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TRAJETÓRIA DO COMÉRCIO

AMBULANTE EM SÃO PAULO

(*) Hamilton D’Angelo

ABSTRACT-

The aim of this article is to rescue a little of the hystorical culture of


the ville and city of São Paulo.
It brings to discussion important characteristics, so far concerned, of
the street commerce, its impact and divergencies with the city public policies.
Key-words: street peddle (street vendor) – parachutist – informal
comerce.

(*) Doutor em Ciências Sociais;


Mestre em Administração
Professor de Graduação PUC-SP.

Para melhor entendimento deste artigo torna-se necessário


esclarecer e definir alguns termos que serão utilizados.
Ambulante é aquele que obtém licença, pagando taxas na Prefeitura,
ficando autorizado a comercializar produtos nas vias e logradouros públicos.
O decreto 27.660 de 23 de fevereiro de 1989 e, posteriormente, a
Lei 11.039 de 24 de agosto de 1991 que disciplinam o exercício do comércio ou
prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos do Município
de São Paulo, no artigo 3º conceitua “o vendedor ou prestador de serviço nas
vias e logradouros públicos reconhecendo como ambulante, a pessoa física,
civilmente capaz, que exerça atividade lícita por conta própria ou mediante
relação de emprego, desde que devidamente autorizado pelo Poder Público
competente”, no caso, o Municipal.
Os ambulantes, do ponto de vista da maneira com que a atividade é
exercida, são classificados como: a) efetivos; b) de ponto móvel; e c) de ponto
fixo.
Os efetivos são ambulantes que se locomovem, de um lugar para
outro, carregando junto ao corpo a sua mercadoria ou equipamento; b) de ponto
móvel são ambulantes que exercem suas atividades com auxílio de veículos
automotivos ou não, ou equipamentos desmontáveis e removíveis, e c) os
ambulantes de ponto fixo trabalham com barracas não removíveis, em locais
previamente designados, em vias e logradouros públicos.
São entendidas como área de atuação: os bairros, as praças, as ruas
regulamentadas, bem como os Bolsões de Comércio implantados pela Prefeitura
do Município de São Paulo.
Todos esses ambulantes estão vinculados ou ao SINPESP - Sindicato
de Permissionários de Ponto Fixo nas Vias e Logradouros Públicos do Município
de São Paulo, ou ao Sindicato dos Trabalhadores na Economia Informal de São
Paulo.
No transcorrer deste artigo serão adotadas como denominações
semelhantes as palavras ambulante, camelô, comerciante informal e
comerciante de rua.
Os vendedores ambulantes que vendem mercadoria de porta em
porta estão vinculados ou associados ao Sindicato do Comércio de Vendedores
Ambulantes. Este é filiado à Federação do Comércio do Estado de São Paulo
que congrega empresários do comércio, formalmente estabelecidos, e não têm
relação com os que exercem atividades em vias e logradouros públicos, não
sendo objeto de análise no presente trabalho.
Camelô é o negociante que vende nas ruas, em geral nas calçadas,
bugigangas ou outros artigos, negociando-os de modo típico. O termo camelô,
começa a ser empregado com maior freqüência a partir dos anos trinta.
Conforme declarações, esses negociantes não aprovam essa
expressão, pois consideram o termo camelô como sendo pejorativo às
atividades exercidas nas vias e logradouros públicos, apesar dos camelôs serem
muitas vezes confundidos com marreteiros, o que na realidade é bem
diferente.
Marreteiro é a menção que se faz aos leiloeiros da alfândega, ao
comandar os leilões de mercadorias de péssima qualidade ou estragadas, ao
ouvirem o primeiro lance, instantaneamente batem o martelo para fechar a
venda, impedindo que o comprador desista do oferecido. Significa também
malandro, trapaceiro e vigarista. O marreteiro é o ambulante quando se associa
à atuação do vendedor às trocas e práticas ilegais. Pode ser também aquele que
estende pedaços de plástico ou de tecido no chão das ruas sobre os quais
coloca suas mercadorias à venda. Estes são os “pára-quedistas” no linguajar
comum.
Os marreteiros são também os distribuidores de produtos dos
comerciantes atacadistas que não pagam impostos nem encargos sociais. São
igualmente qualificados de pragas e ervas daninhas pela imprensa e autoridades
municipais, nos anos sessenta, quando usam argumentos para atacar e condenar
a ação indisciplina dos ambulantes em São Paulo (Bertolli, 1989, p-34).

2.1 – Percurso Histórico dos Ambulantes

Os aspectos históricos mostram que o comércio ambulante pode ser


considerado como uma atividade tão antiga quanto a fundação de São Paulo, que
até o século XVIII, a então Vila de São Paulo, muito parecia com as aldeias
européias.
Conforme Bertolli (1989, p. 4 e seg.), a maior parcela da população,
na época da descoberta, vive dispersa na zona rural, amanhando produtos
agrícolas para subsistência e o restante para ser negociado com as tropas reais
que se dirigem para o sul da colônia. O núcleo urbano possui vida quando se
realizavam eventos especiais como festas religiosas, atos administrativos e
organizações de expedições para os sertões, não justificando a existência do
comércio varejista com pontos fixos.
Ocorria, com maior freqüência que um ou outro marinheiro, tentando
aumentar seus ganhos, transportava, de Santos para a Vila São Paulo, peças de
tecidos, armas, ferramentas e outras quinquilharias para serem negociadas.
Esse forasteiro ou mascate era bem quisto pelos colonos, porém devido a
pobreza dos habitantes paulistanos era obrigado a diminuir os preços das
mercadorias que transportava. A escassez de moeda tornava o escambo uma
prática de troca de produtos agrícolas pelas mercadorias oferecidas pelo
marinheiro. Este, ao retornar à marinha, em Santos, negociava os produtos
obtidos, naquela troca, conseguindo dinheiro, não superior ao seu gasto na
compra de mercadorias que transportava serra acima.
A pobreza paulistana se acentua com a descoberta do ouro nas Minas
Gerais quando grande parte da população masculina dirige-se para aquela
região, tentando enriquecer, abandonando suas mulheres que continuam
trabalhando no cultivo de víveres de subsistência. Essas mulheres, desde o
início do século XVIII, adquirem, a baixo custo, escravas negras com o
objetivo de explorá-las. A não existência de feiras e do comércio estabelecido
no território português propicia, nesse século, o surgimento de um ativo, porém
pequeno comércio ambulante. A atividade sendo praticada por escravos, origina
a falta de confiança, quer quanto aos vendedores, quer quanto aos produtos
postos à venda.
As empobrecidas mulheres brancas, com a falta dos maridos, se
ocupam com atividades de baixo rendimento econômico, auxiliadas pelas
escravas, no preparo de comidas e petiscos para venderem. Às escravas eram
imputadas as atribuições de andar a pé pela vila e ficar nas poucas ruas
existentes no centro urbano, vendendo, nos tabuleiros, vários tipos de
alimentos, originando daí o nome quitandeiras. Com o passar do tempo, a vila, já
com o número de habitantes ampliado, avança na realização de seus negócios
repercutindo no aumento de ambulantes negros, como também aparecem os
pequenos comércios de caipiras, ofertando outros produtos aos clientes. No
início do século XVIII, as quitandeiras já instaladas, com seus tabuleiros, nas
principais vias da antiga paulicéia entoam cantigas africanas mescladas de
versos religiosos, rimas caipiras, acompanhadas de danças típicas para a
atração de fregueses. Os locais preferidos para a concentração das
quitandeiras eram o Pátio do Colégio compreendendo a Rua Álvares Penteado, o
Largo da Misericórdia e a rua, hoje conhecida como rua da Quitanda. Na época,
as quitandeiras eram denunciadas, pela elite abastada, de provocar a sujeira
nas ruas e pelas doenças da cidade, obrigando a Câmara Municipal disciplinar
essa atividade e o abastecimento da população colonial. Não faltaram também,
disposições legais em defesa do comércio estabelecido que se desenvolvia e
restrições quanto ao horário de funcionamento e venda de mercadorias pelos
ambulantes. Assim como não deixava de ocorrer a resistência dos ambulantes
contra as normas estabelecidas.
Os traçados históricos, mostram que apesar das limitações impostas
pela municipalidade, os ambulantes sobreviviam e se multiplicavam, porém
sempre realizando uma das atividades mais desprestigiadas pela sociedade à
margem da lei.
A independência do Brasil traz o desenvolvimento, aumento do
número de habitantes para São Paulo e junto a ampliação do comércio
ambulante. O ciclo cafeeiro atrai para a cidade pessoas de várias origens, não
somente os portugueses e mulatos, mas também os judeus que transitavam nas
ruas e sítios paulistanos antes de irem para as fazendas que exploravam a
cultura do café. O desenvolvimento faz aparecer o mascate urbano que
freqüentava as casas e sítios, carregando nas costas, vistoso baú, contendo
vários produtos como pó-de-arroz, pentes, espelhos, roupas, imitações de jóias
e outras quinquilharias para vender.
O mascate, devido sua imagem aproximar-se à figura do cigano, bem
como a procedência e qualidade duvidosa de suas mercadorias reforça a
desconfiança nesse tipo de atividade. Isso provoca a Câmara Municipal, em
1852, baixar um ato para que essas pessoas fossem detidas e levadas aos
Procuradores da cidade para conferirem suas identidades.
Contudo, o que mais chama a atenção do poder público era a
quantidade de ambulantes que estavam nas principais ruas da cidade de São
Paulo, oferecendo de tudo às pessoas que lá transitavam. Isto obriga a Câmara
Municipal, em 1857, a exigir que os ambulantes permanecessem em locais e
horários estabelecidos como o Largo do Carmo, Misericórdia, São Bento, São
Francisco e São Gonçalo, além da utilização de barracas que facilitassem o
abrigo de mercadorias e dos vendedores. Esse ato do poder público não deixou
de causar a revolta das quitandeiras pela dificuldade que tinham na montagem
e desmontagem desse equipamento.
A chegada de imigrantes, no final do século XIX e início deste,
sobretudo de italianos, muito além do necessário para a cultura cafeeira, faz
estes fixarem residência na cidade de São Paulo. Este fator, entre outros, faz
aumentar a população da cidade, gerando problemas para a sociedade como um
todo.
A carência de empregos, aliada à pobreza urbana leva, em pouco
tempo, o comércio ambulante a adquirir nova dimensão e os ambulantes
imigrantes a exceder o número de brancos pobres, os caipiras e negros.
Todavia, os imigrantes italianos, foram os que mais se aproveitaram do precário
abastecimento de gêneros alimentícios e da carestia para estender o comércio
ambulante em São Paulo. No final do século XIX, os ambulantes italianos
substituíram as antigas cantigas africanas por pregões na linguagem ítalo-
portuguesa, para exercerem atração sobre os clientes.
A dinâmica da cidade se transformara e os novos ambulantes faziam
parte do cenário e do potencial econômico reproduzido pelo comércio de rua.
Por esse motivo, é organizada, em 1891, uma sociedade liderada pelo Barão de
Ibirocaí para explorar quiosques, servindo de justificativa para acabar com a
desorganização das barracas e estorvos provocados pelos ambulantes na
cidade de São Paulo.
Em pouco tempo, centenas de quiosques, da Companhia Industrial de
Quiosques, foram instalados nas ruas, praças do centro da cidade e nas
proximidades das estações ferroviárias. Porém, aos poucos, os quiosques se
transformam em dormitórios, e o seu estado precário de conservação
deterioram esses equipamentos. A qualidade dos alimentos e dos serviços, com
o passar do tempo, também se danificam, impedindo a proliferação dos
quiosques, transformando esses equipamentos numa concentração de insetos.
Assim, esses quiosques exalando fortes cheiros e seus detritos jogados nas
ruas, perturbavam os transeuntes e as residências próximas, além de
atrapalharem o trânsito de veículos. Em 1906 a São Paulo Industrial perde a
concessão de utilização de quiosques pela cidade. O comércio ambulante,
mesmo no auge dos quiosques, não encolheu, pelo contrário continuou a se
desenvolver de modo vigoroso.
O provável primeiro regulamento dos ambulantes, em 1898, proibia
as atividades na área central e proximidades das estações ferroviárias, além
de determinar o tamanho dos equipamentos com o objetivo de não atrapalhar o
trânsito de pessoas e de veículos e traçar normas básicas de higiene. A licença
dos ambulantes era renovada anualmente. Isso acabava proporcionando um
número elevado de ambulantes clandestinos.
Com o passar do tempo as acusações que os ambulantes concorriam
com os comerciantes estabelecidos se acirraram. Isto fazia aumentar os
impostos e as medidas que reprimiam as atividades dos ambulantes com o
confisco de mercadorias pela polícia e pela fiscalização da Diretoria da Polícia
Administrativa e Higiene de São Paulo. Naquela época as mercadorias
apreendidas eram leiloadas em praça pública.
Dando-se um salto para a década de 20, deste século, os registros
históricos mostram que a fiscalização torna-se mais freqüente, apreendendo, a
cada ano, maiores lotes de mercadorias, além do controle mais rígido nas
atividades dos ambulantes. O centro da cidade, já nessa época, concentrava o
maior número de ambulantes clandestinos que se confrontavam com fiscais,
além de atravancar o trânsito dos veículos e de pedestres.
Na década de 30, com a expansão da cidade de São Paulo é possível
observar nova configuração na composição do segmento dos ambulantes, com a
presença de imigrantes dos Estados do Norte, Nordeste e Minas Gerais. Este
segmento, agora com sotaque brasileiro, era identificado com a figura do
malandro, tendo como clientes as pessoas ingênuas e imprudentes. Foi nessa
década que o prefeito assina atos imprimindo maior rigor à prática do comércio
ambulante, em que exigia, para a licença, atestado de saúde, além de outros
documentos. Já nesta década os ambulantes, de modo especial os não-
licenciados, tornavam-se alvo preferido da polícia do Estado Novo. Os camelôs
eram detidos com freqüência, servindo como justificativa a vadiagem, porém
quando em liberdade, retornavam para as ruas. Ocorre, nessa época, devido a
repressão no centro da cidade, o aumento do número de praticantes do
comércio ambulante nos bairros operários e próximo às estações ferroviárias.
Sucede também, o maior aparecimento de mercadorias de procedência
estrangeira. Além disso, a identificação dos camelôs com o marginal foi
mantida, o que explicita a existência de um decreto-lei, em 1946, exigindo,
além dos documentos solicitados, o acréscimo do atestado de antecedentes
criminais para a concessão da licença ao comércio ambulante.
Assim, esse percurso histórico demonstra a existência de uma
cultura, desde a época colonial, em que o ambulante constitui-se num estorvo
para a cidade; que concorre com os comerciantes estabelecidos; confundido às
vezes com o malandro, ou misturado a práticas ilegais e que ele, como agente
de um exercício comercial para efeito de sobrevivência, não participa dos
debates sobre suas atividades nem dos destinos da cidade que vive.

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