You are on page 1of 6

Factos, valores e factos valorados

Os factos correspondem a tudo aquilo que é descritível, ao que


acontece, ao que ocorre, podendo ser verdadeiros ou falsos, pelo que os
juízos de facto correspondem à enunciação desses
acontecimentos/ocorrências de uma força imparcial, objectiva, sem qualquer
tipo de interpretação ou avaliação, pelo que não é possível saber se é algo
bom ou mau, bonito ou feio, como por exemplo: “Tu mataste a Rita”. Os
valores, por sua vez, são aquilo que “vale”, pelo que os juízos de valor
correspondem à atribuição de características aos factos, logo, estão
relacionados com a subjectividade, parcialidade e apreciação dos factos,
como por exemplo: “Tu mataste a Rita e isso é terrivelmente mau!” É
legítimo afirmar que não existem factos, aos nossos olhos, verdadeiramente
neutros, despidos de qualquer apreciação ou interpretação, pelo que existem
factos valorados que resultam da junção de dos factos com os valores.

Condicionantes da acção Humana – Crianças-Lobo

As pessoas nascem, à partida, com determinadas limitações e algumas


possibilidades inerentes à sua condição biológica. Têm a oportunidade de
desenvolver as suas capacidades, autodeterminando-se e autocriando-se,
através da socialização (processo de integração de uma criança numa
determinada sociedade que implica a assimilação da cultura a que pertence).
Sem essa progressiva assimilação e interiorização da cultura, o ser biológico
não se torna verdadeiramente humano, pois não adquire a linguagem, os
valores, as crenças e os padrões comportamentais próprios dos seres
humanos, sendo isto que acontece com as crianças-lobo, pois a componente
biológica não basta para sermos verdadeiramente humanos.
O comportamento humano é uma conquista que se faz através da
socialização sem a qual as crianças-lobo não desenvolvem as aptidões e os
comportamentos humanos próprios, como falar, pensar, estabelecer laços
afectivos, rir, chorar, distinguir o bem do mal, entre outras coisas, pois estas
crianças apenas contactam de perto com lobos, pelo que vão adquirir as
características destes animais.

Acção

A acção é praticada pelo agente e esta só é considerada como


tratando-se de uma acção (agir) quando é consciente, voluntária, intencional
e de livre vontade. Desta forma, todos os “agires” são “fazeres”, mas nem
todos os “fazeres” são “agires”, porque só quando a acção é livre, voluntária,
intencional e consciente é que se considera um “fazer” como sendo um
“agir”, caso contrário é apenas um “fazer”.

Liberdade na acção

Só as pessoas são livres de escolher fazer algo de uma determinada


forma e não de outra, pois têm liberdade, se considerarmos que existe livre
arbítrio. O livre arbítrio é a capacidade que o Homem tem de escolher fazer o
Bem ou o Mal, pois o Homem tem o “dom terrível de ir mais além no bem e no
mal do que o resto das espécies vivas (…) com a sua horrível e sublime
faculdade de escolher” como afirmou Marguerite Yourcenar. Sendo assim, só o
Homem é livre, os animais não o são, porque só fazem aquilo que fazem,
porque têm de o fazer, estão programados pela Natureza.
Savater compara Heitor (herói grego) com as térmitas-soldado tentando
ilustrar precisamente a existência de liberdade para o Homem, mas não para
os animais. Deste modo, Savater defende que Heitor é heróico e valente, ao
contrário das térmitas-soldado que não o são, pois estas não têm opção de
escolha, enquanto que Heitor tem. As térmitas, assim como outros animais,
seguem o seu instinto, ou seja, reagem a determinados estímulos biológicos
de acordo com a forma com que foram pré-programados pela Natureza.
Quando as térmitas se encontram ameaçadas, estas são defendidas pelas
térmitas-soldado que não têm opção de escolha, sacrificam-se, porque o têm
de fazer, não são livres de optar defender ou não as outras térmitas, assim
como as térmitas-operário, que se esforçam para reconstruir a “fortaleza”,
não podem escolher fazê-lo ou não, assim como não podem optar por fechar
ou não o formigueiro às térmitas-soldado. O caso de Heitor é distinto, pois
este não está programado para ser herói assim como não está quem quer que
seja, pelo que o acto do Heitor é muito mais louvável do que o das térmitas
(que nem sequer um acto é), pois Heitor era livre de escolher não combater
assim como era livre de arriscar a vida no combate, para defender o seu povo,
como acabou por fazer. Por este motivo, Heitor é considerado herói, pois
escolhe arriscar a sua vida, quando se poderia recusar a fazê-lo, pois tinha
liberdade para tal, tem livre arbítrio.
O conceito de liberdade é muito complexo e pode ser interpretado sob
diferentes pontos de vista. Enquanto que uns consideram que temos liberdade
absoluta, ou seja, somos dotados de um dom de escolha que nos permite agir
consoante a nossa vontade e escolha, independentemente das forças que
sobre nós actuam, como se viu anteriormente através do texto de Savater,
outros há que consideram que a liberdade não existe, que esse é apenas o
nome que nós damos à nossa “ignorância humana acerca dos Deuses”, como
afirma Samuel Butler. A estes pensadores damos o nome de deterministas,
pois consideram que já estamos determinados a fazer o que fazemos no
momento e local em que fazemos, logo estes filósofos consideram-nos uma
espécie de marioneta sem qualquer espaço para escolher fazer o que
fazemos. Segundo um texto de Samuler Butler, até os nossos próprios
pensamentos e reflexões já estavam determinados a ocorrer no momento em
que ocorrem. Somos comparados a folhas que caem das árvores e que vão
pairando ao sabor do vento, acabando por cair num determinado ponto e num
determinado momento, devido às forças que sobre elas actuam, contudo, caso
elas pensassem iriam achar que aquilo ocorreu por sua livre vontade. O
mesmo sucede connosco, quando pensamos que estamos a fazer o que
fazemos, porque queremos, porque somos livres, só achamos isso, porque
desconhecemos as forças que sobre nós actuam.
Kant

Para Kant “O valor moral da acção não está no efeito que dela se
espera, mas sim no motivo”, pelo que, para Kant, uma acção que respeite as
normas é sem dúvida uma acção boa, contudo existem diferentes razões para
praticar essa boa acção, logo o motivo que desencadeia a acção é que vai
determinar o seu teor, como se exemplifica nos seguintes casos:
- Quando um rapaz vê uma pessoa a afogar-se e vai salvá-la, porque
ouviu dizer que se trata de uma milionária, esse rapaz só pratica essa boa
acção (acção conforme ao dever), pois espera ganhar uma recompensa, logo
realiza uma acção não por dever, mas sim por interesse. Esse rapaz teve em
consideração as consequências resultantes do seu acto, tendo em conta o
motivo que o levou a praticá-lo, pelo que embora a acção seja boa, conforme
ao dever, essa acção não tem qualquer moralidade.
- Quando uma pessoa vê outra a afogar-se e decide salvá-la apenas
porque acha que isso é que está correcto, então nesse caso agiu inteiramente
por dever, já que não esperava ganhar nada com o salvamento. Fez o que
deve só pelo respeito exigido pelo dever moral, ou seja, realizou aquele acto
sem se preocupar com as consequências que a realização de uma acção por
dever tinham para a sua felicidade.

Aristóteles

Para Aristóteles, cada pequeno acto tende sempre a um fim que é bom
e esse fim último ou bem supremo, a que todos os seres humanos aspiram, de
um modo natural, é a felicidade (eudaimonia). Cada acção humana tem um
fim que é uma porta para um fim superior, ou seja, um fim supremo de que
dependem todos os outros, isto porque a felicidade para pessoas diferentes
implica coisas diferentes, sendo assim tem que existir um fim supremo comum
a todas as pessoas, que aperfeiçoe o Homem, realizando-o completamente,
independentemente dos “caminhos” que se percorrem para atingi-lo. Para
que uma pessoa se realize como tal é necessário que adquira as
características propriamente humanas e não as características comuns a todos
os seres. Ao procurar essas características, Aristóteles apercebeu-se que a
actividade que é própria e natural do Homem e que o distingue de todos os
outros seres é a actividade racional, pelo que a felicidade deverá consistir no
exercício desta actividade intelectual ao longo da vida, ponderando
acertadamente no que, em cada momento, é mais razoável fazer. Em suma: a
vida mais adequada ao Homem é a vida teorética, ou seja, a vida em que o
Homem desenvolve plenamente as suas características humanas intelectuais,
que lhe permitem distinguir-se dos demais seres.

A Religião e a Ética

Para alguns autores só tendo uma posição religiosa, ou seja, cumprindo


a vontade de Deus, sendo crente, é que se pode ter uma posição ética, isto
porque, estes filósofos acreditam que só a religião nos dá razões para fazer o
Bem, já que Deus é o Bem, é o Amor. Estes autores defendem que o Mundo
não nos dá razões para fazer o bem, pois o Mundo é a demonstração do Mal,
não nos dando qualquer motivo para fazer o Bem ao invés do Mal, pois essas
razões apenas nos são dadas por Deus. Dostoyewsky vem reforçar esta ideia
dizendo que “Se Deus não existisse tudo seria permitido”, pois tudo seriam
factos, não havendo valores que os avaliassem como sendo bons ou maus.
Tolstoy afirma que a Ética/Moralidade é uma consequência, um resultado, da
religião, pelo que tanto a moralidade como a religião nos dão uma resposta
para o sentido da vida, não podendo ser separadas. Estes pensadores
declaram que se uma pessoa não fosse crente, logo se fosse ateia, jamais
teria razões para ser ética, já que essas razões apenas nos podem ser
transmitidas por Deus, pela religião, pelo que se uma dessas pessoas praticar
uma acção boa, uma acção ética, fá-lo por acaso, fá-lo sem razão, não
fazendo isso qualquer sentido, como não faz sentido uma pessoa fazer comida
se não tiver fome, logo tem que haver uma razão para tudo. Como para estes
autores a religião e a ética são respostas para o sentido da vida, para eles, os
ateus, como não acreditam em Deus nem na religião, não podem tê-la como
resposta pelo seu sentido da vida e, assim sendo, o sentido da vida destas
pessoas podem ser apenas o seu bem-estar e o seu prazer (hedonismo) não
percebendo elas que vão ter de abandonar esse bem-estar um dia, por um
qualquer motivo que para elas não é feliz, pois não acreditam em Deus, logo
não acreditam numa vida depois da morte.
Concluindo, certos autores crêem que “não pode haver qualquer
moralidade genuína, não-hipócrita, sem uma base religiosa, precisamente
como não pode haver uma planta sem raízes”, pois estes filósofos defendem
que só Deus nos razões para fazer o Bem, isto é, para sermos éticos, mas
como a ética é um resultado da religião, só se pode ser ético se se for
religioso, pelo que um não subsiste sem o outro, como uma planta não
subsiste sem raízes.

You might also like