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terça-feira, 1 de Setembro de 2009

Habitualmente, no recomeço após as férias de Verão, saía um Jornal das Boas


Nunca discuta com um idiota. Ele arrastá-lo-á para o seu Notícias. Não sabe o que é? O artigo Boas Notícias, ajuda-o a perceber o
nível e vencê-lo-á pela experiência conceito. Por outro lado, no blog Povo na secção Assuntos e no item Jornal
Autor desconhecido das Boas Notícias encontra os anteriores 21 números do Jornal das Boas
Notícias.
"Um católico não pode viver a não ser com os olhos postos no céu" ........... 1 Desde que o Povo passou também a residir no blog em http://o-
Viva o trabalho ............................................................................................................ 2 povo.blogspot.com (em Abril de 2008) não foi publicado mais nenhum
O Jornal das Boas Notícias

Contra o Bigger Brother ............................................................................................ 3 número.


O lugar do Meu Deus ................................................................................................ 4
O maior dom ............................................................................................................... 5 Este número 22 retoma a tradição e recupera alguns artigos (mais do que
A Banalidade do Mal.................................................................................................. 5 notícias) que exemplificam o critério que tenho seguido na selecção de textos
O Sino da Minha Aldeia ........................................................................................... 6 para o Povo; fui buscá-los ao arquivo do Povo do ano de 2001 – o ano em
Boas notícias ................................................................................................................. 6 que o Povo na Internet começou.
Só nos vêem a nós ....................................................................................................... 7 Junto também duas pérolas: No blog arquivo-as no item Top 10.
O retrato de Mónica .................................................................................................. 8
A primeira é, para mim, de entre os artigos do Prof. João César das Neves, o
que mais me ajudou: “Só nos vêm a nós”.
representar um número
A segunda é uma pérola que já alcançou a posteridade: n’O retrato de
"Um católico não pode viver a não para uma audiência que
Mónica’ Sofia de Mello Breyner Andersen ensina-nos como é possível, com
ser com os olhos postos no céu" é hostil. Ela sabe que vai
ser avaliada, não está determinação, disciplina e persistência, renunciar àquilo que se nos oferece
João Miguel Tavares com muita vontade de todos os dias: a santidade
In: DN, 20010430 estar ali, porque não Um bom regresso de férias
pagou o bilhete para Pedro Aguiar Pinto
Mesmo durante os quatro anos em assistir ao espectáculo, e
que foi assessor económico de sabe que, no final, com
Cavaco Silva, no início da década de frequência o resultado é em geral nunca trabalho depois do
90, nunca deixou de dar aulas na desagradável. Uma aula é uma das jantar. Sempre que posso deito-me às
Católica. Privilegia a profissão de situações mais estranhas em que as nove e tal, dez horas e levanto-me às
professor acima de todas as coisas? pessoas podem ser encontradas. Mas seis da manhã.
Manter-me a dar aulas foi uma das em geral tenho uma boa relação com
condições que combinei, desde logo, os meus alunos. Lá se vai a televisão pela noite den-
com o professor Cavaco Silva. Na tro...
altura, lembro-me de lhe ter dito: Suponho que seja um professor que Essa é precisamente uma das razões
"Não vai ter um assessor que dá aulas, dê o número de casa. por que quase nunca vejo televisão.
vai ter um professor que é seu asses- Exactamente. Há muito anos que dou Se há 20, 30 anos me dissessem que
sor". Fiz outras coisas na vida, mas o número de telefone de casa aos não iria ver televisão acharia impossí-
aquilo que eu sou é professor. O meu meus alunos. vel, porque era fanático quando era
avô dizia-me isto muitas vezes: há miúdo. Mas agora dou por mim a
muitas profissões no mundo mas há Tem fama de ser muito disciplinado. passarem-se semanas sem olhar para
apenas três vocações: padre, médico Diz-se que Kant até tinha horas a televisão, o que tem consequências
e professor. Foi sempre assim que vi certas para os seus tempos de lazer. sociais terríveis, porque toda a gente
esta minha tarefa. Ser professor não Também é assim? vê e toda a gente sabe dos assuntos
é um emprego, é um estilo de vida, Não, não. Não sou um fanático da que eu não sei.
uma vocação que tem de ser vivida disciplina. Tenho apenas uma enorme
por dentro. Não é uma coisa que eu dificuldade em não fazer aquilo por Uma das suas actividades mais notó-
também faço - é aquilo que eu sou. que estou apaixonado e estou apaixo- rias são os artigos no DN, onde
nado por aquilo que estou a fazer. É expõe opiniões muito musculadas,
E a que é que se deve esse fascínio verdade que ganhei uma rotina de digamos assim, que frequentemente
pela profissão? trabalho, que montei e considero um são alvo de comentários noutros
Ser professor universitário é uma valor muito importante, e grande lugares. Mas nunca entra em polé-
tarefa extraordinária. Entendo a parte da minha produtividade tem a mica.
Universidade como um jardim do ver com essa forma de organizar o Não entro em polémica porque sem-
conhecimento, criado pela sociedade tempo. Mas a dedicação é apenas pre achei que o artigo de jornal acha-
para que contivesse tudo o que de fruto da paixão. Não há, do meu se mais importante do que é. Acho
melhor ela foi produzindo ao longo ponto de vista, nenhuma atitude graça escrever sobre a realidade, mas
dos séculos. Ora, ser o jardineiro kantiana, porque desse ponto de vista não sobre outras opiniões e sobre
desse jardim - que é isso o que um sou muito diferente de Kant. outros artigos de jornais. No entanto,
professor universitário é - é um privi- gosto muito de ouvir as opiniões dos
légio extraordinário. Não o trocaria Lá em casa não se queixam que outros, e gosto muito que pessoas por
por nada e digo muitas vezes que trabalha demais? quem tenho respeito digam bem de
gostaria de dar a minha última aula A minha mulher não deixa. Tenho a mim e pessoas por quem não tenho
no dia em que morresse. sensação de que, se a minha mulher respeito digam mal de mim. São dois
não fosse muito exigente nas horas de sinais que prezo muito. Nisto uso a
Os alunos gostam de si? chegar a casa e não resmungasse regra de Confúcio: o importante é
Varia muito. A relação entre o profes- quando chego um pouco mais tarde, que as pessoas boas digam bem de ti
sor e o aluno é muito difícil. A tarefa poderia ser complicado. Mas ela aí e que as pessoas más digam mal de ti.
do professor é particularmente com- tem sido muito clara e eu chego nor- Enquanto funcionar assim, eu não
plicada, porque é a de um actor que malmente a casa às sete e meia, oito estou preocupado.
está sozinho em palco e que tem de da noite. Começo cedo a trabalhar e
Considera-se um provocador? faz para si algum sentido? Peça Musical: "Heróica", de Beetho-
Isso considero. E acho que a razão por Tenho dificuldade em compreendê-lo. ven
que sou provocador tem a ver com as Repare: a religião é um projecto de
minhas aulas. Costumo dizer que o vida. Uma pessoa que é católica não
meu teste de fogo foi dar aulas aos pode viver a não ser com os olhos Viva o trabalho
caloiros, porque eles são a audiência postos no céu, porque é para aí que In. Portugal Diário,01-05-2001
mais difícil do mundo. A sua atenção está a ir. Se a pessoa vai passar a Paulo Teixeira Pinto
precisa de ser constantemente provo- maior parte da sua vida no céu e
cada, nunca pode ser dada como neste momento está só na sala de I. O trabalho é a forma maior que o
garantida. Esse meu tique manifesta- espera, durante uns anitos, esse é um homem tem de se elevar. Leia-se, de
se em todo o lado. Realmente, sou facto de tal maneira importante que se encontrar consigo mesmo. Quer
um provocador nato, por construção não nos podemos lembrar dele só de dizer, não há vocação humana alguma
gosto sempre de ver aquele lado que vez em quando. Por isso, não ser que possa escapar ao trabalho.
as pessoas não viram, apresentar as praticante é difícil, como é difícil ser É por isso mesmo que se torna impe-
coisas num estilo rebarbativo. Às casado e não ser praticante. Agora, rioso atribuir ao trabalho a sua ver-
vezes causo alguma irritação, é ver- não menosprezo a fé latente que dadeira dignidade, pois que sem ele
dade, e peço desculpa. Mas a causa é certas pessoas têm. nenhum homem se pode realizar.
esta: ser provocador é uma outra Nesta medida, o trabalho há-de então
definição de professor. Nunca teve dúvidas de fé? ser mais do que um direito, posto que
Nunca tive dúvidas paralisantes de fé. se prova como um verdadeiro destino.
Quando escreve que a irmã Lúcia é Mas há um crescimento na fé que é Aquele que se constrói quando um
"uma das nossas figuras intelectuais feito de altos e baixos. homem opera a sua marca única e
mais influentes" está a provocar? irrepetível, mesmo que aparentemen-
Eu acho que é verdade, acho que a Pertence à Opus Dei? te insignificante ou invisível, na His-
irmã Lúcia é, em Portugal, uma das Não. Tenho muito respeito pela Opus tória da Humanidade. Seja o trabalho
figuras intelectuais mais influentes. Dei e procuro colaborar com todos os de partir pedra ou o de meditar, o de
Não é uma das figuras intelectuais movimentos da Igreja, mas não per- pintar ou o de regar a terra, o de
mais influentes no meio intelectual tenço. Não calhou ir por aí. escrever a alegria ou o de curar a
que se considera com o monopólio da dor. Com cada um o mundo fica dife-
intelectualidade portuguesa. Aí não Estuda regularmente teologia? rente para todo o sempre. Percebam-
só não é influente como nem sequer é O facto de ter a Bíblia e a Suma Teo- no ou não os seus fazedores. Sejam
conhecida. Mas quando a poeira lógica [de S. Tomás de Aquino] aqui eles carpinteiros ou filósofos.
assentar e todos os génios que encon- na minha secretária é capaz de ser
tramos na nossa vida intelectual um sinal disso. II. Nada há de mais puro e radical do
forem esquecidos, ainda se irá falar que o fruto do verdadeiro trabalho
da irmã Lúcia. Em termos objectivos, Essa "Suma Teológica" é em latim. humano. Simetricamente, poucas
e não facciosos. Lê latim? coisas há nesta vida que do mesmo
Tive de estudar latim por causa dela. modo comparar se possam, pela sua
A provocação não está em defender Há seis anos descobri a personagem gravidade, à falta de respeito pela
a influência da irmã Lúcia, está na de S. Tomás de Aquino, que é um condição de um trabalhador, signifi-
utilização do adjectivo "intelectual". homem absolutamente extraordiná- cando esta palavra o que ela quer
Mas a provocação da irmã Lúcia é rio. Comecei a ler a Suma Teológica e mesmo dizer, isto é, aquele que tra-
intelectual. Não é económica, políti- só a larguei daí a quatro anos. Foi um balha. Deve ser por isso que raras são
ca, material. A sua intervenção é no momento de revelação. Fiquei fasci- também as coisas que de imediato
mundo das ideias. O facto de alguns nado com a clareza de espírito, com a merecem censura tamanha como
dos intelectuais portugueses, com ordenação das ideias, com a forma de aquela reservada aos dislates do
uma enorme falta de dignidade cien- olhar para o mundo. Não sou um género “se trabalhar faz bem que
tífica, terem desprezado as opiniões especialista em mais nada mas tento trabalhem os doentes”. Aliás, aqui a
da irmã Lúcia como não intelectuais é estudar S. Tomás de Aquino sempre ofensa até é dupla, pois que também
um erro desses senhores. O problema que posso. Não sei muito de latim, o sofrimento pode traduzir uma supe-
é que alguns intelectuais consideram tive de aprender sozinho e hoje tento rior prestação de verdadeiro traba-
como vida intelectual aquela suprema ler uma hora de latim por dia. Neste lho. Conheço apenas uma excepção
ociosidade em que eles elucubram momento até publico textos científi- aceitável à regra que interdita brin-
asneiras. Isso não é intelectualidade, cos em revistas internacionais de car com a essência do trabalho. Tra-
isso é o lixo intelectual que rapida- economia sobre o pensamento eco- ta-se do episódio daquele analista
mente desaparece da História. nómico de S. Tomás de Aquino. que, na sua procura dos elementos
Encontrei lá motivos de investigação essenciais à determinação do valor de
Acredita em Fátima, portanto. na minha própria área. Fiquei com o certa empresa, perguntou a certa
Acredito em Fátima. Só há duas hipó- tique doentio de citar S. Tomás de altura quantas pessoas nela trabalha-
teses: ou é verdade ou é uma palha- Aquino em todos os textos que escre- vam. Como resposta ouviu: “cerca de
çada. E eu digo que é muito mais vo e tenho de fazer um esforço para metade”. Esta sentença, meio cínica
difícil sustentar que Fátima é falso do me conter. e meio irónica, revela bem, contudo,
que é verdadeiro. No mínimo, é uma a distância que vai entre emprego e
coincidência extraordinária que a A cara da notícia trabalho.
perestroika se tenha iniciado poucos
meses depois da Consagração do João César das Neves III. Na verdade, muitos são aqueles
Mundo pelo Papa, em 1984, nas con- Idade: 43 anos que ganham o pão de cada dia em
dições que a irmã Lúcia havia defini- Nascimento: Lisboa nome de um posto de trabalho mas
do nos anos 40. Ainda hoje é um dos Estado Civil: Casado que realmente não trabalham. Limi-
mistérios da História. Filhos: Quatro tam-se a ter um emprego. Ou seja,
Partido: Não tem gozam do posto enquanto gozam com
Reza o terço todos os dias? Clube: Não tem o trabalho. Falta grave. Em todo o
Exactamente. Obras publicadas: Cerca de 20 caso, sempre menor do que a daque-
Livro: Bíblia les empregadores que por vezes se
A figura do católico não praticante fazem passar por empresários e que

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O JORNAL DAS BOAS NOTÍCIAS 1 de Setembro de 2009
não pagam a quem trabalha, ou que VI. Assim, o trabalho existe para o festa. Em conjunto, os infobarões e
pagam menos do que seria justo. Num homem e não o homem para o traba- teleproletários popularizam perver-
caso e noutro do que se trata é de lho. Mas nenhum homem está dele sões clínicas muito complexas e gra-
exploração. É pena. Mas é bom que se dispensado. Nunca. Sob pena de ter ves: voyeurismo, exibicionismo,
saiba que é também mais do que um vivido em vão. No outro extremo da sadismo e masoquismo.
comportamento lamentável. Pelo que vida lembro-me agora de um homem - Tudo isto agrava o problema dos "big
seria bom e oportuno que hoje, preci- por acaso aquele que mais admiro de brothers", mas não o constitui. A
samente hoje, a Igreja pudesse lem- entre todos os seres vivos - que, já questão centra-se em saber o que diz
brar a todos, e não só aos católicos, alquebrado pela doença e pela idade, o "bigger brother" por detrás destes
que não pagar o que é devido ao insiste em ficar de pé. Sempre a produtos aborrecidos e doentios que
trabalho é teologicamente considera- gritar para não termos medo da Espe- atraem tanta gente.
do um “pecado que brada aos céus”. rança. Enquanto murmura para si A televisão suscita a avidez de fanta-
Noto que a terminologia não é minha. próprio que não pode parar porque sia e crueza, em particular a necessi-
E sublinho também que outros peca- terá toda a eternidade para descan- dade de representação cada vez mais
dos com a mesma qualificação capital sar. O seu exemplo traduz toda uma directa de assassinatos, massacres,
são a opressão dos pobres, das crian- lição de laboriosidade. Que poderá desastres, guerras, violações. Como a
ças e viúvas ou o homicídio voluntá- ser assim resumida: todo o trabalho frustração é proporcional à intensida-
rio. Escândalo? Talvez. Mas é mesmo tem a mesma dignidade se e enquan- de dos vícios observados, necessita de
assim. Afinal, bem medidas todas as to for ordenado ao bem. experiências cada vez mais fortes. E
coisas, o que há de mais escandaloso como para espectadores saturados de
do que a verdade? VII. É por tudo isto que hoje, primeiro ficções "nada é mais real que a real-
dia de Maio, não é o dia dos empre- didade", proliferam os "reality shows".
IV. Explorar aquele que trabalha é, gados, nem dos sindicatos, nem dos Desprovidos de argumento e com
portanto, tão grave como matar. Dói partidos, nem sequer de nenhum filmagem deficiente, pretendem
ouvi-lo? Então é repeti-lo, se faz ideal. É só o dia do trabalhor. Do transmitir sem montagens o espectá-
favor, junto de alguns espécimes trabalhador, repare-se bem outra vez culo público da intimidade de uma
dessa nova raça de modernos escla- – no singular, e não dos trabalhadores humanidade bera.
vagistas que usam cartões de visita no plural. Porque nesta vida cada um Também o espectador já não é o que
aparentemente respeitáveis, nos deve procurar a pedra que existe era. É um participante que ignora o
quais às vezes aparece escrito que os para que ele, e só ele, a transforme que é omitido e que se identifica com
seus portadores pertecem à classe no seu pão. Este é o dia. Um grande o narrador preferido. Perdeu capaci-
dos empresários ditos de sucesso. dia, sem dúvida. Mas como poderia dade de distanciamento porque per-
Porém, há mesmo um porém. Os não o ser se é o dia de S. José Operá- deu meios de construir um mundo
pobres coitados ainda não sabem da rio? interior. O "Bigger Brother" passou por
desgraça a que se condenaram com aqui.
tais práticas infelizes. Avisá-los disso Contra o Bigger Brother
é muito mais urgente do que apenas A decadência do sistema educativo, e
útil. E é mais no seu próprio interesse In: Euronotícias, 22 de Junho de 2001 dos meios de comunicação clássicos,
do que no daqueles que são suas Mendo Castro Henriques o abandono da leitura, da crítica e
vítimas, pois aqui os algozes é que conclusão próprias, criaram um novo
são os últimos dos condenados. E, já Eu gostava que as pessoas fossem tipo de espectador. A televisão de
agora, um pedido mais para quem os como eu, no que aos "reality shows" massas processa a informação e ofe-
puder alertar: que o aviso também diz respeito. Não vi e não gosto, e rece conclusões. As séries e shows
advirta da sua aplicação a todos os não tenho curiosidade mesmo que passam, ao mesmo tempo, para o
trabalhadores e não só aos portugue- tivesse tempo. património cultural e para o incons-
ses que laboram em Portugal. Porque E contudo, estou para aqui a falar ciente colectivo.
vale tanto para nós como para os deles porque me dói o facto de que É errado afirmar-se que é o publico
imigrantes, legais ou clandestinos, por detrás dos "Big Brothers" existem que faz proliferar os "reality shows".
cabo-verdianos ou ucranianos. Se os "Bigger Brothers" dos nossos siste- Os inquéritos mostram preferências
calhar não o sabem, mas nem estes mas educativos e culturais, cada vez por programas de conteúdo familiar,
têm menos direitos nem aqueles seus mais estupidificantes no que não romântico e comédia. A proliferação
empregadores gozam de menos deve- ensinam e cada vez mais estéreis é obra dos infobarões que repetem,
res. porque não ensinam a amar nem para proletários televisuais, os câno-
pessoas nem coisas. nes principais da cultura ligeira post-
V. O dia de hoje só poderia ser um Como numa campanha militar, a moderna.
dia revolucionário se todos os homens bateria dos "reality shows" abriu fogo
avaliassem o verdadeiro valor do sobre as casas de quem abre a televi- Em primeiro lugar, imediatismo.
trabalho. Que deve ser em regra são. Apresentam-se como jogos mas "Carpe Diem" pode soar diferente no
superior por aquilo que se dá do que escondem um sistema sádico e doen- Ponto Euxino, de Ovídio, ou na Rebo-
por aquilo que se recebe. Por isso, é tio que é a dos cânones dominantes leira. Mas acreditar que deve viver-se
profundamente lamentável que mui- da cultura ligeira. aqui e agora, negando as consequên-
tos não queiram trabalhar mas apenas O fenómeno começou na década de cias dos actos presentes e que a fun-
ter um emprego. Ou que deixem de 80 nos EUA com programas de mau ção da vida é obter prazer e evitar a
trabalhar assim que consideram que gosto que excitavam a morbidez do dor, tanto caracteriza os êxitos de
podem sobreviver sem o fazer. Direi público ávido de perversões. Margarida Rebelo Pinto, como alguns
mesmo que é quase tão lamentável Com o tempo proliferaram como ídolos literários de Eduardo Prado
como impedir alguém de trabalhar. fungos. Aumentaram as situações Coelho, como a conduta aparente de
Uns e outros parece ignorarem que a macabras de crueldade, indecência e Martas e Marcos.
natureza do tabalho não é a de meio "realismo". Como ratos de laborató-
de subsistência mas a de modo de rio, homens e mulheres submetem-se Segundo aspecto: ambiguidade. As
vivência. Dito por outras palavras: o a provas cretinas, cumprem directri- regras do jogo dizem que todos têm
trabalho não é um mero fim para zes dos sádicos controladores profis- que proteger e servir o grupo, para
sobreviver mas um real princípio para sionais, agradam a milhões de espec- obter simpatia e votos. Mas ao mesmo
viver. tadores, e recebem alguns dinheiros tempo trata-se de eliminar os compa-
do bolo da publicidade que move a nheiros. As produções sabem explorar

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O JORNAL DAS BOAS NOTÍCIAS 1 de Setembro de 2009
esta cultura dos Sérgios que sofrem O lugar do Meu Deus crentes, o mundo está à conta dos
por romper a unidade. Afinal, tam- homens por determinação de Deus. A
In: Público, Segunda-feira, 22 de Outubro de 2001
bém o Bigger Brother diz que o ético chamada autonomia das realidades
MÁRIO PINTO
é o políticamente correcto, e a moral terrestres é uma ideia assente desde
"light" centra-se no culturalmente os princípios do cristianismo. Desde
permitido ou recusado, no que está 1 - No Público do dia 20, Helena os alvores das primeiras comunidades
"in" ou "out". A certa altura, esta Matos escreveu um artigo focando o cristãs, S. Paulo recomendava estri-
ambiguidade só pode produzir neuro- lugar de Deus e o lugar dos homens tamente aos seus discípulos para
se e esquizofrenia. numa civilização da concórdia univer- respeitarem a autoridade estabeleci-
sal. O artigo respira uma visão alter- da e pagarem honestamente os seus
Darwinismo social, o terceiro aspec- nativa entre Deus e os homens; entre impostos (Rm 13,1-7). A autoridade
to. No fim triunfa o mais forte, con- o lugar de Deus e o lugar dos homens. civil era logo então pensada como
tando como lícito tudo o que contri- Nele se nota que Deus tem um lugar, não tendo necessidade de ser cristã
bua para o êxito individual. Quem o lugar «da consciência e da fé» de ou religiosa. Os cristãos integravam-
cuida do seu interesse permite que o cada um dos crentes. Mas que «a vida se como cidadãos iguais aos outros na
grupo social funcione. É um endoutri- dos homens no mundo, essa, depende sociedade civil e política; respeita-
namento sobre a conduta a sustentar dos homens». E se conclui que «por vam essa sociedade e cooperavam
no mundo real, sem qualquer apelo a amor dos homens - e porque não de nela, pagando os seus impostos, que
normas que regulem a violência e Deus? - convém que jamais confun- são a base da organização social e
promovam o bem comum. damos uma coisa com a outra». política. Do Concílio Vaticano II, a
Constituição pastoral sobre a Igreja
Populismo violento. Os grupos segui- Li esta reflexão e estou de acordo no mundo contemporâneo diz (entre
dos pelas câmaras têm que realizar com a ideia da autonomia das reali- muitas outras afirmações que seriam
actos gratificantes, para si e para o dades terrenas. Contudo, debaixo úteis para aqui), que «aumenta cada
público que os observa. Para triunfar desta formulação a Autora parece dia mais no mundo inteiro o sentido
basta satisfazer os desejos que resul- defender uma convicção acerca do da autonomia e da responsabilidade,
tam da cumplicidade entre produto- lugar de Deus que não é a minha. O o qual é da máxima importância para
res, protagonistas e público. É uma Deus da minha fé está excluído da sua a maturidade espiritual e moral do
campanha eleitoral ? É publicitar um pressuposição. Vale então a pena que género humano» (GS 55).
produto? É vender uma imagem ? O eu exponha algumas reflexões, a este
"Bigger Brother" passou por aqui. propósito. Portanto, aceitando embora que
historicamente houve desvios e ins-
Enfim, sentimentalismo desenfreado. 2 - Helena Matos considera que, com trumentalizações, não há, para os
Sentir é mais importante que manter «colocar Deus no seu devido lugar», cristãos, nenhum lugar de Deus que
íntegros quem se é e o que se pensa. «um dos mais importantes exercícios retire à sociedade civil a sua autono-
Todos exageram sentimentos, porque da civilização ocidental», «foi resol- mia. É aliás sabido que Jesus Cristo
o sentimento é o passaporte para se vido por milhões de crentes, nomea- recusou sempre qualquer compromis-
integrar no grupo, ganhar reconheci- damente católicos que, independen- so com a política e a construção
mento social, ser aceite. Claro que temente da sua fé, determinaram humana da sociedade civil e política.
mais tarde ficarão tão adaptados ao colocar outros valores acima dos Este é um dos factos mais extraordi-
grupo que adoptam qualquer regra ditames das suas Igrejas». É nesta nários da vida de Jesus. Talvez tenha
por mais repulsiva que a considerem. base que a Autora explica como «os sido por isso que Judas o traíu.
É o efeito Margarida de Borba. cidadãos dessa mesma civilização
(ocidental), independentemente de Sendo assim, a tese da exclusão da fé
Mas os cânones da cultura ligeira não serem crentes ou não, devem muito de milhões de crentes, ou a da
são combatidos com tiradas morais da sua paz, da sua tolerância e da sua incompatibidade subordinada da
contra a arraia miúda de voyeuristas qualidade de vida precisamente ao doutrina de todas as igrejas, relati-
e exibicionistas que enchem os "Bares facto de agirem "como se o futuro do vamente à civilização ocidental, só
da TV. A crítica dos cretinos deve ter mundo dependesse apenas do homem poderia ser afirmada com a demons-
outro alvo. e do seu poder"». tração da contradição dos respectivos
"Acerca da Estupidez", de Robert conteúdos. O que não se pode dar
Musil e "Bouvard e Pécuchet", de Estas afirmações podem levar a pen- como provado.
Gustave Flaubert são dois deliciosos sar que só por fora e por cima das
livros que narram o que sucede quan- igrejas foi possível a modernidade. É 3- Gostaria ainda de esclarecer um
do os cretinos tomam conta do mun- uma ideia pós-modernista da moder- outro aspecto acerca do lugar de
do, em particular quando os pequeno- nidade: a de que as concepções subs- Deus, no cristianismo. É que o Deus
burgueses armados de informação tantivas da verdade e do bem (como dos cristãos está sem dúvida nas
julgam poder falar e decidir sobre os as das religiões) são todas exteriores consciências e na fé dos crentes. Mas,
destinos da humanidade. à polis e à civilização; e até lhes são para cada crente, o lugar de Deus é,
Lá mais para trás teríamos que referir prejudiciais. O que implicaria uma antes de mais, nas pessoas dos
o "Elogio da Loucura" de Erasmo, e contradição das igrejas, e também outros. O Evangelho não cessa de o
"Gargantua e Pantagruel", de Rabe- das cristãs, com o espaço público. dizer. Mateus relata o ensinamento
lais, para encontrar literatura que Ora isto, se fosse verdade, nenhum de Jesus, que disse: «portanto, se
sabe zurzir nas fuças dos idiotas à crente católico o poderia aceitar sem estiveres para fazer a tua oferta no
solta, até eles estrebucharem de vez. contradição pessoal insanável. Mas altar e te lembrares de que o teu
A função do crítico é identificar e não é. A verdade é que não existe irmão tem alguma coisa contra ti,
zurzir os "Bigger Brothers" que se essa contradição. deixa a tua oferta ali diante do altar
escondem nos bastidores com as e vai reconciliar-te primeiro com teu
propostas estúpidas e fracturantes do A autonomia das realidades temporais irmão» (Mt 5, 23-24). E S. Paulo cate-
nosso tempo. Exactamente como nos é um ponto da fé dos cristãos. Logo, quisou: «ninguém procure satisfazer
"Big Brother", só que traduzidas para não é contraditória com essa fé. Está os seus próprios interesses, mas os do
calão intelectual. escrito no Génesis que Deus disse ao próximo» (1Cor 10,24). Ao longo do
homem e à mulher (ao par): ide, sede Novo Testamento, Deus identifica-se
fecundos; transformai a terra e domi- sempre com o outro, sobretudo o
nai o mundo. Desde então, para os pequenino, como se vê na descrição

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dramática do juízo final no Evangelho mos num mundo egoísta e impiedoso, tes na criação de escolas, cozinhas
de Mateus (Mt 25, 31-46), em que mesquinho e calculista, onde nada se sociais, bibliotecas, centros de apoio
Cristo pronuncia estas palavras: «de dá sem receber algo em troca. No à infância, à terceira idade e à ocu-
cada vez que o fizestes a um desses entanto, nesta como em todas as pação de tempos livres, apoiou a
meus irmãos mais pequeninos, foi a épocas, existem muitos exemplos alfabetização, os refugiados, a agri-
mim que o fizestes». Eis portanto aí o grandiosos de benevolência generosa cultura e até a construção dos edifí-
lugar de Deus que é proposto como e altruísmo empenhado que nascem cios correspondentes, deu serviço em
decisivo para toda a vida do crente. de uma nobre atitude de vida. As hospitais, instituições de ensino, e
sociedades mecânicas e capitalistas, tantos outros. Com pouco mais de 15
Não conheço, nem concebo, melhor onde o poder de mercado domina, anos de existência, este grupo católi-
base para a paz, a tolerância e a são também aquelas que mais se têm co, ligado à Companhia de Jesus, é
qualidade de vida da civilização uni- destacado nestas acções voluntárias. simplesmente constituído por pessoas
versal. Devo portanto insistir: os Aliás, o progresso económico é mes- comuns, dispostas a dedicar pelo
católicos não precisam de colocar mo um dos principais factores decisi- menos dois anos da sua vida a ajudar
outros «valores acima dos ditames da vos na promoção dessa realidade. os mais necessitados. Estes voluntá-
sua Igreja» para contribuirem para Fazendo subir o nível de vida e, rios, normalmente jovens, interrom-
essa civilização; não precisam de sobretudo, criando tempo livre, ele pem as suas carreiras profissionais e
considerar que «a vida dos homens no permite às pessoas que se sentem deixam as suas famílias. Em troca
mundo, essa, depende dos homens», interpeladas pelo sofrimento alheio recebem uma experiência humana
mas que a sua fé é «outra questão». ou por causas sociais o acesso aos única que os marcará para sempre. E
Não é outra questão. O problema está meios para atender a essas necessi- esta é apenas uma entre múltiplas e
noutro lado. Lê-se na Constituição dades. Claro que sempre houve ajuda variadas ONGDs portuguesas, sendo
conciliar já citada, que afirma a desinteressada e gratuita, muitas Portugal um País onde, ainda assim,
autonomia das actividades temporais: vezes heróica e revolucionária. A este fenómeno está no seu início. Na
«no entanto, muitos dos nossos con- diferença agora está nas novas carac- Europa Ocidental e na América do
temporâneos parecem temer que a terísticas particulares, típicas do Norte são sobretudo os jovens e os
íntima ligação entre a actividade nosso tempo. Aquilo que as gerações idosos os grandes intervenientes nes-
humana e a religião constitua um antigas faziam muitas vezes de forma tas actividades. A razão principal está
obstáculo para a autonomia dos entusiasta mas improvisada é hoje ligada à sua maior disponibilidade,
homens, das sociedades ou das ciên- realizado de maneira orgânica, rigo- mas também ao grande proveito que
cias» (GS 36). rosa e planeada. Num tempo que se daí tiram. Para a juventude e a ter-
considera eficiente e produtivo, o ceira idade, o voluntariado é uma
Todos teremos presente o exemplo voluntariado representa a formaliza- forma excelente de se integrarem na
dos talibans. Mas esse, como os ção da beneficência e a sistematiza- sociedade que é, já e ainda, a sua.
demais exemplos históricos de desvios ção da caridade. Esses organismos são Abandonando o divertimento acéfalo
autoritários ou totalitaristas ligados a em geral instituições caracteristica- em que tantos os querem prender e
doutrinas religiosas (como até ao mente actuais, compartilhando da repudiando a crítica derrotista, fácil
cristianismo), não são nenhuma prova visão corrente do mundo e usando os e azeda aos males do mundo, mos-
de que os valores civilizacionais, métodos e técnicas contemporâneos. tram assim que são cidadãos de corpo
fraternais e universais estão por cima Nas sociedades ocidentais mais avan- inteiro, úteis e construtivos. A sua
das religiões e contra elas. Até por- çadas, o voluntariado é hoje já uma nobre atitude de vida dá um sinal de
que também há totalitarismos não acção vastíssima e diversificada, com esperança no concreto da resolução
ligados a religiões e anti-religiosos. forte impacte local e mundial. São de problemas. O voluntariado é a
Esses valores estão portanto apenas múltiplas as pessoas que se empe- manifestação em pleno de uma das
acima dos autoritarismos e dos totali- nham em instituições de natureza maiores verdades da humanidade: é
tarismos, tout court. Pessoalmente, muito diversificada. Alguns dedicam dando que se recebe. E o maior dom
quero valorizar essa afirmação subs- muito do seu tempo livre a activida- é um pedaço da própria vida.
tantiva de valores humanistas da des humanitárias, culturais e artísti-
civilização ocidental. Que as religiões cas. Apoiam museus, escolas, hospi- naohaalmocosgratis@vizzavi.pt
elevadas iluminam e fundamentam, tais, prisões, câmaras municipais,
mais e melhor do que qualquer outra ajudam pobres e doentes, drogados A Banalidade do Mal
fonte de pensamento ou convicção. ou abandonados, promovem a histó-
ria, a música ou o folclore, protegem In: Público, Terça-feira, 13 de Novembro de 2001

o ambiente e a qualidade de vida, JOSÉ VÍTOR MALHEIROS


O maior dom
incitam ao diálogo inter-racial e
In: Diário de Notícias, 20011112 intercomunitário. Outros, em geral Nunca um acidente de um enorme
João César das Neves ligados a "organizações não governa- avião de passageiros foi recebido com
mentais para o desenvolvimento" maior frieza que o do Airbus que
Tempo é dinheiro. E nos tempos que (ONGD), partem para regiões subde- ontem se esmagou no bairro de
correm, com a enorme ocupação senvolvidas entregando alguns anos Queens, em Nova Iorque, matando
geral, tempo é mesmo muito dinhei- da sua vida aos mais pobres. A inicia- todos os seus ocupantes.
ro. Por isso, dar tempo aos outros é tiva de dar a conhecer esta realidade
hoje uma das ofertas mais difíceis e é meritória porque de facto muito Depois de um primeiro momento de
valiosas que se podem fazer. Estamos deste trabalho, de grande valor, suspensão, em que se receou que
no Ano Internacional dos Voluntários, acaba por ficar ignorado. Em Portu- pudéssemos reviver os momentos do
iniciativa com que a ONU pretende gal, por exemplo, a pouco conhecida ataque às torres do World Trade Cen-
chamar a nossa atenção para a miría- Leigos para o Desenvolvimento é a ter, em que se imaginou um segundo
de de actividades desinteressadas em ONGD nacional com mais cooperantes aparelho espetando-se na parede
que, um pouco por todo o mundo, no terreno, envolvendo à volta de espelhada da sede das Nações Unidas,
muitas pessoas se entregam em soli- trinta pessoas por ano em projectos ou outro desastre encenado frente às
dariedade ao próximo. Dada a estru- directos nos países pobres. Em São câmaras que apontavam à distância
tura da vida moderna, estas iniciati- Tomé e Príncipe, Angola, Moçambi- para Queens, a adrenalina diminuiu
vas contam-se entre as dádivas mais que, Malawi, Timor e também aqui até a excitação se transformar numa
generosas da sociedade contemporâ- em Portugal, esta pequena organiza- quase indiferença, à medida que a
nea. A opinião corrente é que vive- ção já integrou dezenas de cooperan- tese do possível ataque terrorista não

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era confirmada pelos dados. do Ambiente solicitou à Igreja Católi- ouvir as lentas badaladas das campâ-
ca o cumprimento da lei do ruído. Ao nulas longínquas, é porque perdemos
Claro que a população das zonas que parece, há pessoas que não con- a capacidade de sentir esse espaço
limítrofes teve o seu momento de seguem dormir porque os sinos lhes interior do mundo a que os poetas
pânico (não é todos os dias que cai interrompem o sono. Sobretudo (e chamam "alma". E a alma não é mais
um avião na nossa rua), mas mesmo neste ponto não se pode deixar de do que isso: o lugar onde os sinos
os moradores de Queens que foram lhes dar razão) quando os sinos por tocam.
entrevistados pelas televisões mos- campânulas são substituídos por
travam um sangue-frio de cirurgiões mecânicos sistemas de amplificação Boas notícias
de Serviço de Urgência e faziam uma sonora.
descrição factual e detalhada, digna In: DN, 2001.01.01

do mais empedrenido dos pivôs tele- Propõe-se assim que, sobretudo entre João César das Neves

visivos. Reacções tanto mais sur- as 22 horas e as 7 horas da manhã, os


preendentes quanto o acidente teve sinos deixem de tocar - para que cada A primeira grande novidade do milé-
lugar em Nova Iorque e não num um possa ter o merecido repouso, nio foi o aparecimento do GoodNews.
canto perdido da Ásia, com o qual a obtido muitas vezes à custa de um O diário apresentou-se com o propósi-
empatia podia ser mais difícil, e para "stress" acumulado e do apoio de to de "dar apenas e sempre boas
mais num bairro residencial e não soporíferos. Parece que na lei do notícias", declarando olhar a actuali-
numa montanha inóspita, onde é ruído a Igreja é a principal prejudica- dade do ponto de vista positivo e
sempre mais fácil aceitar que as da: não apenas está em causa o toque construtivo, sublinhando o virtuoso, o
desgraças aconteçam. dos sinos, como as normas para a sua amável, o heróico, o bom. "No pano-
intensidade, que têm de ter em conta rama mediático actual", dizia o seu
A verdade é que o 11 de Setembro o que a legislação prescreve relati- primeiro editorial (publicado noutro
colocou o nosso limiar de tolerância vamente à proximidade de escolas, jornal, por tratar de más notícias),
do horror num patamar de um nível zonas habitacionais e espaços de "domina o chocante, o trágico, o
diferente daquele onde se encontrava recreio e lazer. E basta uma queixa dramático, o mau. Quando algo corre
antes. para que a Igreja seja multada. bem deixa, por isso mesmo, de ser
notícia. Só os desastres e guerras são
A encenação de mestre dos terroris- Acreditamos que as pessoas sofrem referidos. A bondade e a paz apenas
tas (Stockhausen teve o mau gosto de mesmo com estas formas de poluição aparecem quando falham. Todos os
lhe chamar "obra de arte") joga sonora que são os sinos. O que isso jornais, mesmo os mais clássicos, são
assim, de alguma forma estranha, significa é que algo na vida delas se dominados por esta visão perversa.
contra o terrorismo. Será cada vez empobreceu - e sobretudo que algo Em vez do provérbio no news is good
mais difícil aterrorizar, como é cada se perdeu na qualidade de vida de news (se não há notícias é boa notí-
vez mais difícil chocarmo-nos com a todos nós. Porque o toque dos sinos - cia), a prática passou a ser good news
violência do cinema, ou mesmo que deveria ser tão pouco incomoda- is no news."
impressionarmo-nos com a montra de tivo como para o antigo moleiro o
crueldades dos telejornais. ruído da roda do moinho, que apenas A nova linha editorial foi muito con-
o acordava quando deixava de rodar - testada pelos intelectuais como
Hannah Arendt falava da banalidade foi sempre um sinal de paz, de sere- "romântica, idealista, delicodoce".
do mal a propósito de Adolf Eich- nidade e de aceitação deslumbrada Mas o jornal recusava ficções ou dis-
mann, referindo-se à vulgaridade dos da evidência das coisas. torções imaginativas. Publicava a
carrascos nazis, ao hábito da cruelda- verdade e apenas a verdade. Só que a
de, à perda de sentido com que a Se os sinos nos incomodam, é porque publicava com atenção ao positivo e
rotina embebe a tortura. Mas há nós perdemos algo de fundamental: não ao negativo. O facto ficou prova-
também uma banalidade do mal do deixámos de ser capazes de ouvir o do quando se deu a derrocada do
ponto de vista de quem vê, não ape- silêncio. Porque o silêncio não é o arranha-céus na cidade. As agências,
nas de quem executa. O horrível não ouvir coisa nenhuma: é o senti- jornais e televisões enchiam-se com
acidente de ontem, com os 255 pas- mento dessa respiração nocturna sangue, lágrimas e acusações. O
sageiros e tripulantes que morreram donde os sons vêm e para onde os GoodNews referia o surpreendente
no choque e no incêndio, além dos sons regressam. E o que nós quere- número de sobreviventes num desas-
não se sabe quantos moradores, foi mos, no enredo neurótico das nossas tre daquela dimensão e louvava o
uma manifestação de mais algo que vidas, é esconder a cabeça debaixo trabalho dos bombeiros e hospitais da
se perdeu desde o 11 de Setembro. das almofadas e não ouvir absoluta- zona. Notava a sorte de o prédio ter
Antes só nos impressionávamos com o mente nada - em vez de sentirmos a caído a meio da manhã, quando esta-
sofrimento próximo, de agora em felicidade dos sons que atravessam a va bastante vazio, e para as traseiras
diante só nos vamos impressionar com noite: cães que ladram de casa em desertas, em vez de derrocar na ave-
exibições de sofrimento de massas e casa, sinos que tocam devagarinho nida, em hora de ponta. E relatava o
espectaculares ("artísticas"?). por dentro das pálpebras. feito de um rapazinho, que saltara do
segundo andar com a irmã bebé ao
As pessoas protegem-se dos sentimen- Como escreveu Joaquim Manuel colo, acto que ficara esquecido nos
tos que as perturbam. A fuga da dor Magalhães, nesse extraordinário livro outros jornais. A sua circulação
alheia é uma das consequências da que é "Alta Noite em Alta Fraga", aumentou em flecha.
banalidade do mal à nossa volta. Mas "ninguém acerta o relógio por um
se torna mais difícil o medo, torna sino". E Fernando Pessoa, ao explicar O sucesso fez crescer as críticas.
também mais longínqua a nossa que o sino da sua aldeia era o sino Alguns afirmaram que o GoodNews
humanidade. que tocava na sua igreja do centro de era uma nova versão dos tradicionais
Lisboa, mostrou como cada uma das "jornais da situação". De facto, o
suas badaladas soa, não na rua, não Governo louvou-o por "finalmente
no ar, nem sequer no céu, mas, sem- alguém dar atenção ao muito de bom
O Sino da Minha Aldeia que há no país", enquanto a oposição
pre repetida, sempre a primeira que
In: Público, Quarta-feira, 14 de Novembro de 2001 repete outra anterior que desde sem- o acusava de "simplismo, seguidismo
EDUARDO PRADO COELHO pre existiu, "dentro da minha alma". e ingenuidade". Mas a pouco e pouco
começou a notar-se que a actividade
Dizem os jornais que a Direcção-Geral Se hoje já não somos capazes de política estava quase ausente do

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periódico. Considerava a maior parte decidir o que dizer e como. directamente. A Igreja não pode
desse debate irrelevante e inconse- funcionar. Vai funcionar, porque não
quente, e muitas das alegadas "boas A nossa diferença não está aí. A estamos cá só nós. Ele também cá
notícias" do Governo mostravam-se comunicação social moderna acredi- está, como disse. Mas a Ele ninguém o
promessas irrealistas e desinteressan- ta, por vezes de forma inconsciente, vê. A não ser através de nós."
tes. As que chegavam a ser publica- que só consegue agradar e atrair a "Tens razão!", disse Madalena. "Só o
das, nunca o eram da forma que o atenção dos leitores de forma bom- Senhor se lembraria de fazer o seu
Executivo pretendia. O GoodNews bástica ou sedutora. Os instrumentos reino através de nós. Quantas pessoas
mostrava, pelo contrário, uma evi- que todos usam, dos jornais aos poli- andarão à procura de Deus e deseja-
dente preferência por relatar a vida ticos e anunciantes, é a adrenalina e rão vir até Ele, mas recusarão a Igre-
da sociedade, a forma humilde e a líbido. A sua atitude é encarar o ja, porque só nos vêem a nós. Nós
imaginativa como as pessoas vão público como um animal, que tem de não somos Deus. Haverá muitos que
resolvendo as suas dificuldades, ser agredido ou assustado, surpreen- acreditarão em Cristo, mas não acre-
mesmo as mais dramáticas. Em vez da dido ou acariciado. Nós tratamo-lo ditaram na sua Igreja, por ser feita de
busca desenfreada dos "podres" e do como uma pessoa civilizada, que olha homens. E não perceberão que nós
culto do "anti-herói", descreviam-se o mundo de forma serena, positiva e nunca quereríamos que as coisas
serenamente os bons exemplos. Recu- inteligente, que luta com coragem e fossem assim. Foi Ele que quis. Tenho
sava a pose pomposa de justiceiro esperança contra aquilo que pode tanta pena deles, porque os com-
mediático em busca de escândalos, mudar e se conforma sabiamente com preendo bem. Percebo que não gos-
que só aumenta a injustiça. Preferia o que tem de suportar. E tenta sem- tem de mim ou de ti. Mas eles esque-
relatar a conduta virtuosa perante os pre adaptar-se, fazendo o melhor cem que, na Igreja, não sou eu ou tu
obstáculos. Na economia, acompa- possível. Estamos conscientes dos que contamos, mas o Senhor. Só
nhava o desenvolvimento estrutural e erros e dos problemas, mas, em vez quem ama muito o Senhor pode com-
iniciativas de mérito, desprezando o de resmungarmos e de os denunciar- preender a Igreja, porque a Igreja é
saltitar financeiro e o apelo perma- mos, apresentamos bons exemplos de Ele."
nente à crise. solução. Não nos indignamos hipocri- Tomé continuou: "Por isso nos hão-de
tamente, mas procuramos compreen- desprezar e perseguir. Haverá os que
De repente, o país tomou consciência der e ajudar. nos desprezarão por sermos poéticos
da enorme quantidade de iniciativas e idealistas, como João, e os que nos
e instituições de solidariedade e dos O mundo é um sítio extraordinário; e atacarão por sermos pragmáticos e
seus grandes benefícios. Tornaram-se o mais extraordinário é o ser humano. eficientes, como Mateus. Hão-de
famosos nomes e caras de muitos E o mais extraordinário no ser huma- criticar-nos por sermos expansivos
"heróis do quotidiano", que insistiam no é a capacidade de virar o mundo como Filipe, ou sérios como Bartolo-
em fazer o bem em condições difí- para o bem. Vivemos tão pouco tem- meu, por sermos rígidos como Tiago
ceis. Como se dizia num dos artigos, po aqui. Porque não passá-lo a ver e a ou tolerantes como Pedro, envolvidos
"é impressionante quanto bem existe fazer o bem ? Por todo o lado há na política, como Simão, ou desinte-
entre nós, e como resiste ao mal, pessoas a trabalhar para aumentar a ressados do mundo, como André.
mesmo quando o mal é tão forte". felicidade. Nós, com humildade, Alguns perseguirão a Igreja por ser
queremos relatar isso. Só o bem exis- pobre e viver com os pobres, outros
Na classe dos profissionais da infor- te. O mal é ausência. O bem é verda- acusar-nos-ão por alguns de nós ser-
mação, o GoodNews acendeu uma de. O mal é mentira." mos ricos, como José de Arimateia,
longa e acesa polémica. Alguns jorna- ou poderosos, como Nicodemos. Hão-
listas influentes declararam-se a de censurar-nos por não sabermos
favor do periódico, mas a maioria foi Só nos vêem a nós usar bem o dinheiro para ajudar os
muito crítica. "Trata-se de uma publi- pobres e, pelo contrário, hão-de
cação ideológica, que pretende incul- In: DN, 5 de Abril de 1999 censurar-nos por o administrarmos
car uma visão doutrinal aos seus lei- João César das Neves com excessivo cuidado. E em tantas
tores", diziam muitos. Mas que visão dessas críticas haverá verdade, por-
era essa, não era consensual. Apeli- No dia seguinte a Cristo ter subido ao que o que se vê da Igreja somos só
dado por muitos como "conservador", Céu, estavam alguns reunidos numa nós. Alguns até nos perseguirão em
o GoodNews era atacado pelas forças casa. Tomé, rindo baixinho, afirmou: nome do Altíssimo. Lembra-te do que
conservadoras por não denunciar o "Isto da Igreja, que o Senhor disse o Senhor disse: "Virá a hora em que
mal deste mundo progressista. Uns para construirmos, não pode funcio- qualquer um que vos tirar a vida
chamavam-lhe "epicurista" e outros nar!" julgará estar a prestar um serviço a
"cristão". Não faltavam, até, os que o Madalena, que estava perto, pergun- Deus" (Jo 16,2)." "E não te esqueças
apelidavam de "tentativa maçónica tou-lhe surpreendida: "Porque dizes daqueles que, justamente, nos vão
de restaurar o comunismo" ou de isso?" Ele respondeu: "Então não vês? condenar pelas lutas e injustiças
"neonazismo encapotado e populista". Ele foi-se e nós ficámos. As pessoas entre nós", disse Madalena. "Se tive-
vêm ter connosco à procura de Deus, mos discórdias enquanto o Senhor cá
O director do jornal, entrevistado na mas só nos vêem a nós. Ele podia ter estava, como daquela vez em que
televisão, respondeu a estas críticas ficado cá ou ter deixado, ao menos, queriam saber quem era o maior,
de forma bonacheirona. "É evidente alguns anjos. Em vez disso, deixou- haverá certamente muitas discussões
que temos uma visão ideológica do nos só a nós. Isto não pode mesmo e lutas no futuro. Somos humanos,
mundo. Tão parcial como a de todos. funcionar." E Tomé deu outra garga- iguais aos outros. A única diferença é
Perante um facto, um acontecimen- lhada. que trazemos nas nossas mãos indig-
to, uma realidade, o ser humano Madalena perguntou-lhe: "Se achas nas um tesouro inimaginável. Ele
observa-o selectivamente, raciocina mesmo que não vai funcionar, porque deixou-nos o tesouro, mas não nos
criteriosamente e decide o que pen- estás tão satisfeito?" Tomé riu de deixou nem guardas nem o cofre.
sar sobre ele. Tudo isto é feito a novo e respondeu: "Eu não disse que Além do tesouro, só cá estamos nós."
partir dos princípios de análise, dos não vai funcionar. Disse que não pode João, que tinha seguido a conversa
preconceitos de avaliação que cada funcionar. Não vês que esta ideia de calado, interveio para dizer: "Estamos
um de nós tem. A única publicação nos deixar sozinhos é mesmo a prova como a Mãe do Senhor, Maria, grávida
realmente neutra que conheço é a de que a Igreja só pode ser uma ideia naquela pequena casa perdida da
lista telefónica. Só aí não existe uma d'Ele?! É tão típico do Senhor querer Galileia."
opinião para observar o mundo e mostrar-se através de nós, e não Fez-se um silêncio.

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Foi João quem voltou a falar: "Os que nossa total incapacidade de O com- inteligência é feita da estupidez dos
mais lamento são os muitos que irão preender e de O seguir." outros. Esta é a forma de inteligência
pensar que a Igreja é apenas uma que garante o domínio. Por isso o
atitude e regras de moral, de amor ao O retrato de Mónica reino de Mónica é sólido e grande.
próximo e ajuda aos pobres. Muitos Ela é íntima de mandarins e de ban-
dos que se irão juntar a nós, alguns In: Contos Exemplares queiros e é também íntima de mani-
muito bem-intencionados, serão des- Sophia de Mello Breyner Andresen curas, caixeiros e cabeleireiros.
ses." Quando ela chega a um cabeleireiro
Bartolomeu deu um salto e pergun- Mónica é uma pessoa tão extraordiná- ou a uma loja, fala sempre com a voz
tou: ria que consegue simultaneamente: num tom mais elevado para que todos
"Achas mesmo possível isso? Mas o ser boa mãe de família, ser chiquís- compreendam que ela chegou. E
Senhor foi tão claro quando disse que sima, ser dirigente da "Liga Interna- precipitam-se manicuras e caixeiros.
teríamos de "nascer de novo" e ter cional das Mulheres Inúteis", ajudar o A chegada de Mónica é, em toda a
uma "vida nova". Achas mesmo possí- marido nos negócios, fazer ginástica parte, sempre um sucesso. Quando
vel que alguém pertença à Igreja todas as manhãs, ser pontual, ter ela está na praia, o próprio Sol se
apenas para viver melhor a vida anti- imensos amigos, dar muitos jantares, enerva.
ga?! Como poderão eles entender ir a muitos jantares, não fumar, não O marido de Mónica é um pobre diabo
estas palavras do Senhor?" envelhecer, gostar de toda a gente, que Mónica transformou num homem
João sorriu tristemente e respondeu: gostar dela, dizer bem de toda a importantíssimo. Deste marido maça-
"Muitos dirão que a "vida nova" é uma gente, toda a gente dizer bem dela, dor Mónica tem tirado o máximo
metáfora do Senhor para significar coleccionar colheres do séc. XVII, rendimento. Ela ajuda-o, aconselha-
apenas a bondade, a ajuda aos pobres jogar golfe, deitar-se tarde, levantar- o, governa-o. Quando ele é nomeado
e a mudança social. Pensarão que se cedo, comer iogurte, fazer ioga, administrador de mais alguma coisa,
viver com Cristo é só para depois de gostar de pintura abstracta, ser sócia é Mónica que é nomeada. Eles não
morto e dedicar-se-ão a tratar bem de todas as sociedades musicais, são o homem e a mulher. Não são o
das coisas daqui. Não percebem que estar sempre divertida, ser um belo casamento. São, antes, dois sócios
isso é, não a vida nova, mas um dos exemplo de virtudes, ter muito suces- trabalhando para o triunfo da mesma
sinais da vida nova que temos no so e ser muito séria. firma. O contrato que os une é indis-
Senhor. É o sinal mais visível e impor- Tenho conhecido na vida muitas pes- solúvel, pois o divórcio arruína as
tante, mas que nada significa se não soas parecidas com a Mónica. Mas são situações mundanas. O mundo dos
nascermos de novo, todos os dias, em só a sua caricatura. Esquecem--se negócios é bem-pensante.
Cristo. Muitas das lutas de que Maria sempre ou do ioga ou da pintura abs- É por isso que Mónica, tendo renun-
Madalena falou virão disto. Este foi o tracta. ciado à santidade, se dedica com
pecado que O matou." "Tens razão", Por trás de tudo isto há um trabalho grande dinamismo a obras de carida-
respondeu Bartolomeu. "Esse foi o severo e sem tréguas e uma disciplina de. Ela faz casacos de tricot para as
pior pecado de Judas Iscariotes: pen- rigorosa e constante. Pode-se dizer crianças que os seus amigos conde-
sar que o Senhor vinha só implantar a que Mónica trabalha de sol a sol. nam à fome. Às vezes, quando os
justiça no mundo, melhorar a socie- De facto, para conquistar todo o casacos estão prontos, as crianças já
dade e ajudar os pobres. E se Judas, sucesso e todos os gloriosos bens que morreram de fome. Mas a vida conti-
que falou tantas vezes com o Senhor possui, Mónica teve que renunciar a nua. E o sucesso de Mónica também.
e viveu tanto tempo connosco, come- três coisas: à poesia, ao amor e à Ela todos os anos parece mais nova. A
teu esse pecado, muitos outros hão- santidade. miséria, a humilhação, a ruína não
de fazê-lo também." Bartolomeu A poesia é oferecida a cada pessoa só roçam sequer a fímbria dos seus ves-
baixou a cabeça e ficou silencioso. uma vez e o efeito da negação é tidos. Entre ela e os humilhados e
Madalena disse: "Haverá os que medi- irreversível. O amor é oferecido ofendidos não há nada de comum.
rão o sucesso da Igreja em números, raramente e aquele que o nega algu- E por isso Mónica está nas melhores
porque ela também terá desse suces- mas vezes depois não o encontra relações com o Príncipe deste Mundo.
so. Mas esse não interessa. Como não mais. Mas a santidade é oferecida a Ela é sua partidária fiel, cantora das
se mede a luz pelo número de lâmpa- cada pessoa de novo cada dia, e por suas virtudes, admiradora de seus
das, porque o que conta é o Sol." isso aqueles que renunciam à santi- silêncios e de seus discursos. Admira-
Nesse momento entrou Pedro. Trazia dade são obrigados a repetir a nega- dora da sua obra, que está ao serviço
um saco com algum peixe, pão e ção todos os dias. dela, admiradora do seu espírito, que
vinho para a refeição. Madalena e Isto obriga Mónica a observar uma ela serve.
Tomé levantaram-se para o ajudar e disciplina severa. Como se diz no Pode-se dizer que em cada edifício
ela explicou-lhe do que falavam. circo, "qualquer distracção pode construído neste tempo houve sempre
Pedro, rindo, perguntou se isso não causar a morte do artista". Mónica uma pedra trazida por Mónica.
era mais uma das subtilezas de Tomé, nunca tem uma distracção. Todos os Há vários meses que não vejo Mónica.
que ele nunca percebia. seus vestidos são bem escolhidos e Ultimamente contaram-me que em
Tomé respondeu: "Eu tenho uma todos os seus amigos são úteis. Como certa festa ela estivera muito tempo
confiança ilimitada no Senhor. As um instrumento de precisão, ela conversando com o Príncipe deste
minhas dúvidas vêm só da minha falta mede o grau de utilidade de todas as Mundo. Falavam os dois com grande
de confiança nas nossas forças e na situações e de todas as pessoas. E intimidade. Nisto não há evidente-
nossa capacidade de o seguir." como um cavalo bem ensinado, ela mente nenhum mal. Toda a gente
Madalena perguntou a Pedro: "Mas tu salta sem tocar os obstáculos e limpa sabe que Mónica é seriíssima e toda a
tens confiança nas nossas capacida- todos os percursos. Por isso tudo lhe gente sabe que o Príncipe deste Mun-
des, não tens Pedro?" Nesse momento corre bem, até os desgostos. do é um homem austero e casto.
ouviu-se um galo. Os jantares de Mónica também cor- Não é o desejo do amor que os une. O
Pedro sorriu, sentou-se à mesa e rem sempre muito bem. Cada lugar é que os une é justamente uma vontade
disse, calmamente: um emprego de capital. A comida é sem amor.
Não tenho nem um bocadinho de óptima e na conversa toda a gente E é natural que ele mostre publica-
confiança nas nossas forças. Nisso, está sempre de acordo, porque Móni- mente a sua gratidão por Mónica.
tenho ainda mais dúvidas que Tomé. ca nunca convida pessoas que possam Todos sabemos que ela é o seu maior
O que eu tenho é tanta confiança no ter opiniões inoportunas. Ela põe a apoio, o mais firme fundamento do
Senhor que acho que ele consegue sua inteligência ao serviço da estupi- seu poder.
fazer a sua Igreja mesmo que com a dez. Ou, mais exactamente: a sua

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