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19. O domínio da poética Saudosista e neo-romântica nos anos da Primeira República.

Fernando Pessoa

1. Vida e obra
Fernando Pessoa (1888 – 1935) fica órfão de pai aos cinco anos e a sua
mãe casa com o cônsul de Portugal em Durban, razão pela que viajam a África do Sul,
onde recebe uma educação britânica. Posteriormente voltará a Lisboa, onde exerce
como tradutor.
Ideologicamente temos de dizer que foi liberal dentro do
conservadorismo, um cristão gnóstico oposto à Igreja de Roma e partidário dum
nacionalismo mítico, de criar um sebastianismo novo (“Tudo pela Humanidade; nada
contra a nação”).

A sua obra está muito dispersa em revistas e outras publicações, com


tudo publicou livros e folhetos como:
1) 35 Sonnets.
2) English poems I – II.
3) English poems III.
4) Mensagem.

2. Os ismos de vanguarda
2.1. Paulismo
É uma invenção de Pessoa cujo nome deriva do poema “Impressões do
crepúsculo”. O Paulismo é um refinamento dos processos simbolistas, um estilo que
se define pela voluntária confusão do subjectivo e o objectivo por:
a) A associação de ideias desconexas.
b) Frases nominais e exclamativas.
c) Aberração da sintaxe.
d) Vocabulário que expressa aborrecimento de viver (“Tão sempre a mesma, a
Hora!”), o vazio da alma, um vago além (uso de maiúsculas nas palavras de
mais importância).
e) Perante o tédio de viver há uma ânsia de ideal e de alienação de si mesmo nos
limites (“horizonte”, “portões”) do mundo de sonho criado por ele próprio.
O poema que inicia o Paulismo, “Impressões do crepúsculo”, é o
precedente da poesia modernista em Portugal. O Paulismo conjuga duas tendências
opostas:
1) Saudosismo (Teixeira de Pascoaes).
2) Simbolismo – decadentista, que segue as tendências estéticas europeias.

2.2. Interseccionismo
O Interseccionismo deriva do Paulismo, supõe a adaptação deste às novas
correntes estéticas:
a) Futurismo: sobreposições dinâmicas, técnica procedente da pintura que se
aplica à poesia modernista.
b) Cubismo: sobreposição dos planos dos objectos (presente e passado, real e
onírico), que reflecte a superposição das sensações.
O poema “Chuva oblíqua” (publicado na revista Orpheu) é considerado o
exemplo mais significativo do Interseccionismo.
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Introdução à Literatura Portuguesa


2006/2007
USC
19. O domínio da poética Saudosista e neo-romântica nos anos da Primeira República.
Fernando Pessoa

2.3. Sensacionismo
O Sensacionismo (Walt Whitman) é criado por Pessoa e Mário de Sá-
Carneiro e supõe uma arte sem regras que tenha como base a sensação. O mesmo
Pessoa explica em diversos textos em que consiste, assim diz-nos que os três
princípios da arte são:
1) O da sensação: as sensações devem ser plenamente expressas.
2) O da sugestão: a expressão das sensações deve evocar o maior número
possível de outras sensações.
3) O da construção: o assim produzido deve parecer-se a um ser organizado.

1- A única realidade da vida é a sensação. A única realidade em arte é a


consciência da sensação.
2- Não há filosofia, ética ou estética, mesmo na arte, seja qual for a parcela que
delas haja na vida. Na arte existem apenas sensações e a consciência que dela
temos.[...]
3- A arte, na sua definição plena, é a expressão harmônica da nossa consciência
das sensações, ou seja, as nossas sensações devem ser expressas de tal modo
que criem um objeto que seja uma sensação para os outros. [...]
4- Os três princípios da arte são: 1) cada sensação deve ser plenamente expressa
[...]; 2) a sensação deve ser expressa de tal modo que tenha a capacidade de
evocar - como um halo em torno de uma manifestação central definida - o maior
número possível de outras sensações; 3) o todo assim produzido deve ter a maior
parecença possível com um ser organizado, por ser essa a condição da vitalidade.
Chamo a estes três princípios 1) o da Sensação, 2) o da Sugestão, 3) o da
Construção.

(Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, pp.137-138)

Assim, o Interseccionismo seria uma forma de concretizar o


Sensacionismo.

2.4. Simultaneismo
O termo Simultaneismo foi cunhado por Robert Delaunay, embora tome
o nome de Michel-Eugène Chevreul.
a) Em 1913 os futuristas dizem ser os primeiros em introduzir nas suas obras a
ideia de simultaneidade. Deste jeito, a sua pintura quer expressar uma
sensação dinâmica com a decomposição do movimento.
b) É Apollinaire quem adapta e generaliza o termo, já que o usa para designar
um princípio artístico que consiste em que os elementos sem relação se
justapõem de jeito arbitrário, dando lugar ao contraste entre eles.
A simultaneidade foi um dos conceitos mais discutidos nos anos anteriores
à I Guerra Mundial.

2.5. Futurismo
O Futurismo aparece de forma oficial em 1909 com o Manifesto
Futurista de Marinetti e as suas principais características são:
1) Rejeitamento do passado e do moralismo.
2) Evocação dos avances tecnológicos.
3) Os primeiros futuristas também exaltavam a guerra e a violência.
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Em Portugal o Futurismo aparece por primeira vez no número dois da


revista Orpheu, dirigida por Pessoa e Mário de Sá-Carneiro.
Nas odes de Álvaro de Campos (um dos heterónimos usados por Pessoa)
aprecia-se uma mistura e Futurismo e Sensacionismo (Walt Whitman):
1) “Ode triunfal”: amais de cantar aos avances da técnica também evoca o
passado (“Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, porque o
presente é todo o passado e todo o futuro”).
2) “Ode marítima”.

2.6. Importância da revista Orpheu


A revista Orpheu conjuga todos os movimentos literários modernos
(Simbolismo, Decadentismo, Paulismo, Simultaneismo, Futurismo, Cubismo,
Expressionismo, Sensacionismo, Interseccionismo...) elevando a Portugal à dimensão
do moderno e da Europa.

3. Os heterónimos
3.1. Origem
Os heterónimos, a diferença dos pseudónimos, são personalidades
poéticas completas (mesmo têm data de nascimento e de morte). Pessoa dá duas
explicações para a origem dos heterónimos:
1) Num primeiro momento diz que são consequência da anormalidade
histérico-neurasténica do seu psiquismo, que facilita despersonalização e a
simulação.
2) Numa carta a Adolfo Casais Monteiro explica que surgem com os poemas de
que são autores, não são ideados previamente à escrita dos poemas.

Estas duas explicações não se excluem, já que se podem complementar.

3.2. Significação
Os heterónimos são considerados a grande criação estética de Pessoa e,
ademais, conduzem a Pessoa a uma profunda reflexão sobre a relação entre verdade
e realidade e entre existência e identidade.
Os heterónimos mais importantes são Alberto Caeiro, Ricardo Reis e
Álvaro de Campos, embora também podemos citar o semi-heterónimo Bernaldo
Soares, autor do Livro do Desassossego. Entre pseudónimos, heterónimos e semi-
heterónimos contam-se 72 nomes.

3.3. Alberto Caeiro


É considerado o mestre dos heterónimos (mesmo pelo ortónimo), é uma
pessoa de pouca instrução, nascido em Lisboa e que vive quase toda a sua vida como
camponês. A sua escrita se caracteriza por:
a) Ser anti-metafísica.
b) A objectividade visual.

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c) Consideração da sensação como realidade, de aí o rejeitamento do


pensamento filosófico.

3.4. Ricardo Reis


Ricardo Reis nasce no Porto, forma-se em Medicina e tem de se exilar ao
Brasil por ser monárquico. Os principais traços da sua escrita são:
a) Neoclassicismo: latinismo e semi-helenismo (odes).
b) Intemporalidade das suas preocupações: brevidade da vida, morte,
sofrimento....
Algumas das suas odes são:
1) “Mestre”
2) “Nada fica”
3) “Só esta liberdade”
4) “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”

3.5. Álvaro de Campos


É o único heterónimo que manifesta fases poéticas diferentes:
1) Fase decadentista, influenciado pelo Simbolismo.
2) Fase futurista/sensacionista: está influenciado pelo Futurismo de Marinetti e o
Sensacionismo de Walt Whitman:
 Futurismo: evocação da vida moderna, dos avances da técnica. Mas há
também uma visão negativa da poluição física e moral dessa vida
moderna.
 Sensacionismo: vivência em excesso das sensações.
3) Fase abúlica: após uma série de desilusões com a existência a sua escrita chega
a uma fase niilista ou intimista que lembra muito ao ortónimo.

4. O ortónimo: Fernando Pessoa


A obra de Pessoa caracteriza-se por:
a) Mistura do tradicional e o modernista:
 Tradição: continuidade do lirismo português, saudosismo.
 Modernismo: simbolismo, paulismo, interseccionismo.
b) Conflito entre o pensar e o sentir, entre a busca da felicidade e a frustração que
isto provoca. Para conciliar isto usa a fragmentação.
c) O interseccionismo material/sonho e realidade/idealidade para buscar a
unidade entre a experiência sensível e a inteligência.
d) Temática:
 O sonho e a sua intersecção com a realidade. Ex: “Chuva oblíqua”.
 Angustia existencial.
 Fingimento. Ex: “Autopsicografia”.
 Ocultismo e hermetismo.
 Sebastianismo, nacionalismo místico. Ex: Mensagem.

Outros poemas de Pessoa são “Eu nunca guardei rebanhos”, “Nevoeiro”,


“Isto”, “Ela canta, pobre ceifeira”, “O infante” ou “Mar português”.

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