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ORGANIZAÇÕES BUROCRÁTICAS

Jaime Antônio Scheffler Sardi

Ouro Preto - Minas Gerais, 2008


Copyright © 2007. Todos os direitos desta edição pertencem ao Centro de Educação Aberta e a Distância
da Universidade Federal de Ouro Preto (CEAD/UFOP). Reprodução permitida desde que citada a fonte.

PRESIDENTE DA REPÚBLICA COORDENAÇÃO DO CURSO DE


Luiz Inácio Lula da Silva ADMINISTRAÇÃO A DISTÂNCIA
Jaime Antônio Scheffler Sardi
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad COORDENAÇÃO ADMINISTRATIVA DO CEAD
Iracilene Carvalho Ferreira
REITOR DA UFOP
João Luiz Martins REVISORAS
Elinor de Oliveira Carvalho e
VICE-REITOR DA UFOP Maria Teresa Guimarães
Antenor Rodrigues Barbosa Junior
CAPA E LAYOUT
DIRETOR DO CEAD Danilo França do Nascimento
Jaime Antônio Sardi
DIAGRAMAÇÃO
VICE-DIRETORA DO CEAD Alexandre Pereira de Vasconcellos
Marger da Conceição Ventura Viana

COORDENAÇÃO DA UAB/UFOP
Tania Rossi Garbin
Gláucia Maria dos Santos Jorge

ISBN: 978-85-98601-20-5

S244o Sardi, Jaime Antônio Scheffler.
Organizações burocráticas / Jaime Antônio Scheffler
Sardi. -
Ouro Preto : UFOP, 2008.
57 p.

1. Burocracia. 2. Serviço público. 3. Administração


pública.
I. Título. II. Universidade Federal de Ouro Preto.

CDU:
658.115.31

Catalogação: Sisbin/UFOP
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 - Administração Pública Versus Ciências Políticas 05


CAPÍTULO 2 - Os Administradores Públicos e as infra-estruturas 45
coletivas no modo de produção capitalista
APRESENTAÇÃO

Aluno

Este livro destina-se ao estudo da disciplina Organizações Burocráticas Públicas e contém


reflexões sobre princípios de administração pública. Discute o capitalismo e a organização
do Estado, este visto como linha auxiliar no processo da multiplicação do capital.

Debate a presença dos técnicos no mundo da política. Demonstra que o palco privilegiado
de atuação dos tecnoburocratas, ou administradores profissionais, ou gestores públicos,
ou tecnocratas, é exatamente nas “infra-estruturas” estatais de apoio ao processo da
produção e acumulação capitalista. A compreensão destes dois capítulos é central para
o profissional de administração.

Está dividido o assunto nos seguintes Capítulos:

1 - Administração Pública versus Ciências Políticas

1.1. Anexo: Texto “O Estudo da Administração”, de Woodrow Wilson, de 1887.

2 - Os Administradores Públicos e as infra-estruturas coletivas no modo de produção


capitalista

2.1. Anexo: “A Grande Goela”, de Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, de 30 de


dezembro de 1996.

Bom proveito.
CAPÍTULO 1

Administração Pública
Versus Ciências Políticas
Enquanto a Política é uma ciência discutida desde a Grécia Clássica,
Organizações há 2.400 anos, a Administração é bem mais recente. Sistematiza-se
Burocraticas com Taylor, através do livro Princípios de Administração Científica,
Administração publicado em 1908; e com Fayol, através do livro Administração
versus Ciências Industrial e Geral, publicado em 1916. Ambos livros são conhecidos
Politicas dos nossos leitores. Diz-se, sem contestação, que estas duas obras
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são o documento fundador da moderna administração.

Mas quando tratamos da administração voltada para a gestão do


setor público, há que se levar em conta - além do eficientismo e da
conjugação ótima de homens, materiais e tecnologia - questões
políticas e partidárias.

Vamos então começar pelo debate sobre a separação entre Ciência


Política e Administração Pública, assunto levantado inicialmente pelo
professor e presidente americano Woodrow Wilson, um contemporâneo
de Taylor, Fayol, e da segunda Revolução Industrial (eletricidade,
petróleo, aço, automóvel, telefone, cidades verticalizadas, urbanização),
virada do Século XIX para o XX.

A pergunta que inicialmente se postulou era esclarecer se a


administração pública seria, ou não, a simples execução da vontade
política de governantes.

Inclusive, em termos etimológicos, relembremos, a palavra


administração contém o prefixo ad, que quer dizer, para: ministrar
para (alguém). Então, por esta visão, ela não poderia mesmo ir além
da condição de braço operacional da autoridade, misturando-se aos
temas afetos à ciência política.

Esta mesma linha de delimitar o âmbito da administração pública


conjugada com ciência política prossegue quando ela é compreendida
como a fase executiva do governo, intermediária entre as fases
legislativas e judiciais.

É aqui vista como sendo atividade afeta ao chamado Poder Executivo,


que cumpre normas emanadas dos parlamentos (Poder Legislativo)
e está submetido ao controle do Poder Judiciário. A função
administrativa não seria senão a etapa executiva do governo.

Acontece que os parlamentos e os órgãos judiciários também


são administrados, submetendo-se a princípios de organização,
planejamento, racionalidade, e eficiência, pessoal, além de comportar Organizações
atividades concretas de finanças, pessoal, hierarquia, tecnologia e Burocraticas
métodos de trabalho. Administração
versus Ciências
Em 1937 Luther Gulick delimitava a administração pública como Politicas
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sendo uma divisão da ciência política, e classificando-a como uma
das ciências sociais.
Disse:

“A administração se destina a fazer coisas, a realizar objetivos


definidos. A ciência da administração é, portanto, o sistema
de conhecimento com o qual os homens podem desenvolver
relações, predizer efeitos e influir sobre os resultados, em qualquer
situação em que haja pessoas trabalhando conjuntamente, de
forma organizada, para um fim comum. A administração pública é
a parte da ciência de administração que se refere ao governo, e se
ocupa por isso, principalmente, do poder executivo, onde se faz
o trabalho do governo, ainda que haja evidentemente problemas
administrativos que se relacionem aos poderes legislativo e
judiciário. A administração pública é, pois, uma divisão da Ciência
Política e uma das ciências sociais.” (in: FGV, 1962, 84)

Adaptando um inventário de conceitos do francês Fayol, Gulick, criou


a famosa palavra, encontradiça nas academias norte-americanas,
posdcorb, que é um acróstico das iniciais das palavras, em inglês,
de: planejamento, organização, administração de pessoal (staffing),
direção, coordenação, informação (reporting) e elaboração de
orçamentos (budgeting).

Em outra exposição da mesma época, Gulick descreveu por meio de


conceitos mais específicos os ‘elementos funcionais’ da administração,
tais como existem para o chefe executivo:

“Planejamento - exposição, em termos gerais, do que deve ser


feito e dos métodos a serem empregados, para que a empresa
atinja os seus objetivos;

Organização - estabelecimento da estrutura formal da autoridade


(em que as subdivisões de trabalho se integrem, ordenadas,
definidas e coordenadas), a fim de alcançar determinado
objetivo;
Organizações
Burocraticas Administração de pessoal (staffing) - função de recrutar e
Administração adestrar o pessoal, e manter condições favoráveis de trabalho;
versus Ciências
Politicas Direção - a tarefa continua que compete ao líder da empresa, de
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tomar decisões e formulá-las em ordens gerais e especificas;

Coordenação - trabalho importantíssimo de inter-relacionar as


diversas partes do trabalho;

Informação (reporting) - incumbência do chefe executivo de


manter a par das ocorrências o pessoal por quem é responsável,
pressupondo-se que estenda os efeitos de tal atividade a si
mesmo e a seus subordinados imediatos, mediante registros,
estudos e inspeções;

Elaboração de orçamentos (budgeting) - tarefa que abrange


tudo que se relaciona com os orçamentos, inclusive quanto às
atividades relativas a planejamento, contabilização e controle
fiscais.” (in: FGV, 1962, 85)

Pondo de lado outras considerações metodológicas aqui presentes,


que discutiremos mais adiante, cabe perguntar, em face da definição
transcrita:

1º Podemos dizer que a administração é somente execução, isto é,


um processo independente da formulação de normas e das decisões
fins e meios?

2º Acaso será pura e simples obediência mecânica a diretrizes


determinadas em outras esferas ou etapas?

3º E, além disso, qual a lógica ou o dado de realidade em compreender


o ramo executivo como sendo “a administração pública”, como o lugar
onde se realiza o trabalho do governo?

Mas a discussão não pára por aí.

Há, especialmente no mundo jurídico, autores que entendem a


administração pública como sendo a aplicação do direito administrativo,
isto é, a aplicação restrita das normas legais. Confundir-se-ia então
com as Ciências Jurídicas, assunto de advogados, portanto. Organizações
Burocraticas
Um texto publicado pela Fundação Getúlio Vargas, de 1962, de autoria Administração
de Diego Lordello de Mello, intitulado “Administração como Arte e como versus Ciências
Ciência”, critica a posição acima mencionada, nos seguintes termos: Politicas
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“SUBORDINAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO DIREITO


ADMINISTRATIVO E SEUS EFEITOS NEGATIVOS

O Brasil acompanha o sistema da maioria dos países ao


submeter o estudo da administração pública à tutela completa
do direito administrativo. As conseqüências dessa injustificável
subordinação são os piores possíveis. Para começar, reduz
a matéria a uns minguados capítulos nos programas de direto
administrativo, quando não está de todo ausente desses
programas. Além disso, tal prática acarreta uma grande distorção
da teoria da administração de pôr aquela teoria em conformidade
com o sistema de relações legais do direito administrativo. A
rigidez da máquina administrativa desses países é devida sem
dúvida à orientação legalista tão extremada com referência ao
estudo da administração pública – orientação que também se
reflete na glorificação da burocracia e da chicanice administrativa
e no completo domínio dos processos administrativos pelas
técnicas e chicanas legais. (p. 76)

Qual é então o âmbito de atuação da administração pública?

Podemos dizer então que enquanto os profissionais do direito


administrativo ocupam-se do fiel cumprimento da norma legal, zelando
por ela, já que ela é a razão do seu trabalho, os administradores
devem possuir o impulso realizador, devem descobrir caminhos, tendo
a lei como uma realidade a considerar, para que objetivos ou projetos
aconteçam.

Os profissionais do direito administrativo na sua atividade corriqueira


também não se ocupam das motivações político-ideológicas (assunto
da Ciência Política) das leis. Assim como não se ocupam das razões
econômicas que exigem a promulgação de certa lei (assunto da
Economia).
Já a articulação que envolve questões legais, econômicas,
Organizações disponibilidade de pessoal, racionalização do trabalho,
Burocraticas tecnologia, para viabilizar certo empreendimento, isto sim
Administração podemos considerar atividade típica do administrador.
versus Ciências
Politicas Esta característica abrangente e abarcadora da Administração talvez
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explique porque haja tantos alunos e cursos de administração. E mesmo
assim haja carência de administradores (talentosos evidentemente).
Ela envolve assuntos tão variados como criação, poder, dinheiro,
cultura, concepções de mundo, consumo, trabalho, política, arte e
ciência a um só tempo. Criatividade, desafio, capacidade de interpretar
a realidade são itens exigidos no dia-a-dia dos administradores.

Voltemos no tempo
Woodrow Wilson, ex-presidente americano, conhecido como professor
de Ciência Política e notável pacifista, em 1887, publicou um ensaio
intitulado “O Estudo da Administração”, na revista americana Political
Science Quarterly II, que é considerado o texto de referência inicial
do que veio a constituir-se como ciência da administração pública,
a despeito das limitações e contradições que o texto encerra. De
repente também a contradição é parte inextrincável do mundo os
administradores.

Wilson defende, conforme você pode ler na reprodução integral do


mais que centenário texto do Anexo, que a administração pública
deve estar separada da política, que não se confunde com esta, que
deve possuir métodos científicos sistemáticos, diz que é mais difícil
administrar uma Constituição do que elaborá-la, que a América está
atrasada em relação à Europa, fala da Prússia, de Napoleão, sobre
a fronteira com o Direito Público, e que dentro do jeito americano
de governar, onde a opinião pública existe, é forte e atuante, ela,
a administração pública (entendida como conjunto de órgãos
descentralizados que gerem os assuntos de interesses coletivos) é
que deve governar.

O texto é rico, vibrante, e é indispensável lê-lo. Coloca questões


integralmente atuais, como por exemplo:

“A envenenada atmosfera do Governo municipal, os segredos torpes


da administração estadual, a confusão, o sinecurismo e a corrupção
de quando em vez descobertos nas repartições de Washington,
impedem-nos acreditar que quaisquer noções sobre o que constitui Organizações
uma boa administração já sejam largamente correntes nos Estados Burocraticas
Unidos.” (Wilson, 1887). Administração
versus Ciências
O texto não perde seu valor mesmo que ao final, depois de pregar Politicas
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a separação entre a administração e a política, Wilson se contradiz,
contagiado talvez (“inconscientemente”) pelo ideário americano de
ser os Estados Unidos uma nação portadora de procuração para falar
sobre democracia no mundo contemporâneo. Diz ele:

“Nossa própria política deve ser a pedra de toque para todas


as teorias. Os princípios sobre os quais basear uma ciência
da Administração para a América devem ser os princípios
que tenham, bem no âmago, a diretriz democrática. E para se
adaptarem ao hábito americano, todas as teorias gerais devem,
como teorias, manter-se modestamente no segundo plano, não
somente nas discussões, mas, também em nosso espírito, - se
não, opiniões satisfatórias somente em gabinete de leitura serão
usadas dogmaticamente, como se fossem por igual satisfatórias
aos padrões da política prática. Criações doutrinárias devem
ceder o passo a práticas testadas. Arranjos, sancionados não
somente pela experiência concludente em outra parte, mas
também congênere do costume americano, devem ser preferidos,
sem hesitação, à perfeição teórica. Em uma palavra, a segura
e prática arte política deve vir primeiro, a doutrina de gabinete
em segundo. O Cosmopolita - o que fazer, deve estar sempre
subordinado ao - como fazer americano.” (1887)

Weber

A questão da separação da administração pública (entendida como


técnica racional de atingir-se objetivos), em oposição à política,
onde costuma se identificar a presença da vontade pessoal do
dirigente, também foi tratada por Weber em Ensaios de Sociologia,
escrito por volta de 1917, texto e autor que já estudamos em outra
oportunidade.

Estamos falando do último capítulo do livro acima aludido, chamado “Os


Letrados Chineses”, cujo último epígrafe discorre especificamente a
Organizações respeito do “Sultanismo e Eunucos como Adversários Políticos
Burocraticas dos Letrados”. Nele, Weber introduz o assunto ao falar do sistema
Administração de harém (isto mesmo!), o qual, segundo ele, se não for devidamente
versus Ciências percebido, torna incompreensível a História chinesa.
Politicas
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Toda vez que algum acontecimento ameaçava a velha China, como
secas, inundações, eclipses do sol, derrota militar, os “letrados”,
calígrafos intitulados puo che, que quer dizer “bibliotecas vivas”, tinham
o poder aumentado, e os eunucos (ajudantes castrados que protegiam
o imperador e guardavam seu harém) tinham o poder diminuído.

Os “letrados” representavam a Academia Hanlin, a racionalidade,


o cumprimento de rituais, a inteligência, a caligrafia esmerada, o
progresso refletido em uma administração racional.

Já os eunucos “portavam” as vontades pessoais do titular do harém (o


Imperador), sem regras disciplinadoras, o acaso, os desejos viscerais
destituídos de qualquer planejamento e rumo.

A velha luta chinesa evocada por Weber, dos eunucos contra os


letrados e vice-versa, em diversos episódios, pode servir para refletir
sobre a discrepância aparente entre os “técnicos” e os “políticos”, a
suposta racionalidade técnica em oposição aos que fazem mediação
de interesses, que buscam agradar (clientelismo) com o fim de
aumentar o patrimônio eleitoral e o poder pessoal.

Observe, mesmo hoje, como certos “políticos” raramente se colocam


frontalmente contra causas populares, adotam opiniões para agradar, e
há casos de governantes que quando não obtêm sucesso no cumprimento
de promessas, lançam as dificuldades em cumprir compromissos como
sendo responsabilidade dos “técnicos” da burocracia. Ou em outras
palavras também empregáveis: tecnoburocratas (tecno = técnica; buro
= escritório; crata = poderoso), tecnocratas (poderoso da técnica),
administrador profissionalizado, gestor profissional....etc.

Exemplo 1:

Nas eleições presidenciais brasileiras de 1989, as primeiras


depois da Ditadura Militar (1964-85), Collor e Lula foram os
candidatos finalistas de segundo turno. Collor declarava-se
desvinculado do mundo da política partidária tradicional, dizia-
se ser de fora do ambiente partidário, visto como contaminado Organizações
pela corupção. No imaginário popular, então criado, era visto Burocraticas
como uma pessoa estudada, bem falante, competente, eficiente, Administração
inteligente, com cabeça voltada para o primeiro-mundo, que faria versus Ciências
um papel bonito representando o Brasil nos foros internacionais, Politicas
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etc. contrastando com o adversário Lula, que não havia
estudado, que subordinava-se a um partido político, e isto atrairia
todos os malefícios já conhecidos da velha política, mal-sucedido
no alpinismo social, não especialista em administração, sem
curiculum, incompetente, etc. Collor ganhou aquelas eleições
porque no ideário construído por mensagens midiáticas em
circulação considerava “bom” o que é “técnico”, o que é “racional”,
o “especializado”, o que faz uma “carreira planejada”.

Observação: Não podemos aqui, por razão de espaço, explicar


como os valores das classes dominantes tornam-se os valores
das classes subalternas. Mas naquelas primeiras eleições após
o jejum imposto pela Ditadura, foi este um item determinante do
resultado eleitoral.

Exemplo 2:

Aumento no valor do salário mínimo no Basil. Não se pode


dar o que se pede porque os tecnoburocratas do Ministério do
Planejamento disseram que não há recursos.

- Ah, mas como há? E o dinheiro que vai para aquelas tantas
outras coisas?

- Ah, são os cálculos, métodos e regras vindos das gavetas das


repartições e suas secretarias! (Observe que a palavra secretaria
vem de secreto, fazer segredo).

Para aprofundar-se neste interessante debate sobre os


técnicos (cientistas, “letrados”) e os políticos (governantes,
“Imperador e Eunucos”) é recomendado ler “A Política como
Vocação” e a “Ciência como Vocação”, de Weber, textos
também constantes do livro “Ensaios de Sociologia”.
Prossigamos com esta discussão de circunscrever um campo definido,
Organizações específico e próprio da administração pública, convencendo-nos, ou
Burocraticas não, se ela é separável ou não da política e do direito administrativo,
Administração introduzindo agora idéias de outros autores.
versus Ciências
Politicas Em 1950, Leonard White ampliou o debate ao acrescentar na sua
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definição os costumes, as relações e as práticas administrativas
contextualizadas. Tal idéia leva a pensar que administração não é
uma técnica racional em abstrato, valendo aqui e acolá como uma
ferramenta impessoal. Eis o que ele diz:

“Definida em seus termos mais amplos, a administração pública


abrange todas as operações que têm por propósito a realização
ou o cumprimento dos desígnios públicos. (...) Um sistema de
administração pública é o conjunto de leis, regulamentos, práticas,
relações, códigos e costumes que prevalecem em tempo e lugar
determinados, para a realização e execução da política pública.”
(p. 3)

Já o professor Pedro Muñoz Amato, da Escola Brasileira de


Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, nos dá uma
definição abrangente em que defende a inextrincabilidade (o que
não se pode separar) da política na administração pública. Segundo
ele, não há como separar as duas, tal é seu grau de interpenetração.

“Podemos tomar por ponto de partida a definição já mencionada


de que administração pública, no sentido mais amplo, é todo o
sistema de governo, todo o conjunto de idéias, atitudes, normas,
processos, instituições e outras formas de conduta humana, que
determinam:

a) como se distribui e se exerce a autoridade política;

b) como se atendem aos interesses públicos. Este é o âmbito da


ciência política, esboçada gradualmente desde a Antiguidade, em
longa evolução que tem acumulado um acervo de interpretações
bastante rico. A política é uma fase da cultura de cada povo
e manifesta-se em interpenetração íntima com os demais
aspectos dessa configuração total de seu estilo de vida. Cada
atividade política é condicionada por esses outros complementos
culturais - pelas preferências valorativas, pelas características
de personalidade, pelos processos econômicos, pelas relações
sociais, etc. Qualquer tentativa de análise ou reforma deve levar Organizações
em conta a inextrincabilidade do aspecto governamental, dentro Burocraticas
do complexo cultural respectivo. Administração
versus Ciências
Em alguns setores admite-se como certa a existência de Politicas
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uma ciência da administração pública de âmbito definido e
independente, com sistematização e unidade, com generalizações
de validade universal. As analogias das ciências naturais e da
administração comercial têm exercido influência marcante na
orientação da disciplina. Daí haver sido tão grande o empenho de
excluir dela todo o político; daí o fato de muitos atribuírem valor
supremo à eficiência, definida como a realização dos objetivos
com o menor gasto possível de recursos; daí a proposição
dogmática de fórmulas de organização e procedimentos com
pretensões e validade universal e permanente; daí a ignorância
dos elementos culturais e pessoais; daí o desdém freqüente por
tudo aquilo que possa perturbar as concepções mecanicistas.”
(Amato, 1962, pp.89-90)

Precisamos reconhecer que os temas clássicos de administração


pública como planejamento, administração fiscal, comunicação
organizacional, hierarquia de autoridade, organização e métodos,
gestão de pessoas, finanças orçamento, relações humanas no
trabalho, são temas técnicos e políticos a um só tempo, multifacéticos,
que não podem ser tratados em abstrato, descolados do seu contexto,
Tais temas até mesmo debatem-se em contradições insanáveis.

De fato, a Administração é uma ciência assemelhada em alguns


aspectos à Engenharia, ou a Pedagogia, no sentido de que toma e
combina elementos de todos os lados, tecnológicos, de pessoal, de
Economia, de Direito, de Política, de Sociologia. A Engenharia, na
sua ação respectiva, os toma da Física, da Química, da Biologia, da
Matemática. Já a Pedagogia os toma da Sociologia, da Política, da
Psicologia, e assim em diante.

Podemos então dizer, para tentar concluir este capítulo, a partir do que
estudamos, que é uma desnecessidade tentar arbitrar definitivamente
as fronteiras da administração pública em relação a outras ciências.
Ah, mas por que o autor veio com este tema? Fizemo-lo para efeitos
pedagógicos. Para que os alunos conheçam e reflitam sobre a
natureza multifacética do fenômeno administrativo, sua abrangência e
Organizações articulação com as demais ciências.
Burocraticas
Administração Felizmente a crescente existência de cursos voltados para o estudo da
versus Ciências administração pública pode servir a superar concepções mecanicistas,
Politicas gerando compreensões abrangentes, que levam em conta a pluralidade
Página 16
das dimensões envolvidas, desde os conteúdos mais psicológicos até
os mais matemáticos, os conteúdos de informática e os conteúdos
relacionados com poder. Não podemos cair na tentação de simplificar
os conteúdos para que os alunos tenham uma falsa sensação de
segurança intelectual, ou fazendo um tipo de estudo dirigido no qual
os textos são comprimidos para apressar conclusões.

O discurso que coloca em oposição a “política” (vista como vontade


pessoal interesseira de um ou de um grupo de assessores) da
“técnica” (vista como ferramenta da impessoalidade, isenta, neutra)
ao invés e ser esclarecedor, muitas vezes pode confundir. Faz confusão
quando incorpora as disputas político-partidárias, estas feitas com
vistas à ocupação de espaços de poder institucionalizados. Aqui há
deliberadamente atitudes de desmerecer ou elogiar, tanto métodos,
quanto pontos de vista e ações.

A escolha humana pelo emprego de uma determinada ferramenta


técnica, ou por nenhuma, é um ato de vontade que inevitavelmente
têm rebatimento político (polis=vários seres). A política não tem a
técnica como seu antônimo, a “não política” é, a rigor, a incapacidade
de ajustar-se para conviver na comunidade humana.

Exemplos:

1 - Em 2007, o Governo Federal decidiu que os diretores da


Agencia Nacional de Aviação Civil – ANAC deveriam ter perfil mais
“técnico” ao invés de um perfil “político”, de acordo com várias
declarações dadas. O discurso subjacente revelou um equívoco
derivado do preconceito que contaminou a palavra “político” e um
prestígio que a palavra “técnico” adquiriu. O que se queria é que
os funcionários da ANAC não seguissem cartilhas partidárias, ou
que não se deixassem “seduzir” por supostos “presentes dados
pelas empresas de aviação para “fazer vistas grossas” à sua
atuação, orientadas irrefreavelmente por lucros crescentes. Mas
isto é ser político? Ou isto é outra coisa ? Ou a palavra política
foi desvirtuada na sua etimologia?
Organizações
2 - Uma faca de cozinha pode ser empregada para matar alguém Burocraticas
ou para se alimentar. A faca é objeto técnico, ferramenta neutra, Administração
sendo que seu emprego é um ato de vontade pessoal. versus Ciências
Politicas
Página 17
3 - No Brasil o ensino é altamente vigiado pelo Estado,
especialmente na pós-graduação. O argumento apresentado
pelos dirigentes da CAPES é o rigor técnico. Mas ao se fazer
a opção pelo rigor técnico, se está inescapavelmente tomando
uma posição política. Ou seja, a posição política de ajustar ou
enquadrar os programas de pós-graduação a um padrão técnico
criado pelos burocratas.E aí aparece a pergunta: “a CAPES é
técnica ou é política” ? Ou as duas coisas a um só tempo?

4 - O ex-presidente Woodrow Wilson caiu na própria armadilha:


fez o discurso da superioridade técnica, dizendo ser possível
separá-la da política, mas ao final do texto, “inconscientemente”
declarou que as técnicas da administração pública devem levar a
marca (política) da democracia americana.

Quando nos propomos a aplicar à administração pública melhoramentos,


ou ferramentas mais eficientes, ditas como “ferramentas técnicas”,
é, pois, aconselhável, desde o início, confessar que se trata de uma
opção política. Decidimos politicamente - a política é atividade inerente
e inseparável da condição coletiva da vida humana - que vamos intervir
para atingir-se esta ou aquela finalidade. No caso de um curso de
administração pública, como o é aqui, isto precisa ficar claro, sob pena
de repetir o “fiasco” do ex- presidente Wilson, em 1887.

Por outro lado, pode acontecer que as atitudes de nada prever, nada
preparar, repetir o mesmo de sempre, tudo improvisar, interpretar e
decidir à ultima hora, exatamente ao contrário do que hoje se apregoa
como eficiente, sirvam como metodologia ou “técnica” que serve às
conhecidas práticas patrimonialistas (governantes que se apropriam
de órgãos públicos como se propriedade privada sua fossem).

Dizendo de outra maneira, fomentar certo “caos administrativo” pode


ser uma espécie de “ferramenta técnica”, um instrumento, um estado
de coisas favorecente à consecução de objetivos menos coletivos. Há
livros de sociologia que falam exaustivamente sobre um Brasil no qual
uma administração pública ineficiente pode vir a ser eficaz para certos
Organizações grupos econômicos ávidos na prática da pilhagem, ou “rapinagem”.
Burocraticas
Administração Exemplo:
versus Ciências
Politicas Podemos encontrar por aí opiniões sedimentadas, corroboradas
Página 18
por alguns artigos jornalísticos de opinião, de que se criou o caos
no sistema telefônico brasileiro (TELEBRÁS), na EMBRAER, na
CVRD, em parte do sistema elétrico, e até mesmo na Petrobrás,
na década de 1990, no Brasil, durante o Governo FHC, para
justificar ou encontrar argumentos em favor de sua privatização.

Poderíamos complicar mais o presente debate sobre Administração


Pública se introduzíssemos ainda a discussão sobre a administração
como ciência e como arte, polêmica interminável. Deixemos para outra
oportunidade.

Importa ainda ressaltar que o campo da administração pública, segundo


a tradição corrente, aplica-se fundamentalmente para as atividades
dos órgãos públicos de Estado, a despeito das organizações privadas
também possuírem seus públicos (clientes-consumidores-associados)
ou atuarem em produtos e serviços de interesse da coletividade.

Em última instância, o esforço para melhorar o funcionamento da


administração pública, as práticas cotidianas das repartições públicas,
buscando comprometê-las com os cidadãos, possuindo métodos
eficientes que respeitam recursos naturais, melhora a qualidade da
vida.

Atividades

1 - Crie sua própria definição para “administração pública” à


luz do texto acima.

2 - Pesquise definições para política e técnica.

3 - Busque acepções das seguintes palavras do Capítulo:


maniqueísmo, sinecura, pilhagem, chicanice, eunuco,
patrimonialismo, tecnoburocracia ou tecnocracia.
Organizações
Burocraticas
Administração
Para Pensar versus Ciências
Politicas
Se você, depois de lido o Capítulo, se acha mais confuso do Página 19
que antes de lê-lo, não se preocupe, é esperado, faz parte.
Quem está certo, os “Letrados” ou o Imperador e seus Eunucos
(assessores); os tecnoburocratas ou os políticos? Qual o
lado correto pra eu ficar: do lado da “técnica” ou do lado da
“política”?

Em administração não cabem tais maniqueísmos. Os fenômenos


do mundo da administração comportam muito mais do que
apenas dois lados excludentes entre si. O “certo e errado”, o
“bom e mau” são relativos a um ponto de vista apenas.

Pense que sem o ímpeto desenfreado do Imperador nada se


constrói, e que por outro lado, o excesso de regramentos dos
“letrados” tudo paralisa. E agora? Há que se buscar sempre
um certo equilíbrio, bom senso, razoabilidade.

Pense nas obras de transposição do Rio S. Francisco ou e de uma


hidrelétrica no Rio Madeira, ambas em curso em 2008. Quem
se equipara aos “letrados” ou aos tecnoburocratas? Serão os
procuradores do Ministério Público, os engenheiros florestais
do IBAMA, o bispo (técnico da fé), os técnicos do DNPM e
Ministério das Minas e Energia? Caso o dirigente (o imperador
que quer as obras) não cumprir “nossas receitas técnicas do
correto”, vai acontecer este ou aquele prejuízo, vai incorrer
nesta e naquela ilegalidade, é o discurso dos técnicos.

Eis que a criatividade e o talento do administrador (aquele que


tem que realizar o empreendimento) em superar “obstáculos”,
respeitando regras legais e de planejamento, desafiando o que
conspira pelo estacionário, serão postos à prova.
Bibliografia:
Organizações
Burocraticas Amato, Pedro Muñoz - O que é Administração Pública. Rio de Janeiro:
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Organizações
Burocraticas
Administração
versus Ciências
Politicas
Página 21

Anexo
Woodrow Wilson - O Estudo da
Administração, Washington, 1887. Anexo

O Estudo da
Administração, de
Woodrow
Wilson,
de 1887

Wilson nasceu na Virgínia em 1856, filho de pastor presbiteriano.


Foi reitor da Universidade Princeton em 1902. Presidiu os EUA entre
1913 e 1921. Proclamou a entrada dos EUA na I Guerra Mundial,
contra a Alemanha, em 1917. Morreu em 1924.
Observação: Eis a Nota introdutória da edição brasileira, publicada em 1962, pela
Organizações Fundação Getúlio Vargas e pela USAID - United States Agency for International
Burocraticas Development:
Administração
versus Ciências
“Este ensaio publicado originalmente em 1887 e reproduzido em 1941 na revista
Politicas
Página 22 norte-americana Political Science Quarterly, de onde, data vênia, o transcrevemos,
não tem, como se verá, um mero valor histórico: a sua atualidade e significação
permanecem imediatas, como quando apareceu pela primeira vez, marcando a
distinção teórica e prática entre Administração e Política. Não fosse pelo nome de
seu tema administrativo dos Estados Unidos, poder-se-ia fácil e razoavelmente
Anexo considerá-lo como de hoje, tão vivas e contundentes são as lições que encerra.

O Estudo da
Administração, de Nele, Wilson, mais conhecido entre nós como Presidente e pacifista do que como
Woodrow notável professor de Ciência Política, que o foi anteriormente, durante muitos
Wilson, anos, sintetiza a evolução histórica e doutrinária da Ciência de Administração,
de 1887 suas condições e métodos, para demonstrar, em conclusão, a necessidade de seu
estudo e prática. A sua idéia fundamental, a tônica dominante, em consonância,
aliás, com o nosso editorial de abril, é a da importância da opinião pública na
conduta da Administração, os justos limites de sua ação e os benefícios resultados
de sua influência.

Serve ainda este ensaio de introdução a uma série já programada de estudos


sobre a teoria e a prática da Administração, do ponto de vista universal, os
quais publicaremos doravante sistematicamente, em cada número da Revista.
Pelo cuidado da escolha e seriação desses estudos, assinados por mestres e
especialistas estrangeiros, estamos certos de ir ao encontro do interesse geral
de nossos leitores e, em particular, dos candidatos a concursos que não tenham
facilidade de acesso às fontes do conhecimento e experiência alienígenas.”
A Ciência da Administração é o mais recente fruto do estudo de Ciência
Política, iniciado acerca de dois mil e duzentos anos atrás. É uma Organizações
criação do nosso século, quase de nossa própria geração. Burocraticas
Administração
Por que teria ela tardado tanto em aparecer? Por que esperou pelo versus Ciências
nosso tão preocupado século, para exigir atenção? A administração é Politicas
Página 23
a mais evidente parte do Governo; é o governo em ação; é o executivo,
operante, o mais visível aspecto do governo, e, naturalmente, é tão
antigo quanto o próprio governo. È o governo em ação, e seria natural
esperar-se que o governo em ação tivesse prendido a atenção e
provocado o exame minucioso dos escritores de Política. Muito cedo, Anexo
na história do pensamento sistemático.
O Estudo da
Administração, de
Tal, porém, não foi o caso. Ninguém escreveu sistematicamente sobre a Woodrow
Administração como um ramo da ciência do Governo até que o presente Wilson,
século tivesse amadurecido e começado a desabrochar as suas flores de 1887
características do conhecimento sistemático. Até os nossos dias
todos os autores de Política, que agora lemos, pensaram, discutiram,
e dogmatizaram somente a respeito da constituição do Governo; sobre
a natureza do Estado, a essência e a origem da soberania, poder
popular e prerrogativa real; sobre o sentido imanente do Governo e
os mais altos objetivos fixados ao Governo pela natureza humana e
os propósitos dos homens. O centro da controvérsia foi este grande
campo teórico em que a monarquia terçava armas com a democracia,
em que a oligarquia construiria para si bastiões de privilégio, e no qual
a tirania procurava oportunidade para fazer valer suas exigências de
submissão de todos os competidores. Dentro dessa guerra acesa de
princípios, a Administração não poderia existir uma pausa para que
a considerassem. A questão era sempre: quem deve fazer a lei deve
ser administrada sabiamente, com equidade e rapidez e sem atrito
– era posta de lado com um ‘detalhe prático’ que os amanuenses
poderiam tratar depois que os doutores tivessem concorrido sobre os
princípios.

Que a filosofia política tivesse tomado esta direção não foi, naturalmente,
nenhum acidente, nenhuma preferência ocasional do capricho perverso
dos filósofos da Política. A filosofia de qualquer tempo, como diz
Hegel, ‘não é senão o espírito desse tempo expresso em pensamento
abstrato’; a filosofia política, como a filosofia de qualquer outra espécie,
tem somente refletido os negócios contemporâneos. A dificuldade em
tempos remotos era quase toda a respeito da constituição do Governo; e,
conseqüentemente, era isso o que absorvia o pensamento dos homens.
Organizações Pouca ou nenhuma dificuldade havia com respeito à Administração,
Burocraticas pelo menos pouco a que dessem ouvido os administradores. As
Administração funções de Governo eram simples porque simples era a própria vida.
versus Ciências O Governo agia imperativamente e compelia os homens, sem pensar
Politicas em consultar os seus desejos. Não havia nenhum sistema complexo
Página 24
de rendas públicas e de divisas públicas para desafiar a argúcia dos
financistas; não havia, por conseguinte, financistas a se preocuparem.
Ninguém que tivesse poder ficava em dúvida, por muito tempo, em
como usá-lo. A grande e única questão era – quem deverá possuí-lo?
Anexo As populações eram de números manipuláveis; a propriedade era de
espécie simples. Havia muitas fazendas, mas, não ações e debêntures:
O Estudo da
mais gado que direitos adquiridos.
Administração, de
Woodrow
Wilson, Afirmei que tudo isso era verdade com respeito aos ‘tempos antigos’;
de 1887 mas era verdade também, em substância, com respeito a épocas
relativamente recentes. Não há necessidade de recusar-se o olhar
além do último século para contemplar-se os primórdios das atuais
complexidades de comércio e as perplexidades da especulação
comercial, nem o prodigioso nascimento das dívidas públicas. A boa
rainha Elizabete, sem dúvida, pensou que os monopólios do século
XVI eram bastante difíceis de manipular sem queimar-lhe as mãos;
mas eles não são lembrados na presença dos gigantescos monopólios
do século XIX. Quando Blackstone lamentou que as empresas não
tivessem corpos para que se lhes desse um pontapé, nem espíritos
a serem mandados ao impróprio para tais lamentos. As discórdias
perenes entre patrões e operários, que agora tão freqüentemente
perturbam a sociedade industrial, começaram antes da Peste Negra e
do Estatuto dos Trabalhadores; mas nunca antes de nossos próprios
dias assumiram elas tão tremendas proporções como agora. Em
suma, se as dificuldades da ação governamental são vislumbradas
originando-se em outros séculos, vêmo-las culminarem no século
atual.

Esta é a razão por que as tarefas administrativas têm, em nossos


dias, que ser tão exaustiva e sistematicamente ajustadas a diretivas
cuidadosamente testadas, a razão por que estamos tendo agora, o
que jamais tivemos antes – uma Ciência da Administração. Os mais
importantes debates sobre princípios constitucionais ainda não estão
de modo algum, concluídos; mas eles já não são de mais iminente
atualidade prática que as questões de Administração. Está se tornando
cada vez mais difícil administrar uma Constituição do que elaborá-la.
Organizações
Eis o modo pitoresco e singular como Bagehot descreve a diferença Burocraticas
entre o antigo e o moderno em Administração: Administração
versus Ciências
Nos tempos antigos, quando um déspota desejava governar uma Politicas
Página 25
província distante, enviava um sátrapa num grande cavalo e outras
pessoas em cavalos menores; e muito pouco se ouvia do sátrapa
depois disso, a menos que ele enviasse de volta algumas das pessoas
inferiores para dizer o que ele estava fazendo. Nenhum grande trabalho
de superintendência era possível. O rumor público e um relatório casual Anexo
eram as únicas fontes de informação. Se parecia que a província
O Estudo da
estava em má situação, o sátrapa nº1 era demitido e o sátrapa nº2 era
Administração, de
mandado em seu lugar. Nos países civilizados o processo é diferente. Woodrow
Monta-se um escritório a província que se quer governar; faz-se com Wilson,
que ele escreva cartas e copie cartas; ele remete oito relatórios per de 1887
diem ao escritório central em São Petersburgo. Ninguém escritura uma
importância na província sem que alguém escriture a mesma soma na
capital, para ‘controlá-lo, verificando se o outro agiu corretamente. A
conseqüência disso é jogar sobre os chefes de departamentos uma
quantidade de leitura e trabalho que só podem ser levados a efeito
pela maior aptidão natural, o mais firme e regular diligência.

Dificilmente haverá uma única tarefa de Governo que tendo sido antes
simples, não se tenha tornado agora complexa; o governo antes não
tinha senão poucos dirigentes; ele tem agora numerosos dirigentes.
As maiores antes somente sujeitavam-se ao Governo; elas agora
conduzem o Governo. Onde o Governo podia antes seguir os caprichos
da corte, deve agora seguir as opiniões da Nação.

E estas opiniões estão se abrindo rapidamente a novas concepções do


dever do estado; de modo que, ao mesmo tempo em que as funções de
Governo se tornam a cada dia mais complexas e difíceis, elas também
se multiplicam vastamente. A Administração está, por toda a parte,
pondo as mãos em novos empreendimentos. A utilidade, a modicidade
e o sucesso do serviço postal do Governo, por exemplo, indicam o
pronto estabelecimento do controle governamental sobre o sistema
telegráfico. Mesmo, porém, que o nosso Governo não siga a orientação
dos governos da Europa, encapando ou construindo linhas telegráficas
e ferroviárias, ninguém duvida, que, de algum modo, ele deve se fazer
dirigentes de empresas influentes. A criação de comissões nacionais
de ferrovias, em adição às antigas comissões estaduais, envolve
Organizações uma importantíssima e delicada extensão de funções administrativas.
Burocraticas Qualquer que seja o grau de autoridade que os governos federal e
Administração estadual venham ter sobre as empresas, decorrerão cuidados e
versus Ciências responsabilidades a exigir não pouca sabedoria conhecimento e
Politicas experiência. Tais coisas devem ser estudadas de modo a serem bem
Página 26
feitas. E estas, como eu disse, não são senão algumas poucas das
portas que agora estão sendo abertas às repartições governamentais.
A idéia do Estado e o decorrente ideal de seus deveres estão passando
por transformações dignas de nota; e ‘a idéia do Estado é a consciência
Anexo da Administração’. Vendo-se cada dia novas coisas que o Estado deve
fazer, cabe-nos ver em seguida claramente como deve ele fazê-las.
O Estudo da
Administração, de
Woodrow
Esta é a razão pela qual deve haver uma Ciência da Administração
Wilson, que procure retificar as trilhas do Governo, tornar as suas opiniões
de 1887 mais eficientes, fortalecer e purificar sua organização e incutir em seus
deveres a devoção. Esta é a razão por que há tal Ciência.

Mas onde cresceu esta Ciência? Com certeza, não neste lado do
oceano. Poucos métodos científicos e imparciais são discerníveis em
nossas práticas administrativas. A envenenada atmosfera do Governo
municipal, os segredos torpes da administração estadual, a confusão, o
sinecurismo e a corrupção de quanto em vez descobertos nas repartições
de Washington, impedem-nos acreditar que quaisquer noções sobre
o que constitui uma boa administração já sejam largamente correntes
nos Estados Unidos. Não, os autores americanos não tomaram até
agora parte muito importante no avanço desta Ciência. Ela achou
seus doutores na Europa. Ela não é de nossa feitura; é uma ciência
estrangeira, pouco falando a língua do principio inglês ou americano.
Ela emprega somente línguas estrangeiras; nada exprime senão o
que para nossos espíritos são idéias alienígenas. Seus propósitos,
seus exemplos, suas condições são quase exclusivamente calcados
nas histórias de raças estrangeiras, nos precedentes de exemplos
estrangeiros, nas lições de revoluções estrangeiras. Foi desenvolvida
por professores alemães e franceses, e, em conseqüência, é em
todas as partes, adaptada às necessidades de um Estado compacto,
mas a um complexo e multiforme Estado, e feita sob medida para
formas grandemente descentralizadas, de Governo. Se formos
empregá-la devemos americanizá-la e, não só do ponto de vista
formal, meramente na linguagem, mas radicalmente em pensamento
e principio, tanto quanto em sua finalidade. Ela deve saber de cor as
nossas Constituições, deve extirpar de suas veias a febre burocrática,
deve aspirar muito do ar livre da América. Organizações
Burocraticas
Se alguma explicação deve ser procurada para o fato de que uma ciência Administração
evidentemente tão suscetível de ser tornada útil a todos os governos versus Ciências
igualmente, tenha no entanto recebido em primeiro lugar a atenção na Politicas
Página 27
Europa, onde o governo tem siso, de longa data, um monopólio, antes
do que na Inglaterra ou nos Estados Unidos, onde o Governo tem sido,
há muito, uma franquia comum, achar-se-á que a razão disso será, sem
dúvida, de dupla espécie: primeiro, que na Europa, justamente porque
o Governo era independente do consentimento popular, havia muito Anexo
mais que governar; e, segundo, que o desejo de manter o governo
O Estudo da
um Monopólio tornou os monopolistas interessados em descobrir os
Administração, de
meios menos irritantes de governar. Eles eram, além disso, em número Woodrow
suficientemente reduzido para adotar tais meios prontamente. Wilson,
de 1887
Será instrutivo considerar esta matéria um pouco mais de perto. Ao
falar de governos europeus, não incluo, é claro, a Inglaterra. Ela não
se tem recusado a mudar com o tempo. Tem simplesmente temperado
a severidade da transição de uma política de privilégio aristocrático
a um sistema de poder democrático pelas vagarosas medidas de
reforma constitucional que, sem prevenir revoluções a tem mantido
nas veredas pacíficas. Mas os países do continente, por um longo
tempo, lutaram desesperadamente contra toda a mudança e teriam
desviado a revolução atenuando as asperezas do Governo absoluto.
Eles procuraram aperfeiçoar a sua maquinaria a ponto de destruir
todos os contactos irritantes, adoçando os seus métodos com a
consideração dos interesses dos governados, de modo a aplacar todos
os ódios obstrucionistas, e tão assídua e oportunamente oferecendo
a sua ajuda a todas as classes de empreendimentos até tornarem-se
indispensáveis aos diligentes. Deram, por fim, ao povo Constituições
e franquias; mas mesmo depois disso eles se permitiram continuar
despóticos tornando-se paternais. Tornaram-se demasiado eficientes
para poderem ser dispensados, demasiado esclarecidos para serem
questionados desavisadamente, demasiados benevolentes para
serem suspeitados, demasiado poderosos para serem enfrentados.
Tudo isto demandou estudo e eles estudaram-no intimamente.

Deste lado do oceano nós, enquanto isso, não conhecemos grandes


dificuldades de governo. Com um país novo, no qual havia espaço,
emprego remunerativo para todo o mundo, com princípios liberais de
Governo e habilidade ilimitada na política prática, estivemos nós, por
Organizações longo tempo, isentos da necessidade de ser ansiosamente cuidados
Burocraticas sobre planos e métodos de administração. Temos sido naturalmente
Administração tardes em perceber o uso ou a significação desses muitos volumes
versus Ciências de pesquisa erudita e exame minucioso sobre os modos e meios de
Politicas conduzir o Governo, que as editoras da Europa têm enviado às nossas
Página 28
bibliotecas. Como uma criança cheia de vida, o Governo entre nós
desenvolveu a sua natureza e cresceu em estatura, mas também se
tornou desajeitado de movimentos. O vigor e o crescimento em sua
vida têm sido completamente desproporcionais à sua habilidade em
Anexo viver. Tem ganho força, mas não adquiriu porte. Grande, portanto,
como tem sido a nossa vantagem sobre os países da Europa quanto à
O Estudo da
facilidade e saúde do desenvolvimento constitucional, agora que nos
Administração, de
Woodrow
chegou o tempo para mais cuidadosos ajustamentos administrativos
Wilson, e maiores conhecimentos de administração, estamos em evidente
de 1887 desvantagem em relação às nações transatlânticas; e isso por motivos
que eu tentarei esclarecer.

A julgar pelas histórias constitucionais das principais nações do mundo


moderno, pode-se dizer ter havido três períodos de crescimento
através dos quais o Governo passou em todos os mais desenvolvidos
dos sistemas existentes, e em todos os mais desenvolvidos dos
sistemas existentes, e através dos quais ele promete passar em
todos os restantes sistemas. O primeiro desses períodos é o dos
governantes absolutos e de um sistema administrativo adaptado ao
governo absoluto; o segundo, é aquele em que as constituições são
elaboradas de modo a afastar os governos absolutos e substituí-los
pelo controle popular, e no qual a Administração é negligenciada em,
favor dessas preocupações mais altas.; e o terceiro, é aquele em que
o povo soberano empreende o aperfeiçoamento da Administração,
sob essa nova Constituição que o levou ao poder.

Esses governos, que estão agora à frente em prática administrativa,


tinham dirigentes ainda absolutos mas também esclarecidos quando
chegaram estes dias modernos de esclarecimento político, nos quais
tornou-se evidente a todos, exceto aos cegos, que os governantes
não são propriamente senão os servidores dos governados. Em tais
governos a Administração tem sido organizada para servir ao bem
estar geral, com a simplicidade e o sucesso somente assegurados
aos empreendimentos de uma vontade unipessoal.
Tal foi o caso na Prússia, por exemplo, onde a Administração trem
sido estudada e mais aperfeiçoada. Frederico, o Grande, austero e Organizações
magistral como foi seu Governo, sinceramente confessava, entretanto, Burocraticas
considerar-se somente como primeiro dos servidores do estado, Administração
reputando seu alto cargo como um mandato da confiança pública; e e versus Ciências
foi ele quem, construindo sobre os fundamentos lançados por seu pai, Politicas
Página 29
começou a organizar o serviço público da Prússia, como sendo, em
verdade, um serviço do público. Seu sucessor, não menos absoluto,
Frederico Guilherme III, sob a inspiração de Stein, ainda por sua
vez avançou o trabalho mais longe, planejando muito dos aspectos
estruturais mais largos que deram firmeza e forma à administração Anexo
prussiana de hoje. Quase todo o conjunto desse sistema admirável
O Estudo da
tem sido desenvolvido por iniciativa real.
Administração, de
Woodrow
De origem semelhante foi a prática, senão o plano da moderna Wilson,
Administração francesa, com as suas simétricas divisões de território de 1887
e suas ordenadas graduações administrativas. Os dias da revolução
– da Assembléia Constituinte – foram dias de redação-constitucional,
mas dificilmente poderão ser chamados de dias de elaboração-
constitucional. A revolução anunciou um período de desenvolvimento
constitucional, - a entrada da França no segundo daqueles períodos
que enumerei, - mas ela própria não inaugurou tal período. Ela
interrompeu e destronou o absolutismo mas não o destruiu. Napoleão
sucedeu aos monarcas de França, para exercer um poder tão irrestrito
como eles jamais possuíram.

A remodelação da Administração francesa por Napoleão é, por


conseguinte, meu segundo exemplo do aperfeiçoamento da
maquinaria civil pela vontade unipessoal de um governante absoluto,
antes do despontar da era constitucional. Nenhuma vontade popular
corporificada poderia jamais ter efetuado transformações como as que
Napoleão dirigiu. Disposições tão simples em prejuízo do preconceito
local, tão lógicas em sua indiferença à escolha popular, poderiam
ter sido decretadas por uma Assembléia Constituinte, mas somente
poderiam ter sido postas em prática pela autoridade ilimitada de um
déspota. O sistema do Ano VIII foi impiedosamente completo e de uma
perfeição sem entranhas. Foi, ainda, em grande parte um retorno ao
despotismo que havia sido derrubado.

Entre essas nações, de outro lado, que entraram numa fase de


elaboração constitucional e reforma popular, antes que a administração
tivesse recebido o cunho do principio liberal, o aperfeiçoamento
Organizações administrativo tem sido tardio e de meias medidas. Uma vez que numa
Burocraticas nação se empenhe na atividade de manufaturar Constituições, ela
Administração achará extremamente difícil encerrar esta atividade e abrir ao público
versus Ciências um escritório de administração hábil e econômica. Parece não haver
Politicas fim no remendar de Constituições. A Constituição ordinária dificilmente
Página 30
durará dez anos sem reparos ou adições; e o tempo para o detalhe
administrativo vem tarde.

Aqui, naturalmente, nossos exemplos são a Inglaterra e o nosso próprio


Anexo país. Nos dias dos reis d’Anjou, antes que a vida constitucional tivesse
tomado raízes na Magna Carta, as reformas administrativas e legais
O Estudo da
começaram a ser executadas com o senso e vigor sob o impulso do
Administração, de
Woodrow
esperto,ativo, empreendedor e indômito espírito e propósito de Henrique
Wilson, II; e a iniciativa real parecia destinada, na Inglaterra , como alhures a
de 1887 informar, à sua vontade, o crescimento governamental. Mas o impulso
e excêntrico Ricardo e o fraco e desprezível João não eram os homens
para levarem tais planos como os de seu pai. O desenvolvimento
administrativo deu lugar, em seus reinados, a lutas constitucionais; e
o Parlamento tornou-se rei antes que qualquer monarca inglês tivesse
tido o gênio pátrio ou a consciência esclarecida para conceber justas
e duradouras formas para a vida civil do Estado.

A raça inglesa, conseqüentemente tem por muito tempo estudado


com sucesso a arte de refrear o Poder Executivo, com negligência
constante da arte de aperfeiçoar os métodos executivos. Ela se tem
exercido muito mais em controlar do que em ativar o Governo. Tem-
se preocupado muito mais em tornar o Governo justo e moderado, do
que fazê-lo fácil, bem ordenado e eficaz. A história política inglesa e
americana de supervisão legislativa, - não de progresso na organização
governamental, mas de avanço na elaboração legislativa e crítica
política. Conseqüentemente, atingimos uma época em que o estudo e
a criação administrativa são imperativamente necessários ao bem estar
de nossos governos, peiados pelos hábitos de um longo período de
elaboração constitucional. Esse período está praticamente encerrado
no que diz respeito ao estabelecimento de princípios essenciais, mas
não podemos dissipar a sua atmosfera. Prosseguimos criticando,
quando deveríamos estar criando. Alcançamos o terceiro dos períodos
por mim mencionados, o período, a saber, quando o povo tem que
desenvolver a Administração de acordo com as Constituições que
eles conquistaram para si, numa época anterior de luta com o poder
absoluto; mas não estamos ainda preparados para as tarefas do novo
período. Organizações
Burocraticas
Essa explicação parece ser a única alternativa ao espanto total frente Administração
ao fato de que., a despeito de nossas imensas vantagens em matéria versus Ciências
de liberdade política, e acima de tudo no que diz respeito à habilidade Politicas
Página 31
política prática e sagacidade, tantas noções estão a nossa frente em
organização administrativa e capacidade de administração. Por que,
por exemplo, só agora começamos a purificar um Serviço Público que
esteve apodrecido nos últimos cinqüenta anos? Dizer que a escravidão
desviou-nos, não é senão repetir o que eu disse – que as falhas de Anexo
nossa Constituição nos retardaram.
O Estudo da
Administração, de
Sem dúvida, toda a preferência razoável se manifestaria por esse rumo Woodrow
político inglês e americano, antes do que o de qualquer outro país Wilson,
europeu. Não gostaríamos de ter tido a história da Prússia para que de 1887
tivéssemos a habilidade administrativa da Prússia; e o peculiar sistema
de administração da Prússia nos sufocaria. É melhor ser destreinado
e livre do que ser servil e sistemático. Contudo, não há que negar que
seria ainda melhor ser, ao mesmo tempo, livre em espírito e proficiente
na prática. E esta preferência, ainda mais razoável, que nos impele
à descoberta do que pode haver que nos embarace ou atrase em
naturalizar esta tão desejável Ciência da Administração.

Que há, então, que a isso impede?

A soberania popular, principalmente. É mais difícil para a democracia


organizar a Administração, do que para a monarquia. A própria
extensão dos nossos mais caros sucessos políticos no passado nos
embaraça. Entronizamos a opinião pública; e nos é vedado esperar
durante o seu reinado por qualquer rápida aprendizagem do soberano
em perícia executiva ou nas condições de perfeito equilíbrio funcional
no Governo. O fato mesmo de que realizamos o Governo popular
em sua totalidade, tornou a tarefa de organizar esse Governo tanto
mais difícil. De modo a realizar qualquer avanço, devemos instituir
e persuadir um monarca múltiplo chamado opinião pública, - um
empreendimento muito menos praticável do que influenciar um único
monarca denominado rei. Um soberano individual adotará um simples
plano e o executará diretamente: não terá senão uma opinião e
concretizará essa opinião em uma ordem. Mas esse outro soberano,
o povo, terá dezenas de opiniões diferentes. Não podem concordar
sobre nada simples: o avanço deve ser feito por meio de concessões,
Organizações por uma conciliação de divergências, por uma poda de planos e uma
Burocraticas supressão de princípios demasiado rígidos. Haverá uma sucessão de
Administração resoluções transcorrendo através de anos, uma descarga intermitente
versus Ciências de ordens através de uma escala completa de modificações.
Politicas
Página 32
Em Governo, como em virtude, a mais difícil das coisas difíceis, é
progredir. Antigamente, a razão disso era que o individuo que fosse
soberano era, em geral, ou egoísta, ignorante, tímido ou um tolo,
- embora, de quanto em vez, houvesse alguém que fosse sábio.
Anexo Atualmente a razão é que os muitos, o povo, que são soberanos,
não tem um único ouvido do qual alguém possa aproximar-se, e são
O Estudo da
egoístas, ignorantes, tímidos, teimosos ou tolos, com o egoísmo, a
Administração, de
Woodrow
ignorância, a teimosia, a timidez ou as tolices de diversos milhares
Wilson, de pessoas – embora haja centenas que são sábios. Noutro tempo,
de 1887 a vantagem do reformador era que o espírito do soberano tinha uma
localização definida, que era contida na cabeça de um homem, e
que conseqüentemente poderia ser alcançada; ainda que fosse uma
desvantagem que tal espírito aprendesse somente com relutância ou
em pequenas quantidades, ou que estivesse sob a influência de alguém
que só o deixasse aprender as coisas erradas. Agora, ao contrário, o
reformador fica atônito pelo fato de que o espírito do soberano não tem
uma localização definida, mas é contido em uma maioria eleitoral de
alguns milhões de cabeças; e embaraçado pelo fato de que o espírito
desse soberano também está sob a influência de favoritos, que não
são, entretanto, favoritos no bom e antigo sentido da palavra, porque
não são pessoas, mas opiniões preconcebidas: isto é, preconceitos
com os quais não se pode raciocinar porque não são filhos da razão.

Em qualquer parte onde o respeito pela opinião pública é o primeiro


principio de Governo, as reformas práticas devem ser lentas e todas
as reformas devem ser cheias de concessões. Pois que, em qualquer
parte onde a opinião pública existe, ela deve governar. Isto é agora
um axioma na metade do mundo, e cedo virá a ser acreditado mesmo
na Rússia. Quem quer que efetue uma mudança num Governo
constitucional moderno deve primeiro educar seus concidadãos a
quererem alguma mudança. Isto feito, deve persuadi-los a quererem
esta determinada mudança que ele quer. Deve primeiro fazer com que
ela ouça as coisas certas. Ele deve incitar a busca de uma opinião e
então agir de modo a colocar a opinião certa em seu caminho.
O primeiro passo não é menos difícil do que o segundo. Em matéria de
opiniões, a posse é uma presunção de legalidade. É quase impossível Organizações
removê-las. Instituições que uma geração considera tão-somente Burocraticas
como uma aproximação temporária à realização de um princípio, a Administração
próxima geração honra como a maior aproximação possível a esse versus Ciências
principio. Raramente são precisas três gerações para a apoteose. Politicas
Página 33
O neto aceita a experiência hesitante de seu avô como uma parte
integrante da constituição fixa da natureza.

Mesmo se tivéssemos uma percepção clara de todo o passado político,


e pudéssemos formar de algumas cabeças perfeitamente instruídas Anexo
umas poucas máximas de governo, constantes infalíveis, serenas e
O Estudo da
sábias, nas quais toda a boa doutrina política se resumisse, em última
Administração, de
análise, agiria o país na base dessas máximas? Esta é a questão. A Woodrow
grande massa da humanidade é rigidamente afilosófica, e nos dias Wilson,
de hoje a grande massa da humanidade vota. Uma verdade deve-se de 1887
tornar, não somente simples, mas também lugar comum antes que ela
seja vista pelo povo que vai para o trabalho muito cedo de manhã; e o
seu desconhecimento como norma de ação, deverá provocar grandes
e contundentes inconvenientes antes que essas mesmas pessoas se
decidam a obedecê-las.

E onde esta afilosófica massa da humanidade é mais multiforme


em sua composição do que nos Estados Unidos? Para conhecer
o espírito do povo deste País, deve-se conhecer o espírito não
somente dos americanos de origens mais antigas, mas também de
irlandeses, alemães e de negros. De modo a obter uma base para
a nova doutrina, tem-se que influenciar espíritos formados em todos
os moldes raciais, espíritos que herdaram todos os preconceitos do
meio ambiente, urdidos pelas histórias de muitas nações diferentes,
aquecidos ou esfriados, retraídos ou expandidos por quase todos os
climas do globo.

É o que basta dizer sobre a história do estudo d Administração


e as condições peculiarmente difíceis sob as quais, quando a isso
resolvermos, teremos que empreendê-lo. Vejamos agora qual é a
matéria desse estudo e quais os seus objetivos característicos.

O campo da Administração é um campo de atividades apolíticas.


Ele está afastado da pressa e lutas da política; sob alguns aspectos
mesmo ele se mantém afastado do controvertido terreno do estudo
constitucional. É uma parte da vida política somente na medida em
Organizações que os métodos do escritório comercial são uma parte da vida social;
Burocraticas somente como a máquina é a parte do produto manufaturado. Mas, ao
Administração mesmo tempo, ele se eleva muito acima do nível enfadonho do mero
versus Ciências detalhe técnico pelo fato de que, através de sues maiores princípios,
Politicas ele se liga diretamente às máximas duradouras da sabedoria política,
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às verdades permanentes do progresso político.

O objeto do estudo administrativo é salvar os métodos executivos


da confusão e do alto preço da experiência empírica, alicerçando-os
Anexo profundamente em sólidos princípios.

O Estudo da
É por esta razão que devemos considerar a reforma do Serviço Público
Administração, de
Woodrow
Civil, em sua fase atual , como um simples prelúdio a uma reforma
Wilson, administrativa mais completa. Estamos agora retificando formas
de 1887 de nomeação; devemos prosseguir para melhor ajustar as funções
executivas e prescrever melhores métodos de ação e organização
do Executivo. A reforma do Serviço Público não é assim, senão uma
preparação de espírito para o que se deve seguir. Ela está limpando a
atmosfera moral da vida oficial pelo estabelecimento da santidade do
Serviço Público como uma responsabilidade cívica, e tornando o serviço
sem facciosismo político, está abrindo caminho à assemelhação com
os serviços de iniciativa privada. Serenando os seus estímulos, torna-
o capaz de aperfeiçoar seus métodos de trabalho.

Seja-me permitido ampliar um pouco o que eu disse sobre o campo


da Administração. O mais importante a ser observado é a verdade já
tantas vezes e com tanto sucesso reiterada pelos nossos reformadores
do serviço público; a saber: que a Administração está fora da esfera
própria da política. As questões administrativas não são questões
políticas. Embora a política determine as tarefas para a administração,
não se deve tolerar que ela maneje as suas repartições.

Esta é uma distinção altamente autorizada e nela eminentes autores


alemães insistem, como ponto pacífico. Bluntschili, por exemplo, nos
leva a separar a Administração tanto da Política quanto do Direito.
A Política, diz ele, é a atividade do estado ‘nas coisas grandes e
universais’ enquanto que ‘ a administração, por outro lado’ é ‘a
atividade do Estado nas coisas pequenas e individualizadas. A Política
é assim campo específico do estadista, a Administração, do funcionário
técnico’. ‘A elaboração de diretrizes políticas não prescinde da ajuda
da Administração ‘; mas nem por isso a Administração é Política. Não
necessitamos, porém, de invocar a autoridade alemã para esposar Organizações
essa opinião; tal discriminação entre Administração e Política é agora Burocraticas
felizmente mais que evidente para necessitar de maior discussão. Administração
versus Ciências
Há uma outra distinção em que se apóiam todas as nossas conclusões, Politicas
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a qual, embora não seja senão um outro aspecto da distinção entre a
Administração e a Política, não é tão fácil de ser mantida à vista: quero
dizer, a distinção entre questões constitucionais e administrativas, entre
essas disposições governamentais que são essenciais ao principio
constitucional e aquelas que são meramente instrumentais aos objetos, Anexo
possivelmente mutáveis, de uma conveniência inteligentemente
O Estudo da
adaptável.
Administração, de
Woodrow
Não se pode facilmente tornar claro, a todos, onde se localiza a Wilson,
Administração nos vários departamentos do Governo, sem entrar de 1887
sobre particularidades tão numerosas a ponto de confundir e distinções
tão minuciosas que desorientariam. Nenhuma linha de demarcação,
separando as funções administrativas das não-administrativas, pode
ser traçada, entre este e aquele departamento governamental, sem
altos e baixos, sobre alturas vertiginosas de distinção e através
de densas florestas de elaboração estatutária, para lá e pra cá em
volta de ‘se’ e ‘mas’, ‘quando’ e ‘entretanto’, até que elas se perdem
completamente aos olhos desacostumados a esta espécie de
demarcação, e, conseqüentemente, não familiarizados com o uso
do teodolito do discernimento lógico. Grande parte de administração
realiza-se incógnita para a maior parte do mundo, sendo confundida
ora com ‘direção’ política, ora com principio constitucional.

Talvez essa facilidade de confusão explique afirmações como as


de Niebuhr: ‘ A liberdade depende incomparavelmente mais da
Administração do que da Constituição’. A primeira vista, isso parece ser
em grande parte verdadeiro. Aparentemente, a facilidade no exercício
real da liberdade depende mais de disposições administrativas do que de
garantias constitucionais; embora somente as garantias constitucionais
assegurem a existência da liberdade. Mas, pensando bem, mesmo
isso será verdade? A liberdade não consiste mais na facilidade e vigor
com que se movimentam os membros inferiores e superiores de um
homem forte. Os princípios que governam interiormente o homem,
ou a constituição, são as molas vitais da liberdade ou da servidão.
Por que a dependência e a sujeição não tenham algemas, aliviadas
que sejam por todos os arranjos praticáveis de um Governo refletido
Organizações e paternal, não quer dizer que se transformem por isso em liberdade.
Burocraticas A liberdade não pode viver à parte do princípio constitucional; e
Administração nenhuma administração, por mais perfeitos e liberais que sejam os
versus Ciências seus métodos, poderá dar aos homens mais do que uma grosseira
Politicas imitação de liberdade, se ela assenta em princípios antiliberais de
Página 36
governo.

Uma visão nítida da diferença entre o campo do Direito Constitucional


e o da função administrativa, não deve dar lugar a concepção errônea;
Anexo e é possível citar alguns critérios mais ou menos definidos sobre os
quais pode ser obtida tal visão. A Administração Pública é a execução
O Estudo da
detalhada e sistemática do Direito Público. Toda a aplicação particular
Administração, de
Woodrow
de lei geral é um ato de administração. O lançamento e a cobrança de
Wilson, impostos, por exemplo, o enforcamento de um criminoso, o transporte e
de 1887 a entrega de malas postais, o equipamento e o recrutamento do Exército
e da Marinha, etc, são todos, evidentemente, atos de administração;
mas as leis gerais que obrigam a fazer essas coisas estão, obviamente,
fora e acima da Administração. Os largos planos de ação governamental
não são administrativos; a sua execução detalhada é administrativa.
As Constituições, portanto, só dizem respeito, propriamente, a esses
instrumentos de governo que se relacionam com a lei geral. A nossa
Constituição Federal observa este principio, silenciando até mesmo
sobre os maiores órgãos puramente executivos, falando somente do
Presidente União que deveria compartilhar das funções legislativas e
normativas de Governo; somente dos juízes de mais alto grau, a quem
caberia interpretar e velar pela observância dos seus princípios, e não
daqueles que deveriam, simplesmente, afirmá-los.

Esta não é, exatamente, uma distinção entre Vontade e Ato


correspondente, pois o administrador deve ter e tem uma vontade
própria na escolha dos meios para efetuar o seu trabalho. Ela não é
nem deve ser um mero instrumento passivo. A distinção é entre planos
gerais e meios específicos.

Há, de fato, um ponto no qual os estudos administrativos invadem


o terreno constitucional, ou, pelo menos, o que parece ser terreno
constitucional, ou, pelo menos, o que parece ser terreno constitucional.
O estudo da Administração, visto filosoficamente, é estreitamente
relacionado com o estudo da distribuição adequada da autoridade
constitucional. Para ser eficiente deve ele descobrir os meios mais
simples pelos quais a responsabilidade possa ser inequivocamente
atribuída aos funcionários; a melhor maneira de dividir a autoridade sem Organizações
prejudicá-la, e a responsabilidade, sem obscurecê-la. E esta questão Burocraticas
da distribuição de autoridade, quando levada à esfera das mais altas Administração
e originárias funções de Governo, é obviamente uma questão central versus Ciências
de Direito Constitucional. Se o estudo administrativo puder descobrir Politicas
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os melhores princípios sobre os quase basear tal distribuição, terá ele
prestado ao estudo constitucional um serviço incalculável. Montesquieu
não disse, estou certo, a última palavra a este respeito.

Descobrir o melhor princípio para a distribuição de autoridade é da Anexo


maior importância, talvez, sob um sistema democrático, onde os
O Estudo da
funcionários servem a muitos dirigentes, do que sob outros sistemas
Administração, de
onde eles servem a poucos. Todos os soberanos suspeitam de seus Woodrow
servidores, e o povo soberano não é exceção à regra; mas como poderá Wilson,
a sua suspeita ser afastada pelo conhecimento? Se essa desconfiança de 1887
pudesse ser pelo menos depurada numa sábia vigilância, seria de
todo salutar; se esta vigilância pudesse ser ajudada pela inequívoca
atribuição de responsabilidade, seria de todo beneficio. A suspeita, em
si mesma, jamais é saudável, quer no espírito particular quanto no
público. A confiança faz a força em todas as relações da vida; e, como
compete ao reformador constitucional criar condições de confiança,
assim também compete ao organizador administrativo revestir a
Administração de condições de responsabilidade determinada, que
inspirem confiança.

E seja-me lícito dizer que poderes altos e discrição incontrastada


parecem-me as condições indispensáveis de responsabilidade. A
atenção pública deve ser dirigida facilmente, no caso de boa ou má
administração, para o homem merecedor de elogio ou condenação.
Não há perigo no poder, desde que ele não seja irresponsável. Se
ele for dividido, entregue em parcelas a muitos, se obscurece; e se
for obscurecido, é tornado irresponsável. Mas se ele for localizado
em chefes de departamentos e de divisões, é facilmente observado
e responsabilizado. Se para manter o seu cargo deve um homem
alcançar franco e honesto sucesso, e se ao mesmo tempo sente que
lhe foi confiada uma larga discrição, quanto maior o seu poder menos
provável será que dele abuse, mais é fortalecido, moderado e elevado
por ele. Quanto menor o seu poder mais obscuramente seguro e
despercebido sente-se ele em seu cargo, e mais prontamente caiu no
relaxamento.
Justamente aqui emergimos, manifestamente, no campo dessa
Organizações questão ainda maior – as relações próprias entre a opinião pública e
Burocraticas a Administração.
Administração
versus Ciências A quem deve a fidelidade oficial se reviver, e por quem deve ela ser
Politicas recompensada? Deve o funcionário esperar elogio e promoção do
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público ou somente de seu superior hierárquico? Deve o povo ser
chamado a estabelecer a disciplina administrativa como é chamado a
estabelecer princípios constitucionais? Estas questões evidentemente
encontram suas raízes no que é, sem dúvida, o problema fundamental
Anexo de todo este estudo. Tal problema é o seguinte: que parte deve ter
opinião pública na conduta da Administração?
O Estudo da
Administração, de
Woodrow
A reposta correta parece ser a de que a opinião pública deve
Wilson, desempenhar o papel de crítico autorizado.
de 1887
Mas qual o método por que sua autoridade se manifestará? A dificuldade
peculiar a nós, americanos, em organizar a Administração, não é o
perigo de perdermos a liberdade, mas o perigo de não sermos capazes
ou de não querermos separar o que lhe é essencial do acessório.
Nosso sucesso torna-se duvidoso por este nosso erro constante, o
erro de tentar fazer demasiado pelo voto. Governo autônomo não
consiste em ingerir-se em tudo, assim como administração doméstica
não consiste, necessariamente, em conduzir uma larga discrição no
manejo do forno e do fogão.

Nos países em que a opinião pública está ainda por ser instruída
em seus privilégios, ainda por acostumar-se a prevalecer, a questão
concernente ao campo da opinião pública se resolve mais prontamente
do que neste país, onde a opinião é atenta e francamente disposta a
preponderar de qualquer modo. È algo patético ver um livro inteiro
escrito por um professor alemão de Ciência Política para dizer aos
seus concidadãos: ‘ Por favor, procurem ter uma opinião sobre os
assuntos nacionais’; mas de um público tão modesto pode-se ao
menos esperar que seja muito dócil e solicito em aprender quais as
coisas sobre que não tem o direito de pensar e falar imperativamente.
Ele pode ser apático, mas não será metediço. Deixar-se-á instruir,
de preferência a tentar instruir. Sua educação política virá antes de
sua atividade política. Ao tentar instruir nossa própria opinião pública,
estamos tratando com um aluno disposto a considerar-se prévia e
suficientemente instruído.
O problema é tornar a opinião pública eficaz, sem permiti-la ser
metediça. Exercendo-se diretamente na supervisão dos detalhes de Organizações
todo o dia e na escolha dos meios cotidianos de Governo, a crítica Burocraticas
pública é naturalmente uma interferência despropositada, um manejo Administração
rústico de uma maquinaria delicada. Mas superintendendo as forças versus Ciências
maiores da elaboração de diretrizes, tanto em Política quanto em Politicas
Página 39
administração, a crítica pública é ao mesmo tempo segura e benéfica,
e de todo indispensável. Deixai que o estudo administrativo encontre
os melhores meios para dar à opinião pública este controle e para
impedi-la de todas as outras interferências.
Anexo
Mas será a tarefa do estudo administrativo somente a de ensinar o
O Estudo da
povo qual a espécie de Administração a desejar e exigir, e como obter
Administração, de
o que exigir? Não deverá ele ir além, exercitando candidatos para o Woodrow
Serviço Público? Wilson,
de 1887
Há, agora, em marcha neste País, um admirável movimento em prol
da educação política universal. Cedo virá o tempo em que nenhum
colégio idôneo se permitirá prescindir de um bom catedrático de
Ciência Política. Mas a educação assim dada não irá senão até uma
certa extensão. Ela multiplicará o número de críticos inteligentes do
Governo, mas não incrementará necessariamente a habilidade em
conduzir o Governo. É uma educação que preparará legisladores,
talvez, mas não funcionários executivos. Se tivermos que aperfeiçoar
a opinião pública, que é a força motriz do Governo, devemos preparar
melhores funcionários como o aparelho do Governo. Se tivermos que
colocar novas caldeiras e reparar as fornalhas que movimentam a nossa
máquina governamental, não devemos deixar que as velhas rodas,
engrenagens e válvulas continuem chiando, buzinando e chocalhando
como melhor puderem, ao sabor da nova força. Devemos colocar
acessórios novos onde quer que haja a menor falta de resistência ou
de ajustamento. Será necessário organizar a democracia enviando aos
concursos para o Serviço Público, homens perfeitamente preparados
a enfrentar exames sobre conhecimentos técnicos. Um funcionalismo
público tecnicamente instruído, cedo tornar-se-á indispensável.

Eu sei que um corpo de servidores civis preparados por uma educação


especial e transformados pelo exercício, após a nomeação, em uma
perfeita organização, com uma hierarquia apropriada e disciplina
característica, parece, a muitas pessoas de reflexão, conter elementos
que se poderiam combinar na criação de uma agressiva classe oficial,
- um corpo distinto, semi-corporativo, com simpatias divorciadas das
Organizações de um povo progressista e de espírito livre, e com corações restritos
Burocraticas à mesquinhez de um oficialismo fanático. Tal classe, certamente,
Administração seria de todo odiosa e prejudicial nos Estados Unidos. Quaisquer
versus Ciências medidas tendentes à produzi-la, seriam para nós medidas de reação
Politicas e desatino.
Página 40

Mas temer a criação de um oficialismo dominador e anti-liberal, como


resultado dos estudos que estou aqui propondo, é desaperceber
completamente o principio sobre o qual eu mais desejo insistir. Esse
Anexo princípio é que a Administração nos Estados Unidos deve ser, em
todos os pontos, sensível à opinião pública. Um corpo de funcionários
O Estudo da
bem treinados, mantidos enquanto bem servirem, devemos tê-lo em
Administração, de
Woodrow
qualquer caso: é uma questão de pura e simples necessidade funcional.
Wilson, Mas o receio de que tal corpo se torne algo antiamericano esvai-se
de 1887 no instante em que se pergunta – que é bem servir? Pois que essa
questão tem em si mesma estampada a sua própria resposta. Firme
e sincera obediência à orientação não terá em si nenhuma mancha
de oficialismo. Ela não será criada de funcionários permanentes,
mas de estadistas cuja responsabilidade para com a opinião pública
será direta e inevitável. Burocracia só pode existir onde o serviço
inteiro do Estado é afastado da vida política comum do povo, tanto
os chefes quanto o pessoal subordinado. Seus motivos, propósitos,
orientação, sua tábua de valores, devem ser burocráticos. Será difícil
apontar exemplos de impudente exclusivismo e arbitrariedade da parte
de funcionários servindo sob um chefe de repartição que realmente
tenha servido ao público, como todos os nossos chefes de repartição
devem ser levados a proceder. Seria fácil, por outro lado, aduzir outros
exemplos como os da influência de Stein na Prússia, onde a liderança
de um estadista imbuído de verdadeiro espírito público transformou
repartições arrogantes e formais em instrumentos cívicos de um
governo justo.

O ideal para nós é um funcionalismo civil bastante culto e auto-suficiente


para agir com senso e vigor, e, todavia, tão intimamente ligado ao
pensamento popular, por meio de eleições e constante orientação
pública, a ponto de achar inadmissíveis a arbitrariedade e o espírito
de classe.

Tendo assim visto, de certo modo, a matéria e os objetivos do estudo


da Administração, que devemos concluir quanto aos métodos mais
adequados, os pontos de vista mais vantajosos a ele?
Organizações
O Governo é tão próximo de nós, uma coisa tanto de nosso trato Burocraticas
familiar e cotidiano, que só com dificuldade podemos perceber a Administração
necessidade de qualquer estudo filosófico sobre ele, ou o sentido exato versus Ciências
de tal estudo, se tiver que ser empreendido. Temos andado com as Politicas
Página 41
nossas próprias pernas por um tempo demasiado longo para aprender
agora a arte de andar. Somos um povo prático, tornado tão apto, tão
versado em auto-governo, por séculos de exercício experimental, que
dificilmente seremos capazes de perceber o que há de desajeitado em
determinado sistema que estivermos usando, justamente porque é tão Anexo
fácil para nós usar qualquer sistema. Não estudamos a arte de governar:
O Estudo da
governamos. O simples talento inculto para negócios não nos poupará
Administração, de
de tristes cincadas em Administração. Apesar de democratas por Woodrow
hereditariedade e reiterada preferência, somos ainda democratas um Wilson,
tanto crus. Por mais antiga que seja a democracia, sua organização na de 1887
base de idéias e condições modernas é ainda um trabalho incompleto.
O Estado democrático está ainda por ser aparelhado para carregar
essas enormes cargas, que as necessidades de nossa era industrial
e comercial estão acumulando tão rapidamente. Sem estudos
comparativos sobre o Governo, não nos podemos livrar da errônea
suposição de que a Administração tem um Estado democrático bases
essencialmente diferentes daquelas sobre que assenta em um Estado
não democrático.

Depois de tal estudo, poderíamos conceder à democracia a honra de


decidir, em última instância, pelo debate, todas as questões essenciais
que afetem o bem público, de basear toda a estrutura da direção
política sobre a vontade da maioria, mas não teríamos encontrado
senão uma regra única de boa administração para todos os governos
igualmente. No que diz respeito a funções administrativas, todos os
governos têm uma forte semelhança estrutural; mais do que isso se
quiserem ser uniformemente úteis e eficientes devem ter uma forte
semelhança estrutural. Um homem livre tem os mesmos órgãos,
vísceras e membros que o escravo, por mais diferentes que sejam os
propósitos, seus serviços, suas energias. Monarquias e democracias,
radicalmente diferentes como são sob outros aspectos, têm, na
realidade, muito da mesma atividade a desempenhar.

Há abundantes razões para não temer, nos dias de hoje, a insistência


sobre essa semelhança real de todos os governos, porquanto estes
são dias em que os abusos de poder são facilmente expostos e detidos,
Organizações em países como o nosso, por um audaz, alerta, curioso e observador
Burocraticas espírito popular e um indefectível senso de independência, que o povo
Administração tem, agora, como jamais o teve antes. Somos tardos em reconhecer
versus Ciências isso; mas é fácil reconhecê-lo. Tente-se imaginar um governo pessoal
Politicas nos Estados Unidos. É como tentar imaginar uma adoração nacional
Página 42
de Zeus. Nossas imaginações são demasiado modernas para tal
façanha.

Mas além de não ser perigoso, é necessário perceber que, para todos
Anexo os governos, os fins legítimos da Administração são os mesmos, de
modo a não temermos a idéia de observar os sistemas estrangeiros de
O Estudo da
Administração em busca de instrução e sugestão; de modo a desfazer
Administração, de
Woodrow
o receio de que se possa por acaso, tomar emprestado cegamente
Wilson, algo incompatível com os nossos princípios. É um cego desorientado
de 1887 aquele que denuncia tentativas de transplantar sistemas estrangeiros
neste País. É impossível: eles simplesmente não crescerão aqui. Mas
por que não devemos usar certas partes de concepções estrangeiras
de que precisamos, se elas nos forem, de qualquer modo, úteis? Não
corremos o risco de usá-las de modo estrangeiro. Recebemos de
fora o arroz, mas não o comemos com pauzinhos. Recebermos toda
a nossa linguagem política da Inglaterra, mas dela descartamos as
palavras ‘rei’ e ‘lords’. A que jamais demos origem, exceto à ação do
Governo Federal sobre indivíduos e algumas das funções da Suprema
Corte Federal?

Podemos tomar emprestada a Ciência da Administração, sem perigo


e com proveito, contanto que distingamos em seus postulados todas
as diferenças fundamentais que a condicionam. Temos somente que
filtrá-la através de nossa Constituição, somente que submetê-la ao
fogo lento da crítica e destilar os vapores estrangeiros.

Eu sei que há um receio inconfessado, em alguns espíritos


conscientemente patrióticos, de que os estudos de sistemas
europeus possam apontar certos métodos europeus como melhores
que determinados métodos americanos, e o receio é facilmente
compreensível. Mas ele dificilmente seria evitado em qualquer outro
grupo.

É tanto mais necessário insistir sobre o abandono, desse modo, do


preconceito contra a procura de sugestões em qualquer parte do mundo,
exceto na terra natal, quanto em nenhuma outra parte de todo o campo
da Política, ao que parece, podemos fazer uso do método histórico, Organizações
comparativo, com maior segurança do que no setor da Administração. Burocraticas
Talvez que, quanto mais formas novas estudarmos, melhor: mais cedo Administração
conheceremos as peculiaridades de nossos próprios métodos. Jamais versus Ciências
poderemos conhecer nossas próprias fraquezas, nem nossas próprias Politicas
Página 43
virtudes, comparando-nos conosco mesmos. Estamos demasiado
acostumados à aparência e processo de nosso próprio sistema, para
que mesmo o sistema inglês seja demasiado semelhante ao nosso,
para que possa em geral, é afastarmo-nos inteiramente de nossa
própria atmosfera e sermos cuidadosos o mais possível, examinando Anexo
sistemas tais como os da França e da Alemanha. Vendo nossas próprias
O Estudo da
instituições através de tais media, vemo-nos como os estrangeiros nos
Administração, de
veriam se nos olhassem sem preconceitos. Enquanto só conhecemos Woodrow
a nós mesmos, não saberemos nada sobre nós. Wilson,
de 1887
Note-se que é a distinção, já traçada, entre a Administração e a Política,
que torna o método comparativo tão seguro no campo da Administração.
Quando estudamos os sistemas administrativos da França e da
Alemanha, sabendo que não estamos à procura de princípios políticos,
não nos preocupamos, nem um pouco, com as razões constitucionais
ou políticas que os franceses ou alemães dão para as suas práticas
quando no-las explicam. Se vejo um facínora afiando uma navalha
habilmente, poderei imitar o seu modo de afiar a navalha sem a sua
provável intenção de cometer um assassínio com ela; e assim sendo,
se vejo um monarquista convicto administrando bem uma repartição
pública, posso aprender os seus métodos administrativos sem alterar
nenhuma de minhas convicções republicanas. Ele pode servir o seu
Rei; eu continuarei a servir o povo; mas eu gostaria de servir tão bem o
meu soberano quanto ele serve o dele. Tendo em vista esta distinção,
isto é estudando a Administração como um meio de levar [nossa
própria política a práticas convenientes, como um meio de tornar o que
é democraticamente político para todos administrativamente possível
em relação a cada um, - estamos em terreno perfeitamente seguro, e
podemos aprender sem erro o que os sistemas estrangeiros tenham
a nos ensinar. Criamos assim, um mecanismo de ajuste para o nosso
método coorporativo de estudo. Podemos, desse modo, escrutar a
anatomia de governos estrangeiros sem medo de contrair quaisquer
de suas doenças; dissecar os sistemas alienígenas sem preocupação
com envenenamento do sangue.
Nossa própria política deve ser a pedra de toque para todas as teorias.
Organizações Os princípios sobre os quais basear uma ciência da Administração
Burocraticas para a América devem ser os princípios que tenham, bem no âmago, a
Administração diretriz democrática. E para se adaptarem ao hábito americano, todas
versus Ciências as teorias gerais devem, como teorias, manter-se modestamente no
Politicas segundo plano, não somente nas discussões, mas, também, em nosso
Página 44
próprio espírito, - se não, opiniões satisfatórias somente em gabinete
de leitura serão usadas dogmaticamente, como se fossem por igual
satisfatórias aos padrões da política prática. Criações doutrinárias
devem ceder o passo a práticas testadas. Arranjos, sancionados não
Anexo somente pela experiência concludente em outra parte, mas também
congênere do costume americano, devem ser preferidos, sem
O Estudo da
hesitação, à perfeição teórica. Em uma palavra, a segura e prática
Administração, de
Woodrow
arte política deve vir primeiro, s doutrina de gabinete em segundo. O
Wilson, cosmopolita – o que fazer, deve estar sempre subordinado ao – como
de 1887 fazer americano.

Nosso dever é suprir com a melhor vida possível à organização federal,


a sistemas dentro de sistemas; fazer o governo distrital, municipal,
estadual e federal viverem com igual força e igualmente saudáveis,
mantendo cada um deles inquestionavelmente o dirigente de sues
próprios negócios e, não obstante, interdependentes e cooperativos,
combinado independência com ajuda mútua. A tarefa é suficientemente
grande e importante para atrair os melhores espíritos.

Esse entrelaçamento do governo local com o federal é uma concepção


bem moderna. Não se assemelha aos arranjos da federação imperial
na Alemanha. Lá o governo local não é ainda completo autogoverno
local. O burocrata está em toda a parte ocupado. Sua eficiência, porém
decorre do esprit de corps, da preocupação de obediência servil à
autoridade de um superior, ou, na melhor das hipóteses, de uma
consciência sensível. Ele serve não ao público, mas a um ministro
irresponsável. A questão para nós consiste em – como deverão as
nossas séries de governos dentro de governos ser administradas de
modo a ser sempre do interesse do funcionário público servir – não só
ao seu superior, mas também à comunidade, com os melhores esforços
de seu talento e o mais escrupuloso serviço de sua consciência? Como
deverá este serviço ser tornado de seu interesse mais imediato pela
contribuição abundante ao seu sustento, ao seu mais caro interesse
pelo desenvolvimento de sua ambição, e ao seu mais alto de sua
reputação? E como deverá ser isso feito igualmente para a parte local
e para o todo nacional?
Organizações
Se resolvermos este problema, orientaremos novamente o mundo. Burocraticas
Há uma tendência – não há? – uma tendência ainda obscura, mas Administração
já firmemente impulsiva e claramente destinada a prevalecer, no versus Ciências
sentido, da confederação de partes de impérios como a inglesa em Politicas
Página 45
primeiro lugar e, finalmente, dos próprios grandes Estados. Em vez de
centralização de poder, deverá haver larga união com toleradas divisões
de prerrogativa. Esta é uma tendência para o tipo americano – de
governos ligados a governos para a realização de propósitos comuns,
em igualdade e subordinação dignas. Princípios semelhantes de
liberdade civil estão em toda a parte suscitando métodos semelhantes
de Governo; e se os estudos comparativos dos meios e modos de
Governo nos habilitarem a oferecer sugestões que combinarão,
praticamente, largueza e vigor na administração de tais governos com
pronta docilidade a toda a crítica pública séria e fundamentada, terão
esses estudos provado ser dignos de se classificar entre os mais altos
e mais frutuosos dos grandes departamentos do estudo político. Que
eles resultarão em tais sugestões, é o que eu espero confiante.

FIM
CAPÍTULO 2

Os Administradores
Públicos e as infra-
estruturas coletivas
no modo de produção
capitalista
Podemos dizer que até o Século XX o número de organizações sociais
Organizações em cada país era relativamente pequeno (manufaturas, igrejas, famílias,
Burocraticas órgãos de governo, pequena empresa familiar); mas que a partir dele
Os Administrado- assistiu-se a uma reviravolta. Cresceu o número e organizações,
res Públicos e as sempre maiores e bem estruturadas, de sorte que o ser humano já não
Infra-estruturas consegue levar uma vida independente. As organizações administram-
Página 48
lhe ou coordenam-lhe o lazer, a educação, os gostos, o tempo do não
trabalho, além evidentemente do próprio trabalho.

As organizações, presentes por todo lado em que se olhe, são


responsáveis tanto pela produção econômica, quanto pela conformação
do jeito de ser do homem.

William Whyte escreveu “The Organization Man”, no qual descreve


a perda de autonomia e a capacidade de auto-crítica do homem
norte-americano, mergulhado numa teia infindável de organizações,
tomando decisões em grupo, trabalhando em grupo, divertindo-se em
grupo, condicionado pelos valores e crenças das organizações de que
participa. O homem tornou-se um homem organizacional, conformado,
docilizado, disciplinado, padronizado. (1956)

O próprio desenvolvimento econômico de um país é considerado a


partir no número de organizações capazes de realizar transformações,
operar a produção econômica, combinar eficientemente fatores sociais
e tecnológicos.

O aumento da produtividade é vista como a chave do desenvolvimento.


Eis aí a razão da multiplicação de estudos e cursos voltados para a
administração de organizações. No Brasil de 2008, há cerca de 600 mil
alunos em cursos de administração, e mesmo assim, ainda estamos
longe de atingir os patamares de desenvolvimento econômico dos
países de capitalismo central (América do Norte, Europa e Japão).
A combinação talentosa e criativa de pessoas, tecnologia, cultura,
recursos naturais é um desafio ilimitado. Sempre alguém pode inventar
mais e melhor.

A Administração é, portanto a ciência através da qual operamos as


organizações, cada vez maiores e mais numerosas, e inevitavelmente
burocráticas. Isto mesmo, conforme já dissemos em outra oportunidade,
o padrão burocrático de operação é o que assegura controles formais
escritos, hierarquia, profissionalização, racionalidade dos meios e fins,
distribuição de poder e competências, disciplina e obediência.
Organizações
Fernando Motta e Bresser-Pereira, no livro “Introdução à Organização Burocraticas
Burocrática”, professores da Escola de Administração de Empresas Os Administrado-
de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, assim definem, de forma res Públicos e as
simplificada, uma organização: Infra-estruturas
Página 49

“sistema social em que a divisão do trabalho é sistemática e


coerentemente realizada, tendo em vista os fins visados; é o
sistema social em que há procura deliberada de economizar os
meios para se atingir os objetivos”. (2004:p.8)

Já em relação ao caráter burocrático das organizações, tomando


emprestado idéias de Weber, assim Motta e Bresser Pereira
textualmente conceituam:

“As burocracias têm sua fonte de legitimidade no poder racional-


legal, e não no poder patriarcal, patrimonial ou carismático. Em seu
tipo ideal, puro, as organizações são sistemas sociais racionais.
Perguntamos agora: como se expressa essa racionalidade da
burocracia, como se distingue ela os demais sistemas sociais
que não tem por base o poder racional-legal? Procurando reduzir
as organizações burocráticas à sua expressão mais simples,
diríamos que são três as características básicas que traduzem seu
caráter racional: são sistemas sociais (1) formais, (2) impessoais,
(3) dirigidos por administradores profissionais, que tendem a
controlá-los cada vez mais completamente.” (2004;p.14)

As dimensões racional (“eficientismo”) e legal (“normatização”) das


organizações burocráticas, fizeram Weber enxergar a desvinculação
entre propriedade e gerência. Com a organização burocrática o mando
pode acontecer fora do âmbito da propriedade, não é preciso ser dono
para exercer o mando. Funcionários - tecnicamente especializados em
dirigir – podem assumir com vantagem a direção das organizações.
Qual é a vantagem? Respondemos com exemplo:

Exemplo

Sempre que uma empresa privada precisa de um grane


empréstimo para se salvar da bancarrota, recorrendo a um banco,
é muito comum que o banco exija dela: “profissionalização da
administração”. É que os donos, fundadores, dirigentes atuais
Organizações não são considerados técnicamente preparados para gerir,
Burocraticas não sabem “as regras completas de multiplicar o capital”, diz-
Os Administrado- se, ou então têm compromissos pessoais (dívidas de gratidão,
res Públicos e as por exemplo) que os impedem de tomar determinadas decisões
Infra-estruturas necessárias.
Página 50

Organizações burocráticas públicas e


privadas: a aliança imposta por exigência
do “eficientismo”
O capitalismo no seu modo de produção se caracteriza pela:

1- conversão e todos os bens e serviços em mercadoria;

2 - presença do trabalho assalariado, que por sua vez também vira


mercadoria (a mais importante aliás, tem até órgãos e tribunal de
justiça exclusivo);

3 - apropriação do excedente econômico, ou lucro, aconbtece sem


violência, com a concordância contratual (CLT) dos expropriados
(trabalhadores);

4 - legitimação (aceitação) da mais-valia ou da exploração (diferença


entre o custo de produzir em relação ao produzido) através do mercado
legal de oferta e procura;

5 - Incorporação sistemática do progresso técnico e do saber


burocrático-organizacional aos processos produtivos;

6 - Surgimento do capital, espécie de “trabalho-morto” acumulado,


expresso em moeda.

Não se pode compreender o capitalismo sem compreender a mais-


valia, este conceito chave expresso por Karl Marx no Século XIX. A
mais-valia define poder, prestígio, apropriação da cultura, classes
sociais, configuração das instituições públicas e privadas, orientação
consumista, etc.
Ela consiste daquela margem diferencial entre o custo da mão-de-obra
em relação ao que o trabalhador produz. Lembre-se que o trabalho Organizações
também é uma mercadoria e tem custo para ser produzido e manter- Burocraticas
se. Os Administrado-
res Públicos e as
Exemplo Infra-estruturas
Página 51

Você é contratado na função de pescador. Você precisa, por


definição da gerência, pescar 10 mil sardinhas por dia. Para
sua manutenção pessoal você pesca 5 mil sardinhas que serão
o pagamento do seu salário; e outras 5 mil sardinhas para
remunerar o capitalista investidor e custos de operação. Mas
o capitalismo, conforme vimos acima, incorpora ao processo
de produzir todas as inovações técnicas e o saber gerencial
para aumentar a produtividade. Então, imaginemos, que com
equipamentos melhores, com rastreadores de cardumes, etc.
ao invés de 5 mil sardinhas/dia, você passa a pescar 50 mil
sardinhas/dia. O que acontecerá com seu salário? Subirá para
25 mil sardinhas? Não. É que a mão-de-obra é uma mercadoria
e tem um custo de produção e oferta no mercado. Se você não
quiser o salário de 5 mil sardinhas/dia, outro trabalhador poderá
ser contratado.

Então com quem ficarão as 45 mil sardinhas dia? Com o


capitalista investidor. E você estará de acordo, “conformado”,
terá até contrato de trabalho legalizado.

O embolso da mais-valia é o mecanismo central no caminho da


riqueza. Vai definir as fortunas de determinadas famílias, novos
empreendimentos, a posse de poder e prestígio por alguns, o acesso
a escolas melhores, à cultura, a viagens, aos prazeres da vida enfim,
o financiamento das campanhas político-partidárias, vai orientar as
grandes decisões, as diferenças de classe, o gosto por novelas ou por
música clássica, etc.. (Você pode continuar a lista ............................).

Os administradores e suas ferramentas “zelam” para que haja o máximo


de rendimento, de aproveitamento de tecnologias, a combinação
otimizada de pessoas e “coisas”, aconteça. Em nome da eficiência
produtiva.

É fundamental compreender os métodos de articulação e disputas


entre o capital e o trabalho para entender a nossa sociedade. A cada
Organizações luta por mais salário desencadeia-se uma nova busca por eficiência
Burocraticas por parte do capital, que não pode ter o lucro diminuído (isto colocaria
Os Administrado- uma unidade empresarial sob risco de não sobreviver na concorrência
res Públicos e as com outras empresas). Não esqueça que só o trabalho gera riqueza.
Infra-estruturas
Página 52
Para manter ou ampliar a produtividade, e por conseguinte o lucro,
permanentemente há que se introduzir inovações no jeito de trabalhar
e produzir. O pensador João Bernardo, assim escreve a respeito:

“O processo mais econômico que se oferece ao capital consiste


em atuar sobre o primeiro termo da relação da mais-valia. O
proletário, ao reduzir o tempo de trabalho que despende (trabalhar
menos já que o salário não aumenta na proporção do resultado
do produzido), age sobre o segundo termo dessa relação. A
resposta o capitalista incide no primeiro termo, na diminuição do
tempo de trabalho incorporado na força de trabalho. Isso significa
que o capitalista procura tornar mais produtivos os processos de
fabrico dos bens consumidos pelos trabalhadores (baratear o
custo de produção e manutenção da mão de obra). Não pode
fazê-lo, porém, sem aumentar também a produtividade no fabrico
das máquinas que irão produzir aqueles bens. E assim por diante.
Em conclusão, ao agir sobre o primeiro termo da relação da mais-
valia, em resposta à luta operária, o capitalista desencadeia um
mecanismo global de aumento de produtividade que se estende a
toda a economia. É este o processo de desenvolvimento da mais
valia-relativa. O desencadear de uma luta e a resposta imediata
do capitalista definem, assim, um ciclo da mais-valia relativa.”
(1986, p. 104-5).

E João Bernardo vai além:

“Se o proletário pretende reduzir o tempo de trabalho que


despende no processo de produção, a via aparentemente mais
simples que se oferece ao capitalista é a da repressão. Mas a
eficácia marginal da repressão se esgota muito rapidamente.
Qualquer capitalista sabe que se pusesse um policial atrás de
cada operário não conseguiria obter um trabalho eficaz e teria,
além do mais, de instruir a polícia sobre os gestos necessários
à produção, para que obrigasse o trabalhador a fazê-los. E
assim acabaria por transformar o policial num trabalhador e a
ter dois trabalhadores em vez de um. Este absurdo mostra que a
repressão, para além de certo ponto e como solução geral, é uma Organizações
via impraticável para o capital.” (1986, p. 104). Burocraticas
Os Administrado-
Os ciclos de mais-valia não podem acontecer de forma isolada em uma res Públicos e as
única ou poucas empresas. Eles implicam a participação do conjunto Infra-estruturas
Página 53
das empresas, do Estado e de outras organizações como sindicatos,
partidos políticos, universidades, escolas, igrejas. A concorrência
existente entre empresas não anula a necessidade de haver integração
entre os capitalistas.

O capitalismo exige a inter-relação entre todos os atores da sociedade.


Basta perguntar para quê e quem as escolas treinam (profissionalização
em novas tecnologias, por exemplo). Ou para quê e quem a Igreja
dociliza (“amar o próximo”, “os últimos serão os primeiros”, “bem-
aventurados os pobres e oprimidos”, “ganharás o pão com o suor
do teu rosto”, “se te baterem na face direita, oferece também a face
esquerda”). Ou para quê e quem o Estado opera, tendo este inclusive
o direito de usar da violência física para enquadrar os cidadãos. Fica
evidente que o produto de uma empresa entra na produção de um
bem de outra empresa e assim por diante.

João Bernardo, nosso contemporâneo, de vertente marxista, de forma


inédita, dirá então que a sociedade pode ser olhada como subdividida
entre organizações com funções econômicas voltadas para o que
denomina de CGP - Condições Gerais de Produção e UPU -
Unidades de Produção Última.

Segundo Bernardo as UPUs - Unidades de Produção Última formam


o campo de atuação privilegiada da burguesia. São as empresas
especializadas em produzir determinado bem ou serviço de consumo
mais ou menos final.

Já as organizações denominadas de CGPs – Condições Gerais e


Produção formam o campo privilegiado de atuação dos gestores. João
Bernardo usa a palavra gestores para designar os administradores
profissionais, ou tecnocratas, ou tecnoburocratas.

AS CONDIÇÕES GERAIS DE PRODUÇÃO resultam da necessidade


de integração tecnológica. Há que distinguir porém entre o Estado e
as CGP. Mesmo que o Estado tenha papel decisivo, tanto na criação
quanto na manutenção e incremento das CGPs, nalguns países as
Organizações CGP são operadas à maneira da propriedade privada. Há o Estado
Burocraticas restrito (órgãos centrais de poder – administração direta) e o Estado
Os Administrado- ampliado (administração indireta). O restrito diz respeito aos três
res Públicos e as poderes e seus ministérios, secretarias municipais e estaduais),
Infra-estruturas o ampliado diz respeito aos grandes braços do Estado: autarquias,
Página 54
fundações estatais, empresas de economia mista e empresas públicas
(No Brasil: Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Federal, Correios, Itaipu,
FUNDAP-SP, COPASA-MG, SABESP-SP, SUDENE, Eletrobrás,
Concessões, Permissões... etc.)

Observação:

No Brasil, via de regra, as organizações do Estado amplo tem seus funcionários


contratados como “celetistas”, distinguindo-se dos “estatutários”. Estas
organizações são regidas à maneira da iniciativa privada, competindo,
podendo ter lucro, e produzindo e vendendo bens e serviços. Definição de J.
Bernardo para Estado Amplo: “aparelho de Poder das classes dominantes.”
Estado Restrito: “pode estar subordinado aos interesses sociais da burguesia,
se esta for a classe hegemônica na globalidade do capitalismo, mas suas
funções são executas por gestores” (idem).

Mas João Bernardo diz que tal fato – a existência de Estado amplo
e Estado restrito - é mera questão jurídica, que não põe em risco o
argumento da integração tecnológica necessária das empresas. E de
qualquer maneira, mesmo quando são privadas, as CGP estabelecem
relações privilegiadas com o Estado, quer mediante concessões,
patente de subsídio, quer mediante contratos políticos privilegiados
mais ou menos secretos. O reverso da medalha, a estranheza, é que
o Estado pode ter também unidades de produção última. (MOTTA;
1986: p.131).

As CGPs não estão restritas ao que comumente chamamos “infra-


estruturas”, mas constituem toda base do funcionamento social da
produção, sendo que uma CGP depende de outra CGP.

E continua João Bernardo.

“defino os seguintes tipos de CGP:

1 - Condições gerais de existência e de reprodução física do


proletariado.
Organizações
Antes de mais nada incluem-se aqui as infra-estruturas sanitárias, Burocraticas
os hospitais e as outras atividades com que estas convergem. A Os Administrado-
amplitude que se definir para este tipo de CGP varia consoante se res Públicos e as
considerar a formação do operariado como um processo exterior Infra-estruturas
Página 55
ou interior ao sistema de produção capitalista. Neste último caso
terão de incluir-se aqui as condições de existência da família
proletária e de outras instituições como infantários.

2 - Condições gerais de realização social da exploração.


A mais ampla de todas estas condições é o urbanismo. Aqui
se incluem também as instituições escolares que asseguram a
preparação e a reciclagem da força de trabalho. E sempre que
este conjunto de instituições se mostre falível é complementado
pelas orças repressivas especializadas e por outras formas
menos sistemáticas de policiamento.

3 - Condições gerais de existência física das empresas.

É nesta rubrica que se insere parte do que geralmente se


considera ser as infra-estruturas, nomeadamente as redes de
produção e de distribuição de energia e as redes de transporte.

4 - Condições gerais de prosseguimento do processo de


trabalho.

No capitalismo contemporâneo a veiculação, a centralização


e o armazenamento de informações assumem nesta rubrica o
lugar de maior relevo, por isso a informação é a principal das
CGP deste tipo. E dentro do conjunto de informações conseguido
por cada unidade econômica assumem importância decisiva as
que se relacionam com os processos tecnológicos de ponta, por
isso as universidades, laboratórios e outros centros de pesquisa
ocupam hoje neste tipo de CGP um lugar importante.

5 - Condições gerais de existência física de um mercado para os


produtos.

Para todos aqueles produtos cujo consumo não é direto, e sim


mediatizado por instalações, torna-se necessário construí-las e
mantê-las.
Organizações
Burocraticas 6 - Condições gerais de existência social de um mercado para
Os Administrado- os produtos.
res Públicos e as
Infra-estruturas A mais importante destas condições é constituída pelos
Página 56
organismos de redistribuição dos rendimentos, que funcionam
de modo a aumentar a capacidade aquisitiva de camadas sociais
com maior propensão marginal ao consumo, ou ao consumo de
certo tipo de bens. Complementarmente, temos de considerar a
publicidade, inclusive o condicionamento da instrução no sentido
de promover o consumo ou o consumo de certo tipo de bens.”
(Bernardo: 1985; p.88).

Exemplos para as funções econômicas das CGPs

1 - CGP de existência e de reprodução física do proletariado. Ex.


SUS – Sistema Único de Saúde, hospitais, creches, campanhas de
vacinação.

2 - CGP de realização social da exploração. Ex: Urbanização de


bairros periféricos para reprodução a força de trabalho, escolas de
reciclagem da força de trabalho, forças repressivas especializadas,
Polícia Militar. Igrejas “domesticadoras”, clubes de reforço da ideologia
“trabalhadora” .

3 - CGP de existência física das empresas. Ex: redes de energia


elétrica, de telecomunicação, de água, de transporte aos operários
e matérias-primas, segurança das instalações provida pelo
policiamento.

4 - CGP de prosseguimento do processo de trabalho. Ex: ITC


– Information Thecnology and Communication. Armazenamento,
veiculação e centralização da informação. SESI. SENAC. Universidades
tecnológicas, laboratórios e centros de pesquisa.

5 - CGP de existência física de um mercado para os produtos. Ex:


Construção e manutenção de instalações para armazenar produtos de
consumo não imediato. Estradas, ferrovias, portos, aeroportos.

6 - CGP de existência social de um mercado para os produtos:


Exemplos para a CGPs 6:
Organizações
1 - “Décimo Terceiro Salário”, PIS/PASEP, Salário-Desemprego Burocraticas
e outros mecanismos que funcionam com a missão de prover Os Administrado-
redistribuição de rendimentos para assegurar capacidade res Públicos e as
aquisitiva dos trabalhadores. Infra-estruturas
Página 57

2 - Casa Própria, Empréstimos para aposentados e outros


vinculados às folhas pagamentos e Crédito-Educativo (mercado
para o sistema financeiro operar).

Ainda sobre a questão da necessidade da


integração capitalista

Não há empresas fechadas em si, isoladas das outras. Cada novo


ciclo de mais valia não pode se dar em uma única empresa e nem
mesmo num ramo isolado de produção.

Tal processo implica na diminuição do valor dos bens de subsistência


incorporados na força de trabalho, na redução do valor da maquinaria
com que se produzem estes bens de subsistência, da maquinaria
com que se produz essa maquinaria, bem como certas remodelações
tecnológicas.

A integração tecnológica é uma questão de sobrevivência. Na indústria


capitalista, a dependência de cada unidade de produção relativamente
às condições de produção que lhe são exteriores determina em
absoluto a tecnologia empregada nessa unidade produtiva.

A unidade de produção última deve ser considerada como ponto de


chegada uma vez que a partida se dá sempre em condições exteriores
comuns a um número grande de outras unidades.

No processo cronológico das transformações sociais, nenhum país,


nenhuma região inicia seu desenvolvimento capitalista a partir dessas
unidades de produção última de um produto. O ponto de partida é
sempre a criação de condições gerais de produção, que arrastam a
constituição de unidades de produção última. Daí o papel do Estado
na origem do capitalismo. (Bernardo: 1977, p. 65-6).
As CGPs mudam de posição, categoria e valor em diferentes estágios
Organizações e regimes de capitalismos. (liberalismo de Estado mínimo, intervenção
Burocraticas estatal, keynesianismo, etc.)
Os Administrado-
res Públicos e as Para João Bernardo, os tecnoburocratas ou gestores profissionais têm
Infra-estruturas nas CGPs o palco privilegiado de atuação enquanto que a burguesia
Página 58
age sobretudo nas UPUs. A forma de propriedade da burguesia é a
privada e a dos gestores é a “propriedade” coletiva. (1985: p.88).

A estreita integração tecnológica faz com que o conjunto das empresas


no capitalismo seja bastante mais do que a mera soma das unidades.

Exemplo

1 - Uma empresa privada é abastecida por mão-de-obra


especializada vinda de uma universidade pública. A universidade
é bancada pelo Estado. Quanto menos a empresa precisar
gastar com a formação dos seus técnicos, mais barato o seu
produto final ficará.

2 - Uma indústria privada abastece-se de operários de um bairro


qualquer bancado pelo Estado. Neste bairro, a Prefeitura, que
é o Estado, patrocina a água, a luz, o saneamento, o asfalto,
a casa popular, a escola, etc. Evidentemente que o preço da
mão-de-obra, sob tais condições, é menor para esta indústria do
que o seria se tivesse ela própria que bancar todas estas infra-
estruturas que servem à reprodução e manutenção da força de
trabalho. Os custos das infra-estruturas são diluídas e cobradas
de todos, inclusive dos próprios trabalhadores.

Costuma se dizer que uma das vantagens do capitalismo é a sua


capacidade de introduzir nos processos de trabalho, inovações
tecnológicas e metodológicas, permanentemente; inovando-se sempre,
reduzindo custos. Eis então que os melhoramentos técnicos levam à
diminuição do tempo de trabalho incorporado nos produtos fabricados
também nas outras empresas, contribuindo a diminuir sempre o tempo
de trabalho incorporado nos produtos em geral.

Os administradores são os profissionais que criam e gerenciam o


aproveitamento das inovações tecnológicas nos processo produtivos,
criando continuamente novos e melhores métodos de organizar e
comandar a produção.
Organizações
Vimos que o modelo de organização produtiva prevalecente em Burocraticas
nossos dias é a burocrática, graças aos mecanismos de controle que Os Administrado-
os métodos burocráticos conferem (hierarquia, controles escritos, res Públicos e as
especialização, planos e projetos previamente delineados). Infra-estruturas
Página 59

Vimos que o capitalismo funciona de maneira integrada, que o Estado


e as empresas privadas se complementam. Vimos que os gestores ou
administradores profissionais estão no topo das grandes organizações,
apesar de nem sempre serem seus donos. E vimos finalmente que na
base de todos estes acontecimentos ou fenômenos está a questão do
trabalho e da produção.

A sociedade humana se distingue do mundo animal porque trabalha


e produz. Os outros animais apenas coletam. Só o trabalho - e sua
forma de organização, assim como a distribuição dos seus resultados
- gera riqueza. Eis então que o trabalho é a dimensão central da nossa
sociedade. E ele está burocraticamente organizado, ou em outras
palavras, o trabalho encontra-se abrigado no interior de organizações
burocráticas.

Você pode refletir em que grau o trabalho dirige sua vida e terá a
dimensão do que se está tentanto dizer. Sua trajetória biográfica
acontecerá em torno do mundo do trabalho. Vive-se para o trabalho,
estuda-se para o trabalho, mora-se onde há trabalho, gasta-se os anos
de vigor físico e as melhores horas do dia no trabalho, e por fim, temos
a cara daquilo que trabalhamos, ou fazemos.

Exemplo

O ser humano do Vale do Jequitinhonha - MG, tem o jeito de


ser, os valores, a cultura, as ambições, relativas ao Vale do
Jequitinhonha. Da mesma forma o ser humanbo da Avenida
Paulista-SP.
Organizações
Burocraticas Atividades
Os Administrado-
res Públicos e as
1 - Você concorda que o pacote de incentivos do presidente
Infra-estruturas
Página 60 Bush, nos EUA, em 2008, através do qual cheques são
distribuídos à população para que continue consumindo,
mantendo aquecida a economia, confirma ou reforça as idéias
de João Bernardo e que o Estado é o grande patrocinador da
acumulação capitalista?
Anexo
2 - Há, em sua opinião, como delimitar precisamente onde
A Grande Goela, começa ou termina o setor público e o setor privado?
Folha de S. Paulo,
1996. Por Carlos 3 - Será que o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, e o Golpe
Heitor Cony Militar de 1964, podem ser explicados como reação dos grupos
empresariais contra a diminuição de seus lucros, ameaçados
de subtração diante do avanço dos ganhos das classes
trabalhadoras? Tente explicar melhor esta idéia. Há como
esconder que nas democracias burguesas capitalistas o Estado
zela, como guardião, dos lucros dos grupos empresariais? É
isto claro pra você? Explique. Pesquise qual foi o primeiro ato
firmado de Castelo Branco no Planalto, em 1964.

4 - Observação. Se você não compreendeu este Capítulo,


leia-o de novo. Sem tê-lo compreendido fica difícil avançar.
Ele é central para quem estuda Administração e pretende ser
profissional do ramo. Pesquise tudo o que puder a respeito.
Aprofunde-se. Se puder, leia você mesmo o Capítulo 5 -
Organização, Integração e Poder, do Livro “Organização
e Poder: Empresa, Estado e Escola”, de Fernando Cláudio
Prestes Motta.

5 - Leia o texto abaixo, “A Grande Goela”, de Carlos Heitor


Cony, publicado na Folha de S. Paulo de 1996, época das
“privatizações” no Estado brasileiro. Interprete-o à luz das
idéias deste Capítulo.
A Grande Goela
Organizações
Carlos Heitor Cony Burocraticas
Os Administrado-
res Públicos e as
Rio de Janeiro - A goela com que estão devorando o Banerj é maior do que
Infra-estruturas
daquele lodo de desenho animado, sempre faminto, tentando engolir o que aparece Página 61
pela frente. Não tenho espaço para discutir essas privatizações. Algumas acho
necessárias, algumas nem tanto. E outras são criminosas, como a do Banco do
Estado do Rio de janeiro.

O adiamento do leilão escancarou o escândalo que foi a avaliação feita pelos peritos
e presidida pelo governo do Estado.

Basta um item revelador: a sede do banco, no centro mais central do Rio, prédio de
33 andares, moderno, em frente a uma esplanada, com três fachadas dando ruas
de grande movimento, foi avaliada em R$702.136,70 (Louvemos os R$0,70 que os
peritos e guarda-livros descobriram nessa avaliação).

Esse é, aproximadamente, o preço de um apartamento de quatro ou cinco quartos


na Lagoa, na orla, na Barra. Seria, talvez, o preço de um andar do prédio onde se
situa o Banerj. Somente a loja, o subsolo e a sobreloja valeriam o triplo disso.

O preço de mercado está na casa dos R$42 milhões. Digamos que há exagero,
fiquemos pela metade, nos R$21 milhões, A diferença na avaliação dá para enriquecer
os gigantes das privatizações, perto dos quais os anões do Orçamento são anões
mesmo.

A mídia bota a boca no trombone quando um deputado ou um funcionário de médio


escalão descola míseros R$30 mil. O ex-ministro Magri foi crucificado por causa
disso, tal como Judas que, mais ou menos pela mesma quantia, se enforcou.

A turma que privatiza o Banerj, um dos filhos do governador á frente, tem uma
diferença de pelo menos R$20 milhões para dividir em comissões por baixo do
pano.

Outro dia, um banqueiro foi convidado para uma reunião onde se discutiria a melhor
técnica de privatizar um outro bem público - este, por sinal, necessitando mesmo de
uma privatização. O banqueiro só fez uma pergunta: “Quanto se pode levar?”

In: Folha de S. Paulo, segunda-feira, 30 de Dezembro de 1996


Referências Bibliográficas
Organizações
Burocraticas BERNARDO, João. Marx crítico de Marx. Porto: Afrontamento. 1977.
Os Administrado-
res Públicos e as BERNARDO, João. Gestores, Estado e Capitalismo de Estado. São Paulo:
Infra-estruturas Ensaio, 1985.
Página 62

BERNARDO, João. O Proletariado como Produtor e como Produto. In:


Revista de Economia Política, vol. 5, nº3, jul/set de 1985. São Paulo:
Brasiliense.

BERNARDO, João. A Autonomia nas Lutas Operárias. In: Bruno, Lucia &
Saccardo, Cleusa (orgs.). Organização, Trabalho e Tecnologias. São Paulo:
Atlas, 1986.

MOTTA, F.C. P. & BRESSER-Pereira, L. C. Introdução à Organização


Burocrática. São Paulo: Pioneira/Thomson Learning, 2004.

MOTTA, Fernando Cláudio Prestes. Organização & Poder: Empresa, Estado,


Escola. São Paulo: Atlas, 1986.

WHITE, William H. Jr. The Organization Man. New York: Simon & Schuster,
1956.
Dados do Autor

Jaime Antonio Scheffler Sardi, nascido em Santa Catarina, estudou no


Paraná e em São Paulo e aos 25 anos tornou-se professor da Escola
de Minas da UFOP, em 1987. Graduado em Psicologia, mestre em
Administração e doutor em Educação. É professor do Departamento
de Engenharia de Produção, Administração e Economia da UFOP. Foi
pró-reitor de administração, planejamento e relações internacionais
em épocas diferentes. Foi subprefeito da regional Vila Maria-Vila
Guilherme na Capital Paulista, durante a Gestão Luiza Erundina.
Realizou estudos na Alemanha, em Cuba e no Japão.

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