You are on page 1of 3

Análise: “A caçada”

Antes de passar para a própria analise do conteúdo(a historia,


propriamente dita), observemos a estética do conto, pontuada a seguir:

• Extremamente imagético, chegando a ser tangível.

“A velha tirou o grampo do coque, e limpou a unha do polegar.”

“Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de


tempestade. Envenenando o tom verde-musgo do tecido, destacavam-se
manchas de um negro-violáceo...”

• Sinestesia

Ainda nesses trechos é possível perceber a vivacidade que as cores


tomam, remetendo à sentimentos e emoções.

“ Ouviu o assobio da seta varando a folhagem...”

“Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de


tempestade. Envenenando o tom verde-musgo do tecido, destacavam-se
manchas de um negro-violáceo...”

“ A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia...

• Teor filosófico

“Era o caçador? Ou a caça?”

• Metafórico

“Viu-se enredado nos fios e quis fugir, mas a tarja o aprisionou nos seus
braços. No fundo, lá no fundo do fosso podia distinguir as serpentes enleadas
num nó verde-negro...”

As principais características estéticas citadas podem ser percebidas ao


longo de todo o conto: a sinestesia, o descritivismo, que engendra um tom
imagético, beirando ao tangível. Além do inegável tom nostálgico e as
metáforas presentes em todo o texto. Partindo desse principio, a análise da
história propriamente, pode iniciar-se.
O conto “A caçada”, inicia-se retratando um episódio comum, um homem
entra em uma loja de antiguidades(é possível inferir que já havia visitado
algumas vezes a loja em questão). Observa a totalidade da loja, até que seu
olhar é desviado para uma “simples” e velha tapeçaria.

O homem concentra-se na tapeçaria de tal forma, que acaba por “ver


além” do que uma simples tapeçaria. Nesse instante uma sensação de deja vu
o envolve. Deste episódio, no qual a imaginação do homem é levada às
últimas consequências, percebe-se no texto uma discussão, subentendida/
oculta, é claro, mas há uma discussão, que pode ser dividida em dois pontos
na obra, a primeira neste momento, e a segunda já ao fim do texto.

Primeiro, o olhar dissidente do homem sobre o quadro, vendo além do


que existe. Esse olhar pode ser estendido, a vários âmbitos. Um deles pode
tratar-se da própria visão de mundo de um indivíduo, demonstrando a veia
filosófica do texto. Como é demonstrado no trecho a seguir, o homem “vê além”
ao contrário da velha:

- Ontem não podia ver se ele tinha ou não disparado a seta...

- Que seta? O senhor está vendo alguma seta?

- Aquele pontinho ali no arco...

A velha suspirou.

- Mas esse não é um buraco de traça? Olha aí, a parede já está


aparecendo, essas traças dão cabo de tudo...”

O homem volta para casa, atordoado, o quadro havia despertado


diversas emoções nele, que inicia um questionamento, sugerindo a própria
loucura. Ainda perturbado, volta no outro dia à loja de antiguidades. Ao
deparar-se novamente com o quadro, a sensação do dia anterior intensificou-
se, ele agora estava imerso no quadro. Iniciou-se seu questionamento, seria a
caça ou o caçador? E é logo pontuado que isso não importa mais, como é
percebido no trecho: “Era o caçador? Ou a caça? Não importava, não
importava, sabia apenas que tinha que prosseguir correndo sem parar...”

Esse trecho acima contextualiza a segunda discussão filosófica: o papel


das pessoas na sociedade. Seria o homem: O opressor, ou o oprimido? O
caçador, ou o caça? No final não importava mais, ele apenas continuava a
correr, é sutil, mas percebe-se que essa ideia de “continuar a correr” remete a
continuar a vida, remete ao torpor do homem à tentativa de encontrar seu
papel, ou mesmo a desistência de tal. Essas ideias superpostas permitem o
entendimento do porque do título: “A caçada”. Revelando a profunda reflexão,
que tem como pano de fundo uma simples tapeçaria.
Texto por: Maria Alice F. Lima

You might also like