (incluindo
a paixão, usando a analogia in bonam partem), logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Diferem as duas circunstâncias (genérica e específica), pois a primeira se contenta com a
influência da emoção ou paixão, enquanto a segunda exige que o fato seja praticado sob o
domínio desses estados. Na lesão corporal, o legislador prevê diminuição da pena quando o fato
é cometido pelo agente sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima (art. 129, § 4º).

Sendo assim, a emoção como causa minorante pode funcionar como causa específica de
diminuição de pena (privilégio) no homicídio doloso e nas lesões corporais dolosas, mas, para
isso, exige quatro requisitos:

a) deve ser violenta;

b) o agente deve estar sob o domínio dessa emoção, e não mera influência;

c) a emoção deve ter sido provocada por um ato injusto da vítima;

d) a reação do agente deve ser logo em seguida a essa provocação (CP, arts. 121, § 1º, e 129, §
4º).

José Frederico Marques, diz que, se a emoção ou a paixão tiverem caráter patológico, a hipótese
enquadrar-se-á no art. 26, caput (doença mental).

Galdino Siqueira, invocando as lições de Krafft-Ebing, acentua que “as paixões, pertencendo ao
domínio da vida fisiológica, apresentam, quando profundas, perturbações físicas e psíquicas
notáveis, das mesmas se ressentimento a consciência; isto, porém, não pode implicar na
irresponsabilidade, porquanto o direito penal não deve deixar impunes os atos cometidos em um
estado passional, pois esses atos constituem frequentemente delitos graves. O efeito perturbador
da paixão no mecanismo psíquico pode reduzir a capacidade de resistência psíquica, constituída
por representações éticas e jurídicas, a grau inferior ao estado normal... os atos passionais que
devem ser recomendados à indulgência do juiz são os devidos a um amor desgraçado
(assassínio da pessoa amada, com tentativa de suicídio), ao ciúme (assassínio por amor
desprezado ou enganado), à necessidade e ao desespero (assassínio de mulher e filhos, no
extremo de uma luta improfícua pela vida)”.

Entendemos que somente a paixão que transforme agente em um doente mental, retirando-lhe a
capacidade de compreensão, pode influir na culpabilidade. Mesmo nas hipóteses de ciúme
doentio e desespero, se não há doença mental, não se pode criar um nova causa excludente da
imputabilidade.

A não influência da emoção e da paixão sobre imputabilidade nada tem que ver com a teoria da
actio libera in causa, tratando-se de medida de política criminal, tal como acontece no erro de
proibição (o qual estudaremos mais adiante). Como ensinava Aníbal Bruno, com muito menos
razão ainda do que em relação à embriaguez voluntária ou culposa, aplicar-se-ia à emoção ou
paixão o princípio da actio libera in causa. Ninguém procura voluntária ou culposamente entrar
em estado emocional. Não é possível equiparar esse estado ao de inimputabilidade provocada
dolosa ou imprudentemente pelo sujeito, para a prática de um crime.

3. “Actio Libera in Causa”.

A imputabilidade deve existir ao tempo da prática do fato (ação ou omissão), de modo que
não cabe uma imputabilidade subseqüente. Se o agente, por exemplo, praticou o fato ao tempo
em que não tinha capacidade de compreensão e de determinação por causa de uma doença
mental, não será considerado imputável se após a ocorrência readquirir a normalidade psíquica.
É possível também o caso de a doença sobrevir à prática da conduta punível. Neste caso, o
agente não será considerado inimputável, suspendendo-se a ação penal até que se restabeleça
(art. 152 CPP).

Pode ocorrer o caso de o agente colocar-se propositadamente em situação de


inimputabilidade para a realização da conduta punível. É célebre a hipótese de sujeito que se
embriaga voluntariamente para cometer o crime, encontrando-se em estado de inimputabilidade
no momento se execução (ação ou omissão). A doutrina se refere também ao fato do guarda-
chaves que, pretendendo causar em desastre ferroviário, embriaga-se e, no momento da
passagem do trem, devido ao estado de inconsciência, deixa de combinar os binários.

Surge a questão das actiones liberae in causa, sive ad libertatem relatae (ações livres em
sua causa, relacionada com a liberdade), ou simplesmente actio libera in causa. São casos de
conduta livremente desejada, mas cometida no instante em que o sujeito se encontra em estado
de inimputabilidade, e no momento da prática do fato o agente não possui capacidade de querer
e entender. Houve liberdade originária, mas não liberdade atual (instante do cometimento do
fato).

O termo actio indica a conduta (ação ou omissão); libera expressa o elemento subjetivo do
sujeito; in causa indica a conduta anterior determinadora das condições para a produção do
resultado. As duas expressões juntas, libera in causa, entendendo-se por actio a execução e o
resultado, indicam a existência de um prius, consistente em conduta dominada pela vontade livre
e consciente, em face de um posterius, não mais regido por ela. Sive ad libertatem relatae
expressa o conceito da derivação subjetiva da actio da vontade antecedente livre e consciente
(Roberto Lyra).

As ações livres em sua causa podem ser ativas ou omissivas, dolosas ou culposas. Na
maioria das vezes a conduta é omissiva e culposa. Exemplo: o guarda-chaves culposamente se
embriaga e deixa de combinar os binários, produzindo um desastre ferroviário.

“A teoria da actio libera in causa é geralmente utilizada pela doutrina para justificar a
responsabilidade penal por fatos típicos cometidos por autores que se põem em estado de
inimputabilidade previamente à comissão de tais fatos. Esta teoria, entretanto, o instituto tem uma
origem histórica que não permite distinguir exatamente sua dimensão e nem sequer seus limites”.
(Trecho retirado do artigo publicado no Mundo Jurídico – artigo de Paulo César Busato).

Esta teoria remonta a Aristóteles. Na Magna Moral, ele assim se expressava: “Sempre que
por ignorância se pratica um delito, o sujeito não se conduz voluntariamente, a não ser que
aquele que o cometa seja causa da ignorância, como acontece com os ébrios, os quais causam
danos ou injúria, sendo causa da ignorância”. A conseqüência seria o ébrio responder somente
pela embriaguez e não pelo crime. Entretanto, Aristóteles, socorrendo-se da Lei de Pítaco,
afirmava que deveria sofrer duas penas, referentes à maldade cometida e à ebriez (Fernando
Díaz Palos).

Santo Agostinho dizia que Ló não havia cometido pecado ao praticar incesto com suas
filhas, pois ignorava o parentesco no momento do ato carnal, mas sim ao embriagar-se, causa de
seu comportamento.

No direito Romano, a embriaguez era considerada ímpeto intermediário entre o dolo e o


caso fortuito, estabelecendo uma penalidade benigna. O Direito Canônico não castigava o delito
cometido em estado de embriaguez, mas a ebriez em si mesma.

Foram os práticos italianos, segundo informa Fernando Díaz palos, que conceberam
retamente as actiones liberae in causa. Assim, Bonifácio de Vitalinis sentenciou que o ébrio não
deveria ser castigado em face da prática de um crime, salvo o caso de ebriez voluntária.
Farinaccio afirmou que não deveria sofrer sanção o sujeito autor de um delito em estado de
ebriez, em que não há dolo nem culpa; mas, se o sujeito sabe que costuma praticar delitos
quando embriagado e não se abstém, vindo a cometê-los, deve sofrer pena.

Durante os séculos XVII e XVIII os juristas limitaram-se a reproduzir as idéias dos


doutrinadores italianos.

Mais tarde, Carrara, Pessina, Manzini e Maggiore também estudaram o tema, admitindo a
plena imputabilidade do sujeito, porém, o fizeram tendo em conta somente as hipóteses nas quais
o sujeito buscava de propósito um estado de inconsciência para cometer os delitos, que é o caso
da embriaguez preordenada.

No início, como foi visto, os autores só cuidavam da teoria em relação à embriaguez


preordenada, como fato de o agente embriagar-se para a prática do delito. Modernamente,
estende-se a todos os casos em que o sujeito se coloca em estado de inimputabilidade para
cometer o delito, seja doloso, seja culposo.

Na actio libera in causa a conduta se apresenta com dois atos:

a) ato livre;

b) ato (em sentido amplo) não livre.

É uma conduta em dois graus. Exemplo: o guarda ingere um narcótico para dormir enquanto
ladrões praticam um furto. No primeiro grau, o sujeito é livre na resolução. No segundo grau, a
conduta do agente, no caso o guarda, não é livre, uma vez que se encontra em estado de
inimputabilidade (omissão dolosa). Ele responde pelo crime de furto.

Alguns autores afirmam que é suficiente que a imputabilidade, o dolo e a culpa existam num dos
momentos do iter criminis (caminho que o crime percorre, desde o momento em que germina
como idéia no espírito do agente, até em que se consuma no ato final, que se compõe de duas
fases, uma interna – cogitação e outra externa – atos preparatórios, executórios e consumação) e
que isso ocorre na actio libera in causa, uma vez que a ação de colocar-se em estado de
inimputabilidade já constitui ato de execução da conduta punível. De observar, porém, que o ato
de colocar-se o agente em estado de inconsciência, por exemplo, não constitui ato executório do
crime, tratando-se de ato preparatório. Tanto é assim, que, se após o primeiro ato (livre) nada
ocorrer, não haverá sequer tentativa (Aníbal Bruno).

Para que o sujeito responda pelo crime, aplicando-se a teoria que estamos analisando, é preciso
que na fase livre (resolução) esteja presente o elemento dolo ou culpa ligado ao resultado. Não é
suficiente que se tenha colocado voluntariamente em estado de inimputabilidade, exigindo-se que
tenha querido ou assumido o risco de produzir o resultado (dolo), ou que este seja previsível
(culpa).

4. Embriaguez.

É a causa capaz de levar à exclusão da capacidade de entendimento e vontade do agente, em


virtude de uma intoxicação aguda e transitória causada por álcool ou qualquer substância de
efeitos psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (morfina, ópio etc.), estimulantes (cocaína) ou
alucinógenos (ácido lisérgico), cujos efeitos podem progredir de uma ligeira excitação inicial até
ao estado de paralisia e coma.

As substâncias que provocam alterações psíquicas denominam-se drogas psicotrópicas e


encontram-se divididas em três espécies:

a) psicolépticos, que são os tranqüilizantes, os narcóticos, os entorpecentes,


como, por exemplo, a morfina, o ópio, os barbitúricos e os calmantes;

b) psicoanalépticos, os estimulantes, como as anfetaminas (as chamadas


“bolinhas”), a cocaína etc.;

c) psicodislépticos, ou seja, os alucinógenos, substâncias que causam alucinação,


como é o caso do ácido lisérgico, a heroína e o álcool.

Como se nota, o Código Penal no art. 28, II, não aborda apenas a embriaguez alcoólica, mas a
decorrente do uso de qualquer outra droga (substância de efeitos análogos).

4.1. Fases da embriaguez.

a) Excitação: estado eufórico inicial provocado pela inibição dos mecanismos de autocensura. O
agente torna-se inconveniente, perde a acuidade visual e tem seu equilíbrio afetado. Em virtude
de sua maior extroversão, esta fase denomina-se “fase do macaco”.

b) Depressão: passada a excitação inicial, estabelece-se uma confusão mental e há irritabilidade,


que deixam o sujeito mais agressivo. Por isso, denomina-se “fase do leão”.

c) Sono: na sua última fase, e somente quando grandes doses são ingeridas, o agente fica em
um estado de dormência profunda, com perda do controle sobre as funções fisiológicas. Nesta
fase, conhecida como “fase do porco”, evidentemente, o ébrio só pode cometer delitos omissivos.
4.2. Espécies.

4.2.1. Embriaguez não acidental:

Subdivide-se em voluntária (dolosa ou intencional) e culposa (imprudente).

4.2.1.1. Voluntária, dolosa ou intencional:

O agente ingere a substância alcoólica ou de efeitos análogos com a intenção de embriagar-se.


Há, portanto, um desejo de ingressar em um estado de alteração psíquica, daí falar-se em
embriaguez dolosa. No jargão dos drogados, diz-se “vou tomar um porre” ou “vou fazer uma
viagem”. É a mais comum das espécies de embriaguez.

4.2.1.2. Culposa:

O agente quer ingerir a substância, mas sem a intenção de embriagar-se, contudo, isso vem a
acontecer em virtude da imprudência de consumir doses excessivas. A alteração psíquica não
ocorre de um comportamento doloso, intencional, de quem quer “tomar um porre” ou fazer “uma
viagem”, mas de um descuido, de uma conduta culposa, imprudente, excessiva.

4.2.1.3. Completa e incompleta:

É completa a embriaguez voluntária e a culposa, por ter como conseqüência a retirada total da
capacidade de entendimento e vontade do agente, que perde integralmente a noção sobre o que
está acontecendo. E é incompleta, quando a embriaguez voluntária ou culposa retira apenas
parcialmente a capacidade de entendimento e autodeterminação do agente, que ainda consegue
manter um resíduo de compreensão e vontade.

4.2.1.4. Conseqüência:

A embriaguez não acidental jamais exclui a imputabilidade do agente, seja voluntária, culposa,
completa ou incompleta, ou seja, é actio libera in causa. Isso porque ele, no momento em que
ingeria a substância, era livre para decidir se devia ou não o fazer. A conduta, mesmo quando
praticada em estado de embriaguez completa, originou-se de um ato de livre-arbítrio do sujeito,
que optou por ingerir a substância quando tinha possibilidade de não o fazer.

A “ação foi livre na sua causa”, devendo o agente, por essa razão, ser responsabilizado. A teoria
da ação livre na causa considera o momento da ingestão da substância e não o da prática
delituosa. Essa teoria ainda configura resquício da responsabilidade objetiva em nosso sistema
penal, sendo admitida excepcionalmente quando for de todo necessário para não deixar o bem
jurídico sem proteção.

Exemplo: um estudante, após ingerir grande quantidade de álcool, vai participar de uma
festividade, na qual, completamente embriagado, desfere um disparo de arma de fogo na cabeça
de seu colega matando-o. Passado a bebedeira, desesperado, chora a morte do amigo, sem se
lembrar de nada. Neste caso, responde pelo crime, pois, embora tivesse perdido a capacidade de
compreensão, no momento da conduta delituosa, naco pode invocar incapacidade momentânea a
seu favor, pois, no momento em que ingeria a substância psicotrópica, era plenamente livre para
decidir se devia ou não fazê-lo. Pela teoria da actio libera in causa, responderá por homicídio
doloso, presumindo-se, sem admissão de prova encontrada que estava sóbrio no momento em
que praticou a conduta.

4.2.1.5. Responsabilidade objetiva na embriaguez não acidental:

Em sentido contrário, Damásio Evangelista de Jesus, afastando completamente a


responsabilidade objetiva do sistema penal moderno, lembra que, no caso da embriaguez
completa, o agente não pode ser responsabilizado se não tinha, no momento em que se
embriagava, condições de prever o surgimento da situação que o levou à prática do crime.

A responsabilidade objetiva não mais se justifica diante do princípio constitucional do estado de


inocência: “A moderna doutrina penal não aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa à
embriaguez completa, voluntária ou culposa e não preordenada, em que o sujeito não possui
previsão, no momento em que se embriaga da prática do crime. Se o sujeito se embriaga,
prevendo a possibilidade de praticar o crime e aceitando a produção do resultado, responde pelo
delito a título de dolo. Se ele se embriaga prevendo a produção do resultado e esperando que
não se produza, ou não prevendo, mas devendo prevê-lo, responde pelo delito a título de culpa.
Nos dois últimos casos, é aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa. Diferente é o
primeiro caso, em que o sujeito não desejou, não previu, nem havia elementos de previsão da
ocorrência do resultado. Quando ainda imputável o sujeito, não agiu com dolo ou culpa em
relação ao resultado do crime determinado. A embriaguez não pode ser considerada ato de
execução do crime que o agente não previu... Para que haja responsabilidade penal no caso da
actio libera in causa, é necessário que, no instante da imputabilidade, o sujeito tenha querido o
resultado ou assumido o risco de produzi-lo, ou tenha previsto sem aceitar o risco de causá-lo ou
que, no mínimo, tenha sido previsível. Na hipótese de imprevisibilidade, que estamos cuidado,
não há falar em responsabilidade penal ou em aplicação da actio libera in causa. Assim,
afirmando que não há exclusão da imputabilidade, o Código admite responsabilidade penal
objetiva”.

Com o advento da Constituição de 1988, o “art. 28, II, do Código Penal, na parte em que ainda
consagrava a responsabilidade objetiva, uma vez que permitia a condenação por crime doloso ou
culposo sem que o ébrio tivesse agido com dolo ou culpa, foi revogado pelo princípio
constitucional de estado de inocência (CR, art. 5º, LVII)”.

Pode-se citar como exemplo, a namorada que, frustrada com o fim do romance, aluga um
helicóptero e vai embriagar-se (“afogar as mágoas”) em uma choupana, no alto de uma
montanha. Após sugar quinze doses de uísque, recebe a inesperada visita do seu amado, o qual
logrou, sabe-se lá como, chegar ao local. Após passional discussão, o rapaz coloca uma arma de
fogo na mão da moça e dramaticamente lhe diz: “não quero mais você, mas se você não suportar
isso, que me mate”, e a donzela, completamente embriagada, dispara e mata a imprudente
vítima. De acordo com essa posição, como o evento foi absolutamente imprevisível no momento
em que a autora se embriagava, não teria incidência a actio libera in causa. Tal posição, a ser
aplicada somente em casos excepcionais, nos quais, no momento em que o agente ingere a
substância, for absolutamente imprevisível o desfecho trágico, está de acordo com a moderna
concepção constitucionalista do Direito Penal.

4.2.2. Embriaguez acidental:

Pode ocorrer de caso fortuito ou força maior. As ocorrências de embriaguez acidental são
inusitadas, raríssimas. A possibilidade que se examina normalmente, que surge toda hora, é
sempre de embriaguez não acidental, isto é, voluntária ou culposa.

4.2.2.1. Caso fortuito:

É toda ocorrência episódica, ocasional, rara, de difícil verificação, como o clássico exemplo
fornecido pela doutrina, de alguém que tropeça e cai de cabeça em um tonel de vinho,
embriagando-se. É também o caso de alguém que ingere bebida na ignorância de que tem
conteúdo alcoólico ou dos efeitos psicotrópicos que provoca. É ainda o caso do agente que, após
tomar antibiótico para tratamento de uma gripe, consome álcool sem saber que isso o fará perder
completamente o poder de compreensão.
Nessas hipóteses, o sujeito não se embriagou porque quis, nem porque agiu com culpa, não se
evita o resultado, é imprevisível.

4.2.2.2. Força maior:

É algo que independe de seu controle ou vontade. Deriva de uma força externa ao agente, que o
obriga a consumir a droga. O agente sabe o que está acontecendo, mas não consegue impedir. É
o caso do sujeito obrigado a ingerir álcool por coação física ou moral irresistível, perdendo, em
seguida, o controle sobre as ações.

Frederico Marques também adota tal distinção, afirmando que, “na embriaguez fortuita, a
alcoolização decorre de fatores imprevistos, enquanto na derivada força maior a intoxicação
provém de força externa que opera contra a vontade de uma pessoa, compelindo-a a ingerir a
bebida”, ou seja, mesmo que seja previsível e até previsto, o resultado é inevitável, exatamente
em razão da força maior.

4.2.2.3. Completa e incompleta:

Tanto uma quanto outra podem retirar total ou parcialmente a capacidade de entender e querer.

4.2.2.4. Conseqüências:

Quando completa, exclui a imputabilidade, o agente fica isento de pena, e considera-se ele como
inimputável, para isso, ao tempo da ação ou omissão, o agente tem que ser inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. A
sentença neste caso é absolvitória. Não há que se falar em actio libera in causa, uma vez que
durante a embriaguez o agente não teve livre-arbítrio para decidir se consumia ou não à
substância. O sujeito responde pelo crime com pena atenuada; quando incompleta, desde que
haja redução de sua capacidade intelectiva ou volitiva. A sentença é condenatória. Aplica-se o
disposto no art. 28, § 2º do CP: “A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por
embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da
omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento”. Não é necessário que a redução alcance a capacidade intelectiva e
volitiva, sendo suficiente um dos efeitos.

Se a embriaguez, embora proveniente de caso fortuito ou força maior, não exclui nem reduz a
capacidade intelectual ou volitiva do agente ao tempo da prática delituosa, este responde pelo
crime: não há exclusão de imputabilidade nem atenuação de pena.

4.2.3. Patológica:

É o caso dos alcoólatras e dos dependentes, que se colocam em estado de embriaguez


em virtude de uma vontade invencível de continuar a consumir a droga.

Manifesta-se em pessoas predispostas, nos tarados, nos filhos de alcoólatras e assemelha-se à


verdadeira psicose, devendo ser tratada, juridicamente, como doença mental ou perturbação da
saúde mental, nos termos do art. 26 e seu parágrafo único, recebendo, por conseguinte, o mesmo
tratamento desta.

4.2.3.1. Conseqüência:

Nos dois casos, se há exclusão da capacidade intelectual ou volitiva, retirando totalmente estas
capacidades, aplica-se o disposto no art. 26, caput; se há apenas redução dessas capacidades,
ou seja, se for semi-imputabilidade, aplica-se o que se contém no art. 26, parágrafo único.

4.2.4. Preordenada:

É aquela em que o agente deliberadamente se embriaga para praticar a conduta delituosa,


liberando seus freios inibitórios e fortalecendo sua coragem. Nessa forma de embriaguez
apresenta-se a hipótese de actio libera in causa por excelência. O sujeito tem a intenção não
apenas de embriagar-se, mas esta é movida pelo propósito criminoso; a embriaguez constitui
apenas um meio facilitador da execução de um ilícito desejado.

É o caso de pessoas que ingerem álcool para liberar instintos baixos e cometer crimes de
violência sexual ou de assaltantes que consomem substâncias estimulantes para operações
ousadas.

4.2.4.1. Conseqüência:

A vontade contrária ao Direito, extremamente reprovável, na fase anterior ao estado de


embriaguez, está perfeitamente caracterizada. O agente coloca o estado de embriaguez como o
primeiro momento da realização do fato típico. Nesta hipótese, além de não excluir a
imputabilidade, ou seja, não há dúvida não somente quanto à punibilidade como também à
agravação da pena, em razão da maior censurabilidade da conduta, constituindo então causa
agravante genérica (art. 61, II, l, do CP).

5. Conclusão:

Pode-se concluir que, embora emoção e paixão não excluam a culpabilidade, o Código
Penal deu valor a tais sentimentos, seja para diminuir ou mesmo pra aumentar a pena aplicada,
como já dito, a exemplo do art. 65, III, c, última parte e arts. 121, § 1º e 129, § 4º, mas podem
influir na culpabilidade se for verificado algum problema patológico, transformando o agente em
um doente mental, aplicando-se o disposto no art. 26, caput. a teoria da actio libera in causa não
se aplica aos estados de emoção e paixão.

Já a actio libera in causa, é uma teoria elaborada com o propósito de justificar uma situação que a
princípio seria insustentável, ou seja, não se poderia atribuir responsabilidade penal sem ter em
conta a inimputabilidade do agente no momento do fato. Esta teoria considera então a liberdade
anterior ao fato delituoso cometido, pois, se o sujeito é livre anterior ao fato, é de sua
responsabilidade qualquer ato ilícito cometido sob sua vontade de embriagar-se e agir
ilicitamente, mas, há caso excepcional, em que, se for comprovado a absoluta imprevisibilidade
do delito é afastada a actio libera in causa.

Por fim, uma breve análise sobre embriaguez em no nosso ordenamento jurídico, a qual
pode apresentar tais conseqüências: se acidental: isenção de pena quando completa, se por caso
fortuito ou força maior, redução de pena, o mesmo se for incompleta; já nos caso de embriaguez
não acidental: se terá punição quando for voluntária ou culposa, independentemente de ser
completa ou incompleta; na embriaguez patológica, há a inimputabilidade ou semi-
inimputabilidade, ou seja, estes casos devem ser tratados como doença mental juridicamente
falando, tendo então a isenção ou redução de pena a cada caso concreto e no caso de
embriaguez preordenada, o sujeito terá um agravante de pena, pois, agiu de forma proposital,
com intenção de cometer um ato delituoso.
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1 A fonte do artigo e informações do autor devem ser mantidas. Reprodução apenas na Internet.

Fernanda Moreira

Estudante de Direito Unipac-Araguari

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