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DOMINGO, 22 DE FEVEREIRO DE 2009

O ESTADO DE S. PAULO
CIDADES/METRÓPOLE
CIDADES/METRÓPOLE C5
C5

CARNAVAL

Bateria, o coração de uma escola


Com viradas, paradinhas e recuos, os ritmistas fazem da trilha sonora dos desfiles um espetáculo de percussão

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Mônica Cardoso
NO COMPASSO VIRADA DE PRIMEIRA
Ele levanta um braço. Levanta No ínicio da apresentação, todos os
os dois. Ergue o indicador. Gira
as mãos. Os movimentos po- A orquestra instrumentos (veja ao lado) tocam juntos até
o mestre sinalizar. Então, todos fazem uma

do samba
dem parecer códigos indecifrá- rápida pausa e recomeçam a tocar. Nessa fase,
o surdo de primeira tem a batida
veisaosleigos,maséessacomu- tum!...tum!...tum!
nicação gestual que permite ao Quando ela entra na
mestre de bateria comandar os avenida, é impossível ficar
maisde200ritmistasdapercus- indiferente. De fato, a

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são de uma escola de samba, tal bateria é uma estrutura Os quatro mais
como um maestro rege uma or- complexa de percussão, importantes sinais
Os Instrumentos
questra. e comandá-la exige o
Alguns gestos são univer- do mestre GRAVE
comportamento de um VIRADA DE SEGUNDA Surdo
sais e adotados pelas escolas. A A apresentação da
maestro bateria é dividida em Assim como na virada de Os surdos são como o
maioria, no entanto, faz parte primeira, a bateria para de coração da bateria. Têm
diferentes compassos.
de uma linguagem criada pelo As viradas tocar de novo e retoma seu batida e não param nunca
mestre e combinada com os rit- representam o início compasso, só que, desta vez, (exceto nas viradas e nas
mistas durante os meses de en- de cada uma dessas sem os instrumentos agudos, paradinhas).
partes. São elas: como chocalho, agogô e cuíca. Eles podem ser de 1ª, 2ª e
saio. Com os movimentos das Em algumas ocasiões, os 3ª marcação. Cada um tem
mãos, o mestre pode pedir para APITO
tamborins fazem um arranjo um tamanho e produz uma
alguns instrumentos pararem É usado sempre marcante e param de tocar também sonoridade diferente
que o mestre de
de tocar, sinalizar o próximo bateria vai fazer
movimento e até acelerar ou di- uma mudança de

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minuir o passo da bateria de comando ou pedir
acordo com o relógio. uma manobra
“Osgestosvariam deumaes- VIRADA DE TERCEIRA
colaparaoutra.Àsvezes, omes- Após uma sequência de sons
que indica a finalização de
mo gesto pode ter significados um trecho do samba, a
diferentes para as escolas”, diz bateria recomeça seu ritmo
omestredebateriadaAcadêmi- com caixas, repiques, agogôs
cos do Tucuruvi, André Luiz da e chocalhos. Os surdos de
primeira e terceira se unem
Silva, de 28 anos, um dos mais num só som, dando uma
jovens das escolas do carnaval espécie de “atrasada” no ritmo,

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paulistano e que comanda 230 o chamado “suspiro”. O surdo de
ritmistas. segunda dá resposta às batidas. Sai
Em geral, eles usam um api- o seguinte som: tum, tum!...tum,
tum!...tum, tum! Depois o ritmo é
to para chamar a atenção para retomado
o próximo movimento. Alguns
preferem usar uma vareta para
ficar mais visíveis aos ritmis- VIRADA DE BATERIA
Com um gesto, o mestre
tas. Mesmo assim, o mestre pode pedir que voltem os
transmite as instruções aos di- instrumentos agudos. É a
retores, que ficam perfilados chamada virada da bateria MÉDIOS
entre os ritmistas, e assim a Apoiam os surdos e ficam
posicionados sempre
informaçãodo próximomo- perto deles
vimento pode ser recebida
por todos. Outros sinais
As paradinhas – também 1 Existem sinais com as
chamadas de breques ou bos- mãos que são usados
sas – são ensaiadas à exaustão para solicitar
determinados arranjos
nos ensaios. Surgida de um es- previamente combinados
corregão de um ritmista na ba- 2 com a bateria. São as
teria da escola carioca Mocida- chamadas “paradinhas”,
de Independente de Padre Mi- que quebram o ritmo do
guel há exatos 50 anos, as para- samba.
Por exemplo, na figura 1,
dinhas foram definitivamente os dedos em L indicam
incorporadas nas apresenta- um certo arranjo com Caixa
ções. Elas são criadas especial- instrumentos já
mente para o desfile para que- combinados. Seguidos
brar o ritmo e incrementar o por um movimento de
giro dos indicadores (2),
samba. Algumas paradinhas mostra que essa
inovam e trazem afoxé, funk e execução será feita na
outros ritmos para a avenida. próxima vez que o
“A paradinha é um arranjo mesmo trecho do samba
musical que valoriza o samba. É se repetir
como se um instrumento per- Os demais gestos
guntasse e outro respondesse. representam outras
Nesteano,faremosduasparadi- paradinhas, com
nhas na avenida”, conta Mar- diferentes instrumentos
cos Resende, o Sombra, de 39 ou arranjos
Repinique (ou repique)
anos, mestre da Mocidade Ale-
gre, que dirige 240 ritmistas. Os músicos do espetáculo AGUDOS
Centenas de percussionistas têm a missão de fazer Responsáveis pela variação
COMO O CORAÇÃO a trilha sonora da festa – e conquistar os jurados do ritmo. Dão personalidade
Cada instrumento tem sua fun- ao samba-enredo
ção dentro da bateria. O surdo
Surdo Cuíca Caixa Tamborim
de primeira é responsável pela
marcação do ritmo e tem uma
afinação mais alta do que os ou-
tros surdos. O surdo de segun- Chocalho Repiques Agogô
da responde ao de primeira,
com uma afinação mais grave.
“É como se fossem o coração do
corpo humano. Eles têm uma Mestre da Diretor de Chocalho
FOTOS: SERGIO NEVES/AE

batida seca que garante a sus- bateria bateria


tentação da bateria”, compara
mestre André Luiz. O surdo de
terceira, por sua vez, tem uma
batida mais “solta” e interme-
diária entre os dois.
A caixa ou tarol dá apoio ao
surdo de terceira e suingue ao Agogô
samba.O repique, ou repinique, Mestre André Luiz,
da Acadêmicos do
dá o ritmo e é tocado para intro- Tucuruvi
duzir as paradinhas. Já os ins-
trumentos de naipe leve, cujo
som é mais agudo, são choca-
lho, agogô, tamborim e cuíca.
São eles que dão personalidade
ao samba. ● O recuo
A bateria precisa ocupar um
espaço reservado na avenida
para que possa tocar enquanto Tamborim
o restante da escola desfila.
Para isso, é necessário fazer o
recuo. O diretor posicionado
no final da bateria avisa ao
mestre o ponto exato de
começar a recuar. Ao sinal do
mestre, os ritmistas se
viram de costas para ele
e começam a fazer a
curva em direção
à área
reservada. A
dificuldade da
R

manobra é
EC

que, enquanto Cuíca


U

os ritmistas se
Partituras de um samba da
O

deslocam, o restante
da escola tem de avançar para Portela reproduzidas do livro
FONTES: MESTRE ANDRÉ LUIZ E LIVRO ‘APRENDENDO A que não fique um “buraco ‘Aprendendo a tocar o
TOCAR O BATUQUE CARIOCA’, DE GUILHERME ODILON COSTA
E MESTRE ODILON COSTA INFOGRÁFICO: ROBERTA ZAWIT E RUBENS PAIVA/AE vazio” na avenida batuque carioca’

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