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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO

A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS


PELO PAGAMENTO DE CHEQUES FALSOS

FLORIANÓPOLIS (SC)
1997
MURILO ADAGHINARI

Monografia apresentada ao Departamento de Direito, do Centro de Ciências


Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Direito.

A presente monografia final, intitulada “A responsabilidade civil dos


estabelecimentos bancários pelo pagamento de cheques falsos”, elaborada por
Murilo Adaghinari, e aprovada pela banca examinadora composta pelos
professores abaixo assinados, obteve aprovação com nota 10 (dez) sendo julgada
adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no art. 9º, da Portaria nº
1.886/94/MEC, regulamentado pela UFSC pela resolução nº 003/95/CEPE.

Florianópolis (SC), 1º de dezembro de 1997.

Professor Orientador - Fernando Noronha

Leilane M. Zavarizzi da Rosa

Reinaldo Pereira e Silva

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Fernando Noronha, pelos ensinamentos,


orientações e tempo dispendido, indispensáveis à conclusão do presente trabalho,
atitudes perfeitamente compatíveis com o seu notável saber jurídico e sua preocupação
com a atividade docente, atributos que só vêm a engrandecer o nome desta instituição.
2

Aos meus colegas de trabalho, na Procuradoria-Geral de Justiça, pelo


auxílio, colaboração e paciência não só durante a elaboração desta monografia, mas
em todo o curso de minha atividade profissional.

Aos meus familiares e amigos pelo carinho e incentivo dispensados,


imprescindíveis à elaboração e conclusão do presente trabalho.

SUMÁRIO

Notas introdutórias

1.1. Os negócios jurídicos com emissão de cheques


1.2. O contrato de depósito bancário
1.3. O contrato de abertura de crédito
1.4. O contrato de conta corrente

2.1. Caracterização da responsabilidade civil


2.2. Os pressupostos da responsabilidade civil
2.3. A responsabilidade civil contratual e extracontratual
2.4. A responsabilidade civil subjetiva, objetiva e objetiva agravada
2.5. As excludentes
2.5.1. O fato do ofendido
2.5.2. A cláusula de irresponsabilidade ou de não-indenizar
2.5.3. Fatos justificados: o estado de necessidade, a legítima defesa,
o exercício regular de um direito e o estrito cumprimento do dever
legal
2.5.4. O fato de terceiro
2.5.5. O caso fortuito e a força maior
2.5.6. A prescrição

3.1. Indicação de seqüência


3.2. Noção de cheque falso e falsificado
3.3. Enquadramento da relação banco-correntista no prisma contratual
3.4. Três soluções possíveis
3.5. A responsabilidade dos bancos no Código de Defesa do Consumidor
3.5.1. Os contratos bancários e o Código de Defesa do Consumidor
3.5.2. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
3.6. A responsabilidade contratual subjetiva - a teoria da culpa
3.6.1. Características da teoria da culpa
3.6.2. Inadequação da teoria subjetiva
3

3.7. A responsabilidade contratual objetiva baseada na teoria do risco


profissional
3.7.1. Características da teoria do risco profissional
3.7.2. Aplicação da teoria objetiva fundada no risco profissional
3.8. Regime regra: responsabilidade do banco
3.9. Hipóteses excludentes da responsabilidade dos bancos
3.9.1. Fato do cliente
3.9.2. Culpa concorrente: cliente / banco
3.9.3. Cláusula de não-indenizar - seu alcance
3.9.4. Prescrição da responsabilidade bancária
3.10. Excludentes não configuráveis da responsabilidade do banco

Considerações finais

Referências bibliográficas

NOTAS INTRODUTÓRIAS

O tema responsabilidade civil, abordado sob determinado aspecto específico


no presente trabalho, qual seja, a responsabilidade dos estabelecimentos bancários pelo
pagamento de cheque falso, tema este bastante debatido e analisado pela doutrina e
jurisprudência pátrias, assume especial importância em nossa realidade atual.

A sociedade brasileira, cuja estrutura é peculiarmente desigual, é sustentada


pela imensa maioria de excluídos, formadores da chamada “classe baixa”, e constituída
por uma classe média cada vez mais decadente e irrisória, cujos membros
remanescentes tentam, a todo custo, embora em vão, manter sua posição e não
aumentar o número de membros da classe baixa.

Alheia a esta realidade, bem afastada desta verdadeira “desgraça social”,


está a chamada “classe alta”, cujos membros nunca estiveram tão evidentemente
preocupados em manter seus privilégios e favorecimentos nesta estrutura social.
Sociedade esta que, diária e paradoxalmente, nega àqueles que não têm acesso ou
esclarecimentos suficientes os mais elementares direitos que, pelo menos nós,
estudantes de Direito, sabemos existirem.

Esta “classe alta”, que só não desaparece aos nossos olhos pela exigüidade
de seus membros devido à imensidão de seu capital, de seu patrimônio e de seus
privilégios, sabe, como ninguém mais, fazer uso e defender seus direitos de uma
maneira tão eficaz e tão rápida que visível aos olhos de qualquer um fica a gritante
desigualdade de tratamento aplicada a uns poucos, privilegiados, em detrimento da
grande maioria, desamparada.
4

Como resultado dessa estrutura, já em sua essência marginalizadora, vemos


o aumento assustador da criminalidade. Criminalidade esta que se manifesta não
apenas pela violência de um homicídio ou de um latrocínio, mas também pelos roubos
e furtos cada vez mais audaciosos, realizados através de técnicas cada vez mais
modernas e “eficazes”.

Partindo de uma visão desta realidade, da nossa realidade, a


responsabilidade civil pelos danos causados ao patrimônio ou mesmo à moral de
terceiro tem que ser encarada.

A responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários pelo pagamento de


cheques falsos, tema específico dentro da responsabilidade civil abrangido nesta
monografia, não pode estar desvinculada desta realidade.

A insegurança hoje reinante gera uma situação de medo generalizado, que


acaba por levar a uma procura cada vez maior aos bancos, únicas instituições capazes
de proporcionar segurança ao exígüo patrimônio dos cidadãos.

Entretanto, o que ocorre quando nem mesmo estas instituições suprem a


necessidade de segurança exigida pela sociedade, já suficientemente alijada pelas
dificuldades diárias que enfrenta, e que acaba por ver seu capital se perder em razão de
fraude contra ela aplicada? Qual a conseqüência da quebra da confiança na relação
banco-cliente? E o mais importante: quem deve suportar os prejuízos e como o
Judiciário se posiciona?

Não se pode ignorar que a utilização de técnicas cada vez mais avançadas
de falsificação, bem como o próprio aumento de sua ocorrência, por si só colocam as
instituições bancárias em situação delicada. Delicada sim, mas desvantajosa nunca. Em
situação muito mais frágil fica o correntista, impossibilitado de tomar qualquer
providência, seja no sentido de evitar a prática fraudulenta, seja no sentido de punir os
infratores.

A instituição financeira, mais do que uma obrigação “meramente”


contratual, desenvolve uma atividade da qual retira seus lucros. Como tal, deve
responsabilizar-se pelo fiel cumprimento dos objetivos que se propôs a alcançar e para
o qual é “paga”.

Partindo deste ponto de vista, então, serão analisadas questões doutrinárias


e jurisprudenciais acerca do tema proposto, abrangendo situações práticas várias, com
o intuito de indicar em qual ou quais situações a responsabilidade pelo prejuízo
oriundo do pagamento de um cheque falso recai unicamente sobre o banco,
unicamente sobre o cliente-correntista ou é repartida entre ambos.

Assim, o presente trabalho está dividido em três capítulos. O capítulo I trata


das relações bancárias que ensejam a emissão de cheques, tendo por objetivo precisar
as espécies de negócios jurídicos em que pode ser posta a questão da responsabilização
por cheques falsos. O capítulo II aborda questões gerais referentes à responsabilidade
5

civil considerada em sentido geral. É tratado, nesta parte, dos pressupostos da


responsabilidade civil, da responsabilidade contratual e extracontratual, da
responsabilidade subjetiva, objetiva e objetiva agravada, bem como das excludentes
“genéricas”.

No capítulo III está abrangida especificamente a responsabilidade civil


resultante do pagamento de cheques falsos, as soluções apontadas para solucionar a
questão, juntamente com suas críticas e indicação da solução adotada. Por fim, é
tratada a composição dos prejuízos e sua imputação a quem de direito dever suportá-
los, sendo feita menção, nesta derradeira parte do trabalho, a questões e casos práticos
analisados por nossa doutrina e por nossos tribunais.

CAPÍTULO I
OS NEGÓCIOS JURÍDICOS COM EMISSÃO DE CHEQUES

1.1. Os negócios jurídicos com emissão de cheques

As operações bancárias dependem, em seu aspecto jurídico, para sua


configuração e validade, de um acordo de vontades entre o estabelecimento bancário
que oferece o serviço e a pessoa do cliente, quer seja ele correntista, depositário, ou
que se utilize dos serviços postos à disposição por aquele. Neste prisma é que
podemos, já de início, inserir as relações bancárias no campo contratual sem que,
porém, isso signifique uma imediata conclusão sobre a natureza exclusivamente
contratual da responsabilidade pelo pagamento de cheques falsos, como veremos nos
capítulos seguintes.

Situadas neste campo as relações bancárias, passaremos a analisar quais


dessas relações constituídas entre cliente e banco dão origem à emissão de cheques.
6

Segundo Sérgio Carlos Covello1 está o cheque vinculado “...ao depósito, à conta
corrente e à abertura de crédito...”, constituindo-se como instrumento dos clientes
para possibilitar a movimentação dos fundos que estão à sua disposição no banco,
disponibilidade esta derivada do contrato estabelecido entre as partes.

No contrato de depósito o cliente confia certa quantia de dinheiro ao banco,


que passa a guardá-lo, ficando por ele responsável, obrigando-se a restituir-lhe tal
quantia no prazo e condições por eles estabelecidas no contrato. No contrato de conta
corrente o cliente, mediante depósito prévio ou utilização de crédito que lhe tenha sido
concedido pelo banco, utiliza-se desse numerário, realizando o banco um verdadeiro
serviço de caixa. No contrato de abertura de crédito, por sua vez, o banco coloca à
disposição do cliente certa soma em dinheiro, podendo este utilizá-lo da maneira que
melhor lhe convier.

A relação que une banco e cliente, seja ela derivada de um contrato de conta
corrente, de depósito ou de abertura de crédito, expressa-se através de um contrato
bilateral, que impõe obrigações para ambas as partes, entre as quais a de zelo e
vigilância, tanto do cliente na guarda dos talões de cheque, quanto do banco quando do
seu pagamento. É partindo desse contexto que analisaremos as conseqüências pelo
pagamento de cheques falsos.

1.2. O contrato de depósito bancário

O contrato de depósito bancário pode ser definido como um contrato


firmado entre instituição bancária e depositante (cliente), dando origem a uma
operação bancária pela qual o primeiro confia ao segundo certa soma em dinheiro,
obrigando-se o banco a guardá-la e restituí-la no prazo e condições convencionadas.

Tal contrato coloca o banco na posição de devedor, adquirindo a


propriedade dos valores confiados a ele pelo depositário por razões de segurança,
obtenção de lucros e para a realização do serviço de caixa.

Concedendo ao banco a custódia dos valores, o cliente satisfaz sua


necessidade de segurança, que é incrementada pela percepção de juros, que impedem a
desvalorização do dinheiro depositado. Além disso, a instituição realizará os serviços
de caixa para o cliente, compreendidos nestes os pagamentos que necessite realizar.

É justamente aqui que o cheque assume especial importância nos contratos


de depósito. É ele meio de reaver os valores depositados, através de resgate puro e
simples da quantia ou sua utilização para pagamentos diversos, a critério do
depositante, evitando o manejo material do numerário.
1
Sérgio Carlos Covello, Contratos bancários, São Paulo, Saraiva, 2ª edição, 1991, pp. 121-49.
7

1.3. O contrato de abertura de crédito

Este contrato consiste na obrigação do banco de pôr à disposição do cliente


certa soma em dinheiro que poderá ser usada conforme sua conveniência. Assim,
poderá utilizá-la no todo ou em parte, obrigando-se a devolver a importância nas
condições contratadas.

O objeto deste contrato não é o dinheiro propriamente dito. O cliente


adquire o crédito, utilizando-se, para dispor do numerário, da emissão de cheques, que
é uma das formas de fazer as retiradas em contraposição à entrega pura e simples do
dinheiro.

1.4. O contrato de conta corrente

O contrato de conta corrente é relação contratual estabelecida entre cliente e


banco da qual deriva a obrigação deste em “...receber os valores que lhe são
remetidos pelo cliente (correntista) ou por terceiros, bem como a cumprir as ordens de
pagamento do cliente até o limite de dinheiro nela depositado ou do crédito que se
haja estipulado”2.

Nesta espécie de contrato desenvolve o banco um serviço de caixa, que será


desfrutado pelo cliente principalmente através da emissão de cheques, maneira
comumente utilizada para possibilitar a disponibilidade dos valores, através da qual se
realiza a movimentação do numerário constante da conta.

O jurista Giacomo Molle, citado por Nelson Abrão3, entende que


“Sendo função da conta corrente bancária pôr em prática um serviço
de caixa no interesse do correntista não é necessário, para nela fazer
entrar as disposições do cheque constituindo modo normal de
pagamento, um acordo particular com o banco. Este é obrigado, pelo
simples fato da conclusão do contrato, a entregar ao cliente o talão
de cheques”.

2
Sérgio Carlos Covello, op. cit., p. 92.
3
Giacomo Molle, I contratti bancari, cit. por Nelson Abrão, Direito bancário, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 3ª edição, 1996, p. 135.
8

CAPÍTULO II
O QUADRO GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1. Caracterização da responsabilidade civil

Etimologicamente, responsabilidade é signo lingüístico derivado de


responsável, de responder, do latim respondere4, pelo que se entende que o conceito
jurídico de responsabilidade pressupõe o de personalidade, visto que, para haver
responsabilidade, devem existir pessoas nos pólos da relação jurídica.

Entretanto, o assunto não se esgota com esta regra geral. Exceções existem
em que entes despersonalizados, como por exemplo, a reunião dos condôminos
(condomínios) ou mesmo as sociedades de fato respondem civilmente pelos danos
antijuridicamente causados a outrem, mesmo sendo destituídos de personalidade.

Para doutrinadores do porte de Silvio Rodrigues e Serpa Lopes5, o princípio


informador de toda a teoria da responsabilidade é aquele que impõe a quem causa
dano culposamente o dever de reparar.

Pontes de Miranda6, por sua vez, considera, no conceito de responsabilidade


civil, um aspecto da “realidade social”, constituindo-se por um “processo de
adaptação”, deslocando o raciocínio para o princípio geral da “proibição de ofender”
(neminem laedere).

Os mestres da responsabilidade civil deslocam a noção abstrata de


responsabilidade civil para a configuração concreta de quem seja responsável, dizendo
que uma pessoa é civilmente responsável quando está sujeita a reparar um dano sofrido
por outrem.

A tendência da doutrina é aliar a noção técnica da responsabilidade civil à


obrigação de reparar o prejuízo sofrido por uma pessoa. Na ocorrência de um dano,
seja material, seja moral, a ordem jurídica procura determinar a quem compete a
obrigação de reparar, e em torno deste dever enunciam-se os princípios que no seu
conjunto formam a noção genérica da obrigação ressarcitória.

4
Francisco da Silva Bueno, Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa, v. 7,
p. 3494.
5
Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 8ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, pp.
7-8.
6
Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., p. 8.
9

Assim, a responsabilidade civil consiste sempre em uma obrigação de


reparar danos, consistindo, em uma acepção ampla, na obrigação de reparar quaisquer
danos antijuridicamente causados a outrem.

Assim entendida, abrange

“...a obrigação de reparação de danos resultantes do


inadimplemento, da má execução ou do atraso no cumprimento de
obrigações negociais (isto é, nascidas de contratos e negócios
jurídicos unilaterais)”, bem como “...a obrigação de reparação de
danos resultantes da violação de outros direitos alheios, sejam eles
absolutos (como os direitos da personalidade, os direitos reais e os
direitos sobre bens imateriais) sejam simples direitos de crédito
constituídos entre outras pessoas, sejam até outras situações dignas
de tutela jurídica”7.

Traçando-se um paralelo com o Direito Público, distingue-se a


responsabilidade civil da responsabilidade penal por fatores vários.

A responsabilidade penal nasce da prática de atos ilícitos, lesando, acima de


tudo, interesses da sociedade. A responsabilidade civil, por sua vez, via de regra, não
apresenta caráter punitivo, não se constituindo em sanção imposta pelo Estado,
derivando, isto sim, da obrigação de reparar o dano causado, não se medindo pela
gravidade da conduta do agente, como a penal, mas sim, pela extensão do dano
causado. Isto só não é assim na responsabilidade por danos morais, para a qual os
autores também apontam uma finalidade punitiva.

A responsabilidade penal é pessoal, não ultrapassa a figura do devedor e só


incide sobre pessoas físicas, o que não ocorre no âmbito da responsabilidade civil,
onde pode haver situações em que terceiro responde pelos danos causados por outrem
(responsabilidade do patrão pelos atos de seus prepostos, por exemplo), e onde a
responsabilidade pode recair sobre pessoas jurídicas.

A responsabilidade penal pressupõe uma conduta dolosa ou culposa, que


resulte em ilícitos penais, enquanto a responsabilidade civil exige, para sua
configuração, apenas uma conduta culposa, abrangendo, inclusive, casos de
responsabilidade objetiva, em que à pessoa obrigada a reparar o dano não é imputável
qualquer culpa.

A responsabilidade civil apresenta como funções a manutenção do status


quo, ou seja, a preservação da situação atual. Além dessa função, possui função
reparatória, consistente no ressarcimento do prejuízo econômico causado

7
Fernando Noronha, Responsabilidade civil: uma tentativa de ressistematização, in: Revista de
direito civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 64, p. 13, (abril-junho/1993).
10

(indenização de dano patrimonial) ou na minoração do sofrimento infligido


(compensação do dano moral), função sancionatória, derivada da maior ou menor
reprovabilidade da conduta do responsável causador do dano e função preventiva,
entendida esta como maneira de coibir a prática de atos danosos pela mesma pessoa ou
por outras.

2.2. Os pressupostos da responsabilidade civil

Como pressupostos da responsabilidade civil podemos mencionar, em


relação ao fato gerador da responsabilidade, a antijuridicidade desse ato e a
possibilidade de sua imputação a alguém. Já em relação ao dano causado, a sua efetiva
existência, que ele tenha se originado do ato ou fato praticado e que esteja contido no
âmbito de proteção da norma violada.

O ato praticado pelo agente ou o fato simplesmente acontecido deve ser


antijurídico, sendo esta antijuridicidade medida objetivamente, isto é, caracterizada por
qualquer ofensa a direito do ofendido.

Deve haver, também, o nexo de imputação, isto é, a possibilidade de


responsabilização de alguém pelos prejuízos sofridos pela vítima — alguém deve arcar
com os prejuízos. Esta imputação pode ser subjetiva (pelo fato de a pessoa ter agido
com dolo ou culpa) ou objetiva (ou pelo risco, quando o prejuízo tiver sido causado
pela atividade do responsável).

Há, ainda, a necessidade da existência efetiva do dano e do nexo de


causalidade entre a conduta do agente e o prejuízo sofrido pela vítima, cujo patrimônio
foi abalado pelos atos praticados por aquele.

Por último, para que um dano seja reparável, indispensável se faz o seu
cabimento no âmbito de proteção da norma violada. O que dá origem à obrigação de
indenizar é justamente a violação a um dever geral ou a um negócio jurídico.
Necessária se faz, então, a caracterização dessa violação para que seja possível a
responsabilização civil do violador que, assim agindo, desrespeitando tais regras,
causou dano a um terceiro.

2.3. A responsabilidade civil contratual e extracontratual

A responsabilidade contratual pode ser entendida como a obrigação de


reparar danos que forem conseqüência do inadimplemento de obrigações contratuais.
Desse modo, pressupõe ela a existência de um contrato que, por sua vez, pressupõe
igualdade de condições entre as partes, que têm plena liberdade para fazer imperar
suas vontades dentro dos limites que protegem o interesse social, inabalável e
intangível pela convenção entre as partes. Tem origem, assim, no querer individual,
respeitando-se a ordem jurídica e impondo o dever positivo de realizar a convenção
acordada e válida apenas entre as partes contratantes — efeito inter partes.
11

Abrange, ainda, essa modalidade de responsabilidade, as obrigações


derivadas do inadimplemento de negócios jurídicos unilaterais. Assim, tais obrigações
regem-se pelos mesmos princípios dos negócios jurídicos bilaterais (contratos), embora
a expressão “responsabilidade contratual” nos dê a falsa impressão de que as
obrigações pelo inadimplemento de negócios jurídicos unilaterais seriam classificadas
como obrigações extracontratuais. Dessa forma, o inadimplemento dos negócios
jurídicos, sejam eles bilaterais ou unilaterais, estão sujeitos ao mesmo regime jurídico,
motivo pelo qual propõe-se a modificação da nomenclatura “obrigação contratual”
para “obrigação negocial”.

A responsabilidade extracontratual, por sua vez, relaciona-se à reparação


dos danos causados a pessoas não ligadas por negócio jurídico algum, ou mesmo que
ligadas, em que o dano não tenha se originado da violação desse negócio jurídico que
as une. Entende-se essa responsabilidade como a obrigação de reparar danos
resultantes da violação dos deveres gerais de abstenção ou omissão — como os que
correspondem aos direitos reais, de personalidade ou de autor — e aos deveres
genéricos de não lesar ou causar dano a alguém: neminem laedere.

Abrange, assim, esta modalidade de responsabilidade, também chamada de


responsabilidade civil em sentido estrito, os danos resultantes de atos ilícitos (ou
responsabilidade aquiliana) e certos danos resultantes de atos não culposos
(responsabilidade objetiva)8.

Desta forma, pode a responsabilidade extracontratual fundar-se ou não no


exame da culpa, conforme veremos no item seguinte, distinguindo-se três tipos: a
responsabilidade extracontratual subjetiva, a responsabilidade extracontratual objetiva
e a responsabilidade extracontratual objetiva agravada. Baseia-se a primeira delas na
obrigatoriedade de apresentação, pelo queixoso, da prova do dano, da violação a um
dever geral, do nexo causal e da ausência de qualquer obrigação contratual entre eles
firmada.

A responsabilidade extracontratual objetiva é aquela que prescinde do


exame quanto à culpa do agente. Como exemplo dela temos a responsabilidade dos
preponentes pelos atos de seus prepostos.

A responsabilidade extracontratual objetiva agravada é aquela derivada de


obrigação de incolumidade9, como, por exemplo, a responsabilidade que os bancos têm
pela incolumidade dos clientes e não-clientes que freqüentam suas agências10.

A responsabilidade contratual, por sua vez, também pode, ou não, fundar-se


na culpa. Exsurge deste fato a existência de três modalidades.

8
Fernando Noronha, lições de Direito das obrigações, textos fotocopiados, capítulo 7.

9
Obrigações de incolumidade são aquelas que protegem a integridade física e/ou psíquica dos
indivíduos, sendo espécie das obrigações de garantia.
10
Se, exemplificativamente, um assaltante invade a agência e um cliente, ou mesmo não-cliente,
é ferido, a obrigação de indenizar do banco deriva da obrigação de incolumidade.
12

A primeira delas é a responsabilidade contratual subjetiva, que é aquela que


depende da prova do inadimplemento e da culpa (dolo ou culpa em sentido estrito) do
agente na execução do contrato, derivando de uma obrigação de meio11. Assim é que o
médico, realizando cirurgia que não seja estética - onde a questão é tratada
diversamente, só poderá ser responsabilizado civilmente pela morte do paciente se
tiver agido com dolo ou culpa.

A segunda espécie é a responsabilidade contratual objetiva, que resulta da


violação de uma obrigação de resultado12, como, por exemplo, as obrigações
resultantes dos contratos firmados entre bancos e clientes.

A última modalidade de responsabilidade contratual é a que se funda na


violação de uma obrigação de garantia13, denominando-se responsabilidade contratual
objetiva agravada. A título exemplificativo, pode-se mencionar os contratos de seguro,
em que nem mesmo o caso fortuito ou força maior são suficientes para excluir a
responsabilidade do inadimplemente (se você faz seguro de sua casa e ocorre uma
enchente que a destrói, você terá direito ao reembolso da seguradora).

Nessas suas últimas espécies de responsabilidade contratual - a objetiva e a


objetiva agravada - deve ser feita prova do inadimplemento apenas, havendo inversão
do onus probandi (nas obrigações de resultado, pois as de garantia não comportam
excludentes).

Outra questão interessante que serve como fator diferenciador entre uma e
outra modalidade de responsabilidade é a questão referente aos incapazes. Em relação
à responsabilidade extracontratual, temos que o ato de incapaz pode dar origem à
reparação por aqueles que são encarregados de sua guarda e até por ele mesmo, se
tiver mais de 16 anos (Código Civil, art. 156). Já no que concerne à responsabilidade
contratual, referindo-nos aqui aos negócios jurídicos bilaterais, sua origem está na
convenção, que, por sua vez, exige agentes plenamente capazes ao tempo de sua
celebração. Se tal exigência não é cumprida, isto é, se o contrato é firmado por
incapaz, fica eivado de vício e, portanto, poderá ser anulado, ou considerado nulo;
conseqüentemente, não haverá produção de efeitos indenizatórios14.
11
Nas obrigações de meio há o comprometimento quanto ao agir com diligência, eticamente,
tomando todos os cuidados e utilizando dos meios disponíveis para adimplir o contrato. Se o contrato não for
adimplido, não houve violação, a princípio, cabendo à vítima fazer prova de que teriam faltado essas condições
éticas e de diligência assinaladas.
12
Obrigações de resultado são aquelas em que o devedor se obriga a atingir determinado fim,
independentemente dos meios disponíveis e utilizados, atingindo sua execução com o cumprimento do objetivo
final. Neste caso, então, há inversão do ônus da prova, presumindo-se a culpa do devedor, bastando ao credor
provar o inadimplemento.
13
Obrigações de garantia são aquelas em que a responsabilidade do devedor não é excluída pela
ocorrência de alguns riscos, com características de caso fortuito ou força maior (ex.: contratos de seguro).
14
Configura-se esta excludente se o relativamente incapaz firma contrato sem representante e
sem má-fé, visto que, se ocultar dolosamente sua idade, nos termos do art. 155, do CC, “...não pode, para se
eximir de uma obrigação, invocar a sua idade, se dolosamente a ocultou, inquirido pela outra parte, ou se,
no ato de se obrigar, espontaneamente se declarou maior”. Da mesma forma, segundo o art. 156, do CC, o
relativamente incapaz “...equipara-se ao maior quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos, em que for
culpado”. Se o contratante for absolutamente incapaz e o seu representante agir com má-fé na celebração do
13

2.4. A responsabilidade civil subjetiva, objetiva e objetiva agravada

A responsabilidade subjetiva ou culposa é a obrigação de reparar danos


causados por ações ou omissões intencionais, negligentes ou imprudentes, que violem
direitos alheios. Estes atos podem ser chamados de atos ilícitos.

Para caracterização dessa modalidade de responsabilidade, necessária é,


além do dolo ou da culpa, a ocorrência efetiva de um dano, que não pode ser eventual,
hipotético ou eivado de dúvidas quanto à sua existência, além do nexo de causalidade
entre o fato do agente e o dano.

A responsabilidade subjetiva pode acontecer no âmbito dos contratos


(responsabilidade contratual subjetiva) ou na esfera que é costume chamar de
extracontratual (responsabilidade extracontratual subjetiva ou responsabilidade civil
por atos ilícitos, ou responsabilidade aquiliana).

Tanto na esfera contratual como na extracontratual, diferencia-se o agir


culposamente do agir dolosamente. No primeiro caso, há violação de norma
preexistente, podendo-se afirmar que o agente podia e devia agir de forma diferente. O
agente foge ao padrão do homem diligente, isto é, da situação ideal para determinada
situação concreta. Assim agindo, causa o dano por negligência, imprudência ou
imperícia. A ação negligente se caracteriza pela ausência de precaução ou indiferença
ao ato realizado. O agir imprudentemente se caracteriza pela prática de fato perigoso,
agindo sem as devidas cautelas. O dano se origina da imperícia quando tenhamos
inexistência ou insuficiência de aptidão do agente para realizar um trabalho ou ofício.

Na conduta dolosa, por sua vez, existe uma intenção voluntária e consciente
de lesar direito alheio, isto é, o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-
lo.

Seja qual for a origem do prejuízo causado — dolo ou culpa — na


responsabilidade civil subjetiva o fato gerador será sempre um ato ilícito em sentido
próprio, isto é, uma conduta humana, uma ação ou omissão voluntária, ou, pelo menos
pela falta de uma conduta mais cuidadosa do agente. Já na responsabilidade contratual
culposa, o fato gerador será o inadimplemento da obrigação contratual estabelecida
entre as partes, devido à atitude culposa de uma delas.

A responsabilidade objetiva, também denominada de responsabilidade pelo


risco, consiste na obrigação de reparar danos que, prescindindo de qualquer idéia de
dolo ou culpa, sejam resultantes de ações ou omissões de alguém, ou estejam
simplesmente conexas com a sua atividade, tendo por objetivo a reparação de
acidentes ligados a atividades criadoras de riscos e ainda os resultantes de atuação
culposa de subordinados e dependentes (prepostos).

contrato, será responsabilizado pelos efeitos danosos que causar.


14

À semelhança da responsabilidade subjetiva, também na objetiva será


possível distinguir uma responsabilidade pelo risco que é civil em sentido estrito e
outra que é contratual (negocial). Em uma e outra, não há questionamento relativo à
culpa, analisando-se apenas o risco criado por alguém, sendo devida a reparação tão
somente por ter ocorrido um dano derivado de fato causado por atividade do interesse
ou controle do agente. Tal responsabilidade só será ilidida se for feita prova, por quem
desenvolve a atividade, de que o dano decorreu de fato de terceiro, do próprio lesado
ou de caso fortuito ou força maior, circunstâncias que excluem o nexo de causalidade
entre a atividade exercida e o dano, como veremos no próximo item.

Existem situações, entretanto, em que nem mesmo a prova de que a lesão se


originou de fato de terceiro, do próprio lesado ou de caso fortuito ou força maior
(inexistindo o nexo de causalidade entre o fato ou ato e o dano derivado) serve de
escusa para a responsabilização. Nesses casos, surge a chamada responsabilidade
objetiva agravada, que prescinde da existência do nexo de causalidade entre a
atividade desenvolvida e o dano ocorrido. Como exemplo dessa forma de
responsabilidade, temos a do estabelecimento bancário pela incolumidade do cliente: a
única forma de o estabelecimento eximir-se é a prova de que o fato ocorrido não tinha
qualquer conexão com a atividade exercida. O Professor Fernando Noronha15 assim
coloca a questão:

“Temos esta responsabilidade quando uma pessoa é obrigada a indenizar,


independentemente de haver um nexo de causalidade adequada entre a sua
atividade e o dano acontecido. Fala-se em dano acontecido, porque, em rigor,
nestes casos não se poderia falar em “dano causado” pela pessoa
responsabilizada. Aqui será necessário para que o indigitado responsável se
liberte da obrigação de indenizar, que prove não existir conexão entre o fato
acontecido e a atividade por ele exercida.
Nestas hipóteses diz-se que o indigitado responsável tem uma obrigação de (...)
incolumidade”.

Para configuração dessa espécie de responsabilidade objetiva, em princípio,


são exigidos três requisitos, quais sejam, que os danos abrangidos sejam pessoais, que
tais danos tenham acontecido no exercício de uma atividade profissional e que, embora
não se possa dizer que foram causados pelo responsável ou por sua atividade, guardem
alguma conexão com tal atividade profissional.

Esta forma de responsabilidade opõe-se à objetiva normal, que é


exatamente a que exige o nexo de causalidade.

A jurista Márcia Regina Frigeri16 divide, ainda, a responsabilidade objetiva


em pura e impura. A primeira deriva de ato ilícito ou fato jurídico, existindo efeito
15
Fernando Noronha, lições de Direito das obrigações, textos fotocopiados, capítulo 10, p. 13.
16
Márcia Regina Frigeri, Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários, Rio de Janeiro,
Forense, 1ª edição, 1997, p. 8.
15

indenizatório muito embora não tenha havido culpa do banqueiro ou de seus prepostos.
Neste caso, não há direito de regresso, arcando exclusivamente o banqueiro com o
pagamento do dano. Já a responsabilidade objetiva impura tem origem na culpa de
terceiro ligado à atividade do banqueiro.

2.5. As excludentes

Entende-se como excludentes da responsabilidade civil, isto é, da obrigação


de reparar os danos causados ao patrimônio de terceiro, o cometimento dos atos
lesivos sob condições especialíssimas que levam à descaracterização do nexo de
imputação entre o agente causador do dano e a vítima ou o seu deslocamento em
direção a um terceiro ou, ainda, ao rompimento do nexo de causalidade.

No primeiro caso, a possibilidade de imputação de responsabilidade ao


agente causador do dano fica prejudicada ou tal imputação é deslocada para um
terceiro, que responderá pelos efeitos danosos oriundos da ação daquele primeiro,
realizada sob a égide de uma das excludentes.

No segundo caso, há o rompimento do nexo causal que une o ato ou fato, a


princípio ilegal ou que fere dever geral ou convenção entre as partes acordadas, e o
dano originado, excluindo-se, conseqüentemente, a responsabilidade do agente.

Assim, constituem causas excludentes da responsabilidade civil o estado de


necessidade, a legítima defesa, o fato do ofendido, o fato de terceiro, a cláusula de
não-indenizar e o caso fortuito ou força maior. Entretanto, no que se refere ao tema
tratado no presente trabalho, veremos no próximo capítulo que aplicável é apenas a
excludente do fato do ofendido, em que, havendo culpa da vítima, há liberação do
banco dos encargos derivados do ato ou fato culposo. Mais abrangentemente, a
cláusula de não-indenizar pode ser aplicada aos contratos bancários em geral, motivo
pelo qual daremos maior ênfase na análise a essas duas excludentes.

2.5.1. O fato do ofendido

Quando o efeito danoso à vítima deriva de fato do ofendido, desaparece a


responsabilidade do agente. Isto porque deixa de existir a relação de causalidade entre
o seu ato e o prejuízo da vítima, servindo o agente apenas como mero instrumento do
acidente.

É o que ocorre, por exemplo, quando a vítima é atropelada ao atravessar,


embriagada, uma estrada de alta velocidade; ou quando o motorista, dirigindo com
toda a cautela, vê-se surpreendido pelo ato da vítima que, pretendendo suicidar-se,
atira-se sob as rodas do veículo.

Nos casos em que a culpa da vítima é apenas parcial, ou concorrente com a


do agente, ambos, autor e vítima, contribuindo, ao mesmo tempo, para a produção do
16

fato danoso, haverá repartição de responsabilidades, de acordo com o grau de culpa de


cada um deles.

O fato da vítima na responsabilidade contratual é o chamado fato do


credor, gerador do inadimplemento. No contrato de depósito bancário é o chamado
fato do correntista ou fato do cliente.

2.5.2. A cláusula de irresponsabilidade ou de não-indenizar

Pode ser entendida como o acordo de vontades pelo qual se convenciona


que determinada parte não será responsável por eventuais danos decorrentes da
inexecução ou de execução inadequada do contrato, tendo por função alterar, em
benefício do contratante, o jogo dos riscos, transferindo-os para a vítima.

É uma convenção cujo objetivo é atribuir ou aceitar o risco, não se


incluindo neste o erro grosseiro do outro contratante, abrangendo o risco apenas a
margem de probabilidades17. Consiste numa estipulação prévia, por ambas as partes
envolvidas na relação obrigacional, de que a obrigação civil da parte, estabelecida na
lei comum, fica afastada na aplicação deste preceito, tendo como objetivo a anulação,
modificação ou restrição das conseqüências normais da falha na prestação ao credor,
cuja responsabilidade é do beneficiário da estipulação.
Não se admite sua aplicação à matéria delitual, restringindo-se às
obrigações contratuais, onde ainda sofre limitações. Ainda que haja acordo de
vontades, não terá validade se visa afastar uma responsabilidade imposta em atenção a
interesse de ordem pública.

Assim, seriam requisitos para a validade da referida cláusula a


bilateralidade do consentimento, a não-colisão com preceito legal, com a ordem
pública ou com os bons costumes, a igualdade de posição das partes (o que não
acontece nos contratos de adesão) e a inexistência do escopo de eximir o dolo ou a
culpa grave do estipulante.

No caso dos contratos bancários, os bancos estipulam que não respondem


pelas conseqüências da negligência ou descuido do correntista na guarda dos talões de
cheque, devendo o banco ser imediatamente comunicado em caso de sua perda ou
extravio. Aqui se encontra uma cláusula de irresponsabilidade, cujo alcance
discutiremos no próximo capítulo (sem prejuízo da prova de culpa do banco, no caso
de pagamento de cheque grosseiramente falsificado, visto que, a responsabilidade
pelas obrigações de depósito, via de regra, é do banco).

As cláusulas de irresponsabilidade não podem fomentar negligências ou


favorecer a desídia contratual, situações que resultariam na destruição do contrato,
desvirtuando-se elas de sua função, que é a de alterar, em benefício do contratante, o
jogo dos riscos. Deve, isto sim, ter o “sentido de estimular os negócios através de

17
José de Aguiar Dias, Cláusula de não-indenizar, Rio de Janeiro, Forense, 1980, pp. 213-6.
17

tranqüilização dos que receiam as conseqüências de maior extensão dos riscos a seu
cargo”18.

2.5.3. Fatos justificados: o estado de necessidade, a legítima defesa, o


exercício regular de um direito e o estrito cumprimento de um dever legal

O estado de necessidade encontra-se delineado nos arts. 160, inciso II,


1.519 e 1.520, todos do CC. O primeiro deles estabelece, em seu caput, que
caracteriza-se ele pela “deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover
perigo iminente”, e em seu parágrafo único que “Neste último caso, o ato será
legítimo, somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não
excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”.

Percebe-se, então, que a legitimidade do ato fica adstrita à necessidade das


circunstâncias que o originaram, bem como aos limites necessários à remoção do
perigo.

Entretanto, embora não seja considerado ilícito o ato praticado em estado de


necessidade, nem sempre está isento de reparação o agente que o pratica. Assim,
estabelece o art. 1.519, do CC, que se o dono da coisa destruída ou deteriorada não for
culpado do perigo, terá direito de ser indenizado, cabendo, entretanto, direito
regressivo contra o verdadeiro responsável pelo perigo e, conseqüentemente, pelo dano
ocasionado - art. 1.520, do CC: “Se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este
ficará com ação regressiva, no caso do art. 160, n. II, o autor do dano, para haver a
importância, que tiver ressarcido ao dono da coisa”.

Quem, por sua vez, pratica ato danoso em legítima defesa, no exercício
regular de um direito ou no estrito cumprimento do dever legal não fica obrigado a
reparar o dano causado, oriundo da prática de atos decorrentes de qualquer dessas
circunstâncias.

O art. 160, inciso I, do CC estabelece que não constituem atos ilícitos os


praticados “em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”.

Segundo Frederico Marques19, “o próprio ‘cumprimento do dever legal’,


não explícito no artigo 160, nele está contido, porquanto atua no exercício regular de
um direito reconhecido aquele que pratica um ato ‘no estrito cumprimento do dever
legal’”.

Por sua vez, o art. 1.540 também exclui a responsabilidade do autor do ato
lesivo praticado em legítima defesa, pois a expressão “crime justificável” abrangia, na
legislação penal anterior, a legítima defesa.
18
José de Aguiar Dias, op. cit., pp. 213-6.
19
Frederico Marques, Tratado de direito penal, cit. por Carlos Roberto Gonçalves, in:
Responsabilidade civil, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 502.
18

Assim, o ato praticado contra o próprio agressor, e em legítima defesa, não


gera responsabilidade para o agente que o praticou. Entretanto, se ocorre engano ou
erro de pontaria (aberratio ictus), e outra pessoa é atingida, deve então o agente
indenizar o dano, cabendo ação regressiva contra o criador da situação de perigo.

Dessa forma, verifica-se que apenas a legítima defesa real, e praticada


contra o agressor, impede o ressarcimento de danos, nos termos do art. 1.540, do CC.

Também a legítima defesa putativa não exime o réu da obrigação de


indenizar, visto excluir apenas a culpabilidade do ato, e não sua antijuridicidade20.

Para que a legítima defesa desautorize uma obrigação indenizatória,


entretanto, observáveis são os limites dos atos praticados pelo agente, limites estes que
também devem ser observados no que se refere aos atos praticados em estado de
necessidade. Segundo Pontes de Miranda21, se o ato praticado em legítima defesa for
excessivo, no que ele é excesso torna-se contrário ao direito.

Nos casos de estrito cumprimento do dever legal o agente é exonerado de


indenizar os danos causados à vítima. É comum esta obter o ressarcimento do Estado,
cuja responsabilidade é objetiva em relação aos atos praticados por seus prepostos (art.
37, § 6º, da CF/88), não cabendo, entretanto, ação regressiva deste em relação ao(s)
empregado(s) causador(es) do dano, visto terem agido no estrito cumprimento do dever
legal (a ação regressiva só é possível se o agente agiu com dolo ou culpa).

2.4.4. O fato de terceiro

Quando o causador direto do dano fica exonerado da responsabilidade pelo


dano causado à vítima por ter sido ele derivado da vontade ou culpa de terceiro,
figurando aquele como mero “instrumento” causador do dano, utilizado por este
terceiro, temos caracterizada a causa excludente “fato de terceiro”.

Assim, será o terceiro responsabilizado pelos danos causados, tendo ele


dado origem à causa exclusiva do prejuízo, desaparecendo a relação de causalidade
entre a ação ou a omissão do agente direto e o dano, revestindo-se o fato de terceiro de
características semelhantes ao caso fortuito, sendo imprevisível e inevitável, quando,
então, ficará excluída a responsabilidade do causador direto do dano.

20
A antijuridicidade se configura quando um ato ou fato ofende direitos alheios de modo
contrário ao direito, podendo consistir em um ato humano, culposo ou não, ou em um fato natural que ofenda
direitos de outrem, contrariando o ordenamento jurídico. A culpabilidade, por sua vez, significa a possibilidade
de ser imputável ao agente a autoria de um ato contrário ao direito, transgredindo seu autor preceito jurídico, o
que gerará sua responsabilidade civil. Da união da antijuridicidade com a culpabilidade deriva a ilicitude do
ato.
21
Apud Carlos Roberto Gonçalves, op. cit., p. 503.
19

Aguiar Dias22 entende que “o fato de terceiro só exonera quando constitui


causa estranha ao devedor, isto é, quando elimine, totalmente, a relação de
causalidade entre o dano e o desempenho do contrato”.

Em caso de responsabilidade aquiliana, se dois veículos colidem e um deles


atropela alguém, serão ambos os motoristas responsáveis solidariamente, se não se
puder precisar qual dos dois teve culpa direta na ocorrência (Apelação Cível nº
247.996, Tribunal de Justiça de São Paulo, relator Sousa Lima, j. em 26/02/76, in:
RJTJSP, 41:108). Se, entretanto, o motorista do veículo que atropelou dirigia
corretamente e foi lançado contra o transeunte em virtude de abalroamento culposo,
poderá ele exonerar-se de responsabilidade invocando o fato de terceiro como
causador único do evento, demonstrando que deixou de existir relação de causalidade
entre o atropelamento e o seu veículo, pois o acidente teria sido causado
exclusivamente por culpa de terceiro.

Em caso de culpa concorrente, em que a responsabilidade é solidária,


poderá a vítima acionar qualquer deles pela totalidade do prejuízo. O que pagar terá
ação regressiva contra o que concorreu para o evento, para cobrar dele a quota-parte.
Se houver culpa concorrente da vítima, poderá ser feito o desconto da indenização, na
proporção da culpa desta.

2.5.5. O caso fortuito e a força maior

O caso fortuito ou de força maior pode ser definido como “..o


acontecimento inevitável e independentemente de qualquer atividade da pessoa de
cuja possível responsabilidade se cogita, que foi causa adequada do dano
verificado”23. O art. 1.058, parágrafo único, do CC estabelece que “o caso fortuito, ou
de força maior, verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou
impedir”.

Prejuízos oriundos de caso fortuito ou força maior exoneram de


responsabilidade em virtude da ausência do nexo de causalidade entre a ação do
“responsável” e o dano causado a terceiro. O caso fortuito ou de força maior não pode
jamais provir de ato do obrigado, pois a própria natureza inevitável do acontecimento
que o caracteriza exclui essa hipótese. Somente pode resultar ele de uma causa
estranha à vontade do devedor, irresistível, que ele não poderia ou não teria obrigação
de evitar.

Para a configuração do caso fortuito ou de força maior, exige-se que:


a) o fato seja necessário, não determinado pela atuação do agente;
b) o fato seja superveniente e inevitável;
c) o fato seja irresistível, fora do alcance do poder humano.
22
José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 10 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, v. 2, p. 679.

23
Fernando Noronha, Responsabilidade civil: uma tentativa de ressistematização, in: Revista de
direito civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 64, p. 31 (abril-junho/1993).
20

Ocorridos esses fatos, há rompimento da causalidade entre o ato do agente e


o dano sofrido pela vítima, o que autoriza a não responsabilização do causador do
dano.

Atualmente alguns autores fazem a distinção entre “fortuito interno”, que é


aquele ligado à pessoa, à coisa ou à empresa do agente) e “fortuito externo”, que
deriva de força maior. Somente o fortuito externo, isto é, ligado à causa natural,
estranha à pessoa do agente e à máquina, excluiria a responsabilidade, principalmente
se esta se fundar no risco. Assim, “defeitos mecânicos em veículos, como o estouro
dos pneus, não caracterizam caso fortuito ou força maior para isenção da
responsabilidade civil” (Apelação Cível nº 192.493, do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, relator Dantas de Freitas, j. em 27/11/70, in: RJTJSP, 15:118). Também
a causa ligada à pessoa não afasta a responsabilidade, como, por exemplo, o mal
súbito.

Segundo a lição de Agostinho Alvim24:

“A distinção que modernamente a doutrina vem estabelecendo,


aquela que tem efeitos práticos e que já vai-se introduzindo em
algumas leis, é a que vê no caso fortuito um impedimento relacionado
com a pessoa do devedor ou com a sua empresa, enquanto que a
força maior é um acontecimento externo.
Tal distinção permite estabelecer uma diversidade de tratamento para
o devedor, consoante o fundamento da sua responsabilidade.
Se esta fundar-se na culpa, bastará o caso fortuito para exonerá-lo.
Com maioria de razão o absolverá a força maior.
Se a sua responsabilidade fundar-se no risco, então o simples caso
fortuito não o exonerará.
Será mister haja força maior ou, como alguns dizem, caso fortuito
externo”.

Assim, apenas o fortuito externo, isto é, a causa ligada à natureza, estranha


à pessoa do agente e à máquina, exclui a responsabilidade, por ser imprevisível.

2.5.6. A prescrição

Prescrita a ação de reparação de danos, fica afastada qualquer possibilidade


de recebimento da indenização, extinguindo-se a responsabilidade do agente causador
do dano.

24
Agostinho Alvim, Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, 5ª ed., São Paulo,
Saraiva, 1980, p. 330.
21

A obrigação de reparar é de caráter pessoal, em regra prescrevendo,


segundo o art. 177, do CC, em vinte anos.

CAPÍTULO III
A RESPONSABILIDADE RESULTANTE DE CHEQUES FALSOS

3.1. Indicação de seqüência

Restringindo a amplitude do presente trabalho, adentraremos no tema


especificamente a que nos propusemos tratar, qual seja, a responsabilidade civil dos
estabelecimentos bancários pelo pagamento de cheque falso.

Analisaremos, no presente capítulo, a adequação da relação constituída


entre banco e cliente aos parâmetros das obrigações contratuais, informando, a seguir,
as soluções propostas por nossa doutrina para a solução das questões que envolvem o
pagamento de cheques falsos, analisando, logo a seguir, sua aplicação prática,
apresentando nossas críticas para, finalmente, na terceira parte, nos posicionarmos por
aquela que nos parecer a mais adequada. Tudo isso, é importante salientar, será
realizado mediante o enquadramento dessas questões particulares tratadas ao quadro
geral no capítulo anterior delineado.

3.2. Noção de cheque falso e falsificado

O cheque falso pode ser definido como aquele que se mostra viciado em sua
essência, ou seja, o próprio título, originariamente é falso. Caracteriza-se ele, por
exemplo, por uma assinatura que se lance em extensão tão grande a ponto de abranger
não uma única linha, mas duas linhas num cheque, de forma absolutamente diversa do
habitual.
22

Assim, concretiza-se a falsidade, segundo Márcia Frigeri “...por uma


assinatura lançada no papel por outro que não o seu pseudo-signatário e sem sua
autorização”25.

Cheque falsificado, por sua vez, é aquele que se efetiva pela imitação de
assinatura do seu verdadeiro titular, feita por decalque ou mesmo se exteriorizando por
rasuras ou emendas. Assim, falsificado é o cheque cuja assinatura é desvirtuada por
acréscimo ou redução.

Carvalho de Mendonça26 entende que “...a falsidade tem lugar no momento


da emissão, constituindo então a origem da “criação” do título (cheque falso),
enquanto a falsificação ocorre após a boa emissão da ordem, mediante acréscimo da
soma a pagar ou mudança do nome do beneficiário”.

Podemos distinguir ainda o cheque adulterado, que é aquele em que,


embora a assinatura do seu titular não seja falsa ou falsificada, tem ele seu valor
adulterado por terceiro, buscando o pagamento de valor superior àquele
originariamente posto no cheque. Dessa forma, configura-se a adulteração pela
modificação ilícita do valor contido no “texto” do cheque, mas não de sua assinatura.

Márcia Regina Frigeri27 finaliza seus comentários sobre o assunto afirmando


que a falsificação e a adulteração “...apresentam conotação idêntica em relação a seus
efeitos, eis que há um título verdadeiro, posteriormente deturpado: ao passo que na
falsidade o título sequer chegou a formar-se”.

Sejam eles falsos, falsificados ou adulterados, os cheques pagos pelo


estabelecimento bancário assim viciados terão o mesmo efeito jurídico no que se refere
à configuração da responsabilidade, não se fazendo no presente trabalho, por esse
motivo, esta diferenciação. Não sendo o título verdadeiro, ou sendo verdadeiro tenha
sido ele deturpado, as regras que regem as responsabilidades dos bancos e dos clientes
pelo seu pagamento, dentro da relação entre essas partes estabelecida, são exatamente
as mesmas no que se refere à responsabilização de uma ou outra parte contratante, bem
como aos efeitos jurídicos que recairão sobre a parte responsável.

Neste contexto, entretanto, a falsificação poderá ser mais ou menos perfeita,


suscetível de induzir em erro pessoas normalmente cuidadosas e pode ser grosseira,
hipótese em que será indesculpável que outras pessoas, especialmente funcionários
bancários, sejam induzidos em erro. Veremos adiante (item 3.7.2) que nas hipóteses de
falso grosseiro a instituição bancária dificilmente poderá invocar culpa concorrente do
seu cliente.

25
Márcia Regina Frigeri, op. cit., p. 31.
26
Apud Sérgio Carlos Covello, Prática do cheque, São Paulo, Livraria e editora universitária de
direito ltda., 1994, p. 129.
27
Márcia Regina Frigeri, op. cit., p. 31.
23

3.3. Enquadramento da relação banco-correntista no prisma contratual

Como anteriormente tratado, as obrigações contratuais abrangem as


relações contratuais e os negócios jurídicos unilaterais.

Caracteriza-se uma relação contratual pelo acordo entre as partes


(contratante e contratado) quando da elaboração e assinatura do contrato, que dessa
vontade bilateralmente esposada, nasce.

Assim sendo, dúvidas não restam quanto ao enquadramento da relação que


une estabelecimentos bancários e correntistas na esfera contratual, como
anteriormente explicitado, devido, justamente, à convenção firmada entre eles quando
da utilização dos serviços de conta corrente, depósito ou abertura de crédito.

Muitos autores classificam os contratos bancários como contratos de


adesão. Adotam essa postura baseados na pouca ou nenhuma margem de discussão
concedida ao cliente quando da assinatura do contrato.

De uma forma ou de outra, classifica-se a relação entre banco e correntista


como contratual e o contrato firmado, bilateral que é, estabelece obrigações a serem
cumpridas por ambas as partes para sua perfeita execução. O descumprimento desses
deveres, por qualquer das partes, gerará obrigação de arcar com os prejuízos dele
derivados.

3.4. Três soluções possíveis

Como visto no item antecedente, a responsabilidade pelo pagamento de


cheques falsos se coloca como uma das formas de violação ao contrato bancário
estabelecido, uma vez que implica na retirada de valores da conta corrente do cliente
sem que tenha havido sua permissão ou mesmo contra sua vontade, derivada da prática
ilegal de um terceiro, alheio à relação contratual firmada entre estabelecimento
bancário e correntista.

Importa agora ver, no âmbito da relação banco — correntista, quem deve


arcar com os prejuízos derivados dessa prática. Dessa maneira, para caracterização da
responsabilidade de um ou outro pólo da relação contratual, analisaremos as teorias
que nos são propostas. Assim sendo, pode a responsabilidade fundamentar-se na culpa
— responsabilidade contratual subjetiva — imputável esta à parte que deu origem ao
descumprimento da convenção estabelecida entre as partes, ou pode ser objetivamente
imputada ao banco. Neste último caso, tal entendimento seria derivado da teoria do
risco profissional.

Dessa forma, como teorias aplicáveis para solução da questão aqui tratada,
teríamos a responsabilidade civil contratual subjetiva, baseada no exame da culpa, e a
responsabilidade civil contratual objetiva, fundada na teoria do risco profissional.
24

Preliminarmente, porém, importa pôr a questão de saber da possibilidade de aplicação


do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, que se fosse respondida
afirmativamente alteraria os dados do problema.

3.5. A responsabilidade dos bancos e o Código de Defesa do Consumidor

3.5.1. Os contratos bancários e o Código de Defesa do Consumidor

Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº


8.078/90), divergência surgiu a respeito do enquadramento, ou não, dos bancos na
categoria de fornecedores de serviços, de acordo com o estatuído nos §§ 1º e 2º do art.
3º do referido código, que definem produto como qualquer bem, móvel ou imóvel,
material ou imaterial, e serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive a de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária.
Inicialmente, cabe-nos analisar a questão do enquadramento do crédito
como objeto das relações jurídicas regidas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Neste âmbito, podemos afirmar que o crédito:
a) é um bem jurídico;
b) possui natureza econômica;
c) é suscetível de apropriação privada;
d) proporciona aos homens uma certa utilidade;
e) circula do banco para o cliente, divergência havendo quanto à sua
caracterização como destinatário final do crédito.

Se produto é todo bem jurídico, não há que se negar que o crédito é um bem
jurídico fornecido pelo banco ao tomador do crédito. O cliente só não seria
destinatário final do crédito se, em vez de “consumi-lo”, ele o repassasse a terceiro
com fim remuneratório.

A seguir, interessa analisar a possibilidade de situar as instituições bancárias


como fornecedoras de serviços e os clientes do banco como consumidores. Se assim
entendermos, isto é, que as instituições bancárias são fornecedoras de serviços e que os
clientes são consumidores, passam elas a responder pelo pagamento de cheque falso ou
falsificado mesmo em caso de culpa concorrente do correntista. Este regime resulta
claramente da conjugação do caput e do § 3º do art. 14, do CDC.

Estabelece o art. 14, caput, do CDC, que “O fornecedor de serviço


responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como
por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

O § 3º do mesmo artigo torna claro que o Código só admite a exclusão da


responsabilidade do fornecedor em caso de culpa exclusiva do consumidor ou de
25

terceiro, imputando à instituição financeira responsabilidade objetiva28, ficando tal


responsabilidade elidida apenas quando for feito prova:

“I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;


II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.

A prova do dano e do nexo de causalidade entre o produto ou o serviço e o


dano deve ser feita pelo lesado, podendo haver inversão do ônus da prova, de acordo
com o art. 6º, inciso VIII, do CDC, se o juiz entender que a alegação é verossímil ou
que o consumidor é hipossuficiente29.

O CDC não admite, ainda, cláusula de não-indenizar, não podendo ser


excluída contratualmente a indenização derivada do fato do produto ou serviço,
considerando o art. 51, I, abusiva a cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a
responsabilidade civil do fornecedor por vícios de qualquer natureza.
Se a relação banco — cliente puder ser regida pelo Código de Defesa do
Consumidor, também em virtude do desequilíbrio contratual existente nessa relação,
ocupando a instituição financeira posição mais forte e preponderante, derivada de um
contrato de adesão, teríamos aplicação de uma série de cláusulas protetivas do cliente,
tais quais:
- as cláusulas que implicarem limitação do direito do consumidor (cliente)
deverão ser redigidas em destaque, permitindo sua fácil e imediata compreensão (§ 4º
do art. 54);
- combate ao uso de termos dúbios, ambíguos, rebuscados, que fujam à
compreensão do homem comum; deverão ser redigidos em termos claros e caracteres
ostensivos e legíveis (§ 3º do art. 54);

- dever de se dar oportunidade ao consumidor para que tome conhecimento


dos termos do contrato — não significa apenas ler as cláusulas do contrato de adesão,
mas sim, que o consumidor tome conhecimento efetivo de seu conteúdo (art. 46);

- reconhecimento de que o consumidor é a parte mais fraca na relação


jurídica de consumo (art. 4º, inciso I), de onde deriva que:

- a interpretação dos contratos sempre, e não só em caso de dúvida, ocorrerá


de modo mais favorável ao consumidor (art. 47);

- são nulas as cláusulas que estabeleçam obrigações iníquas ou abusivas,


que coloquem o consumidor (cliente) em desvantagem exagerada ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, inciso IV).

28
Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, pp. 249-
64.
29
Carlos Roberto Gonçalves, op. cit., pp. 249-64.
26

O CDC só é aplicável às relações em que intervenham um “fornecedor” e


um “consumidor”. Por isso, é preciso saber em que qualidade intervêm banco e cliente
nos contratos bancários.

Quanto ao banco, evidentemente que ele se enquadra sempre no papel de


fornecedor, como vem definido no art. 3º, do CDC: “Fornecedor é toda pessoa física
ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços”.

O cliente do banco, por sua vez, só é consumidor quando, nos termos do art.
2º, do CDC, adquirir ou utilizar “...produto ou serviço como destinatário final”.

Assim, analisando os termos utilizados pelo CDC para definir consumidor e


fornecedor, bem como pela natureza de suas atividades, poderíamos justificar o
enquadramento dos bancos na categoria de fornecedores de serviços e os clientes na
categoria de consumidores.

Uma outra linha que seria cogitável, seria a que divide os clientes dos
bancos em duas categorias, uma de consumidores e outra de não consumidores. Nesta
linha, Fábio Ulhoa Coelho30 coloca a questão nos seguintes termos:

“O contrato bancário pode ou não se sujeitar ao Código de Defesa


do Consumidor, dependendo da natureza do vínculo obrigacional
subjacente. O mútuo, por exemplo, será mercantil se o mutuário for
exercente de atividade econômica, e os recursos obtidos a partir dele
forem empregados na empresa; e será mútuo ao consumidor se o
mutuário utilizar-se dos recursos emprestados para finalidades
particulares, como destinatário final”.

Além disso, os bancos, em vista da tarefa que desempenham, poderiam ser


considerados como concessionários de serviços públicos. Assim, a cargo dos bancos
estatais ficariam os serviços públicos stricto sensu (essenciais, praticados diretamente
pela Administração Pública), podendo ser prestados pelos privados os serviços de
utilidade pública (concessão).

O CDC estende a condição jurídica de fornecedor também às empresas


concessionárias de serviços públicos, visto que tais empresas exploram os serviços
delegados das pessoas jurídicas públicas cedentes, impondo a elas o dever de
fornecimento de serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos.

30
Fábio Ulhoa Coelho, O empresário e os direitos do consumidor, São Paulo, Saraiva, 1994, pp.
174-5.
27

Neste contexto, de acordo com o CDC os bancos responderiam


objetivamente pelos prejuízos causados a clientes e ainda na hipótese prevista no art.
17 (responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço).

3.5.2. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

A nós não parece que os clientes dos bancos possam ser considerados
consumidores. Efetivamente, deve-se assinalar que os bancos exercem duas categorias
de atividades: uma, essencial à sua função precípua, qual seja, o exercício de crédito; a
outra, acessória e complementar, qual seja, a prestação de serviços onde exatamente o
risco empresarial, assentado na responsabilidade civil objetiva, se apresenta com mais
vigor. Nessa segunda categoria, os bancos devem pautar suas ações pelo respeito aos
interesses dos clientes e não-clientes, pela vigilância, pela preservação e segurança dos
bens e valores a ele confiados, exercendo suas atividades com lisura.

É justamente nessa segunda categoria de atividades que haveria a


possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações bancárias.
Isto porque tais atividades ensejam obrigações de fazer como, por exemplo, na locação
de cofres, onde os bancos assumem o dever de guarda e vigilância dos bens ou valores
depositados. Como bem define Arnoldo Wald31, nesta categoria de atividades “sempre
que caracterizada a oferta do serviço aos consumidores, a prestação de serviços
ensejará, eventualmente, a responsabilidade do fornecedor, com base na lei de defesa
do consumidor. É este o sentido que atribuímos a referência à atividade de natureza
bancária e financeira mencionada no art. 3º, § 2º, da Lei 8.078”.

Finaliza o autor afirmando que “os serviços bancários aos quais se aplica
a lei abrangem, tão-somente, atividades e comportamentos, ou seja, obrigações de
fazer — e não de dar — tais como a guarda de bens e documentos e outras, quando
caracterizadas como relações de consumo”.

Entretanto, no que se refere à realização de sua atividade precípua, qual


seja, o exercício do crédito, não cremos que seja possível a aplicação das regras
constantes do CDC.

Os que defendem a sua aplicação entendem que ele não exclui


expressamente de sua incidência as relações de crédito bancário32. Os partidários da
não aplicação do CDC deduzem esta exclusão pela interpretação restritiva do art. 2º do
CDC, onde o crédito não seria produto, nem o consumidor estaria em estágio final do
ciclo de produção.

31
Arnoldo Wald, O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições
financeiras, in: RT, 666:15 (1991).
32
Márcia Regina Frigeri, op. cit., p. 20.
28

Inicialmente, teríamos que o CDC protege o consumidor como destinatário


final do produto ou do serviço. Arnoldo Wald33 desenvolve toda uma linha de
pensamento tomando como início de sua análise essa assertiva. Afirma ele que “...a
lei, sendo de proteção do consumidor, só abrange as relações de consumo (...) que se
travam entre fornecedor e consumidor, desde que este seja o “destinatário final””.

Mas, afinal, quem é consumidor? Plácido e Silva34 esclarece que


“No sentido amplo, consumidor designa pessoa que consome uma
coisa. Mas, no sentido do Direito Fiscal, possui o vocábulo
significado próprio: entende-se como consumidor toda pessoa que
adquire mercadoria de um comerciante, para seu uso ou consumo,
sem intenção de revendê-la (...).

Consumível, em tal circunstância, é tomado em sentido realmente de


destruível pelo primeiro uso, ou deteriorável, pelo uso continuado
(...).

Entretanto, na acepção jurídica há consumo não somente quando a


coisa se destrói, como quando é adquirida para uso, mesmo
permanente, isto é, sem imediata destruição”.

Assim considerada a relação de consumo, temos que o CDC exclui de sua


aplicação os bens juridicamente consumíveis (destinados a alienação), mas mantendo
apenas sob sua guarda os naturalmente consumíveis (destinados ao consumo próprio),
tendo em vista se referir aos produtos adquiridos por destinatário final, não se podendo
incluir neste grupo aqueles que adquirem bens com o objetivo de aliená-los a terceiros,
pois quem revende não é destinatário final.

Tendo isso em vista, o referido autor35 finaliza a questão concluindo pela


exclusão do dinheiro e do crédito dos produtos referidos no art. 2º, da Lei nº 8.078,
isto porque
“...este consiste em promessa de pagamento diferido, implicando
troca de bens atuais por bens futuros, ensejando uma circulação de
mercadorias ou valores, ou ainda a permuta da mesma coisa em
momentos diferentes (...) Efetivamente, a entrega de dinheiro sob
qualquer forma (mútuo, desconto, etc...) ou a promessa de entrega do
mesmo, ao contratante ou a terceiro, não constitui aquisição de
produto (bem móvel ou imóvel) pelo destinatário final, pois, pela sua

33
Arnoldo Wald, O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições
financeiras, in: RT, 666:12 (1991).
34
Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1990, pp. 533-4.

35
Arnoldo Wald, O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições
financeiras, in: RT, 666:13 (1991).
29

própria natureza, a moeda circula e só constituiria operação como


destinatário final se se tratasse de um colecionador de moedas, que
não as transferisse a terceiros...”.

Assim, o dinheiro nunca seria um bem final, pois não passaria de mero
instrumento para aquisição de outros bens: “...o dinheiro e o crédito não constituem
produtos adquiridos ou usados pelo destinatário final, sendo, ao contrário,
instrumentos ou meios de pagamento, que circulam na sociedade e em relação aos
quais não há destinatário final (a não ser os colecionadores de moedas e o Banco
Central quando retira a moeda de circulação)”36.

Neste contexto, entendem certos autores que jamais poderia haver


fornecimento de produtos ou serviços de consumo por instituições financeiras, que só
operariam em sua área específica, disciplinada pelo art. 192, da CF/88 e por leis
específicas.

É esse o entendimento de Galeno Lacerda37 quando afirma que


“Se, no contrato de depósito bancário, o Banco-depositário é
devedor, e o cliente-depositante é credor, claro está que nele não se
pode entrever uma relação de consumo, na qual, como é notório, o
cliente-consumidor figura como devedor, e o fornecedor do bem de
consumo, como credor. Aliás, aberraria do bom senso a solução
oposta, já que consumo e depósito são, por definição, antônimos.
Repelem-se por natureza e essência. Consumir o depósito tipifica, até,
crime de depositário infiel. E consumir “serviço” de depósito
violenta, sem dúvida, o senso comum”.

Paulo Brossard38 segue a mesma linha de pensamento, assim expressando


seu ponto de vista:
“É forçoso reconhecer que as operações bancárias não dizem
respeito ao consumo, nem são consumidores os que celebram com os
bancos operações bancárias, sendo desse modo personagens
estranhas à lei de defesa do consumidor. As operações bancárias se
processam mediante contratos bancários; segundo a lição dos
tratadistas, estes formam o esquema jurídico da operação bancária,
que é todo acordo para constituir, regular ou extinguir uma relação
que tenha por objeto uma operação bancária (...).

36
Arnoldo Wald, O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições
financeiras, in: RT, 666:16 (1991).
37
Galeno Lacerda, Ação civil pública e contrato de depósito em caderneta de poupança, in: RT,
715:109 (1995).
38
Paulo Brossard, Defesa do consumidor, in: RT, 718:89 (1995).
30

Quem quer que celebre qualquer desses contratos não é consumidor


de coisa alguma, nem os contratos importam em consumo de bens ou
na fruição de serviços relativos a necessidades humanas. E por maior
que seja a extensão que se possa dar aos vocábulos consumo e
consumidor a eles não se podem assimilar os contratos bancários (...)
a operação bancária e a relação de consumo encontram-se em
patamares distintos e distantes. O consumo supõe a existência de bens
produzidos e em condições de serem consumidos, situa-se no termo
final do processo, que acaba com ele, enquanto as operações
bancárias têm seu endereço voltado à produção de bens, os quais
tanto se destinam ao consumo, como a servir de meio para a
produção de novos bens e serviços”.

3.6. A responsabilidade contratual subjetiva — a teoria da culpa

3.6.1. Características da teoria da culpa

A teoria da culpa fundamenta-se no princípio do equilíbrio ou da igualdade


da relação constituída entre a instituição financeira e seus clientes, colocando-os sobre
o mesmo patamar no que se refere às obrigações assumidas e às responsabilidades
derivadas de seu inadimplemento para cada parte contratante.

Dessa forma, entende-se que cada parte — banco ou cliente — tem


obrigações a cumprir, bem como deveres de vigilância e cuidado que, se descumpridos
ou desatendidos, gerarão prejuízos que deverão ser suportados por quem lhes deu
origem.

Baseia-se, assim, tal teoria, para caracterizar a responsabilidade pelos danos


originados, em algumas diretrizes que definem as atitudes compatíveis com o dever de
zelo e vigilância que as partes devem ter quando no exercício da atividade bancária.
Tais circunstâncias, se desatendidas, geram responsabilidade para uma ou
outra parte da relação contratual. Assim, o emitente, nos casos de culpa in eligendo ou
in vigilando, responderá pelos prejuízos.

No mesmo passo, quando a falsidade ou falsificação for facilmente


perceptível ou quando o banco pagar o cheque, tendo sido avisado pelo emitente da
sua irregularidade, cabe a ele (banco = sacado) a responsabilidade derivada de tal ato.

Dessa forma, partindo do conceito básico de culpa, as partes respondem por


qualquer ato culposo na execução dos contratos ligados à atividade bancária,
inexistindo qualquer forma de presunção de culpa para uma ou outra parte contratante.
De uma maneira sintética, orienta-se esta teoria no sentido de responsabilizar quem,
por culpa, gerou prejuízo a outra parte, derivado este do pagamento de cheque falso39.

39
Nesta situação, caberá ao lesado fazer prova do dano, da conduta culposa do suposto causador e
do nexo causal.
31

Portanto, quando houvesse culpa de uma ou outra parte (banco ou cliente) a


teoria da responsabilidade contratual subjetiva poderia, a princípio, resolver
satisfatoriamente a questão de saber quem seria a pessoa responsável pelo prejuízo.

3.6.2. Inadequação da teoria subjetiva

Uma das críticas à aplicação da teoria da culpa deriva, exatamente, da


índole circulatória quase instantânea do cheque, o que gera dificuldades no que se
refere à exigência de um exame mais seguro por parte do banco, empregando este
apenas a diligência necessária, em virtude da impossibilidade de demora ou vexação
do cliente, situações que se contrapõem à natureza e utilidade do cheque.

Segundo a autora Márcia Regina Frigeri40, outro obstáculo não solucionado


por esta teoria refere-se à culpa concorrente: segundo alguns autores, o prejuízo deve
ser suportado por quem concorreu com maior intensidade de culpa; outros, porém,
entendem que se procederá à repartição dos prejuízos.

A teoria da culpa situa em um patamar de igualdade o cliente e o banco.


Entretanto, esta posição igualitária não pode ser admitida quando tratamos de uma
relação constituída por uma instituição financeira e um indivíduo isoladamente
considerado.

Como já foi anteriormente exposto, o banco ocupa, nesta relação contratual,


posição de superioridade em relação ao correntista e como tal ele deve ser tratado
quando da análise de suas obrigações contratuais. Injusta seria a equiparação da
instituição financeira ao correntista, para quem as obrigações e ônus derivados do
descumprimento do contrato se mostram muito mais penosos. Além disso, o serviço é
oferecido pelo banco, que extrai lucro dele, o que não ocorreria sem a figura do
correntista, que apenas usufrui desses serviços.
3.7. A responsabilidade contratual objetiva baseada na teoria do risco
profissional

3.7.1. Características da teoria do risco profissional

Quando não houver culpa atribuível nem ao banco nem ao cliente, ou


quando porventura se puder dizer que as culpas recíprocas se anulam, ou que é mínima
a culpa do cliente, a determinação da pessoa responsável pelo prejuízo resultante do
pagamento de cheques falsos terá se der resolvida nos quadros da teoria da
responsabilidade objetiva ou pelo risco.

A teoria do risco profissional, “iniciada por Josserand e Saleilles”41 tem


por fundamento o pressuposto de que a responsabilidade civil deve sempre recair sobre
quem aufere lucro com a atividade exercida com este fim.
40
Márcia Regina Frigeri, op. cit., p. 34.
41
Apud Sérgio Carlos Covello, Responsabilidade dos bancos pelo pagamento de cheques falsos e
falsificados, in: Yussef Cahali, Responsabilidade Civil, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1988, pp. 277-8.
32

Dessa forma, é o banco que deve assumir os riscos dos danos causados no
exercício de sua atividade, visto serem tais riscos inerentes à sua atividade, tendo ele,
conseqüentemente, dado margem à ocorrência do dano — princípio ubi emolumentum
ibi onus. Foi o banco que, através do contrato firmado, assumiu o serviço de caixa,
bem como a obrigação de vigilância, garantia ou segurança sobre o objeto do contrato,
disso auferindo lucro.

Assim, podemos afirmar que o cheque falso é ato fraudulento montado


contra o banco, sendo o crime de falsidade dirigido contra ele e não contra o
correntista, que, na ignorância do crime, não tem elementos para evitar que ele
produza efeitos, cabendo àquele, conseqüentemente, suportar os prejuízos. Mesmo se
entendermos que nem mesmo o banco possuía tais elementos, sua posição, ainda neste
caso, é mais vantajosa do que a do cliente, mero beneficiário dos seus serviços.

Esta superioridade deriva não só do seu conhecimento específico na área,


mas também do fato de utilizar recursos financeiros alheios em suas atividades e do
seu poder econômico, que lhe permite impor sua vontade mediante contratos de adesão
e cláusulas de não-indenizar, só podendo se falar em isenção de sua responsabilidade
se houver prova da culpa grave do cliente (súmula nº 28, STF e art. 39, parágrafo
único, da Lei nº 7.357/85).

Pontes de Miranda bem assim entende que o risco “... é do sacado.


Enquanto não há sentença trânsita em julgado que dê como culpado o autorizado a
criar cheques, não pode o sacado considerar diminuída a provisão: foi contra ele que
se dirigiu o crime de falsidade, ou de falsificação”42.

De acordo com o entendimento da jurista Maria Helena Diniz43, as relações


entre banco e cliente, ou terceiro, são regidas pelo risco profissional, por razões de
eqüidade e justiça.

Já para Márcia Frigeri44, a teoria do risco profissional se fundamenta na


presunção de responsabilidade do estabelecimento bancário, que se dá em virtude de:
- Ser o cheque invenção do banco, e não do correntista, devendo aquele,
portanto, responder por sua criação;
- O banco extrair lucro dessa atividade, ocupando posição de superioridade
em relação ao correntista;
- O banco só entregar o talonário mediante depósito preliminar ou contrato
de abertura de crédito;
- Haver vantagem do próprio banco na afirmação de sua responsabilidade,
em virtude do aumento de sua credibilidade;

42
Pontes de Miranda, Tratado de direito cambiário, t. 4, p. 138, cit. por Rui Stoco, in
Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p.
189.
43
Maria Helena Diniz, Responsabilidade civil, São Paulo, Saraiva, 1992, pp. 239-46 (Curso de
direito civil brasileiro, v.7).
44
Márcia Regina Frigeri, op. cit., p. 34.
33

- O prejuízo para o banco no pagamento de cheques viciados ser


insignificante, se analisarmos a movimentação financeira diariamente por ele efetuada;
para o particular o prejuízo é muito maior.

O acórdão do RE nº 3.876 - SP, de 03.12.1942, que deu ensejo à aprovação


da Súmula nº 28, STF, dispõe: “O estabelecimento bancário é responsável pelo
pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou
concorrente do correntista”. Também o art. 39, parágrafo único, da Lei nº 7.357/85
dispõe acerca do assunto estabelecendo que “Ressalvada a responsabilidade do
apresentante, no caso da parte final deste artigo, o banco sacado responderá pelo
pagamento do cheque falso, falsificado ou adulterado, salvo dolo ou culpa do
correntista, do endossante ou do beneficiário, dos quais poderá o sacado, no todo ou
em parte, reaver o que pagou”. Assim, reconhecido ficou que o banqueiro deve
responder pelos danos que causar, em virtude do risco que assume profissionalmente.
Esta obrigação só é elidida pela prova de que houve culpa exclusiva ou concorrente do
correntista, prova esta que deve ser feita pelo banco.

Configurar-se-ia como conduta culposa do correntista, capaz de eximir de


responsabilidade o estabelecimento bancário, a sua negligência na guarda dos talões de
cheque (culpa in vigilando) ou imprudência em confiar o talão a pessoa incapaz ou de
honestidade não comprovada (culpa in eligendo). Mostram-se, assim, estas condutas
culposas do correntista como a única forma de excludente de responsabilidade do
estabelecimento bancário. Neste sentido vêm decidindo muitos acórdãos:

“Os bancos respondem pelo risco profissional assumido, só elidindo


tal responsabilidade a prova, pela instituição financeira, de culpa
grave do cliente ou do caso fortuito ou força maior” (Tribunal de
Alçada Cível de São Paulo. Apelação Cível - 7ª Câmara Cível. Relator:
Juiz Luiz de Azevedo. J. 22.11.1983. Revista dos Tribunais, São
Paulo, vol. 589, p. 143).

“Cabe ao banco, que exerce atividade profissional altamente


especializada, estar aparelhado para detectar falsificações de
assinaturas, arcando com os riscos a que está sujeito no desempenho
de sua atividade” (Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível -
4ª Câmara Cível. J. 09.12.1981. Revista de Jurisprudência do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, São Paulo, vol. 77, p. 144).

3.7.2. Aplicação da teoria objetiva fundada no risco profissional

Desde que, como vimos nos itens anteriores, excluímos a aplicação da


teoria da responsabilidade subjetiva por culpa contratual, e ainda a responsabilidade
fundada no Código de Defesa do Consumidor, podemos afirmar que a
responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários pelo pagamento de cheques
falsos classifica-se como uma responsabilidade contratual objetiva, fundamentada na
teoria do risco profissional.
34

Assim, é o banco objetivamente responsável pelos prejuízos originados do


pagamento de um cheque fraudado. Havendo presunção da sua culpa tendo em vista
ser a atividade por ele desenvolvida, retirando ele lucro dessa atividade, deve, a priori,
assumir a responsabilidade pela quebra da relação contratual formada entre ele e o
cliente-correntista.

Entretanto, tal presunção de culpa pode ser derrubada ou, ao menos,


atenuada pela elaboração de prova, cujo ônus cabe ao estabelecimento bancário, de
que o cliente agiu com culpa, lato sensu, o que acaba por resultar numa exclusão, total
ou parcial, da relação de causalidade existente entre o dano ocorrido e o regular
exercício da atividade bancária, relação esta indispensável à configuração da
responsabilidade civil.

Com regular exercício da atividade bancária queremos dizer que o banco,


entendido este como pessoa jurídica que exerce suas atividades através de seus
prepostos, agiu com a cautela e diligência ordinárias exigidas para a efetivação das
funções que se compromete a realizar.

Tal atuação diligente, por si só, não é suficiente para descaracterizar sua
responsabilidade, havendo a necessidade, ainda, da caracterização da culpa do cliente
ou, ao menos, da concorrência de culpas entre aquele e este, devidamente
comprovadas, quando então, haverá o deslocamento do nexo de imputação,
configurando-se o dano como decorrência da atuação culposa do correntista,
imprudente, negligente ou imperito no manuseio e controle de sua conta bancária.

Esta elaboração de prova é indispensável tendo-se em vista, justamente, a


impossibilidade de descaracterização, pura e simples, de uma relação juridicamente
existente entre o dano originado e a conduta que o originou. Ocorrido o dano, se o
banco não deu origem a ele ou não atuou de maneira a possibilitar sua efetivação, por
desídia sua, deve disso fazer prova. Neste caso, não deixará de existir a relação de
imputação, havendo, apenas, o seu deslocamento em direção ao agente que
efetivamente propiciou o surgimento do evento danoso. A relação dano-agente
causador não será desconstituída, mas apenas deslocada para o outro polo da relação
contratual existente entre estabelecimento bancário e cliente, ou mesmo levará à
unificação desses dois pólos.

Assim é que podemos afirmar que a responsabilidade pelo pagamento de


cheques falsos é objetiva e derivada da teoria do risco profissional. Tal teoria,
entretanto, quando aplicada aos casos que envolvem pagamento de cheques falsos
comporta exceções surgidas pela possibilidade de elaboração de prova capaz de
deslocar a responsabilidade, inicialmente absoluta e inatacável do banco, para a figura
do correntista, o que, justamente, desconfigura a responsabilidade objetiva do banco,
independente que é da prova de culpa.

Tendo sempre por norteadora a súmula nº 28, do STF, que estabelece que
“O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso,
ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente com o correntista”, e o
35

parágrafo único do art. 39, da Lei nº 7.357/85, que estabelece que “Ressalvada a
responsabilidade do apresentante, no caso da parte final deste artigo, o banco sacado
responderá pelo pagamento do cheque falso, falsificado ou adulterado, salvo dolo ou
culpa do correntista, do endossante ou do beneficiário, dos quais poderá o sacado, no
todo ou em parte, reaver o que pagou”, passaremos a analisar o regime-regra da
responsabilidade, que faz recair esta sobre as instituições financeiras, para a seguir
estudar as hipóteses excludentes da responsabilidade dos bancos.

3.8. Regime regra: responsabilidade do banco

A instituição financeira responde, via de regra e a princípio, pelos danos


causados a seu clientes pelo pagamento de cheques falsos ou falsificados.
Tal presunção se baseia, como já mencionado, na teoria do risco
profissional.

Assim, se ausente a culpa de qualquer das partes contratantes (banco e


cliente), situação configurável quando não se comprova a culpa nem do correntista,
nem do banco pelo pagamento de cheque falso ou falsificado, cabe ao banco arcar com
as conseqüências derivadas do pagamento daquele título.

Assim, se não houve culpa de ninguém, o banco deve assumir o prejuízo e


ressarcir o cliente.

Na apreciação de situações semelhantes, tem a jurisprudência decidido:

“Responsabilidade civil - Banco - Conta poupança - Falsificação -


Em princípio, a responsabilidade pelo pagamento é dos bancos, só
elidida mediante prova de culpa do sacador. Na ausência de culpa
de qualquer das partes, responde a instituição bancária pelo
prejuízo do correntista, por se incluir nos riscos de sua atividade
financeira. Apelo provido. Sentença reformada. Decisão unânime”
(TRF - Ap. Cível n.º 1.599 - Alagoas - Reg. n.º 89.05.01740-1 - Ac.
una. da 1ª Turma - 5ª Região - j. em 06.06.91 - p. em 04.07.91 -
DJU II, pág. 15.764 - Rel: Juiz Francisco Falcão.)

Esta orientação, entretanto, pode ser modificada por fatores vários que
redundem na caracterização de culpa concorrente ou exclusiva do correntista, única
situação em que o banco ficaria parcial ou totalmente liberado dos encargos oriundos
do pagamento do cheque “fraudado”, sendo que tal comprovação fica a cargo da
instituição bancária, como veremos no próximo item.

A responsabilidade do banco também se configura pela conduta de seus


funcionários que causem dano aos clientes, porque na qualidade de preponente
responde pelos atos de seus prepostos, não importando que sejam qualificados ou
36

funcionários subalternos e independentemente da idéia de culpa45: “...o patrão é


responsável pelo ato ilícito do empregado que age na esfera de se suas atribuições
aparentes, e não pode opor ao prejudicado a circunstância de haver o depoente
abusado de suas funções efetivas, se o terceiro não tinha conhecimento dessa
delimitação”46.

É entendimento jurisprudencial acerca do assunto:


“Responsabilidade civil - Estabelecimento bancário - Pagamento de
cheque falsificado - Reclamo improvido. Liberado o dinheiro em face
da negligência do funcionário na verificação de assinatura, há culpa
autônoma e decisiva, arcando a instituição financeira com o
prejuízo” (Apelação Cível nº 37585, de Blumenau, Des. Relator Dr.
Francisco Oliveira Filho, j. em 17/09/91).

Dessa forma, inicialmente deve o banco ser responsabilizado pelo


pagamento de cheque falso ou falsificado, bastando, para tal, a existência do nexo
causal entre a atividade bancária e o dano à pessoa, cliente ou não-cliente,
configurando-se uma responsabilidade objetiva.

3.9. Hipóteses excludentes da responsabilidade dos bancos

3.9.1. Fato do cliente

A única excludente de responsabilidade do estabelecimento bancário


pertinente ao pagamento de cheques falsos é a do fato do cliente. Como já explicitado,
configura-se esta excludente quando for feita prova, pelo estabelecimento bancário, de
que o prejuízo originou-se de conduta imputável exclusivamente ao correntista ou de
que houve concorrência de culpas entre o banco e aquele. No primeiro caso, como
veremos adiante, onde há culpa exclusiva do correntista, a este caberá arcar com o
ônus originado. Em caso de concorrência de culpas, dividir-se-ão os prejuízos entre o
banco e o cliente.

Assim, fugindo da regra geral, qual seja, a responsabilidade civil do


estabelecimento bancário pelo pagamento de cheque falso ou falsificado, perfeitamente
configurável é a responsabilidade do cliente pelos danos resultantes do seu pagamento,
derivada esta de situações especialíssimas, geradas por atos culposos do correntista,
que agiu com negligência na guarda dos talões de cheque (culpa in vigilando) ou
imprudência em confiar o talão a pessoa incapaz ou de honestidade não comprovada
(culpa in eligendo). Nessas situações, então, responderá ele pelos prejuízos oriundos
de sua atitude culposa, constituindo-se esta como causa excludente de

45
Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, p. 176-82.
46
Carlos Roberto Gonçalves, op. cit., pp. 249-64.
37

responsabilidade em relação ao estabelecimento bancário.


O entendimento jurisprudencial é no sentido de que o banco deve suportar
os prejuízos advindos do pagamento de cheques fraudados se o correntista não
concorreu para o evento danoso, devendo comprovar tal culpa para isentar-se47:

“Indenização - Banco - Cheque - Assinatura falsa -


Responsabilidade.
O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque
falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva do concorrente ou
correntista" (Súmula 28 do STF). Negado provimento ao recurso”
(TJ/SC - Ap. Cível n.º 31.709 - Comarca de Florianópolis - 5ª Vara
Cível - Ac. una. da 3ª Câm. Cív. - p. em 04.12.89 - Rel: Des. Francisco
May Filho - Apte: Banco Real S/A - Apda: Squema Empreendimentos
Ltda.)

“Cheque - Furto e falsificação - Ato praticado no interior do banco


sacado - Responsabilidade deste - Indenização.
Tendo os cheques falsificados sido furtados no interior de agência do
banco sacado, sem culpa concorrente do beneficiário, a
responsabilidade pela indenização pleiteada por este é do
estabelecimento de crédito, cuja negligência se presume” (TJ/PR -
Ap. Cível - Proc. n.º 0013864-9 - Comarca de Curitiba - 17ª Vara Cível
- Ac. una. n.º 7.438 da 3ª Câm. Cív. - j. em 27.11.90 - p. em 04.02.91 -
DJ/PR, pág. 19 - Rel: Des. Nernes do Nascimento.).

Também será responsável o correntista em caso de falsificação de cheque


por preposto seu, com destreza excepcional, durante muito tempo, justificando-se esse
entendimento em virtude da obrigação que o preponente tem de zelar pelos atos de
seus prepostos. Só haveria descaracterização dessa obrigação do preponente se houver
transferência da responsabilidade para o banco, o que só ocorreria se a falsificação
fosse grosseira ou facilmente perceptível.
Seguem este entendimento doutrinário as decisões de nossos tribunais:
“Sacador negligente a começar pela escolha do preposto, descuido
na guarda do talão e não responsabilidade do banco - Se é o sacador
quem procede com culpa, possibilitando, pela sua negligência na
escolha de empregado infiel e pelo descuido na guarda de talões de
cheques, a sua falsificação, nenhuma é a responsabilidade do banco
pelo pagamento do cheque falsificado” (Lafayette de Andrada,
Revista Forense, vol. 104, p. 271, 10.08.1945).

“Fica a cargo do correntista a responsabilidade pelo pagamento de


cheques falsos ou falsificados se não guarda com a necessária
cautela o caderno de cheques e o autor da falsificação ou furto do

47
Carlos Roberto Gonçalves, op. cit., pp. 249-64.
38

cheque é pessoa pela qual ele responde” (Revista Forense, Rio de


Janeiro, vol. 79, p. 98).

Além dessas situações, se deixa de avisar o sacado logo que tiver


conhecimento do furto ou desvio do talonário, assume o emitente a responsabilidade
pelo pagamento dos cheques furtados.

É entendimento jurisprudencial sobre o assunto:


“Responsabilidade civil do banco - cheques furtados e falsificados
pagos pelo banco - a responsabilidade civil do banco no pagamento
do cheque falsificado inexiste se nenhuma culpa teve e esta é
exclusivamente do correntista - recurso provido” (Apelação cível nº
36662, de Joinville, Des. Rel. Eduardo Luz, j. em 22/04/92).

“Cheque - Falsificação - Pagamento pelo banco - Culpa do


correntista - Talão de cheques deixado em gaveta aberta em local
freqüentado por várias pessoas - Falsificação não-perceptível da
assinatura - Ação de reembolso improcedente - Voto vencido”
(Tribunal de Justiça de São Paulo. 3ª Câmara Cível. J.
14.10.1980, maioria. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 552,
p.60).

3.9.2. Culpa concorrente: cliente / banco

A segunda situação configurável, esta em que o banco não é integralmente


responsável pelo prejuízo resultante do pagamento de cheque falso, diz respeito à
configuração de culpa concorrente entre o cliente e a instituição financeira que faz o
seu pagamento.

Existe a concorrência de fatos quando há intervenção de mais de um agente


na cadeia de produção do dano, cada um produzindo fatos que não teriam,
independentemente do concurso de outros, produzido o dano, quando este não teria
ocorrido sem o concurso de mais de um agente.

Quando tivermos a concorrência de um fato do cliente e a este puder ser


atribuída culpa por tal fato, dizemos que há culpa concorrente dele.

Deve ficar comprovado que foi através da união dos procedimentos do


banco e do cliente que teve origem o dano em questão, isto é, sem a cautela do cliente
quando da emissão dos cheques, ele foi pago como verdadeiro, embora estivesse
adulterado em seu valor, e sem a cautela do banco, consistente em verificar a
autenticidade do valor inscrito no cheque de alto valor, também seria inócua a culpa do
39

correntista. Conseqüentemente, apenas a reunião de ambos os procedimentos culposos


é que levou ao prejuízo48.
Assim, quando o correntista concorre para a consecução do efeito danoso
deve ele também arcar com os prejuízos oriundos de sua desídia. Portanto, em caso de
culpa concorrente, que deve ser comprovada pelo banco, os prejuízos são divididos
entre o cliente e o banco, igualmente, ou proporcionalmente às suas respectivas
culpas49.

No caso de culpa concorrente do correntista e do banco, assim têm se


manifestado o entendimento jurisprudencial:
“Banco - Cheque falso - Pagamento - Culpa concorrente do
correntista - Indenização por metade. O banco é responsável pelo
pagamento de cheque falso. Na hipótese de culpa concorrente do
correntista, a indenização é por metade” (Revista dos Tribunais, São
Paulo, vol. 515, p. 82).

“Cheque falso - Pagamento pelo banco - Responsabilidade do banco


- Necessidade de verificação da culpa concorrente - Súmula 28/STF.
Banco. Cheque falso. Responsabilidade civil. - Nos termos da Súmula
n.º 28 do STF, 'o estabelecimento bancário é responsável pelo
pagamento do cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa
exclusiva ou concorrente do correntista'. Demonstrando a prova que
houve culpa concorrente, em maior grau por parte do
estabelecimento bancário, é a responsabilidade pelo prejuízo
distribuída entre o Banco e o correntista, na proporção da culpa de
cada um. - Apelo parcialmente provido” (TJ/SC - Ap. Cível n.º
41.558 - Comarca de Itajaí - Ac. una. - 4ª Câm. Cív. - Rel: Des. João
José Schaefer - Apte: Lordemar de Souza Pamplona - Adv: Armando
Lins Júnior - Apdo: Banco do Estado de Santa Catarina S/A - Adv:
Luiz Eugênio da Veiga Cascaes - Fonte: DJSC, 03.01.94, pág. 7).

“Responsabilidade civil - Indenização - Banco - Adulteração de


cheque.
1. Como é cediço na doutrina e na jurisprudência, há em princípio
responsabilidade civil do estabelecimento bancário pelo pagamento
de cheque adulterado. 2. Havendo, todavia, culpa recíproca do
correntista e de preposto do estabelecimento creditício, deve o

48
Como exemplo dessa situação poderíamos mencionar a conduta negligente do correntista no
preenchimento da folha de cheque, que não inutilizou os espaços em branco não preenchidos, destinados à
descrição por extenso do valor a ser descontado (descrevendo por extenso o valor do título, o espaço restante
deve ser inutilizado - “riscado”), o que possibilitou a adulteração do valor originariamente descrito, pelo
fraudador, e o seu desconto em virtude da falta de conferência ordinária do banco quanto à validade do título.
Também podemos citar a atitude negligente do cliente na guarda dos talões de cheque (culpa in vigilando), o
que possibilitou o furto do talonário, aliada à falta de conferência ordinária pelo banco da assinatura aposta na
folha de cheques, falsificada pelo fraudador através da imitação da assinatura original (falsificação não
grosseira).
49
Maria Helena Diniz, op. cit., pp. 239-46.
40

prejuízo ocorrido ser partilhado, condenando-se o banco sacado a


indenizar a metade do valor total dos prejuízos sofridos pelo cliente,
titular do cheque adulterado e indevidamente pago. Apelação provida
para tal fim” (TJ/PR - Ap. Cível n.º 1.443/89- Comarca de Curitiba -
16ª Vara Cível - Ac. una. da 1ª Câm. Cív. - p. em 05.02.90 - Rel: Des.
Oto Sponholz).

Nos casos de falso grosseiro, entendido este como “...o falso indene de
dúvidas quanto à responsabilidade civil dos bancos”50, abrangendo o falso stricto
sensu e o falsificado, a responsabilização do estabelecimento bancário se mostra como
a única aplicável ao caso. É obrigação do funcionário do banco a cuidadosa
conferência das assinaturas, entendida esta como a diligência ordinária 51 que, sem
qualquer nota de extraordinária, é apta a aferir a grosseria do falso.

Dessa forma, o grosseiro é o falso ou grosseira é a falsificação incapaz de


enganar o homem mediano, referindo-se o primeiro ao fazer-se algo falso, e a
falsificação ao falsificar-se algo até então não-falso, flagrantemente, com evidência
meridiana, gritantemente grosseira, visível a olho nu de tal modo a implicar sua
aceitação inafastável negligência do caixa, pois, se não engana o homem mediano, não
pode enganar o funcionário do banco, que é contratado especialmente para exercer tal
função.

De qualquer forma, o falso ou a falsificação grosseira evidenciam-se pela


aparente divergência entre as assinaturas aposta no cheque e no documento que lhe
serve de confronto para conferência da autenticidade e exteriorizando-se pela imitação
servil com auxílio de modelo da assinatura verdadeira, responsabilizando-se o
estabelecimento bancário pelo pagamento dos cheques viciados.

Se há o pagamento, a culpa é do banco, que há de responder exclusivamente


pelo pagamento do cheque grosseiramente falsificado, excluída qualquer parcela de
culpa do correntista como hipótese de compensação.

Como bem se pode denotar, a configuração grosseira do falso ou da


falsificação, sendo facilmente perceptível, bem como o pagamento do cheque mesmo
após o aviso pelo cliente, impedem a repartição (culpa concorrente) ou mesmo a
configuração da culpa exclusiva do correntista. Nem mesmo a existência ou
coexistência de circunstâncias fáticas que poderiam levar a um agravamento do
exercício do dever de vigilância, como por exemplo o movimento intenso na agência
bancária, serve como causa pré-excludente.

Nesse mesmo entendimento, a simples falta de comunicação do cliente ao


50
Vilson Rodrigues Alves, Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários, 1ª ed., São
Paulo, Bookseller Editora, pp. 135-64.
51
Maria Helena Diniz, op. cit., pp. 239-46.
41

banco não serve para caracterizar a culpa do cliente, pois, exemplificativamente, pode
ocorrer de um terceiro furtar o último cheque apenas, deixando os anteriores anexos ao
talonário. O correntista, ignorando a falta daquele talonário, vai emitindo os cheques
normalmente, pela ordem numérica, percebendo a falta daquele apenas quando for se
utilizar da última folha do seu bloco de cheques.

Há, ainda, na doutrina, o posicionamento reiterado de que se o cliente não


comunica ao banco anormalidade passível de verificação nos extratos da conta
bancária que lhe são habitualmente remetidos, haveria silêncio a implicar culpa do
ofendido frente ao banco sacado nas hipóteses de pagamento de cheques falsos.
Entretanto, tal entendimento deve ser afastado, visto que o pagamento do cheque já
ocorrera, de modo que o reconhecimento da culpa posterior do cliente implicaria
eficácia retroativa na definição da responsabilidade52.

3.9.3. Cláusula de não indenizar - seu alcance

As cláusulas de irresponsabilidade dos bancos por extravio ou uso ilícito de


cheques produzem a inversão do ônus da prova, ficando a cargo do depositante a sua
produção.

Peculiarmente aos cheques, tais cláusulas assim se manifestam:


“A - Fazer uso exclusivo dos cheques, devolvendo os não-utilizados,
no caso de encerramento de conta.
B - Evitar rasuras/emendas e preencher os espaços em branco para
evitar falsificações.
C - Guardar os cheques com segurança. O banco não se
responsabiliza por seu extravio ou uso indevido.
D - Usar assinatura conforme espécime registrada no banco”53.

No caso específico dos cheques falsos ou falsificados, a cláusula de


irresponsabilidade, se existente, cobre os riscos resultantes da situação do correntista,
isto é, as conseqüências resultantes de seus atos. Não pode, entretanto, como indica
Márcia Frigeri, “exonerar de fato culposo do banqueiro, que não constituía risco,
pois, fora desse campo, todas as obrigações do banqueiro para com o correntista são
essenciais ao contrato, não existindo cláusula ou convenção capaz de removê-las”.
Assim é que, no caso de cheque viciado, a cláusula de irresponsabilidade não pode
exonerar o banqueiro de fato culposo, que não constituía risco.

Quanto ao pagamento de cheques, é de responsabilidade do banqueiro a sua


realização a outro que não o beneficiário, ou melhor, a terceiro que alega falsamente
52
Vilson Rodrigues Alves, op. cit., pp. 135-64.

53
Márcia Regina Frigeri, op. cit., p. 51.
42

tal qualidade, estando o seu pagamento condicionado à entrega de documentos que não
foram verificados pelo banco.

Constituem ainda restrições à cláusula exoneratória da responsabilidade:


A) Não é válida se contrariar a ordem pública ou os bons costumes.
B) Não pode ser aceita quando tiver por objetivo a eliminação dos efeitos
do dolo do estabelecimento bancário.
C) Não é admissível quando presente a culpa do banco: visto que, neste
caso, favoreceria a sua imprudência, negligência e desídia.
D) Não tem validade nos contratos de adesão: ela depende de aceitação,
obtida após discussão por ambas as partes, o que, via de regra, inocorre nos contratos
de adesão; além disso, ela necessita ser expressamente aceita, visto consistir numa
renúncia, que não pode ser presumida.

3.9.4. Prescrição da responsabilidade bancária

Analisadas nos itens anteriores as principais hipóteses excludentes da


responsabilidade bancária pelo pagamento de cheque falso ou falsificado, hipóteses
essas que deslocam a responsabilidade para a figura do cliente, total ou parcialmente,
cabe-nos fazer alusão à prescrição, única outra hipótese que temos como excludente da
responsabilidade.

Como já tratado no capítulo I do presente trabalho, transcorrido, via de


regra, o prazo de vinte anos para interposição de ação de reparação de danos, fica
impossibilitada qualquer forma de cobrança do prejuízo causado pelo agente
responsável.

Sendo assim, assiste às partes contratantes envolvidas com a emissão de


cheques, nos termos do art. 177, do CC, o prazo de vinte anos para requerer a
indenização pelo pagamento de cheques falsos, tendo-se sempre em vista o que já foi
delineado no presente trabalho, isto é, a responsabilidade objetiva do estabelecimento
bancário, elidida essa apenas pela prova de culpa exclusiva ou concorrente do cliente
na efetivação do prejuízo.

Dessa forma, a prescrição leva à exclusão da responsabilidade de forma


indireta, isto é, pelo esgotamento do prazo para ingresso da ação de reparação de
danos, que é de caráter pessoal. Esgotada a via processual competente para a cobrança
dos valores, fica extinta a responsabilidade do agente causador do dano.

3.10. Excludentes não configuráveis da responsabilidade do banco

No que se refere às demais excludentes genéricas enumeradas na primeira


parte do presente trabalho, quais sejam elas, a legítima defesa, o estado de
necessidade, o exercício regular de um direito, o caso fortuito ou de força maior e o
43

fato de terceiro, inaplicáveis se mostram à responsabilidade bancária pelo pagamento


de cheques falsos.

Se o banco pagou um cheque falso ou falsificado, pagou com dinheiro que é


seu. Ele só poderá transferir o prejuízo para a conta de seu cliente se tal for possível
nos quadros da relação contratual que mantém com este.

A relação que une banco e cliente, como já explicitado, é de caráter


contratual, fundamentada esta na teoria do risco profissional. Este contrato
estabelecido entre as partes estabelece direitos e obrigações que deverão ser
observados e surtirão efeito apenas entre elas. Quando um fato externo ocorre, alheio à
vontade e ao controle das partes envolvidas nesse contrato, mas que gera efeitos não
no contrato em si, mas entre as partes que o estabeleceram, não pode tal fato servir de
escusa para que o banco (que desembolsou o dinheiro e, portanto, foi a parte
prejudicada pelo prejuízo causado), deixe de arcar sozinho com suas conseqüências.

A responsabilidade contratual, como já referido anteriormente, é espécie do


gênero responsabilidade civil. Sendo assim, as suas regras gerais — como o dever
genérico de não lesar outrem — devem nortear as relações contratuais firmadas,
respeitando as especificidades constantes do contrato e que só geram efeitos para as
partes contratantes.

Parece-nos claro que, tendo o ato fraudulento — e conseqüentemente ilícito


— derivado de uma causa estranha ao contrato estabelecido entre as partes, deve seu
autor arcar com os prejuízos oriundos dele. Entretanto, esta responsabilidade não pode
servir de escusa à responsabilidade do banco perante seu cliente, objetiva e
independente que é daquela.

Como já bem salientado no presente trabalho, a responsabilidade bancária,


pelo pagamento de cheques falsos e falsificados é contratual objetiva, regida pela
teoria do risco profissional. A única maneira de exclusão dessa responsabilidade é a
prova de que o cliente agiu com culpa, e que sua atitude culposa foi a causa exclusiva
ou concorrente para a efetivação do ato fraudulento que gerou o prejuízo.
Como bem se percebe, se toda vez que houver se configurado esta fraude, o
estabelecimento bancário alegar fato de terceiro para eximir-se de sua
responsabilidade, inócua se mostrará a responsabilidade objetiva, visto que não se
concebe outra maneira de cometimento dessa fraude que não pela ação de um terceiro.

O ato fraudulento que dá origem ao cheque falso é sempre de iniciativa de


um terceiro, alheio à relação contratual estabelecida entre o banco e o cliente,
situando-se tal conduta no âmbito dos riscos profissionais assumidos pelo banco no
exercício de suas atividades. Se o cliente, de qualquer forma, concorrer para a
efetivação dessa fraude, será ele responsável, excluindo-se então a responsabilidade do
banco.

Da mesma forma, inaplicáveis se mostram as demais excludentes. Como a


fraude se realiza pela atitude de um terceiro e efetiva-se com o pagamento do cheque
44

pelo banco, não há interferência de fator externo algum suficiente para influenciar ou
obrigar o estabelecimento bancário a efetuar este pagamento. Como já mencionado, o
único fator capaz de elidir a responsabilidade contratual objetiva do banco é a prova de
que o cliente agiu com culpa.

Não pode, assim, o banco alegar uma excludente fundada em regra geral da
responsabilidade civil para se furtar do cumprimento de sua obrigação específica
constante do contrato estabelecido entre ele e o cliente.

Tendo ele uma obrigação de resultado para com o cliente, se este resultado
contratado não é atingido, deve ele responder por esse inadimplemento, não podendo
alegar qualquer causa alheia ao contrato para eximir-se de responsabilidade, pois que
tais causas deveriam estar sob seu controle ou, ao menos, dentro dos riscos por ele
aceitos para o exercício de suas atividades.
45

CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. Os negócios jurídicos que ensejam a emissão de cheques são três: o


contrato de depósito bancário, o contrato de conta corrente e o contrato de abertura de
crédito. Assim sendo, percebemos que a emissão de cheques deriva da relação
contratual firmada entre o banco e o cliente quando da constituição de qualquer dos
contratos acima referidos.

2. Contrato de depósito bancário é aquele firmado entre o banco e o cliente,


consistindo na confiança de certa soma em dinheiro deste àquele, obrigando-se o
banco a guardá-la e restituí-la no prazo e condições convencionadas.

3. O contrato de abertura de crédito consiste na obrigação do banco de pôr à


disposição do cliente certa soma em dinheiro que poderá ser por ele utilizada conforme
sua conveniência.

4. No contrato de conta corrente o banco desenvolve um serviço de caixa,


obrigando-se a receber os valores remetidos pelo cliente ou por terceiros e a cumprir as
ordens de pagamento até o limite de dinheiro nela depositado ou do crédito que tenha
sido concedido ao cliente.

5. O conceito jurídico de responsabilidade pressupõe o de personalidade,


mas não se esgota com esta regra geral. Entes despersonalizados também respondem
civilmente pelos danos causados a outrem. A responsabilidade civil consiste sempre em
uma obrigação de reparar danos antijuridicamente causados a outrem. Via de regra,
não apresenta caráter punitivo, deriva da obrigação de reparar o dano causado e se
mede pela sua extensão, podendo haver casos em que terceiro responda pelos danos
causados e casos em que a responsabilidade recaia sobre pessoas jurídicas. A
responsabilidade civil, em regra, exige, para sua configuração, uma conduta culposa,
mas abrange ainda casos de responsabilidade objetiva, em que ao responsável pelo
ressarcimento não é imputável qualquer culpa. Possui as funções reparatória,
sancionatória e preventiva, além de manutenção do status quo.

6. Como pressupostos da responsabilidade civil temos, com relação ao fato


gerador, a antijuridicidade deste e o nexo de imputação; com relação ao dano causado,
temos a efetiva existência desse dano, o nexo de causalidade, e o cabimento no âmbito
de proteção da norma violada.

7. A responsabilidade civil pode ser contratual, entendida esta como a


obrigação de reparar danos derivados do inadimplemento de negócios jurídicos, uni ou
bilaterais (contratos), ou extracontratual, relacionada esta à reparação de danos
46

causados a pessoas não ligadas por negócio jurídico algum ou, mesmo que ligadas, em
que o dano não tenha se originado da violação do negócio jurídico que as une. Esta
última modalidade de responsabilidade abrange, assim, os danos resultantes de atos
ilícitos (aquiliana) e os danos resultantes de atos não culposos (objetiva).
8. A responsabilidade civil, sendo classificada como contratual ou
extracontratual, também pode ser classificada como subjetiva, objetiva ou objetiva
agravada. A responsabilidade subjetiva ou culposa é a obrigação de reparar danos
causados por omissões intencionais, negligentes ou imprudentes, que violem direitos
alheios. A responsabilidade objetiva consiste na obrigação de reparar danos que
prescindem da análise a respeito do dolo ou culpa nas ações ou omissões do agente. A
responsabilidade objetiva agravada é aquela que independe da existência do nexo de
causalidade entre a atividade desenvolvida e o dano ocorrido para sua configuração.
Como requisitos, entretanto, indispensáveis nesta última, é necessário que os danos
abrangidos sejam pessoais, que tenham ocorrido no exercício de uma atividade
profissional e que, embora não tenham sido causados pelo responsável ou por sua
atividade, guardem alguma conexão com esta atividade profissional.

9. Como excludentes da responsabilidade civil temos o estado de


necessidade, a legítima defesa, o fato do ofendido, o fato de terceiro, a cláusula de
não-indenizar e o caso fortuito ou de força maior. Tais excludentes, salvo a cláusula de
não-indenizar, levam à descaracterização do nexo de imputação entre o agente
causador do dano e a vítima ou o seu deslocamento em direção a um terceiro ou, ainda,
ao rompimento do nexo de causalidade.

10. A excludente do fato do ofendido configura-se quando a atuação que


gerou o prejuízo para a vítima derivou de seu próprio ato, servindo o agente como
mero instrumento do acidente. A cláusula de irresponsabilidade ou de não-indenizar
pode ser entendida como o acordo de vontades pelo qual se convenciona que
determinada parte não será responsável por eventuais danos decorrentes da inexecução
ou de execução inadequada do contrato, transferindo os ônus para a vítima. O estado
de necessidade caracteriza-se pela deterioração ou destruição de coisa alheia a fim de
remover perigo eminente, isentando da reparação do dano causado contra o criador do
estado de perigo. Quem pratica o ato em legítima defesa, no exercício regular de um
direito ou no estrito cumprimento de dever legal, fica, em condições similares,
desobrigado de reparar os danos causados. O fato de terceiro, por sua vez, se configura
quando o dano causado à vítima foi derivado de atuação de terceiro, ainda que não
culposa. O caso fortuito e a força maior é entendido como o acontecimento inevitável e
independente de qualquer atividade da pessoa a quem se quer imputar a culpa do dano,
sendo esse acontecimento a sua causa. Por último, a prescrição, que nas ações de
caráter pessoal se dá em vinte anos, extingue a possibilidade de recebimento da
indenização e, conseqüentemente, extingue a responsabilidade do agente causador do
dano.

11. O cheque falso se caracteriza pela utilização de assinatura


completamente diversa da habitual, enquanto o cheque falsificado se caracteriza pela
imitação da assinatura de seu titular, desvirtuada esta por acréscimo ou redução.
Distingue-se ainda o cheque adulterado, que se caracteriza pela alteração do seu texto
47

(valor do título), tendo sido sua assinatura regularmente firmada (pelo titular). Esta
diferenciação não gera maiores conseqüências no que se refere à configuração da
responsabilidade pelo pagamento dos cheques. Sejam eles falsos, falsificados ou
adulterados, o tratamento jurídico é o mesmo no que concerne ao seu pagamento pelo
estabelecimento bancário.

12. O pagamento de cheque falso pelo estabelecimento bancário tem como


conseqüência a ocorrência de um prejuízo. Cabe ressaltar que o prejuízo é causado
pela ação fraudulenta de um terceiro, alheio à relação contratual firmada entre
estabelecimento bancário e correntista, a quem cabe efetivamente a responsabilidade
pela sua atuação ilícita. Assim, para definir, no âmbito da relação banco-correntista,
quem deve suportar os prejuízos advindos da prática ilícita deste terceiro, duas teorias
nos são propostas, a da responsabilidade contratual subjetiva e a da responsabilidade
contratual objetiva, sendo pertinente, ainda, a análise a respeito da possibilidade de
aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

13. O Código de Defesa do Consumidor não é aplicável às relações


bancárias. Efetivamente, os estabelecimentos bancários exercem duas categorias de
atividades: uma essencial, isto é, o exercício do crédito; a outra, acessória que se
materializa na prestação de serviços. Nessa segunda categoria de atividades
(obrigações de fazer) haveria a possibilidade de aplicação do CDC, desde que
caracterizadas como relações de consumo. Entretanto, no exercício do crédito (que
encerram obrigações de dar) não é possível aplicar o CDC às relações bancárias. O
cliente não se enquadra na definição de consumidor utilizada pelo CDC, abrangendo
ele apenas as relações de consumo travadas entre fornecedor e consumidor, desde que
este seja o destinatário final. Nem o crédito nem o dinheiro se encaixam nos produtos
enumerados no art. 2º da referida lei. Isto se justifica pela índole circulatória do
crédito, instrumento que é de aquisição de outros bens, colocando-se o seu cliente
como destinatário final apenas quando se tratasse de um colecionador de moedas, que
não repassasse o numerário a mais ninguém.

14. A teoria da culpa, que se fundamenta no princípio do equilíbrio da


relação jurídica firmada entre o banco e o cliente, situa as partes contratantes no
mesmo patamar no que se refere às obrigações assumidas por cada uma delas e às
responsabilidades derivadas de seu inadimplemento, que deverão ser suportadas por
quem lhes deu origem. Baseia-se esta teoria em algumas diretrizes que definem as
atitudes compatíveis com o dever de zelo e vigilância que as partes deveriam ter
quando do exercício da atividade bancária, circunstâncias estas que, se desatendidas,
gerariam responsabilidade para quem as descumprisse. Assim, as partes responderiam
por qualquer fato culposo na execução dos contratos ligados à atividade bancária.
Entendemos que esta teoria não é aplicável tendo em vista a impossibilidade de situar
banco e cliente em um patamar de igualdade no que se refere às obrigações contratuais
assumidas. O banco ocupa posição de superioridade em relação ao cliente, para quem
as obrigações e os ônus resultantes do seu não cumprimento se mostram muito mais
penosos, sendo a atividade oferecida pelo banco, que extrai lucro dela, através da
captação de recursos financeiros fornecidos pelos clientes.
48

15. A teoria objetiva fundada no risco profissional, que entendemos ser a


aplicável, tem por fundamento o pressuposto de que a responsabilidade civil deve
recair sobre quem aufere lucro com a atividade exercida com este fim. Assim é que o
banco deve assumir os riscos dos danos causados no exercício de suas atividades,
tendo em vista serem tais riscos inerentes ao exercício das atividades que ele promove,
dando, conseqüentemente, margem à ocorrência do dano.

16. Há presunção de culpa contra o banco, firmando-se o regime — regra


para a apuração da responsabilidade pelo pagamento de cheques falsos como o da
responsabilidade objetiva do estabelecimento bancário, com base na teoria do risco
profissional.

17. Esta orientação é modificada apenas pela prova, que deve ser
constituída pelo banco, de que houve culpa concorrente ou exclusiva do cliente.
Concluímos, assim, que a culpa do cliente (fato do cliente, no que se refere aos
serviços bancários), seja ela exclusiva ou concorrente, constitui-se como causa
excludente da responsabilidade do estabelecimento bancário pelo pagamento de
cheques falsos. Caracteriza-se sua atitude culposa quando age com negligência na
guarda dos talões de cheque (culpa in vigilando) ou imprudência em confiar o talão a
pessoa incapaz ou de honestidade não comprovada (culpa in eligendo).

18. Há culpa concorrente do cliente quando a sua atitude culposa, aliada ao


procedimento do banco, deram, conjuntamente, origem ao dano ou possibilitaram que
a fraude se efetivasse: a reunião dos procedimentos é que levou ao prejuízo.
19. Nos casos de falsificação grosseira, facilmente perceptível até mesmo
pelo homem mediano, não contratado especialmente para exercer esta função, através
de um procedimento ordinário de conferência das assinaturas, o pagamento do cheque
pelo banco é de inteira responsabilidade sua, excluída qualquer parcela de culpa do
correntista como hipótese de compensação.

20. A cláusula de não-indenizar, cláusula exoneratória de responsabilidade


dos bancos que é, não exonera o banco da responsabilidade pelo pagamento de
cheques falsos. Se existente, cobre os riscos resultantes da situação do correntista, isto
é, as conseqüências resultantes de seus atos, não podendo, entretanto, exonerar de fato
culposo do banqueiro, que não constituía risco. Risco, esse, inclusive, por ele
assumido no exercício de suas atividades, por ser essencial a elas, como já referido.

21. A prescrição da responsabilidade bancária leva à exclusão da


responsabilidade pelo pagamento de cheques falsos. Nos termos do art. 177, do CC,
concede-se o prazo de vinte anos para ingressar com a ação de indenização, sendo esta
de caráter pessoal. Esgotando-se a via processual competente para a cobrança da
indenização, fica excluída a responsabilidade do agente causador ou responsável pelo
dano.

22. As demais excludentes genéricas (legítima defesa, estado de


necessidade, exercício regular de um direito, caso fortuito ou de força maior e fato de
terceiro) não são aplicáveis à responsabilidade bancária pelo pagamento de cheques
49

falsos. Se o banco pagou cheque falso, só poderá transferir o prejuízo para a conta de
seu cliente se tal for possível nos quadros da relação contratual que mantém com este.
Relação contratual esta que, originada de uma obrigação de resultado que o banco
assume em relação ao cliente, é fundamentada na teoria do risco profissional. Assim,
quando um fato externo ao contrato ocorre, alheio à vontade e ao controle das partes
nele envolvidas, cabe ao banco assumir os prejuízos dele advindos. Concluímos,
assim, que se mostram inaplicáveis as demais excludentes genéricas ao pagamento de
cheque falso. Como a fraude se realiza pela atuação de um terceiro e se efetiva com o
pagamento do cheque pelo banco, não havendo intervenção de fator externo algum
capaz de influenciar na sua implementação (legítima defesa, caso fortuito, etc.), não
pode o banco alegar tais excludentes como forma de se eximir da responsabilidade
pelo pagamento de cheques falsos. Como já explicitado, apenas a “participação” do
cliente é causa suficiente de exclusão total ou parcial, da responsabilidade do
estabelecimento bancário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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