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21.

MARTÍRIO DE SÃO JOÃO BAPTISTA


Memória

– A fortaleza de João.

– O seu martírio.

– Alegria nas contradições que possamos encontrar por seguirmos fielmente o Senhor.

São João é o único santo de quem a Igreja comemora o nascimento e a morte. Com o seu  
exemplo cheio de fortaleza, o Precursor ensina­nos a cumprir, apesar de todos os obstáculos, a  
missão que cada um recebeu de Deus.

I.  E   FALAREI   DOS   TEUS   PRECEITOS  diante   dos   reis,   sem   me  


envergonhar. E deleitar­me­ei nos teus mandamentos, que amo1.

No dia 24 de Junho, a Igreja celebrou o nascimento de São João Baptista; 
hoje comemora o seu dies natalis, o dia da sua morte, ordenada por Herodes. 
Este  rei, como o chama São Marcos, é um dos personagens mais tristes do 
Evangelho. Foi durante o seu governo que Cristo pregou e se manifestou como 
o Messias esperado. Também teve oportunidade de conhecer João, incumbido 
por   Deus   de   mostrar   o   Messias,   e   chegou   a   ouvi­lo   com   gosto2.   Podia   ter 
conhecido Jesus, a quem queria ver pessoalmente, mas cometeu a enorme 
injustiça de mandar decapitar aquele que poderia tê­lo levado até o Senhor. A 
imoralidade da sua vida, as suas más paixões, impediram­no de descobrir a 
Verdade e levaram­no a esse grande crime. Foi tal a cegueira da sua mente e 
do seu coração que, quando realmente se encontrou cara a cara com o Senhor 
do céu e da terra3, pretendeu que o entretivesse, a ele e aos seus amigos, com 
algum dos seus prodígios.

São   João   pregava   a   todos:   à   multidão   do   povo,   aos   publicanos,   aos 


soldados4; aos fariseus e saduceus5, e ao próprio Herodes. Com o seu exemplo 
humilde, íntegro e austero, avalizava o seu testemunho sobre o Messias, que já 
tinha chegado6. João dizia a Herodes: Não te é lícito ter a mulher do teu irmão 7. 
E não temeu os grandes e poderosos, nem se importou com as consequências 
das suas palavras. Tinha presente na alma a advertência do Senhor ao profeta 
Jeremias, que a primeira Leitura da Missa nos recorda hoje: Tu, pois, cinge os  
teus rins, levanta­te e diz­lhes tudo o que te mando. Não lhes tenhas medo,  
porque eu farei que não temas a sua presença. Porque eu te converto hoje em  
cidade fortificada, em coluna de ferro e em muro de bronze sobre toda esta  
terra, diante dos reis de Judá, dos seus príncipes, dos seus sacerdotes e do  
seu povo. E pelejarão contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo  
para te livrar8.

O Senhor pede­nos também essa fortaleza e coerência, para que saibamos 
dar na vida diária um testemunho simples por meio do nosso exemplo e da 
nossa palavra, sem medo nem respeitos humanos.

II.  SÃO   MARCOS   RELATA­NOS  que  Herodes   mandara   prender   João,   e  


mantinha­o em ferros no cárcere por causa de Herodíades, mulher de Filipe,  
seu irmão, que ele tinha tomado ilicitamente por mulher9. Herodíades odiava 
João porque este reprovava essa união ilegítima e o escândalo que causava 
entre o povo; por isso procurava ocasião de matá­lo. Mas Herodes temia João,  
sabendo  que  era varão  justo e  santo; e  defendia­o,  e  a seu conselho  fazia  
muitas coisas, e ouvia­o com gosto.

A ocasião apresentou­se quando o rei ofereceu no dia do seu aniversário um 
banquete   a   que   foram   convidados   os   principais   da   região.   A   filha   de 
Herodíades   dançou   diante   dos   presentes   e   agradou   a   Herodes   e   aos 
comensais. Então o rei prometeu­lhe: Pede­me o que quiseres e eu to darei. E  
jurou­lhe: Dar­te­ei tudo o que me pedires, ainda que seja a metade do meu  
reino. Por instigação de sua mãe, a jovem pediu­lhe a cabeça de João Baptista. 
O rei entristeceu­se, mas, por causa do juramento e dos que com ele estavam  
à mesa, não  quis desgostá­la. Executada  a ordem,  os discípulos  do  Batista 
recolheram o corpo e deram­lhe sepultura. Muitos deles, com toda a certeza, 
seriam mais tarde fiéis seguidores de Cristo.

João   deu­se   inteiramente   a   Cristo:   não   somente   dedicou   todos   os   seus 


esforços a preparar a sua chegada e os primeiros discípulos que o Mestre teria, 
mas sacrificou­lhe a sua própria vida. “Não devemos duvidar – diz São Beda – 
de que, se São João suportou a prisão e os grilhões, foi em testemunho do 
nosso   Redentor,   de   quem   foi   precursor   e   por   quem   deu   a   vida.   O   seu 
perseguidor não lhe pediu que negasse Cristo, mas procurou obrigá­lo a calar a 
verdade. Isso é suficiente para afirmar que morreu por Cristo, porque o próprio 
Cristo disse: Eu sou a verdade [...]. Considerou apetecível aceitar a morte [...], 
tendo em conta que a sofria pela confissão do nome de Cristo e que com ela 
alcançaria a palma da vida perene. Bem o diz o Apóstolo: Porque vos foi dado  
por Cristo não apenas crer nele, mas ainda sofrer por ele. E o mesmo Apóstolo 
explica em outro lugar por que é um dom sofrer por Cristo:  Os sofrimentos  
desta vida não se comparam à futura glória que se revelará em nós”10.
Ao   longo   dos   séculos,   todos   aqueles   que   seguiram   de   perto   o   Senhor 
alegraram­se   quando   tiveram   que   sofrer   perseguições,   tribulações   ou 
contrariedades   pela   fé.   Foram   muitos   os   que   seguiram   o   exemplo   dos 
Apóstolos,   a   quem,  depois  de   açoitados,  ordenaram­lhes   que   não   falassem  
mais   no   nome   de   Jesus,   e   soltaram­nos.   Porém,   eles   saíram   gozosos   da  
presença do conselho, por terem sido achados dignos de sofrer afrontas pelo  
nome de Jesus11. E, longe de viverem acovardados e temerosos, todos os dias  
não   cessavam   de   ensinar   e   de   anunciar   Jesus   Cristo   no   templo   e   pelas  
casas12. Certamente, lembraram­se das palavras do Senhor relatadas por São 
Mateus: Bem­aventurados sereis quando vos injuriarem e vos perseguirem, e,  
mentindo, disserem todo o mal de vós por minha causa. Alegrai­vos e exultai,  
porque   será   grande   a   vossa   recompensa   nos   céus,   pois   também   assim  
perseguiram os profetas que vos precederam13.

Podemos   nós   entristecer­nos   ou   queixar­nos   se   alguma   vez   temos   que 


padecer   um   pouco   pela   nossa   fé   ou   por   sermos   fiéis   à   chamada   que 
recebemos do Senhor?

III.  A   HISTÓRIA   DA   IGREJA  e   dos   seus   santos   mostra­nos   como   todos 


aqueles que quiseram seguir de perto os passos de Cristo encontraram de um 
modo ou de outro a Cruz e a contradição. Para subir ao Calvário e corredimir 
com Cristo, não existem caminhos fáceis e cómodos.

Já   nos   primeiros   tempos,   São   Pedro   escrevia   uma  Epístola  com   acentos 
claros de consolo aos que sofriam. Não se tratava da sangrenta perseguição 
que   viria   anos   mais   tarde,   mas   da   situação   incómoda   em   que   muitos   se 
encontravam por serem consequentes com a sua fé: umas vezes, no âmbito 
familiar, onde os escravos tinham que suportar as injustiças dos seus amos14, e 
as   mulheres,   as   intolerâncias   dos   seus   maridos15;   outras,   por   causa   das 
calúnias,   injúrias   ou   discriminações...   São   Pedro   recorda­lhes   que   os 
contratempos que os afligem não são inúteis: devem servir­lhes para purificar­
se, sabendo que é Deus quem julga, não os homens. Sobretudo devem ter 
presente que – à imitação de Jesus Cristo – alcançarão por esse meio muitos 
bens,   e   mesmo   o   dom   da   fé   para   os   seus   próprios   perseguidores,   como 
efectivamente aconteceu. Chama­os bem­aventurados e anima­os a suportar 
os   sofrimentos   com   alegria.   Pede­lhes   que   considerem   que   o   cristão   está 
incorporado em Cristo e participa da sua Paixão, Morte e Ressurreição. É Ele 
quem dá sentido e plenitude à cruz de cada dia16.
Desde   São   João   Baptista,   foram   muitos   os   que   perderam   a   vida   por 
guardarem fidelidade a Cristo. Também nos nossos dias. “O entusiasmo que 
Jesus   despertou   entre   os   seus   seguidores   e   a   confiança   infundida   pelo 
contacto   imediato   com   Ele   conservaram­se   vivos   na   comunidade   cristã   e 
constituíram a atmosfera em que viviam os primeiros cristãos: [...] Jesus Cristo 
tem a seu favor o testemunho de uma história quase bimilenária. O cristianismo 
produziu frutos bons e magníficos. Penetrou no interior dos corações, apesar 
de   todas   as   oposições   externas   e   de   todas   as   resistências   ocultas.   O 
cristianismo   mudou   o   mundo   e   converteu­se   na   salvaguarda   de   todos   os 
valores nobres e sagrados. O cristianismo passou com o maior êxito pela prova 
da sua persistência, a que Gamaliel  se referiu certo dia (Act  5, 28). Não é, 
portanto, obra dos homens, já que, se fosse assim, ter­se­ia desmoronado e 
extinguido há muito tempo”17. Pelo contrário, vemos a força que a fé e o amor a 
Cristo têm nas nossas almas e nos milhões de corações que o confessam e lhe 
são fiéis, apesar das dificuldades e contradições.

Não é provável que o Senhor nos peça uma confissão de fé que nos leve à 
morte. Se no­la pedisse, dá­la­íamos de bom grado. O normal será que nos 
peça a paz e a alegria no meio das resistências que um ambiente paganizado 
opõe à fé: a calúnia, a ironia, o desprezo... O nosso júbilo será grande aqui na 
terra, e muito maior no Céu.

Todos os obstáculos devem ser vistos sempre com sentido positivo. “Cresce 
perante os obstáculos. – A graça do Senhor não te há­de faltar: «Inter medium,  
montium   pertransibunt   aquae!»:   passarás   através   das   montanhas!”18  Mas   é 
preciso  fé,  “fé viva  e penetrante. Como  a  fé  de  Pedro. –  Quando   a tiveres, 
disse­o   Ele,   afastarás   as   montanhas,   os   obstáculos,   humanamente 
insuperáveis, que se oponham aos teus empreendimentos de apóstolo”19.

Além disso, nunca nos faltará o consolo de Deus. E se alguma vez se tornar 
mais difícil caminharmos  ao lado de Cristo, recorreremos a Nossa Senhora, 
Auxílio dos cristãos, para alcançarmos refúgio e amparo.

(1) Sl 118, 46­47; Antífona de entrada da Missa do dia 29 de Agosto; (2) Mc 6, 17­20; (3) Lc 23, 
6­9; (4) Lc 3, 10­14; (5) Mt 3, 7­12; (6) Jo 1, 29; 36­37; (7) Mc 6, 18; (8) Jer 1, 17­19; (9) Mc 6, 17 
e segs.; (10) Liturgia das Horas, Segunda Leitura; São Beda, Homilia 23; (11) Act 5, 40­41; (12) 
At 5, 42; (13) Mt 5, 11­12; (14) cfr. 1 Pe 2, 18­25; (15) cfr. 1 Pe 3, 1­3; (16) cfr. Sagrada Bíblia, 
Epístolas católicas, EUNSA, Pamplona, 1988, págs. 116­117; (17) A. Lang, Teologia  
fundamental, Rialp, Madrid, 1966, vol. I, págs. 319­320; (18) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 
12; (19) ib., n. 489.
(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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