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A Construção Da Desordem Revisada 2
A Construção Da Desordem Revisada 2
INTRODUÇÃO:
Primeiramente, cabe registrar que o tema a ser desenvolvido nesta monografia surgiu a
partir da descoberta de um periódico que chamou a atenção pelo seu título: O Anarchista
fluminense. O que instiga à investigação é a data que ele foi produzido, o ano de 1835, que
nos remete a um tempo no qual ainda não se havia formulado o que hoje em dia conhecemos
como Anarquismo: Uma linha doutrinária que se tornou motivo de diversos ensaios
filosóficos, gerando adeptos.
Entre as temáticas a serem abordadas, o presente trabalho tem como tarefa, adentrar
nos meandros da política Fluminense durante o período Regencial, e investigar os atores
políticos e suas ações no cenário da Imprensa. Outra tarefa é a de: rastrear as representações
do Termo Anarquia e as práticas do Anarquismo, tanto no Brasil como em países europeus,
pois, os escritos dos intelectuais desses países inspiravam os intelectuais brasileiros.
O presente trabalho se propõe a analisar o conceito de Anarquia, e de suas derivações,
presente no discurso do periódico O Anarchista Fluminense. Este é o problema que aqui será
debatido.
Esse jornal se encontra arquivado entre os periódicos raros da Biblioteca Nacional, e
está em ótimo estado de conservação, sendo, portanto, de fácil consulta nas máquinas de
microfilmes. Porém, se é tão fácil consultar a folha, não podemos dizer o mesmo quanto à
tentativa de encontrar estudos sobre ele em Manuais de História da Imprensa brasileira e
carioca. Maiores detalhes acerca desse jornal não ficaram bem evidenciados pela
Historiografia.
A dificuldade para a presente pesquisa consiste no total desconhecimento, uma vez
que não há registro do referido jornal, nos mais diversos “manuais” da história da imprensa.
Nada sobre ele encontramos nas obras de Grandes estudiosos da Imprensa como as de Helio
Vianna1, Nelson Werneck Sodré2, Juarez Bahia3 etc. Esses clássicos que compilaram uma
grande diversidade de periódicos, e os comentaram e classificaram, em seus trabalhos, não
incluíram O Anarchista Fluminense.
Do periódico em questão aparece apenas o nome, sem nenhum comentário, no livro de
Godofredo Tinoco4, importante historiador da Imprensa Fluminense, assim como no de
1
VIANNA, Helio, Contribuição para a história da Imprensa brasileira (1812-1869. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1945.
2
SODRÉ, Nelson Werneck de, Historia da Imprensa no Brasil. São Pulo: Martins Fontes, 1983. (3ª ed.)
3
BAHIA, Juarez, Jornal: História e Técnica, a História da Imprensa Brasileira. São Paulo: Ática, 1990.
4
TINOCO, Godofredo, Imprensa Fluminense. Rio de Janeiro: liv. São José, 1965.
2
Gondim da Fonseca5. Em ambas as obras, são feitas a mesma referência que Moreira de
Azevedo fez em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Nacional
intitulado: “Origem e desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro”6. Foi possível
encontrar nos textos de Marcello e Cybelle Ipanema a notificação da existência desse jornal, e
nada mais. Sem muitos comentários, registra apenas uma informação contraditória, dizendo
que o autor seria o mesmo do jornal O Exaltado, o que acarreta uma confusão maior ainda
acerca do Jornal, que tem como uma das propostas centrais perseguir ferozmente o Padre
Marcelino Pinto Ribeiro Duarte, Redator de O Exaltado. Certamente essa confusão se deu
porque seu nome aparece demasiadamente nos periódicos que transcrevem alguns artigos
seus, publicados em outros periódicos.
No “Catálogo de periódicos de Niterói”7, que Marcello e Cybelle Ipanema escreveram,
não aparecem comentários críticos sobre as questões do Jornal. De qualquer maneira, sem
esse manual seria difícil o entendimento de vários dos periódicos locais que dialogam com as
mesmas questões que O Anarchista Fluminense. O trabalho realizado por Marcello e Cybelle
Ipanema é muito válido para a compreensão do cenário dos periódicos desta cidade ao longo
do tempo. Mas, ainda assim, para continuar o desenvolvimento da presente pesquisa, podia
deixar de registrar essas informações.
Tomando como ponto de partida da presente pesquisa a originalidade do título do
periódico8,que apresentava a palavra Anarquista pela primeira vez, compondo o título de um
periódico, com o lançamento de “O Anarchista Fluminense”, em 1835, o primeiro ponto a ser
abordado versaria sobre o motivo da escolha do termo para a apresentação de um periódico
político. A resposta não poderia fugir a uma leitura da forma como essa palavra era utilizada
no tempo em que o periódico foi produzido, desviando-se dos anacronismos, adentrando o
contexto a que se refere, assim, decodificando a rede de significados que compõem o
vocábulo em questão.
Esta folha política possuía artigos que funcionavam como discursos. Estes expunham
suas idéias usando principalmente a forma retórica comumente utilizada em periódicos,
folhetos e nos pasquins que circulavam nos anos 30 do séc. XIX. Desta forma esse periódico
5
FONSECA, Gondim da, Biografia do Jornalismo Carioca (1808-1908). Rio de Janeiro: Livraria Quaresma,
1941.
6
AZEVEDO, Moreira de, “Origem e desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro.” in: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. # 28. 1865.
7
IPANEMA, Marcelo e Cybelle, Catálogo de periódicos de Niterói. Rio de Janeiro:Instituto de Comunicação
Ipanema, 1988.
8
É unânime entre pesquisadores da historia do Anarquismo, que este é o primeiro periódico que traz este termo
em seu título. Vide: FERRUA, Pietro – “Foi fluminense o primeiro jornal anarquista da História mundial?” in:
Revista Verve – #9, São Paulo: Nu-Sol (PUC – SP), 2004.
3
empregava um padrão de escrita que pretendia persuadir o público leitor de uma idéia. É a
construção dos significados produzidos no discurso desse jornal que serão abordados nesta
análise.
Tomando por base a perspectiva da história das idéias, utilizarei neste trabalho o
discurso do periódico como objeto decodificador de uma expressão da cultura política,
segundo as análises de J. G. A. Pocock, e de Quentin Skinner9, em seus estudos acerca da
história das idéias políticas, que tomam por base as análises lingüísticas, focadas e embasadas
nos textos como objeto de análise. O método aqui utilizado propõe então uma leitura
minuciosa da retórica que esse periódico produziu para perceber as conotações políticas
embutidas na retórica predominante10, sendo esse tipo de publicação (pasquins), sugestivo
para tal perspectiva de análise.
Para desenvolver este estudo, temos que adentrar as particularidades do período
Regencial e seu contexto político, discutindo as principais questões que caracterizavam essa
época como singular, os meandros desta experiência inusitada da política brasileira, e seus
desdobramentos no decorrer do ano de 1835. Além de uma bibliografia atualizada sobre o
período Regencial, utilizaremos dados estatísticos sobre o anos de 1835, e a legislação da
época, assim como dados compilados em coleções e leis locais de niterói e da antiga província
do Rio de Janeiro. (Capítulo 1).
Prosseguiremos com uma análise da imprensa do período Regencial, suas
preocupações políticas, sua forma de atuação, utilizando-se de uma nova linguagem política
radical, e de como ela se reproduziu em Niterói, localidade em que este trabalho deve se
debruçar, observando a singularidade de sua imprensa periódica (principalmente os pasquins),
no ano de 1835. (Capítulo 2)
Em outra parte deste estudo, há a análise do termo Anarquia e seus derivados, onde se
faz o histórico dos significados desta palavra ao longo do tempo, sondando seus sentidos no
Brasil Independente, principalmente no período após a Abdicação de D. Pedro I, assim como
nos países europeus de onde provinham os escritos e as idéias que mais influenciavam os
intelectuais brasileiros. Nesta parte, será apresentada a definição do termo tal qual esboçada
nas linhas dos principais dicionários, assim como serão analisados os significados e as
9
Como uma das principais obras desses autores nesse sentido, podem-se destacar as duas principais obras
consultadas para este trabalho: POCOCK, J.G.A., Politics Language and Time – Essays on political thoght and
History. Chicago: University of Chicago press, 1989. e, SKINER, Quentin, The Foundation of Modern Political
Thought. Cambridge: Univ. Press, 1980. (2v.)
10
CARVALHO, José Murilo de, “História Intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura”, in: Topoi:
revista de História, #1. Rio de Janeiro, Setembro de 2000. p.146.
4
A tomada do poder pelos liberais moderados, na Regência Trina Permanente, foi uma
consolidação desta movimentação que tinha por base ser “um partido de centro que ao mesmo
tempo continuava a dar combate aos anarquistas e farroupilhas, num extremo, ao mesmo
tempo em que entrava em choque com os restauradores ou caramurus, no extremo oposto.”19
Assim, a ordem que assume tenta se organizar em um justo meio, é motivo de ataques
diversos de todos os lados dos que ficaram excluídos do poder, ou dos que foram obrigados a
aceitar as novas diretrizes políticas que iriam regrar o País.
O avanço das medidas liberais foi feito com certo cuidado cerceando-se algumas
liberdades consideradas excessivas. Como resultado os moderados tiveram que agir em uma
política ambígua. Uma política que se propunha “racional” entre os excessos passionais
extremistas.
De fato, o Brasil vinha adotando uma política econômica mais comprometida com os
ideais “liberais” desde a abertura dos portos em 1808. Logo depois da independência, em
1827, com a renovação do tratado de comércio, o Brasil passou a ter relações estreitas com a
Inglaterra, acirrando a já empregada política econômica liberal. De certa forma, havia uma
tendência dos rumos políticos do Brasil se guiarem por alguns dos direcionamentos que
convinham à Inglaterra20. Um dos maiores expoentes deste alinhamento teria sido a lei de 07
de novembro de 1831, que proibia o tráfico transoceânico de escravos a serem vendidos no
Brasil. As conseqüências da aplicação dessa lei foram drásticas. Os conflitos policiais e
judiciários gerados foram graves e constantes. Apregoava-se a liberdade mas, na prática, essa
lei gerou muita repressão, corrupção e conflitos nas diversas camadas da sociedade.
As primeiras medidas tomadas pelo governo da Regência Trina Provisória tinham o
claro intuito de afastar qualquer possibilidade de ruptura política ou rebelião. Assim como
existia o medo de que parte da elite política passasse a não reconhecer o poder de D. Pedro II
como Imperador, 21por um lado, incrementou-se o temor das autoridades do perigo que estava
nas ruas: escravos, “vadios”, capoeiras, elementos marginalizados que representaram motivo
de medo social daqueles que temiam insuflações dessas “massas”, como o caso das revoltas
de escravos, temidas essencialmente após a revolta ocorrida no Haiti, em 1804, em que os
escravos depuseram o governo francês e tomaram o poder.22
19
CASTRO, Paulo Pereira de,“A experiência republicana”, in: HOLLANDA, Sérgio Buarque de (dir.) e
CAMPOS, Pedro Moacyr (assist.), História Geral da Civilização Brasileira, t. II - o Brasil monárquico, 2º v. -
dispersão e unidade. São Paulo: Difel, 1985 (5ª ed), p. 25.
20
WERNET, op. cit. p. 21.
21
CALMON, op. cit. p. 1621.
22
MATTOS, Ilmar Rohloff de, e GONÇALVES, Maria de Almeida, O Império da Boa Sociedade: A
Consolidação do Estado Imperial Brasileiro. São Paulo: Atual, 1991.
8
23
CARVALHO, José Murilo de, Teatro de Sombras: Política Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006 (2ª ed.), p. 251.
24
Maiores informações sobre cada uma dessas Revoltas, ver as análises de Moreira de Azevedo, expostas em
algumas edições da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
25
CARVALHO, ibidem p. 250
26
Medidas que alterassem o aparato burocrático no sentido da política liberal, adotando reformas que rompessem
com determinados preceitos antigos, ainda vigentes nas leis.
27
Considerada em seu tempo uma constituição bastante liberal, se destacava pelas garantias às liberdades
individuais, consubstanciadas no artigo 179, que tratava dos direitos civis e políticos. Ver: GRINBERG, Keila.
Autora do verbete Constituição in:VAINFAS, Ronaldo (org.), Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio
de Janeiro: Objetiva, 2002.
28
Eram juízes leigos, eleitos pela população local, exerciam funções conciliadoras. A criação do cargo de juiz de
paz foi uma medida que ampliou os mecanismos de coerção na esfera local. Maiores detalhes ver FLORY ,
Thomas, El Juez de paz y el jurado en el Brasil Imperial, (1808 – 1871) .Control social y estabilidad política em
el nuevo Estado. México: Fondo de Cultura Econômica, 1986. Capítulo IV El Juez de paz Imperial p. 81.
29
Conjunto de leis vigentes no Brasil desde 1603, figurava como uma a justiça colonial, herança portuguesa
aplicava penas severas e cruéis, assim como torturas. Seus preceitos eram vistos como vergonhosos pelos
políticos liberais brasileiros. Maiores informações ver: GARCIA, R. Ensaio sobre a história política e
administrativa do Brasil (1500 – 1810). Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.
30
FLORY, Ibidem p.77
9
***
A GUARDA NACIONAL
Da Guarda Nacional, podemos destacar a forma como se compuseram seus corpos nas
diversas províncias: Os membros da Guarda eram recrutados entre os cidadãos brasileiros que
podiam ser eleitores (idade entre 21 e 60 anos, com renda anual superior a 200 mil réis, nas
grandes cidades, e 100 mil réis nas demais regiões.) Era vista por seus idealizadores como o
instrumento apto para a garantia da segurança e da ordem, realizados em âmbito local. Tinha
como finalidade defender a Constituição, a liberdade, a independência e a integridade do
Império, mantendo a obediência às leis, conservando a ordem e a tranqüilidade pública.32
A Guarda Nacional tinha forte base municipal e a sua organização se baseava nas
elites políticas locais, pois eram elas que formavam ou dirigiam o Corpo de Guardas; ao
mesmo tempo, demonstrava a falta de confiança do governo na fidelidade do Exército33, que
teve uma debandada considerável após a abdicação de D. Pedro I, também vindo deste setor,
muitas das revoltas ocorridas no período.
A principal atuação da Guarda Nacional foi a de combater qualquer grupo ou facção
de caráter contestatório das autoridades Imperiais, sendo esta Guarda o seu novo monopólio
de repressão legítima.
31
FLORY, Ibidem. p. 84.
32
BRASIL, Coleção de Leis do Império do Brasil (Ano de 1831). Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1875.
33
MOREL, Marco, O período das regências. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003 p. 29.
10
34
CALMON, Pedro, ob. cit. p. 1631.
35
FLORY , Thomas, ob. cit. p. 104.
11
O processo de aprovação das medidas desse ato, enquanto ainda na Câmara dos
deputados, foi muito disputado e, por fim resultou essencialmente na aproximação entre
Moderados e Exaltados, assim como em concessões aos do grupo Restaurador.36
Essas medidas, porém, mantiveram certas precauções na concessão de autonomias aos
poderes regionais. Após o Ato, a concentração do poder ficaria delegada às assembléias
provinciais, que decidiriam as deliberações dos municípios. Esta reforma consumada com o
Ato Adicional de 1834, instituiu as Assembléias Legislativas Provinciais com considerável
autonomia, mas não chegou, como era desejo dos seus mais ardorosos defensores, a suprimir
o Poder Moderador ou a implementar um Estado Federativo, mesmo se evidenciando as
aspirações progressistas. Às Assembléias provinciais foi atribuída competência para elaborar
o seu próprio regimento, e, desde que em harmonia com as imposições gerais do Estado,
legislar sobre: a divisão civil, judiciária e eclesiástica local, assim como a instrução pública.
(não compreendendo as faculdades de medicina e os cursos jurídicos). Suas atribuições
envolveriam: casos de desapropriação, fixação de despesas e impostos; criação de cargos e
empregos; construção de estradas, penitenciárias e outras obras públicas. Porém, mesmo com
a profunda alteração nas competências dos chefes das províncias, houve, num primeiro
momento, uma relativa falta de recursos das províncias, que entravou, de certo modo, a plena
capacidade dessa autonomia.37
Outra medida importante entre as que compunham esse Ato, foi: a convocação da
eleição de um regente “Uno” para o Império do Brasil. Estas aspirações somadas à eleição de
um novo Regente, medida tendenciosamente progressista, dava início a um novo modelo de
Estado que a historiografia chega a denominar de uma “Experiência Republicana”. Outro
ponto importante desse Ato Adicional seria a lei Preparatória decretada pela Assembléia Geral
Legislativa, cujo texto conferia aos deputados que seriam eleitos para a legislatura seguinte a
faculdade de reformar determinados artigos da Constituição do Império.
No conjunto das concessões às províncias, vinha a criação de uma nova província para
compor o Império Brasileiro: A província do Rio de Janeiro (nomeação esta feita pelos
deputados da Regência), que é criada para ser a administração local das cidades e vilas que
36
MATTOS, Ilmar Rohloff de, e GONÇALVES, Maria de Almeida, ob. cit. p. 32.
37
CASTRO, Paulo Pereira – “A Experiência Republicana” in: HOLLANDA, Sergio Buarque de, e CAMPOS,
Pedro Moacyr, ob. cit. p. 37.
12
memorável discurso proferido por Manoel Antônio publicado na coleção de Leis da Província
do Rio de Janeiro, ao dia 6 de março de 1835 42. No conjunto destas novas medidas, as Vilas
de Campos dos Goytacazes e de Angra dos Reis passaram também à condição de cidade.
Nessa mesma coleção de leis, lê-se que a Assembléia votou a aprovação das verbas
que se destinariam à criação das estruturas básicas necessárias, tanto para a cidade de Niterói
abrigar o seu aparato burocrático, quanto para que pudesse haver estruturas de comunicação
entre as vilas e cidades que compunham esta província. Propunha, assim, melhorias urbanas, a
criação das pontes e estradas, assim como os canais, e demais obras demasiado dispendiosas,
que deveriam operar para o sucesso da província.
Os problemas iniciais da província foram expostos por Artur Cezar Ferreira Reis em
seu artigo sobre a província do Rio de Janeiro43. Este autor destaca a fala inicial de Joaquim
José Rodrigues Torres, que esclarece os problemas a serem solucionados, e traça o quadro de
angústias que sentia em face da exigüidade de recursos para a manutenção da máquina
administrativa e da carência de dados positivos a respeito do que poderia ser utilizado
confessando uma inexatidão dessas despesas44. A tributação e as demais obrigações são
revistas nesse momento.
Logo após a primeira reunião da assembléia provincial fluminense, que se deu no dia
1º de fevereiro de 1835, na Praia Grande, decidiu-se a imperiosa necessidade de mudanças
estruturais que deveriam ser operadas na província. Os custos destas inovações são publicados
nos principais periódicos diários e discutidos, assim como o dispêndio de sua manutenção.
Em contrapartida, aqui processou-se a defesa desses progressos como de extrema necessidade
ao novo momento que atrairia empreendimentos diversos à cidade. No Jornal do Commercio,
trechos do relatório final, que aprovou as novidades. Na seção “Relatório desta Província” lia-
se:
42
LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO RIO DE JANEIRO. Coleção de Leis, Decretos e regulamentos da
província do Rio de Janeiro. De 1835 – 1850. Seguida de um Repertório da Mesma legislação organizado por:
“Luiz Honório Vieira Souto” – Parte I: Leis e decretos. Nictheroy, Typografia Fluminense de Lopes.
43
REIS, Arthur César Ferreira, “A Província do Ro de Janeiro e o Município Neutro”. in: HOLLANDA, Sérgio
Buarque de, e CAMPOS, Pedro Moacyr, ob. cit. p. 342.
44
REIS, loc. cit.
14
Comumente apareciam nos periódicos dessa época, comentários notas e artigos sobre
esta debilidade, e os problemas que esta nova província apresentava. As chuvas também
causavam danos sérios para a comunicação das vilas e cidades. Os gastos excessivos nesse
momento também se tornam parte das insatisfações que são expostas em artigos de diversos
jornais. No caso do Jornal do Commercio, temos uma visão otimista de que os novos
acontecimentos trariam o progresso à cidade, mais estruturada para a movimentação
comercial.
Essas melhorias foram executadas à custa dos cofres provinciais: instalação de
repartições e criação de escolas, iluminação pública, abastecimento de água e policiamento.
Tais gastos foram pagos com um incremento em alguns impostos. Niterói não possuía os
aparatos para abrigar um aparelho burocrático do tipo de sede da presidência da província.
Isso ficou marcado em registros da época que, constantemente denunciavam essa carência
juntamente com a carência da província do Rio de Janeiro, de boas estradas, pontes e canais,
incremento na comunicação entre as diferentes cidades em todas as regiões da província do
Rio de Janeiro. 46
Tornando-se a capital, iniciava-se todo um novo momento para sua história. Niterói
ganha hospital, correio, e até mesmo a primeira escola de ensino Normal47 do Brasil, que foi
construída junto com outras que ao longo do tempo foram aparecendo de acordo com as
necessidades de uma nova capital. No dia 14 de abril de 1835, foi fundada a “Guarda Policial”
45
Jornal do Commercio - 05/02/1835, p. 3.
46
REIS, Arthur César Ferreira, “A Província do Rio de Janeiro e o Município Neutro” in: HOLLANDA, Sérgio
Buarque de, e CAMPOS, Pedro Moacyr, op. cit. p. 343.
47
Esta escola se chama Instituo Educacional Professor Ismael Coutinho (IEPIC), e foi a primeira Escola de
ensino normal do Brasil. Funciona até os dias de hoje.
15
de Niterói, com efetivo de 241 homens, nas armas de cavalaria e infantaria, inicialmente sob o
comando do Capitão João Nepomuceno Castrioto.48
Outro pioneirismo marcou essa nova etapa, a inauguração da primeira linha de
vapores, fazendo viagens a cada hora, cruzando a baía da Guanabara. O principal objetivo,
seria atender aos burocratas que tiveram os endereços de seus trabalhos alterados para a
margem direita da baía da Guanabara.
Um aspecto populacional de Niterói não pode deixar de ser comentado nessa
apresentação: a grande quantidade de escravos que ali habitavam. Na Villa da Praia Grande, a
população escrava era parelha à Corte, somando aproximadamente dois terços do total da
população. Segundo José Mattoso Maia Forte, dois anos antes de ser elevada à condição de
cidade, contava o distrito da vila, neste e nas freguesias de São Gonçalo, de São Sebastião de
Itaipu e de São Lourenço, 1915 fogos, 7500 habitantes livres e 22000 escravos.49
Niterói, nesse tempo, principalmente antes de se tornar a Capital e de se organizar o
corpo de polícia, era um grande porto para a entrada de negros que eram traficados da África,
e aportavam ilegalmente nas praias de Niterói, alguns para serem vendidos no interior, e
outros, na Corte. Muitos conflitos foram gerados em virtude desse tipo de situação. A falta de
iluminação artificial colaborava para esta realidade da cidade, sendo um dos principais portos
de desembarque de africanos traficados ilegalmente para abastecer a necessidade do mercado
da Província do Rio de Janeiro, essencialmente no interior, onde havia um incremento
contínuo na produção da lavoura de café (produto que estava em franco desenvolvimento
nesse período).
Pra finalizar este primeiro capítulo, que tenta adentrar um pouco o ambiente político e
social da Regência, devemos considerar alguns fatores, que nos podem fazer pensar o ano de
1835 como um ano em que se viveu um clima de revoltas muito grande em todo o Império
Brasileiro. Podemos pensar isso por conta das revoltas eclodidas nesse ano, e da série de
medidas repressivas que a Regência empregara com o intuito de manter a ordem.
48
Estas informações se encontram na obra de WHERS, Carlos, Cidade sorriso. Ro de Janeiro: 1984. Também
nesta obra, muitas informações sobre João Nepomuceno e outros personagens importantes que compunham o
aparato burocrático no momento de elevação da vila à Cidade de Niterói. p. 69.
49
Esses dados estão contidos em: FORTE, José Mattoso Maia, Notas para a História de Niterói, Niterói/RJ:
INDC Prefeitura Municipal de Niterói. 1935. (2ª ed.). p. 98.
16
Logo no primeiro mês do ano, ocorre, em Salvador, o que foi chamada pela
historiografia de “Levante Malê”50, uma revolta escrava, cujos princípios se fundavam na
Religião Islâmica, mas que muitas preocupações trouxe aos governantes, assim como aos
proprietários de escravos. O “Levante Malê” teve como característica singular dentre as
revoltas do período regência, ter sido uma revolta com liderança escrava. Esta revolta de 1835
seria última revolta do primeiro dos dois grandes grupos de revoltas ocorridas desde 1831 até
184851, cuja principal conseqüência foi a profusão do “Haitianismo.”
O termo “Haitianismo”, que é uma referência à Revolução ocorrida no Haiti em 1804,
foi largamente empregado para denominar o grande medo de que ocorressem novas revoltas
escravas, gerado após o “Levante Malê”. Os políticos da moderação foram os que mais se
preocuparam em conter as possibilidades de revoltas. Suas ações para tal fim permeavam
desde a formação de uma onda de boatos em todo o Império de que novas “Rusgas” estariam
sendo planejadas pelos escravos, até a adoção de leis que prevenissem essas possíveis
Revoltas. O motivo principal dessa “onda de boatos” seria convencer a população de que a
repressão era realmente necessária. Esses boatos foram constantemente publicados nos
periódicos desse ano, e também contestados por políticos entre outros partidários de que o tal
perigo não seria tão alarmente quanto se propagava, e que o Governo exagerava em seus
mecanismos de repressão popular.
Em jornais de orientação moderada, liam-se vários “comunicados” como o seguinte,
publicado no periódico o Sete d `abril52:
COMUNICADO
Parece hum sonho o que se tem passado e vai sucedendo entre nós! Crê-se
que terríveis planos de insurreição se têm concertado e que agentes secretos (...)
por trazer ao Brazil todo a maior das desgraças públicas com o já tivemos o pano
de amostra na cidade da Bahia: clama-se que cada hum africano que desembarca
em nossas praias é um novo barril de pólvora lançado à mina: inculca-se, como
necessidade, promover a importação de homens livres, artistas e agrícolas, por
meios de contratos &c. &c.: diz-se que é mesmo um absurdo esperar prosperidade
em uma nação aonde se aumenta o número de escravos e se apoquentam e
perseguem os homens livres; tudo isso se tem dito e espalhado nas folhas públicas
(...)
Sr setembro Mais Barris de pólvora lançados à mina!
Acaba de entrar neste porto o patacho Minerva, vindo da Bahia, Trazendo 132
negros, a maior parte da nação mina, que dizem pertencer ao senhor S. de S. Lima!
Serão estes escravos do número daqueles que tomaram parte na revolta de 24 de
janeiro naquela cidade?! E haverá aqui quem compre tais inimigos já
experimentados? E consentirão as autoridades no seu desembarque? Valha-nos
50
Para maiores detalhes deste levante ver: SILVA, Eduardo, e REIS, João José Reis, Negociação e Conflito – A
Resistência Negra no Brasil Escravista. São Paulo: Companhia das letras, 1999.
51
CARVALHO, José Murilo de, Teatro de Sombras: A política Imperial. op. cit. p. 251.
52
Periódico de orientação moderada, que tinha como Mentor/ Redator, Bernardo Pereira de Vasconcellos.
17
Sendo assim, com um cenário aterrorizante de medo54 constante, durante o ano em que
o maior temor das autoridades brasileiras seriam as revoltas escravas, como causa principal
desta realidade, viveu-se uma grande perseguição aos escravos. Mas, consequentemente, essa
repressão se operou sobre os negros livres também. De fato, entre os anos de 1830 a 1835, o
número de libertos aumentou muito, gerando uma grande população de negros libertos,
principalmente nas grandes cidades do litoral (Salvador, Rio de Janeiro e Recife), e demais
cidades, com grande concentração populacional e movimentação comercial. Um dos fatores
colaboradores desse acréscimo seria o aumento de escravos nas atividades de ganho, atuando
como profissionais liberais, conseguindo assim, renda para comprar sua alforria55.
A proibição do Jogo do Entrudo, neste ano, ganhou mais um motivador para seus
adeptos: evitar ajuntamentos de negros, possíveis fomentadores de rusgas.
Na província do Rio de Janeiro, um agravante na política repressiva empregada nesse
ano, se deu depois de ser aprovada na Assembléia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro a
suspensão dos incisos 7, 8 e 9 do artigo 179 da Constituição de 1824. O Artigo 179 da
Constituição consiste na liberdade do indivíduo, e se encontra no TITULO 8º, que trata das
Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros.
A parte que seria suspensa tratava:
(...)
VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se
poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio,
ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela
maneira, que a Lei determinar.
VIII. Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos
declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na
prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações próximas aos lugares da
residência do Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei
marcará, atenta a extensão do território, o Juiz por uma Nota, por ele assinada,
53
O Sete d’Abril - 21/03/1835. p. 2.
54
Para maiores informações sobre o “Grande Medo” vivido nesse período: GONÇALVES, Márcia de Almeida,
Ânimos Temoratos: uma análise dos medos sociais na Corte no tempo das regências. Dissertação de Mestrado
em História Social das Idéias. Niterói/RJ: I.F.C.H, U.F.F., 1995.
55
REIS, João José, op. cit.
18
IX. Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido á prisão, ou nela
conservado estando já preso, se prestar fiança idônea, nos casos, que a Lei a
admite: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis meses
de prisão, ou desterro para fora da Comarca, poderá o Réu livrar-se solto.56
A ausência de algumas das garantias dava uma maior agilidade no aparato repressivo.
A perda dessas garantias dava plenos direitos às autoridades de interferir no lar das pessoas,
assim como de conduzir suspeitos e indiciados diretamente para a prisão, sem julgamentos
prévios e, sendo também, autorizados a desterrar esses acusados. Essa medida gerou repressão
abusiva direta da população. Ainda que se suspendessem as garantias dos cidadãos57 (Brancos,
Ingênuos e Libertos), e não dos que eram considerados os possíveis fomentadores de rusgas (a
população escrava), a perseguição se operou efetivamente sobre escravos e negros livres,
ambos figurando como ameaças à ordem, uma vez que poderiam insurgir-se no Rio de
Janeiro, tal qual fizeram em Salvador. Complementando a revogação, cria-se então uma
emenda à Constituição, válida para a província do Rio de Janeiro, com o intuito de criar
mecanismos para viabilizar a revogação dos outros incisos. Incluíram-se à suspensão,
cláusulas que direcionavam a repressão diretamente às sociedades secretas e aos periódicos,
censurados nos atos considerados “crimes de insurreição”.
Estes direitos que seriam invioláveis, no ano de 1835, são revogados (ainda que
temporariamente) pela Assembléia Legislativa da Província do Rio de Janeiro, com a seguinte
postura datada de 27 de março de 1835:
56
“Constituição Política Do Império Do Brasil” in: CAMPANHOLE, Adriano, e CAMPANHOLE, Hilton Lobo
(org.), Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969. São Paulo: Atlas, 1981. (5ª ed.)
57
Sobre os inclusos na categoria de cidadãos, ver o título 2º da “Constituição Política do Império do Brasil”
(1824).
19
58
Ver CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO DO BRASIL, Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1831.: Art. 128
Desobedecer ao empregado Público em ato do exercício das suas funções, ou não cumprir as suas ordens legais.
Penas de prisão por seis dias, a dois meses.
59
Ver Ibidem, encontra-se na PARTE QUARTA, referente aos crimes Policiais CAPÍTULO 2º Sociedades
Secretas.
Art. 282.A reunião de mais de dez pessoas em uma casa em certos, e determinados dias, somente se julgará
criminosa, quando for para fim de, de que se exija segredo dos associados, e quando neste último caso não se
comunicar em forma legal ao juiz de Paz do distrito, em que se fizer a reunião
Penas: de prisão por cinco à quinze dias ao chefe, dono, morador, ou administrador da casa, e pelo dobro no
caso de reincidência
Art. 284.Se forem falsas as declarações que se fizerem, e as reuniões tiverem fins opostos a ordem social, o Juiz
de Paz além de dispensar a sociedade, formará culpa aos associados.
20
política repressora, que vingou por conta da tentativa de conter qualquer possibilidade de
insurreição60.
Nesse ano, o Estado Brasileiro também foi ameaçado por revoltas de cunho
separatista. Há uma grande repressão policial e militar necessária para que não houvesse
nenhuma ruptura em nenhuma das províncias que projetam revoltas separatistas. As
autoridades estavam atentas, e investindo na desarticulação desses movimentos. O
Federalismo, que ganhou força com as medidas do Ato adicional, foi, além de uma ruptura
com o aparato centralista imperial, herdado dos portugueses, se consubstanciado na defesa de
uma política que atendesse às necessidades locais das províncias.
Justamente nesse ano, viveram-se os momentos mais críticos da Cabanagem61. Nesse
ano, motivada por estancieiros, eclode a Farroupilha62, no sul do Brasil. Todos os movimentos
sociais e as agitações que constantemente surgiram desde 1831, já anunciavam a
“vigorosidade” desse tipo de reivindicação de caráter regionalista e descentralizador dentro do
Império, entre os diversos segmentos da população.
“Mas, indiscutivelmente, a pura presença, as inúmeras revoltas provocaram um medo
contínuo nas classes dominantes e influenciaram muito no peso político”63. Esta frase de
Wernet pode corroborar a idéia de que, no ano de 1835, o medo aumentou, e a política
repressiva incrementou-se gerando enormes incongruências do aparato de leis vigentes com
os anseios e necessidades da população que sob elas se estabeleciam.
***
Ainda seguindo a linha de raciocínio da repressão contínua e severa, outro grande
conflito intensificado nesse ano foi que ocorreu entre os Traficantes de escravos e as
autoridades. Este conflito foi intensificado justamente pelo Haitianismo, que apregoando que
o aporte de negros no Brasil, também seria condenável frente às ameaças que estes
representavam, como revoltosos em potencial, sendo comparados constantemente a barris de
pólvora. Os partidários do fim do Tráfico ganharam mais motivos para sustentar suas idéias.
60
Para maiores detalhes ver: RIBEIRO, João Luís de Araújo, Entre Galinhas, baratas não tem razão: Escravos e
a pena de Morte no Império Dissertação de Mestrado em História Social. Rio de Janeiro, I.F.C.S. U.F.R.J., 2000.
61
Para maiores informações, ver: CHIAVENATO, Julio José, Cabanagem: O Povo no Poder. São Paulo: Editora
Brasiliense. 1984. ver também: DI PAOLO, Pasquale, Cabanagem: A Revolução popular na Amazônia. Belém:
Edições CEJUP. 1986. (2ª ed.).
62
Para maiores detalhes sobre a Farroupilha, ver: PESAVENTO, Sandra Jatahy, A Revolução Farroupilha São
Paulo: Brasiliense, 1986.
63
WERNET, Augustin – Ob cit. p.43.
21
Outro detalhe importante sobre a realidade do tráfico ilegal é que, por conta dele,
surgem grupos organizados, que atuam tal qual uma “quadrilha”, praticando esse crime. Esses
grupos de criminosos, muitas vezes, tinham ligações com membros do Governo tanto central,
quanto provincial. Membros dos três poderes (em maioria membros do Judiciário)
compunham ou colaboravam com essa rede de traficantes, que não cessava suas atividades
mesmo sendo muito perseguidos. Diversas devassas são empreendidas nesse momento, para
combater essa prática. Mas certamente uma facilitação se dava por parte de alguns
magistrados que tinham comprometimento com traficantes de escravos.65
Sob essa realidade, surge uma série de assassinatos e ameaças de morte. Esse tipo de
chantagem e coação foi comum à realidade dos membros do Judiciário em vários pontos da
província do Rio de Janeiro. Para ilustrar com um bom exemplo, no ano de 1835, temos o
caso de Augusto Moreira Guerra, então Juiz de Paz da Vila da Ilha Grande (outro grande
atracadouro de escravos traficados da África), que se demite do cargo por não agüentar as
64
Correio Official do Rio de Janeiro, 20/05/1835. p. 1.
65
BARRETO FILHO, Mello, História da polícia no Rio de Janeiro Aspectos da cidade e da vida carioca (1831
– 1870). Rio de Janeiro: Editor a Noite, 1943. p. 42
22
pressões dos traficantes de escravos, e por não ter aparato policial suficiente para conter este
crime.66
***
66
Este caso foi muito comentado pela imprensa no começo do ano de 1835, é dedicada toda a primeira página do
Jornal do Commercio do dia 12 /01/1835.
67
Jornal do Commercio, 12/01/1835. p. 2.
23
políticas específicas. Neles discutiam-se os direitos naturais do homem, entre outras diversas
questões que faziam parte do bojo do ideal iluminista.
Nesse momento, o povo68 também passou a ter uma participação maior em
movimentos políticos. Isso se operou de maneira direta nas elites letradas, contudo, se
estendeu às camadas médias e mais pobres urbanas; ambas participavam do debate nas ruas,
algo bastante impulsionado pelo incremento da Imprensa (em momento de extrema
liberdade), assim como dos debates realizados em salões de chá e em outros espaços de
reunião nos quais os indivíduos debatiam política. Esse aumento se dá no conturbado período
das Regências. A ampliação dessa “esfera pública”69 colaborou para a difusão de ideais
iluministas, incrementando assim uma parcela da população adepta de mudanças radicais70
Pensando nessas possibilidades para a condução do Estado Brasileiro é que se operou
um acréscimo no número de publicações circulantes com intuito de se fazer uma “pedagogia
política”; os pasquins71 surgiam dia a dia, como resposta às diversas leituras que foram feitas
de uma literatura política que era consumida no Brasil. Um destaque ficaria por conta da
facção dos liberais exaltados, que trouxe à tona projetos políticos alternativos, distintos de
propostas que, se implementadas, resultariam em profundas transformações na sociedade
brasileira72, a exemplo do federalismo, da implantação da República, do fim da escravidão, da
expansão dos direitos eleitorais entre outros que envolviam uma soberania do povo antes que
da nação.73
De qualquer maneira, esses projetos diferenciados nem sempre compunham um
mesmo “bloco” de idéias. De fato nem todos os membros de uma das três facções políticas
compartilhavam dos mesmos projetos. Havia congruências e incongruências entre os diversos
membros das facções. O historiador Marco Morel, ao explicar como se apresentava o quadro
das manifestações políticas no período Regencial, utilizou o termo “miríade”. A expressão
68
Aqui o Termo povo é empregado para dar ênfase às camadas ainda desligadas da política, sem necessariamente
constituir-se em Cidadãos com poderes políticos diretos, que ganham maior voz debatendo e também ganhando
expressão nos discursos dos políticos mais liberais e humanistas.
69
Como bem caracterizado por: HABERMAS, Jürgen, Mudança Estrutural da Esfera Pública: Investigações
Quanto a uma categoria da Sociedade Burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1984.
70
BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e Demagogos. Os liberais Exaltados e a Formação da esfera
pública na corte imperial (1829-1834) Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2000.
71
Na denominação de Nelson Werneck de Sodré, um tipo de periódico violento e de sátira, preocupados em
fazer a oposição, com “ardor” político. Ver: SODRÉ, História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins
Fontes, 1983. (3ª ed.)
72
IDEM, O Império em Construção: Projetos de Brasil e ação política na corte regencial. Tese de Doutorado.
Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J. 2004.
73
A dicotomia representa respectivamente projetos ligados a ideais dos filósofos Rousseau e Locke, e também
podem se transpor para as apropriações de liberais Exaltados e Moderados. Ver: BASILE, Marcello, Anarquistas
Rusguentos e Demagogos. Os liberais Exaltados e a Formação da esfera pública na corte imperial (1829-1834)
Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2000.
24
Azevedo, em sua pesquisa sobre os desdobramentos da imprensa carioca.77 Para esse autor,
nesse período o jornalismo aberrou da sua instituição, esqueceu os deveres.78
Uma característica essencial de um pasquim seria o fato de esse tipo de publicação não
ter por objetivo conferir lucros aos redatores. Difundiram-se nesse momento propício, num
tempo em que houve o incremento do debate político “apaixonado,” e que possibilitou esse
tipo de publicação. A difusão de pensamentos escondidos, represados era o que movia os
escritores periodistas. 79
Outra característica dessas publicações (pasquins) é que, costumeiramente, tinham
durações efêmeras e se propunham a existir somente durante o tempo em que se necessitava
para passar determinada mensagem ou idéia ou ainda, demonstrar a convicção política, não
apenas de questões amplas, mas de pequenos casos da política local, casos esses, muitas
vezes, caracterizados por acontecimentos efêmeros, os quais motivavam a publicação.
Por essas características é que os pasquins tiveram as durações mais diversas, alguns
duravam apenas um mês, outros mais, outros menos. Havia, também, escritos característicos
de uma determinada ocasião, que reapareciam em outros momentos; ou os escritos
propriamente ditos ou, até mesmo seus redatores, que surgiam com periódicos de nomes
diferentes, mas que, muitas vezes, continham as mesmas idéias anteriores.
77
AZEVEDO, Moreira de, “Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro. in: Revista do Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro, tomo 28 Rio de Janeiro, 1865. p. 194/195.
78
AZEVEDO, loc cit.
79
SODRÉ, Nelson Werneck, op. cit. p.167
26
80
IPANEMA, Marcelo, e IPANEMA, Cybelle , “Imprensa na Regência: observações estátísticas e de opinião
pública” in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro v. 307. Rio de Janeiro: Departamento de
Imprensa Nacional 1975.p.94.
81
Não é o jornal O Fluminense, conhecido nos dias de hoje. Este foi fundado em 1878. É um outro, homônimo,
que circulou nos anos de 1835-36.
82
Estas Informações são um somatório das informações de 4 importantes obras de pesquisadores da Imprensa
Fluminense: AZEVEDO, Moreira de, “Origem e desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro”. in op. cit.
(Que sonda 18 periódicos que haviam sido compilados no “Dicionário Topográfico do Império do Brasil”, de
José Saturnino da Costa Pereira.) e IPANEMA, Cybelle, Catálogo de periódicos de Niterói. Rio de Janeiro:
Instituto de Comunicação Ipanema. 1988; VIANNA, Helio, Contribuição à História da Imprensa Brasileira
(1812 – 1869) Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945; e FONSECA, Gondim da, Biografia do Jornalismo
Carioca. (1808 – 1908) Rio de Janeiro: Livraria Quaresma, 1941. (Este compilou 24 periódicos para o ano de
1835) . Pode haver publicações que não foram catalogadas em nenhum desses registros.
27
83
Como na análise de: CARVALHO, José Murilo de, Teatro de Sombras: Política Imperial Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
84
IPANEMA, Cybelle e Marcelo de – “Imprensa na Regência: observações estatísticas e de opinião pública” in:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro v. 307. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa
Nacional 1975 p.95.
28
***
periódico, apenas se conhece o nº 12, de 14 de agosto de 1829, que tinha as aspirações de seu
subtítulo: Periódico de correspondências cópias, repetições e traduções de outros periódicos
e obras, tanto nacionais como estrangeiras, ciências, anúncios, compra e venda, poesias,
agricultura etc.89 A tipografia que o imprimiu foi a Tipografia do Eco. Dessa Tipografia, sabe-
se, apenas, que ficava localizada na Rua do Valonguinho nº 1190, e seu escritório ficava “na
91
esquina da rua do Vasco com a rua da Praia”. Essa foi a primeira tipografia da Vila da
Praia Grande, inaugurando a produção Tipográfica da Vila.
O outro filão dessa publicação, o dos anúncios, seriam voltados para transações
comerciais dos praiagrandenses, que ganhavam esse serviço que, ao longo do tempo, passou a
atender aos interesses locais, não estritamente comerciais, dando início, com esse espaço, a
uma espécie de “noticiário local”, inaugurando assim a comunicação local impressa em
Niterói, que depois foi continuada por outros órgãos que gradativamente vão se instalando na
Vila da Praia Grande.
Um aspecto desse tipo de publicação, que não se pode deixar de mencionar, é o fato de
ser feito no interior da Província. Godofredo Tinoco, importante estudioso da história da
imprensa fluminense, ressalta o diferencial da imprensa interiorana, sendo esta: mais fiel e
ligada a paixões, raramente ligada à idéia de atender a um “mercado”. A imprensa
interiorana fluminense, teria crescido de maneira livre para apresentar seus programas, menos
presos à demanda de um público que exige determinados quesitos das publicações que lê.92
Muitos dos jornalistas que publicaram em Niterói, na década de 30 do século XIX, já
haviam publicado na Corte algum periódico. Algumas tipografias não eram novas; eram já
conhecidas na Corte, e apenas tinham seus endereços modificados para lá. Destacamos entre
estas, a mudança da Tipografia de Paraguaçu que imprimiu dois importantes periódicos
políticos do Rio de Janeiro: O Caramuru e O Exaltado. O primeiro, começou a ser impresso
na Praia Grande, desde 19 de setembro de 1832, e lá foi impresso até abril de 1833. Já o
segundo, imprimiu-se na Vila desde janeiro de 1833 até abril de 1835.93
Até o ano de 1835, as tipografias que haviam se instalado em Niterói foram: A Do
Eco, a de Paraguaçu (Paraguassu), A tipografia de Rego & Cia, também chamada de
Tipografia Nictheroy (às vezes surge tipografia Nictheroyense), e a Tipografia de P. Gueffier.
89
O Eco Da Villa Real Da Praia Grande 14 de agosto de 1829.
90
IPANEMA , op. cit. p. 39.
91
Na primeira página de O Eco da Villa Real da Praia Grande.
92
TINOCO, Godofredo, A Imprensa fluminense (1826 – 1963). Rio de Janeiro: Livraria São José. p.126.
93
Esta informação é imprecisa pois é um dado a partir das coleções pertencentes a biblioteca nacional, que conta
com falhas entre os números destes periódicos, podendo também haver imprecisão quanto a data dos términos
das publicações.
30
A do Eco, no ano de 1835, não existia mais. A de Paraguassu não imprimia mais O
Caramuru, já extinto, e nem mais O Exaltado, que foi impresso temporariamente na Corte,
pela Tipografia Fluminense de Brito. Somente no ano de 1835, é que O Exaltado retorna às
prensas niteroienses, sendo impresso numa das mais populares da época: a de Rego e Cia.
Na Tipografia de Rego, se imprimia o periódico Mensageiro da Praia Grande, desde
sua existência, e ela foi uma das responsáveis pela impressão de noticiários similares de
Niterói até a década de 50 do século XIX, se consolidando como uma das principais
tipografias do começo da Imprensa Niteroiense.94
No ano de 1835, apenas uma nova tipografia surge na Praia Grande: A de P. Gueffier,
com tradição na Corte, que se mudou para Niterói e conseguiu um aval do novo governo da
Província do Rio de Janeiro, para substituir o papel outrora realizado pela Imprensa Nacional,
de imprimir as atas oficiais do Governo da Província do Rio de Janeiro. Tarefa essa
desempenhada sob a condição de que não excedesse nunca o seu preço ao que leva a
Tipografia Nacional.95. O motivo da escolha da Tipografia de P. Gueffier seria o fato de estar
mais próxima aos prédios públicos do Governo Provincial, que, recentemente, também havia
se mudado para a Praia Grande. Deste modo, por comodidade, o Governo abriria mão de
publicar suas atas na tradicional e oficial Imprensa Nacional já que o tempo e o dinheiro,
poupados com o transporte marítimo cruzando a baía de Guanabara, foram os definidores
desta decisão, que convinha à boa ordem e rapidez dos trabalhos.
Nessa tipografia de P. Gueffier, ao ano de 1835, impriram-se os periódicos: O
Anarchista Fluminense, de 28 de fevereiro a 30 de abril, e o Defensor da legalidade, que
passa a ser impresso em Niterói apenas em 20 de junho, e segue até 02 de setembro.
Nesse mesmo ano, foram impressos em Niterói dois outros periódicos, ambos da
Tipografia de Rego e Cia: O Sorvete de Bom Gosto e, A nova Caramurada. As duas
publicações são impressas no mês de dezembro desse ano.
***
Terminada a exposição das tipografias que se haviam instalado na Vila até o ano de
1835, percebemos que, até esse ano, há apenas um cenário pouco expressivo de periódicos
94
Nesta Tipografia, imprimiu-se os principais periódicos “utilitários locais”: Mensageiro da Praia Grande
(1834), Mensageiro Nitheroyense (1835), Correio de Nictheroy ( 1836), Correio Oficial Nictheroyense,(1837) O
Omnibus de Nictheroy (1840), Correio oficial da Província do Rio de Janeiro (1844). Entre uma diversidade de
outros periódicos políticos. Informação em: IPANEMA, Cybelle, Catálogo de Periódicos de Niterói. Rio de
Janeiro: Instituto de comunicação Ipanema, 1988.
95
Informação do Mensageiro Niteroiense do dia 27 de fevereiro de 1835, na publicação das atas da Câmara da
Província, em reunião realizada no dia 13 de fevereiro de 1835.
31
96
IPANEMA, Cybelle e Marcelo – “Imprensa na Regência” in: op. cit. p.93.
97
SOUZA, José Antônio Soares de, Villa da Praia Grande à Imperial Cidade de Niterói. Niterói/RJ: Funiarte
1993. Capítulo 17: Jornais. p.382.
98
Ibidem. p. 383
32
99
Segundo a análise feita no Capítulo XI da tese de BASILE, Marcello, O Império em Construção: Projetos de
Brasil e ação política na corte Imperial. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2004.
33
Esse periódico circulou de 02 de março de 1832 até o dia 10 de abril de 1833; foi
impresso por David da Fonseca Pinto100. Nesse jornal, não há impresso o preço do exemplar
por unidade, mas admitiam-se assinaturas semestrais a 6$000 réis Tinha por Epígrafe: Eu não
fallo senão verdades puras, uma frase de Luís de Camões. A partir do nº 23, adota duas
epígrafes agregando a segunda: Fallai, em tudo, verdades a quem, em tudo, as deveis, de Sá
de Miranda. Também agregou o subtítulo: O Imperador Pedro II, e a constituição jurada, a
partir do nº3.
Esse periódico versava sobre questões pertinentes às diversas sociedades identificadas
com o ideal Caramuru. Ia de encontro aos defensores das reformas que se operavam na
legislação brasileira, sendo extremos defensores de que a Carta de 1824 não deveria ser
alterada em nada101.
Outro periódico político que se havia instalado na Vila, foi O Exaltado. Essa folha foi
publicada muito irregularmente entre 4 de agosto de 1831, e 15 de abril de 1835, em um total
de 56 números (Na Biblioteca nacional faltam os números 18, 42, e 50-55). Saía ao público
sem dias fixos, variando de uma a duas vezes por semana. Cada edição tinha 4 páginas,
custando, até o número 22, 60$ Réis, depois, 80 $ Réis. A assinatura trimestral custava 2$000
Réis. Era impresso na tipografia de P. Gueffier, quando ainda se situava na Rua da Quitanda
nº 74. De dezembro de 1831 a dezembro de 1832, foi impresso na tipografia de R. Ogier, na
rua da Cadeia nº142. No dia 02 de janeiro de 1833, apareceu o número 37, impresso na
tipografia de Paraguaçu.
A epígrafe escolhida, de apelo revolucionário, embasada no parágrafo VIII, Artigo 145
da Constituição dizia: “Todos os Brazileiros são obrigados a pegar em Armas para sustentar
a Independência e a Integridade do Império e defende-lo dos seus inimigos Externos e
Internos.” Esse periódico entre os anos de 1831 e 1833 foi um grande representante dos ideais
exaltados, assumindo o nome que muitos repudiavam, defendia uma Monarquia Eletiva, e
apregoava os direitos do cidadão, entre outros preceitos de apelo popular.
O redator dessa folha foi o Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte102, um Padre
capixaba que já figurava na política desde a década de 20, e que, por sua crença política e
atuação na Imprensa, foi perseguido e ameaçado de morte, o qual o obrigou a mudar-se da
100
Ver BLAKE, Augusto Alves Victorino Sacramento, Diccionário Bibliográphico brasileiro. Rio de Janeiro:
Conselho federal de Cultura, 1970 (Edição Fac- similar da original de 1883-1902)
101
Maiores informações ver: BASILE, Marcello, op.cit.
102
Padre Exaltado que teve uma vida política atuante, foi extremamente perseguido pelos adversários.
Informações gerais sobre a sua Biografia, ver BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento, .Sobre a sua atuação
como um dos principais partidários da Exaltação na Corte ver: BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e
demagogos: Os Liberais exaltados e a formação da esfera pública na Corte Imperial. (1829 – 1834) Dissertação
de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S U.F.R.J., 2000.
34
cidade do Rio de Janeiro. Outros periodistas comumente sofriam ameaças de morte por causa
de seus escritos, como foi o caso de Ezequiel Correia dos Santos, redator do Nova luz
Brasileira103. No ano de 1833, com a mudança de endereço do Padre Mestre, e da sua Escola
para Niterói, é que também se transfere a publicação do periódico O Exaltado. Esse periódico
mudou de nome, agregando o termo os Cabanos104 na Praia Grande.
O Padre Marcelino, no ano de 1835, ocupa o Cargo de Juiz de Paz na Vila da freguesia
de São Gonçalo de Ipihiba, e, no começo desse ano é transferido para a freguesia de São João
Batista de Icarahy, mantendo-se controverso e polêmico entre a população. No ano de 1835,
esse pasquim estava um pouco menos preocupado em atacar, e muito mais em defender-se de
ataques de outros periódicos políticos, que tão comumente criticavam o jornal e seu redator,
Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte, que foi um partidário da exaltação, continuamente
perseguido, e criticado nos escritos de outros periódicos, desde o ano de 1831.
O Padre Mestre foi extremamente perseguido por diversos políticos, tanto moderados
como caramurus. Foi uma figura polêmica, e essa informação se baseia no conteúdo dos
artigos que combatem sua atuação como padre, como professor, como jornalista e como juiz
de paz. A diversidade de periódicos105 que criticam o Padre Mestre demonstram isso muito
bem, sempre com críticas severas ao fato de ele ser professor de jovens e aos seus ideais
exaltados, sendo visto como um “aliciador” desses jovens. As críticas iam além de ideologia e
comumente, O Padre era criticado em periódicos rivais que o acusavam de incompetente nas
suas funções de professor de gramática e latim.
O Exaltado ou os Cabanos na Praia Grande foi um dos mais atuantes periódicos
políticos na Vila. Assumia a denominação de exaltado embora, em algumas edições, elogiasse
certos Caramurus, fato, que pode acarretar uma certa confusão no que se refere às suas
identidades políticas, mas convém lembrar que se tratava de um momento de alianças entre os
contrários da Regência, em prol de seus objetivos comuns.
***
103
Maiores informações sobre o Ezequiel Correa dos Santos ver: BASILE, Marcello, Ezequiel Correa dos
Santos: Um Jacobino na Corte Imperial. Rio de Janeiro: FGV, 2001.
104
Referencia direta feita aos cabanos da Região de alagoas.
105
Entre eles, podemos citar: A Aurora, O Sete d`Abril,entre outros de orientação moderada.
35
106
O Título Remete ao fato deste ano ter sido introduzido o sorvete no Brasil
36
(claramente expressos nos significados de seus títulos) e a forma como faziam política (o
defensor é mais comedido em sua linguagem; O Anarchista Fluminense, mais violento.)
Os outros dois O Sorvete de bom gosto e A nova Caramurada foram impressos na
tipografia de Rego & Cia, a Tipografia Niterói.
A NOVA CARAMURADA
Esse periódico também não se encontra entre os periódicos Raros da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro; sabemos de sua existência graças ao trabalho de Helio Vianna108.
Seu primeiro número datava de 24 de dezembro de 1835, e o principal assunto de sua
primeira edição tratava de um boato de revolta escrava que aconteceria na Vila de Maricá, no
dia do Natal. O Motim estaria planejado para acontecer concomitantemente em logradouros
vizinhos a essa vila. Critica essencialmente os empregos públicos e os postos na Guarda
Nacional, concedidos entre comparsas políticos, independentemente de seus méritos.
O DEFENSOR DA LEGALIDADE
Esse periódico custava 80 rs., era publicado às 3ªs e 6ªs e vendido nas lojas do
costume. Em sua epígrafe lia-se: Liberdade e ordem. Esses dois conceitos são muito utilizados
no debate político dessa época, cada um deles agregando significados diferentes, dependendo
de quem o utiliza e sobre qual questão tratava. Esse periódico pode ser considerado de
orientação moderada, tinha por objetivo defender os princípios dessa corrente política.
Quanto às temáticas desses jornais, podemos dizer que eram similares. Permeavam a
situação das polêmicas leis elaboradas durante a Regência, e suas implicações no cotidiano.
107
O Periódico faz parte originalmente da Coleção de Francisco Marques dos Santos. Sua descrição é feita
em:VIANNA, Helio – ob. Cit. p. 312.
108
Ibidem p. 314.
37
Seriam estas: A proibição do tráfico de escravos, o poder conferido aos juízes de paz depois
da criação do código do processo e do Ato adicional de 1834, a criação da província do Rio de
Janeiro. Também estava em pauta: a revogação dos parágrafos 7, 8 e 9, do artigo 179 da
constituição, e o “Grande medo” gerado pós Levante Malê, entre outros “grandes temas”
cujos debates ocupam diversas páginas dos periódicos politizados desse tempo.
Mesmo assim, não se preocupava estritamente com as questões da Praia Grande. As
notícias do Império, da administração da Regência, assim como algumas notícias
internacionais, eram os principais temas comentados por essa folha política, que representou
uma nova voz dos moderados nesse momento.
O ANARCHISTA FLUMINENSE
Esse periódico tem sua primeira edição datada do dia 28 de fevereiro de 1835. A data
corresponde ao dia seguinte àquele em que se aclamou a Vila da Praia Grande como Capital
da província do Rio de Janeiro. Termina em 30 de abril do mesmo ano. Esse periódico custava
de 40 a 60 réis, variando seu preço de acordo com o número de páginas (de 4 a 6). Não
admitia assinaturas e era impresso na Tipografia de P. Gueffier, que, como sabemos, era a
responsável pela publicação da movimentação burocrática da Vila da Praia Grande.
Quanto às epígrafes que esse jornal traz, temos duas sugestivas frases:“Esta folha
publica-se em dias indeterminados, quando for da vontade de seus redatores” que já mostra
desde o número 1, que não seguiria nenhuma periodicidade. A outra epígrafe dizia:“Un pás
hors du devoir nous peut mener bien loin.” que significa: “Um passo fora do
dever[obrigação] pode nos levar bem longe” Essa segunda frase, certamente era o principal
“lema” que o jornal propunha, caracterizando bem, a “cara do Jornal”. A frase, é do teatrólogo
que viveu no século XVII, Pierre Corneille109.
Não havia além dessa folha, com exceção do Mensageiro da Praia Grande, uma
publicação que se preocupasse em publicar artigos concernentes às questões da Vila. Também
podemos considerá-lo, verdadeiramente, o primeiro pasquim de Niterói. Foi o primeiro a
fazer críticas ferozes, voltadas a questões locais da recém aclamada cidade, o primeiro a
comentar sobre as posturas dos moradores de Niterói, sobre as figuras locais, como, por
exemplo, o oficial dos Correios, o dono das terras que circundam a lagoa de Itaipu, e o redator
do Mensageiro da Praia Grande, Siqueira Rego. Faz críticas acres ao momento de criação da
109
Teatrólogo Francês que atuou durante o século XVII, formou-se em direito, trabalhou para Richelieu, ganhou
fama em toda a Europa com suas obras traduzidas para diversas línguas. Foi um grande poeta, teve força
criadora, elevação de pensamentos, técnica apurada e tendências moralizadoras em suas obras. Maiores
informações ver: SAINZ DE ROBLES, Carlos Federico, Diccionário de la literatura Madrid: Aguilar, 1950.
Tomo III.
38
província do Rio de Janeiro, as votações para escolha da capital, e aos respectivos festejos
desse fato. Compõe um registro único desses acontecimentos, com uma ótica crítica e menos
idealizada desse momento histórico da cidade de Niterói.
Algo de extrema importância, e que não pode ficar de fora dos comentários sobre esse
jornal, é que tinha preocupação em atacar diretamente o já referido Padre Marcelino, Redator
do O Exaltado ou os cabanos na Praia Grande. Um dos objetivos principais dessa folha é
depreciar a figura do padre mestre, fazendo críticas severas, desrespeitando-o de maneira
extremada, com discursos de ataque direto e desmoralizadores, presentes em quase todos os
artigos do jornal, havendo mesmo alguns artigos totalmente voltados a criticá-lo. As críticas
de depreciação moral que fazia do Padre Marcelino envolvem sua atuação como Mestre, Juiz
de Paz, Periodista. Critica seus hábitos pessoais, acusa-o de chupista, e censura seus cabelos
longos (Algo comum entre políticos de orientação Exaltada) chamando-o de gadelhudo110
Após vasta pesquisa, foi encontrado apenas um periódico que publicou comentários
sobre um artigo do Anarchista Fluminense. O Mensageiro Niteroiense, que publica um artigo
do Padre Marcelino Ribeiro Duarte, em resposta a um dos Artigos (da 7ª edição), por sinal o
único assinado111, e totalmente direcionado ao Padre Marcelino. No 2º número do Anarchista
Fluminense, temos notícia de que na edição nº 54 de O Exaltado, inexistente na Biblioteca
Nacional, se tem notícia de que o nº 1 do Anarchista Fluminense foi acusado de perturbador
da ordem, com claras concitações a rebelião, chamamento dos povos a desordem112.
Infelizmente não há como desenvolver esta crítica. Vários dos periódicos que circularam no
ano de 1835 têm suas coleções incompletas, e as edições que teriam sido publicadas
paralelamente às edições do Anarchista Fluminense, não existem nas suas respectivas
coleções. O fato de não se ter acesso ao Exaltado pode ser considerado o fator mais
prejudicial à pesquisa, pois é o que certamente mais dialogava com o Anarchista Fluminense.
Percebemos que ao longo dos artigos desse jornal, as insatisfações são múltiplas,
sendo os redatores desligados das causas dos três principais partidos políticos das regências,
como veremos mais adiante.
110
CHUPISTA = pessoa dada ao vício de beber ;GUEDELHA= franja, madeixa”Os homens galantes ou nobres,
em ser liberais tinham a sua guedelha, com isto tão sois.GADELHUDO = GUEDELHUDO : De cabelo longo,
crescido. Informação em: SILVA, Antonio e Moraes, Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Impressão
Régia, 1831.
111
1 poesia é assinada Francisco Borges Mendes, e um outro artigo é assinado por Ovídio Saraiva de Carvalho,
nenhum deles se assume como redator principal, apenas como correspondentes que publicaram seus escritos
nesta folha.
112
Informações no Anarchista Fluminense nº 2 do dia 05/03/1835.
39
***
Para complementar tal análise, seria ideal, também, conferir os significados desta
palavra consolidados nos léxicos da Europa, (principalmente Portugal, França e Inglaterra) e
comparar com as formas que assumiu no Brasil, na década de 30 do século XIX. Com o
intuito de aprofundar a análise, não podemos deixar de agregar ao presente trabalho alguns
dicionários estrangeiros, e esta tarefa deve ser feita pelo fato de esses países serem
irradiadores de doutrinas políticas com um vocabulário novo que continha inúmeros novos
termos em construção, frente a uma nova realidade. Os focos irradiadores de novas “Teorias
Políticas”, movimentadas acima de tudo pelos efeitos da Revolução Francesa, começavam a
ajudar a compor os verbetes dos novos dicionários, livros que também serviam de referência
aos letrados brasileiros nesse tempo.
Esta tarefa é extremamente necessária ao trabalho, pois há que traçar os limites desses
significados, para uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças de sua aplicação
nos escritos brasileiros.
Mencionaremos os grandes léxicos dessas línguas, bem como outros dicionários que
nos servirão na comparação de prioridades de significados dados a palavra, e de sua evolução
semântica. Por isso utilizaremos alguns dicionários de bolso, bilíngües e trilíngües para
verificar a “fluidez” das significâncias do termo, num esforço que serve para tentar balizar e
comparar as nuances possíveis, nesses diversos discursos que de certa maneira, continham
uma mesma proposta. Os Dicionários Etimológicos e Históricos também colaborarão para
esta análise, uma vez que também se propuseram a tarefa de compreender o termo,
apresentando a evolução de seus significados em determinada língua.
Em um outro momento, ainda neste capítulo, veremos as principais nuances do
conceito de Anarquia e seus derivados, tal qual era concebido pelos jornais do período
Regencial. Se tomarmos por base a sua aplicação nos artigos dos pasquins políticos, podemos
compreender melhor os significados dados a esta palavra pois, em seus artigos, veremos que a
forma utilizada pelos redatores desses jornais se diferenciava das demais encontradas nas
referências lingüísticas da época.
A parte final deste estudo tratará da palavra no jornal O Anarchista Fluminense, tarefa
essencial a ser realizada, para adentrarmos num exame do conteúdo da Retórica desse Jornal
(tarefa realizada no Capítulo 4).
Como a contextualização deste conceito é o primeiro passo da análise, foi feita uma
pesquisa nos dicionários existentes e em circulação até o ano de 1835, com data de publicação
mais aproximada a esse ano, para se verificar os significados consolidados, e ter uma idéia
mais precisa da forma pela qual este termo era concebido nessa época, a ponto de compor um
possível “senso comum” ao termo em questão.
No Brasil, as duas referências mais apropriadas à nossa tarefa são: o Dicionário da
Língua Portuguesa, de Antônio de Morais e Silva, e o Dicionário da Língua Brasileira de
Luís Maria da Silva Pinto. Estas duas, na década de 30 do século XIX, foram as mais
atualizadas referências lexográficas utilizadas no Brasil.
Comparando as duas referências, de maneira bem simplificada, podemos chegar à
conclusão de que o Dicionário da Língua Portuguesa de Antônio de Moraes e Silva teve mais
credibilidade em seu tempo. Este é reconhecido como um dicionário que contribuiu para a
elaboração de outros dicionários, diferentemente do Dicionário da Língua Brasileira, que
compõe sua obra copiando algumas obras para redigir seu conteúdo.
Ainda que este dicionário brasileiro não fosse tão apurado em seus significados, sendo
bem menos pretensioso, de alguma forma: esse dicionário surge como algo que desestabiliza
um discurso vigente, que rompe com o discurso da herança de Portugal ao Brasil,
diferentemente do Dicionário da Língua Portuguesa, que, embora elaborado por um
brasileiro, mostra-se fortemente relacionado com o discurso da Metrópole.114 O objetivo da
existência deste dicionário brasileiro, seria muito mais de demonstrar esse rompimento,
criando-se um dicionário genuinamente brasileiro, do que de criar um dicionário com
“brasileirismos”, e com referências das línguas dos “aborígenes brasílicos.”115 O dicionário
era pequeno, tendo o formato dos dicionários de bolso da época.
O dicionário editado por Luís Maria Silva Pinto116, no ano de 1832, explica-se em
relação às eventuais omissões deste dicionário, em seu prefácio, onde lê-se:“restringi o meu
plano, levando ao prelo o presente dicionário portátil, que modificará a penúria ocorrente e
servirá de base a outra edição mais ampla e regular, se este esforço patriótico merecer
114
GARCIA, Dantielli Assumpção, “Discurso lexográfico: Os dicionários no século XIX”.in Anais do SETA #1,
Campinas, 2007.
115
Idem.
116
Nascido em Villa Rica (Ouro Preto), no ano de 1773, Luís Maria da Silva Pinto atuou como conselheiro do
governo de Ouro Preto, secretário do Governo da Província de Minas Gerais e diretor da instrução pública e
procurador fiscal da província. Tornou-se sócio do IHGB, realizando uma diversidade de mapas estatísticos da
Província de Minas Gerais de 1821 até 1847. Faleceu em 1869. Informações em SILVA, Inocêncio Francisco da.
Dicionário Bibliográfico Portuguêz Lisboa: Imprensa Nacional, 1860.
42
também para que possamos compreender se houve ou não uma diferenciação no conceito de
Anarquia concebido nos séculos XVIII e XIX. Sendo assim, incluiremos na pesquisa o
Vocabulário Portuguez-latino do Padre Raphael Bluteau123.
Vamos conferir os significados atribuídos ao termo Anarquia e seus derivados, nestes
três dicionários, expostos aqui em ordem cronológica:
ANARCHIA (ch como k; neste e deriv.) s.f. (do Grego anarchia do prefixo priv. a.
e de arché, governo, comando) Desordem em um estado, que consiste em que
ninguém tem nele autoridade suficiente para governar, e para fazer respeitar as leis,
e onde por conseqüência, o povo faz o que quer, sem subordinação e sem polícia.
Escol. Das verdades 5.4
ANARCHICO Que tem relação com anarchia ; onde há anarchia v. g. estado
anarchico
*ANARCHISTA s. 2 g Partidário da Anarchia. Fautor de desordens125
ANARCHIA: s. f. (ch como q) Falta de chefe que governe. Desordem civil que
della procede
ANARCHICO adj. De Anarchia; em que há Anarchia126
123
Nascido em Londres 1638, foi clérigo regular, sábio e erudito, versado em todo o gênero de estudos, teve
predileção pelo estudo das línguas mortas e vivas (Francês, Inglês, Italiano, Português, castelhano, latim, grego)
tendo conhecimento aprofundado de todas as respectivas gramáticas, tendo vivido mais de 5 anos em cada um
dos países em que estudou suas respectivas línguas. informações no SILVA, Inocêncio Francisco, op cit. Volume
VII.
124
BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulário Portuguez – Latino Autorizado com exemplos dos melhores
escritos portugueses e latinos. Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712.
125
SILVA, Antônio de Moraes e. op. cit.
126
PINTO, Luis Maria, op. cit.
44
Governo. Vemos que, nos dicionários, esta falta de governo é mais diretamente associada ao
“Príncipe”, o principal governante, mas admite-se qualquer esfera do aparato governativo que
mantenha a “ordem” proposta por esse aparato: governantes, polícia, magistrados e as demais
autoridades de uma determinada organização governativa.
Há uma semelhança também no que concerne às fontes do significado, que aparece
tanto no dicionário de Moraes e Silva, como no de Bluteau, se inspiram no mesmo texto que
fora publicado na Escola das Verdades127, referência de peso do século XVII. O início do texto
do verbete Anarquia, no dicionário de Moraes Silva, é nada mais que uma tradução do inicio
do mesmo verbete na Enciclopédia de D`Alembert,128
Com a leitura dos três dicionários, percebemos que os dois dicionários do século XIX
seguem uma mesma linha de raciocínio, denominando a Anarchia como desordem em um
estado. A associação pode ser feita diretamente à falta de legitimidade dos governantes, sendo
estes não reconhecidos pelos governados, ou simplesmente o fato de não haver meios de um
Estado vigiar, e cobrar que se cumpram as leis. O povo faz o que quer sem subordinação e
sem polícia é um texto que se incluiu entre os significados da falta de governo, a liberdade de
agir sem ser cerceado ou reprimido pelo governo. Não chega a especificar como algo tão
caótico, como o significado que se observa no dicionário de Silva Pinto, significado este mais
simplificado e mais “seco” qualificando o termo apenas como desordem civil.
De maneira bastante adversa aos autores do século XIX, O dicionário de Bluteau é o
que sugere uma variedade de exemplos que demonstram uma maior diversidade das
possibilidades de significados, a que o termo Anarchia podia aludir.
Um dos significados que esse autor expõe para o termo Anarquia, deve ser ressaltado,
especificamente: licentia. Este termo latino é uma derivação do termo licens, que significa
lícito. A partir desses termos podemos chegar a uma outra esfera de significância para o termo
Anarquia. Licentia significava:
de um outro dicionário que seria o Diccionário Portuguez, Francês, Latino que não enfatiza
desordem civil nem destruição mas apenas: cada um vive como lhe parece.
132
SÁ, Joaquim da Costa e. Diccionario portuguez-francez-e-latino novamente compilado, que á augustíssima
senhora d. carlota joaquina, princeza do brasil, oferece e consagra Joaquim José da Costa e Sá, Lisboa: Na
Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794.
133
Segundo o dicionário de FONSECA, José da, Novo diccionário francez-portuguez composto sobre os
melhores e mais modernos diccionários das duas nações, e particularmente sobre os novíssimos de Boiste,
Laveaux, Raymond. Paris: J. P. Aillaud. 1836.
134
NOEL, Fr, Dictionarum Latino-Gallicum Dictionaire Latin Français Composé sur le plan de l´ouvrage
intitulé: Magnum Totilis Latinitatis Lexicon, de Facciolazi. Nouvelle edition – Revue et Argumentèe. Paris: Ve le
normant. Libr, 1833.
47
licenciosa, que seria: o Estilo que excede às leis; por ex. da história da oratória, etc.Freyre,
Prol. It. Que falla, que escreve imoralmente, que ensina a imoralidade, indecóros, etc135.
Cabe aqui lembrar que, nesses dois dicionários de Latim aqui citados, não se encontra
a palavra anarquia.
Com uma outra afirmação de Bluteau: Aqueles que no meio das perturbações da
república querem melhorar com dano alheio a sua fortuna, há a sugestão de uma outra
“vertente” para a palavra Anarquia. Aqui temos a desordem significando a corrupção na
política e o crime. Constrói-se um significado que demonstra que apenas os mal-
intencionados, trapaceiros, corruptos e enganadores são adeptos da inexistência de ordem
superior para regrar e cercear.
A anarquia também aparece como licenciosa pelos desejosos de mudanças políticas
drásticas, como, por exemplo, derrubar uma Monarquia. A anarquia é admissível na transição
de um governo. Neste caso não é corrupta nem desordeira, também é apenas a condição
transitória daqueles que desejam um novo governo, ou uma nova forma de governo, como,
por exemplo, uma República.
O Termo anárquico, que só aparece nos léxicos monolíngües da língua portuguesa no
século XIX, não dizia muito mais do que ter relação com a anarquia ou, aonde há anarquia,
geralmente, em um Estado.
Como parte dos novos vocábulos agregados na 4ª edição do dicionário de Moraes
Silva, encontramos Anarchista, um substantivo para designar Partidários da anarchia, ou
simplesmente: Fautor de desordens.
A Novidade do termo Anarchista que aparece nesse dicionário marcado com um
asterisco, certamente atende a necessidade imperiosa de que se inclua este termo já muito
utilizado no Brasil, principalmente nos anos 20 do século XIX, quando se sucedeu a
independência brasileira, no debate da imprensa. A edição de 1831 é a primeira das edições
dos dicionários da Língua Portuguesa a apresentar o termo. Em seu significado, o termo
fautor, parece muito amplo. No mesmo dicionário, o termo fautor aparece como: agente, que
promove, auxilia, favorece alguma coisa. Sendo assim, deduzimos que o termo Anarchista
significa: aquele que faz, aquele que induz, o que colabora, e compactua com a desordem.
Não há uma extensão do termo anarquista, além da relação com a desordem.
O Dicionário de Silva Pinto não apresenta o termo Anarquista. Vemos que esse
dicionário, realmente, não se propunha ser um grande compêndio da Língua Portuguesa, era
apenas uma referência sem grandes pretensões, pois é um dicionário portátil. De fato, a
135
SILVA, op.cit.
48
ANARCHIE s. f. Etát d´um peuple qui n`a plus ni chef, ni autorité à laquelle on
obéisse, ni lois auxquelles on soit soumis. Tomber dans l`anarquie. Sortir de
l`anarquie. Un etát en proie à l`anarquie. Reprimer,dompter l`anarchie,
L`anarchie feodale. La democratie pure dégenerère facilement en anarchie.
Fauteur d`anarchie.
ANARCHIQUE s. dês deux genres. Qui tient dé l`anarchie. Un État anarchique. II
signifie aussi, Favorable a l`anarchie. Opinion Anarchique. Principes anarchiques.
Systeme anarchique.
ANARCHISTE s. dês deux genres. Partisan de l`anarchie, fauteur de troubles.
136
Durante a Revolução francesa, a Convenção Nacional suprimiu todas as academias reais, inclusive a
Académie française fundada no sécuo XVII. Em 1793, foram completamente abolidas. As academias foram
reunidas numa única entidade, em 1795, chamado de Institut de France. Napoleão, quando era Primeiro Cônsul,
decidiu restabelecer as antigas academias, mas como "classes", ou divisões, do Instituto. A segunda classe do
Instituto equivalia à antiga Académie. Quando assumiu o trono o rei Luís XVIII em 1816, cada classe recuperou
o título de Academia. Desde este ano, portanto, a Académie française funciona ininterruptamente.
49
Complementando este dicionário, ao ano de 1836 surge uma novidade que seria o
Suplemento ao dicionário da Academia Francesa “Supplement au Dictionnaire de L
´Academie Française” Sixième et Dernière Edition, publiée en 1835. Na introdução da obra,
esse dicionário se propunha ser um complemento a todos os dicionários franceses: Antigos e
Modernos. A Compilação é autoria de F. Raymond.
Na edição suplementar de 1836, lemos duas derivações de Anarchie que são deveras
inovadoras:
***
Na Língua Inglesa, um dos dicionários mais consagrados durante o século XIX foi o
de Noah Webster; o autor tornou-se muito popular após publicar o seu primeiro diconário, A
Compendious Dictionary of the English Language, em 1806. Nele, introduziu as formas
americanas das palavras inglesas, o que caracterizou uma inovação nesse tempo. Também
incluiu termos técnicos das artes e ciências, e trabalhou mais duas décadas para a expansão
desse dicionário, até que em 1828, Webster publicou seu American Dictionary of the English
Language, contendo 70.000 palavras.
Ao ano de 1829, Joseph Emerson Worcester publicou um suplemento a esse
dicionário, que apenas foi alterado no ano de 1840, quando surge a Revised edition. Até esse
ano, a edição de 1829 foi reeditada várias vezes, sinal de sua aceitação e popularidade. A
edição que utilizaremos será a décima quinta, feita em 1836139.
Nesse dicionário da língua inglesa, temos os seguintes significados para palavra
Anarquia:
139
Apesar de não ser exatamente do ano de1835, faz parte de uma revisão à edição de 1835, apropriada ao
presente trabalho por apresentar a novidade do termo Anarchism, demonstrando bem o momento em que o termo
passa a compor os principais léxicos em diversas línguas.
51
CONCLUSÃO:
143
DICTIONAIRE DES SYNONIMES FRANÇOIS, Paris: Livoy Thimoteo,1767.
144
Esta forma surge no dicionário Francês – Português de José da Fonseca. op. cit.
53
-ANARCHIE n. f. Est emprunté par Oresme (v. 1372) au latin Anarchia, employé
dans les traductions d´Aristotel pour renare le Grec Anarkia, de an privative + arkhê
commandement
-Le mot appraît avec une values antique et technique pour “état politique où les af-
franchise peuvent jouer un role das le government”
-Ilne se rèpand qu´a la fin du XVI (1596) avec la valeur generale de “ Désorde
politique faute d´autorité – de ce sens general péjoratif, absense de gouvernment:
Désordre qui em résulte” , on est passe à confusion désordre” (1742) Et, pendant la
Révolution, à doctrine politique basée sur la suppression du povoir de l´Etat “
Valour qui se dèveloppe au XIXe. S (1840 Proudhon). À la fin du siecle le concept
est em relation et en opposition avec le socialisme et le syndicalisme. (Les
composés “Anarcho Syndicalisme et syndicaliste)
-De la même periode date l ´abreviation populaire de anarchiste ANAR (Ci-
dessous) qui manifeste la vitalité du mouvement
-Des mots concurrents, comme libertaire, puis gauchiste, marquent lê recul du
concept, dans des contextes plus récents.
-ANARCHIQUE adj. (1594) A suivi l´évolution semantique du substantif II
Signifie par extension “ Desordeneé confus” 1866 et se détach alors de tout allusion
politique (un devélopment anarchique etc.)
-II a pour derive anarchiquement adv. ,1834
-ANARCHISTE n. est un mot de la revolución (1791) devenue usuel au milieu du
XIXe s. avec le développement de anarchie et qui prend des connotations nouvelles
à la fin du XIXe siécle
ANARCHISME n. m. designe la doctrine politique des anarchistes (1834) et,
comme anarchiste, a pris une valeur extensive pour “refus de l´autorité, en géneral”
(1917)
-ANARCHO n. m. (Fin XIXe. S.) Formation argotique sur ANARCHISTE a été
remplacé par anar n. m. (1901) aussi employeé comme adjectif, et, rarements, au
feminin
Enfin anarcho-sert d´élément de composition dans anarchosyndicalisme n. m. et.
Anarchosyndicaliste adj. Et n. probablement (1900) .146
145
Informações no prefácio da obra: REY, Alain (Direction), dictionaire historique dela langue française. Paris:
Dictionaires Lê Robert, 1992.
146
REY , op. cit.
54
O dicionário histórico da Língua Francesa, organizado por Alain Rey, em 1992, nos dá
a informação de que a palavra “Anarchie” apenas surge na língua francesa, depois das
traduções feitas dos textos de Aristóteles, realizadas por monges no século XIV. Apresenta
também a grande evolução que esta vai sofrer ao longo do século XIX.
Segundo esse autor, o termo assumiu três momentos: O primeiro, mais ligado à origem
grega, significava sem governo; depois, o termo se liga a desordem, de maneira a representá-
la em todas as esferas possíveis, como um sinônimo. O terceiro momento é o que se refere ao
pensamento e doutrina política, e se desenvolve ao longo do século XIX.
O Anarquista seria: uma “criação” da Revolução Francesa. É nesse momento de
alterações severas de ordem política, que se consolidou o termo no imaginário popular. A
citação dos escritos de Mirabeau é considerado “marco” da utilização desse termo. Esta
informação é senso comum em diversos dicionários etimológicos, como no de Albert Dauzat:
ANARCHIE: (XVIe s. Oresme) empl. au Grec “Anarchia” (de a[n] privatif et arkhê,
commandment), Latinisé dans les traductions latines d´Aristote.
Dér: ANARCHIQUE (1594, MENIPÉE) ; ANARCHISTE (1791) creation de la
revolution, à côte d´anarchiser (Mirabeau), peu usité.147
147
DAUZAT, Albert, Dictionaire Etymologique de la Language Français. Paris: Librarie Larrousse, 1938.
148
MORAES SILVA, Antônio de, Dicionário da Língua Portugueza Edição Revista e Melhorada. Rio de
Janeiro: Empreza Litteraria Fluminense de A. A. da Silva Lobo, 1889.
55
O Termo anarquismo, aqui, não aparece com nenhuma referência a nenhuma obra ou a
algum autor que a teria utilizado em determinada data. O ano de 1834 que parece precoce para
esse termo, pode ser corroborado pela sua existência na Revisão do Dicionário da Academia
Francesa, de 1836, ou o dicionário de Webster, que também só inclui o termo em 1836.
Também há um dicionário do ano de 1837 que já inclui este termo, traduzido à língua
portuguesa. Um dicionário das línguas Inglesa e Portuguesa, um pequeno dicionário de Bolso
para viajantes em que se lia:
No Prefácio dessa obra, o autor explica aos leitores os motivos pelos quais intitula de
“Um novo dicionário” em vez de intitulá-la como segunda edição, mesmo sendo a
continuidade atualizada da mesma que havia sido publicada em 1800. Sua utilidade, segundo
o próprio prefácio, seria muito mais para os viajantes do que para os mercadores. “É um
dicionário de bolso, utilitário, porém com as debilidades que um dicionário deste tipo pode
ter”.149 Esse dicionário de bolso talvez tenha sido o primeiro a trazer para a língua portuguesa
o termo Anarquismo.
Já o verbo Anarquizar teve sua primeira tradução para o português no já citado
dicionário Francês - Português de José da Fonseca, em que aparece traduzido como
Anarquiar
***
Mas os significados de todos esses dicionários não são suficientes para uma total
compreensão dos sentidos pretendidos pelos redatores de jornais do período regencial, para
tecer seus artigos. Nesses periódicos, o termo anarquista agrega outros significados que já
faziam parte da linguagem dos políticos e dos politizados.
O dicionário de Silva Pinto, de fato, não incluiu o termo “Anarquista” que, nesse
tempo, era tão recorrente na imprensa periódica, como veremos mais adiante. O termo já
149
AILLAUD, J. P., A New pocket dictionary of the Portuguese and English in two parts, viz Portuguese and
English and English Portuguese, abridged from Vyeira´s dictionary. A new edition considerably enlarged and
corrected by J. P. Aillaud. English and Portuguese, V II. Paris: printed for J. P. Aillaud, Bookseller, 1837.
56
Nesta parte, iremos confrontar os significados da palavra Anarquia tal qual vimos nos
principais dicionários, com os que eram utilizados pela Imprensa periódica. Aqui faremos
uma análise da conceituação que este termo assumia no espaço das publicações periódicas que
circularam na década de 30 do século XIX, e que se consolidaram logo após a abdicação de
Pedro I.
Desde o período em que se concretizou a independência brasileira (1820 a 1823), os
termos Anarquia e Anarquista surgiram em periódicos políticos em grande profusão. O termo
Anarquista foi, nesse período, utilizado em debates políticos para depreciar os adversários. É
um termo extremamente negativo, e que foi comum em debates políticos durante a Revolução
Francesa, como já visto na primeira parte deste capítulo. É o grande xingamento entre
discordantes de matérias políticas. Esta perspectiva foi salientada pela historiadora Lucia
Maria Bastos Pereira das Neves no tocante ao debate político do período da independência do
Brasil.
Em suas análises sobre um novo vocabulário político que surgiu nesse período, Lucia
Neves traçou um amplo panorama das palavras que derivavam das idéias da ilustração
57
portuguesa e ganhavam significado mais amplo através das práticas e das ações políticas
dos grupos diversos que compunham a elite portuguesa e brasileira150. Nesse estudo,
percebeu, através dos periódicos da década de 20, como que o termo Anarquia, que se ligava
a guerra civil, desordem, paixões, e a demagogia151, foi largamente utilizado como: um
alarme dirigido a opinião pública contra qualquer perigo que ameaçasse a nação ou,
simplesmente: a modificação da ordem vigente.
A anarquia seria o avesso da ordem. A ordem, tal qual invocada nos textos liberais,
traduzia a idéia de tranqüilidade pública, servia de pretexto para respeitar o regime político
constitucional, a lei, a autoridade constituída, o cidadão152. Percebemos, então, que anarquia,
na década de 20, era sempre um termo de conotação negativa, e independentemente de quem
a invocasse.
Na década de 30, havia um novo significado, presente nos escritos, panfletos e
periódicos, que demonstrava uma nova conceituação no imaginário popular, e que divergia,
em alguns pontos, dos significados apresentados nos Dicionários, e nos periódicos da década
de 20, que seria o que ficou consolidado no periódico: Nova Luz Brasileira153, periódico que
se propôs a fazer uma espécie de dicionário político, que tratasse das novas conceituações
agregadas a termos políticos radicais inspirados nos ideais do Iluminismo. Esse periódico
trouxe novos significados agregados a termos, conhecidos ou não, sob a ótica de uma
linguagem radical de sua época, considerando as novas posturas políticas que despontaram,
no momento posterior à Revolução Francesa, e relidos pelos liberais brasileiros.154
Do Dicionário Cívico e doutrinário, impresso nas edições do Nova Luz Brasileira,
temos:
Difinição 17ª
O que é =Licença= É huma Liberdade excessiva do Povo que rompendo os limites
da boa ordem, não obedece ás Leis como deve, e faz algumas dezordens. É o
primeiro gráo da Anarchia.
150
NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das, Corcundas e constitucionais - A Cultura política da Independência
(1820-1822). Rio de Janeiro: FAPERJ 2003, p. 188.
151
Neste estudo, a autora destaca que o termo demagogo, que originalmente significaria: “aquele que conduz o
povo”, é diretamente associado ao termo Anarquista, sendo o demagogo, aquele que adula o povo, que agita as
massas. O vocábulo foi utilizado como alusão a partidários de governos democráticos, com participação popular.
No Brasil, também foi utilizado num prisma inverso, para qualificar os portugueses,que se manifestavam
contrários aos liberais.
152
NEVES – Ibidem.
153
Este periódico Circulou na Corte Imperial entre os anos de 1829-1831. Foi o maior e mais estável periódico
exaltado, tanto em número de edições como em abordagem de diferentes temáticas. Seu principal redator foi
Ezequiel Correia dos Santos, para maiores informações sobre sua atuação, ver: BASILE, Marcello, Ezequiel
Correia dos Santos: um jacobino na corte Imperial. Rio de Janeiro: FGV, 2001
154
BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e Demagogos. Os liberais Exaltados e a Formação da esfera
pública na corte imperial (1829-1834) Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2000.
58
Definição 18ª
O que é Anarchia: É a falta de governo bem regulado: é a pública dezobediência
ás leis, tanto da parte do Povo, como dos seus Magistrados em geral com
perturbação e dezordem. A anarchia dos que governão, produz a tyrania do
governo: desta nascem grandes malles á sociedade.
Difinição 19ª
O que é Tyrannia: É a Anarchia dos que governão, pois nella não há Leis, só ha
vontade para querer, e crueldade para obrigar. A tyrania anda unida com a
uzurpação do Poder, e com o desprezo dos direitos do homem; por isso é sempre
sanguinolenta.156
155
Nova Luz Brasileira, 09/09/1830.
156
Nova luz Brasileira, edição do dia: 12/02/1830
59
Ninguém mais (ilegível) mas o que dizemos é somente com o fim de provar
ao governo a impropriedade com que insulta e calunia a oposição, dando-lhe o
horroroso título de Anarquistas? Ora, agora examinemos o caso da censura acre,
feita pela oposição, dos atos administrativos pouco ou nada conformes à lei e a
constituição (...)
Aqui vemos que realmente a acusação segue duas vertentes: Os atos governativos, por
serem inconformes com a constituição, e o povo respondendo a isso.
A liberdade de Imprensa não pode ser suprimida. A crítica ao governo, sendo encarada
como depreciativa e desordeira (Anarquia) denuncia, sua fragilidade, que, segundo o autor,
age de maneira mais desordeira que os periodistas.
Vê-se, adiante, o direito de resistência reivindicado pelos redatores deste periódico.
Esta atitude do jornal O Ypiranga não pode deixar de ser contextualizada com o
governo vigente. A Moderação, com o seu justo meio, desagradava aos extremos. Esse tipo de
reflexão, que vimos aqui, foi comum tanto por parte dos Restauradores, como dos Exaltados.
O que percebemos é que os insatisfeitos com o governo vigente demonstram sua resistência.
Acusam o governo, da mesma forma que o governo a eles. De maneira semelhante, os
moderados, enquanto “situação”, repelem a oposição Anarquista.
Comumente, em alguns periódicos Republicanos e Exaltados, a palavra anarquia se
associava a uma idéia de “justa causa”, se fosse para derrubar um governo tirano. No Artigo
de Silvia Carla Fonseca, em que sugere apontamentos para o estudo da linguagem
republicana na conformação de identidades políticas na Imprensa Regencial fluminense159,
ela também destaca uma comparação entre o conceito de Anarquia e o de Insurreição, tal qual
este vocábulo fora designado pelo dicionário do: Nova Luz Brasileira, destacando a forma
como aparecia em jornais republicanos do período Regencial como, por exemplo, O
Republico e A Matraca dos Farroupilhas160.
Esses periódicos, publicados chegaram a admitir um significado que já criavam um
sentido positivo para a Anarquia, desde que esta viesse do povo, quando este tivesse suas
liberdades e seus direitos ameaçados pelas autoridades. A anarquia Popular, deveria combater
a anarquia dos governantes:
Na Matraca dos Farroupilhas lia-se:
(...) E para que haja acôrdo sobre a significação da palavra anarquista, nos
serviremos do curso de direito público do Sr. Silvestre Pinheiro161. Quando a
confusão dos poderes políticos que é uma situação mais viciosa do que a
Monarquia absoluta, não se vê regra fixa de conduta, acha-se o estado entregue
158
O Ypiranga, 28/01/1832. nº. 15.
159
FONSECA, Silvia Carla pereira de Brito – “Apontamentos para o estudo da Linguagem Republicana na
conformação de Identidades Políticas na Imprensa Regencial Fluminense”. in: NEVES, Lúcia Maria Bastos P.,
História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A, Faperj, 2006. p. 108.
160
O Termo farroupilha, utilizado para representar a população mais pobre, surgiu como uma apropriação do
termo Francês Miserábles, feita pelos Políticos Brasileiros. Ver: MOREL, Marco – As transformações dos
Espaços públicos. op.cit. p. 116.
161
O livro: Curso de Direito Público Interno e Externo (1830), publicado por Silvestre Pinheiro Ferreira, foi
reeditado em 1834 com o nome de Manual do Cidadão em um governo Representativo. Esta obra foi uma das
obras de Silvestre Pinheiro destinadas a consolidar, no plano legal, a Transição da Monarquia Absoluta para a
Constitucional,em Portugal e no Brasil. Silvestre Pinheiro comentou exaustivamente as constituições do Brasil e
Portugal. Destinava-se a expor a Teoria do Governo Representativo, a doutrina Liberal, que então se denominava
Direito Constitucional. Informações em: PAIM, Antônio – “Introdução” in: FERREIRA, Silvestre Pinheiro,
Manual do Cidadão em um governo Representativo. (edição fac-similar). Brasília: Senado Federal, 1998.
62
aos horrores da anarquia. Situação que causa horror, diz o hábil publicista a pág
126. mas que é preferível à Tyrania, porque ao menos não pode ser longa a
duração da Anarquia (a do povo) e muitas vezes della nasce uma melhor ordem de
cousas . Cedo ou tarde o despotismo vem a ser tirania, a qual sempre produz
anarquia.
Toda vez que ao arbitrário na conduta, sobrevem ataques aos direitos civis
dos cidadãos, existe a tyrania que se a não fazem cahir logo, dura séculos, forma
sistema adquire forças e perde às nações em tudo (...)162
Essa postura dos Republicanos da época pode ser encarada como uma resposta dos
insatisfeitos com o governo. A idéia de revolução toma, neste caso, significado de mudança
política violenta, como direito natural pelo “povo”, tendo como causa a opressão de governos
despóticos.164A definição de Bluteau, mais uma vez é satisfatória, pois esse autor destaca a
anarquia como um meio necessário para minar as monarquias. Entre os republicanos, o termo
anarquia desponta com esse significado.
Percebemos que o termo anarquia está sofrendo o mesmo processo que um outro
termo: Insurreição. Passa a ser um justo levantamento de um povo contra os que atacam o
contrato social. Então, que, de fato, estes dois termos “negativos” passam a ser justificados,
ganhando conotações “positivadas”.
O conceito de insurreição do Nova Luz Brasileira dizia:
Definição 89ª
O ano de 1835, já não faz mais parte do momento de explosão dos pasquins. Em
verdade, 1835 é um ano cuja produção de escritos políticos, diminui consideravelmente,
comparando-se com os anos de 1831, 32 e 33167. Como vimos no capítulo 2, os periódicos
neste ano não foram tão duradouros nem debatiam questões tão “intensas” em matéria
políticas como os que circularam nos demais anos da Regência Trina Permanente. Neste ano
há uma retração na “esfera pública” diminuindo-se os debates políticos e a ação das
sociedades secretas, impulsionados em grande parte, pelos acontecimentos do ano de 1834,
que deram novos rumos à ação política dos dois partidos de oposição aos Moderados: A morte
de D Pedro I e as reformas do Ato adicional. A primeira por afastar as possibilidades de
Restauração do poder do monarca, e a segunda pelo cunho liberalizante, sendo considerada
um dos motivos do fim da atuação dos Liberais Exaltados no Rio de Janeiro 168. Por outro lado,
o que motivava os escritos em 1835 seriam o choque entre os governados e as medidas
drásticas que vinham tomando os governantes gerando grande insatisfação assim como
166
BRAVO, Gian Mario. Autor do verbete Insurreição In: BOBBIO, MATEUCCI, PASQUINO, Dicionário de
Política. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. (4ª ed.)
167
BASILE, Marcello – “Projetos de Brasil e Construção nacional na Imprensa Fluminense (1831-1835)” in:
NEVES, Lúcia Maria Bastos P. História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro
DP&A Faperj, 2006.
168
Idem.
64
conflitos entre a população e estes, fomentado pela grande repressão que se operava, como
vimos no Capítulo 1.
Nesta parte, realizaremos uma análise comparativa entre os discursos iniciais dos
periódicos políticos que surgiram no ano de 1835, sendo parte de um mesmo cenário político,
próprio deste ano, e das mudanças radicais que se operavam na política brasileira. Para tal
apuração, a realização de uma leitura dos periódicos políticos que circularam no ano de 1835,
e na mesma área de distribuição do Anarquista Fluminense: Município Neutro (a Corte) e
Niterói, para que tenhamos uma comparação dos discursos que também estavam sendo
produzidos para responder a mesmas condições da política e a mesmos temas.
Comumente entre os periódicos desse período, o primeiro artigo tinha a função de
trazer à tona, em resumo, o que seria discutido ao longo da publicação, além das propostas
centrais que estas folhas defenderiam. Seria o que Isabel Lustosa denominou como: “Carta de
intenções”169, ou seja: discursos que tipicamente apareciam nas primeiras edições destes
jornais. Essas “cartas de intenções”, que são os principais discursos destes periódicos, serão
aqui comparadas, em seus temas, linguagens utilizadas, e na forma como se apresentavam ao
público, para compararmos com o Anarchista Fluminense. A tarefa aqui proposta nos serve
pois não podemos deixar de classificar estes periódicos como veículos retóricos, que também
assumem as características deste tipo de publicação politizada, que se propunha a propagar
suas idéias, e convencer o público leitor. Aqui iremos traçar as diferenças e semelhanças
desses discursos.
Outro item essencial para percebermos os ideais de um pasquim seria a Epígrafe. As
Epigrafes foram quase que unanimemente presentes nesses periódicos, e certamente eram
uma das coisas que mais chamavam a atenção dos leitores desses periódicos, e não apenas por
se encontrar o topo da primeira página, mas, por, corroborar com os principais ideais da
publicação e ser a cara do jornal. Dentro do contexto de uma imprensa periódica que se
propõe a fazer política, que quer se utilizar do espaço público para ensinar seus preceitos e
suas convicções políticas170.
Quanto às epígrafes que O Anarchista Fluminense traz, temos duas sugestivas
frases:“Esta folha publica-se em dias indeterminados, quando for da vontade de seus
redatores” que já mostra desde o número 1, que não seguiria nenhuma periodicidade. A outra
epígrafe dizia:Un pas hors du devoir nous peut mener bien loin que significa: “Um passo fora
do dever[obrigação] pode nos levar bem longe” Essa segunda frase, certamente era o principal
169
LUSTOSA, Isabel, Insultos impressos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
170
SODRÉ, Nelson Werneck de, op. Cit. p. 133.
65
“lema” que o jornal se propunha, sendo a “cara do Jornal”. Esta segunda frase é do Teatrólogo
Francês que viveu no século XVII, Pierre Corneille171. A escolha desta frase deste Dramaturgo
de opinião política “Conservadora e Moralizante”, pode ser apenas a o início para uma das
discussões que levantaremos nesse capítulo, pois a posição dita “conservadora” é uma das
percebidas em alguns dos artigos do Anarchista Fluminense, que se propõem a exaltar uma
moralidade, defendida pelos redatores, de maneira bastante Radical, tendo por base a
destruição da ordem.172
Para iniciarmos este capítulo vale Lembrar um pouco da notoriedade que ganhou O
Anarchista Fluminense. Como a maioria dos artigos publicados, são exclusivamente sobre
Niterói, sobre autoridades e funcionários públicos que atuavam lá, podemos concluir que o
público principal do jornal, seriam os habitantes daquela cidade. Porém, suas edições foram
anunciadas no Diário do Rio de Janeiro, e no Jornal do Commercio, e, a partir desses
anúncios sabe-se que este periódico circulava na corte também. O recém criado município
Neutro recebia o jornal, e o divulgava nas mesmas lojas em que circulavam os outros
periódicos, políticos do Rio de Janeiro. Três dias após 28 de fevereiro, a data impressa no
topo do primeiro exemplar, lia-se no Diário do Rio de Janeiro, o anúncio da primeira edição
do Anarchista Fluminense:
A popularidade deste jornal em seu tempo, não pode ser medida ao certo. Tampouco a
aceitação desta folha e seu principal público consumidor. Mas, este anúncio no Diário do Rio
de Janeiro, pode nos revelar, que, os responsáveis pelo jornal investiram na divulgação, de
maneira costumeira, mas, claramente com a preocupação de que circulasse na corte, sendo
vendido nos principais pontos de venda de jornais do Município Neutro. De fato, as outras
seis edições aparecem anunciadas no Diário do Rio de Janeiro e apenas algumas, no Jornal
do Commercio, onde surgiam notas menores anunciando o jornal.
171
Teatrólogo Francês que atuou durante o século XVII, formou-se em direito, trabalhou para Richelieu, ganhou
fama em toda a Europa com suas obras traduzidas para diversas línguas. Foi um grande poeta, teve força
criadora, elevação de pensamentos, técnica apurada e tendências moralizadoras em suas obras. Maiores
informações ver: SAINZ DE ROBLES, Carlos Federico, Diccionário de la literatura. Madrid: Aguilar, 1950.
Tomo III
172
Este parágrafo contém repetições de informações citadas no capítulo 2 desta monografia.
173
Diário do Rio de Janeiro, 03/03/1835. p.03. Obras Publicadas.
66
Este primeiro artigo, intitulado: Quem sou eu? se inicia com a afirmação de que
contra fatos ninguém deve argumentar para propor o convencimento dos leitores através de
alguns aspectos da realidade política brasileira para justificar suas propostas políticas.
O questionamento acerca de si próprio, acerca das propostas que vai carregar, tem por
princípio uma crítica aos outros periódicos também movidos pelo afã da pedagogia política,
que divulgavam suas opiniões. Estes periódicos citados eram todos de orientação
Moderada,174 e alguns deles, já não existiam mais ao ano de 1835. Os periódicos selecionados
para a crítica eram as vozes representantes dos ideais governistas, e que defendiam sua
atuação: A Aurora Fluminense,175 A Verdade176, O Brasileiro177, O Independente,178 Diário da
Manteiga (Que seria o Diário do Rio de Janeiro). Aqui, apresenta-se a querela do jornal com
os outros jornais, periódicos políticos que se propuseram a escrever artigos em defesa do
Governo, e a não criticar atos governamentais defendendo a Ordem vigente, a Regência. O
ressentimento que fica claro nesse manifesto seria quanto ao debate na Imprensa ou em
qualquer outro espaço público aonde se discutisse política. A frase: os indiferentes a tudo
quanto não é quietismo, demonstra um pouco da forma como os escritos contrários ao
governo eram vistos por esse como perniciosos e combatidos com ardor, gerando uma
verdadeira guerra entre periódicos de oposição, e os governistas nos quais constantemente se
perseguiam os políticos e periodistas que combatiam o governo.
Estão expostos os principais alvos da diatribe: Ministro da fazenda, Chefe da Guarda
Nacional, Presidente da Província, e os legisladores “situacionistas”, perpetradores do
“Avanço Liberal” .
174
Com excessão dos noticiosos, neste primeiro momento apenas aparecem críticas a periódicos com essa
orientação. Nas outras edições, critica periódicos de orientação Exaltada, a exemplo do Exaltado ou os Cabanos
na Praia Grande. Há ainda o Et Retiqua, que hoje em dia é totalmente desconhecido.
175
A Aurora Fluminense foi o principal jornal moderado que circulou ininterruptamente, 3 vezes por semana,
entre 21/12/1827 até 30/12/1835. A assinatura trimestral custava 2$000 réis, e fora impresso nas tipografias de
Gueffier, I. P. da Costa e a de Orgier . Sua epígrafe dizia: “Pelo Brasil dar a vida./Manter a Constituição,/
Sustentar a independência: / é a nossa obrigação.” Seu redator foi Evaristo da Veiga, um dos principais líderes
moderados, um dos fundadores da sociedade Defensora. Até o anode 1835 fora deputado2 vezes por Minas
Gerais e uma pelo Rio de Janeiro.
176
A Verdade foi editado por Saturnino de Souza e Oliveira,, assumiu os cargos de Juiz de Paz, atuando como
chefe da Guarda Nacional na freguesia do Sacramento(na Corte), atuando na perseguição de distúrbios nas Ruas,
e combatendo os periódicos exaltados e Caramurus.
177
O Independente circulou entre 3/5/1831 e 22/04/1833, saindo 2 vezes por semana com assinatura trimestral a
2$000 reís. A epígrafe dizia Il n `ya pás de vraie liberte sans paix, comme il n `y a pás de paix sans liberte. Seus
principais redatores foram: Joaquim José Rodrigues Torres (deputado pelo Rio de Janeiro em várias legislaturas,
foi o primeiro presidente da província do Rio de Janeiro) e Apolinário Torres Homem (Membro da Sociedade
Defensora, foi redator do jornal que representava a sociedade: O Homem e a América.
178
O Brasileiro circulou de 1832-33, tendo por redator Bernardo Pereira de Vasconcellos, importante político, foi
Ministro da Fazenda, e vice presidente de Minas Gerais. autor de projetos como o Código Criminal e o Ato
Adicional.
68
Nesse sentido, há uma crítica aos funcionários que compunham o gabinete ministerial
da Regência, sendo estes os detentores dos empregos cujas atribuições eram de tomar as
decisões das deliberações e os direcionamentos do Estado Brasileiro. A censura feita a essas
autoridades é de que não modificaram em nada, a situação ao qual o Estado Brasileiro se
encontrava anteriormente às suas administrações, sem terem figurado como os grandes
empreendedores que prometiam ao assumir o poder, sustentando um discurso político cujo
conteúdo frisava progressos materiais do Brasil, algo que não foi cumprido ao longo do
período em que governou a Regência Trina Permanente, com sua política Liberal Moderada.
Um ponto que chama a atenção seria o trato que este artigo dá aos funcionários
públicos empregados na burocracia. São chamados de cidadãos desinteressados, maus e
indignos. Assim como, acusados de serem ignorantes e criminosos, o que aponta para a
corrupção existente no aparato burocrático brasileiro, e que revela sua consideração a esses
funcionários públicos que em sua atribuições, nada colaboram com o Brasil, sendo apenas
interessados em possuírem esses cargos, e em desfrutar das remunerações.
Há também uma critica às autoridades subalternas, pode-se entender por uma crítica
diretamente a atuação dos Juízes de Paz, possuidores desde 1832 da capacidade de legislar
sob suas jurisdições, e de assumirem a chefia das rondas policiais, figurando como uma
personificação da repressão do Estado.
Depois de dar os motivos de sua indignação, este manifesto passa para a sua proposta
principal, que seria a de ir no caminho contrário aos caminhos que tomaram os representantes
da Ordem. O que está em questão são as bemventuranças, já citadas no início do artigo, e a
sugestão de que se siga um caminho oposto, então, é o da destruição total da ordem. A
proposta seria a própria destruição da ordem, sem que se sobreponha a esta uma outra ordem
ideal. A única ordem ideal seria a de que não houvesse ordem, aqui personificada nas leis, e
nos governantes. A forma como se propõe a combater os males do governo é que é bem
interessante se pensarmos que de fato, o termo anarquia era constantemente empregado com
esse sentido de destruição e de confusão. Aqui, neste manifesto, se inverte essa idéia. A
desordem é o ideal, frente à ordem corrompida.
Neste artigo, é apresentada uma figura interessante representando a destruição. Aqui
foi apresentada uma representação curiosa, da forma de desordenar que seria a figura da
alavanca e da picareta.179. Ao propor a destruição não deixa de lado aqueles que idealizam a
179
Segundo Pietro Ferrua, esta figura é um símbolo do desmantelamento do Estado e das leis, extremamente
opressoras, algo que coincide com algumas obras de pintores anarquistas como é o caso de Courbet, Signac,
Pissarro, Steinlen, entre tantos, que o fizeram. Estes pintores não são contemporâneos ao Anarchista Fluminense,
mas atuaram no século XX. Ver: FERRUA, Pietro: “Foi Fluminense o primeiro jornal Anarquista?” in:Revista
Verve. São Paulo: Nu-sol (PUC-SP), 2004.
69
construção de uma ordem ideal, qualquer que fosse ela, com as diversas propostas que se
apresentavam nesse sentido. Ataca os partidários de propostas políticas no intuito de moldar o
Estado. De certa forma, com esta afirmação, podemos perceber uma ironia dedicada aos
preceitos da maçonaria, que era reconhecida pela alcunha de pedreiros livres. O Anarchista
Fluminense, neste trecho, demonstra-se desligado a qualquer sociedade desse tipo, e parece
propor uma nova sociedade, a sociedade dos Anarquistas.
Para finalizar, devemos ressaltar um dado curioso: Principiar-se pela província do Rio
de Janeiro. A província do Rio de Janeiro, recém criada, nem completara um ano do decreto
de sua existência e nem mesmo havendo a primeira reunião da Assembléia provincial, mas já
tendo sido feitas as nomeações dos ocupantes dos cargos públicos, assim como da aprovação
de verbas para sanar as debilidades da nova província.
O Último artigo da primeira edição é intitulado: “Declaraçam” e nele, temos algo
que pode ser considerado uma continuidade da “Carta de Intenções” do Anarchista
Fluminense. Nesta continuidade da elucidação das propostas, é aonde deixa claro que não
aceitaria correspondências, senão as assinadas. Mantendo o anonimato se contradiz
completamente:
O ponto central deste artigo é a classificação da ordem como opressora, sendo assim, a
própria desordenadora. Se governo é quem opera os males da sociedade, este deve ser
destruído. Critica diretamente os legisladores e as leis que criaram e que são: a marca da
Regência e da ordem liberal moderada, com suas reformas. Os funcionários públicos
representariam os maiores beneficiados do governo, os únicos felizes com a condição vigente.
O Apelido de mamados, comum em outros periódicos desse tempo, refere-se à remuneração
70
deles prover das arrecadações do Estado. As acusações sempre lembram que a atitude destes é
perniciosa, como se em suas ações houvesse maldade, e egoísmo.
Os redatores deste artigo tomam o termo ordem, que na verdade é bem abrangente, nas
diversas instâncias que ela se apresenta regrando os indivíduos. Mas é exatamente a ordem
que é a grande malfeitora. Na próxima parte, em que analisaremos os artigos do jornal,
perceberemos quais as situações que indignam o Anarquista Fluminense, e quais as instâncias
da ordem que estão sendo criticadas.
PROSPECTO
180
CONTIER, Arnaldo Daraya, Imprensa e Ideologia em São Paulo. (1822-1842): matizes do vocabulário
político e social.. Petrópolis: Vozes, 1979.
71
Jornal da oposição
INTRODUÇÃO:
181
O Defensor da Legalidade 16/01/1835. p. 01.
72
epíteto o que mais cavaco faz dar à Moderação, e na nossa mente ser sinônimo de
inimigo dos déspotas e mandões laranjeiras, que só tem cuidado em engordar as
algibeiras.”
(...)
“Fizemos a presente epígrafe por estarmos convencidos pelos fatos que
temos visto praticados no Ceará, Pará, Pernambuco, etc. , que só adorando-se a
Religião, Amando-se as leis e defendendo-se a Pátria é que se pode recorrer para a
felicidade e segurança do trono Constitucional do Senhor D. Pedro II, nosso
adorado Monarca.”182
Nessa mesma lógica de crítica ao governo, só que focando-se mais na corrupção deste,
surgiu em junho o jornal: O Ladrão, que, sem epígrafe, mas com um título que
suficientemente mostrava a que veio esta folha: Colocar ao público as acusações de corrupção
do governo, chamando seus membros de ladrões. O Título é escrachado, e talvez tão negativo,
quanto O Anarchista Fluminense.
Nesta folha lia-se:
O Autor desse artigo faz uma das críticas mais acres ao desvio de verbas e eventuais
utilizações do dinheiro público em benefício próprio. O fato das autoridades não estarem
sujeitas à uma polícia que cerceasse suas ações, nos mostra como os redatores do Ladrão
faziam o mesmo tipo de crítica que o Anarchista Fluminense, cobrando atitudes mais éticas
por parte dos governantes, que agem anarquicamente sem terem um aparato cerceador que os
puna quando agem de maneira corrupta e abusiva. As autoridades Anarquistas (Tiranas), são
os principais alvos desse periódico, que se intitulava com a alcunha da principal crítica que se
propunha.
Por fim, um outro periódico que criticava de maneira similar aos demais já citados foi
O Pão d`Assucar, que também lembra dos empregos públicos como concorridos, e de como
os possuidores desses cargos prevaricavam em suas atribuições. Ao menos, este periódico
defende um projeto: o da Monarquia Representativa.
182
O Novo Caramuru,18/08/1835 nº 1. p.01.
183
O Ladrão, 04/06/1835. nº 1, p.01.
73
Quão triste nos parece o futuro que nos espera! A quatro anos que as
atuais influências ingeridas em nossos Destinos, nada mais tem feito que minar os
alicerces do Grande Edifício Social.
A partilha, e a sobre partilha dos Empregos Públicos, e, os altos cargos do
Estado tendo sido os desejados Pomos d`ouro, são os causais que nos tem hoje
envolvidos no grande labirinto, donde só poderíamos sair com a dissolução.
(...)
Pouco era de prever, desde tempo anterior, que as coisas chegariam a uma
tal latitude; por quanto, não tendo sido o amor da Pátria o fim dos Esforços da
moderação, mas sim a sede do mando, e todas as ingerências nos negócios
públicos(...)
(...)
Em outro tempo, quando uma oposição legal pugnando pela virtual
execução da lei, bradava contra o método pelo qual se havia a direção dos
negócios públicos; quando essa mesma oposição antevendo futuros males, se
esforçava por salvar a pátria dos horrores da anarquia, e buscava firmar a
Liberdade brasileira de um medo durador e sereno, era então que o furor do
partido moderado (receando que a presa lhe caísse nas mãos) subindo a todos os
delírios da cólera, seminava a mais forte intriga e distribuía todos os elementos da
subversão, para d’est’arte enfraquecer o partido, que lhe era contrário em suas
paixões danosas.
Mas, não sendo da natureza das coisas, que homens de tal sorte injustos, e
ambiciosos se possam manter por longo tempo em doce paz, eis que chega a época
da ruína; a essa moderação tão pomposa, já vacilante e assustada, nem ao menos
se lembra a que abrigo deve recorrer.
(...)
Portanto, oh brasileiros, se é possível salvar-se ainda a pátria, ela só pode
ser salva, pela união geral de todos os seus filhos em um credo comum; só pode ser
o sistema da Monarquia Representativa.184
Este artigo também expõe sua antipatia com os passados 4 anos da Regência Trina
Permanente, e critica sua atuação. Utiliza-sede um argumento similar ao do Anarchista
Fluminense, que seria o de salvar a pátria com o diferencial de que neste jornal, a salvação
seria: A monarquia representativa.
Sem possuir epígrafes mas com um título que visava demonstrar-se uma voz popular,
o Çapaterio Político, reivindicava a participação dos excluídos nas eleições, tanto como
votantes assim como possíveis candidatos aos elevados cargos públicos de ingerência do
Estado. Utiliza-se das atribuições dos sapateiros para criticar os Empregados públicos que
segundo o jornal, eram indignos e incompetentes. Ainda que esta folha tivesse um discurso
diferenciado dos demais, se igualava em focar-se na incompetência dos funcionários públicos.
O Çapateiro político
Çapateiro como sou, e VV. Mercês estão vendo, eu não quero andar no mundo á
matroca, e feito um pedaço d`asno, como alguns da minha profissão. Assento de
mim para mim, que devo trabalhar tanto com a bola, como trabalhando com a
sovela, e com as encospas. Estou assentado de dia na minha tripeça, cuidando dos
184
O Pão d’assucar, 13/01/1835.p.01.
74
pés dos fregueszes, ; e de noite dou voltas ao miolo e me entranho pelo labyrinto
da política. Não se persuadão, que um çapateiro, por isso que é çapateiro, não se
deva meter com a política , por que isso seria o mesmo que pensar que um
çapateiro não é gente, ou não sente, como qualquer outro cidadão, os bens e males
da pátria.
Com isso mais de vagar: a nossa Constituição não faz exepção aos çapateiros , e
quer sim, que todos os cidadãos se distingão por seus talentos, e virtudes. Ora que
há çapateiros que são uns anjos, e que teem um talento particular para
amanharumas botas, e uns çapatos, isso ninguém o pode duvidar; por tanto não
estão elles privados pela nossa constituição de ocuparem os grandes cargos da
nação. E tão convencido está o povo todo d`esta verdade, ou é ella já tão sediça,
que temos visto escolherem-se para os empregos publicos, não só a çapateiros, mas
mesmo a remendoens; e remendoens que mal sabem botar uma tomba, ou fazer
uma costura: isto é uma (...)185
***
Concluímos então que neste ano, a maior preocupação dos jornais se focava na
acusação de prevaricação por parte do governo vigente. Constantemente todos os periódicos
apontavam o despreparo das autoridades, a má ingerência dos negócios, e a acusação de
corrupção e do abuso do dinheiro público. Alguns iam um pouco mais além das críticas e se
propunham a uma solução. O Novo Caramuru mais inclinado a se demonstrar um verdadeiro
amante do Antigo Regime, O Defensor da legalidade seria o órgão governista, porém, crítico
as incongruências deste, O Pão d`Assucar como uma voz da Monarquia Representativa.
Por fim, temos O Anarchista Fluminense, se propõe a total destruição, de tudo aquilo
que o incomodava: O Estado (Ao menos tal qual existia nesse momento), sem sugestões, sem
preferências além da desordem.
A maioria dos periódicos políticos surgidos nesse ano faz uma oposição ao governo
mais pelos seus atos arbitrários do que necessariamente, apresentando uma proposta política
concisa e que expressasse uma identidade. Percebemos que há uma semelhança entre essas
“cartas de intenções”, demonstrando que as reivindicações do Anarchista Fluminense não
foram isoladas de um contexto político típico deste ano, e que constantemente no ano de 1835
os periódicos novos se movimentavam no mesmo sentido crítico, denunciando as mazelas do
Governo Vigente. Em O Anarchista Fluminense, há uma crítica ferrenha ao governo, com
185
O Çapateiro Político, 4/11/1835. nº 1 p.01.Essa é a única lauda que se tem registro dessa publicação. Cópia
do Fac-símile inserido Em: VIANNA, Helio, Contribuição para a História da Imprensa no Brasil(1812-1869).
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.
75
uma ode a destruição da ordem, sendo assim já indica parte das idéias principais que ele
defenderá em seus artigos.
***
Nesta parte, tentaremos compreender um pouco mais das questões que moveram os
redatores deste jornal. Quais seriam os principais pontos debatidos para sondar o que gerou a
vontade de seus redatores de escrever os artigos e, quais são os principais objetivos que esta
publicação pretendia atingir, frente ao cenário político do ano de 1835.
Aqui não caberia uma análise demasiadamente minuciosa de todos os artigos
produzidos pelos redatores do jornal. Selecionaremos alguns que podem ser os mais
interessantes a nossa pesquisa. Os outros artigos que ficaram excluídos desta análise, assim
ficaram por desviarem do foco principal da proposta desta monografia, ou por fatores de
pouca identificação de seus contextos.
Dividiremos aqui os motivadores do jornal de acordo com as principais questões
apontadas em alguns artigos do Jornal. Cada artigo, em sua individualidade, tende a um fim,
específico, porém, alguns artigos corroboram os ideais expressos em outros, de outras
edições.
Um dos principais pontos ao qual o Anarchista fluminense questiona é o da
legitimidade de algumas leis, essencialmente as criadas durante o Governo da Regência Trina.
Uma boa reflexão acerca da maneira como o jornal se impõe em seus anseios seria:
(...) Se as leis não forem bem cumpridas, se á todo o instante forem infringidas
pelos Cidadãos quem será o culpado, nós, ou as authoridades que em seus
despachos, em todos os seus actos como taes, por patronato, por vingança, por
desleixo, ou ultrapassão as suas attribuições, ou postergão as mesmas Lleis
Decretos e Ordens?Quem concita os povos, quem os chama á desordem, quem os
anarchisa realmente, nós, O Anarchista Fluminense, com os nossos innocentes
artigos, ou vós, Authoridades constituidas, com as vossas deliberações, vossos
despachos, vossos feitos?186
186
O Anarchista Fluminense nº 2 dia 5/03/1835. p.02.
76
Uma das leis que o Jornal se demonstrou contrário e assim se assumiu durante todo o
período da publicação seria: a lei de proibição do tráfico de escravos, vigente desde novembro
de 1831. O jornal trata desta questão sendo totalmente contrário à lei, que segundo este,
estaria totalmente incompatível com a sociedade brasileira desse momento. Chega a tratar o
uso dessa prática como algo de costume imemorial.187
Um ponto que este jornal frisava no sentido de atacar a vigência desta lei seria: a série
de novos criminosos que surgiram exatamente pelo fato de ter sido aprovada. A reflexão
quanto esta questão seria o fato desta da dita lei não se manter cumprida, gerando a corrupção
do aparato judicial, com eventuais favorecimentos aos traficantes criminosos, e as ameaças à
integridade de alguns juízes que perseguiam os traficantes. Essa lei, na prática era “viciosa” e
gerava males maiores como o conflito entre as autoridades e os traficantes.
As críticas em outros jornais, inclusive moderados e noticiosos, são semelhantes.
Raramente surgem artigos favoráveis à lei, e quando surgem, se preocupam mais com o
argumento da desumanidade que representaria a escravidão.
187
O Anarchista Fluminense nº 2 dia 5/03/1835. p.04.
188
O Anarchista Fluminense nº 4 dia 18/03/1835. página 4.
77
momento tinha sua economia organizada no regime escravista, sendo ainda incipiente o
debate abolicionista. A proibição do tráfico foi uma lei considerada intrusiva, a aplicação das
penas e a condenação dos criminosos geraram uma rede de corrupções e ameaças a juízes,
assim como assassinatos de testemunhas de alguns desses crimes, entre outras práticas
criminosas que amparavam a primeira.
Essa realidade “caótica” foi combatida pelo Anarchista Fluminense. Pregava que o
tráfico se tornasse lícito.
189
“Constituição Política Do Império Do Brasil” in: CAMPANHOLE, Adriano, e CAMPANHOLE, Hilton Lobo
(org.) – Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969. São Paulo: Atlas, 1981. (5ª ed.)
78
O Consorcio Inaudito
(...)
Considerando quão internecedor he para coraçoens brasileiros o quadro
lastimozo que offerece a vista de tantos cidadãos Brasileiros arrancados ao gôzo
dos fóros da Pátria, tantas familias desoladas, tantas esposas afflictas , tantos
filhos sem pais!!E isto por que? Por erros políticos, por ideias extremas que
levarão aquelles ao precipicio de attentarem contra a ordem e tranqüilidade
pública, contra o governo estabelecido, contra as ordens deste (...)190
No dia 7 de abril, o jornal O Pão d`Assucar fez um manifesto sobre esta lei, com as
mesmas preocupações em demonstrar a indignação com a incongruência entre os objetivos da
lei e a realidade vivida:
190
O Anarchista Fluminense, 31/03/1835. p.01.
191
O Anarchista Fluminense nº 6. p.01,02 e 03.04/04/1835.
79
assembléia consta a todos (Menos a nós) que as doutrinas haitianas são aqui
apregoadas com impunidade; que há na Corte Sociedades Secretas neste sentido; e
que tem cofres para os quaes contribui grande numero de sócios de cor, livres e
cativos; e que os membros dessas sociedades nacionaes e estrangeiros são
indigitados pela voz pública etc. (...)
Consta a todos e ninguém, apesar perigo, se apresenta mostrando de que
modo lhe tem constado que existem tais sociedades que possuem cofres &c.
(...)
Tantas medidas de cautela tomadas como que ao toque de sino; suspenções
de garantias,etc. dão a perceber muito receio!
Não julgamos isto bom: Quizeramos medidas de prevenção: Quizeramos
vigilancia à respeito; mas não com tanta bulha.
Protestamos a devida submissão à assembléia provincial, porém não
podemos esquivar-nos a esta censura que a lei permite. A susensão das garantias só
pode ter lugar em ocasião de risco iminente: ora, não existindo um só facto que o
comprove, cremos não apropriada a suspensão das garantias públicas; porquanto:
não podendo militar esta medida em questão com os escravos, por isso que eles não
fruitivam os gozos de cidadãos brasileiros, segue-se que semelhante medida só pode
ser tomada para com os mesmos cidadãos brasileiros, a respeito dos quaes nenhum
facto de haitianismo depõe contra eles (...)
Se existem fatos so podem ser aqueles dos africanos na província da bahia: e
para africanos não releva a suspensão das garantias. Eis o que nos parece, salvo o
melhor juízo(...)
(...)
Haitianos são unicamente esses moderados que tem apregoado a licença em
vez da liberdade, a discórdia em lugar de patriotismo, e um sistema efêmero em vez
de uma Monarquia representativa sólida e duradoura que faça a felicidade dos
povos.
Estes são os verdadeiros haitianos que indiretamente conduzem as coisas ao
termo do haitianismo.
É já tempo de parar no vórtice obstinado das perseguições. Moderação
insensata! Voltai a vossa razão.
Dizei-nos, moderados, pretendeis debelar o haitianismo,e buscais dilacerar
os da vossa cor?
É isto compatível com os meios de defesa para uma tal crise?
Homens inconseqüentes e cruéis, cessa um dia de mortificar a desgraçada
pátria(...) Vê-se que vós não escapareis a vossa catástrofe: Tremei por vós
mesmos!192
***
O Caso da Lagoa de Itaipu: Quando o Anarchista Fluminense defende a lei para censurar os
abusos do Governo.
192
O Pão d`Assucar, nº 27. 07/04/1835. p.01.
80
Anarchia Aquatica
Artigo XI
Todo proprietário ou foreiro que tiver dentro das suas larguezas águas estagnadas,
será obrigado a esgotá-las no prazo de seis meses contados do dia em que
obrigarem as presentes posturas, podendo o executor destas, prorrogar o tempo,
conforme a extensão do pântano.194
Porém, além de criticar a imoralidade do dono das terras em que ficava localizada a
lagoa, que danificava seus vizinhos, criticava a imoralidade pela qual tal impostura estava
sendo velada pelas autoridades. O causador desse flagelo tem ao seu lado a conivência das
autoridades que não cobram que este cumpra a devida postura, por ser ligado a um deputado,
que o protegia, coibindo a polícia de obrigá-lo a realizar a devida postura do dessecamento
dos pântanos. A Imoralidade nesse caso, estava na conivência do governo que sustentou a
impostura, mesmo sendo tão escandalosa aos habitantes de Niterói. Mais uma anarquia,
censurada pelo Anarquista.
O não cumprimento foi o primeiro motivo do artigo. Porém, as críticas a forma como
essa impostura foi sustentada, é o principal ponto abordado. Esse tipo de corrupção, é parte
das críticas que O Anarchista Fluminense trouxe á tona. De fato, defende a lei, e acusa os
que não a cumprem, denunciando os que sustentam essa impostura imoral: o próprio
Governo.
O principal ponto da crítica nesse artigo seria o fato da impunidade do proprietário ser
conseqüência da relação que este tem com um governante, que por amizade a esse dono, não
permite que as autoridades intervenham, reprimindo seu ato criminoso. A impunidade desse
193
O Anarchista Fluminense nº 5. 31/03/1835. p. 02 e 03.
194
Posturas Policiais da Câmara Municipal da Villa da Praia Grande, Praia Grande: Tipografia de Rodrigues &
Cia,1833.
82
indivíduo era mantida pelos próprios agentes do governo que faziam “vista grossa”, por
interesses particulares.
A condenação do ato é corroborada pelas posturas policiais da cidade de Niterói, e
pela imoralidade reconhecida publicamente como um ato autoritário do proprietário que
impede o desenvolvimento de seus vizinhos, por conta de seu egoísmo, por conta de sua falta
de preocupação com os demais moradores da região, tão afetada pela omissão do proprietário
de cuidar devidamente de sua propriedade, que em verdade, afetava os proprietários vizinhos.
Neste caso, o Anarchista Fluminense, denuncia, acima de tudo, a postura imoral e desumana,
tendo por respaldo, a lei local. Defende a lei, neste caso em que seu desrespeito trazia uma
condição imoral.
A Impunidade escandalosa se mantinha por causa da relação de amizade deste
proprietário com as autoridades competentes que, faziam “vista grossa” à impostura do dono
da lagoa. O Abuso é censurado e o infrator é exposto a sociedade, condenado publicamente
pelo Anarchista Fluminense.
algum fim que não seja o de acommodar algum afilhado, ao qual, muitas vezes o
emprego está já conferido, antes de ter sido creado; pondo-se assim, debaixo da
protecção dos cofres nacionaes, algum menino bonito, umas vezes porque canta
bem, outras porque dança, e, geralmente, porque obteve carta de empenho de
PAPAI.
Logo após, mais uma das considerações irônicas, em tom de chacota, descreve uma
dessas figuras “improvisadas”, que seria o novo administrador dos correios em Niterói,
“menino plebeu taberneiro, grosseiramente polido”. O despreparo foi comentado juntamente
com as particularidades dos hábitos detestáveis do dito administrador do correio possuía. Algo
muito divertido e engraçado de ser lido, com certeza foi motivo de vergonha para este
homem, em um círculo social consideravelmente pequeno. Desta, podemos perceber uma
tentativa “justiceira” de ao menos dar esta resposta ao incomodo que aquela figura detestável
por seu despreparo e pela forma como este se tornou um funcionário público. Em um
microcosmo, o Anarquista, que é um reivindicador da moralidade, tenta deixar em situação
muito vexatória o funcionário dos correios. No caso da Vila da Praia Grande, cidade que neste
momento tinha cerca de 30 000 habitantes (destes 2/3 escravos) 196, e, com certeza, a
divulgação deste artigo, na sua comunidade, gerou algo além de muita diversão. Os
concidadãos, os leitores do jornal, associavam diretamente ao dito rapaz, insultos que
aparentemente não eram inventados. Era uma exposição da imagem deste indivíduo. Sua
honra é colocada em jogo, frente a todos da cidade. Um artigo como este certamente foi
escrito, com seus fatos corroborados pelo conhecimento do público, que, de certo,
compartilharia da mesma opinião, dando sentido ao conteúdo cômico que se atribuiu aos
comentários.
Este artigo também representa uma das maiores insatisfações dos redatores do
Anarchista Fluminense: Os novos empregos públicos, frutos da criação da Província do Rio
de Janeiro.
Então, o Anarchista Fluminense publica o seu clamor público para que as autoridades
parem de agir desta forma, tirando proveitos das suas condições de autoridades:
196
FORTE, José Mattoso Maia, Notas para a História de Niterói. Niterói: INDC Prefeitura Municipal de Niterói.
1935. (2ª ed.)
84
muitos homens de gravata lavada, tão cheios de ambição e egoísmo, quanto tem de
ignorancia e falta de probidade.
(...)
Nada de ordem; confunda-se tudo, tudo se desordene o mais possível! (...)
O que podemos perceber é que há uma justificação para os fatos ocorridos no Pará. A
revolta popular foi justificada pelo Anarchista Fluminense já que as autoridades eram
“nulidades”, inúteis e ilegítimas. A justa insurreição foi defendida nesse artigo.
Demonstra-se neutro frente aos candidatos. Anula-se frente às opções. Apenas tem o
anseio de depreciar a todos os candidatos, sem sugerir nem acreditar em um candidato que
pudesse se destacar dos demais, todos são péssimos e na eleição do Regente. Não se preocupa
em considerar um deles melhor ou pior, simplesmente se mantém imparcialmente contra
todos, indicando para eleição o seu maior inimigo, o Padre Marcelino.
De fato, o Padre Marcelino, que aparece como motivo de piada e como espelho do
ódio que o Anarchista Fluminense tem pelas eleições que ocorreriam em breve, foi votado.
Chegou a receber votos para Regente na província do Espírito Santo (Sua província Natal)
197
O Anarchista Fluminense, nº 6. 04/04/1835 p.03.
86
Assim como Apartidário, o Jornal (que muitas vezes se apresenta na primeira pessoa)
se reconhece como um verdadeiro individualista, desprovido da necessidade de se associar
para fazer sua política. Agir conforme seus princípios é o que propõe. Se situa na ordem,
admitindo que tem preceitos únicos.
Vós fallareis quando e onde quizerdes: eu, como dono da caza onde estou
escrevendo, e da tinta de papel em que rabisco, sem mais tira-te, nem guarda-te, e
mesmo sem pedir palavra, nem licença, vou desde já sahindo á campo: e bem vêdes
que perdido será todo o tempo gasto em chamar-me a ordem; porque vos digo mui
afincadamente que estou dentro da ordem e bem na ordem... oh! Maldita que seja a
tal ordem, que por toda parte me persegue tyranicamente!!... Estou fóra da ordem,
dizeis vós? Ergo estou na desordem? Estou pois no meu Elemento: Eu principio199
***
198
O Mensageiro Da Praia Grande, 28/04/1835. p.03.
199
O Anarchista Fluminense nº 7, 30/04/1835. p.05.
87
lembrar que no Vocabulário Portuguez Latino do Padre Raphael Bluteau, este toma por
sinônimos os termos Anarchia e Licentia, e, como já vimos, trazia uma idéia menos ligada à
destruição e relacionada com a permissão para o bem, a falta de moderação e a liberdade de
crítica. Outro ponto que esse jornal frisava seria a liberdade de agir de acordo com a vontade
de cada indivíduo, corroborando com o significado encontrado em léxicos do século XVIII.
A Diferenciação feita pelo Anarchista Fluminense estaria nesse sentido. A Anarquia
passou a assumir essa denotação seria que este: “Conquanto se regozije com a perturbação
geral, censura os injustos200” O Anarchista fluminense se propõe a destruição da ordem
injusta, da ordem que prevarica, que age injustamente.
O grande diferencial que percebemos nos significados que os autores do Anarchista
Fluminense dão à palavra frente a outros periodistas, seria a utilização do termo, para designar
algo positivo, algo que nada tem com os significados desordeiros que comummente se usava,
porque é a desordem justificada. O Termo negativo, combatendo os fatos negativos, conferem
ao primeiro a denotação positiva.
Outra grande importância que devemos frisar, é que neste periódico o termo anarquia
é invocado em nome de um “chamamento partidário”, tal qual se o termo Anarquista fosse o
nome de uma “sociedade”. Traz a tona uma possibilidade para o termo, desta vez, revestido de
um ideal, uma opinião. O Anarchista Fluminense chama os seus leitores a participarem de
uma oposição ao governo, através do direito de resistência que este tem, e devem exercê-lo.
Aqui, talvez seja importante frisar que há um apontamento para essa esfera de significância do
termo, registrada pelos dicionários franceses que incluíam a possibilidade da anarquia ser
tomada como um ideal, uma máxima.
Em resumo, um partidário da Anarquia para O Anarchista Fluminense seria aquele que
censura os injustos.201
***
200
O Anarchista Fluminense nº 7. 30/04/1835.
201
O Anarchista Fluminense nº 7 .30/04/1835. p.06.
89
4.4 O Anarquismo
Nesse momento, será feita uma comparação com os significados dados por dicionários
políticos e filosóficos ao conceito de Anarquia, e eventualmente de Anarquista, ou
Anarquismo, que podem demonstrar, além de uma conceituação “geral”, um perfil histórico
destes conceitos. Estes dicionários se destinam a traçar os limites da definição de Anarquismo,
assim como mostrar um pouco das obras literárias produzidas, que se dedicaram ao tema.
Estas literaturas têm muito a colaborar para elucidar quais os valores que se consolidaram
dentro do ideal Anarquista e os escritos que colaboraram para o pensar da filosofia do
Anarquismo.
A outra importância do recurso dos dicionários políticos e filosóficos é que estes
tratam do tema de modo a teorizá-lo e “esmiuçá-lo” de forma a separar as diversas idéias que
este conceito pode carregar. Assim, podemos fazer uma comparação destas referências, com
as idéias que o discurso do Anarchista Fluminense se propôs a sustentar.
O objetivo de traçarmos estes limites da conceituação de Anarquismo seria: comparar o
discurso do jornal, as idéias defendidas, e os pontos cruciais de seu agir político, com os
preceitos do Anarquismo, tal qual é enxergado hoje em dia pela Filosofia e a Ciência Política,
com o intuito de verificar até que ponto estes dois conceitos apresentam congruências.
Faremos um levantamento Geral dessas principais premissas da doutrina anarquista para
tentar comparar com as idéias expressadas nos textos do Jornal.
202
WOODCOCK , Georges, Autor do Verbete: Anarchism in: Edwards, Paul, The Encyclopedia of philosophy.
New York: MacMillan Reference, 1996. V. 1.
203
WOODCOCK , Georges, Autor do Verbete Anarchism in: op.cit
204
PROUDHON, Pierre Joseph, A propriedade é um roubo. Porto Alegre: LP&M, 1998.
205
BRAVO, Gian Mario, Autor do verbete: Anarquismo. In: BOBBIO, MATEUCI PASQUINO, Dicionário de
Política. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. (4ª ed.)
91
para outros, uma benevolente doutrina baseada na fé inata da bondade humana. Há também
uma confusão posterior entre o que seria Anarquismo, Nihilismo, e Terrorismo. De fato, o
Anarquismo, que é baseado na lei natural e na justiça, se mantém no pólo oposto ao Nihilismo
que nega todas as leis morais206. Similarmente, não há uma conexão necessária entre o
Anarquismo, que é uma filosofia social, e o Terrorismo, que é um meio político
ocasionalmente utilizado por anarquistas individualistas, mas por ativistas pertencentes a
grande variedade de movimentos que nada tem em comum com o Anarquismo.207
A filosofia Anarquista tomou muitas formas, nenhuma a qual pode ser definida como
uma ortodoxia. E em seus expoentes, deliberadamente cultiva a idéia de que é uma doutrina
aberta e mutável. De qualquer maneira, todas as suas variantes combinam uma crítica a
existência de sociedades governamentais, uma visão de uma futura sociedade libertária, que
deve repor as governamentais.208
Na Enciclopédia internacional das Ciências Sociais no verbete Anarquismo.
encontramos que o Anarquismo é uma soma de suas muitas partes. Aqueles que se rebelam
contra a autoridade pode ser atraído por uma das partes do Anarquismo. Ele destaca um
outro aspecto, que sem dúvidas é o que mais se aproxima com os objetivos de análise desta
pesquisa: o fato da Anarquia, ser uma atitude espontânea da mente, muito mais que uma
teoria rigorosa, acaba apresentando que há uma diversidade nas formas como ela é entendida
e expressada.209
Um outro dicionário, “Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia” também admite as
variedades enormes que podem assumir esta idéia com a seguinte colocação: Doutrina
Política (comportando variedades notáveis) e cujo ponto comum consiste em rejeitar toda
organização do Estado que se imponha acima do indivíduo210.
No “Dicionário de Política” de Bobbio, Mateucci e Pasquino, quando faz
primeiramente uma “Definição geral” do Anarquismo, caracteriza como: libertação de todo
poder superior, de ordem ideológica, política, econômica, social, e jurídica a estes motivos se
junta o impulso geral para a liberdade. Daí provém o rótulo de libertarismo. Neste texto há o
destaque de uma premissa essencial para o trabalho: “liberdade de agir sem ser oprimido por
qualquer tipo de autoridade, admitindo unicamente os obstáculos da natureza de opinião, do
senso comum”.
206
Ver Verbetes: Nihilismo Terrorismoin:BOBBIO, NICOLA, PASQUINO, op. cit.
207
Idem.
208
WOODCOCK., Georges. Autor do Verbete: Anarchism in: EDWARDS, Paul, op. cit.
209
HACKER, Andrew, autor do Verbete: Anarchism in: STILLS, David (org.), International Encyclopedia of the
Social Sciences. New York: Macmillan Company & The free Press. 1982.
210
LALANDE, André, Vocabulário técnco e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins fontes,1999.
92
No campo doutrinal, A primeira obra publicada nesse sentido, foi o livro de William
Godwin, o Enquiry Concerning political justice. Esta obra foi baseada na idéia principal de
que: as leis humanas são falíveis, e os homens deveriam usar seus entendimentos para
determinar o que é justo, e deveriam agir de acordo com sua própria razão, ao invés de em
obediência a autoridade das “instituições positivas” que sempre formam barreiras ao
progresso iluminado. Godwin rejeitava todas as instituições estabelecidas e todas as relações
sociais que sugeriam desigualdade ou o poder de um homem sobre outro. Neste estudo,
Godwin propõe a organização social em pequenos grupos de homens procurando a verdade e
a justiça; em uma sociedade de indivíduos livres, organizados localmente em paróquias
(freguesias), e ligados de maneira frouxa em uma sociedade sem fronteiras, e com o mínimo
de organizações. Em seu trabalho, há ênfase nas condições dos artesãos e os camponeses.211
A Completude da lógica do Political Justice, é sua surpreendente antecipação dos
posteriores argumentos libertários, faz dela, assim como o Sir Alexander Gray disse : “o
resumo e a essência do Anarquismo”.
Corroborando com isso, temos, na seqüência, uma “Evolução Histórica do
Anarquismo” aonde insere-se a obra de William Godwin “Enquiry concerning political
justice” o momento de um verdadeiro desenvolvimento Anárquico. A recusa de autoridades
governantes e da lei, são inseridos numa dinâmica dominada pela razão e por um justo
equilíbrio sobre necessidade e vontade. Neste verbete, entre os “objetivos, meios e táticas” do
Anarquismo, temos uma das explicações mais satisfatórias a nossa análise: O Anarquismo
condena a lei, ou seja, toda a forma de legislação que, na prática, seja a expressão de
repressão por parte da máquina do Estado.212 Termina sua definição geral com a frase
também utilizada por outros dicionários, atribuída a Sebastien Faure na Encyclopedie
Anarchiste: “A Doutrina anárquica se resume a apenas uma palavra: liberdade”.
Godwin questionou a Justiça e as leis criadas pelo homem. A primeira (diz ele)
baseada em verdades éticas imutáveis; a segunda, nas decisões falíveis de instituições
políticas. É preciso que o homem chegue ao que é certo através de sua própria compreensão e,
aqui serão as evidências e não a autoridade que deverão guiá-lo.213
Ao fazer sua análise, cita Godwin com sua frase: Com que júbilo deve cada amigo
bem informado da humanidade esperar pela dissolução do governo político! Essa máquina
Brutal, a única e eterna causa de todos os erros da humanidade, tem males de vários tipos
211
WOODCOCK, Georges, Historiadas idéias e movimentos anarquistas. V.1: A idéia. Porto Alegre: LP&M,
2007.
212
BRAVO, Gian Mario, Verbete: Anarquismo in: op. cit.
213
Woodcock, Georges, op. cit.
93
incorporados à sua substância, os quais não poderão ser removidos senão com a sua total
destruição214.
***
CONCLUSÃO
214
GODWIN, William, Enquiry concerning political justice”, 1793, citado em WOODCOCK, Georges, Autor do
verbete: Anarchism in: op.cit.
94
215
Tomando por base o texto de José Murilo de Carvalho, que demonstra a forma como se apresentavam os
discursos panfletários do período que se seguiu às reformulações da sociedade brasileira, a partir de seu processo
de independência, e, no período das Regências.
95
216
BRAVO, Gian Mario: Autor do Verbete Anarquismo in: BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, Dicionário de
Política. São Paulo: UnB, 2002.
96
A conclusão a que se chega é de que duas assertivas negativas produzem uma positiva.
Uma negação que se siga a outra, gera um conceito “positivado”. Cria-se um novo significado
para o termo Anarquista, desta vez, ultrapassando para um novo campo, distanciando-se da
negatividade que usualmente carregava, para seguir um novo sentido, que indica uma
tendência do termo que adquire novas nuances que partem desse sentido.
O Anarquismo é uma filosofia política radical, que percebe na autoridade estatal o
maior obstáculo à liberdade de vontades, e por isso quer sua abolição. Anarquistas se dividem
entre as diversas formas de alcançar este objetivo. Nesse sentido, destacamos, a título de
ilustração, o “anarquismo individualista” de Max Stirner já no 3º quartel do século XIX.217
O posicionamento político desse periódico, acima de qualquer outro termo, deve ser
avaliado como oposição à tirania e às leis que oprimem os cidadãos. A falta de proposta ou
sugestão nas críticas feitas pelo jornal à sociedade civil, e a forma com que se conduzia a
política Regencial, são, marcantemente, os principais objetivos dos artigos. O desejo de que
não haja governo é o discurso proferido para o fim oposicionista a que o periódico se propõe.
Demonstra a necessidade que o moveu a escrever os artigos: imoralidade e injustiça política.
O próprio jornal na 7ª edição define o Anarquista como aquele que censura os injustos, esta é
sua finalidade: destruir a ordem é destruir as injustiças geradas pela existência dela. Isso por si
só já demonstra não apenas um novo significado mas também o novo apontamento deste
termo, no sentido do que se conhece como Anarquismo. O que o jornal julga ser injusto é
exatamente a corrupção existente no governo, e as leis que interferem diretamente no âmbito
privado dos indivíduos.
Concluímos que este periódico pode ser considerado, a sua maneira, um defensor
desses ideais do Anarquismo. Ainda que não seja um Anarquista Completo (como no caso de
Proudhon), focando-se em questões jurídicas e assumindo posturas conservadoras, apontava
também sua política para esse sentido.
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