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FILOSOFIA, RETÓRICA E DEMOCRACIA

 A investigação racional que está na origem da filosofia e da ciência actuais começou


com Tales de Mileto no séc. VI a.C. Tanto ele como os filósofos pré-socráticos
(Anaximandro, Anaxímenes, Heraclito de Éfeso, Anaxágoras de Clazómenas ou
Demócrito de Abdera) faziam da realidade física o seu objecto principal de estudo.
 O que levou à viragem da investigação dos problemas da natureza para os do Homem
foi o facto dos sofistas se terem interessado pelo estatuto, natural ou convencional,
das normas e dos valores; pela existência e natureza dos deuses; pela legitimidade da
distinção entre gregos e bárbaros, escravos e homens livres; pela natureza da arête
(virtude política) e do seu ensino. Todo este interesse surgiu como resultado do
maior contacto estabelecido entre os povos devido às trocas comerciais, da fundação
de colónias e das transformações económicas, sociais e políticas no mundo grego
(nascimento da democracia).
OS SOFISTAS
 Os sofistas eram professores itinerantes que instruíam os jovens e faziam conferências
em que mostravam a sua eloquência a troco de dinheiro. O seu surgimento está
relacionado com o sistema político democrático, pois o domínio da palavra,
capacidade de persuasão, passou a ser decisiva para o acesso e o exercício do poder
político.
 Os sofistas foram os responsáveis por fornecer a educação de agora em diante
necessária para se ser cidadão, isto é, para participar activamente na vida política da
cidade.
 Os sofistas atraíam os jovens gregos que aspiravam a uma carreira política e que
possuíam elevadas quantias através de lições que davam em círculos restritos de
discípulos como em seminários ou em conferências públicas ou exibições, cujo fim era
de dar mostras de saber.
PRINCIPAIS SOFISTAS
 Protágoras foi o primeiro a chamar-se a si próprio sofista e a ser pago pelas suas
lições. As suas obras principais tinham por título Sobre os Deuses a Verdade. Tinha uma
posição agnóstica em relação aos deuses: “Sobre os deuses nada sei, nem sei se
existem, nem sei qual a sua forma. Efectivamente, numerosos são os obstáculos para o
sabermos: o seu carácter obscuro e o facto de a vida do Homem ser curta.”. “O
homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto que são, e das
coisas que não são, enquanto não são.” Protágoras pretende afirmar desta forma que
não há verdades objectivas nem qualquer critério absoluto que permita determinar o
que é verdade. O único critério é o homem (subjectividade). Esta posição de
Protágoras é céptica e relativista. É céptica, porque recusa a possibilidade de um
conhecimento objectivo e é relativista, porque considera que o conhecimento é
relativo a cada sujeito (subjectividade). Defendia que existiam dois discursos opostos a
propósito de tudo e que era possível apresentar razões que se contrapõem e anulam
mutuamente. Dizia ensinar a arête política, ou seja, “boa gestão dos assuntos
particulares – de modo a administrar com competência a própria casa – e os assuntos
da cidade – de modo a fazê-lo o melhor possível quer por acções quer por palavras.”.
Ensina aos jovens como tornar o argumento mais fraco no mais forte.
 Górgias tem por obras principais O Elogia de Helena e Defesa de Palamedes. O
pensamento de Górgias pode ser resumido em três proposições que expressão
cepticismo e relativismo:
o Nada existe;
o Se alguma coisa existe, não pode ser conhecida;
o Se alguma coisa existe e pode ser conhecida, não pode ser ensinada.
Górgias não afirma ensinar a arête, mas sim a arte que permite ser um orador
eloquente, ou seja, ensinava a retórica.

DOUTRINAS DOS SOFISTAS


 As características da sofística que permitem falar de um movimento sofístico são:
o Todos os sofistas ensinavam a retórica que era essencial para a carreira
política;
o Todos os sofistas ensinavam a arête política, com excepção de Górgias;
o Todos os sofistas se interessavam pela antropologia, pela evolução do Homem,
sociedade e civilização;
o Todos os sofistas se interessavam pelas relações entre as leis e os costumes
(nomos) e a natureza (physis);
o Todos os sofistas pretendiam ser capazes de dissertar sobre qualquer tema e
de responder a qualquer pergunta;
o Todos os sofistas tinham um ponto de vista fenomenista, relativista e
subjectivista;
o Todos os sofistas tinham uma perspectiva empirista e céptica quanto à origem
e possibilidade de conhecimento.

 Todos os sofistas ensinavam a retórica e todos tinham um ponto de vista céptico


relativamente ao conhecimento, de acordo com o qual o conhecimento é relativo ao
sujeito. Estas duas coisas estão ligadas, pois se a verdade é relativa e particular e não
absoluta e universal, todo o conhecimento se reduz às crenças e opiniões de que os
homens podem ser persuadidos, pelo que é daí que provém o papel e a vantagem da
retórica.
 Sócrates e Platão discordavam dos sofistas, pois para eles há verdades objectivas e
universais que podem ser descobertas através da dialéctica e não da retórica, ou seja,
Platão e Sócrates opunham-se ao cepticismo e à retórica, assim como às pretensões
pedagógicas dos sofistas de ensinarem a virtude política.
PERSUASÃO E MANIPULAÇÃO
 A obra Górgias começa precisamente com a definição de retórica: “a retórica é a arte
de persuadir pela palavra os participantes de qualquer espécie de reunião política e tem
por objectivo o justo e o injusto. Ela proporciona a que a possui ao mesmo tempo
liberdade para si próprio e domínio sobre os outros na cidade”. Górgias afirmava que o
orador não precisa de conhecer o tema de que fala para ser persuasivo, inclusive para ser
mais persuasivo que um especialista: “um orador conseguirá que o prefiram a qualquer
outro, porque não há matéria sobre a qual um orador não fale, diante da multidão, de
maneiras mais persuasiva do que qualquer profissional.”
 Platão opõe-se vigorosamente à retórica assim concebida, denunciando o seu carácter
manipulador em dois momentos: 1) mostra que o orador só é persuasivo se aqueles para
quem fala não conhecerem o assunto de que fala; se conhecerem o orador não é mais
persuasivo do que um profissional. 2) mostra que a definição de retórica de Górgias não é
correcta.
 A persuasão racional consiste em fazer alguém mudar de ideias através do debate e
reflexão, utilizando-se argumentos para chegar à verdade, pelo que respeita a autonomia
das pessoas e se dirige à sua inteligência. A persuasão irracional ou manipulação procura
fechar o debate, impedindo as pessoas de pensar, pelo que se viola a autonomia destas.
Visa “ganhar” o debate, independentemente de saber de que lado está a verdade.
 Platão, por razões sobretudo de carácter ético e político, opõe-se ao uso que desde o
início sofistas, retores e oradores fizeram da retórica.
ARGUMENTAÇÃO, VERDADE E SER
 Se o estudo for livre e as capacidades críticas das pessoas forem estimuladas e bem-
vindas (pensamento crítico autónomo – pensamento filosófico) os argumentos falaciosos,
por mais atraentes que sejam acabaram por ser denunciados no processo de avaliação
crítica de ideias.
 Se o pensamento for iniciático, se os estudantes e os professores forem encorajados a
seguir gurus e mestres, mas não a pensar por si, quaisquer ideias serão aceites como
verdades absolutas, dado que ninguém terá coragem de as criticar, por mais que os
argumentos que as sustentam sejam maus.
 A retórica é um conjunto de técnicas que permitem uma troca clara, honesta e
frutuosa de ideias e argumentos, pelo que é de grande interesse para a filosofia.
 Os filósofos que na Antiguidade deram mais atenção à retórica, Platão e Aristóteles,
não tinham uma opinião muito favorável a seu respeito. Platão recusava-lhe o estatuto de
arte e considerava a persuasão desta, não era mais do que uma forma de adulação e
manipulação. Aristóteles considerava-a uma arte que podia ser usada de forma justa como
de forma injusta. Aristóteles considerava-a útil nos tribunais e nas assembleias, mas não
devemos tirar daí a conclusão de que a considerava de alguma utilidade para a filosofia.
Não é a retórica, mas a demonstração e a dialéctica que Aristóteles considera de
interesse para a filosofia, isto porque só estas permitem descobrir a verdade.
 Perelman considera que um filósofo precisa de conquistar a adesão do auditório para
os seus pontos de vista e que, portanto, a retórica é o método da filosofia.
 Protágoras defendeu o relativismo na Antiguidade, sendo esta uma teoria bastante
atraente e enganadoramente verdadeira. A ideia de que a retórica é o método da filosofia
parece assim estar bem fundada. No entanto, há boas razões para a recusar:
o A filosofia procura formular teorias verdadeiras, enquanto que a
retórica admite teorias cujos argumentos sejam verosímeis, logo, neste caso,
qualquer teoria que fosse apoiada por argumentos, metáforas e analogias, seria
verosímil, logo seria admissível independentemente de ser verdadeira ou não.
Assim, a tese de que a filosofia é interpretação e de que a retórica é o seu
método e, no fundo, a tese da morte da filosofia e da investigação racional.
o O relativismo é contraditório, pois o relativismo é a teoria segundo a qual
não há verdades universais e absolutas e de que, consequentemente, todas as
verdades são relativas a indivíduos, a sociedades e a culturas. Deste modo, se
esta afirmação é relativa só o é para alguns indivíduos, sociedades ou culturas,
caso contrário, é universal e absoluta, logo há verdades universais e absolutas –
o relativismo contradiz-se.
o A retórica pressupõe a crença do auditório na verdade, pelo que,
quando um orador usa a retórica, está a explorar e a servir-se desta tendência
do auditório para a verdade. Como a retórica visa apenas a adesão e como o
auditório, quando aceita as ideias do orador, o faz na convicção de que as teses
apresentadas são verdadeiras ou mais provavelmente verdadeiras, o orador
está a manipular o auditório.

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