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Volume seis
NicolA Abbagnano
DIGITALIZAÇÃO E ARRANJOS:
Ângelo Miguel Abrantes.
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
VOLUME VI
CAPA DE: J. C.
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO
TIPOGRAFIA NUNES R. José Faldo, 57-Porto
VII
AS ORIGENS DA CIÊNCIA
§ 388 LEONARDO
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observação astronómica.
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§ 392. BACON: VIDA E ESCRITOS
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Nuova Atlântida, pretende dar a imagem de uma
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que nela não lhe convém. Todas estas disposições naturais são
fontes de idola tribus,- e a principal fonte de tais idola é a
insuficiência dos sentidos aos quais escapam todas as forças
ocultas da natureza. Os idola specus, ao invés, dependem da
educação, dos hábitos e das circunstâncias fortuitas em que cada
qual se encontra. Aristóteles, dei de ter inventado a lógica, sujeitou
a ela completamente a sua física, tornando-a estéril: isto foi devido
por certo a uma particular disposição do seu intelecto. Gilbert, o
descobridor do magnetismo, arquitectou sobre a sua descoberta
toda uma filosofia. E assim, em geral, todo o homem tem as suas
propensões para os antigos ou para os modernos, para o velho ou
para o novo, paira aquilo que é simples ou para aquilo que é
complexo, para as semelhanças ou para as diferenças; e todas estas
propensões são fontes
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termo forma. Por um lado, diz que "a forma é tal que pode deduzir
um dado fenómeno de uma qualquer essência que é inerente a vários
fenómenos. e é mais geral do que o fenómeno dado" (Ib., 11, 4):
chama forma à " Minição verdadeira" do fenômeno (Ib., 11, 20) e
descreve-a. como "a coisa mesma" na sua estrutura interna (Ib., 11,
13). Por outro lado, fala das leis fundamentais e comuns que
constituem as formas" (Ib., 11, 17). E diz: "Se bem que na
natureza não existam senão corpos individuais que produzam actos
puros individuais segundo uma determinada lei, nas doutrinas essa
mesma lei, a
busca e a descoberta dela e o seu esclarecimento servem de
fundamento quer ao saber quer ao operar. Esta lei, e os seus
parágrafos, é aquilo que nós designamos com o nome de forma,
especialmente porque este vocábulo é usado e se tornou familiar"
(lb., 11, 2). Por vezes os dois significados são indicados ao mesmo
tempo: "Quando falamos de formas não queremos indicar senão
aquelas leis e aquelas determinações do acto puro que ordenam e
constituem qualquer simples fenómeno natural, como
o calor, a luz, o peso, qualquer que seja a matéria ou o substracto
adaptado. Por isso a forma do calor ou a forma da luz é a mesma
coisa que a lei do calor ou a lei da luz" (lb., 11, 117). Assim se
distinguem os dois significados fundamentais da forma, como lei do
movimento e determinação do acto puro, isto é, o esquematismo
latente.
Não é justo, por isso, exprobar a Bacon (como tantas vezes se tem
feito) a ambiguidade do significado que ele atribui à palavra forma.
Na reali41
dade, este significado é necessáriamente duplo em
virtude de uma distinção que Bacon claramente estabeleceu e
considerou. fundamental. Resta, porém, uma dúvida: será a doutrina
da forma tão original como o próprio Bacon a julgou e, sobretudo,
distinguir-se-á ela suficientemente da doutrina aristotélica? Não
há dúvida de que Bacon contrapôs o seu
conceito de forma ao do aristotelismo escolástico; mas a forma, tal
como ele a concebeu, como princípio estático e dinâmico dos corpos
físicos, corresponde exactamente à autêntica forma de
Aristóteles: a substância, como princípio do ser, do devir e da
inteligibilidade de todas as coisas reais (§ 73). Sem o querer e
talvez sem o saber, Bacon reportou-se directamente ao genuíno
significado aristotélico, da forma substancial. onde, porém, se
afasta de Aristóteles é na exigência, tenazmente mantida, de que a
forma seja sempre inteiramente resolúvel em elementos naturais;
isto é, que a busca e a descoberta da forma não consiste em
processos conceituais mas num processo experimental que chega,
mediante o
exame de cada caso, a determinar os elementos precisos e
operantes da estrutura interna e do processo generativo de um
dado fenômeno. Enxertou assim no tronco do aristotelismo a sua
exigência experimentalista. E isto explica a eficácia limitada e
quase nula que a sua doutrina exerceu no desenvolvimento da
ciência, a qual permaneceu inteiramente dominada pelas intuições
metodológicas de Leonardo, Kepler e Galileu, mas quase por
completo ignorou
O experimentalismo baconiano que de facto era para ela
aproveitável. O experimentalismo científico não
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
§ 388. Os manuscritos de Leonardo foram publicados com as
reproduções fotográficas por Ravisson-Mdllien, 6 vol. in fol.,
Paris, 1881-91; Codice atlantico, ed. Piumati, Milão, 1894-1903; 1
manoscritti e disegni di Leonardo da Vinci, publicados pela R.
Comissão Vinciana, Roma, 1923 segs.-A mais rica de todas as
selecções é de RIGHTER, The Literary Works of Leonardo da
Vinci Compiled and Edited from the Original manuscripts, 2 vol.,
Londres, 1883; 2.1 ed., 1939; Frammenti litterari e filosofici,
se'eccionados púr E. Sdlmi, Florença, 1899.-Trattato della pittura,
ed.
6udwig, Viena, 1882.
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QUINTA PARTE
DESCARTES
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Qui voit comme nous sommes faÍtes Et pense que la guerre est
belle Ou quelle vaut mieux que la paix Est estropié de cervelle 1
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método nos vários ramos do saber. Tal foi de facto a sua tarefa.
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da nossa origem, pode-se sempre supor que o homem foi criado por
um génio mau ou por uma potência maligna que se, tenha proposto
enganá-lo fornecendo-lhe conhecimentos aparentemente certos
mas
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DESCARTES
próprio não tenho coipo. Mas para que me engane ou para que seja
enganado, para duvidar e para
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que existo. Não posso dizer que existo como corpo, já que nada sei
da existência dos corpos, a respeito dos quais a minha, dúvida
permanece. Eu só existo como uma coisa que duvida, isto é, que
pensa. A certeza do meu existir liga-se apenas ao
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como um piloto no seu navio, mas que lhe estou tão estreitamente
ligado que formo um só todo com ele. Sem esta união eu não poderia
perceber o prazer ou a dor que me advém de tudo o que acontece
no corpo, mas conheceria as sensações de prazer ou de dor, de
fome, de sede, etc., com o puro intelecto, como coisas que não
concernem ao meu
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possamos atribuir (peso, cor, etc), mas não como sendo privada da
extensão em comprimento, largura e profundidade: este é, pois, o
seu atributo fundamental (Princ. phil., 11, 4). O conceito do espaço
geométrico identifica-se com a extensão; é fruto da abstracção
pela qual se eliminam dos corpos todas
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procurar o outro com mais ardor do que conviria (lb., 11, 138). O
homem deve deixar-se guiar, tanto quanto possível, não por elas,
mas pela experiência e pela razão, e só assim poderá distinguir, no
seu justo valor, o bem do mal, e evitar os excessos. É neste domínio
das emoções que consiste a sabedoria, a qual se obtém estendendo
o domínio do pensamento claro e distinto e separando, tanto quanto
possível, este domínio dos movimentos do sangue e dos espíritos
vitais, dos quais dependem as emoções e aos quais habitualmente
está ligado (Ib., 111, 211).
método. Nesse caso, de facto, ela implica "que haja uma firme e
constante resolução em seguir tudo o que a razão aconselha
sem que nos deixemos desviar
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Z.@
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que façamos do nosso livre arbítrio, não nos abstendo do juízo nos
casos em que o entendimento não nos iluminou o bastante (Med., IV;
Pritic. Phil.,
1, 34).
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rei que proibiu os duelos, por alguma razão procede de modo que
dois gentis-homens do seu reino, que se odeiam de morte, possam
encontrar-se, ele sabe que não deixarão de bater-se e de infringir a
proibição; mas nem este seu saber, nem a vontade que ele tem de
que eles se encontrem, tirará o carácter voluntário e livre ao acto
dos dois gentis-homens, que poderão por isso ser justamente
punidos. Ora,
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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II
HOBBES
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a manifestação de uma substância que só o homem possua mas uma
função que, a níveis inferiores, também os animais possuem. Esta
função é substancialmente a da previsão. Também os animais
participam desta função que lhes permite regular a sua conduta em
vista do desejo ou desígnio; também os animais são, portanto,
capazes do que Hobbes chama "experiência" ou "prudência", isto, é,
de uma certa ",previsão do futuro mediante a experiência do
passado". Mas no homem esta possibilidade de previsão, que é ao
mesmo tempo e na mesma medida possibilidade de contrôle dos
acontecimentos futuros, é de grau muito superior. De facto, os
homens não são apenas capazes de procurar as causas ou os meios
que podem vir a produzir no futuro efeito calculado. coisa que
também os animais podem fazer - mas são, outrossim, capazes de
procurar todos os possíveis efeitos que podem ser produzidos por
uma coisa qualquer; ou, por outros termos, são capazes de prever e
planear a longo prazo a sua conduta e a consecução dos seus fins
(Lev., 3). Esta capacidade só se encontra nos homens.
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HOBBES
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entre elos uma amizade formal, que é mais temor recíproco do que
amor, talvez nasça uma facção, nunca a benevolência. Se se
associam por prazer ou a fim de se divertirem, cada um compraz-se
sobretudo naquilo que excita o riso para se sentir superior (como é
próprio da natureza do ridículo) em
que a pedra é impelida para baixo" (De cive, 1, § 7). Mas este
instinto natural não é, dadas as circunstâncias, contrário à razão,
porque não é contrário à razão tudo fazer para sobreviver. E já que
o direito em geral é precisamente "a liberdade que cada um tem de
usar das faculdades naturais segundo a r~ razão" (lb., 1, § 7), assim
o instinto que leva cada homem a fazer tudo o que está em
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Como se vê, a lei natural de que fala Hobbes nada tem a ver com a
ordem divina e universal nos termos em que a conceberam os
Estóicos, os Romanos e toda a tradição medieval. Para Hobbes,
como para Grócio e para todo o subnaturalismo moderno, a lei
natural é um produto da razão humana. Mas a razão humana, que
para Grócio é ainda uma actividade especulativa ou teórica capaz de
determinar de modo absolutamente autónomo, isto é,
independentemente de todas as condições ou circunstâncias e da
própria natureza humana, o que é bem ou mal em si mesmo é, pelo
contrário, para Hobbes. uma actividade sujeita ou condicionada
pelas circunstâncias em que opera, uma calculadora capaz de prover
as circunstâncias futuras e de exercer as escolhas que sejam mais
convenientes em
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Tudo isto, porém, não significa que a teoria política de Hobbes não
ponha alguns limites à acção do Estado. Nem mesmo o Estado pode
ordenar a
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§ 414. MALEBRANCHE: A VISÃO EM DEUS
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prejuízo crer que uma bola em movimento que se choca com ou-tra
seja a verdadeira e principal causa do movimento que lhe comunica;
ou que a vontade da alma seja a verdadeira e principal causa do
movimento do braço. Este prejuízo assenta no facto de que a bola é
sempre posta em movimento pelo choque com outra bola e que os
nossos braços se movem todas as vezes que o quisermos. Mas este
facto é explicado de modo completamente diverso. Significa apenas
que, na ordem da natureza, certos factos são necessários a fim de
que ocorram outros, embora não sejam a causa destes outros. O
embate das duas bolas é apenas a ocasião para o autor do
movimento da matéria executar o decreto da sua vontade
comunicando à outra bola urna parte do movimento da primeira. E
assim a nossa vontade de mover o braço ou de rememorarmos
determinadas ideias é apenas urna ocasião de que Deus se
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MALEBRANCHE
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Deus criou o mundo "para se conceder uma honra digna de si". Como
um arquitecto se compraz na obra que fez cómoda e bela, assim
Deus goza da beleza do universo, o qual traz em si os caracteres
das qualidades de que se gloria, das qualidades que estima e ama
(Ib., IX séc.). Assim o mundo se justifica do ponto de vista divino
porque é a obra
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§ 417. GASSENDI
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génio. Basta que, com a ajuda de Deus, eu não seja de tal modo
carne que deixe de ser espírito e que vós não sejais de tal modo
espírito que deixeis de ser carne; de modo que nem vós nem eu
estamos abaixo nem acima da natureza humana. Se vós vos
envergonhais da humanidade, eu não me envergonho dela" (Ib., III,
p. 864). Esta reafirmação da natureza humana nos seus limites e
nas suas imperfeições não é, para Gassendi, um puro motivo
polémico: implica, ao invés, para ele o reconhecimento do valor da
experiência, dos limites da razão, e
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§ 418. O LIBERTINISMO
GASSENDI
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são, por sua vez, grandes animais que servem de mundos a outros
seres, por exemplo, nós, aos cavalos, etc.; e nós, por nossa vez,
somos mundos em relação a certos animais incomparavelmente mais
pequenos do que nós como certos vermes, os piolhos, os insectos;
estes são ainda a terra de outros animais mais imperceptíveis, de
modo que cada um de nós em particular aparece como um mundo
grande a estes pequenos seres. Talvez a nossa carne, o nosso
sangue, os nossos espíritos não sejam mais do que um tecido de
pequenos animais que se reagrupam, nos emprestam o seu
movimento e, deixando-se cegamente conduzir pela nossa vontade
que lhes serve de guia, nos conduzem a nós próprios e produzem
todos juntos aquela acção a que chamamos vida" (Ies états et
empires de Ia lune, p. 92-95).
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menos que se queira indicar com o nome de Deus o sol, que dá vida e
calor a todas as coisas e que, juntamente com os outros astros,
dirige o destino dos seres vivos. O Deus dos teólogos é uma mera
entidade racional: o Deus do povo é apenas a expressão do temor
humano. A religião não passa da invenção de um legislador para
refrear os homens
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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IV
PASCAL
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acções são nossas por causa do livre arbítrio que as produz; o que
elas são tamb6m de Deus, por causa da graça divina, a qual faz, não
obstante, com que o nosso arbítrio as produza. Assim, como
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princípios, 1na@ @ debilidade da razão. E, de facto, o c
'onhecimet't0 desses princípios primordiais (o espaço, o
ter@P0@ o movimento, os números) é segui, como o @@0 é
nenhum dos conhecimentos que os nossos raciocínios nos dão.
Somente, trata-se de uma se-guran,, que tais princípios vão
buscar
10 IraçãO e ao instinto não à razão. O coração sente que há três
dimensões no espaço, que os números são jIIfi@jtos; em seguida, a
razão demonstra que não existem dois números quadrados de que
um seja o duplo , outro, etc. Os princípios sentem-se, as
ProPosições concluem-se; umas e outras têm a mesma certeza, mas
obtida por vias diversas. E é inútil e ridículo que a razão peça ao
coração as provas dos seis primeiros princípios, do mesmo modo
que seria ridículo que o coração pedisse à razão o sentimento de
todas as proposições que ,existem. Melhor teria sido para o
homem conhecer tudo mediante o instinto e o sentimento. Mas a
natureza recusou_lhe tal privilégio: deu-lhe Poucos
conhecimentos dessa espécie, e todos os outros os tem de adquirir
pelo raciocínio (Pensées, ed. Brunschvigg, 282).
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PASCAL
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modo que ele se encontra por cima do nada, pelo menos tanto quanto
se encontra por sob o ser.
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homem como estar em pleno repouso, sem paixões, sem nada que
fazer, sem divertimento, sem ocupação. Sente então o seu nada, o
seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua
impotência, o seu vazio. Imediatamente sair-lhe-á do fundo da alma
o tédio, a disposição sombria, a perfídia, a
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§ 425 PASCAL: A FÉ
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finito sem pecar contra a razão. Num jogo em que existem iguais
probabilidades de vencer ou de perder, arriscar o finito para
ganhar o infinito é evidentemente uma medida da máxima
conveniência.
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o seu espírito sem que ele de tal se aperceba. Uma vez que o
espírito viu onde está a verdade, precisa de adquirir uma crença
mais fácil, que elimine o contínuo retorno da dúvida, ou seja o
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ESPINOSA
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recusando todo o carácter finalista da ordem do inundo; por último,
a identificar a Natureza e Deus com a ordem geométrica do mundo.
Porém, ao mesmo
seu próprio poder de homem (Op., ed. Van Vloten e Land, 1, p. 9).
Com vista a isso, o único conhecimento utilizável é aquele género de
percepção em
que o objecto é percebido só através da sua essência ou através da
noção da sua causa próxima, enquanto que são inutilizáveis os outros
tipos de
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não poderiam ter sido produzidas por Deus de outra maneira ou
noutra ordem diferente daquela por que foram produzidas. Deus
não tem vontade livre ou
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naturais como meios para a obtenção dos seus fins. E como sabem
que tais meios não foram produzidos por si próprios, julgam que
foram destinados ao uso deles por Deus. Assim nasce o preconceito
de que a divindade produz e governa as coisas para uso dos homens,
para ligar os homens a si e para ser honrada por eles. Mas, por
outro lado, os homens observam que a natureza lhes oferece não só
facilidades e comodidades, mas também incomodidades e
desvantagens de toda a espécie (doenças, terremotos, intempéries,
etc.); e crêem então que estes infortúnios derivam de não terem
venerado devidamente a divindade que por isso se encoleriza. E,
posto que a experiência de todos os dias denuncie e mostre com
infinitos exemplos que as vantagens e os danos se distribuem
igualmente por pios e ímpios, os homens, em vez de abandonarem o
seu preconceito, preferem recorrer a outro
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não têm valor objectivo nem podem de modo algum valer como
critérios para entender a realidade mesma. Uma vez mais, a
correcção de tais preconceitos faz-se na matemática, na qual já não
valem as valorizações individuais e que por isso subtrai o homem aos
prejuízos da imaginação. A perfeição das coisas, diz Espinosa (Et.,
1, ap., Op., 1, p. 61) deve ser valorizada apenas pela natu206
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ESPINOZA
ria agir contra a sua própria natureza. Em conclusão, "a virtude e a
potência da natureza são a própria virtude e potência de Deus e as
leis e regras da natureza os próprios decretos de Deus". Não
subsiste portanto o milagre como uma suspensão das leis da
natureza, como se ele não a houvesse sabido criar bastante potente
e ordenada para que servisse em todos os casos aos seus desígnios.
O chamado milagre é apenas um acontecimento ou um facto cuja
causa natural nos escapa, porque é fora do comum ou porque
simplesmente aquele que o
narra o não sabe ver. (Tract. teol.-pol., 6). A crença nos milagres
pode conduzir ao ateísmo, porquanto conduz a duvidar da ordem que
Deus estabeleceu para a eternidade mediante as leis naturais.
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humana razão. O mal é-o não em relação à ordem e às leis da
natureza universal mas apenas relativamente às leis da nossa
natureza. Espinosa pretende superar o ponto de vista da razão
humana e colocar-se no ponto de vista da ordem necessária. Ele
declara não reconhecer nenhuma diferença entre os homens e os
outros indivíduos da natureza nem entre os homens dotados de
razão e os que ignoram * verdadeira razão, e entre os fátuos, os
delirantes * os sãos. "De facto, seja o que for que um ser
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espinosana não é decerto razão, dado que a razão
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divina. Mas a exclusão da doutrina da criação significará que ele
tenha aceite a doutrina da emanação? Na doutrina de Espinosa, não
há vestígios de tal aceitação, que teria feito da sua doutrina a
exacta repetição da doutrina de Bruno. É preciso não esquecer que
entre Espinosa e Bruno se encontram Galileu, Descartes, Hobbes: é
a primeira formação da ciência, inteiramente polarizada em torno
do principio da estrutura matemática do universo. Assim se explica
por que é que a matemática é explicitamente invocada por Espinosa
como salvação dos preconceitos (Et., 1, ap.), assim como se explica a
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vez que os modos não são senão Deus e Deus não é senão os modos
(Ib., 11, 9).
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homem não tem em vista, quer, deseja ou cobiça uma coisa porque a
tem em vista, a quer, a deseja
Deste instinto do homem, instinto que não tem outro fim senão a
conservação do próprio ser, derivam as emoções fundamentais. Por
emoção entende-se, segundo Espinosa, a passividade da mente que
consiste na inadequação e confusão das ideias. A mente sofre
quando possui ideias inadequadas e
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desejo fundamental que o constitui. E uma vez que este instinto visa
a autoconservação, o bem será aquilo que serve a tal conservação, o
mal aquilo que a perjudica (Ib., IV, 8). Deste modo o bem é
identificado ao útil, e a busca do útil torna-se a forma fundamental
da razão. "A razão, diz Espinosa" (Ib., IV, 18, esc.), nada exige
contra a natureza; mas ela mesma exige que cada um se ame
da razão. Por isso Espinosa diz que o bem ou o mal para o homem são
verdadeiramente aquilo que
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Seguir a razão significa para o homem ser activo, quer dizer ter
ideias adequadas. A emoção, ao invés, é uma ideia confusa; e a
emoção não é nunca um absoluto poder do homem porque o
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virtude humana esforçar-se-á por agir bem, como se, diz, e por ser
alegre. É de acrescentar que quem facilmente se deixa possuir pela
compaixão e se
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COMO NECESSIDADE
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direito, não deve ser definido pela razão mas pelo instinto, pelo qual
os homens são determinados a agir e pela qual tendem à sua própria
conservação. Certamente, este instinto não se origina na razão e,
por conseguinte, é mais paixão do que acção. Mas do ponto de vista
do direito natural, isto é, do poder universal da natureza, não é
possível reconhecer nenhuma diferença entre as tendências que
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são geradas pela razão e aquelas que têm outras causas, pois que
umas e outras são efeitos da natureza e manifestam a força natural
pela qual o
homem tende a conservar o seu próprio ser. Uma vez mais Espinosa
declara a este propósito que "o homem, quer seja sapiente ou
ignorante, é parte da natureza e tudo aquilo por que é determinado
a agir deve ser referido ao poder da natureza enquanto é definida e
limitada pela natureza deste ou daquele homem particular.
Portanto, tudo o que o homem faz, quer guiado pela razão, quer
guiado pela cupidez, é conforme às leis e às regras da natureza,
quer dizer ao direito natural (Tract. pol., 2, 5; Tract. teol.-pol., 16).
O direito natural, sendo expressão da necessidade da natureza,
supõe que o homem não é livre, ou, o que é o mesmo, que é livre
apenas no sentido de ~r existir e agir segundo as leis da sua própria
natureza. O direito natural sob o qual os
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razão e que, por outro lado, a razão nos ensina a desejar uma vida
pacífica e honesta, o que só pode efectuar-se no âmbito do Estado,
assim se pode chamar pecado aquilo que vai contra os ditames da
razão (Ib., 2, 21). Mas a coincidência entre a racionalidade e as
normas de direito comum é parcial e acidental, segundo Espinosa.
As normas do direito comum têm a mesma validez que as normas de
direito natural: só são válidas enquanto necessárias, nada mais. De
facto, o direito do
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quem for.
pecados dos homens são remidos por Deus arde de amor por ele e
por isso verdadeiramente conhece Cristo segundo o espírito, e
Cristo é nele.
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e as opiniões por que deve ser movido na sua devoção a Deus. "0 fim
do Estado, diz Espinosa (Tract.-teoUpol., 20) não é o de
transformar os homens, seres racionais, em animais ou em
máquinas, mas, pelo contrário, o de garantir que a mente e o corpo
deles desempenhem com segurança as suas funções, que se sirvam
da livre razão e não se combatam com ódio, ira ou engano nem se
defrontem com espírito de inquidade". O fim do Estado é, de facto,
a liberdade,
E assim este filósofo da necessidade, que conceber um Deus, a sua
acção criadora e o seu governo no mundo, como uma viva geometria
infalível, não teve outro escopo na sua obra especulativa senão o de
garantir ao homem a liberdade das emoções, a liberdade política e a
liberdade religiosa. Como a procura desta liberdade pode inserir-se
e justificar-se num mundo geometricamente determinado, onde
tudo o que existe deve existir em virtude de uma necessidade que
não conheça excepções, eis
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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ÍNDICE
VII- AS ORIGENS DA CIÊNCIA ... ... ... 1
§ 388. L~ardo ... ... ... ... ... ... 7 § 389. Copérrxioo.
Xepler ... ... ... ... 11 §390. Galileu: Vida e Obras ... ... ...
14 §391. Galileu: o método da ciência ... 17 §392. Racori.
Vida; e Escritos ... ... 24
formes ... ... ... ... ... ... 35 Nota bibliográfica, ... ... ... ...
44
QUINTA PARTE
241
11 - HOBBES
97
§ 402.
97
§ 403.
93
§ 404.
101
§ 405.
106
§ 406.
109
§ 407.
113
§ 408
O Homem
115
§ 409.
natural
119
§ 410.
125
129
131 1
§ 411.
131
§ 412.
135
§ 413.
138
§ 414.
141
§ 415.
146
§ 416.
§ 417.
155
§ 418.
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§ 419.
Porto