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AGROECOLOGIA MILITANTE

Contribuições de Enio Guterres

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Ivani Guterres

AGROECOLOGIA MILITANTE
Contribuições de Enio Guterres

1ª edição

EDITORA
EXPRESSÃO POPULAR
2006

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Copyright © 2006, by Editora Expressão Popular

Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho e Maitê Carvalho Casacchi


Projeto gráfico e capa: ZAP Design
Diagramação: Mariana Vieira de Andrade
Impressão e acabamento: Cromosete

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada
ou reproduzida sem a autorização da editora.

1ª edição: dezembro de 2006

EDITORA EXPRESSÃO POPULAR


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CEP 01319-010 – São Paulo-SP
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Sumário

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 7
TRIBUTO AO COMPANHEIRO ENIO GUTERRES ............................................. 9
PERDEMOS UM COMPANHEIRO, GANHAMOS UM DESAFIO ................... 13
1. OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO – a longa passagem da agricultura química
para a agricultura camponesa ecológica ................................................................... 17
2. SECA NO RIO GRANDE DO SUL – quem são os responsáveis? ........................ 29
3. MONOCULTURA DA SOJA – riqueza para alguns, crise e miséria para a maioria ... 37
4. QUEM VAI COMER A SOJA ENVENENADA? ................................................ 45
5. BIODIESEL – oportunidade para a agricultura camponesa ................................... 47
6. TECNOLOGIAS APROPRIADAS ....................................................................... 49
7. SOBERANIA ALIMENTAR, BIODIVERSIDADE E
DIVERSIDADE CULTURAL ............................................................................... 53
8. AGRICULTURA CAMPONESA X AGRICULTURA IMPERIALISTA ............. 73
9. BASES TEÓRICAS E EPISTEMOLÓGICAS DA AGROECOLOGIA
A PARTIR DA SOCIOLOGIA RURAL ................................................................ 91
10. NIM (Azadirachta indica) ..................................................................................... 97
11. ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL PARA O PLANTIO
CAMPONÊS .......................................................................................................... 99
12. A MOTIVAÇÃO DOS CAMPONESES PARA O DESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVEL (a partir do conhecimento local) ................................ 131
13. PLANEJAMENTO – Quem não sabe onde quer chegar não chega lá nunca .... 135
14. A FORMAÇÃO DO MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados)
no Rio Grande do Sul e o primeiro assentamento rururbano ............................... 145

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APRESENTAÇÃO

O lançamento deste livro, contendo textos referentes a ecolo-


gia, transgênicos, biodiesel, agroecologia e organizações sociais,
antecipou-se ao falecimento de Enio Guterres (1961-2005), uma
pessoa muito especial que tive a felicidade de conhecer, com quem
convivi durante mais de 21 anos e com quem tive dois filhos, André
Vinícius e Jamile.
Enio teve um imenso amor pela vida e um grande respeito pelo
seu semelhante. Por isso, acreditou que poderia sonhar e ajudar na
construção de um mundo melhor, dividindo esse sonho com mui-
tas pessoas, que o ajudaram na busca dessa realização.
Enio sonhou com um mundo mais justo e humano, onde fosse
possível compartilhar amor, experiências, conhecimentos e que atra-
vés da organização de ações, pudéssemos mais facilmente modifi-
car o presente e construir um futuro melhor. Também acreditava que
as crenças que temos sobre nós mesmos determinam quem somos,
e foi através do seu trabalho que viu a possibilidade de concretizar
um sonho, o qual virou projeto de vida, tanto que se dedicou inte-
gralmente às questões ambientais e sociais, propondo-se a trabalhar

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junto com os pequenos agricultores, ajudando a desenvolver a
sensibilização para a preservação do planeta.
A continuidade do seu trabalho se dará através daqueles que
acreditaram e tiverem um convívio mais equilibrado e harmonioso
com a natureza e toda a criação, transmitindo assim uma aborda-
gem de compreensão e respeito em face do universo.

Ivani Guterres
Agosto de 2005

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TRIBUTO AO COMPANHEIRO ENIO GUTERRES

A Via Campesina gaúcha, do Brasil e internacional perdeu um


grande companheiro. Um quadro exemplar. Parece se cumprir a
triste sina de que, “a gente só dá o devido valor depois que se per-
de”.
Enio Guterrez foi um quadro exemplar da Via Campesina. Suas
contribuições ajudaram não só a Via Campesina gaúcha e brasilei-
ra, mas também a Via Campesina internacional, com suas reflexões
e preocupações que foram utilizadas em vários espaços e instâncias.
Ele desenvolveu qualidades fundamentais, que nos deixou como
exemplo e legado. Uniu o critério da preocupação científica, de es-
tudar, de pesquisar, com a militância social, de sempre estar ao lado
e junto com os trabalhadores rurais, com os camponeses.
Criterioso nas suas preocupações, sempre esteve antenado com
os desafios que o capitalismo, agora em sua fase internacional, im-
punha aos camponeses, seja no Rio Grande do Sul, seja em todas as
partes do mundo.
Dedicado ao estudo, aproveitou os contatos, os professores e o
ambiente acadêmico do seu mestrado na Espanha para ampliar o

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intercâmbio entre os movimentos e o debate sobre os dilemas que
as novas formas de atuação do capitalismo internacional criava en-
tre os camponeses.
E contribuiu muito com seus escritos e debates para entender-
mos a natureza desses dilemas e sobretudo as formas de enfrentá-
los, enquanto classe. Os leitores vão perceber pelos artigos e ensaios
que estão nesse livro quais eram suas preocupações. Vejam que to-
dos os temas estão à frente, no tempo e na luta de classes. Enio nos
ajudou a combater os transgênicos, nos alertou sobre a importân-
cia da soberania alimentar, sobre a importância de defender e pre-
servar a biodiversidade combinada com as atividades de produção
agrícola.
Refletia sobre a necessidade de adequar as técnicas de produção
agrícola com a produção de alimentos saudáveis e com o equilíbrio
do meio ambiente, do qual todos fazemos parte. Discorreu sobre a
importância do biodiesel e de adequar a mecanização agrícola a es-
calas necessárias para os camponeses e para o meio ambiente.
Enio foi, a seu modo, um cientista militante. Enio foi acima de
tudo um militante comprometido com o povo brasileiro e com os
camponeses.
Enio foi um grande pedagogo. Estudioso e conhecedor em pro-
fundidade dos temas a que se dedicava, nunca usou da arrogância
do saber, mas usou a sabedoria para ensinar com mais clareza os
demais. E tinha uma paciência camponesa, de explicar com o mes-
mo afinco e atenção para o deputado e para o assentado, lá na base.
Enio foi o verdadeiro “agrônomo pé-no-chão”, da tradição re-
volucionária, de transformar o meio rural numa sociedade mais justa
e fraterna. E de transformar a produção agrícola numa atividade
prazerosa, adequada à preservação do meio ambiente, priorizando
a produção de alimentos saudáveis para nosso povo.
Pagou com a vida a irracionalidade de nosso sistema de trans-
porte. Mas deixou um grande legado. Deixou seu exemplo de mili-

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tante. Deixou-nos a obrigação de segui-lo, na preocupação do estu-
do, da pesquisa, de colocar os conhecimentos científicos e as técni-
cas a serviço do bem-estar dos trabalhadores, e não apenas para
explorá-los, como faz o capitalismo.
Espero que o registro histórico das contribuições do Enio nos
anime, a todos e a todas, a seguir seu exemplo: estudo, militância e
dedicação aos camponeses! Será a melhor maneira de homenageá-lo.

João Pedro Stedile


Pela Via Campesina do Brasil
Agosto de 2005

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PERDEMOS UM COMPANHEIRO,
GANHAMOS UM DESAFIO

A notícia chegou-nos como um petardo. “O senhor Enio


Guterres sofreu um acidente de carro e está em estado grave no
Pronto Socorro.” Corremos feito doidos e quando conseguimos
chegar ao setor de traumatologia o que ouvimos desmontou-nos por
completo. “O acidente foi grave e o senhor Enio já chegou aqui com
parada cardíaca. Não pudemos fazer mais nada.”
Uma carreta Volvo, numa ultrapassagem perigosa e proibida,
colheu de frente o Gol que Enio dirigia, tirando-lhe a vida. Perdía-
mos ali uma pessoa singular.
Os filhos perdiam um pai exemplar. A esposa perdia não só o
amor de sua vida, mas o marido dedicado e atencioso. Os parentes
perdiam um irmão, primo, cunhado, genro amigo e estimado. A mãe
perdia o filho dileto.
Todos nós perdemos um amigo, uma pessoa séria – e ao mesmo
tempo alegre –, alguém de fácil convivência e incapaz de uma pala-
vra dura ou ofensiva. E todos perdemos um técnico competente,
estudioso, preparado, disciplinado e dedicado à causa do povo.

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Enio fizera uma opção de classe muito clara ainda no tempo de
estudante de agronomia na Universidade Federal de Santa Maria.
Depois de formado, passou em concurso público e foi trabalhar na
Emater/RS. Dela foi demitido pelo governador Antônio Britto
quando manifestou publicamente sua opção pelo Partido dos Tra-
balhadores.
Trabalhou nas lavouras da família em Coronel Bicaco (RS) – pois
não conseguiu emprego após ser demitido pela Emater – até que foi
convidado a assessorar tecnicamente o recém-fundado Movimento
dos Pequenos Agricultores (MPA). Enio ajudara a fundar o MPA
em seu município e chamara a atenção como técnico e como
pedagogo popular.
A partir de 1997, Enio integrou-se na construção do MPA como
assessor técnico, trabalhando em Cruzeiro do Sul e percorrendo todo
o Estado. Em 1998, é escolhido para fazer parte da assessoria técni-
ca do PT na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, mas não
se desvincula de seu trabalho junto aos pequenos agricultores.
Com a vitória de Olívio Dutra nas eleições para governador, Enio
passa a fazer parte da equipe que vai implantar o Programa de Re-
forma Agrária do governo popular, aí permanecendo pelos quatro
anos e conquistando respeito entre os assentados e militantes do
MST pela sua capacidade técnica e de diálogo. Nesse período, estu-
da e escreve sobre uma nova modalidade de assentamentos então
experimentada, o assentamento rururbano.
Em 2003, retorna como assessor técnico da Via Campesina,
compondo a equipe do gabinete parlamentar conquistado pela Via
Campesina na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Nesse período, aprofunda seus estudos teóricos e práticos sobre
agroecologia, sementes crioulas, transição agroecológica,
transgênicos, agricultura camponesa, assistência técnica e energia de
biomassa. Estava preparando tese de mestrado para a Universidade
de Córdoba, Espanha, com o professor e pesquisador Eduardo Sevilla

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Gusmán, desenvolvendo a temática do método para a transição
agroecológica.
Por designação da Via Campesina, estava também na coorde-
nação de três importantes projetos em estudo nos Movimentos
Camponeses, que são a mecanização camponesa, a implantação de
projetos de biodiesel e a elaboração de um plano camponês coorde-
nado pelo MPA e Via Campesina nacional. Participou também de
encontros internacionais, representando a Via Campesina do Bra-
sil em atividades sobre soberania alimentar, transgênicos e comér-
cio internacional.
Seus 44 anos de vida intensa e bem vivida foram interrompidos
brutalmente quando voltava de um assentamento do MST em
Guaíba (RS), onde regular e disciplinadamente ia todas as quartas-
feiras colher dados para sua tese de mestrado e debater com os as-
sentados como estavam fazendo a transição de modelo tecnológico.
Unir teoria e prática era um traço marcante em sua maneira de ser
militante e intelectual. No dia seguinte, no dia em que o sepulta-
mos, estaria coordenando o lançamento de um trator popular de
tecnologia chinesa adequado à agricultura de pequeno porte.
Perdemos um amigo, um companheiro, um militante, um téc-
nico competente, mas ganhamos uma luz e um desafio novo. Con-
tinuar a luta pela qual ele tanto se doou e fazer viver neste país a
reforma agrária, a agricultura camponesa e o respeito aos que traba-
lham na terra.

Frei Sérgio Görgen


Maio de 2006

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1. OS CAMINHOS DA TRANSIÇÃO – a longa passagem
da agricultura química para a agricultura camponesa ecológica

Somos condenados a fazer o caminho caminhando, não raro na noite


escura, sem ver claramente a direção e sem poder identificar os empeci-
lhos. E precisamos crer e esperar que o caminho nos conduza a algum
lugar que seja bom para se morar e demorar nele.
Leonardo Boff

Nos espaços protegidos


Onde a “revolução verde” não entrou, não é preciso passar por
ela para depois sair, fazer a passagem, a transição. É preciso valori-
zar as práticas existentes e, através do diálogo, do debate, das trocas
de experiências, ampliá-las com os conhecimentos desenvolvidos
pela agroecologia nos últimos anos. As formas novas de incorpora-
ção de matéria orgânica através de plantas melhoradoras do solo, por
exemplo, ou a restrição e até a eliminação do uso do fogo, prática
tradicional na agricultura camponesa quando a terra era mais abun-
dante e a coivara era uma prática necessária.
Nos espaços protegidos, a agricultura camponesa aperfeiçoa-se das
práticas conservadas, valorizando a resistência e resgatando sementes
e raças ali preservadas e levando-as para as áreas e regiões onde a “re-
volução verde” devastou a biodiversidade e os saberes camponeses.

Começar pequeno
O que nasce grande é o monstro. O que é normal nasce pequeno.
Alguns se entusiasmam com a agroecologia e querem começar
tudo de uma vez e quebram a cara. Muitos técnicos, partidários da

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agroecologia, não conseguem pensar em termos de transição, de
passagem, de uma mudança de acordo com as condições reais da
vida do pequeno agricultor, e levam o camponês a tentar uma tran-
sição brusca. De um dia para outro, largar todas as práticas da “re-
volução verde” e praticar a agroecologia. A maioria dos casos resul-
tou em decepção e uma volta humilhante do agricultor a praticar
os meios da “revolução verde”.
Não podemos esquecer que a terra está contaminada e depen-
dente dos insumos químicos. Ao redor continuam as práticas da
monocultura e do uso intensivo de venenos. O pequeno agricul-
tor não é uma ilha. As práticas dos vizinhos afetam as suas. E
muitos conhecimentos básicos de uma agricultura diversificada,
ecológica e sem venenos foram esquecidos. E entre um prejuízo
insuportável para o pequeno agricultor e o uso de alguma técnica
ou insumo da “revolução verde”, ele não tem alternativas a não ser
continuar usando.
É preciso ir reforçando a partir de práticas concretas os elemen-
tos que diminuem a dependência e aumentam a autonomia do cam-
ponês na construção de um novo jeito de produzir na terra.

A insustentabilidade da agricultura química


Mas é importante também saber que a agricultura química das
multinacionais vai enfrentar uma crise brutal. Ela é uma agricultu-
ra petro-dependente, isto é, dependente demais do petróleo. A maior
parte dos adubos e venenos são fabricados com derivados de petró-
leo. E o petróleo está cada vez mais escasso e mais caro.
As monoculturas criam cada vez mais pragas e aumentam dra-
maticamente os problemas com insetos, fungos e ervas chamadas
“daninhas”. Isso aumenta custos e mesmo com os recursos da
transgenia, da clonagem, da mutagênese, de novos produtos quími-
cos, da adubação suplementar, esses problemas são amenizados por
alguns anos e depois voltam com mais força.

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As monoculturas atraem cada vez mais doenças nas plantas. Isso
é fruto do desequilíbrio do meio ambiente, da falta de biodiversidade,
do empobrecimento do solo. Nesse modelo, os problemas tornam-se
crônicos e sem solução dentro do arsenal de meios oferecidos pelo
instrumental técnico-científico da “revolução verde”. Essas doenças
são tratadas com meios químicos que aumentam os custos para o
agricultor na mesma medida em que diminuem a eficácia. E se isso
implica aumento de custos, está acrescentando insustentabilidade
econômica ao esgotamento tecnológico.
Os problemas só se acumularão para a agricultura das
multinacionais e os camponeses serão chamados pela sociedade
urbana para salvar a produção de alimentos com qualidade para todo
o povo depois do fracasso total da agricultura química.

Por onde começar?


Cresce dia-a-dia, entre os pequenos agricultores, a vontade de
sair da agricultura química, produzir sem venenos e sem adubos
químicos, adotar um modelo tecnológico de base ecológica. Mas
surgem muitas dúvidas e inseguranças. Alguns tentam e não dá certo.
Alguns procuram fazer uma passagem radical, mudar tudo de um
ano para o outro e muitas vezes dá tudo errado. Assim mesmo, ten-
ta-se de novo, pois a cada dia fica mais claro que no modelo da agri-
cultura química, controlada pelas multinacionais, não há lugar para
os pequenos. Os camponeses tendem mesmo a desaparecer.
Aí nos vêm duas perguntas-chave: como fazer a passagem de um
tipo de agricultura para a outra? E por onde começar?
Para andar mil quilômetros é preciso dar os primeiros passos.
Então, é preciso começar. Por pouco que seja, é preciso fazer, pois é
assim que se aprende, se acumula experiência, se adquire segurança.
Mas é preciso termos claro que se trata de uma passagem, um
processo de transição. Não é possível mudar num passo só. É preci-
so ir dando passos ano a ano. Por vários motivos:

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• a terra que usamos está contaminada por adubos químicos e
pelo uso de venenos;
• as sementes “melhoradas” pelas empresas multinacionais são
viciadas pelo pacote químico e substituí-las completamente é um
processo demorado;
• o meio ambiente, especialmente o solo, ao nosso redor está de-
sequilibrado, e os insetos, fungos e plantas concorrentes, indicadoras
(ditas “daninhas”), estão fora de controle;
• nós não temos recursos financeiros sobrando para arcar com
três, quatro anos de transição de uma agricultura para outra, ban-
cando eventuais prejuízos;
• não dispomos de conhecimentos suficientes que nos dêem se-
gurança para enfrentar todos os problemas e desafios que nos sur-
gem no dia-a-dia;
• não temos assistência técnica e pesquisa suficiente na área
agroecológica para acompanhar todos os pequenos agricultores que
iniciam um processo de passagem, de transição.
Por essas razões, é que precisamos ir construindo devagar o novo
jeito de produzir que vai trazer melhores condições de vida na roça
e a produção de alimentos saudáveis para os consumidores. Dar
passos lentos, mais firmes e seguros é melhor que correr, tropeçar e
cair. Esse é o nosso desafio.
Então, quais os passos iniciais que precisamos dar?

Recuperação e manejo do solo


A terra, o solo, é a base de tudo na agricultura e na pecuária. O
solo é um organismo vivo e cheio de vida. Da forma como for trata-
do, vai responder. Se for maltratado, vai produzir ervas daninhas, criar
fungos que vão atacar as plantas. Se for bem tratado, vai nos dar plantas
sadias, fortes e resistentes a eventuais ataques de doenças e pragas.
A agricultura química não se preocupa em tratar o solo. Ela se preo-
cupa em tratar a planta. Dá altas doses de adubo químico para a plan-

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ta. Normalmente adubos à base de N-P-K. Quando o solo se desequi-
libra e aparecem as ervas concorrentes, fora de controle, aplicam-se
herbicidas. Quando os insetos e fungos escapam do controle, aplicam-
se inseticidas e fungicidas. Sempre tratando a planta e não olhando que
todos esses problemas são causados por desequilíbrios provocados no
solo e no meio ambiente. Só dando um exemplo: com o N-P-K estamos
alimentando a planta com três elementos. Mas as plantas precisam de
42 elementos e microelementos. Então, alimentando as plantas com
N-P-K, na verdade, se está criando uma planta fraca, doente e desequi-
librando o solo, pois as plantas vão sugando até o extremo os outros 39
elementos e microelementos de que elas precisam. E isso vai matando
a vida do solo. Para corrigir isso, só com matéria orgânica, corretivos
naturais (pós de rocha, por exemplo) e rotação de culturas que vão res-
taurar a microbiologia (as diferentes e numerosas formas de vida) do
solo, que vão transformar de forma equilibrada a matéria orgânica nos
alimentos de que as plantas precisam.
Um dos primeiros passos a serem dados é o cuidado, a recupe-
ração da fertilidade natural e o manejo ecológico do solo. A base
fundamental de uma nova agricultura, a base de um novo modelo
tecnológico é a terra. A agricultura química contaminou e esgotou
o solo, matou parte da vida que tem em seu interior.
Para mudar de modelo, é essencial começar a recuperar o solo,
nem que seja aos poucos. Pode-se fazer um plano de ir recuperando
um ou dois hectares a cada ano. Mas a recuperação não se dará num
único ano. Vai se dar aos poucos, até que recupere todo seu poten-
cial de matéria orgânica, recupere a microbiologia (os pequeninos
seres vivos que repõem os microelementos no solo), reponha o ni-
trogênio de forma natural, retenha a umidade. É bom sempre lem-
brar que recuperar o solo é também um trabalho lento e paciencioso,
de vários anos.
As vantagens: menor custo com fertilizantes, maior facilidade
para controlar as plantas concorrentes (erradamente chamadas de

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“daninhas”), menor transferência de renda para as fábricas de adu-
bos, maior autonomia para o agricultor, maior resistência das plan-
tas em períodos de estiagem, maior aproveitamento dos resíduos
(estercos, restos, bagaços etc.) na propriedade.

Livrar-se dos vvenenos


enenos agrícolas
Os agrovenenos são a principal fonte de recurso das multina-
cionais. E o principal instrumento de exploração dos camponeses e
dos agricultores em geral. É o mecanismo mais eficaz de transferência
de renda da agricultura para a indústria. Presta-se a todo tipo de
manipulação, pois muitas doenças, muitos insetos e muitas ervas
ditas “daninhas” são artificialmente disseminadas para depois se
vender os venenos. E com as novas técnicas da biotecnologia de
laboratório, será sempre fácil “criar” doenças, oferecendo simulta-
neamente os “remédios”.
Os agrovenenos são também os principais responsáveis pela
contaminação das águas e do solo e por inúmeros problemas de saúde
dos agricultores. São também os responsáveis pela contaminação dos
alimentos.
O uso intensivo de venenos tem causado vários problemas para
as plantas que não são alvo das aplicações. Por exemplo, os peque-
nos agricultores têm dificuldades de cultivar mandioca e uvas onde
se usam muitos herbicidas à base de glifosato ou à base de 2-4 D.
O uso de venenos na agricultura tem aumentado a cada dia que
passa. Os insetos, as plantas e os fungos tornam-se resistentes e exi-
gem doses cada vez mais fortes e venenos cada vez mais perigosos.
As sementes transgênicas mantêm a dependência aos venenos,
e até aumentam. E não é fácil livrar-se depois que se está acostuma-
do. As facilidades momentâneas cativam.
A diversificação por si só já reduz o uso de venenos. A rotação
de culturas também. E há inseticidas biológicos, que não provocam
efeitos colaterais, que podem ser utilizados.

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É possível diminuir e aos poucos ir eliminando o uso de vene-
nos na agricultura à medida que comunidades inteiras forem fazendo
em conjunto a passagem para outro modelo tecnológico baseado nos
recursos da própria natureza e na agroecologia.

Div ersificar a pr
iversificar odução – escapar da monocultura
produção
A monocultura é um dos principais desastres da agricultura
química e um dos principais meios de concentrar renda e inviabilizar
os pequenos agricultores, bem como esgotar o solo e desequilibrar
o meio ambiente.
Construir um novo modelo começa pela diversificação da
produção, pelo que se chama de policultivo – muitos tipos de produ-
ção – e pela combinação da criação de animais com agricultura, como
forma de aproveitar os resíduos animais como adubação orgânica.

Produzir para o autoconsumo familiar


A soberania alimentar do camponês começa em casa. Produzir
sua própria alimentação variada e de forma estável, com qualidade
e sem agrotóxicos, contribui para aumentar significativamente as
áreas descontaminadas de venenos químicos, bem como aumenta a
capacidade de autonomia dos pequenos agricultores.

Contr olar as sementes e mudas


Controlar
As sementes são insumos básicos que devem estar sob o contro-
le dos agricultores e suas organizações. Colher, selecionar, conser-
var, experimentar, cruzar, melhorar sementes e mudas deve ser uma
prática a ser retomada pelos agricultores para construir um novo
modelo de agricultura.

Disponibilidade de água
Coletar água da chuva, fazer pequenos açudes, cuidar das fon-
tes e nascentes de água, criar peixes, ter sempre água boa, em abun-

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dância, para o consumo familiar e para os animais é um dos pilares
de uma agricultura que se auto-sustenta gerindo bem um recurso
que às vezes (em tempo de seca) se torna escasso.

Matas e pomar es
pomares
As árvores e as matas são fundamentais para o equilíbrio ecoló-
gico e controle de pragas, pois abrigam boa parte dos inimigos na-
turais. São importantes também para manter a umidade e regular o
clima e as chuvas. Uma parte pode ser destinada ao consumo do-
méstico, como lenha e madeira e outras necessidades, garantindo
sempre sua reposição.
O pomar tem também uma dupla importância: garante uma
grande biodiversidade (animal e vegetal) ao mesmo tempo em que
contribui para uma alimentação equilibrada, saudável e variada.
E o plantio de árvores pode ser também uma boa fonte de ren-
da. Pode ser utilizado em sistemas de agroflorestas, combinando
produção de frutas ou de madeira com produção agrícola e animal
(leite, carne, mel etc.). A falta de madeira no mundo tende a ser cada
vez maior e quem hoje plantar árvores está, além de equilibrando a
natureza, fazendo uma poupança para o futuro.

Domínio de conhecimentos básicos


Um dos maiores roubos que a agricultura das multinacionais fez
com os camponeses foi roubar-lhes séculos de conhecimentos que
foram transmitidos de pai para filho, durante várias gerações, em
especial através da fala (tradição oral) e da experiência (aprendiza-
do da prática e do ensino). Boa parte desse conhecimento não foi
registrado, não foi escrito. Muito conhecimento, muita sabedoria
camponesa popular se perdeu para sempre. É preciso reconquistar
esse patrimônio perdido e buscar novos conhecimentos possíveis
graças a sempre novos avanços do conhecimento humano, com base
nos princípios agroecológicos de produção.

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Cada família de agricultores precisa se tornar cientista de sua
própria profissão, aprendendo com a natureza, com o comportamen-
to das plantas, dos animais e do meio ambiente, bem como buscar
conhecimentos sistematizados pelos estudos científicos acumulados
pela humanidade.
Faz-se urgente que tenhamos escolas básicas de agricultura eco-
lógica, para possibilitar um novo patamar coletivo de conhecimen-
tos básicos que dêem segurança mínima para construir uma outra
forma de fazer agricultura para a passagem, a transição, firme e de-
cidida, para uma agricultura livre dos produtos químicos e de ve-
nenos, dependente da grande indústria multinacional.

Constr ução de nossa própria infra-estr


Construção utura
infra-estrutura
De forma associada, cooperativada, devemos construir nossa
própria infra-estrutura de produção, transporte, armazenagem, in-
dustrialização e comercialização da produção. Isso tornará os cam-
poneses independentes dos atravessadores, que também ficam com
a maior parte da renda.

A metodologia da transição agroecológica –


o jeito de fazer
Precisamos construir uma metodologia para massificar a transi-
ção, a passagem de um modelo para o outro. Alguns elementos dessa
metodologia podem ser os seguintes:
• Iniciar com um planejamento das ações, com base nos grupos
e nas comunidades rurais, tendo o território rural presente, buscando
a articulação das dimensões econômica, política, tecnológica, social,
cultural e ambiental. Discutir conceitos como os da agroecologia e
dos agroecossistemas.
• Uma metodologia que gere relações de co-responsabilidades entre
as famílias dos agricultores, suas organizações e seus assessores. As ações
planejadas de forma participativa devem proporcionar situações de

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reflexão e tomadas de decisão progressivas por parte de cada família e
pelo conjunto das comunidades envolvidas, e depois executadas com
um constante monitoramento, avaliação e replanejamento. Logo, a
obtenção dos resultados esperados estará subordinada ao efetivo com-
prometimento de todos buscando alcançar os objetivos individuais e
coletivos que venham a ser estabelecidos.
• Considerar a complexidade e o dinamismo dos sistemas de pro-
dução, assim como os limites ambientais em que se desenvolvem, de
modo a contribuir para o redimensionamento, redesenho e uso ade-
quado dos meios de produção disponíveis e ao alcance de todos.
• Estabelecer uma articulação dos movimentos sociais da Via
Campesina com parcerias estratégicas, sejam instituições de assis-
tência técnica, ensino e pesquisa, buscando a formação de redes,
fóruns regionais, territoriais e outras formas de integração, em que
a participação das famílias dos agricultores na definição de linhas
de pesquisa, avaliação, validação e recomendação de tecnologias
apropriadas esteja no centro.
• Considerar as especificidades relativas a etnias, gênero, gera-
ção e diferentes condições socioeconômicas e culturais das popula-
ções rurais, em todos os programas, projetos de assistência técnica,
pesquisa e atividades de capacitação.
• Estimular a democratização dos processos de tomada de deci-
são, com participação de todos os membros das famílias na gestão
da unidade familiar e nas estratégias de desenvolvimento das comu-
nidades.
• A participação de jovens e mulheres camponesas, consideran-
do as especificidades socioculturais, deve ser central em todo o pro-
cesso de transição e um dos elementos centrais da metodologia.
• Fortalecer iniciativas educacionais apropriadas para agricultu-
ra camponesa, baseadas na Pedagogia da Alternância, assim como
outras experiências educacionais construídas a partir da realidade das
famílias camponesas.

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• Essa metodologia deve ser o mais participativa possível e de-
vemos utilizar a vivência do dia-a-dia de cada pessoa, estabelecen-
do estreita relação entre teoria e prática, propiciando a construção
coletiva de saberes, o intercâmbio de conhecimentos de experiências
exitosas, que deram certo, com o qual os agricultores e os técnicos
possam aprender uns com os outros.

(Texto publicado no livro Os novos desafios da agricultura camponesa,


de 2004, em parceria com frei Sérgio Görgen e Flávio Vivian)

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2. SECA NO RIO GRANDE DO SUL – quem são os
responsáveis?

O Rio Grande do Sul está vivendo a pior seca de sua história


contemporânea. Não basta ficarmos no debate superficial de que isso
é um fenômeno da natureza, “culpa de São Pedro”, ou coisas desse
tipo. Precisamos ver a fundo as causas estruturais dessa seca, pois se
olharmos os dados oficiais veremos que nos últimos 14 anos tive-
mos oito secas.
Em 1991, 287 municípios decretaram situação de emergência.
Em 1996, foram 222. O número foi de 195 em 1997. Em 1999
foram 115, em 2000 foram 153, em 2003 foram 226, em 2004
foram 390 e, em 2005, até agora, 404 municípios já decretaram
situação de emergência, com tendência a se agravar.
Vários cientistas do mundo inteiro afirmam que está ocor-
rendo uma mudança no clima. Recentemente, entrou em vigor
o Protocolo de Kyoto,, talvez o tratado internacional mais impor-
tante para a humanidade, que trata das mudanças climáticas
provocadas pelo efeito estufa – o aquecimento do planeta em
função das emissões de gases pelo processo industrial e pelas
queimadas das florestas.

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O Protocolo de Kyoto estabelece compromissos para os países
desenvolvidos, como a redução de pelo menos 5%, em relação aos
níveis de 1990, das emissões antrópicas combinadas de gases de
efeito estufa para os períodos de 2008 a 2012.
Se nada for feito e se continuarmos a destruir todas as florestas tro-
picais mundiais, a desestabilização do clima pode, realmente, ficar muito
pior do que o previsto. É hora de reagirmos. Não podemos mais acei-
tar esse comportamento de passividade diante das evidências sobre o
que vem ocorrendo. Afinal, são diversos os “fenômenos naturais”, como
furacões, enchentes e secas, em especial essa que hoje atinge o RS.
O que está acontecendo com o planeta? E o que é efeito estufa?
Um grupo de cientistas, economistas e administradores, conhe-
cido como Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC, sigla em inglês), se reuniu nas Nações Unidas pela primeira
vez em 1988 para informar os governos das possíveis causas e con-
seqüências das mudanças climáticas e soluções para aliviar o pro-
blema. Segundo o IPCC, o aquecimento global não somente está
ocorrendo, mas é largamente induzido pelo homem, e irá aumen-
tar muito mais rapidamente do que o anteriormente pensado.
A superfície da Terra sofreu um aquecimento de 0,6 grau du-
rante o século passado. A década de 1990 foi o período que regis-
trou os anos mais quentes desde que os registros instrumentais co-
meçaram a ser feitos, em 1861. A maior parte do aquecimento
observado nos últimos 50 anos é atribuída a atividades humanas,
como a emissão de dióxido de carbono (CO2) devido à queima de
combustíveis fósseis – petróleo e carvão mineral – e devido às quei-
madas e à destruição das florestas.

O efeito estufa
Em uma estufa de vidro ou de plástico, como essas usadas pelos
agricultores para cultivar hortaliças e flores nas regiões frias, com risco
de geada, a atmosfera interior é mais úmida. Os raios luminosos

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(radiação luminosa), ao passarem através do vidro ou plástico e
chocarem-se com o solo e plantas, sofrem absorção, reflexão e dis-
persão, transformando-se em raios infravermelhos (radiação térmi-
ca) que, ao colidir com o vapor da água, aumentam a temperatura
no interior da estufa.
Também dentro da estufa há maior concentração de gás carbônico,
pois ele é produzido pela transpiração das plantas e solo e não pode se
dispersar pelo vento. Ao ficar contido, aumenta sua concentração. A
radiação infravermelha colidindo com o gás carbônico também au-
menta a temperatura ambiente no interior da estufa.
Isso é suficiente para que um trabalhador ou dona de casa en-
tenda o que é o efeito estufa e acompanhe a construção do conceito
de mudança climática. O planeta Terra é muito mais complexo que
o interior de uma estufa de vidro ou de plástico.
A realidade de que é o ser humano que está provocando mudan-
ças climáticas está acima de qualquer questionamento. Enquanto
certos interesses velados e elementos da mídia de massa gostam de
criar a impressão de uma controvérsia geral, na realidade existe um
consenso global entre os cientistas de que as mudanças climáticas
têm origem no modo “moderno” de vida humana.
A destruição das florestas, em especial da Floresta Amazônica,
provocará a desordem total do clima. O Rio Grande do Sul já teve
seu território com 40% de cobertura vegetal. Com a “moderniza-
ção” da agricultura e o desmatamento vigoroso nas décadas de 1970
e 1980, chegou-se a 5,6% de cobertura vegetal em fins dos anos de
1980. Atualmente, após alguma recuperação, estima-se que o RS
tenha em torno de 17% de cobertura vegetal.

Flor esta Amazônica: qual impor


loresta tância para o clima e sua rrelação
importância elação
com a seca no RS?
Existe um processo de absorção de calor nos trópicos pela Flo-
resta Amazônica, carregado através de massivas nuvens de chuva e

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distribuído através da circulação de massas de ar para as regiões de
latitudes mais altas. A energia do Sol, em termos anuais – 2,5 vezes
maior no Equador do que nos pólos – é distribuída de forma ho-
mogênea por todo o planeta. Sem a floresta (27,5 milhões de hec-
tares, uma área do tamanho do Estado do Rio Grande do Sul, já foi
destruída), o mecanismo de transferência de energia pode ser leva-
do ao colapso.
De acordo com o físico brasileiro Eneas Salati, de toda a água
que cai na forma de chuva sobre a região Amazônica, de 50% a 75%
retorna à atmosfera através da evaporação e transpiração, chovendo
novamente pela ação dos ventos alísios que vêm do oceano Atlânti-
co, chegando a ficar nesse processo de evaporação e chuva até sete
vezes, já que a área da bacia chega a 4 mil quilômetros de extensão.
Um fenômeno extraordinário e sem paralelo.
Numa floresta tropical saudável, a transpiração, processo pelo
qual o vegetal libera água para a atmosfera, chega a representar 60%
da umidade do ar na Amazônia. A evaporação, a partir das folhas e
dos caules dos vegetais, responde pelos outros 40%. Quando a flo-
resta está intacta, quase não ocorre evaporação diretamente do solo,
mas da biomassa que não está submersa. Essa evapotranspiração
representa uma enorme quantidade de energia solar e, de acordo com
o meteorologista brasileiro Luiz Carlos Molion, chega a 80% de toda
a energia solar que vem diretamente à floresta.
Eneas Salati estima que o fluxo de energia através da bacia do
Amazonas é o equivalente de 5 a 6 milhões de bombas atômicas
explodindo diariamente. Considerando-se a floresta intacta, com sua
poderosa bomba de evapotranspiração, 75% dessa energia é usada
para evaporar a água. O ar quente e úmido gerado pela floresta tro-
pical, então, sobe rapidamente e gera enormes nuvens cúmulos-nim-
bos cheias de chuva que, empurradas pelos ventos, fazem chover em
novas áreas, liberando energia como “calor latente” de volta para a
atmosfera. Dessa forma, direciona a grande massa de ar que atra-

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vessa a Bacia do Amazonas no sentido leste para oeste, até encon-
trar a cadeia de montanhas dos Andes. O fluxo, então, se divide em
três correntes. A corrente central passa por cima das montanhas e
segue através do oceano Pacífico e continua a oeste na altura da li-
nha do Equador, seguindo a convergência da corrente marítima
quente do Norte. A corrente sul é defletida pelas montanhas e atra-
vessa pelo cerrado brasileiro até a Patagônia. Já a corrente norte é
carregada por cima da massa de ar que circula entre Equador e os
trópicos e cruza o Caribe, toca a costa leste dos Estados Unidos e
vai através do Atlântico para a Europa do Norte.
Contudo, se a floresta tropical não estiver intacta, a quantidade
de energia solar que pode ser carregada para as latitudes mais eleva-
das fica reduzida a um quinto ou até menos. Somente essa redução
já seria suficiente para causar um esfriamento significativo em regiões
temperadas.
As mudanças na transferência de energia a partir dos trópicos
trazidas pela destruição da floresta Amazônica provocarão, nas lati-
tudes intermediárias, a geração de fortes e turbulentas rajadas de
ventos, o que funcionaria como uma descontinuidade entre a maio-
ria dos sistemas circulatórios locais que perfazem o sistema circula-
tório global.
A corrente de ar polar é a corrente mais poderosa de todas. Ela
circula entre as massas de ar que se formam na região polar e aque-
las que se formam entre os trópicos e as zonas temperadas. Portan-
to, ela corre seu caminho em alta velocidade entre a corrente quen-
te dos trópicos e o ar frio do pólo Norte. Todo o clima é função das
correntes de ar que circulam do norte ao sul e vice-versa. Quando
ela empurra as correntes mais para o Sul, traz frio e ar seco com ela.
Quando ela permanece retida mais ao norte, então temos o ar quente
dos trópicos com tudo que isso representa (pesadas chuvas, ventos
de superfície e depressão atmosférica). Quanto mais ao sul a cor-
rente polar empurrar, mais frio torna-se o clima. Se a circulação

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enfraquecer devido aos desmatamentos (pois passa a haver menos
transferência de calor), então a corrente polar terá mais força e fará
com que todo o sistema do clima do hemisfério Norte chegue mais
perto da linha do Equador. Isso significa mais frio e menos chuva
na zona temperada.
Uma diminuição de apenas 10% a 20% na quantidade de vapor
de água sendo transportada no sistema faz uma enorme diferença para
o total de transferência de energia – uma redução, em termos de ener-
gia, equivalente a mais de 20 vezes a energia total usada na indústria
e na agricultura em todo o mundo. Pequenas mudanças relativas nas
trocas de energia no oceano Pacífico podem causar uma mudança no
sistema climático, exatamente como ocorreu em 1997/1998 com o
El Niño. Esse fenômeno deveria nos dar motivo para uma profunda
reflexão sobre o que estamos fazendo com a floresta Amazônica, bem
como com as outras florestas tropicais de outras regiões do planeta.
As florestas tropicais estão sendo destruídas em todo o planeta a
taxas cada vez maiores. Estimativas atuais indicam que 17 milhões de
hectares estão sendo destruídos anualmente. Desse valor, cerca de 6
milhões de hectares correspondem à Amazônia brasileira, incluindo-
se nesse cálculo a destruição causada pela produção de carvão vegetal
para produção siderúrgica. Além do que foi provocado pela indústria
de carvão vegetal, mais de 50 milhões de hectares de floresta Amazô-
nica já foram destruídos em questão de poucas décadas.
Como se isso não bastasse, a agricultura industrial “moderna”,
agora travestida de agronegócio, agrava as mudanças climáticas. Em
reportagem da Folha de S. Paulo, de 28 de fevereiro, pesquisadores
da Unesp mostram como a atividade agrícola provoca a emissão de
gás carbônico. O solo descoberto, livre de vegetação, emite grandes
quantidades de CO2, gás causador do aquecimento da atmosfera.
Conforme estudos realizados sobre o efeito estufa no Brasil, há
projeções de elevações médias de temperatura em torno de 4 a 4,5
graus, reduzindo o volume de chuvas nos meses de verão.

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Essa seca que está ocorrendo no Rio Grande do Sul pode ser
conseqüência do desmatamento da floresta Amazônica, e é um fe-
nômeno que poderá se repetir com mais freqüência. Frio e calor
também poderão ocorrer com maior intensidade fora de meses con-
siderados normais.
Portanto, o que está ocorrendo não são fenômenos naturais, mas
sim fenômenos provocados pela ação do homem. Isso ocorre em fun-
ção de um modelo de desenvolvimento socioeconômico calcado na
derrubada da floresta para o cultivo de pasto e de grãos – monocultura
incentivada pelas empresas transnacionais que aqui no Estado patro-
cinam campanhas como a do “Poder da soja”, com objetivo de lucro
a qualquer preço. A natureza está reagindo, o que pode virar rotina,
causando sérios danos sociais, ambientais e econômicos.
O que devemos fazer, de forma estrutural, para estancar esse
problema? Quem deve pagar essa conta? Quem deve ser responsa-
bilizado pelas mudanças do clima? São questões que merecem um
bom debate hoje para que o amanhã venha a existir.

Março de 2005

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3. MONOCULTURA DA SOJA – riqueza para alguns,
crise e miséria para a maioria

Grandes grupos transnacionais associados a latifundiários e


empresários brasileiros fazem uso de grande onda de propagan-
da e jogadas de marketing para expandir seu poder político e eco-
nômico de classe dominante no campo. Utilizam a soja, assim
como outros produtos de exportação, como um grande negócio.
Com a queda internacional dos preços, os pequenos e médios
agricultores que embarcaram nessa monocultura sofrem as con-
seqüências da crise.
Foi divulgada propaganda enganosa para a expansão do cul-
tivo da soja como um grão milagroso para gerar superavit nas con-
tas públicas, o grande cavalo de batalha do agronegócio, pesqui-
sadores fascinados apontam para o grande crescimento. “A cada
ano, pesquisas a respeito dos efeitos sobre a saúde gerados pela
soja e seus componentes parecem crescer exponencialmente.”
“Novas descobertas vislumbram que a soja tem benefícios poten-
ciais que podem ser muito mais amplos do que jamais se imagi-
nou.” Assim escreve Mark Messina, Coordenador Geral do Ter-
ceiro Simpósio Internacional sobre a Soja, ocorrido em

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Washington, em novembro de 1999, citado por Sally Fallon e
Mary Enig, PhD.*
Durante quatro dias, cientistas reunidos em Washington, pro-
digamente financiados, fizeram suas apresentações tanto para uma
imprensa maravilhada quanto para seus patrocinadores: United
Soybean Board (União dos Conselhos da Soja), American Soybean
Association (Associação Americana da Soja), Monsanto, Protein
Tecnhnologies International (Tecnologias Internacionais sobre Pro-
teína), SoyLife, Whitehall-Robins Healtercare (Produtos Farmacêu-
ticos Whitehall-Robins), além dos Conselhos da Soja e outros.
O simpósio marcou o apogeu de uma campanha de marketing,
de uma década, destinada a cativar o consumidor pela aceitação do
tofu, do leite de soja, sorvete de creme de soja, queijo de soja,
salchicha de soja, bem como seus derivados, destacadamente as
isoflavonas como a genistieína e a deadzeína, compostos tipo
estrogênicos encontrados na soja.
Esse evento coincide com a decisão da U. S. Food and Drug
Administratrion (FDA – Administração de Alimentos e Fármaco
dos EUA) de aclamar a necessidade, para a saúde, do consumo de
produtos que tenham “baixas taxas de gorduras saturadas e
colesterol”, pela presença de 6,25 gramas de proteína por porção de

*
“ALERTA – Soja: tragédia e engodo”. Apresentado no Terceiro Simpósio Interna-
cional da Soja por Sally Fallon, autora do livro Nourishing Traditions: The Cookbook
that Challenges Politically Correct Nutrition and the Diet Dictorcrats (1999, 2ª edi-
ção, New Trends Publishing)/”Tradições da Nutrição: livro de receitas que desafia
politicamente a nutrição correta e os ditadores de dietas”), e presidente da Weston
A. Price Foundation, Washington, DC (www.WestonAPrince.org)
Mary G. Enig, PhD, é a autora de Know Your Fats: The Complete Primer for
Understanding the Nutrition of Fats, Oils and Cholesterol Association, e vice
presidente da Weston Price Foundatin, Washington, DC.
Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, com co-tradução de Eduardo Rache
da Motta. Maio de 2004.

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soja, feita em 25 de outubro desse mesmo ano de 1999. “O marketing
do alimento perfeito.”
Recentemente pôde se constatar essa grande propaganda no
Brasil em megaevento da soja, quanto simultaneamente ocorreu a
VII Conferência Mundial de Pesquisa da Soja, a IV Conferência
Internacional de Processamento e Utilização da Soja e o III Con-
gresso Brasileiro de Soja, nos dias de 29 de fevereiro a 5 de março
de 2004, em Foz do Iguaçu, no Paraná.
Esse evento foi promovido pelo Ministério da Agricultura, Pe-
cuária e Abastecimento e pela Embrapa (Empresa Brasileira e Pes-
quisa Agropecuária), com apoio do Banco do Brasil, órgãos do go-
verno brasileiro em parceria com a iniciativa privada do dito setor
do agronegócio brasileiro.
Pôde-se presenciar muita propaganda do tipo:
• “O uso industrial da soja está em expansão para uma grande
variedade de produtos como o biodiesel e outros produtos indus-
triais. O consumo vem aumentando em 10% ao ano. Quanto às
exportações, vêm caindo na Europa e aumentando na China. O setor
privado vem investindo pesado em pesquisas, em que as indústrias
como Cargil, ADM e BUNGE destacam-se.”
• No Brasil nos últimos 10 anos, o crescimento se deu em mé-
dia 10% ao ano. Só na safra 2002/2003 o crescimento foi de 24%,
sendo 9% em produtividade e 13% em aumento de área.
• A soja no cerrado brasileiro – “O cerrado possui uma área total
de 204 milhões de hectares – 1/3 do território brasileiro. Possui solos
quimicamente pobres, porém de fácil correção. Com uma topogra-
fia plana, profundos e fisicamente ricos, com um regime de chuvas
bem distribuídos, durante 6 meses do ano. Essa nova fronteira abran-
ge regiões do Centro Oeste, Norte e Nordeste, em Estados como
MT, TO, MS, GO, BA, PI, PA, RR e RO.” A produção de soja
brasileira nos cerrados passou de 2%, nos anos de 1970, para 20%
nos anos de 1980, 40% nos anos de 1990 e na safra 2002/2003 foi

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60% do total da safra, com uma produção de 15 milhões de tone-
ladas, sendo o Estado do MT o maior produtor brasileiro; depois
vem o PR com uma produção de 10,9 milhões de toneladas, e o RS,
com 9,6 milhões de toneladas. O potencial de crescimento da área
é muito grande. Segundo a Embrapa, o Brasil tem um potencial de
50 milhões de hectares só no cerrado, que podem ser utilizados para
a produção de grãos. Colocado como fator positivo é o fato de o
MT, por exemplo, ter somente pouco mais 3 mil produtores de soja
em grandes propriedades. “Como fator negativo, para o aumento
da produção e produtividade, é o caso do RS, que possui em torno
de 130 mil produtores de soja (pequenos e médios).”
• Segundo a Embrapa, o mundo tropical vem buscar tecnologia
no Brasil. A soja tem sido o carro-chefe do agronegócio brasileiro.
Aumento das exportações, novas tecnologias e investimentos, com
aumento do PIB, que hoje representa 11,5% dos 42% gerados pelo
agronegócio.
• A tendência de curto prazo, se continuar esse aumento em
torno de 10% ao ano, em quatro anos, 2008, é chegar a mais de 80
milhões de toneladas, podendo ser o maior produtor mundial.
• “Os estoques mundiais estão caindo. A produção mundial, que
não chega a 200 milhões de toneladas ao ano, confronta-se com um
consumo estimado de 210 milhões de toneladas para 2004/2005.
Os atuais preços: US$ 9,5 o bushel = US$ 350 a tonelada, quase U$
20 dólares a saca de 60 kg. Isso está no mesmo patamar do ano de
1986. A demanda depende da elasticidade da renda. Os países po-
tenciais para isso são os asiáticos – China, Índia, Rússia e Nigéria,
por exemplo, que possuem mais de 50% da população com 7% da
renda mundial. Por outro lado, os países ricos do G-7 possuem 84%
da renda mundial, mas somente 11,7% da população.
Quando tudo apontava para essa “maravilha”, preços a quase
US$ 20, ou seja, mais de R$ 50 a saca, produção “maior” e com
custos “mais baixos” por causa dos transgênicos, euforia semelhan-

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te à década de 1970 e 1980, quando pequenos agricultores enfeiti-
çados pelas mil maravilhas do “ouro-verde” começam a substituir
até o pomar e a horta para “ganhar dinheiro”, quando tudo isso era
propagandeado pelas multinacionais e seus seguidores no Estado e
no país e parecia tudo a grande vitória, veio o que ninguém imagi-
nava. Alguns oportunistas e imediatistas misturaram semente com
agrotóxico junto a cargas de soja para exportação e era só a descul-
pa que os controladores do mercado da soja – sete corporações in-
ternacionais – precisavam para derrubar os preços e acabar com a
“bolha” especulativa.
Desde 2003, o Brasil é o principal exportador de soja do mun-
do. Em 2003/2004, foram colhidos 52 milhões de toneladas, das
quais 29 milhões foram processados, resultando em 5,6 milhões de
toneladas de óleo e 23,4 milhões de toneladas de farelo. A maior
parte da exportação é para alimentar vacas, porcos e galinhas de
muitos países.
Um alimento barato e dirigido aos pobres e agora, em função da
propaganda, como uma substância “milagrosa”, que previne doenças
do coração e o câncer, que varre os “calores” da menopausa.
Há por trás da soja uma grande indústria que ganha muito di-
nheiro. Estima-se que, em 2003, cerca de US$ 84 bilhões teriam
irrigado os negócios de sementes, agrotóxicos, fertilizantes, máqui-
nas, implementos, combustíveis, transportes, armazenagem, segu-
ros, intermediações financeiras, processamento, embalagens etc.
Tudo isso com custos sociais – uma população enorme de pe-
quenos agricultores que são “embretados” pela propaganda e aca-
bam se encalacrando numa monocultura como se fossem grandes
produtores. E com custos ambientais, pois há uma contaminação
com transgênicos e agrotóxicos, que afetam as pessoas, contaminam
a água, o solo e diminuem as florestas, por conseqüência diminuem
as águas e afetam o clima, mudando-o, com veranicos, estiagem,
ondas de frio e calor fora de época. Estima-se um dispêndio de R$

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2 bilhões com fungicidas no controle da ferrugem da soja, para a
safra que se avizinha.
“A ameaça sanitária é crescente em função do crescimento e da
expansão da soja a novos nichos ecológicos. Novas pragas exóticas
podem surgir. Mais agrotóxicos serão usados e novas barreiras sani-
tárias podem ser impostas à soja brasileira.”
“A literatura registra mais de uma centena de insetos e um núme-
ro elevado de fungos, bactérias, vírus, nematóides ou plantas dani-
nhas, considerados pragas de soja. Destas, 22 pragas foram conside-
radas de alto risco devido ao elevado potencial de introdução e
dispersão e aos seus impactos econômicos, ambientais e sociais.”*
Fica patente que a soja, considerada o motor do agronegócio,
está à mercê de ameaças que podem esboroar a sua competitividade
e sustentabilidade, drenando divisas, renda e postos de trabalho, além
do incomensurável risco ao meio ambiente. Outros organismos, que
sequer eram referidos como pragas da cultura, podem se adaptar à
mesma, em função do vácuo ecológico e pela simplificação do
agroecossistema decorrente da monocultura da soja.
Há estimativas recentes preocupantes em relação ao mercado fu-
turo, pois estima-se que os Estados Unidos devam colher, este ano,
em torno de 80 milhões de toneladas. O Brasil deve colher em torno
de 60 milhões e a Argentina em torno de 40 milhões de toneladas.
Somado isso a outros países produtores, estima-se para esta safra de
2004/2005 uma produção mundial de 222 milhões de toneladas,
contra 189,12 milhões da safra de 2003/2004. Os estoques mundiais,
que no ano de 2003/2004 eram de 36,19 milhões de toneladas, pas-
saram para 50,2 milhões de toneladas. Isso pode acarretar uma
superoferta do produto, conseqüentemente uma queda nos preços
futuros da soja, ou no mínimo permanecer nos patamares históricos,
em média US$ 10 a saca, ou seja, em torno de R$ 30 a saca de 60 kg.

*
Mais detalhes podem ser encontrados em www.gazzoni.pop.com.br

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A estimativa de preços para a safra de 2004/2005, segundo o Depar-
tamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, setembro/2004),
deve ficar entre 5,4 a 6,4 centavos de dólar o buschel (US$ 11,90 a
US$ 14,11 por saca). Isso é preço de entrega no porto.
Com a crise do mercado e a queda nos preços, quem mais sofre
são os pequenos agricultores, pois o retorno por hectare mal cobre
os custos de produção e sobra muito pouco por hectare, isso se o
tempo contribuir com boas chuvas. Qualquer problema de estiagem,
como a que ocorreu este ano, pode aprofundar ainda mais essa cri-
se, voltando novamente o que já ocorreu em passado recente, quando
muitos pequenos agricultores tiveram que vender suas terras para
os médios e grandes e abandonar a agricultura, pois estes, quando
se endividam, renegociam e prorrogam as dívidas.
Por isso é urgente e necessário aos pequenos agricultores que
estão na monocultura da soja uma conversão, uma transição
gradativa e crescente para um novo padrão de produção, uma nova
matriz tecnológica e um novo padrão de consumo, diversificando
as atividades produtivas, redesenhando os lotes e as pequenas pro-
priedades, como elemento central de uma estratégia para resistir à
crise e à miséria e superar, gerando trabalho e renda para a família,
para a região e para o país.

Setembro de 2004

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4. QUEM VAI COMER A SOJA ENVENENADA?

Durante os meses de maio e junho, muitas notícias vieram à tona


na grande mídia sobre a soja contaminada com agrotóxico no Rio
Grande do Sul. A China rejeitou milhares de toneladas de soja – fala-
se em seis navios, totalizando 359 mil toneladas de soja. Passado um
mês e pouco do episódio, o assunto saiu da mídia, mas várias per-
guntas sem respostas são feitas: para onde foi essa soja? Quem vai
ou está consumindo?
Com certeza, essa soja com veneno está sendo consumida pelas
pessoas dos países pobres. Informações diversas dizem que aqueles
navios rejeitados pela China foram desviados para países como
Malásia, Tailândia e outros. E a soja retida no porto de Rio Gran-
de? E a que está sendo comercializada internamente no Rio Grande
do Sul e no Brasil?
As notícias de um mês atrás diziam que, para proteger o consu-
midor interno, fiscais do Ministério da Agricultura, em inspeção nos
armazéns e silos de empresas e cooperativas do Estado, tinham sus-
pendido a comercialização de milhares de toneladas de soja com
suspeita de contaminação. O que foi feito com essa soja? Será que

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não está sendo esmagada para fazer azeite, margarina, maionese,
doces e tantos outros produtos derivados dessa soja contaminada
com veneno?
Muito se falou em investigar, apurar e punir os responsáveis, em
pedir desculpa ao governo chinês, em não tolerar mais esse tipo de
“ganância e imediatismo”. O fato é que as notícias e as manchetes
sumiram dos meios de comunicação, a soja voltou a ser comercializada,
as responsabilidades não foram apuradas, nem os responsáveis foram
punidos. E o povo que está consumindo isso, quem o protege?
Agora, além do consumo de transgênicos, estamos comendo soja
com veneno para o tratamento de doenças de semente, que é ilegal e
deveria ser eliminado. E onde está o direito dos cidadãos, dos consu-
midores, de sabermos o que estamos consumindo e qual a qualidade
dos produtos? E os órgãos responsáveis pela fiscalização e pelo zelo
no cumprimento das leis e das normas de segurança alimentar?
Esperamos em breve obter essas respostas de alguém.

Agosto de 2004

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5. BIODIESEL – oportunidade para a agricultura camponesa

A produção de biodiesel como uma alternativa para o cultivo


de grãos oleaginosos, principalmente para a região produtora, po-
derá ser uma grande oportunidade para a agricultura camponesa?
Quase 30 anos após a criação do Pró-Álcool, o maior programa de
combustível renovável do mundo, o Brasil pode voltar a apostar em um
novo projeto de energia limpa. O biodiesel, também denominado
biocombustível ou combustível renovável, é produzido com óleos ve-
getais, reagidos com um percentual de metanol ou etanol (álcool extraído
da cana-de-açúcar). O processo resulta em biodiesel e glicerina.
Em função da crise do petróleo e da forte pressão internacional
pela diminuição da emissão de gases poluentes na atmosfera, como
o dióxido de carbono (CO2) e o metano, derivados da queima de
combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão vegetal, além da
queima de florestas, causadores do efeito estufa – aquecimento do
planeta –, o debate em torno da substituição do petróleo e da pro-
dução de energia alternativa “limpa” torna-se realidade.
O programa de biodiesel é semelhante ao programa brasileiro de
álcool combustível, que deu sustentação ao preço do açúcar, cujo maior

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produtor e exportador é o Brasil. Toda a gasolina vendida tem 25%
de álcool, do qual o Brasil também é o maior exportador mundial.
Em janeiro de 2005, o governo brasileiro publicou a Lei no
11.097, que em seu artigo segundo diz que o biodiesel fica intro-
duzido na matriz energética brasileira, sendo fixado em 5% em
volume o percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao
óleo diesel comercializado ao consumidor final, em qualquer parte
do território nacional. Em seu inciso primeiro, estabelece o prazo
de 8 anos após a publicação dessa lei para a utilização de 5% e de 3
anos para um mínimo de 2% da mistura em volume de biodiesel
ao óleo diesel. A proposta do governo prevê que o biodiesel B2 se
torne obrigatório até o final de 2007 e que misturas mais altas, de
5% a 20% (B5-B20), se tornem obrigatórias até 2012.
O Brasil consome cerca de 40 bilhões de litros de diesel anual-
mente. Um programa B5 obrigatório iria resultar em nova deman-
da por cerca de 2 milhões de toneladas de óleo vegetal por ano. O
Brasil produziu cerca de 5,5 milhões de toneladas de óleo de soja
na última temporada, dos quais aproximadamente 2,4 milhões de
toneladas foram exportados.
Diferente da época do Pró-Álcool, os movimentos sociais têm a
oportunidade de debater e participar da elaboração de um possível
Programa Nacional de Biodiesel. Por isso a importância da infor-
mação e discussão de nossa parte. Acreditamos ser um assunto de
extrema importância para o momento.

Texto escrito para a apresentação da cartilha sobre o biodiesel,


que foi impressa em agosto de 2005.

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6. TECNOLOGIAS APROPRIADAS

Durante o governo Olívio Dutra, o então Departamento de De-


senvolvimento Rural e Reforma Agrária (DRA), da Secretaria de
Agricultura do Estado, cujo diretor era frei Sergio Görgen, teve a
oportunidade de coordenar um estudo sobre a possibilidade de o
Rio Grande do Sul vir a ter uma montadora de tratores populares,
que poderia desencadear um processo de mecanização popular no
Estado e no país.
Após a realização de estudos, concluiu-se que era viável, opor-
tuno e necessário um Programa de Mecanização Camponesa. Con-
forme escreve frei Sérgio no livro Os novos desafios da agricultura cam-
ponesa, “a indústria de máquinas e implementos agrícolas no Brasil
se estruturou para atender os grandes. Por isso que só fabricam tra-
tores, colheitadeiras e implementos grandes, sofisticados, pesados e
caros. O pequeno agricultor precisa investir em mecanização leve,
simples, resistente, rústica, econômica e barata”.
No entanto, esse projeto foi suspenso por falta de maior interesse
por parte da iniciativa privada e dos governos no sentido de tomar a
dianteira do processo e viabilizar a construção de uma empresa.

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A mecanização da pequena unidade camponesa familiar, longe
de ser entendida como substituta da mão-de-obra, que na agricul-
tura de pequeno porte é considerada escassa, é indispensável. Mas a
grande maioria das máquinas disponível no mercado é cara para o
padrão de posse dos pequenos agricultores. A indústria de máqui-
nas, com raras exceções, ainda não deu atenção necessária à fabrica-
ção de equipamentos adequados à realidade.
Atualmente, uma montadora daquele tipo já é realidade no Es-
tado. A empresa Metade Sul Ltda., de Pelotas, deu início a um pro-
cesso de importação e montagem de micros e pequenos tratores chi-
neses, ou partes destes, para a viabilização da mecanização popular
para unidades familiares camponesas de nossos agricultores peque-
nos e médios.
Estamos de acordo com o diretor presidente da empresa, Irajá
Rodrigues, quando escreve que “os pequenos agricultores e assen-
tados da reforma agrária vêm demonstrando uma grande capacida-
de de resistência ao processo de exclusão social, face à inexistência
de políticas públicas que sejam capazes de estimular a missão da pro-
dução de alimentos e de garantia de vida para milhões de brasilei-
ros”. Na avaliação, o que está faltando é um salto para um nível
tecnológico melhor, com a complementação da enxada e da junta
de bois por uma mecanização adequada.
No Brasil, segundo alguns estudos, existe uma demanda repri-
mida desse tipo de tratores de mais de 70 mil unidades por ano.
Ofertas desses tratores a baixo preço configurarão um mercado al-
tamente promissor, principalmente se for resolvido o problema do
financiamento aos pequenos agricultores.
A solução para a importação em larga escala de tratores chineses para
suprir a necessidade da demanda brasileira e até, quem sabe, da Améri-
ca Latina, exigirá um tratamento adequado das relações com o fabri-
cante chinês, por um lado, e com os poderes públicos federal e estadual
de outro, de modo a obter o máximo de vantagens comparativas.

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Acredita-se que os movimentos sociais, através de suas coopera-
tivas, podem participar na busca de alguns acordos comerciais com
aquela empresa para a venda desses tratores, visto que muitas partes
parecem que estão sendo superadas, tais como investimentos iniciais,
tratativas para importações, projeto de construção da planta indus-
trial, fabricação, montagem, serviços de assistência técnica, manu-
tenção e reposição de peças e outros.
A China possui 22 províncias, além de quatro regiões autôno-
mas. A maior parte das regiões possui fábricas de minitratores, ten-
do em conta a enorme demanda de mais de 100 milhões de unida-
des agrícolas familiares naquele país.
Segundo informações preliminares, as principais fábricas desses
tipos de tratores encontram-se em Liaoning, Shandong, Jiangsu,
Zhejiang, Hubei e Guangdong, com modelos relativamente idên-
ticos e preços bastante competitivos entre si. Várias das empresas
de fabricantes de tratores dessas províncias já se encontram em con-
dições de investir no exterior e buscam mercados e parceiros para
realizarem tais investimentos, a exemplo dos investimentos de uma
delas em Pomerode, em Santa Catarina.
Por iniciativa nossa e com a participação da CUT-RS e da Fe-
deração dos Metalúrgicos, além de lideranças dos movimentos so-
ciais da Via Campesina, fez-se uma visita de reconhecimento e pri-
meiro contato com a direção da empresa. Pôde-se verificar, in loco,
algumas unidades de tratores chineses, da marca Green Horse, pe-
quenos, de alta qualidade, robustos e versáteis e – o mais impor-
tante – com preços possíveis de serem suportados pelos agriculto-
res camponeses, num processo de mecanização planejada das
pequenas propriedades.
A empresa conveniou com o Centro Federal de Educação
Tecnológica de Pelotas (CEFET-RS), responsável pela formação dos
técnicos das maiores montadoras de tratores do Brasil, para ofere-
cer produtos à altura das necessidades dos agricultores.

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Comparando os preços de três modelos com as principais mar-
cas disponíveis no Brasil, pode-se verificar uma grande diferença,
conforme tabela abaixo:

Marca
arca Modelo Potência Preço R$ Obs.
G. Horse GH 18 18 CV 11.000,00 3 rodas
Tramontini DF 18 18 CV 16.600,00
Yanmar TC 14 14 CV 19.000,00
G. Horse 204 20 CV 27.000,00 Tracionado e com
dir. hidráulica
Yanmar 1145-4 39 CV 58.860,00
Agrale AG 4230 26 CV 43.000,00
G. Horse 454 45 CV 45.000,00 Tracionado e com
dir. hidráulica
Massey 250 ADV 51 CV 77.300,00
Yanmar 1155-4 55 CV 65.050,00
Fonte: tabela fornecida pela montadora Metade Sul Ltda.

Nesses valores já está incluído o preço de revenda (15%). No caso


dos movimentos sociais, as cooperativas poderão ser as revendedoras e
prestadoras de assistência técnica; podem-se treinar os técnicos das pró-
prias cooperativas para que sejam os responsáveis pela assistência técnica.
Acredita-se que, para agricultores com área de até 50 hectares
ou para grupos de famílias, o modelo de 20 CV seja suficiente para
um bom trabalho de preparo do solo, plantio, tratos culturais, além
de possuir um equipamento para diversos outros serviços, como
triturador, bomba de água, reboque etc.
Tudo isso passa necessariamente por pesquisas, assistência téc-
nica e formação, para que um equipamento, no caso um trator, possa
frentear toda uma rede de mecanização na pequena propriedade, em
que a busca constante de tecnologias apropriadas possam melhorar
a qualidade de vida das famílias camponesas.

Maio de 2005

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7. SOBERANIA ALIMENTAR, BIODIVERSIDADE E
DIVERSIDADE CULTURAL

A soberania alimentar e a diversidade cultural ou etnodiversidade,


dois temas que estão inter-relacionados com um terceiro, a
biodiversidade, ou seja, a diversidade da vida no planeta, não subsis-
tem sozinhos. O futuro da humanidade depende deles. São três te-
mas que a Conferência da Terra e da Água vai debater e apontar para
a sociedade caminhos para a resistência e superação da atual civiliza-
ção do Brasil e do mundo.

A biodiversidade funcional
Que é biodiversidade? – A biodiversidade é o conjunto de di-
versos organismos vivos que habitam a terra. Esse termo nos indica
o caráter diverso da vida, formada por bactérias, fungos e liquens,
protozoários e algas, bichos de diferentes tipos, insetos, moluscos,
crustáceos, peixes, plantas superiores, répteis e anfíbios, aves, ma-
míferos e outras espécies. O próprio homem forma parte da
biodiversidade terrestre, assim como a cultura dos diferentes gru-
pos humanos. O conceito de biodiversidade abarca também as di-
ferentes comunidades de organismos, ou seja, os ecossistemas, onde

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se criam condições especiais que permitem que se desenvolvam umas
ou outras espécies.
A etnobiodiversidade é a diversidade de culturas e raças da es-
pécie humana que habitam esse planeta. Com seus diferentes hábi-
tos, costumes, religião e relação com a natureza, a humanidade for-
ma uma imensa heterogeneidade.
A diversidade é a constante da vida. Ela não só se expressa nos
diferentes reinos, taxinomia, famílias, gêneros e espécies de organis-
mos vegetais e animais, mas também se manifesta dentro de indiví-
duos de uma mesma espécie, ainda que às vezes não consigamos
observá-la à primeira vista.
Quantos somos? – O número de organismos que habita a terra é
incalculável; basta dizer que em um só metro quadrado de solo podem
existir mais de 2 milhões de organismos pertencentes a mais de mil
espécies distintas de animais. Por outro lado, o número de espécies di-
ferentes que habitam o planeta não é conhecido. Atualmente, já foram
identificadas cerca de 1,75 milhão de espécies biológicas, embora a ci-
fra real das espécies existentes possa chegar aos 100 milhões.
Qual a importância da biodiversidade para a humanidade? – A
humanidade depende da biodiversidade para obter alimentos, me-
dicamentos, materiais para a elaboração de roupa e utensílios diver-
sos, materiais para a construção, energia, fins ornamentais, tintas,
cosméticos e outros. Não obstante essas principais qualidades, a
biodiversidade gera toda uma série de funções ecossistêmicas que
permitem manter a vida e as condições sobre as quais se desenvol-
vem os diferentes organismos vivos, inclusive a humanidade.
A Via Campesina Internacional propõe:
• “Que a Biodiversidade deve ser a base para garantir a soberania
alimentar, como um direito fundamental e básico – não negociável –
dos povos. Direito que deve prevalecer sobre as diretrizes da OMC.
Hoje, existem 800 milhões de pessoas com fome. Para resolver esse
problema, devemos pensar em utilizar os alimentos locais com que

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nos brinda a diversidade, apoiar os mercados locais e regionais, apli-
car a pesquisa, a tecnologia e a ciência com maior eqüidade”.
• “Uma moratória na bioprospecção (exploração, coleção e
recoleção, transporte e modificação genética) e o acesso aos recur-
sos genéticos e aos conhecimentos que os camponeses e as comuni-
dades indígenas possuem desses recursos, enquanto não existirem
mecanismos de proteção dos direitos de nossas comunidades para
prevenir e controlar a biopirataria”.
• “Proteger e promover os direitos dos agricultores sobre os re-
cursos genéticos, o acesso à terra, à água, ao trabalho e à cultura.
Isso deve passar por um amplo processo informativo e participativo
dos sujeitos para a preservação da biodiversidade. Para isso, estabe-
lecer um mecanismo de consulta e monitoramento permanente com
as organizações de produtores, indígenas e comunidades”.
Desde que o homem passou a fazer agricultura, há mais de 10
mil anos, os camponeses protegem e preservam a diversidade gené-
tica, selecionam as variedades mais produtivas e melhoram aquelas
menos eficientes.
A conservação, armazenamento e seleção de novas variedades
foram se desenvolvendo de geração em geração, os recursos genéti-
cos foram assim considerados uma responsabilidade dos produto-
res rurais. Depois da II Guerra Mundial, nos meados dos anos de
1940, quando a população urbana teve um grande crescimento em
relação à população rural, o assunto “alimento” se converteu em tema
e espaço de organismos internacionais e a produção de alimentos
foi também tratada por governos e instituições. Logo surgiu a cha-
mada “revolução verde”. As empresas agroalimentares cresceram
rapidamente, a produção de insumos e sementes foi adquirindo um
valor maior por se tratar de um negócio muito rentável.
Posteriormente, foram estabelecidos novos usos para os recursos
genéticos, criou-se o projeto genoma humano e a biotecnologia pas-
sou a fazer a manipulação genética de plantas, animais e humanos.

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A cada diferente etapa corresponderam diferentes formas de pro-
priedade dos recursos genéticos. Antes da entrada das multinacionais,
os recursos genéticos eram considerados patrimônios da humanida-
de e assim se subscreveu nos tratados internacionais.
Posteriormente, as empresas dedicadas às sementes e aos
insumos, assim como alguns fitomelhoradores, pressionaram para
que fossem reconhecidos os direitos dos obtentores e foi criada a
União Internacional de Proteção aos Direitos de Obtentor sobre
Variedades Vegetais (Upov). Na etapa atual, um grande número de
trabalhos da biotecnologia é conduzido sob o esquema de patentes
protegidas pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual e
pela OMC. Com isso, os materiais vivos entram em um regime si-
milar ao da propriedade industrial (leia-se propriedade privada).
Das 250 mil espécies de plantas superiores que se conhecem, a
cerca de 50% se atribui alguma utilidade direta para o homem. Apre-
sentam interesse alimentar entre 20 mil – 50 mil espécies de plan-
tas e cerca de 6 mil são relacionadas como plantas de cultivo no
Manual de Plantas Cultivadas de Bailey (1976). Na medicina tradi-
cional se empregam entre 25 mil e 75 mil espécies vegetais, das quais
só 1% foi estudada de forma aceitável suas propriedades terapêuti-
cas. Na atualidade, cerca de 20 mil são os compostos naturais pro-
cedentes das plantas até agora caracterizados pela indústria farma-
cêutica, de perfumaria e do ramo da fitoquímica. No entanto, essa
cifra representa uma ínfima parte da enorme diversidade química
do reino vegetal e animal.

O homem como criador da biodiv ersidade


biodiversidade
A humanidade tem utilizado a diversidade existente na nature-
za para prover-se de alimentos. Mas, além disso, o homem, desde
que iniciou a agricultura, empreendeu um processo de criar diver-
sidade. Durante a Revolução Agrícola do Neolítico, o homem não
só domesticou as espécies animais e vegetais, mas também seu tra-

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balho de seleção deu lugar ao aparecimento de novas espécies vege-
tais não existentes nas espécies silvestres, como o milho.
A grande diversidade de variedades das espécies cultivadas que
conhecemos (muitas desaparecidas ou em vias de desaparecimen-
to) se devem à adaptação que o homem fez às diferentes condições
sobre as quais cultivou e se desenvolveu a agricultura a suas prefe-
rências e diferentes estratégias de sobrevivência.
Exemplos dessa tremenda diversidade das espécies cultivadas encon-
tramos por todo o mundo. Na China, até a metade do século passado,
se cultivava mais de dez mil variedades de trigo. Na Índia, se emprega-
vam mais de 30 mil variedades de arroz. Em algumas chácaras dos Andes,
foram encontrado mais de 50 variedades de batatas em uma mesma
comunidade, algumas resistentes à neve, outras à seca, adaptadas a di-
ferentes altitudes ou tipos de solos e com diferentes características
nutricionais, medicinais e rituais. Não só foi importante a criação de
diversidade, também foi o conhecimento adquirido no seu manejo, os
sistemas agrícolas desenvolvidos e o uso da flora e da fauna silvestre.

A biodiv ersidade está em perigo


biodiversidade
Se bem o homem contribuiu com a criação de biodiversidade,
a atual civilização está provocando uma enorme destruição da
biodiversidade do planeta, tanto do número de espécies quanto de
ecossistemas, atingindo também grupos humanos e seus conheci-
mentos, sua cultura, sua tradição e seus costumes.
Devemos assinalar que a extinção de espécies é um processo
natural da evolução. O que não é normal é o ritmo que vem ocor-
rendo em nossos dias. A taxa de extinção normal produzida ao lon-
go do tempo geológico aponta valores entre 0,25-10 espécies/ano.
No entanto, durante o século passado e este século presente, a
extinção se acelerou a mais de mil espécies por ano (Tuxill, 1999).
É tão grave essa destruição que alguns biólogos estimam que
estamos ante a sexta extinção massiva de espécies do planeta – se

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bem que as anteriores extinções massivas se deveram a catástrofes
naturais. A atual é provocada pelo homem, devido à destruição e
alteração de importantes ecossistemas pela exploração florestal,
agropecuária e pesqueira, a contaminação generalizada, a
sobrexploração de recursos, a simplificação dos sistemas produtivos
e as espécies invasoras introduzidas pelo homem.
A União Internacional da Conservação estima que há 20 mil
espécies de plantas vegetais superiores silvestres em vias de extinção,
quer dizer, quase 10% de sua diversidade total, ainda que outros
considerem que essa cifra seja o dobro. Por outro lado, pesquisado-
res da Universidade de Tennessee estimam que umas 1,1 mil espé-
cies de aves (11% do total) também estão em vias de extinção. Es-
sas fontes estimam que, ao continuar o ritmo atual de deterioração,
50% da flora e da fauna do planeta estará em vias de extinção nos
próximos 100 anos.
Muitas espécies desaparecerão antes que posamos descobri-las,
muitas plantas medicinais desaparecerão antes de estudarmos suas pro-
priedades, muitos organismos desaparecerão sem que possamos com-
preender bem suas funções e o mais grave é que essas funções podem
ser decisivas no equilíbrio necessário para a manutenção das comuni-
dades de espécies contemporâneas e os ecossistemas que as suportam.
A redução da biodiversidade também alcança de forma alarmante
as plantas cultivadas, das quais depende a alimentação da humani-
dade. O informe da FAO (1996) sobre o Estado dos Recursos
Fitogenéticos no mundo assinala que, ao longo do século 20, se
perdeu cerca de 75% da diversidade genética das espécies cultiva-
das. Por exemplo, na China, das 10 mil variedades de trigo que
existiam em 1949, nos anos de 1970 só se conservavam umas mil;
na Índia, onde se cultivavam cerca de 30 mil variedades locais, pro-
vavelmente não ficou nem 50 ao acabar o século (Hobbeling, 1987).
Na República da Coréia, foram substituídas 74% das variedades de
14 cultivos.

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A mesma história se repete nos países latino-americanos, onde
ocorrem perdas gravíssimas no milho, feijão, batatas, tomate e ou-
tros. Por exemplo, no México, centro de origem do milho, na atua-
lidade só se pode encontrar 20% das variedades de milho que se
cultivavam em 1930 (FAO,1996).
As principais causas da erosão genética de variedades cultivadas
identificada pela FAO (1996) reflete como a introdução de varieda-
des “melhoradas”, a deflorestação, a sobrexploração de recursos, a
pressão demográfica, legislação e política etc. são as principais causas.
A dependência da alimentação humana de poucas espécies de
plantas e a redução que sofreu é outro fenômeno cujas conseqüên-
cias não estão bem quantificadas. Basta destacar que, na atualida-
de, das 20 mil-50 mil plantas com utilidade como alimento mun-
dialmente, se utilizam de forma importante 200, se comercializam
100, no entanto 80% dos alimentos provêm de 20 cultivos, e, des-
ses, o trigo, o arroz, o milho e a soja representam mais de 85% do
consumo de grãos.
Isso está levando à uma padronização da dieta alimentar em todo
o mundo. Em alguns países, com maior intensidade, através do
controle da oferta de alimentos industrializados nos supermercados,
produtos esses originários da agroindústria oligopolizada
multinacional. Contrário à soberania alimentar dos países, a pres-
são das corporações capitalistas e financeiras levam aos acordos in-
ternacionais na OMC, não permitindo que os países adotem polí-
ticas de incentivo e apoio à diversificação da produção para os
mercados nacionais.
A homogeneidade dos cultivos é também altamente preocu-
pante. A “modernização” da agricultura, com seus enormes campos
de cultivos homogêneos e o uso de poucas variedades de cada
cultivo selecionadas em centros de pesquisas internacionais ou
companhias de sementes, tem conduzido a uma impressionante e
perigosa “homogeneidade genética”. Como exemplo, citaremos o

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caso dos Países Baixos, onde as três variedades mais difundidas de
cada cultivo cobriam entre 85-99% das respectivas superfície
semeadas. O mesmo ocorre nos países em desenvolvimento, onde
a “revolução verde” interrompeu a diversificação com maior for-
ça; por exemplo, em Bangladesh, uma só variedade de trigo co-
bria 67% das terras trigueiras (relatado por Tuxil, 1999).
Os efeitos da homogeneização genética já são bem conhecidos.
Um dos exemplos mais mencionados foi o da fome que se esten-
deu por toda a Europa e que alcançou níveis dramáticos na Irlan-
da, onde morreram mais de um milhão de pessoas no século 21,
devido à alta dependência da batata para a alimentação e à baixa
diversidade manejada, que não incluía genótipos resistentes de
Phytophtora infestan. Como exemplos mais recentes, tem-se per-
das de mais de um bilhão de dólares que se produziram nos Esta-
dos Unidos em 1970, em conseqüência de uma enfermidade
fúngica no milho (Helminthosporium maydis), que destruiu mais
de 50% dos milharais do país (Esquina, 1981); a destruição de
grande parte dos campos de cana-de-açúcar em Cuba na década
de 1970, visto que a variedade mais cultivada ficou suscetível a uma
nova doença, depois de ser colhida com êxito durante varias dé-
cadas no país; o mesmo sucedeu com o “arroz milagroso” (IRR-8)
na Ásia, o qual se semeou em grandes extensões, mas resultou
posteriormente ser sensível a certas pragas e doenças.
A resultante dessa homogeneização é o incremento do gasto com
agrotóxico e outros meios para manter sobre controle as pragas e as
doenças que tal sistema provoca, assim como a necessidade de libe-
rar, cada vez mais freqüentemente, novas variedades de cultivos que
em pouco tempo necessitam ser substituídas por iguais causas, pro-
vocando perdas grandiosas aos agricultores e uma total dependên-
cia de insumos externos.

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O ecossistema como elemento funcional dos sistemas
biológicos.
O ecossistema é o resultado da integração funcional, interdepen-
dente e ordenada dos elementos vivos e não vivos da natureza que estão
conectados ou relacionados de maneira que atuam ou constituem uma
unidade ou um todo (Gasto, 1980). É, portanto, o sistema ecológico
ou ecossistema a unidade funcional da natureza e forma parte da
biodiversidade. Cada ecossistema se caracteriza pela presença de es-
pécies de organismos específicos e tanto a modificação do ecossistema
quanto o isolamento da espécie pode levar à extinção de um grupo
ou o total dos organismos que o formam.
Os ecossistemas realizam um grupo de funções ainda não bem
entendidas, que são vitais para a manutenção da vida dos organis-
mos vivos do planeta, e intervêm na distribuição e estabilidade do
clima, sobre os quais são desenvolvidas as espécies contemporâneas,
incluindo o homem.

O impacto humano sobr sobree os ecossistemas


A atividade humana produz um forte impacto sobre os
ecossistemas, em parte pela necessidade de produzir alimentos e
obter outros recursos e em parte pelos métodos poucos racionais de
uso dos recursos, a distribuição dos mesmos e os efeitos secundários
produzidos pelos novos produtos criados pelo homem. O avanço
da agricultura, o corte das florestas para obter madeira e energia, a
sobreexploração dos mares e outros recursos como os campos, a
contaminação da atmosfera e as águas pelo uso inadequado da ener-
gia fóssil e as substâncias químicas empregadas na agricultura ou na
produção de outros bens industriais são em parte os elementos que
têm destruído muitos ecossistemas, têm reduzido ou estão próxi-
mo de um colapso.
As florestas jogam um importante papel na estabilidade do clima
e na manutenção da biodiversidade do planeta. As florestas ocupam

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27,7% de toda a terra não coberta pelo gelo, ou seja, 3,6 bilhões de
ha, das quais 53,4% são florestas tropicais (Tolba, 1992). Na atuali-
dade, já se perdeu a metade das florestas tropicais e o ritmo de perdas
alcança a cifra de 16 milhões de ha cada ano, estimando-se que no
ano 2030 só reste 1/5 das florestas tropicais (Porrit, 1991). Nos paí-
ses industrializados, a superfície das florestas está estabilizada, no
entanto está ameaçada, parte deles, pelos efeitos da chuva ácida e os
incêndios florestais que avançam todo ano, sobretudo nas zonas mais
secas, como ocorre na Espanha e outros países europeus.
Estima-se que a flora e a fauna da Amazônia alcance a cifra de
500 mil espécies conhecidas e quiçá mais de 30 milhões ainda não
identificadas e classificadas, as quais estão em perigo de extinção
inclusive antes de serem descobertas.
A destruição acelerada das florestas assim como a deflorestação
nas áreas agrícolas estão trazendo sérios problemas de erosão dos solos
e a aceleração de processos de desertificação, salinização e a perda
da biodiversidade.
Nas zonas agrícolas, a destruição das florestas, cordões de árvo-
res nos limites dos campos, zonas de escorrimento, bordas de ria-
chos e rios, bosques de galerias e árvores em geral, com o objetivo
de construir campos agrícolas extensos onde se possa trabalhar com
grandes máquinas agrícolas, está acelerando os processos de erosão,
reduzindo a infiltração da água no solo e também a biodiversidade,
especialmente de pássaros, répteis, anfíbios e insetos predadores de
pragas dos cultivos (Tivy, 1990).
Também está se eliminando uma via de difusão e emigração da
fauna benéfica à biodiversidade e de conexão entre diferentes
ecossistemas.
A destruição das florestas, ademais dos efeitos antes menciona-
dos, provoca um incremento na luminosidade da terra, o qual aca-
bará por alterar a conversão dos sistemas de ventos e o regime de
chuvas, a acumulação de dióxido de carbono na atmosfera aumen-

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tará pelo efeito da queima dos bosques, processo que é responsável
por 30% do excesso de acumulação de dióxido de carbono, ademais
de se eliminar um importante sumidouro de dióxido de carbono,
já que um milhão de km² de bosque tropical podem absorver um
bilhão de toneladas de carbono por ano (cada ano se acumula na
atmosfera 4 bilhões de toneladas de carbono) (Porrit, 1991).
O impacto humano não é só sobre os ecossistemas, também os
agroecossistemas, base onde se gera a produção de alimentos, estão
sofrendo uma forte deterioração. Referindo-nos somente aos pro-
blemas de erosão no Brasil, temos que a perda média de solo é algo
assustador. São milhões de hectares de solo que se perde por ano.

As funções ecossistêmicas da biodiv ersidade


biodiversidade
Os ecossistemas produzem um grupo de funções ecossistêmicas
que são imprescindíveis para a otimização do uso dos recursos e o
funcionamento dos ecossistemas e portanto dos organismos que nele
vivem. Entre essas funções, temos a otimização do uso da energia e
os recursos, a reciclagem de nutrientes, a conservação do solo e água,
a regulação das populações de organismos (regulação biológica), a
criação de um meso e microclimas favoráveis aos organismos que
nele se desenvolvem e a estabilidade ambiental.
A biodiversidade é fundamental para que essas funções se realizem
com uma alta eficiência. Nos agroecossistemas, sem a biodiversidade
seria impossível lograr muitos dos benefícios que as funções
ecossistêmicas aportam e, portanto, a sustentabilidade dos sistemas
agrários se veria seriamente afetada pelo grau das intervenções externas
necessárias para manter sua produção, como nos ocorre atualmente.
Resulta que o estudo das funções da biodiversidade na regulação dos
sistemas naturais (ecossistemas) e agrários (agroecossistemas) é funda-
mental se desejamos desenvolver sistemas agrários e humanos susten-
táveis. É por isso que queremos chamar a atenção para a importância
da biodiversidade funcional.

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A agricultura é uma necessidade da humanidade para proporcio-
nar grande parte dos alimentos e outros produtos de que necessita-
mos. Por outro lado, continuar destruindo os ecossistemas naturais
e a base de recursos dos agroecossistemas pode ser um suicídio para
a humanidade. Portanto, é necessário estabelecer uma relação ade-
quada entre ecossistemas e agroecossistemas e, por outro lado, fazer
com que os agroecossistemas realizem o máximo de funções
ecossistêmicas possível ou necessárias.
A biodiversidade funcional se refere às funções ecossistêmicas que
permitem potencializar a biodiversidade e que são necessárias para
manter a sustentabilidade dos ecossistemas, os agroecossistemas e a
produção de alimentos sem deteriorar sua base produtiva, como já
assinalado anteriormente.
As principais funções ecossistêmicas que permite a biodiversidade
funcional são:
• A utilização eficiente dos recursos
• Regulação biótica
• Proteção do solo
• Reciclado de nutrientes
• Ciclo da água
• Estabilidade ambiental e biótica

A utilização eficiente dos recursos


A vida é possível pela conversão que realizam as plantas da energia
solar em substâncias orgânicas, em um processo conhecido por
fotossíntese, onde o CO2 do ar e o hidrogênio (H) da água se com-
binam para formar os hidratos de carbono a partir dos quais se sin-
tetizam outras substâncias e do qual participam também outros
minerais do ar e do solo.
A partir da produção das substâncias orgânicas pelas plantas, esta-
belecem-se diferentes e complexas cadeias alimentares por onde flui a
energia solar capturada pelas plantas e se reciclam os nutrientes neces-

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sários para sua formação. Nesse ciclo, as plantas são as produtoras, os
organismos que vivem das partes vivas das plantas se denominam her-
bívoros ou fitófagos e os que se alimentam de herbívoros se denomi-
nam predadores, que também podem se alimentar de outros predado-
res, existindo vários níveis nesse grupo. Os animais que decompõem a
matéria orgânica morta que está formada por microorganismos, alguns
insetos, minhocas e outros pequenos organismos, se denominam trans-
formadores e têm a função de manter ótimas condições, não só para o
desenvolvimento das plantas, mas também para fazer regressar os nu-
trientes necessários para continuar a produção de substâncias orgâni-
cas que permitem a renovação da vida.
No nível dos organismos transformadores da matéria orgânica
do solo, também se estabelecem diferentes cadeias alimentares, pois
um número importante de organismos alimentam-se de matéria
orgânica morta (saprófitos), enquanto outros são depredadores des-
ses organismos.
A biodiversidade se expressa nesse ciclo de duas formas. Na que
temos descrito, que nos assinala como diferentes organismos, se
acoplam para conjurar um ciclo vital; e a segunda é a biodiversidade
de organismos que se complementam para potencializar a produ-
ção de biomassa a partir dos recursos existentes.
Essa segunda função da biodiversidade se dá em todos os níveis
tróficos dos organismos vivos. Assim temos plantas adaptadas a vi-
ver em diferentes tipos de solos, regimes hídricos, latitude e altitu-
de etc. Dentro de uma mesma condição climática, os ecossistemas
se encontram formados por comunidades de plantas, umas são al-
tas com requerimentos elevados de energia solar, outras crescem
debaixo destas, utilizando os raios solares que deixam passar as pri-
meiras e a energia difusa, desenvolvendo seu potencial sob essas
condições. Desde o ponto de vista de exploração do solo, também
a biodiversidade permite a exploração de diferentes estratos e uso
de diferentes nutrientes.

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A biodiversidade nos animais também lhes permite empregar os
diferentes recursos que se produzem e, às vezes, criam-se complexas
cadeias tróficas de alimentação e produção de biomassa, estabele-
cendo as regulações bióticas das diferentes populações.
O emprego da biodiversidade para otimizar os recursos existen-
tes também se emprega nos agroecossistemas. Exemplo deles são os
sistemas agroflorestais, agrofrutícolas, silvopastoris, os policultivos,
a integração da pecuária com a agricultura e também em certa me-
dida as rotações de cultivos.
A agricultura “intensiva” baseia sua produção no monocultivo
e na separação da agricultura, bem como na pecuária, com os quais
se perdem as vantagens da biodiversidade na otimização do uso dos
recursos e a produtividade do sistema. A agricultura “intensiva” para
manter a produtividade de seus cultivos emprega elementos alheios
aos sistemas, no geral tóxicos, para os organismos vivos ou os
agroecossistemas.

Regulação biótica
A regulação biótica é outra das funções ecossistêmicas de gran-
de importância que se efetua na natureza e onde a biodiversidade é
a chave dessa função. Esta consiste na regulação do crescimento de
populações de organismos por outros organismos e tem grande
importância no controle de todo tipo de explosão populacional de
qualquer organismo que se converter em praga, sejam esses
microorganismos insetos, mamíferos ou plantas, como as mal cha-
madas “daninhas”.
Em todos os grandes grupos de organismos, desde nosso ponto
de vista, existem espécies potencialmente pragas que são os organis-
mos fitófagos e parasitas no geral de uma alta taxa de reprodução e
propagação. Há predadores que são animais que se alimentam de
outros animais e que chamamos reguladores biológicos ou organis-
mos benéficos, e outros que por seus hábitos de alimentação

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(saprófagos, que se alimentam de substâncias mortas), capacidade
de reprodução ou outra característica que limite sua população, o
consideramos neutros ou sem potencial de fazer dano, ainda que
algumas espécies por razões de falta de alimento habitual ou a cria-
ção de certas condições podem se converter em parasitas, como é o
caso de alguns microorganismos do solo ou as próprias plantas sil-
vestres que podem infestar os campos de cultivos.
São inumeráveis e em parte desconhecidas todas as atividades
de controle que realizam os predadores e parasitas na natureza. A
modo de exemplo assinalaremos os seguintes:
• As larvas das moscas sirfidos comem de 200-800 pulgões até
sua transformação em crisálida.
• Uma vespa icneumônida é capaz de parasitar e destruir mil
pulgões.
• Uma aranha de jardim devora ao ano uns 2 quilos de insetos.
O uso de agrotóxicos na agricultura, além de eliminar os orga-
nismos pragas, elimina também os organismos predadores ou para-
sitas das pragas, seja diretamente ou através da contaminação acu-
mulada nos seus organismos, criando condições mais propícias para
o crescimento dos fitófagos pragas e a aparição de pragas cada vez
mais violentas.

Proteção do solo
A natureza tende por meio da biodiversidade de plantas cobrir
sempre o solo se existem condições mínimas para seu desenvolvimen-
to. Esta é uma reação natural própria da utilização de recursos, com o
fim de reprodução e competição pela sobrevivência, e que conduz à
produção de biomassa. As plantas não só ocupam o solo também que
o desenvolvem através do trabalho de suas raízes, exaltando a vida de
diferentes organismos que encontram nelas aporte de matéria orgâ-
nica. Um solo capaz de suportar uma produção vegetal abundante é
uma mescla de substâncias inorgânicas procedentes do substrato ori-

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ginal, matéria orgânica produzida pelas plantas e uma vida intensa que
transforma a matéria orgânica, pondo à disposição das plantas uma
boa parte dos nutrientes de que necessitam, associando-se para faci-
litar a tomada de nutrientes, reduzindo a perda destes do solo e criando
condições para a aeração e penetração e retenção da água no solo.

A modo de resumo
Desde o ponto de vista prático, existe um grupo de elementos
vitais para que se produzam os efeitos ecossistêmicos benéficos que
ajudariam a preservação da natureza e a deter os efeitos negativos
que sobre ela está desenvolvendo a agricultura intensa. Essa agricul-
tura com a alta destruição da biodiversidade, o solo e o uso de subs-
tâncias tóxicas e contaminantes, que não só afetam a vida natural e
a destruição dos recursos do qual depende a humanidade para sua
alimentação e outras necessidades, mas também ameaça a própria
saúde e existência da humanidade.
No quadro abaixo, enumeramos os elementos essenciais no
restabelecimento da biodiversidade funcional e as funções princi-
pais que podem desempenhar.
A recuperação da biodiversidade funcional está ligada à recons-
trução da paisagem daquelas zonas deterioradas. As bases para a re-
cuperação da biodiversidade funcional e a paisagem são as seguintes:
• Reflorestar as partes altas das colinas e as ladeiras fortes com espé-
cies autóctones ou mistura de espécies autóctones e introduzida sem-
pre que estas últimas não tenham efeitos negativos sobre o sistema.
• Reflorestar todos os cursos dos rios, permitindo que, além de
árvores, se estabeleçam outras plantas autóctones e pastagens que
cubram o solo.
• Proteger as zonas de escorrimentos com árvores, capoeiras e
vegetação espontânea.
• Estabelecer barreiras vivas em zonas de ladeiras dedicadas à
agricultura, forma de deter a erosão ou produzir barreiras naturais.

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• Arborizar divisas e bordas de estradas e deixar que cresça a
vegetação natural.
• Facilitar a criação de pastagens diversificadas.
• Criar de forma temporal alguns refúgios para animais benéficos.
• Diversificar a agricultura empregando plantas de diferentes famí-
lias, incorporando variedades locais e favorecendo o uso de diferentes
variedades do mesmo cultivo, tanto no tempo como no espaço.
• Usar cobertura vegetal nos cultivos permanentes, como as fru-
tíferas, e usar métodos de semeadura direta ou cultivo mínimo.
• Rotação dos cultivos empregando como mínimo quatro cultivos.
• Integrar a agricultura à pecuária.
• Emprego de raças autóctones.

Elementos, componentes e principais funções da biodiversidade:


biodiversidade:
Elemento Componentes Principais funções
Árvores Bosque natural Estabilidade ambiental e biótica, biodiversidade
Plantações florestais Estabilidade ambiental, proteção da fauna
Arvoredos de elevação Proteção do solo e fauna, economia de água
e ladeiras
Cortinas quebra-ventos Proteção do solo e fauna, corredores de
biodiversidade
Barreiras vivas Biodiversidade, estabilidade ambiental
Vegetação Flora melífera Alimento para insetos benéficos
Natural Capoeiras Refúgio e alimentos fauna natural
Outras Alimento insetos e outros nutrientes
Vida silvestre Microorganismos e Formadores de solo, fertilidade, reciclado
animais do solo nutrientes, regulação biológica
Animais silvestres Controladores biológicos
Agricultura Diversidade Resistência, adaptação, estabilidade
Rotação de cultivos Controle de pragas, fertilidade
Policultivos Controle de pragas, uso de recursos,
estabilidade
Coberta vegetal Proteção do solo, fertilidade, economia
de água
Regulação biótica
Pecuária Raças autóctones Adaptação, resistência, qualidade
Integração agricultura Uso de recursos, controle biológico,
fertilidade

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Numa iniciativa que a Via Campesina do Brasil vem desenvol-
vendo para a produção teórica e empírica de textos para debates sobre
o campesinato no Brasil, se tem ressaltado que são inúmeras as for-
mas sociais de apropriação da natureza e de inserção na sociedade
capitalista que as famílias produtoras rurais camponesas adotam
como estratégias de sobrevivência e de acumulação. “(...) Essa di-
versidade camponesa inclui desde os camponeses proprietários pri-
vados de terras aos posseiros de terras públicas e privadas; desde os
camponeses que usufruem dos recursos naturais como os povos das
florestas, os agroextrativistas, a recursagem,* os ribeirinhos, os pes-
cadores artesanais lavradores, os catadores de caranguejos e lavra-
dores, os castanheiros, as quebradeiras de coco babaçu, os açaizeiros,
os que usufruem dos fundos de pasto até os arrendatários não capi-
talistas, os parceiros, os foreiros e os que usufruem da terra por ces-
são; desde camponeses quilombolas a parcelas dos povos indígenas
já camponeizados. E os novos camponeses resultantes dos assenta-
mentos de reforma agrária.”**
Conforme Horacio Martins de Carvalho, o campesinato brasi-
leiro sempre andou nas bailas das conversas e controvérsias teóricas
e ideológicas nas sociedades capitalistas contemporâneas. Há nele
alguma coisa que incomoda, em especial àqueles que desejam a rea-

*
Recursagem, segundo Mazzetto, Carlos E. Silva (1999), in “Cerrados e cam-
poneses no Norte de Minas: um estudo sobre a sustentabilidade dos
ecossistemas e das populações sertanejas”. Belo Horizonte, IGC/UFMG. 250
páginas (dissertação de mestrado), é a atividade de extrair recursos naturais da
natureza pelos lavradores locais. Ela significa mais do que uma coleta aleató-
ria. Representa uma extração ordenada, pressupõe um recurso ofertado pela
natureza, mas adquirido pela intervenção humana. É um potencial da nature-
za recursado pelo conhecimento sistematizado e conjunto de técnicas da fa-
mília, que está embasado numa classificação e discriminação do meio, passa-
da de geração a geração.
**
Via Campesina do Brasil (2004). “Estratégias para o desenvolvimento do
campesinato no Brasil” (textos para debate). Brasília, mimeo, 37 páginas.

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lização de lucros num processo de exploração da força de trabalho
assalariada. Também, as idéias quase “fixas” de família e comunida-
de parecem perturbar muitos dos que supõem que o mercado capi-
talista é suficiente para dar conta de todas as dimensões da vida
econômica, da social e da cultural. Não declaram, mas se incomo-
dam porque necessariamente os camponeses, entre tantos outros,
não tendem ao consumismo e desejam, sem muito alarde, vivenciar
sua história de um jeito diferente daquele apregoado pelos meios de
comunicação de massa. Por isso, quiçá, eles perturbem a mesmice
do cotidiano capitalista só por existirem e clamarem, por vezes, que
aí estão e desejam ser reconhecidos como tal.
Pois esse campesinato brasileiro é o único que pode e deve se or-
ganizar cada vez mais para resistir. Resistindo, num diálogo perma-
nente com a sociedade urbana, para que esta entenda a sua impor-
tância para a preservação necessária à vida, da biodiversidade ou da
etnobiodiversidade, para a construção de uma civilização soberana
alimentarmente, para ser soberana econômica e politicamente.

Tema apresentado por ocasião da Conferência Terra e Água – 22 a 25


de novembro de 2004 –Brasília/DF, tradução e adaptação do original
em espanhol do prof. Roberto García Trujillo do Instituto de
Sociología y Estudios Campesinos – Universidad de Córdoba, por
ocasião do VII Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável – abril-junho/ Espanha.

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Quadro comparativ
uadro o entr
comparativo entree dois modelos de agricultura:
Os dois modelos de produção:
produção: Agricultura imperialista dos transgênicos Agricultura popular
popular,, agroecológica
agroecológica
ou de produção orgânica
produção
Quem se beneficia nesse modelo? As multinacionais e latifundiários - um modelo Os pequenos e médios agricultores – um
excludente e insustentável, no longo prazo. modelo de agricultura ecológica, com sementes
crioulas, independente e sustentável, em longo prazo.

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Quem controla as sementes?
controla São patenteadas – os donos são as multinacionais São dos agricultores que produzem há dezenas
como a Monsanto, que vão cobrar altos preços e centenas de anos, melhorando e conservando-as.
pela tecnologia gerada por eles – monopólio.
Como contr olar os inços,
controlar Usando pouco veneno no início mas depois Equilibrando, nutrindo o solo, e o meio ambiente,
IMPERIALISTA

pragas e doenças? surge novos inços, novas pragas e novas doenças, com rotação de cultura, diversidade de plantas,

73
mais resistentes que exigirão maior quantidade uso de caldas, controle biológico e preservando
e novos venenos. os inimigos naturais.
Qual o tipo de cultivo pr
cultivo edominante?
predominante? Monocultura – no verão, só soja, ou só milho; Policultura – produção diversificada no inverno e
no inverno, só trigo. no verão, consórcio de plantas, cultivo de árvores,
e produção de animais.
Qual a forma e tipo de adubação usado? Aduba-se as plantas e não o solo – altas doses de Aduba-se o solo e não a planta – adubos orgânicos,
fertilizantes químicos – NPK + adubação foliar plantas de adubação verde de inverno e de verão,

73
biofertilizantes, caldas etc.
Quem controla esse modelo?
controla Multinacionais da biotecnologia e da agroquímica. Os pequenos e médios agricultores com suas
Antes da produção, Monsanto, Syngenta, cooperativas e associações, grupos de base, e
Dow, Dupont; e, depois da produção, movimentos sociais, organizados para produzir,
Bung, Cargil, Adm. etc. industrializar e comercializar.
E a produtividade é maior?
produtividade Sua justificativa é “alta eficiência e produtividade”. As pequenas propriedades que adotam a diversidade
No entanto, se compararmos quantidade obtida biológica têm um rendimento muito maior em
e emprego total; tem escassos níveis de termos de utilização eficiente de recursos e de maior
produtividade. produção por hectare.
Qual é o custo de pr odução
produção Custos elevados, pois depende de uma grande Baixo custo de produção, pois não depende de
desse modelo? quantidade de insumos externos importados. insumos externos, pode se produzir tudo.
O que ocorr
ocorree nesse modelo com Já ocorreu contaminação, mistura das sementes Um meio ambiente equilibrado diminui a incidência
o meio ambiente? transgênicas nas variedades crioulas de milho no de pragas e doenças. Com o tempo, os inços deixam
México; Contaminação das lavouras vizinhas. de competir com as plantas. Reaparece e cresce a

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Já existem mais de 2 mil processos da Monsanto população de inimigos naturais das pragas e doenças,
contra agricultores nos EUA, que usaram eliminando a necessidade de aplicar venenos.
sementes transgênicas, muitas vezes sem saber.
O aparecimento de novas pragas, doenças e
8. AGRICULTURA CAMPONESA X AGRICULTURA

novos inços.
Quais os conceitos rrelacionados
elacionados com os transgênicos? E como está a no
novva
fase da agricultura moderna?
• Rastr eabilidade – É uma maneira de acompanhar a produção desde a lavoura até o su-
Rastreabilidade
permercado, incluindo o possível uso do produto como ração para animais. Então pode-
se saber se qualquer alimento teve ingrediente transgênico em alguma fase de sua produ-
ção ou industrialização.
• Cer tificação – São normas de produção, tipificação, processamento, embalagem, dis-
Certificação
tribuição e identificação da qualidade de produtos orgânicos de origem animal e vege-
tal, conforme normas nacionais (Instrução Normativa n o 7, de 17/5/99), e normas
internacionais.
•R otulagem – Refere-se à obrigatoriedade do aviso nos rótulos da presença de transgênicos
Rotulagem
nos alimentos, como forma de exigir o cumprimento do Código de Defesa do Consumi-
dor, Lei no 8.078, de 11/9/90. Com o Decreto no 4680/03, de 28/4/03, a rotulagem ago-
ra é obrigatória no Brasil para qualquer alimento que contenha qualquer ingrediente
transgênico em mais de 1%.
• Taxa tecnológica – É uma taxa cobrada pelas empresas, no caso a Monsanto, pela
tecnologia que ela desenvolveu na produção dos transgênicos. É também chamada royalties
e será cobrada obrigatoriamente de todos os que usarem sementes transgênicas, mesmo
que guarde as sementes em casa. Isso é permitido pela Lei de patentes.
• Lei de patentes – Lei no 9.279/96, que regula a propriedade industrial no Brasil, sendo
regulamentada em 1997, quando entrou em vigor no dia 15 de maio. Garante o direito à
propriedade intelectual, expressa a força de quem detém tecnologia: o monopólio de uso
de uma patente de invenção por um período de 20 anos.
• Lei de pr oteção de cultiv
proteção ar
cultivar es – No 9.456/97, foi promulgada em 25 de abril de 1997
ares
e regulamentada pelo Decreto no 2.366/97. Os produtos que agora compõem a dieta
alimentar da população mundial foram em algum momento anterior ao início da agri-
cultura, há cerca de 12 mil anos, plantas silvestres. Com o início da agricultura, as plantas
que hoje são cultivadas passaram por alterações genéticas e fenotípicas na própria natu-
reza. Durante todo o tempo de desenvolvimento da agricultura, as sementes sempre fo-
ram um recurso de livre acesso para os agricultores, que produziam suas sementes e tro-
cavam entre si. Essa lei foi criada para garantir o direito de propriedade dos cultivares
por parte dos melhoristas ou empresas, com a perda por parte dos produtores do livre
acesso a esses recursos.
•M edida P
Medida Prrovisória 113 – Lei que autorizou a comercialização da safra de soja 2002/
2003, clandestina e contaminada com transgênico do RS, e manteve a proibição do plan-
tio da safra de soja 2003/2004.
• E ngenharia genética - Técnicas que permitem isolar, cortar e colar partes do código
Engenharia
genético de diferentes espécies e introduzi-las no genoma de outro organismo. É através
da engenharia genética que se produz o transgênico.
• B iossegurança – Significa o uso sadio e sustentável dos produtos tecnológicos em ter-
Biossegurança
mos dos seus impactos à saúde humana, à biodiversidade e ao meio ambiente. Antes de
colocar um alimento transgênico na mesa do povo, deve-se analisar sua segurança para a
vida – sua biossegurança.

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•B iodiv
Biodiv ersidade – Compreende todas as formas de vida, ecossistemas e processos ecoló-
iodiversidade
gicos associados. Corre sérios riscos com os transgênicos. Principalmente a poluição ge-
nética – o cruzamento dos transgênicos com outras plantas nativas ou não.
•P rincípio da pr
Princípio ecaução – Esse princípio diz que é preciso cautela, cuidado com tecnologias
precaução
novas antes de liberá-las para consumo humano ou no meio ambiente. Quando há incer-
teza científica devem ser tomadas medidas para evitar ou minimizar os possíveis danos.

Transgênicos: saúde humana e animal


Quais os problemas já comprovados dos transgênicos em rela-
ção à saúde das pessoas e dos animais no mundo? Enquanto não
houver consenso da comunidade científica, os seres humanos não
podem se tornar cobaias.
Morte – Em 1980, a indústria japonesa Showa Denko K. K. usou
bactéria transgênica para produzir triptofano, um aminoácido usa-
do com suplemento alimentar. Uma toxina mortal foi produzida
devido à alteração no metabolismo interno do microorganismo,
criando uma toxina mortal para 35 pessoas nos EUA e mais 1,5 mil
pessoas ficaram aleijadas.
Alergias – Em 1998, outro grave acidente ocorreu quando a em-
presa Aventis introduziu um milho modificado, o milho StarLink Bt,
que foi comercializado mesmo com restrições. Devido à polinização
cruzada e mistura nos armazéns, contaminou em torno de 40% da
produção de milho estadunidense. Esse milho causou graves reações
alérgicas em seres humanos. O milho comum misturado com o
transgênico perdeu o seu valor de mercado, levando os produtores a
ter grandes prejuízos e os consumidores a ter reações alérgicas graves.
Outro exemplo, o feijão transgênico da Embrapa – contém um
gene da castanha-do-pará que ao ser testado nos EUA causou rea-
ções alérgicas. O laboratório de York, no Reino Unido, constatou
que as alergias à soja aumentaram 50% naquele país, depois da
comercialização da soja transgênica.
Resistência – Os alimentos oriundos de cultivos transgênicos
podem prejudicar seriamente o tratamento de algumas doenças de

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homens e animais. Isso ocorre porque muitos cultivos possuem genes
de resistência antibiótica. Se um gene resistente atingir uma bacté-
ria nociva, pode conferir-lhe imunidade ao antibiótico, aumentan-
do a lista, já alarmante, de problemas médicos envolvendo doenças
ligadas a bactérias imunes.
Retardo no crescimento – Pesquisas realizadas em 1998 pelo mé-
dico escocês Arpad Pusztai demonstram que batatas transgênicas de
genes que produzem lectins (proteína que danifica as células do siste-
ma imunológico) podem modificar o metabolismo humano. Pusztai
durante 100 dias alimentou ratos com batatas transgênicas e o resulta-
do foi: retardo do crescimento e menor resistência às infecções, quan-
do comparados com ratos alimentados com batatas naturais.
Intoxicação – Também se aponta, como fator de risco à saúde,
o fato de que a tolerância induzida às plantas, relativamente a
herbicidas (e, futuramente, a outros agroquímicos), ocasionará um
incremento de resíduos desses produtos nos alimentos, elevando sua
ingestão pelo ser humano e pelos animais. A propósito, o Ministé-
rio da Saúde, a pedido da Monsanto, em 1998, na véspera da libe-
ração da soja RR, elevou o limite máximo de resíduos de glifosate
aceito para soja, de 0,2 ppm, para 2 ppm.
Na Inglaterra, um sério problema de saúde pública: câncer de
cólon e de estômago causado pelo vírus mosaico da couve-flor, uti-
lizado em alimentos transgênicos. Os médicos da Associação Mé-
dica da União Britânica sugerem que os transgênicos sejam retira-
dos do mercado por não se conhecerem seus efeitos na saúde.

Existem outros problemas que o mundo vem enfrentan-


do com os transgêncios?
No Canadá, um agricultor canadense, sr. Percy Schmeiser, pro-
duz há 50 anos sua própria semente de colza. Em 1988, um teste
detectou colza transgênica em sua lavoura e ele foi processado e
multado pela empresa criadora da semente por uso indevido. Ele

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nunca havia plantado transgênico. Mais tarde soube que seus vizi-
nhos haviam plantado colza transgênica, que através do pólen leva-
do pelo vento acabou contaminando sua lavoura. Mas a empresa
(Monsanto) não quis saber disso e manteve o processo.
Nos Estados Unidos, um agricultor, criador de suínos, sr. Jerry
Rosman, teve grandes prejuízos em sua produção de leitões por ter
alimentado as porcas com milho transgênico Bt. As porcas diminuí-
ram em 80% o índice de prenhez. Testes de laboratório revelaram que
o milho continha alto nível de bolor Fusarium. Ele voltou a tratar as
porcas com milho não transgênico e os partos voltaram ao normal.
Também nos Estados Unidos, um agricultor, grande produtor
de grãos de Dakota do Norte, sr. Rodney Nelson, foi um dos pri-
meiros a adotar a soja transgênica RR. Além de insatisfeito com os
resultados, após suspender o cultivo de variedades RR o agricultor
se viu acusado e processado pela Monsanto por quebra de patente,
devido à incapacidade de descontaminar sua lavoura. Além de soja,
ele cultiva em seus 3.645 hectares de terra nos EUA girassol, trigo e
beterraba. Com a propaganda da Monsanto sobre os benefícios dos
transgênicos, ele diz em um depoimento no Brasil que “... Meu
primeiro ano cultivando a soja transgênica foi 1998. A produção
foi baixa, comparada com meu cultivo convencional. Fiquei decep-
cionado. Eu pensei que eu poderia ter escolhido uma variedade ruim,
então no ano seguinte, 1999, experimentei umas cinco variedades
diferentes em 567 ha. Mais uma vez ficamos decepcionados com a
produção e não planejávamos cultivar a soja RR outra vez, a menos
que a produtividade aumentasse. A maioria dos vizinhos com os
quais conversei tiveram experiências similares...”.
“... Minha família e eu fomos informados por um ex-agente do
FBI, agora trabalhando para a Monsanto, que alguém havia denun-
ciado a eles que nossa família havia guardado soja RR da nossa sa-
fra de 1998 e replantado em 1999. A Monsanto mantém uma li-
nha 0800 (disque-denúncia), de forma que qualquer um pode fazer

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uma ligação anônima e acusar agricultores de infração de patente
(por guardar sementes próprias). A Monsanto abriu um processo
contra nós acusando-nos de haver infringido sua patente.
No México, em função do plantio de milho transgênico Bt,
houve contaminação de variedades crioulas e nativas, acabando
com um trabalho de 12 mil anos de melhoramento natural de
sementes de milho feito pelos índios mexicanos e camponeses,
agricultores daquele país.

Agronegócio burguês X agricultura camponesa


• O agronegócio responde por um terço do PIB, 42% das ex-
portações e 37% dos empregos.
• Com clima privilegiado, solo fértil, disponibilidade de água,
rica biodiversidade e mão-de-obra qualificada, o país é capaz de
colher até duas safras anuais de grãos.
• Nenhuma nação teve crescimento tão expressivo na
agropecuária quanto o Brasil nos últimos anos. Em 2003, gerou
superavit comercial de US$ 25,8 bilhões.
Essa é, no entanto, apenas a metade da história. Há uma série
de questões pouco debatidas:
• Como se distribui a riqueza gerada no campo?
• Que impactos o agronegócio causa na sociedade, na forma de
desemprego, concentração de renda e poder, contaminação da água
e do solo (já que promove o uso intensivo de agrotóxicos) e destrui-
ção de biomas?
• Quanto tempo essa bonança vai durar, tendo em vista a
exaustão dos recursos naturais?

a. Insustentabilidade socioambiental
• Quais serão as conseqüências da erosão genética?
• E os impactos pela expansão da soja?
• Até quando vai se usar agrotóxicos e herbicidas em larga escala?

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• E a ameaça tóxica invisível?
• O impacto da cultura do tabaco?
• Impactos socioambientais nos cerrados?
• A modernização parcial dos latifúndios?
• Essas e outras questões precisam ser debatidas.
• O agronegócio brasileiro mistura a modernidade técnica com
o atraso das relações sociais.
• Seu agronegócio, com máquinas agrícolas munidas de com-
putador de bordo, é de “Primeiro Mundo”.
• O resto do país continua afundado no “Terceiro Mundo”, com
3,6 milhões de famílias (dados oficiais) rurais em situação de extre-
ma pobreza, vivendo com menos de US$ 1 per capita ao dia.

b. A “modernização” X geração de trabalho e renda


A agricultura de grande escala gera pouco emprego e causa um êxodo
rural que os centros urbanos não são capazes de absorver com dignidade.
Na década de 1990, houve uma diminuição de 21,5% na de-
manda de força de trabalho agrícola em 30 culturas, sendo 21% na
de grãos.
Quem ganha e quem perde?
O agronegócio não é solução, é parte do problema, pois resolve a
vulnerabilidade externa do país, aumentando a interna. É a associação
do grande capital internacional com a grande propriedade, o latifún-
dio: ganham os dois lados e perde a sociedade e o povo brasileiro.

Mitos e verdades: do texto de Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2004).


“Barbárie e Modernidade”
• Há controvérsias com relação a quem de fato tem a participa-
ção mais expressiva na produção agropecuária do país.
• Há autores (e a mídia em geral os repete) que afirmam não
haver sentido no interior da lógica capitalista, por exemplo, em dis-
tribuir terra através de uma política de Reforma Agrária.

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• O capitalismo no campo já teria realizado todos os processos
técnicos e passado a comandar a produção em larga escala.
• As posições expressivas na pauta de exportações.

Alguns dos muitos mitos


“A Reforma Agrária massiva poderia desestabilizar esse setor
competitivo do campo e deixar o país vulnerável em sua ‘política
vitoriosa de exportações’ de commodities do agronegócio”.
Não há mais “latifúndio no Brasil” e sim, o que há agora, são mo-
dernas empresas rurais. Não haveria, assim, mais terra improdutiva.
São alguns mitos produzido no Brasil, para continuar garantin-
do 132 milhões de hectares de terras concentradas em mãos de pouco
mais de 32 mil latifundiários.

A estrutura fundiária concentrada


850,2 milhões de hectares. Dessa área total, há unidades de
conservação ambiental (102,1 milhões de ha).
Terras indígenas: 128,5 milhões de ha.
Área total dos imóveis cadastrados no INCRA: aproximadamen-
te 420,4 milhões de ha.
Portanto, a soma total dessas áreas dá um total de 651 milhões
de ha, o que quer dizer que há ainda no Brasil aproximadamente
199,2 milhões de ha de terras devolutas. Todas com cerca e alguém
se diz “dono”.

Concentração de terra
No Brasil estão os maiores latifúndios que a história da huma-
nidade já registrou. A soma das 27 maiores propriedades existentes
no país atinge uma superfície igual àquela ocupada pelo Estado de
São Paulo, e a soma das 300 maiores atinge uma área igual à de São
Paulo e do Paraná.

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Enquanto mais de 2,4 milhões de imóveis (57,6%) ocupavam
6% da área (26,7 milhões de hectares), menos de 70 mil imóveis,
maiores de 2 mil ha (1,7%), ocupavam uma área igual a mais de
183 milhões de hectares (43,8%).

Os latifúndios improdutivos
Segundo o cadastro do Incra, de agosto de 2003, apenas 30%
das áreas das grandes propriedades foram classificadas como produ-
tivas, enquanto que 70% foram classificadas como não produtivas.
Portanto, o próprio cadastro do Incra, que é declarado pelos pró-
prios proprietários, indicava a presença da maioria das terras das
grandes propriedades sem uso produtivo.
Mais de 120 milhões de ha improdutivos.
As pequenas unidades são as que mais empregos geram no campo.
A tecnologia também chegou às pequenas unidades.
Outro mito que os defensores do agronegócio apresentam para
justificar o baixo número de empregos na grande propriedade é a sua
integral mecanização. Assim, a grande propriedade seria a grande
consumidora de tratores e outras máquinas e implementos agrícolas.
O Censo Agropecuário indicava que, no total, 63,5% dos tra-
tores estavam nas pequenas unidades de produção e apenas 8,2%
nas grandes unidades. Até entre aqueles de alta potência (mais de
100 CV), as pequenas unidades possuíam mais tratores.

c. Os financiamentos obtidos por poucos e a distribuição profun-


damente desigual
Os números dos créditos obtidos na agricultura são outro
indicativo da profunda desigualdade existente no setor.
Os poucos créditos obtidos foram maciçamente para o
agronegócio das grandes unidades. Aquelas unidades com mais de
10 mil hectares obtiveram parcelas médias de mais de um milhão
de reais para cada uma. As unidades menores entre as pequenas que

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receberam financiamentos tiveram que dividir entre si apenas entre
R$ 2.900 e R$ 20.000.
O crédito também vai engrossar as rendas do agronegócio.
Quanto ao financiamento geral da safra agrícola 2003/2004, o
governo alocou R$ 32,5 bilhões. Deste total, foi reservado R$ 5,4
bilhões para o Pronaf.
2004/2005 – 39,5 bilhões para os grandes e 7 bilhões para os
pequenos.
Dez grandes grupos econômicos multinacionais obtiveram fi-
nanciamento do Banco do Brasil no ano de 2003 num total 4,3
bilhões de reais; nesse mesmo período, aproximadamente 1,3 mi-
lhão de camponeses alcançarão efetivamente cerca de 4,5 bilhões de
reais para a safra 2003/2004.

d. As pequenas unidades produzem mais em volume da produção


Há o mito de que quem produz no campo são as grandes pro-
priedades
Com relação à utilização da terra, as lavouras ocupavam 50,1
milhões de hectares e nelas as pequenas unidades ficavam com 53%,
as médias com 34,5% e as grandes com 12,5%.
As pastagens, por sua vez, ocupavam 177,7 milhões de hectares, ou
49,8% da área total dos estabelecimentos e nelas as pequenas unidades
ficavam com 34,9%, as médias com 40,5% e as grandes com 24,6%.

e. Quanto cada setor produz?


Na pecuária:
Apenas o rebanho de búfalos era maior nas grandes unidades.
Mesmo quanto ao rebanho bovino, as pequenas unidades ti-
nham um percentual quase o dobro daquele dos latifúndios.
É preciso repetir que embora a área ocupada seja maior nos lati-
fúndios, a terra não é usada para produzir. Ela fica com a função de
patrimônio, ou seja, a terra é retida apenas como reserva de valor.

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Leite, lã e ovos:
Quanto à produção de leite, a posição das pequenas unidades
foi majoritária, 71,5%, sendo que os latifúndios produziram ape-
nas 1,9% (as médias ficaram com 26,6%).
No que se refere à produção de lã, as pequenas participaram com
27,7% enquanto que os latifúndios produziram apenas 17,7% (as
médias produziram 54,6%).
Já em relação à produção de ovos, 79,3% vieram das pequenas
unidades, ficando as médias com 18,5% e as grandes com apenas 2,2%.

A participação de cada uma nas lavouras temporárias


As pequenas unidades de produção também geram mais renda
no campo.
Outro mito: os analistas costumam atribuir à grande exploração
o papel de destaque. A análise dos dados mostram exatamente o opos-
to, pois quem detém a maior participação na geração de renda no
campo brasileiro também são as pequenas unidades de produção com
menos de 200 hectares, que ficam com 56,8% do total geral.
Quanto às receitas totais geradas pelos estabelecimentos
agropecuários, cabe destacar que as pequenas unidades também fi-
caram com o maior percentual, ou seja, 53,5% do total.
Há a necessária distribuição da renda e da riqueza no meio ru-
ral brasileiro.
Assim, parece que sempre teimosamente, quando a história se
repete, ela o faz como farsa.
Esse conjunto de resultados apresentados referentes aos dados
da agricultura brasileira é mais um indicativo de que a necessária e
fundamental melhor distribuição da renda na agricultura passa ne-
cessariamente pela redistribuição da terra.
Maior acesso à terra significa possibilidade de obtenção de me-
lhor fatia da renda geral.

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f. A necessidade de uma reforma agrária
Se a esses 106 milhões de hectares de terras supostamente dis-
poníveis acrescentarmos os 100 milhões de terras subaproveitadas
dos latifúndios do país, teríamos aproximadamente 200 milhões de
hectares para a reforma agrária e, portanto, para o crescimento do
campesinato no país.
Mas essas terras e outras, como as das florestas da Amazônia, dos
cerrados e da Mata Atlântica, já têm destinação: a exploração
agropecuária e madeireira pelos grandes grupos econômicos nacio-
nais e multinacionais.

g. A concentração consentida pelos governos


Aliado a esse estoque de terras para o grande capital, expande-
se na atualidade a compra e arrendamento de terras de camponeses
por grandes grupos econômicos como, por exemplo, a Votorantim
Papel e Celulose e a Aracruz Celulose, como está ocorrendo no
Estado do Rio Grande do Sul (município de Piratini e entornos),
onde esses grupos econômicos estão se apropriando de 400 mil
hectares de terras de camponeses para o plantio de eucalipto. O
mesmo está ocorrendo em outros Estados, como SC, ES, MG e BA.

h. Expansão massiva do neoliberalismo no campo


Esse comportamento das classes dominantes no país e dos go-
vernos que lhes são orgânicos é condizente com as premissas da
expansão do neoliberalismo (cf. Carvalho, 2004), que tem como
fundamento a livre expansão da iniciativa privada nacional e inter-
nacional no campo. Expansão essa induzida e legitimada pelo FMI,
Banco Mundial e a FAO.

i. O avanço do capital no campo


Temos aqui, em especial, o capital dos grandes grupos econô-
micos mundiais da indústria da química fina e da biotecnologia nas

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suas frações relacionadas com o agronegócio burguês e com o capi-
tal financeiro internacional.
O que atrai com maior ênfase esses capitais para o Brasil é a fa-
cilidade de realizarem simultaneamente vários movimentos econô-
micos:
• acumulação primitiva ao se apropriarem dos recursos naturais
como florestas, minérios e biodiversidade.
• o mercantilismo ao usufruírem a impunidade no comércio
ilegal de madeira, e a acumulação capitalista monopolista ao con-
trolarem o comércio internacional da soja e outras commodities. No
recente episódio de rejeição da soja brasileira pela República Popu-
lar da China, constatou-se mais uma vez que somente 7 empresas
tradings controlavam o comércio exportador brasileiro de grãos com
esse país.

j. A necessidade do debate nacional


A inexistência de uma proposta de desenvolvimento rural a partir
dos interesses do campesinato brasileiro para o desenvolvimento
rural do Brasil que negue o atual modelo dominante e afirme um
processo de democratização da renda e da riqueza rurais e a sociali-
zação das relações sociais de produção obscurece as possibilidades
de se definir estratégias de transformação estrutural no campo, as-
sim como de se estabelecer os rumos estratégicos para a luta social.
O modelo econômico e tecnológico dominante (ETD) carac-
teriza-se pela
• Tendência à concentração da terra, dos recursos naturais e da
renda rural.
• Tendência crescente de homogeneização genética e mono-
culturas, oligopolização e, em casos, a monopolização da oferta de
sementes.
• Utilização massiva de agroquímicos de origem industrial e de
motomecanização pesada, ampliação de novas áreas de terras e con-

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seqüente derrubada da cobertura florestal, apropriação de terras
devolutas seja nas regiões dos cerrados seja na Amazônia.
• Dependência de insumos importados e sob o controle de
empresas multinacionais oligopolistas:
• pela oferta de produtos agrícolas para exportação,
• pela agroindustrialização controlada pelo capital estrangeiro,
• pela contaminação ambiental e degradação dos solos e da água,
• pela dependência de incentivos diretos e indiretos governa-
mentais.

A democratização do desenvolvimento rural


Economia camponesa: alternativa vigorosa de desenvolvimen-
to rural sustentável em longo prazo
A ideologia dominante durante toda a história do Brasil é de que
a grande propriedade da terra é a forma mais eficiente para respon-
der aos desafios de um modelo de desenvolvimento rural que satis-
faça às expectativas dos interesses econômicos nacionais e estrangei-
ros dominantes.
Todavia, acabamos de ver uma breve síntese do balanço de per-
das e ganhos – mais impactos negativos que contribuições.

a. A desqualificação planejada
Desde sempre a economia camponesa no Brasil tem sido
desprestigiada politicamente e desqualificada ideologicamente, a não
ser nos discursos populistas, nas práticas de políticas públicas com-
pensatórias, ou nas ladainhas filantrópicas que vêem no camponês
os resquícios de tempos românticos ou bucólicos de convívio com
uma natureza sublimada.
É necessária a transição democrática socialmente inclusiva e
ecologicamente sustentável para que haja um processo de transi-
ção da situação atual de dependência e de subalternidade do
campesinato aos valores econômicos e sociais dominantes para uma

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nova situação desejável de democratização da renda e da riqueza no
campo. Para isso se requererá não apenas uma nova compreensão
teórica do campesinato que permita melhor situá-lo no âmbito de
uma sociedade capitalista, mas mudanças estruturais profundas,
como a democratização, a posse e o uso da terra, e a intervenção do
Estado.
No entanto deverão ocorrer mudanças imediatas. São possíveis:
• Nos modelos de produção e tecnológicos que facilitem, ao
mesmo tempo, um novo modo de apropriação da natureza.
• Um outro perfil do hábito de consumo familiar de bens e ser-
viços e inclusive aqueles diretamente relacionados com o processo,
sistemas e rotinas de trabalho.

A agroecologia política tem propostas:


A abordagem agroecológica propõe mudanças profundas nos
sistemas e nas formas de produção. Na base dessa mudança está a
filosofia de se produzir de acordo com as leis e as dinâmicas que
regem os ecossistemas – uma produção com e não contra a nature-
za. Propõe, portanto, novas formas de apropriação dos recursos
naturais que devem se materializar em estratégias e tecnologias con-
dizentes com a filosofia-base. Entretanto, três fatores fundamentais
devem ser contemplados nessa problemática.
Três premissas básicas:
• A eqüidade enquanto um fator fundamental para a sustentabi-
lidade dos agroecossistemas;
• A diversidade e a compatibilidade cultural como base da cons-
trução de agroecossistemas biodiversificados e de uma pedagogia de
troca de saberes.
• A relação entre território disponível e capacidade de suporte
dos ecossistemas e a organização espacial/territorial necessária ao
desenvolvimento de sistemas agroecológicos de produções.

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b. A resistência e a superação
A ruptura da dependência do campesinato das políticas públi-
cas compensatórias, por um lado, e dos grandes grupos econômi-
cos transnacionais, por outro lado, exigirá mudanças em profundi-
dade da matriz dominante de produção imposta como o único
caminho da modernização rural desde o início da década de 1970;
exigirá a construção de uma nova matriz de produção.
Essa nova matriz de produção deverá atender a alguns critérios,
tais como:
• Substituição, no nível da unidade de produção camponesa, da
importação de insumos para a produção.
• Diversificação das atividades de cultivos, criações e extrativistas
(estas quando pertinentes);
• Redefinição das relações de convivência com o ambiente;
• Geração de produtos do trabalho e de processos de trabalho sau-
dáveis, sejam em relação à natureza, seja em relação ao consumidor.

c. E uma nova relação da produção e com a produção


• Beneficiamento de produtos e subprodutos agropecuários e
extrativistas.
• Produção artesanal qualificada para o autoconsumo e para o
mercado – construir mercados alternativos.
• Diversificação de fontes de rendimentos através de multia-
tividades.
• A substituição gradativa e parcial da importação de insumos
para a produção exigirá, como exemplos, a produção interna de
insumos como sementes nativas e crioulas, fertilizantes orgânicos,
adubação verde, práticas de manejo de pragas e doenças.
Isso pressupõe:
A mudança proposta significa a conversão (transição) gradativa,
por parte dos camponeses, da denominada agricultura industriali-
zada apregoada pelo neoliberalismo e pela globalização econômica.

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Segundo Glória Guzman Casado, isso deverá atender aos seguintes
objetivos: produzir alimentos de alta qualidade nutricional em quan-
tidades suficientes; e trabalhar com os sistemas naturais mais do que
pretender dominá-los.
Isso pressupõe (II):
• Fomentar e potencializar os ciclos biológicos dentro da uni-
dade de produção, implicando os microorganismos, flora e fauna
edáficas, plantas e animais.
• Manter e incrementar, no longo prazo, a fertilidade dos solos.
• Usar, até onde seja possível, os recursos renováveis em siste-
mas agrícolas localmente organizados.
• Trabalhar, no possível, um sistema fechado, com especial aten-
ção à matéria orgânica e aos elementos nutritivos.
Isso pressupõe (III):
• Dar as condições de vida aos animais de criação que lhes permi-
tam desenvolver todos aqueles aspectos de seu comportamento nato.
• Evitar todas as formas de poluição que possam resultar das
técnicas agrícolas.
• Manter a diversidade genética do sistema agrícola e seus arre-
dores, incluindo a proteção de plantas e do habitat silvestre.
• Permitir aos produtores retornos econômicos adequados e sa-
tisfação pelo trabalho, incluindo um ambiente de trabalho seguro.
• Considerar o amplo impacto que gera, nos níveis social e eco-
lógico, um determinado sistema de exploração agrícola.

Substituição da importação de insumos:


• Importante redução nos gastos com a compra de insumos que,
aliadao à redução de gastos com a produção de alimentos para o
autoconsumo, permitirá a superação do endividamento crônico.
• Dispensar ou não mais depender do crédito rural de custeio (e
em médio prazo do de investimento).
• Redução ou eliminação da dependência de insumos.

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• A produção interna (autonomia) de sementes e mudas.
• Produção de alimentos ecologicamente saudáveis.
• Nova relação com os mercados.
• Nova relação com o meio ambiente em decorrência de uma
matriz de produção ecologicamente sustentável.

d. Agroecologia e campesinato
Eduardo Sevilla Guzmán “se atreveria” a definir o campesinato
como uma forma de manejar os recursos naturais que permite a
reprodução do homem e a natureza (que são um todo), conservan-
do a biodiversidade ecológica e sociocultural.
A agroecologia é uma forma de entender e atuar para campenisar a
agricultura, a pecuária, o florestamento e o agroextrativismo, a partir
de uma consciência intergeneracional (não exploração de crianças e
velhos), de classe (não exploração do capital ao trabalho), de espécie (não
exploração dos recursos naturais), de gênero (não exploração do homem
à mulher), de identidade (não exploração entre etnicidades).
Isso tudo pode parece uma utopia.
Utopia é algo que nós damos um passo para próximo dela, ela
dá um passo se afastando de nós... Se damos dois passos para próxi-
mo dela ela dá dois passos se afastando de nós..., no entanto isso faz
com que nós caminhemos.

Roteiro para apresentação de palestra no seminário


“Qualidade do Solo e da Água na Agricultura Familiar”,
na Universidade Federal de Santa Maria,
em novembro de 2004.

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9. BASES TEÓRICAS E EPISTEMOLÓGICAS DA
AGROECOLOGIA A PARTIR DA SOCIOLOGIA
RURAL

Enfoque agronômico convencional (I)


Os enfoques convencionais da atividade agrícola se baseiam na
segmentação e no parcelamento do conhecimento científico.
A Agronomia, como disciplina científica, tem os mesmos defei-
tos que a ciência convencional:
Axiomática – que não se submete à discussão. Dentro dela, a
própria motivação da atividade agrária.
Produtivismo – produzir o máximo sem levar em conta os custos.

Enfoque agronômico convencional (II)


A idéia de progresso ilimitado, o antropocentrismo, a identifica-
ção do desenvolvimento com o crescimento econômico, a identifica-
ção da qualidade de vida com a renda disponível e consumo etc..
Epistemologia superada pelo próprio desenvolvimento da ciên-
cia: o objetivo do conhecimento científico é a formulação de leis, a
pretensão da verdade, a natureza objetiva dos fenômenos, o princí-
pio de causalidade, a lógica mecanicista, a demonstração e replicação
dos experimentos (linguagem matemática).

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As bases epistemológicas da agronomia convencional (I)
Atomismo: o sistema agrário se compreende como uma soma
de partes, sem que exista relação entre elas. Na realidade não se
considera a noção de sistema. A atividade agrícola se faz depender
de um ou vários fatores (causa-efeito).
Mecanicismo: os sistemas agrários se comportam de maneira
predizível (a ciência é predicativa, formula as leis).
Universalismo: há um conjunto de princípios universais que
podem ser aplicados em qualquer espaço e tempo, independente-
mente das condições agroecológicas regionais e da heterogeneidade
de unidades produtivas.

As bases epistemológicas da agronomia convencional (II)


Objetividade: supõe que a realidade agrária pode ser conhecida
e modificada independentemente de nossos valores e de nossas in-
tenções.
Monismo: há uma única maneira de entender os sistemas natu-
rais e sociais e, se existe outra, alguma delas está equivocada (igno-
rância do conhecimento não “científico”).

A Agroecologia e o paradigma ecológico (I)


Surge dentro desse paradigma emergente que por natureza é
antitotalitário e pluralista.
É evolucionista, com uma concepção do tempo baseada na se-
gunda lei da termodinâmica e a irreversibilidade dos processos.
Evolução e mudança. Portanto, o conhecimento da realidade não
pode ser acumulativo nem completo, se não provisional e aproxi-
mado. Questiona a superioridade da ciência e do conhecimento
científico.
O conhecimento científico produz por aproximação à realida-
de, admitindo a incerteza, o erro, o paradoxo. Questiona o lugar
subalterno de outros saberes (camponês, por exemplo)

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A Agroecologia e o paradigma ecológico (II)
Frente ao parcelamento do conhecimento e da realidade: o todo
é mais que a soma das partes, o importante não são os componen-
tes (a substância) se não as relações entre elas.
A complexidade do real.
O princípio de precaução (crítica à lógica científico-técnica).
Biocentrismo frente a antropocentrismo.

Que é a Agr oecologia?


Agroecologia?
Não é uma disciplina e sim um enfoque transdisciplinar que enfoca
a atividade agrária desde uma perspectiva ecológica. Enfoque teórico e
metodológico que, utilizando várias disciplinas científicas, pretende
estudar a atividade agrária desde uma perspectiva ecológica. Vinculação
essencial que existe entre o solo, a planta, o animal e o ser humano.
A Agroecologia é uma filosofia? Uma técnica agronômica? Uma
ferramenta de análises?
Há diferenças entre a agricultura ecológica, agricultura tradicio-
nal e a agricultura com base no enfoque agroecológico.

Que é Agr oecologia?


Agroecologia?
A dinâmica das explorações agrárias não se explica só por con-
dicionamentos agronômicos da parcela e sim por condicionamen-
tos ambientais, sociais e econômicos. E mais, as variáveis sociais
ocupam um papel muito relevante, dado que as relações estabelecidas
entre os seres humanos e as instituições que as regulam constituem
a peça-chave dos sistemas agrários, que dependem do homem para
sua manutenção.

Conceito de sistema
Sistema é um arranjo de componentes físicos, um conjunto ou
coleção de coisas, unidas ou relacionadas de tal maneira que formam
e atuam como uma unidade ou um todo (Becht, 1974).

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As características básicas de qualquer sistema estão dadas por dois
componentes básicos
Elementos que geralmente encontramos na estrutura de um
sistema:

• Limites
• Componentes
• Relação entre componentes
• Entradas e saídas
• Processos em um ecossistema
• Processos em um agroecossistema
• As relações entre componentes pode ser de distintos tipos

Existe na rrealidade
ealidade um agr oecossistema?
agroecossistema?
Todo agroecossistema é uma construção social, produto da
coevolução dos seres humanos com a natureza. Por quê? Diferenças
entre ecossistema e agroecossistema.
Todo ecossistema é um conjunto em que os organismos, os flu-
xos energéticos, os fluxos biogeoquímicos vivem em equilíbrio es-
tável, é dizer, são entidades capazes de automanter-se, auto-regular-
se e auto-reparar-se independentemente dos homens e das sociedades
baseado em princípios naturais.

Que é um Agr oecossistema? (II)


Agroecossistema?
Os seres humanos, ao artificializar os ecossistemas para obter
alimentos, domesticando plantas e animais, quebram as secessões e
os mecanismos de auto-regulação ecossistêmica.
Os agroecossistemas passam assim a depender do homem para
se manter, regular-se e renovar-se.
Tornam-se dependentes de fluxos de energia e de materiais exter-
nos que o ser humano incorpora no processo de trabalho agrário.

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Que é um Agr oecossistema? (III)
Agroecossistema?
Portanto, os agroecossistemas evolucionam ao mesmo tempo em
interação com a sociedade que os maneja e da qual dependem. Dele
se fala que é produto da coevolução histórica entre a sociedade e a
natureza.
O princípio da coevolução social e ecológica.
Esse enfoque supera a “ilusão metafísica” da modernidade.
O enfoque social da agroecologia permite interpretar os
agroecossistemas como resultado de um processo coevolutivo entre
o sistema social e o sistema biológico (Norgaard y Sikord, 1997).

O enfoque holístico
Considera a propriedade/lote agrícola como a unidade de análise.
Esse lote está integrado por diferentes subsistemas.
O lote se integra a sistemas maiores com os quais troca materiais
e informações.
O lote está afetado por diferentes elementos externos.
Os agroecossistemas estão integrados por três elementos prin-
cipais, que por sua vez são determinantes dos agroecossistemas, es-
tabelecendo o tipo de agricultura.

Roteiro para apresentação de palestra, com base em texto de


Eduardo Sevilla Guzmán.

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10. NIM (Azadirachta indica)

Nim é o nome comum de uma planta que pertence à família


Meliaceae, como o cinamomo, o cedro e o mogno. É originária da
Ásia e é usada há séculos, principalmente na Índia, como planta
medicinal, com diversos usos: anti-séptico, curativo ou como
vermífugo, em sabões medicinais etc.
O nim é uma planta que contém mais de 30 substâncias com
propriedades inseticidas, repelentes, fungicidas e nematicidas. To-
das as partes da planta possuem esses compostos ativos, porém é no
fruto que se encontra a maior concentração.
É uma árvore de crescimento rápido, não perde as folhas, tem
flores hermafroditas, permitindo que árvores solitárias possam pro-
duzir frutos. As abelhas ajudam na polinização. A floração se inicia
em dezembro e janeiro, já os frutos amadurecem de abril a maio.
O nim desenvolve-se melhor em solos arenosos, profundos e
bem drenados, com pH entre 6,2 e 7,0. Como uma típica planta
tropical/subtropical, tem se desenvolvido bem em regiões com
temperaturas anuais médias entre 21ºC e 32ºC. Tolera altas tem-
peraturas, entretanto temperaturas abaixo de 4°C podem levar
plantas jovens à perda das folhas e até mesmo à morte. Estudos de
adaptação do nim no Paraná, conduzidos pelo Instituto Agronô-
mico do Paraná (Iapar), mostraram que o nim pode desenvolver-
se em condições de clima subtropical. Entretanto o crescimento
das árvores foi mais lento.
Até o ano de 1996, 413 espécies de insetos foram relatadas como
sensíveis a algum tipo de ação do nim. As espécies mais facilmente
controladas são as lagartas, pulgões, cigarrinhas, larvas de besouro
que se alimentam de plantas. Além dessas também controla barata,
gafanhoto, percevejo, piolho, moscas, carunchos, traças etc.
Pode-se usar todas as partes da planta como “remédios”, desde a torta
da semente, o extrato da folha, mas principalmente o óleo da semente,

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que contém 40% de óleo. Cada 4 kg de semente com casca produz meio
litro de óleo que contém 0,1% de azadiractina – o produto ativo.
Não é tóxico para humanos e animais. Na África e no Caribe,
as pessoas, principalmente as crianças, comem frutos maduros de
nim. Também é muito utilizado na medicina natural e homeopáti-
ca para várias doenças como diabetes, vermes, furúnculos, úlceras e
doenças de pele. O óleo serve para úlceras infectadas, dores de ca-
beça, urticária, dermatose, micoses e sarna. Bom para problemas de
gengivas e ouvidos etc.

O nim na agricultura orgânica ou ecológica


O nim é um insumo natural, um inseticida biológico sem para-
lelo na agricultura orgânica. A aplicação dele no momento em que
surgem as pragas promove a redução do ataque e a proteção neces-
sária ao cultivo. É um bioinseticida preventivo de alguns insetos.
Essas mudas são para tomar o conhecimento da planta e para o
seu devido uso no futuro próximo.

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11. ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL
PARA O PLANTIO CAMPONÊS

A extensão rural ou transferência tecnológica está em crise, não


só no Brasil ou na América Latina, mas também em outros países
do mundo. Foi o principal veículo para impulsionar a industriali-
zação e a tecnificação da agricultura nos Estados Unidos e na Euro-
pa e da chamada “revolução verde” nos países em desenvolvimento.
Desde os anos de 1950 foi um componente central de praticamen-
te todos os programas e projetos de desenvolvimento agropecuário,
baseado no aumento da produção e da produtividade a qualquer
custo econômico, sem considerar os prejuízos ambiental, social e
cultural dos povos e das regiões.
Esse instrumento de política pública cumpriu um papel estra-
tégico em diversos países da África, Ásia e América, incluindo o
Brasil, a partir dos interesses dos organismos internacionais e das
corporações multinacionais dos Estados Unidos e Europa. Há mu-
danças fortes, que tiveram início a partir do final dos anos de 1980
e ainda estão ocorrendo, entre elas a globalização dos mercados
agrícolas, a retirada do Estado da execução mesmo dos programas
rurais e a privatização de serviços estatais. Mesmo ante as crescen-

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tes preocupações acerca da sustentabilidade dos sistemas
agropecuários induzidos, a extensão agropecuária como veículo di-
nâmico entre a investigação científica e a produção agropecuária é
seriamente questionada.
O técnico deveria ser um especialista com domínio de técnicas e
práticas e com boa capacidade de convencimento (assistência técnica).
A extensão rural foi apresentada como sendo um processo de educação
informal, para melhorar as condições econômicas e sociais dos produ-
tores rurais. O “extensionista” definia como componentes principais de
ação fatores socioeconômicos, atuando no desenvolvimento da agricul-
tura e na inovação tecnológica na produção agropecuária.
Uma nova Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) que gere
respostas concretas aos desafios do campesinato no Brasil – não como
um veículo de transmissão de resultados de pesquisas tecnológicas até
os agricultores, mas como um instrumento para fortalecer a capaci-
dade de auto-aprendizagem das famílias camponesas para a autogestão
dos agroecossistemas e das comunidades rurais para um desenvolvi-
mento rural sustentável – deve ser uma Ater pública, democrática e
que atenda todos os camponeses do Brasil, portanto, que seja univer-
sal. A sua gestão deve ser centralizada pelo Estado, enquanto gestor
público, mas descentralizada do ponto de vista de sua ação com o
público beneficiário, em que os camponeses através de suas organiza-
ções e instituições possam gerir em parceria com o Estado.
Atualmente, a Ater pública é insignificante frente à demanda
necessária para uma universalização desse serviço para o desenvol-
vimento do campesinato no Brasil. Segundo dados do IBGE (1996),
somente 762.700 estabelecimentos menores de cem hectares rece-
beram esse importante serviço, sendo que destes, somente 327 mil
foram serviços do governo. Nos estabelecimentos menores de dez
hectares, o número é de 240.700, sendo do governo somente 103
mil estabelecimentos. Portanto, dos 4,1 milhões de estabelecimen-
tos com menos de cem hectares existentes hoje no país, somente 430

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mil estabelecimentos, ou seja, em torno de 10% dos pequenos es-
tabelecimentos rurais brasileiros, receberam esses serviços.
Segundo documento do governo federal (2004), “Ações para a
Agricultura, no Primeiro Ano do Governo Lula”, atualmente ape-
nas 17% dos agricultores familiares recebem alguma assistência téc-
nica. No Nordeste, segundo o mesmo documento, esse índice cai
para 2,7% dos estabelecimentos.
Ainda segundo esse documento, o “Plano Safra para a Agricul-
tura Familiar” também realizará ações para a assistência técnica e
investirá R$ 15,5 milhões no grupo A (assentados da reforma agrá-
ria). Cada família receberá até R$ 1.500 em quatro anos, igual a R$
375 por família ao ano. Se estendêssemos esse valor para atender,
num primeiro momento, a metade das famílias camponesas brasi-
leiras, algo em torno de 2 milhões de famílias, seria necessário um
orçamento de R$ 750 milhões por ano.
Segundo o MDA/SAF (2004), o governo Lula investiu no Pla-
no Safra 2003/04 R$ 127 milhões em Ater, beneficiando um mi-
lhão de famílias, e no ano 2004/2005 investirá R$ 198 milhões em
Ater, beneficiando 1,6 milhão de famílias. Seguindo esse raciocínio
econômico, para a universalização da Ater no Brasil seria necessário
um orçamento de R$ 519 milhões anuais.
Segundo Silva & Souza (1999), citado por Heribert (2000), o
número de funcionários públicos de Ater oficial (estatal) no Brasil
é de 21.736 funcionários, sendo 8,8 mil técnicos atuando em 5.082
municípios. Se fizermos um cálculo da necessidade de técnicos na
proporção de um técnico para cem famílias, número considerado
bom para uma boa ação de Ater, seria necessário um total de 42 mil
técnicos para universalizar a Ater.

A extensão rural no Brasil


Podemos constatar que o serviço de extensão rural brasileiro,
durante seus mais de 50 anos de existência, passou por 6 etapas, às

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vezes se sobrepondo ou acontecendo simultaneamente (Silva, 1992):
o modelo clássico (1948-1956), o modelo difusionista-inovador
(1956-1967), o modelo de transferência de tecnologias (1968-1978),
o “repensar da extensão rural” (1979-1991), o desmantelamento do
serviço (1991-até hoje) e a fase de discussão e experimentação (1996-
até hoje). Como mencionado anteriormente, o primeiro modelo foi
abandonado por causa dos resultados insatisfatórios. O modelo
difusionista-inovador era direcionado a pequenos e médios produto-
res. Com o sucessivo processo de expropriação, o modelo perdeu seu
sentido e a extensão mudou sua clientela, concentrando-se na trans-
ferência de tecnologias numa visão orientada apenas ao aumento da
produção, sendo o objetivo “Assistir o agricultor que explorar comer-
cialmente sua propriedade, em vez dos pequenos e médios produto-
res, cuja evolução é demorada e retarda o avanço econômico” (Silva,
1969, citado por Fonseca, 1985:175). Nos planos governamentais
dessa época, a agricultura era pensada ao mesmo tempo como mer-
cado para máquinas e insumos agrícolas e como fonte de divisas. O
êxito da modernização conservadora foi alcançado pagando altos
custos sociais: em vez de fixar o homem no campo – um dos objeti-
vos principais da criação do serviço de extensão – reforçou ainda mais
sua saída (Fonseca, 1985:175-178). Fica superada a etapa de uma ação
mais ampla diante da ambiência do produtor rural e sua família; o
trabalho com os jovens e em nível de comunidade não se justificava
mais (Silva, 1992:138). O quarto momento é caracterizado pela luta
de diversos setores em função da redemocratização. Novamente o
público preferencial é modificado sendo “... pequenos e médios agri-
cultores, os jovens, a produção de alimentos básicos e as atividades
que levam ao fortalecimento de estruturas comunitárias...” (Embrater,
1983, citado por Silva, 1992:144) prioridade do trabalho da exten-
são, voltando a preocupação com o enfoque social. Planejamento
participativo, a importância do saber do agricultor e os princípios
educativos de Paulo Freire, como a relação horizontal educador-edu-

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cando, marcam o discurso de uma parte da extensão rural. Porém, essas
propostas ficaram no nível do discurso e o movimento do repensar
não conseguiu evitar o desmantelamento do serviço. Os técnicos, na
sua maioria formados numa visão tecnicista, não têm a capacidade
de impulsionar as novas idéias e continuam, na prática, com a postu-
ra autoritária, deixando um leque sempre maior entre discurso e ação,
causando um quadro confuso e contraditório. Em conseqüência,
apesar da extensão rural ser considerada um processo educativo, isso
não se revela na prática, conforme Silva (1992:199-201), referindo-
se ao exemplo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
do Rio Grande do Sul (Emater/RS), que em 1987, provavelmente por
mudanças políticas, teve que abandonar o “repensar”.

Alguns princípios básicos


Essa proposta para a construção de uma política de Assistência
Técnica e Extensão Rural para o campesinato brasileiro deve levar
em consideração a recém-criada “Política Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural – Ater” – Governo Federal – MDA/SAF,
em que descreve sua política, através de documento, cujo elabora-
ção final contou com a participação dos diversos movimentos sociais
do campo, que teve sua consolidação em oficina nacional em Brasília,
no mês de setembro de 2003.
Inicialmente, se fará uma crítica ao documento final apresenta-
do pelo MDA/SAF, considerando os pontos positivos e negativos
do documento, que se propõe implantar uma nova política de As-
sistência Técnica e Extensão Rural – Ater – para o país. A partir daí,
propomos uma política compatível com as reais necessidades do
campesinato brasileiro do ponto de vista dos movimentos sociais da
Via Campesina.
Segundo do documento, “Essa nova Ater deve alicerçar-se na
crítica aos resultados negativos da “revolução verde” e nos proble-
mas já evidenciados pelos estudos dos modelos de Ater baseados no

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difusionismo, pois só assim o Estado construirá um instrumento
verdadeiramente novo e capaz de contribuir, decisiva e generosamen-
te, para a construção de outros estilos de desenvolvimento rural e
de agricultura sustentáveis, que permitam assegurar melhores con-
dições de vida para a população rural e urbana”.
Nessa introdução do documento há uma coincidência com o que
se deseja para uma Ater pública, pois propõe a crítica à “revolução ver-
de”, onde a Ater foi e continua sendo um instrumento da implantação
de um modelo dependente. Entende-se que a mudança no modelo de
Ater deve começar de fato fazendo uma crítica ao atual modelo, abor-
dando a extensão rural adotada – de fora para dentro e de outros para
alguém, base do modelo difusionista, ou como escreveu Alan Roger,
(1987), apontando a necessidade de uma abordagem radicalmente nova
em relação à extensão, que busque não a transferência de tecnologias,
ou mesmo “aprender com os agricultores”, mas “fortalecer a capacida-
de de gerar conhecimentos, já existente na comunidade – capacidade
de questionar, analisar e testar possíveis soluções para os próprios pro-
blemas”. O autor chama isso de extensão de “terceira geração”, contras-
tando-a com os modelo de “primeira geração” (diretiva) e de “segunda
geração” (reativa, “os agricultores em primeiro lugar”). Na nossa opi-
nião, esses modelos criam dependência.
Isso já foi um avanço, mas pode haver aumento de dependência
em relação ao extensionista e eliminação das maneiras tradicionais
com que esse agricultor resolve problemas e aprende. Pode causar a
sensação de que os agricultores não são capazes de resolver suas pró-
prias dificuldades. Os extensionistas de segunda geração pedem aos
agricultores que identifiquem seus problemas e então saem para
buscar soluções, geralmente voltando logo depois com as respostas.
Depois que o extensionista traz a resposta, há pouca oportunidade
de escolha para o agricultor.
Em função disso devemos propor e nos desafiar na construção
de uma nova Ater intercomunicativa, que parte de duas premissas:

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• O conhecimento não pode ser transferido; uma pessoa não
pode aprender o conhecimento de outra: pode apenas criar o seu
próprio. O aprendizado é um processo ativo, realizado por aquele
que aprende e não por uma recepção passiva do conhecimento a ele
“transmitido”. “Aprender não é descobrir o que outros já sabem, mas
resolver nossos próprios problemas tendo em vista nossos próprios
objetivos, questionando, raciocinando e experimentando até que a
solução se torne parte de nossas vidas.” (sir Charles Handy)
• Todos aprendem durante a vida inteira; o aprendizado é con-
tínuo. Isso significa que os agricultores já estão solucionando seus
próprios problemas sem a ajuda do extensionista e que desenvolve-
ram, ao longo do tempo, estilos e estratégias de aprendizagem que
lhes parecem adequadas. Eles não têm problemas de escassez de
recursos no que diz respeito a essa aprendizagem. Através desse pro-
cesso, os agricultores não apenas obtiveram um grande estoque de
conhecimentos e habilidades, do qual lançam mão, mas também
desenvolveram aptidões e redes de relações que lhes permitem lidar
com seus problemas.
Essa abordagem, interativa, incentiva a independência no pro-
cesso de aprendizagem; ela parte do princípio não apenas de que o
agricultor já tem muitos conhecimentos, mas também, o que é muito
mais importante, que ele possui formas tradicionais de resolver seus
problemas. A função do extensionista, nesse caso, é a de ajudá-lo a
ser ainda mais capaz de gerar conhecimentos, tornando-o mais in-
dependente.
A dimensão educativa como base da formação técnica
condiciona o “que fazer” técnico a uma ação mais ampla e a uma
definição de quem são os educadores. Um assentamento de Refor-
ma Agrária ou uma comunidade camponesa podem ser definidos
como “uma unidade pedagógica, na qual são educadores não somen-
te os professores que atuam num centro de educação básica, mas
também os agrônomos, os administradores, os planificadores, os

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pesquisadores, enfim, todos os que estejam ligados ao processo”
(Paulo Freire, 1983).
A extensão rural pública e gratuita, mesmo após décadas de ações
social e ambientalmente desastrosas no âmbito da “revolução ver-
de”, sofrendo críticas constantes, continua sendo um dos principais
instrumentos de intervenção, ordenação e controle do Estado so-
bre o meio rural. Trata-se de poder. De poder para deliberar sobre a
alocação de recursos, de decidir o início e o término de atividades,
de beneficiar certos grupos em detrimento de outros. Quando fala-
mos de participação, de enfoque participativo, de métodos
participativos, estamos tratando da distribuição do poder em nossa
sociedade. Quando debatemos a extensão rural, estamos debaten-
do sobre o poder no meio rural (Broze, 2004).
Observamos o esgotamento e o fim de um modelo de Ater,
baseado em uma doutrina tecnicista, reducionista, que tem sua ori-
gem a partir dos anos de 1980 a partir da liberalização e globalização
dos mercados agrícolas, da privatização dos serviços de apoio ao
desenvolvimento agropecuário, de um questionamento de fundo dos
resultados obtidos em termos da redução da pobreza rural e de uma
crescente preocupação pela sustentabilidade dos sistemas
agropecuários. Soma-se a isso a falta de integração da assistência
técnica tradicional com a educação, focando apenas a produção; a
parcialidade do enfoque direcionado apenas à agropecuária e, nes-
ta, apenas aos sistemas produtivos dependentes do pacote da “revo-
lução verde”; a seletividade, priorizando produtores que respondem
economicamente ao mercado; a reprodução do poder do governo,
sendo o seu braço político no município etc.
É o fim de um sistema tradicional, concebido por interesses alheios
aos agricultores – não serve mais, por sua atuação de caráter linear,
seu desprezo pelo conhecimento não científico, sua falta de orienta-
ção para uma demanda dos camponeses e as exigências dos merca-
dos, seu enfoque paternalista e sua atuação de forma individual.

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Uma nova Ater pública e universal deve incorporar uma pro-
posta como a promoção da cidadania e da participação, reconhe-
cendo os saberes dos camponeses e suas experiências de vida; deve
romper o isolamento das milhares de famílias empobrecidas; arti-
cular a construção de tecnologias apropriadas e de baixo custo;
oportunizar a construção de redes de proteção das economias cam-
ponesas. Deve ainda andar junto, lado a lado, com uma nova edu-
cação e uma nova pesquisa no campo.
Os movimentos sociais participaram na discussão final do do-
cumento do MDA/SAF, concordando com pontos considerados
favoráveis para um processo de descentralização e de fortalecimento
de uma assistência técnica pública e gratuita para os agricultores
camponeses. A possibilidade da participação dos movimentos
sociais como co-executor da Ater possibilita a retomada de uma
experiência como o antigo “Projeto Lumiar”, no qual bons resul-
tados foram alcançados num passado recente e que serviu com
exemplo a ser seguido.
No ano de 1997 foi implementado no Brasil o Projeto Lumiar
como fruto de pressão dos movimentos sociais e do reconhecimen-
to do governo federal de sua insuficiência no campo de assistência
técnica nas áreas de reforma agrária, especialmente diante do peri-
go de que os investimentos nos outros componentes – como acesso
à terra, infra-estrutura e acesso a crédito – fossem comprometidos.
Esse serviço teve caráter emergencial e durou até o momento que o
governo entendeu que poderia “ameaçar” seu controle, e de forma
unilateral foi liquidado no ano 2000.
“O Programa de Qualidade e Produtividade nos Assentamen-
tos de Reforma Agrária trazia, como estratégias de ação para o al-
cance desse objetivo, o assessoramento técnico na área de gestão da
organização, produção e comercialização nos assentamentos, ten-
do em vista a implementação de um processo de aprendizagem
coletiva das comunidades assentadas, na busca do desenvolvimen-

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to sustentado e da melhoria da qualidade de vida. Para isso deveria:
constituir equipes de assistência técnica e capacitação; desenvolver
metodologias e estratégias de ação adequadas às necessidades dos
assentados; introduzir tecnologias mais adequadas para o desenvol-
vimento da qualidade de vida dos assentamentos, processo produ-
tivo e do acesso aos mercados; implantar e gerir sistemas de infor-
mações técnico-econômicas com mecanismos de comunicação
adequados à cultura dos assentados.” (Ramos 2004)
Esse projeto tinha como premissas algumas orientações básicas,
tais como:
• Respeito à autonomia dos assentados para decidir sobre todas
as questões que afetem seus interesses, inclusive os contratos e a
condução dos processos de assistência técnica.
• Garantia de qualidade dos serviços, orientando-se para um mo-
delo de gestão por resultados, com ênfase para indicadores de desem-
penho devidamente pactuados entre as equipes locais e os assentados.
• Implementação de uma sistemática transparente de informa-
ções que permitisse aos assentados tomar decisões, conscientes de
todos os aspectos envolvidos e, à sociedade, acompanhar a execu-
ção do projeto.
• Utilização de métodos de trabalho que procurem estabelecer
processos dinâmicos para a formulação coletiva de diagnósticos,
planos e programas de ação, visando o desenvolvimento sustentá-
vel dos assentamentos.
• Abertura à participação das organizações dos assentados na
gestão do projeto, instâncias deliberativas, de acompanhamento e
avaliação, e, principalmente, na contratação dos técnicos.
Embora essa iniciativa do governo federal, através de convênios
com os movimentos sociais, seja importante, entendemos que so-
mente o instrumental “convênio”, por ser de curta duração, é pre-
cário, complementar, insuficiente, limitado e dependente da von-
tade dos governantes. Precisamos construir um aparato legal e

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institucional que possa dar vida longa e permanente aos serviços,
com oportunidades de qualificação técnica em vários níveis, possi-
bilitando a busca de um novo paradigma no qual a assistência téc-
nica, a educação e a pesquisa possam andar juntos com a efetiva
participação das famílias camponesas para a construção de um novo
desenvolvimento rural sustentável.

Críticas e alternativas ao termo extensão


Conforme P. Freire (1992), citado por Heribert (2000), o ter-
mo extensão significa estender algo a alguém. Alguém, sujeito ati-
vo (por ex., o extensionista), estende algo, objeto direto da ação
verbal (por ex., seus conhecimentos; o conteúdo, escolhido por quem
estende), a ou até alguém, o objeto indireto da ação (por ex., o cam-
ponês; o receptor do conteúdo).
Segundo vários autores em vários países o termo tem significa-
do diferente: na Alemanha, Grã-Bretanha e Escandinávia, focaliza-
se o trabalho de aconselhamento para resolver problemas específi-
cos, enquanto que na tradição estadunidense é usado “extensão
educativa” para enfatizar que se trata de atividades educacionais que
procuram ensinar as pessoas a resolver problemas através da divul-
gação de informações. Nos Países Baixos se usa a palavra
woorlinchting, que significa algo como iluminação (colocar a luz em
frente de alguém para facilitar a procura do caminho), enquanto na
França o termo vulgarisation indica que se trata da simplificação de
informações para que o vulgus, o povo comum, possa entendê-la.
No Brasil, foram utilizadas as expressões assistência rural, exten-
são rural, assistência técnica e aconselhamento técnico-gerencial para
denominar essa modalidade de trabalho com os agricultores. Segun-
do Risco (1973), citado pelo mesmo autor, o extensionista é visto
como educador e o trabalho de extensão é baseado no poder persuasi-
vo da demonstração, compreendendo aspectos de extensão, psico-
logia educacional, sociologia rural e antropologia rural aplicada.

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As críticas a esse termo levaram ao surgimento de outros como:
“animação”, “mobilização” e “conscientização”.
As mudanças, nesses termos e conceitos, se dão por várias inicia-
tivas, principalmente em função da crise provocada pelo modelo da
“revolução verde”. Em pesquisa e extensão, aparecem no nível mun-
dial a tentativa de substituir abordagens predominantes “de cima”
por abordagens “de baixo”, a partir do grupo alvo, que pode ser
denominado de participativas. Pesquisa-desenvolvimento, pesqui-
sa-ação, pesquisa participante, diagnóstico rápido participativo
(DRP), desenvolvimento participativo de tecnologia (DPT), e ou-
tros métodos fizeram surgir, entre outros, o enfoque sistêmico e a
hipótese da racionalidade dos agricultores desde o início do proces-
so. Houve uma transição da atuação orientada pela oferta para a
orientada pela demanda.
Do lado da assistência técnica não aconteceu essa transição com
a mesma dinâmica. Em muitos países, a extensão continua sendo
uma intervenção dos governos que se movem conforme os interes-
ses das classes dominantes.
Em todos esses anos, a assistência técnica e a extensão rural sem-
pre estiveram descoladas da pesquisa, mesmo em instituições res-
ponsáveis pelas duas atividades. Existe muitas tecnologias nos esta-
belecimentos de pesquisas que não chegam até os agricultores ou
não servem para os pequenos agricultores por serem feitas de forma
isolada, separadas da realidade.
Outro problema é o tempo utilizado pelos técnicos para fazer
trabalho diretamente com as famílias: a maior parte do seu tempo é
para fazer projetos de crédito, não sobrando tempo para atuar com
os agricultores.
A seguir, se farão breves comentários sobre os vários pontos dis-
cutidos no documento final do MDA/SAF, quando apontaremos
uma série de aspectos positivos e outros negativos da política nacio-
nal oficial de Ater.

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Pontos positivos

Antecedentes históricos
O documento traz uma síntese histórica da assistência técnica e
extensão rural no Brasil desde a década de 1940, passando pelas di-
versas épocas com suas diferentes formas institucionais de atuação.
Teve seu início ainda na década de 1940, “no contexto da política
desenvolvimentista do pós-guerra”, que tinha como objetivo principal
a modernização da agricultura, “inserindo-se nas estratégias voltadas à
política de industrialização do país. A Ater foi implantada como um
serviço privado ou paraestatal”. Posteriormente, com apoio do gover-
no do presidente Juscelino Kubitschek, foi criada, em 1956, a Associa-
ção Brasileira de Crédito e Assistência Rural – Abcar, constituindo-se,
então, um sistema nacional articulado com associações de crédito e
assistência rural nos Estados. Em meados da década de 1970, o gover-
no do presidente Ernesto Geisel “estatizou” o serviço, implantando o
Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural – Sibrater,
coordenado pela Embrater e executado pelas empresas estaduais de Ater
nos Estados, as Ematers. Como parte da política nacional de Ater, du-
rante mais de uma década, a participação do governo federal chegou a
representar, em média, 40% do total dos recursos orçamentários das
Ematers, alcançando até 80%, em alguns Estados.
“Em 1990, o governo do presidente Collor de Mello extinguiu a
Embrater, desativando o Sibrater e abandonando claramente os es-
forços antes realizados para garantir a existência de serviços de Ater
no país.” Sobrou para os Estados as Emater’s, em que a política do-
minante de cada região adotava o que mais lhes convinha. A partici-
pação financeira do governo federal caiu abruptamente, passando a
ser irrisória em relação ao orçamento das empresas de Ater do setor
público ainda existentes, que gira em torno de R$ 1 bilhão por ano.
“A conseqüência desse processo de afastamento do Estado e di-
minuição da oferta de serviços públicos de Ater ao meio rural e à

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agricultura revelam-se, hoje, através de uma comprovada insuficiên-
cia desses serviços em atender à demanda da agricultura familiar, prin-
cipalmente nas áreas de maior necessidade, como a região Nordeste.”
“Cabe destacar que tanto a Constituição Federal de 1988 quanto
a Lei Agrícola de 1991 determinam que a União mantenha servi-
ços de Ater pública e gratuita para os pequenos agricultores.”

Princípios e diretrizes que orientam a política nacional de Ater


Os princípios e diretrizes apresentados no documento fazem
uma forte crítica ao atual modelo de Ater – modelo da “revolução
verde” – e propõem uma “ruptura com o modelo extensionista da
Teoria da Difusão”, propondo “novos enfoques metodológicos e
outro paradigma tecnológico” para mudar a atual situação e bus-
car novos objetivos.
“Essa política deve contribuir para uma ação institucional vol-
tada para a implantação e consolidação de estratégias de desenvol-
vimento rural sustentável, ... potencializando atividades produtivas
agrícolas voltadas à oferta de alimentos sadios e matérias-primas, bem
como apoiará estratégias de comercialização tanto nos mercados
locais quanto nos mercados regionais e internacionais. Igualmente,
deverá estimular a agroindustrialização e o desenvolvimento de ati-
vidades rurais não agrícolas.”
A concepção da política abre a possibilidade de parcerias com
os movimentos sociais como executores de parte da ação da Ater.
“... pretende-se que seja estabelecida de forma sistêmica, articulan-
do recursos humanos e financeiros a partir de parcerias eficazes, so-
lidárias e comprometidas com o desenvolvimento e fortalecimento
da agricultura familiar”. “... Destaca-se o respeito à pluralidade e às
diversidades sociais, econômicas, étnicas, culturais e ambientais do
país. Sobretudo, cabe enfatizar que a busca da inclusão social da po-
pulação rural brasileira mais pobre será elemento central de todas
as ações orientadas pela Política Nacional de Ater, o que implica na

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necessidade de incluir enfoques de gênero, geração e etnia, nas orien-
tações de projetos e programas.”
“Frente aos desafios impostos pela necessidade de implementar
estratégias de produção que sejam compatíveis com os ideais do de-
senvolvimento sustentável, os aparatos públicos de Ater terão que
transformar sua prática convencional e introduzir outras mudanças
institucionais, para que possam atender às novas exigências da socie-
dade. As crises econômica e socioambiental, geradas pelos estilos
convencionais de desenvolvimento, recomendam uma clara ruptura
com o modelo extensionista baseado na Teoria da Difusão de Inova-
ções e nos tradicionais pacotes da “revolução verde”, substituindo-os
por novos enfoques metodológicos e outro paradigma tecnológico,
que sirvam como base para que a extensão rural pública possa alcan-
çar novos objetivos.”
“... A transição agroecológica, que já vem ocorrendo em várias
regiões, indica a necessidade de resgate e construção de conhecimen-
tos sobre distintos agroecossistemas e variedades de sistemas cultu-
rais e condições socioeconômicas...”
“... Ater pública deve estabelecer um novo compromisso com os seus
beneficiários e com os resultados econômicos e socioambientais relacio-
nados com sua ação, não podendo se omitir diante de eventuais
externalidades negativas geradas por sua intervenção e pelas suas reco-
mendações técnicas, como ocorreu no período da ‘revolução verde’.”
“... as ações da Ater pública devem auxiliar na viabilização de
estratégias que levem à geração de novos postos de trabalho agríco-
la e não agrícola, no meio rural, à segurança alimentar e nutricional
sustentável, à participação popular e, conseqüentemente, ao forta-
lecimento da cidadania.”

Princípios da política nacional de Ater


• Exclusividade aos agricultores familiares.
• Desenvolvimento endógeno.

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• Adoção de novos enfoques metodológicos participativos e de
um paradigma ecológico baseado nos princípios da agroecologia.
• Um modo de gestão capaz de monitorar, avaliar e rever continua-
mente o andamento das ações, de forma a democratizar as decisões.
• Desenvolver processos educativos.
Esses princípios estão compatíveis com nossa proposta.

Diretrizes da política nacional de Ater


• Apoiar ações múltiplas e articuladas de assistência técnica e
extensão rural.
• Garantir a oferta permanente e contínua de serviços de Ater.
• Apoiar ações destinadas à qualificação e aumento da produ-
ção agropecuária e pesqueira, com ênfase à produção de alimen-
tos básicos.
• Contemplar todas as fases das atividades econômicas, da produ-
ção à comercialização e abastecimento, observando suas peculiaridades.
• Desenvolver ações que levem à conservação e recuperação dos
recursos naturais dos agroecossistemas e à preservação dos
ecossistemas e da biodiversidade.
• Viabilizar serviços de Ater que promovam parcerias entre ins-
tituições federais, com organizações não governamentais e organi-
zações de agricultores familiares.
• Estimular a participação da Ater nos processos de geração de
tecnologias e inovações organizacionais, em relação sistêmica com ins-
tituições de ensino e pesquisa, de modo a proporcionar um processo
permanente e sustentável de aperfeiçoamento da agricultura familiar.
• Orientar estratégias que permitam a construção e valorização
de mercados locais e a inserção não subordinada dos agricultores no
mercado globalizado, visando gerar novas fontes de renda.
• Garantir que os planos e programas de Ater, adaptados aos
diferentes territórios e realidades regionais, sejam construídos a partir
do reconhecimento das diversidades e especificidades étnicas, de

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gênero, de geração e das condições socioeconômicas, culturais e
ambientais presentes nos agroecossistemas.
• Viabilizar ações de Ater dirigidas especificamente para a capacitação
e orientação da juventude rural, visando estimular a sua permanência
na agricultura familiar, de modo a assegurar o processo de sucessão rural.
• Apoiar ações específicas voltadas à construção da eqüidade
social e valorização da cidadania, visando a superação da discrimi-
nação, opressão e exclusão de categorias sociais, tais como as mu-
lheres trabalhadoras rurais, os quilombolas e os indígenas.

Objetivos específicos
Dentre os objetivos específicos, identificamos vários que nos
identificam com a proposta de uma visão de Ater, tais como a pro-
dução de alimentos básicos, primeiro para o auto-sustento das fa-
mílias, depois para o mercado, preservação dos agroecossistemas,
novas formas associativas, valorização do conhecimento local, mé-
todos participativos e educativos etc..
• Estimular a produção de alimentos sadios e de melhor quali-
dade biológica, a partir do apoio e assessoramento aos agricultores
familiares e suas organizações para a construção e adaptação de
tecnologias de produção a serem adotadas, e para a otimização do
uso e manejo dos recursos naturais.
• Desenvolver ações que levem à conservação e recuperação dos
ecossistemas e ao manejo sustentável dos agroecossistemas, visando
assegurar que os processos produtivos agrícolas e não agrícolas evi-
tem danos ao meio ambiente e riscos à saúde humana e animal.
• Incentivar a construção e consolidação de formas associativas
geradoras de laços de solidariedade e que fortaleçam a capacidade
de intervenção dos atores sociais como protagonistas dos processos
de desenvolvimento rural sustentável.
• Fortalecer as atuais articulações de serviços de Ater e apoiar a
organização de novas redes e arranjos institucionais necessários para

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ampliar e qualificar a oferta de serviços de Ater, visando alcançar pa-
tamares crescentes de sustentabilidade econômica e socioambiental.
• Promover a valorização do conhecimento local e apoiar os
agricultores familiares no resgate de saberes capazes de servir como
ponto de partida para ações transformadoras da realidade.

Orientações estratégicas para ações de Ater pública


• Orientar o desenvolvimento de sistemas produtivos norteados
pelos princípios da Agroecologia, considerando sua amplitude
conceitual e científica.
• Incentivar e apoiar sistemas alimentares regionalmente adap-
tados, voltados à produção de subsistência, como garantia da segu-
rança alimentar e nutricional sustentável das famílias.
• Adotar o planejamento das ações com base no território rural,
buscando a articulação das dimensões tecnológica, econômica, políti-
ca, social e ambiental, num contexto de relações de trabalho e de vida.
• Considerar a complexidade e o dinamismo dos sistemas de
produção, assim como os limites ambientais em que se desenvol-
vem, de modo a contribuir para o redimensionamento, redesenho
e uso adequado dos meios de produção disponíveis e ao alcance dos
agricultores familiares.
• Restabelecer a articulação da Ater com as instituições de ensi-
no e pesquisa buscando a formação de redes, fóruns regionais,
territoriais e outras formas de integração Ater, ensino e pesquisa, que
assegurem a participação da Ater e dos agricultores familiares e suas
organizações na definição de linhas de pesquisa, avaliação, valida-
ção e recomendação de tecnologias apropriadas, compatíveis com a
política nacional de Ater.
• Considerar as especificidades relativas a etnias, gênero, gera-
ção e diferentes condições socioeconômicas e culturais das popula-
ções rurais, em todos os programas, projetos de Ater e atividades de
capacitação.

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• Incorporar às ações de Ater os princípios da economia solidá-
ria e da segurança alimentar e nutricional sustentável.
• Apoiar o estabelecimento de redes solidárias de cooperação que
ajudem a potencializar e articular o capital social necessário para
estabelecer processos sustentáveis de desenvolvimento local e
territorial.
• Estimular a democratização dos processos de tomada de deci-
são, com participação de todos os membros das famílias na gestão
da unidade familiar, considerando as questões étnicas, de gênero e
de gerações, nas estratégias de desenvolvimento das comunidades.
• Contribuir na orientação dos processos organizativos de jovens
e mulheres trabalhadoras rurais, considerando as especificidades
socioculturais.
• Fortalecer iniciativas educacionais apropriadas para agricultu-
ra familiar, baseadas na Pedagogia da Alternância, assim como ou-
tras experiências educacionais construídas a partir da realidade dos
agricultores familiares.
• Desenvolver ações que possibilitem e garantam o resgate de
sementes e raças tradicionais de animais domésticos, contribuindo
diretamente para evitar a erosão genética e para assegurar a
biodiversidade.
• Promover abordagens metodológicas que sejam participativas
e utilizem técnicas vivenciais, estabelecendo estreita relação entre
teoria e prática, propiciando a construção coletiva de saberes, o in-
tercâmbio de conhecimentos e o protagonismo dos atores na tomada
de decisões.

Orientações metodológicas para as ações da Ater pública


Compatível com os princípios e diretrizes antes enunciados, a
metodologia para a ação da Ater pública deve ter um caráter educativo,
com ênfase na pedagogia da prática, e ser capaz de promover a geração
e apropriação coletiva de conhecimentos, a construção de processos e a

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adaptação e adoção de tecnologias voltadas ao desenvolvimento rural e
a agricultura sustentável. Desse modo, a intervenção dos agentes de Ater
deve ocorrer de forma democrática, adotando metodologias
participativas e uma pedagogia construtivista e humanista, tendo sem-
pre como ponto de partida a realidade local. Isso se traduz, na prática,
pela animação e facilitação de processos coletivos capazes de resgatar a
história, identificar problemas, estabelecer prioridades e planejar ações
para alcançar soluções compatíveis com os interesses, necessidades e pos-
sibilidades dos protagonistas envolvidos. Essa metodologia deve permitir,
também, a avaliação participativa dos resultados e do potencial de
replicabilidade das soluções encontradas para situações semelhantes em
diferentes ambientes.
No processo de desenvolvimento rural sustentável atualmente de-
sejado, o papel das instituições, bem como dos agentes de Ater, do
ensino e da pesquisa, deverá ser exercido mediante uma relação
dialética com os agricultores, baseada na problematização dos fatos
concretos da realidade. Dessa forma, é necessário se adotar um enfoque
metodológico que gere relações de co-responsabilidade entre os agri-
cultores, suas organizações e as instituições prestadoras de serviços no
planejamento, execução, monitoramento e avaliação das ações. Logo,
a obtenção dos resultados esperados estará subordinada ao efetivo
comprometimento dos assessores técnicos com as dinâmicas sociais
locais, e dos agricultores e suas organizações com os objetivos indivi-
duais e coletivos que venham a ser estabelecidos. Para que isso venha
a ocorrer, os serviços de Ater devem incorporar, em sua forma de ação
e intervenção, uma abordagem holística e um enfoque sistêmico, ar-
ticulando o local, a comunidade e/ou território às estratégias que le-
vem a enfoques de desenvolvimento rural sustentável e, também, de
transição a estilos de agricultura sustentável.
A partir dessas premissas, deverão ser privilegiadas atividades de
pesquisa-ação participativas, que contemplem o protagonismo de
agricultores-experimentadores, bem como novas estratégias de so-

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cialização de conhecimentos e mobilização comunitária e que pos-
sibilitem a participação de agricultores(as) como agentes comuni-
tários de desenvolvimento rural.

Entidades participantes do Sistema Nacional de ATER


Para fins dessa política considera-se como instituições ou organi-
zações de Ater aquelas que tenham como natureza principal de suas
atividades a relação permanente e continuada com os agricultores fa-
miliares e que desenvolvam um amplo espectro de ações exigidas para
o fortalecimento da agricultura familiar e a promoção do desenvolvi-
mento rural sustentável, em toda a sua complexidade. Tais institui-
ções ou organizações poderão se habilitar a participar do Sistema
Nacional de Ater Pública, buscando seu credenciamento junto ao
Conselho Nacional de Ater.
A partir dessa referência, estão compreendidas como entidades,
instituições ou organizações que podem participar do Sistema Na-
cional Descentralizado de Ater:
• as organizações dos agricultores familiares que atuam em Ater;
• as cooperativas de técnicos e de agricultores que executam ati-
vidades de Ater;
• estabelecimentos de ensino que executem atividades de Ater
na sua área geoeducacional;
• as CFRs (Casa Familiar Rural), EFAs (Escola Família Agríco-
la) e outras entidades que atuem com a Pedagogia da Alternância e
que executem atividades de Ater;
• redes e consórcios que tenham atividades de Ater;
• outras, que atuem dentro dos princípios e diretrizes dessa
política.

Sobre a gestão e coordenação do sistema nacional de Ater


A estrutura de gestão e coordenação da Ater nacional deverá ser
composta pelos seguintes organismos:

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• Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Agricultura
Familiar – Condraf;
• Comitê de Agricultura Familiar do Condraf ou similar;
• Secretaria da Agricultura Familiar – SAF/MDA;
• Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural – Dater,
da SAF/MDA.
A gestão da Ater pública será compartilhada em nível dos conse-
lhos, devendo contar com a participação de representantes do gover-
no federal, dos governos dos Estados, das entidades de representação
da agricultura familiar e de organizações representativas da sociedade
civil que atuem na promoção do desenvolvimento rural sustentável.
No âmbito federal, o acompanhamento da execução da política
nacional de Ater será realizado pelo Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Rural e Agricultura Familiar – Condraf. Os papéis e respon-
sabilidades do conselho, com respeito à Ater, serão definidos pelo
próprio conselho, devendo ser tomados como básico, o seguinte:
• Zelar pela implementação e rigoroso cumprimento dos prin-
cípios e diretrizes da política nacional de Ater, bem como pela mis-
são, objetivos, orientações estratégicas e metodológicas para a ação
da Ater pública;
• Analisar e aprovar os programas de Ater, zelando pela sua exe-
cução;
• Incentivar a formação de redes de serviços de Ater nos Esta-
dos e municípios;
• Articular-se com os Conselhos Estaduais ou Câmaras Técnicas
Estaduais de Ater, buscando subsídios e passando orientações neces-
sárias para a qualificação de ações de Ater no âmbito dos Estados;
• Propor critérios e formas de monitoramento e avaliação das
ações realizadas no âmbito da política nacional de Ater.
No âmbito da SAF/MDA, será instituído um Fórum Nacional
de Assistência Técnica e Extensão Rural, que se constituirá num ór-
gão colegiado que terá como responsabilidade a implementação e o

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fortalecimento da política e do programa nacional de Ater. O Fórum
deverá se constituir num fórum privilegiado para a articulação das
organizações vinculadas à Ater, visando a formação de um Sistema
Nacional Descentralizado de Assistência Técnica e Extensão Rural.

Recursos financeiros
Na esfera federal, o MDA deverá incluir no Plano Plurianual-
PPA e no Orçamento Geral da União-OGU o volume de recursos
necessários para viabilizar as ações de Ater requeridas pela Agricul-
tura Familiar, indispensáveis à implementação e continuidade da
oferta de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural.
Caberá ao Dater/SAF/MDA identificar, captar e alocar recursos
de outras fontes, buscando viabilizar convênios com outros ministé-
rios e outras entidades governamentais e não governamentais. Do
mesmo modo, caberá ao Dater/SAF/MDA promover ações capazes
de viabilizar a alocação de recursos de parceiros internacionais.
Outra parte dos recursos deverá ser canalizada para um Fundo
Nacional de Apoio aos Serviços de Ater, a ser constituído e admi-
nistrado pelo Dater/SAF/MDA. Aos recursos desse fundo teriam
acesso, mediante seleção e avaliação de projetos, entidades de Ater
credenciadas e que atendam às exigências da Política Nacional de
Ater, correspondentes às condições mínimas de infra-estrutura,
equipes multidisciplinares, capacitação técnica, condições de
abrangência e garantia de continuidade dos serviços aos grupos/
comunidades participantes de diferentes projetos de desenvolvimen-
to rural sustentável, respeitando as diferenças regionais.
O programa nacional de Ater deverá estabelecer critérios de par-
ticipação financeira da União, de modo a favorecer os municípios e
Estados com maiores dificuldades financeiras, visando assegurar a
universalização da oferta dos serviços. De igual forma, devem ser
observadas as peculiaridades geográficas e produtivas de cada região.
A participação da União se dará de forma tal que fique assegurada uma

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maior parcela dos recursos aos Estados mais carentes. Na medida em
que se fortaleçam os serviços de Ater nesses Estados, essa diferencia-
ção deverá ser reduzida progressivamente até ser alcançado um equi-
líbrio na oferta de serviços nas diferentes unidades federativas.

Requisitos básicos para credenciamento de entidades prestadoras de


serviços
As entidades que queiram participar da rede de serviços de Ater
apoiada pelo MDA/SAF deverão atender os seguintes requisitos bá-
sicos:
• Somente serão aceitos os pedidos de credenciamento de enti-
dades com base territorial e abrangência geográfica definidas, não
sendo acolhido o credenciamento de entidades que não possam
comprovar essa condição. O credenciamento de entidades deverá
considerar a infra-estrutura disponível, assim como a capacidade
operacional e a adequação entre o dimensionamento da equipe téc-
nica e de apoio em relação ao trabalho a ser realizado, área de
abrangência e número de beneficiários a serem atendidos.
• Ao solicitar o credenciamento, as entidades ou redes de Ater
devem comprovar: a) que possuem um corpo técnico multidisci-
plinar, com seus profissionais devidamente registrados nos respec-
tivos Conselhos Profissionais (quando for o caso); b) que seu corpo
profissional detém conhecimentos nas áreas requeridas pelos proje-
tos a serem apoiados. Tanto a condição de multidisciplinaridade
quanto a das áreas de conhecimento poderão ser atendidas em for-
ma conjunta por entidades parceiras, no caso de organizações que
atuam vinculadas a redes de Ater.
• A entidade a ser credenciada deve se comprometer a utilizar
os recursos alocados pela Política Nacional de Ater exclusivamente
para a prestação de serviços de Ater aos beneficiários que estejam
enquadrados como agricultores familiares, indígenas, quilombolas,
pescadores artesanais, assentados pelos programas de reforma agrá-

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ria, ribeirinhos, seringueiros, extrativistas e outros públicos defini-
dos pelo Dater/SAF/MDA.
• A entidade a ser credenciada deve ter incorporado em suas
diretrizes de trabalho as questões de gênero, geração e etnia.
• A entidade deve se comprometer a prestar orientações técni-
cas com ênfase para o uso sustentável dos recursos naturais
renováveis, eliminação do uso de agroquímicos de síntese e de or-
ganismos geneticamente modificados, preservação e aumento da
biodiversidade, entre outras práticas que promovam o uso e o ma-
nejo ecológico dos recursos naturais, bem como atuar mediante o
uso de metodologias participativas tendo como referência as orien-
tações presentes no documento da política nacional de Ater.
• A entidade credenciada deve se submeter aos mecanismos e
procedimentos de acompanhamento, controle e avaliação das ati-
vidades contratadas e/ou conveniadas, estabelecidos pelo Conselho
Nacional de Ater e poderá ser descredenciada a qualquer momen-
to, se constatado o não cumprimento dos serviços contratados com
o Dater/SAF/MDA.
• O credenciamento deverá ser renovado anualmente, median-
te avaliação e aprovação dos serviços prestados, considerando a
opinião dos beneficiários.
• A opinião dos agricultores diretamente envolvidos como
beneficiários de serviços de Ater deverá ser considerada na escolha
das entidades prestadoras de serviços.

Critérios para a alocação de recursos


• A entidade de Ater interessada em receber recursos do MDA
deve seguir os princípios, diretrizes, missão, objetivos, orientações
estratégicas e metodologias da política nacional de Ater.
• Independentemente da alocação geral de recursos, o Dater/SAF
poderá apoiar financeiramente a realização de projetos-piloto que
possam servir como referência de “boas práticas”.

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• Deverão ser construídos indicadores a serem usados para esta-
belecer parâmetros para a distribuição dos recursos federais. A com-
binação dos fatores abaixo, entre outros, poderá ser usada para orien-
tar a maior ou menor destinação dos recursos aos Estados:
Número de agricultores familiares, por Estado.
Menor grau de IDH de Estados e municípios.
Renda líquida média do universo de agricultores familiares, por
Estado.
Maior porcentagem de estabelecimentos rurais caracterizados
como de agricultura familiar, por Estado e município.
Maior número de estabelecimentos rurais de agricultores fami-
liares, por Estado e município.
• Considerar como elemento positivo aquelas abordagens que
integrem atividades voltadas para a melhoria no desempenho do tra-
balho e dos resultados da agricultura familiar, tais como: inserção
nos mercados, verticalização e transformação da produção, agricul-
tura de base ecológica, produção de artesanato, promoção e parti-
cipação no turismo rural, organização dos agricultores, administra-
ção rural, adoção de metodologias participativas para a construção
de processos de DRS e de planejamento municipal, levando em
conta as especificidades regionais.

Capacitação para a transição


Para o estabelecimento de um novo paradigma orientado ao
desenvolvimento rural sustentável e ao estabelecimento de estilos
de agricultura sustentável, com base nos princípios da Agroecologia,
deve-se ter como ponto de partida um processo de capacitação
massiva de extensionistas e assessores técnicos capazes de garantir a
implantação de um enfoque de Ater baseado em processos
educativos potencializadores do crescimento do ser humano como
cidadão. Isso requer uma sólida formação dos agentes para o uso de
metodologias participativas promotoras do envolvimento consciente

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dos atores sociais e que fortaleçam suas capacidades para a ação in-
dividual e coletiva.
O processo de capacitação para a transição deverá ter um con-
teúdo capaz de formar os profissionais para atuarem como agentes
de desenvolvimento local, com condições de investigar, identificar
e disponibilizar aos agricultores e suas famílias um conjunto de
opções técnicas e não técnicas, compatíveis com as necessidades dos
beneficiários e com o espaço territorial onde estejam inseridos.
Do ponto de vista metodológico, deverão ser privilegiadas
metodologias baseadas na Pedagogia da Alternância. As ações de
capacitação devem abranger, além dos técnicos, agricultores e outros
agentes envolvidos nos processos de desenvolvimento rural, conside-
rando sempre as demandas e realidades locais, regionais ou territoriais.

Pontos negativ os da política


negativos
Na parte das “Diretrizes da Política Nacional de Ater” o docu-
mento fala em:
• Privilegiar os conselhos como fóruns ativos e co-responsáveis
pela gestão da política nacional de Ater, nos âmbitos municipal,
estadual e federal, de modo a fortalecer a participação dos
beneficiários e de representantes da sociedade civil na qualificação
das atividades de assistência técnica e extensão rural.
• Desenvolver ações de capacitação de membros de conselhos
ou Câmaras Técnicas de Ater, apoiando e incentivando a formação
e qualificação dos conselheiros.
É sabido que os conselhos no nível do Estado e municípios são
“viciados”. A participação de seus membros na grande maioria dos ca-
sos se dá pelo interesse dos governantes e de suas políticas. Não são
paritários, e têm decisões desfavoráveis aos agricultores camponeses.

Na parte da “Descentralização da gestão da Ater nos âmbitos


estaduais e municipais”, o documento aponta que “a gestão com-

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partilhada deverá ser exercida também no âmbito dos Estados e
municípios, por meio de conselhos ou Câmaras Técnicas de Ater
dos respectivos Conselhos de Desenvolvimento”. Embora se
propugne que estes “devam ser, preferentemente, deliberativos e
paritários, contando com a participação dos setores estatais, de re-
presentação dos agricultores e da sociedade civil organizada”, cai na
mesma situação acima. Se a coordenação nos Estados e municípios
for a partir dos Conselhos Estaduais e Câmaras Técnicas, a política
de Ater tende a ser como antes.
Nós defendemos que a coordenação se dê de forma articulada,
diretamente, entre os prestadores de serviços, os agricultores cam-
poneses e suas organizações com os órgãos da administração fede-
ral, através do Conselho de Desenvolvimento Nacional.

Alocação de recursos
Quanto a alocação de recursos financeiros, requisito básico para
credenciamento de entidades prestadoras de serviços, gestão e co-
ordenação do Sistema Nacional de Ater, o documento prevê:
“disponibilização para os Conselhos Estaduais ou Câmaras Téc-
nicas Estaduais de Ater para o financiamento de instituições ou
organizações de Ater credenciadas, que tenham trabalho perma-
nente e continuado no âmbito dos Estados e/ou municípios, con-
forme estabelecido neste documento, com parecer dos Conselhos
Estaduais, buscar seu credenciamento junto aos Conselhos ou
Câmaras Estaduais de Ater designados pelo MDA, mediante pro-
cedimento definido pelo Dater”.
Da mesma forma, nos Conselhos Estaduais ou Municipais na
gestão a alocação dos recursos corre o mesmo risco dos vícios histó-
ricos desses fóruns dirigidos por interesses locais e regionais onde o
poder econômico das elites políticas controlam a Ater de acordo com
suas vontades.

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Modelo institucional
Outra falha que se entende da nova política nacional de Ater se
refere ao modelo institucional. O formato apresentado para a exe-
cução da Ater prevê que tanto os Estados (através da Emater) quanto
os municípios (não explicita como) e também os movimentos sociais
(através de suas instituições) possam se credenciar e se habilitar para
prestar os serviços de Ater. Não prevê a criação de uma nova insti-
tuição pública de administração direta ou indireta ou “algo novo”
sob o controle público com a participação dos agricultores através
de suas organizações, por exemplo.

Limitações no formato de contratação de serviços unicamente


através de convênios
Essa forma que a política nacional prevê e que atualmente os
movimentos sociais estão buscando, através de suas associações e/ou
cooperativas de técnicos, traz uma série de limitações e implicações
futuras para a qualidade desses serviços. Entre elas podemos citar:
• Curto prazo dos convênios, não permitindo o planejamento
estratégico em médio e longo, impossibilitando a formação e
capacitação permanente dos técnicos com cursos regulares.
• A renovação dos convênios fica dependente da vontade polí-
tica dos dirigentes políticos.
• A interrupção de forma abrupta de um convênio traz grandes
prejuízos às famílias dos agricultores beneficiários com os serviços.
• Os técnicos ficam dependentes dos convênios para sua atua-
ção profissional.

Outros pontos negativos


O documento não aponta estratégias para o alcance dos objeti-
vos, bem como não estabelece metas, números de famílias a serem
beneficiadas ao longo do tempo, nem a forma como essas famílias
serão atingidas.

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Há muito poder para o Dater/SAF/MDA, o qual é um mero
departamento burocrático que não pressupõe nenhuma participa-
ção popular efetiva.
Por outro lado, o Condraf é pouco participativo. Sua composi-
ção é frágil e sem poder efetivo.

Outros princípios de uma Ater pública


1. Uma extensão rural pública, com estabilidade e perenidade,
sem a constante preocupação na disputa por recursos. E que estes
sejam garantidos por lei.
2. Caráter não governamental – cooperativado, com alguns prin-
cípios básicos, tais como:
• Uma relação de diálogo de sujeito a sujeito – do extensionista
ao agricultor, estabelecendo métodos de pesquisa e ação participativa
que leve a uma integração de saberes e conhecimentos científicos
com o saber popular local, compatível com a reprodução física, social
e econômica e preservação do meio ambiente.
• Possibilidade de os agricultores concretizarem seus sonhos e
aspirações a partir da produção de forma auto-sustentável e com
respeito às culturas locais, estimulando formas de cooperação para
a industrialização e comercialização direta dos produtos aos consu-
midores.
• Fazer-se de ponte entre o agricultor e o pesquisador para que
o primeiro participe do desenvolvimento tecnológico e de condi-
ções locais agroecológicas de seu trabalho no processo.
• Influenciar os técnicos (pesquisadores de ciências básicas e
aplicada) para que valorizem o conhecimento local dos agricultores
e não o considerem, simplesmente, como algo aproveitável pela ciên-
cia, senão de mesmo valor que esta, propiciando uma revolução
ecológico-social na pesquisa agrária.

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BIBLIOGRAFIA
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3. FREIRE, P. (1983). Extensão ou comunicação? 7ª edição. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra.
4. MDA/SAF (2003). Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão
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5. SÁNCCHES DE PUERTA, F. (2004). “Agroecología, desarrollo,
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6. SCHITZ, H. (2000). “Perspectiva de assistência técnica para a agricul-
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7. ROGERS, A. (1993). “A extensão rural de terceira geração: em direção
a um modelo alternativo”. The Rural Extensión Bulletin. Reading:
AERDD, no 3.

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12. A MOTIVAÇÃO DOS CAMPONESES PARA O
DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL
(a partir do conhecimento local)

ENIO GUTERRES
EDSON CADORE
VILMAR QUADRADO

A Agroecologia vem construindo o debate da multidisciplinaridade


e da transdisciplinaridade, dos estudos das Ciências Sociais e Naturais,
dando sustentação necessária para um processo de transformação
ambiental, social, político e cultural a partir do local, de dentro para
dentro. O resgate dos saberes tradicionais e culturais dos povos campo-
neses e indígenas tem por base as ciências sociais e naturais com suas
disciplinas de Sociologia, Ecossociologia ou Sociologia Ambiental,
Antropologia, Economia Ecológica, sendo esses alguns exemplos de áreas
que vêm sendo pesquisadas e trabalhadas no sentido de dar sustenta-
ção científica para um desenvolvimento rural sustentável.
A agricultura camponesa no Brasil vem vivenciando um processo
de perda de saberes locais populares, num processo crescente, em
função do avanço das classes dominantes e do controle hegemônico
do capital externo no campo.
A crise que vivemos é uma crise civilizatória e ambiental. O mundo
todo está perguntando: onde está o “novo”, que contenha um con-
junto de valores, um novo pensamento, um conhecimento que pare-
ce estar longe de nossas comunidades e assentamentos? Uma outra

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forma de agir, produzir, viver, e não este do pensamento cartesiano,
mecanicista, do individualismo tecnológico (a parte explica o todo),
da consciência tecnocrática que nos levou à privatização, à
mercantilização e ao cientificismo? Com isso, queremos debater e
questionar: onde está o “novo”? Que valores a agricultura camponesa
tem? De onde está se buscando elementos para a construção de uma
estratégia de desenvolvimento humano e sustentável?
Urge o resgate de identidades locais, tradicionais e culturais de
saberes populares (identidade de classe), para que possamos cons-
truir um desenvolvimento rural sustentável, contrapondo o avanço
convencional “modernizador” que se impõe e coloca em risco o
futuro do meio ambiente e da população brasileira.
A construção de uma proposta prática e política, segundo
Lacosta, discutido em aula por Pablo Balenzuela, que define que
desenvolvimento é um processo de transformação de uma situação
A – “desenvolvimento” centralizado e hegemonizado pelas
corporações econômicas externas, as transnacionais, ineficiente, com
resultados perversos, com destruição e depredação ambiental, social
e cultural – para uma situação B – em que a população local possa
se motivar para uma tomada de decisão e pôr em prática um pro-
cesso de planificação integrada, de um desenvolvimento endógeno,
ou seja, de dentro, no qual o controle do processo de decisão seja
dos grupos sociais locais.
Esse processo de construção, de um desenvolvimento endógeno
e integrado, deve contemplar vários elementos, tais como a auto-
sustentação econômica, o desenvolvimento humano, com acesso ao
trabalho, à saúde e à educação, com a discussão de gênero, para o
bem-estar social de todas as famílias.
O primeiro passo deve ser a motivação. Como conquistá-la?
Talvez o trabalho de resgate dos saberes locais presentes em todas as
comunidades, por mais que a maioria esteja num processo crescen-
te de perdas, seja o ponto de partida para a motivação das pessoas

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num processo de construção de conhecimentos. Estamos perceben-
do que os recursos não estão fora, não são alheios, mas estão juntos,
são próprios, nós e os camponeses que não os enxergamos e fica-
mos à espera de que algo ou alguém de fora possa vir nos trazer.
O resgate desses saberes para o desenvolvimento rural passa pela
tomada de consciência: de identidade de classe social, da valorização
dos recursos internos, em que o cultural e o tradicional tenham um
valor imprescindível para qualquer processo de tomada de decisão para
a transformação da realidade em que vivem os camponeses.
Mesmo não sendo possível que uma comunidade seja capaz de
se isolar do mundo mercantilizado, alheio, de fora, essa utopia per-
mite a produção de tensões necessárias ao enfrentamento da depen-
dência. Para a construção de um modelo de desenvolvimento, que
começa na comunidade, nos grupos de base, com seu conjunto de
famílias tendo o controle social, alguns pressupostos teóricos e
metodológicos são necessários, como o resgate e a reconstrução de
valores éticos e culturais, na relação entre si e com a natureza.
É necessária a superação e substituição de razões de competição
individualista, egoísta e predatória, construída por uma doutrina eco-
nômica absoluta do capital, por valores de solidariedade, cooperação
e ajuda mútua. Essas razões estéticas e externas estão levando a socie-
dade a um brutal enfrentamento com a natureza na tentativa de
moldá-la ao seu interesse econômico, criando uma crise ambiental e
social e levando milhões de camponeses à exclusão social.
O campo de ação deve se unir ao conjunto de valores
socioculturais e históricos (a reconstrução do saber local) para o
resgate da identidade própria tipicamente camponesa, preservando
as diversidades de vida – biodiversidade e cultural – para a supera-
ção da crise. Isso só será possível com a constante busca de motiva-
ção num processo de organização social, com amplo debate coleti-
vo, formação política, social e cultural, não só dos dirigentes e
assessores mas também da massa como um todo.

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Nosso papel neste momento é estudar, decifrar os diferentes
métodos e técnicas de investigação-ação para, junto com o povo,
construir o processo de mudança na pesquisa, assistência técnica e
extensão rural. Há mais de duas décadas, grupos e instituições com-
prometidas com uma transformação vêm discutindo, frente ao
marco teórico dominante, alternativas de mudanças, gerando no-
vas propostas metodológicas participativas que corrijam as distorções
e deficiências e superem as perversões do modelo excludente.

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13. PLANEJAMENTO – Quem não sabe onde quer chegar
não chega lá nunca

Planejar é ter esperança, é crer numa certeza que não se vê e se


age como se tudo dependesse de nós. É organizar as ações para rea-
lizar o querer das pessoas envolvidas, num contexto e conjuntura,
tendo clareza dos próprios sonhos e dos objetivos concretos, como
conhecimento da realidade, disposição, disciplina consciente, in-
dividual e coletiva, para seguir os passos combinados.
Quem quer atuar sobre a realidade para transformá-la tem que
ter claro seu ponto de chegada e a disposição interna para encarar
o caminho e atingir seu sonho.
Antes de fazer sua roça, o camponês faz planos: o que quer plan-
tar, em que terra, como plantar, que etapas vai seguir, que instru-
mentos vai usar, quanto quer colher, para quem vai vender etc.
Também o time de futebol planeja os jogos do campeonato: os
objetivos, os adversários, os recursos, a preparação, o campo, a tática de
jogo. Quem vive e age sabe que só com a organização se chega à vitória.

Dificuldades para planejar – três grandes grupos de


dificuldades:

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a. Cultura enraizada:
• Durante 500 anos, foi cultivada a idéia de que trabalhador não
precisa pensar: alguém pensa por ele. E a ele cabe executar as tare-
fas. Por isso, mesmo não sendo escravo, delega esse poder ao “inte-
lectual”, ao patrão, ao chefe, ao presidente ... isso é papel deles.
• A representação, a substituição e a transferência de responsa-
bilidade são resquícios históricos da mentalidade escravocrata de
dominação/submissão: um gosta de mandar porque outro aprende
a obedecer.
• Cultivou-se também a descrença no planejamento, por ser coisa
complicada, que não considera a realidade concreta, que tira a liberda-
de das pessoas etc. Junto com a sadia defesa contra o enquadramento,
a castração da iniciativa individual e a burocracia, podem estar escon-
didos o basismo, o oportunismo e o personalismo. A resistência ao pla-
nejamento e à disciplina justifica o ativismo ou o temor do controle social
sobre os planos que os donos têm na sua cabeça.

b. Pouca capacitação técnica:


– Para atingir um ideal não basta apenas a vontade. Fazer polí-
tica é uma arte que exige competência, perseverança, disciplina e
qualificação mínima do domínio de algumas técnicas e instrumen-
tos. Os trabalhadores precisam se apropriar dessas ferramentas para
aplicar no seu trabalho e na sua luta.
– Muitas pessoas pensaram sobre sua prática e tiraram orienta-
ções que podem servir hoje. Falam do ponto de partida, do ponto
de chegada, do caminho, da articulação das partes, das manhas, do
acompanhamento, da retificação. Podem ser válidas quando usadas
conforme os momentos, o jeito das pessoas e o ritmo dos lugares.

c. Modelos e receitas:
• Convencido da necessidade de planejar e avaliar, buscam-se
métodos de planejamento. Existem muitas receitas em moda. Co-

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piar modelos ou impor receitas, em geral, frustra. Porque só pode
planejar quem vai executar, ou vice-versa, só executa quem plane-
jou. Dialogando com vários modelos, cria-se o próprio.
• Há muitos modelos feito por encomenda e por exigência de
quem dá o dinheiro, que acabam nos arquivos. Afinal, foram feitos
p’rá inglês ver.

O que é um planejamento?
São sinônimos de planejamento: plano, programa ou projeto.
Planejamento é um processo com quatro fases básicas:
• Conhecer a realidade.
• Tomar uma decisão, decidir.
• Agir.
• Criticar.
Planejar é conhecer para tomar uma decisão: diagnóstico, prog-
nóstico, estudos, pesquisas – gera um produto –, plano operacional,
execução, acompanhamento, controle, avaliação – monitoramento.
Planejamento e avaliação são como duas faces da mesma moeda.

O que levar em conta no planejamento?


levar

a. Conhecer a realidade, lugar onde estamos:


• Os óculos a partir dos quais a militância vê a si, a realidade:
concepção de mundo, utopias, convicções, princípios e valores que
são as motivações fundamentais. Por isso, se fala em “eu creio em...”,
“eu sonho com...”.
• O projeto político, a missão que as pessoas ou a organização
se coloca. Isso tem a ver com a vontade e a disposição. Por isso se
diz, “eu quero...”.
• A metodologia usada tem a ver com a postura adotada (auto-
ritária ou de diálogo) e os procedimentos aplicados. Por isso se fala
em “eu faço assim...”.

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A realidade influencia nosso olhar. Mas também é verdade que
contemplamos o mundo a partir do que acreditamos.

b. O público que escolhemos:


• Suas convicções e valores.
• Sua experiência histórica.
• Seus limites e potencialidades.

c. O chão onde se dá o relacionamento:


• O contexto, o cenário, a conjuntura.
• Realidade social/política/econômica/religiosa/cultural.
• Tendência dominante, contradições, possibilidades.
• A trajetória histórica.
O planejamento é essa intensa interação e tensão de todos com
todos, influenciando(-se) entre si: agentes, contexto, público-alvo,
plano, projeto, programa.
O plano canaliza as ações, dentro de um cronograma, seguindo
uma lógica, no rumo de um objetivo. Ao planejar é preciso ter cla-
ras as tarefas permanentes (que todo trabalho dever ter) e as tarefas
conjunturais (determinadas pelo momento).
As tarefas permanentes são: contatar, conhecer, mobilizar, orga-
nizar, formar, articular e conseguir vitórias. As tarefas conjunturais
são determinadas pelo momento. Quem tem claro seus objetivos
prepara essa onda ou entra na onda criada para sensibilizar e mobi-
lizar as pessoas para determinado rumo.
Planejar é tomar uma decisão para antecipar o futuro. Só po-
dermos planejar sobre algo que temos o controle dos recursos. Se
não tem controle dos recursos não planeja e, sim, faz uma pauta
de lutas políticas. Sai do campo do planejamento e vai para o cam-
po da luta.

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Para tomar decisão precisamos de:
• Objetivo – definir o objeto, a coisa a ser planejada, o que vai
ser estudado. Definir os campos temáticos, ou os eixos estruturantes,
as linhas estratégicas.
• Metas, é um objeto quantificado dentro de um prazo.
• Prazo (tempo) – que pode ser de curto, médio ou longo prazo
(planejamento estratégico).
• Indicadores – unidade de medida da meta.
Exemplo de um plano:
• Objetivo, ou objeto ou o Eixo Estruturante é a massificação
dos assentamentos.
• Meta – 5 mil famílias num prazo.
• Prazo – até 2007. Num determinado local, no RS.
• Indicadores – no de famílias assentadas.

Objetiv os do planejamento:
bjetivos
• aumentar a previsibilidade
• reduzir o acaso, as incertezas
• Como? Planejando as ações.
O centro no processo do planejamento é a decisão.
Planejamento tem que fazer parte do cotidiano, da vida de to-
dos. De uma forma ou de outra todos fazemos planejamento.
A participação é fundamental. Só executa um planejamento
quem planeja. E só toma decisão quem tem alternativas.
Decisão (estratégia) – reduzir o universo que vamos ver no futuro.
Objeto do estudo – é decomposto em campo temático, para che-
gar aos indicadores. Sinônimos de campo temático – estrutura do con-
junto de ações, linhas estratégicas, elos condutores e eixos estruturantes.
Isso define o rumo. Mas é preciso ter quem coordene e dê o comando.
A espontaneidade leva à fragilidade.
Cenário atual – é a situação atual, um diagnóstico; e cenário
desejado – é a situação que se deseja dentro de um determinado prazo

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pré-determinado. Pode ser curto prazo – 1 ano; médio prazo – de 2
a 5 anos; ou longo prazo – 10 anos, por exemplo.
Indicadores definidos – é o que vamos ver juntos.

Planejamento ascendente pelo


Método de Validação Progressiva – MVP*
O MVP é um método de planejamento que proporciona pro-
cessos participativos da totalidade da população envolvida, desde o
nível dos coletivos sociais até o nível da família singular, de manei-
ra que essa população se torne sujeito das decisões do conteúdo do
plano que ela mesma selecionou.
Proporciona situações de reflexão e de tomada de decisão progres-
sivas por parte de cada uma das famílias e pelo coletivo social de
maneira a se constituir um compromisso público com referências
futuras (cenários desejados) às estratégias e os meios para alcançá-lo.
Deve-se romper com os procedimentos tradicionais de se elabo-
rar planos a partir de um diagnóstico formal da realidade para em
seguida se alcançar a fase de tomada de decisões, implantando-se um
procedimento em que se começa pela tomada de decisões sobre o que
se deseja para gradativamente (validação das múltiplas decisões), atra-
vés de um processo de problematização da decisão, tomando-se cons-
ciência da distância entre o desejado e o possível a partir de explica-
ções do real confrontadas com várias concepções de mundo que
permitam compatibilizar as decisões (metas desejadas) e meios possí-
veis e potenciais para a sua consecução.

a. A validação progressiva
Como validação progressiva se compreende o processo de
legitimação continuada e progressiva das macrodecisões (assumidas
no nível dos coletivos sociais) e em interação constante com as

*
Conforme Horacio Martins de Carvalho (2004).

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microdecisões (no nível de cada família singular) tomadas durante
todo o processo de elaboração de um plano, programa ou projeto.
A decisão final será sempre da família, mesmo que entre ela e o
coletivo social a que se considera integrada ou tenha relações de
pertencimento, identidade ou de associação por interesse haja me-
diações através de grupos, núcleos ou associações de representação.
A decisão tomada nos níveis coletivos terá sempre caráter
indicativo em relação ao comportamento esperado da família e dos
indivíduos que a compõem.

b. A construção do problema para o plano


O esperado com o plano é encontrar o problema para superá-
lo. A construção do problema do assentamento/comunidade, sob
as dimensões econômica, social, cultural, ambiental ou adminis-
trativa, deverá perdurar durante toda a elaboração do plano num
processo continuado e educativo de proposição e revisão da pro-
posição onde seja possível se criar condições político-sociais e edu-
cacionais de desenvolvimento da consciência crítica dos sujeitos
do plano.
A construção da problemática nessa abordagem parte do que os
sujeitos do plano desejam realizar, independentemente da leitura que
eles fazem das suas realidades e das suas possibilidades efetivas. Por-
tanto, nesse método, a problemática é representada pelos cenários
desejados de curto e médio prazo construídos pela população en-
volvida a partir de seus desejos, aspirações e esperanças.
A construção dessa problemática (questionamento sobre a
viabilização dos cenários desejados), através do confronto amoro-
so entre saberes populares e eruditos, é que permitirá se construir
o problema objeto do plano: ajustar e viabilizar os cenários dese-
jados perante os meios disponíveis e potenciais de sua realização.

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c. Fases do Método de Validação Progressiva – MVP
A elaboração do plano pelo procedimento ascendente pressupõe
diferentes níveis de decisão em distintas fases de trabalho:
• Em nível macro (direção ou coordenação estadual ou do as-
sentamento) – definição dos temas geradores ou dos eixos
estruturantes, parâmetros para medi-lo e uma meta para cada tema,
ou submeta. Com os indicadores.
• Em nível meso (coordenação regional, setores do movimento,
cooperativa, associação ou núcleo de famílias) – é o primeiro ajuste
do plano.
• Em nível micro (assentamento ou família singular) – cada
assentamento, núcleo, ou família assume uma meta por tema ge-
rador.
Em nível macro – recenseamento dos projetos de metas depois
de passar pelo nível micro. Plano Preliminar de Metas do Coletivo
Social: é o somatório de todos os coletivos ou indivíduos.
• Em nível macro – organização administrativa para a implan-
tação do plano. Uma matriz: no eixo horizontal, os temas gerado-
res, ou eixos estruturantes e suas decomposições em parâmetros e,
no eixo vertical, as regiões, os assentamentos, os núcleos ou as fa-
mílias. Depende da dimensão que se queira dar ao plano.
Plano de metas significa que se está dando ênfase à meta a ser
alcançada no final do prazo estabelecido para o plano, programa ou
projeto de cada região, assentamento, núcleo ou família. Para isso
será necessário um monitoramento, avaliação e replanejamento.
Avaliar é um exercício de reconstruir processos, refazer caminhos,
reencontrar as referências básicas e recordar (passar de novo pelo co-
ração) a convicção essencial. A finalidade é realizar um diagnóstico
prospectivo (análise visando soluções) que compara o dito com o
feito para mudar, retificar ou ratificar o dito ou o feito. Por isso, é
parte integrante do processo de (re)planejamento que olha o já rea-
lizado para:

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• perceber a coerência entre o dito e o feito;
• compreender os limites e possibilidades do que se faz;
• aperfeiçoar ou mudar a própria prática.
Recursos para a produção (essa parte se refere quando se planeja
a produção de um assentamento/comunidade): Nos cinco níveis
anteriores, pode surgir demanda de recursos – um novo planeja-
mento para decidir os recursos a serem utilizados. A relação produ-
to-insumo etc.
Três hipóteses para isso:
• 1a hipótese:: ao se considerar o conjunto de metas preliminares
indicativas (fase 1), já se calcula para cada tema gerador, e dentro dele
para cada parâmetro, a demanda provável de insumos físicos, huma-
nos e financeiros necessários e indispensáveis para que cada meta seja
alcançada no prazo estabelecido. Nesse mesmo procedimento, se es-
tabelecerá um cronograma de implantação das atividades de cada tema
gerador em função do calendário agrícola, liberação de créditos etc.
Assim, o plano preliminar de metas indicativas será acrescido da de-
manda estimada de recursos e sua oferta provável.
• 2ª hipótese: completa-se todo o ciclo do procedimento de ela-
boração do plano de metas pelo procedimento ascendente (as cin-
co fases anteriormente comentadas). Somente após se ter estabele-
cido o plano de metas é que se recomeçaria um novo ciclo similar
ao das cinco fases anteriores para estabelecer a relação produto (meta)
e os insumos requeridos.
Essa segunda hipótese requer mais tempo, incorpora certo
empirismo (procedimento de tentativa e erro), poderá exigir a revi-
são das metas etc. Por outro lado, é mais educativa, proporciona
maior tempo de amadurecimento.
A primeira hipótese é mais consistente do ponto de vista técni-
co. Porém, é mais complexa em função do elevado número de as-
pectos que deverá abordar simultaneamente.
• 3ª hipótese: já existe a decisão prévia de todas as famílias de

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que se fará de imediato a mudança da matriz tecnológica para a
produção ecológica. Nesse caso, a relação produto-insumo não passa
necessariamente pela dependência do mercado de insumos, mas pela
capacidade de cada família de produzir os próprios insumos. Nesse
caso, poderá se prever a elaboração, seguindo-se o mesmo ciclo das
cinco fases anteriormente descritas, de um plano de mobilização de
recursos a partir do plano de metas estabelecido.
Nesse caso, um plano de mobilização de recursos deveria se
concentrar em três aspectos integrados entre si:
• Procedimentos de assistência técnica;
• Formação das famílias dos agricultores;
• Formas de cooperação entre as famílias.

Texto elaborado para o Encontro Regional do MST,


em agosto de 2004.

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14. A FORMAÇÃO DO MTD (Movimento dos
Trabalhadores Desempregados) no Rio Grande do Sul
e o primeiro assentamento rururbano

Este trabalho procura trazer para o debate o surgimento de um


novo movimento social no cenário do Rio Grande do Sul, que bus-
cou, primeiramente, agregar desempregados das periferias da região
metropolitana de Porto Alegre e da própria capital gaúcha em tor-
no de um objetivo comum: lutar por trabalho. Propagando sua luta
por várias regiões do Estado para a construção dessa luta,
consubstanciou-se, em 2000, o Movimento dos Trabalhadores
Desempregados (MTD).
O surgimento desse movimento está ligado à temática do de-
semprego urbano, à concentração da terra, ao êxodo rural, ao cres-
cimento desordenado das cidades, à falta de opções de trabalho por
parte de uma massa crescente de pessoas que não têm onde traba-
lhar, morar e viver com dignidade.
Como resultado do surgimento do MTD, nasceu também, no
Rio Grande do Sul, uma experiência inusitada de geração de traba-
lho e renda, associada a um local de moradia para essas famílias, que
é o “assentamento rururbano” – uma política pública, dentro do
Programa Estadual de Reforma Agrária do Rio Grande do Sul.

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Na ótica desse programa, os denominados assentamentos de
“novo tipo” possibilitam o retorno dessas famílias urbanas para o
meio rural. Esse retorno ao campo não é visto como uma viagem
de volta ao passado, mas como a construção de novas condições para
o presente e o futuro. Assim, o retorno ao campo significa condi-
ções de moradia digna, ocupações rurais agrícolas e não-agrícolas,
alimentação, educação, isto é, a devolução da inclusão social para
famílias excluídas da sociedade.
Essa primeira conquista socioeconômica do movimento desen-
cadeou a constituição de novos acampamentos em outros grandes
municípios do Estado, como Pelotas, Caxias do Sul e Bagé, além de
vários outros núcleos em municípios de porte médio do Estado.
Para falar da formação do MTD, inicialmente é preciso
contextualizar a urbanização e a situação do desemprego no Rio
Grande do Sul, pois é a partir dele que surge esse movimento.

Urbanização e desemprego no Rio Grande do Sul


O Estado do Rio Grande do Sul, apesar de sua vasta extensão
territorial, apresenta uma grande concentração de sua população em
torno dos centros urbanos, nas grandes e médias cidades, em espe-
cial na região metropolitana de Porto Alegre.
É uma urbanização não planejada, desestruturada, fruto do
êxodo rural ocorrido nas últimas décadas. Segundo dados do IBGE,
em 2000, 81,6% da população gaúcha concentrava-se nas cidades.
Isso tem causado um desarranjo em termos de infra-estrutura social
– emprego, moradia, saneamento, saúde, educação etc. –, impon-
do um rebaixamento da qualidade de vida da maioria das famílias
que vivenciam esse processo.
Ao analisarmos uma série histórica da urbanização do Rio Gran-
de do Sul nos últimos 50 anos, segundo dados da Secretaria de Coor-
denação e Planejamento/Fundação de Economia e Estatística do Es-
tado/2002, poderemos observar que, em 1950, a população total do

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Rio Grande do Sul era de 4.164.821 habitantes, sendo 65,9% rural e
34,1% urbana. Em 2000, a população total do Estado era de
10.181.749 habitantes, sendo 18,4% rural e 81,6% urbana. Em 40
anos, houve inversão de números. A população das 5 maiores cida-
des em 1950 era de 595.772 habitantes (Porto Alegre, Pelotas, Santa
Rosa, Erechim e Passo Fundo). Estas se tornaram cidades-pólo regio-
nais e, em 2000, contavam com 2.468.097 habitantes (Porto Alegre,
Caxias do Sul, Pelotas, Canoas e Novo Hamburgo), com um grau de
urbanização de 81,65% e um índice de urbanização de 63,82%, con-
forme Tabela 1. Ainda, observando os números da cidade de Três
Passos, uma cidade com mais de 20 mil habitantes, do interior do
Estado, típica da colonização alemã, com um forte perfil rural na
década de 1960, quando havia uma população total de 38.555 habi-
tantes, sendo que, destes, 32.612 (84,6%) residiam no meio rural e
5.943 (15,4%) residiam na cidade, pode-se ver uma quase completa
evasão do meio rural e a urbanização dessa população. Em 2000, o
município contava com 24.654 habitantes, sendo 18.142 na cidade
(73,5%) e 6.512 habitantes (24,5%) no meio rural. Fica evidente o
deslocamento da população para os grandes centros urbanos. Nessa
mesma análise, observamos o grande aumento do número de cida-
des com mais de 20 mil habitantes, das quais, em 1950, havia 10,
passando para 72 em 2000.

Tabela 1. Urbanização do Rio G


Urbanização rande do SSul
Grande ul nos últimos 50 anos
Ano 1950 2000
População total (habitantes) 4.164.821 10.181.749
População urbana (%) 34,1 81,6
População rural (%) 65,9 18,4
População de Porto Alegre 375.049 1.304.998
População das 5 maiores cidades 595.772 2.468.097
Nº de cidades com mais de 20 mil habitantes 10 72
Grau de urbanização 34,14 81,65
Índice de urbanização 17,69 63,82
Fonte: FEE/RS.

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A taxa de desemprego na região metropolitana de Porto Alegre
em agosto de 2002 alcançava índices de 15,4% (PED/FEE). Segun-
do esse mesmo estudo, a criação de 13 mil ocupações laborais, nes-
se mês, foi insuficiente para satisfazer a pressão exercida sobre o
mercado de trabalho pela entrada de 21 mil pessoas da População
Economicamente Ativa (PEA). Como resultado desses movimen-
tos, ocorreu a incorporação de 8 mil pessoas ao contingente de de-
sempregados da região, que ficou estimado em 277 mil pessoas.
A dinâmica de crescimento regional e urbano no atual sistema de
desenvolvimento globalizado neoliberal é diferente da década de 1950,
da época da ditadura, de 1960 e 1970, e até meados de 1980. Na-
quela ocasião, o crescimento econômico e populacional ocorria prin-
cipalmente nas grandes cidades, com uma industrialização acelerada
calcada no investimento de capital estrangeiro e altas contribuições
estatais. Nessas condições tivemos o crescimento rápido das grandes
e médias cidades, que ofereciam empregos (mesmo que com salários
minguados) e outros serviços. As conseqüências desse desenvolvimen-
to são bastante conhecidas, mas seguramente não alcançavam a gra-
vidade de hoje em dia. Temos, atualmente, um forte desemprego,
desequilíbrios ambientais agravados, a violência urbana é dramática,
o uso do solo piorou por sua mercantilização acelerada e, assim, o
acesso aos bens urbanos, os direitos humanos e a cidadania estão cada
vez mais distantes de uma boa parcela da população.
Para o MTD, o desemprego é um traço intrínseco ao sistema capi-
talista, até porque nunca houve pleno emprego nesse modelo econô-
mico: “O capitalismo sempre cria mecanismos pelos quais uma parte
da força de trabalho se converte num exército industrial de reserva –
aquela que está desempregada – permitindo ao capitalista rebaixar os
salários, as condições de vida e fragilizar a luta dos trabalhadores”.
A natureza do desemprego nos anos recentes vem da moderniza-
ção conservadora e da concentração de capital, tanto no setor primá-
rio quanto no secundário e terciário. Esse desemprego joga milhões

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de pessoas na informalidade, como forma de sobrevivência, deixan-
do as pessoas desamparadas das políticas sociais e previdenciárias.

A formação do MTD
Em entrevistas com lideranças, que foram os principais pilares
para a formação do MTD, ficou clara a origem desse importante e
contemporâneo movimento social. Foram três, as organizações que
deram origem ao movimento: a Federação dos Metalúrgicos do Rio
Grande do Sul (com seus sindicatos filiados), a Pastoral Operária e
o Movimento da Luta por Moradia.
“A história do Movimento dos Trabalhadores Desempregados é
um conjunto de discussões e lutas, é a realidade das duas últimas
décadas perdidas na economia, com conseqüências sociais desastro-
sas na camada mais empobrecida dos trabalhadores e, por fim, é a
história de um desafio, um desafio complexo diante da atual situa-
ção de recuo nas lutas massivas por parte do conjunto da esquerda
brasileira.” (Texto da coordenação estadual do MTD, 2001).
No início da década de 1990, com a crise econômica e a moderni-
zação do setor industrial, no país e no Estado, deflagrou-se um proces-
so de demissões e rotações de trabalhadores nas indústrias metalúrgicas,
aumentando em muito o número de trabalhadores desempregados.
Notícias divulgadas nos jornais, como Correio do Povo, de 14 de no-
vembro de 1995, demonstravam essa situação: “A produção industrial
brasileira apresentou queda de 6,7% em setembro, segundo divulgou
ontem o IBGE. O Rio Grande do Sul obteve o pior resultado entre as
principais capitais, no período, com queda de 25,9%, influenciada em
especial pelo setor de equipamentos e máquinas agrícolas. De janeiro a
setembro, a produção industrial no Estado caiu...”.
Com isso o movimento sindical entra em crise, com o fim das
greves por melhores condições de trabalho, o descenso das mobili-
zações, lutas pequenas, o medo de perder o emprego, a diminuição
da ação dos sindicatos e dos sindicalistas.

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Em 1995, iniciou-se um debate na Federação dos Metalúrgicos,
em que se discutia que o crescimento do desemprego na categoria
era irreversível e que alguma coisa era necessário ser feita. Surgiu da
discussão a seguinte questão: o que os sindicatos deveriam fazer para
agregar essa categoria de desempregados? Os dirigentes sindicais
deveriam assumir outras tarefas além das fábricas, deveriam também
atuar nas vilas, bairros e periferias das cidades, com o povo pobre e
miserável desempregado.
O complexo industrial metalúrgico da região metropolitana de
Porto Alegre foi um dos setores que desempregou um grande núme-
ro de trabalhadores dentre os principais setores industriais da região.
A Federação dos Metalúrgicos, juntamente com seus sindicatos
filiados, iniciou uma discussão com sua base (trabalhadora operária),
que havia perdido o emprego. Outro setor que desempregou muita
gente, e foi o principal atrativo de mão-de-obra barata para a região,
foi o coureiro-calçadista, principalmente na região do Vale dos Sinos.
Esse setor, ao mesmo tempo em que foi o responsável por atrair, no
auge da produção, muitas pessoas de várias regiões do Estado, por
outro lado, no momento da crise e da modernização, desempregou
milhares de pessoas. Com a crise econômica do país, outro setor que
desempregou muita gente foi o da construção civil.
No entanto, analisando os cadastros das famílias do MTD,
podemos observar que a grande maioria das pessoas que se engajou
na luta do movimento não tinha uma profissão definida. Observa-
mos as mais diferentes profissões entre os cadastrados, como: bal-
conistas, faxineiras, empregadas domésticas, serventes de pedreiros,
pedreiros, carpinteiros, motoristas, carregadores, metalúrgicos, cos-
tureiras, diaristas do meio rural etc. Atuavam no que surgisse, como
biscates para sobreviver. A grande maioria não era sindicalizada,
nunca teve carteira assinada e a renda anual variava entre R$ 500 e
R$ 1.500 reais. Outros que tiveram alguns empregos fixos estavam
há 2 ou 3 anos sem trabalho.

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Isso mostra que quem se engajou na luta do movimento não foi
a base dos sindicatos dos metalúrgicos, uma das vertentes do movi-
mento, ou outro sindicato, mas sim aquelas pessoas mais excluídas
do processo produtivo, pessoas com o mais baixo grau de instrução
e que nunca tiveram, e nas atuais condições não teriam, chance no
mercado formal de trabalho.
Uma proposta de cadastramento das pessoas desempregadas foi
levada adiante, desencadeando um movimento e a constituição de
fóruns de várias categorias de trabalhadores a lutar pela moratória
nas contas públicas como água, luz e IPTU, baseados na morató-
ria das empresas em dificuldades financeiras. Em vários municí-
pios do Estado, foram realizadas assembléias municipais chaman-
do o povo desempregado para se cadastrar. Foram realizados atos
públicos com a presença de lideranças sindicais, agentes de pasto-
rais da Igreja Católica, parlamentares e representantes de outros
movimentos populares, como aposentados e sem-terra, e cadastra-
vam-se os desempregados.
A justificativa da moratória era a de que “se o governo concede
a moratória ao empresariado, por que não poderia conceder aos
desempregados em estado pré-falimentar”. A partir desse movimen-
to, várias ações foram realizadas no Estado, como a “1a Conferên-
cia da Classe Trabalhadora Gaúcha”, e a “I Marcha dos Sem Contra
o Neoliberalismo”, ambas no ano de 1995.
No ano de 1996, foram realizadas várias apresentações de pro-
jetos de lei nas câmaras municipais e na Assembléia Legislativa es-
tadual, no sentido de suspender o pagamento de contas públicas,
inclusive com a aprovação de um projeto de lei da deputada Jussara
Cony, da bancada do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), “que
dispõe sobre a suspensão do fornecimento de água e de luz dos tra-
balhadores desempregados e dá outras providências”, para os traba-
lhadores que comprovassem estar desempregados por mais de 6
meses. O projeto foi vetado pelo governador da época.

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Essas ações tiveram resultados, tais como: o Programa RS-Em-
prego, do governo do Estado, com recursos do FAT (Fundo de
Amparo ao Trabalhador), repassados pela Secretaria do Trabalho,
Cidadania e Assistência Social, que atuava na qualificação profissio-
nal, com treinamento de mão-de-obra, subsidiava cursos de forma-
ção, com recursos para transporte e alimentação. Há outros exem-
plos de conquistas, como no município de Santana do Livramento,
no interior do Estado, onde um advogado conseguiu uma liminar
na justiça mantendo os serviços de fornecimento de água e esgoto,
desencadeando várias ações semelhantes em outros municípios.
Um dos grandes problemas constatados nessas iniciativas foi a
forma de atuação e direção das lutas, que fora até então tratada “de
fora para dentro”, ou seja, os dirigentes sindicais agiam em nome
dos desempregados. Estes deveriam assumir o seu papel. Outro
problema identificado era que não ficava nada organizado depois
das lutas; no máximo, constituía-se uma comissão de desemprega-
dos, oportunizando cooptação, oportunismo pessoal dessa lideran-
ças e uso indevido da função para proveito político próprio.
A idéia inicial dos sindicatos dos metalúrgicos era atingir os desem-
pregados de sua categoria. No entanto, outras pessoas desempregadas,
na maioria as que nunca tiveram emprego fixo, mais desqualificadas
profissionalmente, que viviam “de bico”, foram as que mais se sensibi-
lizaram com a proposta de se cadastrar para lutar por trabalho. Uma
possível explicação para isso é o desafio, a coragem e a própria falta de
oportunidade para essas pessoas “juntarem suas tralhas” e se submete-
rem a acampar sob uma lona preta sem saber o seu futuro. Enquanto
que os desempregados ex-sindicalizados, com maior qualificação, bus-
cam outra alternativa de sobrevivência e não se submetem a tal desafio.
Outros sindicatos, exceto o dos metalúrgicos, não assumiram a
proposta de buscar seus ex-sindicalizados para lutar por trabalho.
Em 1998, a Pastoral Operária ajudou a organizar “O Grito dos
Excluídos” na região metropolitana de Porto Alegre.

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Numa entrevista com uma ex-coordenadora da Pastoral Ope-
rária do Rio Grande do Sul, atualmente assentada no projeto de
assentamento rururbano, e uma das coordenadoras estaduais do
MTD, relata-se o trabalho da pastoral que, no início de sua exis-
tência, era com trabalhadores, operários urbanos na ativa, até por-
que o problema do desemprego era menor. Com o aumento do
desemprego, a entidade voltou-se para o problema dos desempre-
gados, causando uma séria crise de identidade na pastoral, em fun-
ção da mudança de rumo, em direção aos trabalhadores mais ne-
cessitados, os desempregados.
No ano de 1999, criou-se uma subcomissão do desemprego,
dentro da Comissão de Direitos Humanos, na Assembléia Legislativa
do Estado, que realizou várias audiências públicas em alguns mu-
nicípios para discutir a problemática do desemprego e ao mesmo
tempo buscar alternativas para este. Desse debate resultou a gesta-
ção de um projeto de lei que criou o Programa de Frentes de Traba-
lho, aprovado em novembro de 2000, porém vetado pelo governo
do Estado, alegando vício de origem e substituído pelo Programa
Estadual de Coletivos de Trabalho, este de iniciativa do Poder Exe-
cutivo gaúcho, iniciando a operar no ano de 2001, coordenado pela
Secretaria de Estado do Trabalho, Cidadania e Assistência Social.
Durante o ano de 1999, com a forte retomada da luta pela or-
ganização dos trabalhadores desempregados, a partir dos núcleos
organizados, construiu-se uma “vigília” de um dia com o objetivo
de chamar a atenção para o desemprego em várias cidades do Esta-
do. A idéia era que, a partir dessa vigília, se pudesse manter os nú-
cleos já existentes e construir outros. Não se conseguiu manter os
núcleos organizados, talvez por falta de um método adequado e cla-
reza de objetivos da luta ou porque as necessidades do dia-a-dia são
mais imperiosas. A falta de objetivos claros e perspectiva de ganho
econômico também deve ter contribuído para a desmobilização da
luta. A partir daí, aprofunda-se o debate sobre a forma de organizar

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essa população de modo que a luta política seja permanente, que
ocorra autonomia dos próprios trabalhadores e que o paternalismo
e o assistencialismo sejam superados, visto que essa tem sido a tôni-
ca dos que atuam no meio dos excluídos, sejam as igrejas, os clubes
de mães, as associações de vilas e bairros. Estes têm objetivos de
ajudar; no entanto, a organização é precária e não visa avanços eco-
nômicos das famílias e na comunidade.
Os políticos conservadores e assistencialistas também influen-
ciam com seus currais eleitorais e, através de favores esporádicos,
mantêm vínculos com a população pobre, que lhes fica devendo
favores cobrados na forma de voto. Outra atuação forte, principal-
mente nas comunidades mais pobres e desorganizadas, é a do crime
organizado, atuando no aliciamento de jovens que vêem na venda
de drogas uma forma fácil de ganhar dinheiro e poder.
Com a participação de lideranças que atuavam na luta por mora-
dia, surge a terceira vertente e com ela a experiência de que essa luta
acabava no momento da conquista da casa própria (lutavam, faziam
muitas ocupações, conquistavam a casa, mas não avançavam para além
disso). Juntamente com os sindicatos dos metalúrgicos e com diver-
sas lideranças dos movimentos sociais do campo, a tão propalada alian-
ça do campo e da cidade, em torno de objetivos comuns, começa a
dar alguns passos concretos, pelo menos, do ponto de vista de méto-
dos organizativos populares. Nesse contexto, a aliança campo/cidade
assume uma forma bastante distinta da tão propalada que, na verda-
de, era pensada como aliança operário-camponesa. No limiar do sé-
culo 21, não se trata mais disso, passando inclusive pela dificuldade
de delimitar fronteiras entre campo e cidade.
Aproximam-se e unificam o debate na busca de maior ação. Pas-
toral Operária, Federação dos Metalúrgicos e membros da Consulta
Popular, que, numa leitura da conjuntura, identificam a necessidade
de organizar os pobres urbanos, visto que os pobres do campo já es-
tão mais organizados – a partir do sindicalismo rural e principalmen-

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te das “oposições” sindicais rurais que deram origem à CUT, bem
como dos diversos movimentos sociais, MST, MPA, MAB, MMTR
e outros, para lutar por um “Projeto Popular para o Brasil”.
Ocorre um aprofundamento do debate e da reflexão, deliberan-
do-se uma linha de ação com o desafio de organizar o povo urbano,
excluídos, pobres e miseráveis que não tinham representação e or-
ganização para lutar por melhores condições de vida, deixando de
lado as lutas pontuais e partindo-se para uma luta política, econô-
mica e social de longo prazo, em que os próprios trabalhadores de-
sempregados detenham o controle e a autogestão da mesma.
O eixo central da luta foi definido como sendo o trabalho, pois
é este que define a vida das pessoas. Com argumentos do tipo “em-
prego não tem para todos, mas trabalho autogestionário sim” e agre-
gando ao eixo central a moradia e produção de alimentos para o auto-
sustento familiar, a terra passou a ser uma necessidade básica para a
concretização do eixo central agregado dos demais eixos, formando
o tripé terra, trabalho e moradia.
No final desse mesmo ano [1999], colocou-se em prática um plano
com metas definidas para organizar um grande acampamento de
desempregados com mais de mil pessoas, para se efetivar no início do
ano 2000. A idéia do acampamento era para construir uma
simbologia, um marco histórico, uma espécie de ponto de partida do
movimento. Deu-se início a um trabalho de base em 18 municípios
da região metropolitana de Porto Alegre, com cinco pessoas libera-
das, entre elas metalúrgicos desempregados, membros da Pastoral
Operária e membros do Movimento da Luta por Moradia, utilizan-
do-se do método da frente de massa do MST, para contatar com pes-
soas nas vilas, realizar entrevistas e reuniões questionando a realidade
em que viviam e possíveis ações para superar a crise. Foram elabora-
das duas cartilhas: uma para os militantes e outra para os desempre-
gados, base para o debate. A pauta de discussão com a população era:
conquistar um lugar para morar, trabalhar e produzir o alimento para

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o auto-sustento – um assentamento no meio rural próximo da cida-
de – e constituir frentes de trabalho de forma organizada.
Muitas dificuldades foram encontradas. Entre elas, as relacio-
nadas aos participantes do acampamento, uma vez que, em sua
maioria, eram lideranças preocupadas com o desemprego, mas com
muitas outras atribuições, o que dificultava a dedicação; os desem-
pregados que, para sobreviverem, tinham de fazer seus biscates, fi-
cavam impedidos de participar permanentemente das atividades
organizativas internas. Além disso, havia falta de recursos financei-
ros para sua locomoção e articulação.
Segundo as pessoas entrevistadas, havia uma grande atração, um
encanto para com a proposta, ao mesmo tempo uma grande des-
confiança e desesperança da possibilidade de conquista, um sonho
distante, já perdido, para muitos que não acreditavam mais em nada.
Com o trabalho de base proposto, atingiu-se diretamente duas mil
pessoas. Destas, num primeiro momento, cerca de 80% se dispu-
nham a ir acampar.
Foi acertada a data do acampamento e aí começou o dilema (ou
desculpa?) das pessoas, com impasses do tipo: “onde deixar minhas
tralhas?”, “e o meu barraco?”, “se eu sair, vou perdê-lo, outros vão
ocupá-lo!” etc. Isso fez com que a maioria das pessoas que, no pri-
meiro momento, se dispuseram a acampar, desistissem. A data do
acampamento foi marcada para abril de 2000 e coincidiu com uma
ofensiva do governo federal e da mídia contra as ocupações do MST
e do MPA em nível nacional, marcada pela violência policial. Mes-
mo assim, mais de 300 pessoas se propuseram a ir acampar.
O local escolhido para o acampamento foi um terreno da prefei-
tura no município de Gravataí, na Grande Porto Alegre, em frente
das instalações do complexo automotivo da General Motors do Bra-
sil (GM), uma montadora multinacional de automóveis que ganhou
uma série de incentivos, isenções fiscais e financiamentos públicos para
se instalar no Estado. Esse local era simbólico do ponto de vista polí-

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tico, visto que todos os recursos públicos concedidos, após muita
polêmica, à montadora tinham como pano de fundo o desenvolvi-
mento do Estado e a geração de emprego. O acampamento era um
contraponto a essa política governamental, pois, se o Estado conce-
dia recursos públicos subsidiados para uma multinacional, também
deveria tê-los para os desempregados, os que querem trabalhar.
Das mais de 300 pessoas acertadas para acampar na véspera da
ocupação, somente 200 pessoas apareceram e montaram o acam-
pamento, no dia 22 de maio de 2000. Já no momento inicial da
montagem dos barracos, muitas não concordam com a forma de
organização: um acampamento coletivo, agrupado por núcleos de
10 a 12 pessoas, ou seja, os barracos próximos uns dos outros em
forma de avenidas, já que sua permanência na área era provisória,
com a coordenação de um homem e de uma mulher por núcleo,
diferente das ocupações urbanas, em que “cada um vai para um
canto”, já pensando no seu lote individual. Muitos desistiram logo
no início, permanecendo no acampamento menos de 200 pessoas.
A Prefeitura Municipal de Gravataí entrou com o pedido de
reintegração de posse da área, o que foi protelado pela Justiça por
mais alguns dias, mas que, com sua concessão, levou o movimento
a ocupar outra área em frente da primeira, após dez dias de ocupa-
ção. Dessa vez, a ocupação se deu num lote vago, em litígio, pois
havia sido desapropriado pelo Estado para a GM, que não o utili-
zou. Num acordo entre o governo do Estado e o MTD, este per-
maneceu acampado no local até o governo apresentar uma área para
o assentamento definitivo das famílias. Um grupo de famílias, hoje
ainda, segue acampado nesse local.
Essas pessoas que se sujeitaram a ir acampar tinham origem em
diversas cidades do interior do Estado. Elas e/ou seus familiares mi-
graram para a cidade em busca de melhores condições de vida. Não
encontrando trabalho fixo, passaram a viver de biscates, entregando-
se a uma situação de miséria em uma disputa desigual, num territó-

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rio estranho à sua cultura e capacitação para o trabalho. Analisando o
cadastro dessas pessoas, encontramos uma ampla gama de atividades
que foram realizadas por elas, conforme já citado anteriormente.
Foi assim que nasceu mais um movimento social no Brasil, o
MTD, que a partir do acampamento em Gravataí, da visibilidade
dada pela mídia, parte para uma maior organicidade e lutas concre-
tas para a conquista de seus objetivos.
A partir do acampamento, deu-se início a um trabalho de for-
mação política interna, e ampliação dos contatos em vários outros
municípios, também no interior do Estado, culminando com uma
marcha rumo a Porto Alegre, denominada de “Marcha por Traba-
lho e Teto”. Durante oito dias, no final do mês de dezembro de 2000,
passaram pela periferia de várias cidades da região metropolitana,
conversando com os trabalhadores desempregados e discutindo as
propostas do movimento, onde receberam um grande apoio soli-
dário da sociedade. Um exemplo bem concreto desse apoio se deu
quando da chegada e entrada num shopping center na cidade de
Canos, onde algumas lojas fecharam as portas e logo em seguida
tiveram que reabri-las por exigência dos consumidores, numa rea-
ção espontânea de solidariedade à marcha.
Nessa marcha, também presenciaram e conheceram o lado cruel
da sociedade: o controle territorial por parte do crime organizado
que, em algumas localidades, não permitiu a continuidade da ca-
minhada, e os ameaçou, caso continuassem por aquele local.
Essa marcha chegou em Porto Alegre com uma longa pauta de
reivindicações, tendo como central “as frentes de trabalho” e “o pri-
meiro assentamento rururbano”. Suas lideranças foram recebidas por
diversas autoridades públicas, como o presidente da Assembléia
Legislativa, o delegado regional do Trabalho, o superintendente da
Caixa Econômica Federal e o governador do Estado, sendo que este
se comprometeu a desapropriar uma área de terra para a implanta-
ção de um assentamento.

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O assentamento rururbano como a primeira conquista
do MTD
Uma das diferentes formas de gerar trabalho, renda e emprego
para as famílias, proposta pelo MTD, é o assentamento rururbano:
mais uma demanda por terra num país e num Estado onde ela está
concentrada nas mãos de poucos e foi distribuída em algum mo-
mento da história de forma desproporcional e desigual.
Em recente texto, Guterres e Thies (2001), citado por Ramos e
outros (2002), observam que no contraponto à questão urbana no
Estado está a questão agrária, que apresenta um elevado grau de com-
plexidade decorrente dos processos históricos que caracterizaram a evo-
lução agrária rio-grandense-do-sul. O marco referencial remonta aos
processos de colonização, que, numa primeira fase da imigração – aço-
riana –, caracterizaram-se pelas doações de extensas áreas de sesmarias,
enquanto que nas imigrações posteriores – basicamente imigração ale-
mã, italiana e polonesa – os colonos tiveram que ocupar áreas restritas,
de difícil acesso, além de necessitarem efetuar a compra para obter a
posse. O processo de evolução histórica identifica o vício na origem da
distribuição da riqueza do território que mais tarde viria a se constituir
no Estado do Rio Grande do Sul. As sucessivas crises entre os períodos
que caracterizaram a evolução agrária gaúcha sempre demonstraram a
dicotomia agrária. De um lado, estavam os que tinham acesso farto à
terra e que mais tarde viriam a ser reconhecidos como latifundiários; e,
de outro, os que tiveram de conquistar seu espaço, adquirindo peque-
nas porções de terra, enquadrados na categoria de minifundiários. Esse
resgate sucinto permite identificar o arcabouço que fundamentou a atual
estrutura fundiária do RS (Ramo e outros, 2001, pp. 3-4).
Os dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1996 nos dão idéia
da dimensão da concentração da terra no Rio Grande do Sul. Segun-
do o referido censo, no Estado, os 7.850 estabelecimentos com mais
de 500 ha (1,83% do número total) acumulam cerca de 40% da área
total. Existem 85 estabelecimentos com mais de 5 mil ha que acu-

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mulam 641.257 ha, e que totalizam uma área muito superior ao to-
tal da área dos 70.743 estabelecimentos com menos de 5 ha.
Diante desse quadro, a legislação vigente nacional e estadual
contempla formas viáveis para que órgãos públicos possam, junto
com as populações organizadas, viabilizar, com estrutura técnica e
financeira, formas de ocupação de áreas que devolvam a função social
que estas deveriam desempenhar. Uma alternativa está nos assenta-
mentos humanos voltados para o resgate e a restituição da cidada-
nia de indivíduos que não encontram mais perspectivas que lhes
garanta a reprodução social no sistema capitalista, que expropria
aqueles que não têm capacidade competitiva, vindo a formar um
contingente de indivíduos marginalizados da sociedade.
O governo do Estado do Rio Grande do Sul traz como uma de
suas prioridades a implantação do Programa Estadual de Reforma
Agrária, que objetiva proporcionar o desenvolvimento do Rio Gran-
de do Sul. Esse programa atua em diversas linhas de ação. Uma delas
são os assentamentos denominados de “Novo Tipo”, a exemplo do
rururbano, que são unidades produtivas com projetos adequados à
realidade da região, com matrizes produtivas previamente estipula-
das e associadas à realidade do assentamento com atividades rurais
não só agrícolas, dentro dos conceitos da multifuncionalidade e da
pluriatividade da agricultura familiar.
A literatura destaca que, nos países considerados desenvolvidos,
as unidades familiares se inserem no mercado de trabalho combi-
nando várias atividades em busca de diferentes fontes de renda. É
um fenômeno antigo, que começou a ser objeto de reflexão mais
recentemente no Brasil – sua maior presença se dá no Sul e no Su-
deste, com destaque para as áreas de colonização européia (Graziano
da Silva, Balsdi e Del Grossi, apud IICA, 2000, p. 28).
Quando da audiência do movimento com o governo do Estado,
em dezembro de 2000, o governador logo em seguida criou, através de
um decreto, um Grupo de Trabalho (GT), composto por várias secre-

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tarias de Estado, para a elaboração de um projeto de assentamento que
atendesse à reivindicação do MTD. Sua pauta era uma área de terra
próxima da cidade de Porto Alegre, ou outra cidade metropolitana que
pudesse assentar as famílias acampadas, proporcionando área suficien-
te para produzirem o alimento para o auto-sustento das famílias, e que
parte da população pudesse se deslocar para trabalhar na cidade, tanto
na prestação de serviços quanto na venda de produtos do assentamento.
Da elaboração da proposta do Projeto de Assentamento Rururbano,
esse GT realizou visitas a outros projetos semelhantes, como o Progra-
ma de Vilas Rurais no Estado do Paraná, e outros exemplos de projetos
de outros Estados e das discussões teóricas acerca dos mesmos, e man-
teve diálogo permanente com a coordenação do movimento. Surge o
Projeto Rururbano, que apresenta um proposta de assentamentos, lo-
calizados em áreas rurais ou urbanas de ocupação extensiva, e/ou em
áreas de extensão rural próximas a grandes centros urbanos, que visa a
reintegração de trabalhadores urbanos, em situação de desemprego ou
subemprego vivida nas periferias urbanas. Trata-se de um público he-
terogêneo, no que se refere à atividade e qualificações profissionais, for-
mando um misto de experiências do campo e de atividades urbanas.
Nesse programa, os beneficiários moram no assentamento, atuando na
área agrícola, dentro de princípios agroecológicos e/ou desenvolvendo
atividades não agrícolas, tanto no assentamento quanto na cidade, em
função do conjunto coletivo interno. Cada família assentada deve se
inserir em alguma atividade produtiva agrícola ou não agrícola no as-
sentamento, tais como: participar de algum grupo – Coletivo de Tra-
balho – seja na produção agrícola (horta, lavoura, criação de animais)
ou não agrícola (padaria, fábrica de tijolos, de esquadrias metálicas ou
metalurgia, entre outros).
O projeto de assentamento rurubano intencionava resolver, pri-
meiramente, os problemas de auto-sustento para a reprodução dig-
na das famílias, ou seja, proporcionar que produzam alimentos para
uma dieta de 3 refeições diárias, tenham acesso à água potável, a

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módulos habitacionais condizentes com as necessidades humanas,
educação, transporte, saúde e alguma linha de produção agrícola e
não agrícola, que viabilize a geração de renda para os integrantes do
projeto. É uma proposta de ação concreta que visa restituir a quali-
dade de vida e cidadania dos trabalhadores urbanos desempregados.
O “Projeto de Novo Tipo”, assentamento rururbano, apresen-
ta-se como um projeto inovador, arrojado, de vanguarda, que per-
mite uma nova organização associada em agrovilas, constituindo
formas cooperadas de trabalho e produção, que conduzam à justiça
social, à dignidade, à qualidade de vida e à cidadania das pessoas.
Esse projeto difere de outras experiências, como as vilas rurais
do Paraná, por exemplo, basicamente pelo público e pela forma de
organização. Enquanto aqui conta com um público urbano e sua
forma de organização é a de grupos coletivos, lá o público é rural, o
tradicional “bóia-fria”, e se organiza de modo individualizado.
As pequenas propriedades têm múltiplas funções que beneficiam
tanto a sociedade quanto a biosfera e contribuem muito mais que
uma só produção particular, além de existirem muitas evidências de
que o modelo em pequena escala de desenvolvimento agrícola po-
deria produzir muito mais alimento que o modelo de propriedade
em grande escala jamais conseguiu produzir (Rosset, 2001).

O pr ojeto piloto – assentamento B


projeto elo M
Belo onte
Monte
O assentamento rururbano denominado Belo Monte, em fun-
ção de sua área geográfica, que apresenta em parte de seu relevo um
morro de preservação permanente, na forma de uma montanha, está
situado a 40 km de Porto Alegre, no município de Eldorado do Sul.
A área total do assentamento é de 442,5 ha, e a parte agricultável é
de aproximadamente 41% do total da área, com solos que permi-
tem a exploração de culturas anuais, como feijão, milho, arroz, sorgo,
forrageiras de inverno, e de verão, para a produção animal, além de
horticultura e culturas permanentes, como fruticultura, cana-de-açú-

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car, silvicultura e outras. Considerando a sua localização privilegia-
da, facilidade de acesso, presença de terras bem drenadas com rele-
vo suave ondulado e boa disponibilidade de água, o imóvel apre-
senta condições favoráveis para esse projeto.
A estratégia de produção no assentamento está sendo discutida
e praticada, ainda de forma incipiente, dentro dos princípios da
agroecologia, e isso é importante pois, segundo Altieri (1989), em
seu livro Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentá-
vel, “a agroecologia fornece as ferramentas metodológicas necessá-
rias para que a participação da comunidade venha a se tornar a força
geradora dos objetivos e atividades dos projetos de desenvol-
vimento”. Segundo Chambers (1983), citado por Altieri no mes-
mo livro, “o objetivo é que os camponeses se tornem os arquitetos
e atores de seu próprio desenvolvimento”.
Esse é mais um grande desafio desse assentamento, pois, em
função dos atores sociais, o que se verá logo a seguir, o conhecimento
local-tradicional, esse público não o possui.

Dos ator es sociais


atores
São 95 famílias beneficiadas, fruto de uma luta social, desafio pro-
posto e assumido por um grupo de famílias desempregadas da região
metropolitana de Porto Alegre que se reuniram para constituir um
novo movimento social, que germina e nasce da necessidade básica
de todo ser humano – o trabalho. A experiência do período de acam-
pamento, que perdurou por um ano, foi de extrema importância para
esse grupo de indivíduos em termos de formação e conscientização.
O tempo de maturação dos acampados proporcionou internalizar o
processo social e político que representa a luta pelo acesso à terra, tra-
balho e renda para cada um dos atores sociais.
Um universo de 331 pessoas, composto por crianças, adolescen-
tes, jovens e adultos, está fazendo parte dessa experiência, confor-
me Tabela 2, perfazendo um total de 200 pessoas com menos de 25

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anos, ou seja, 60% da população é jovem, com um potencial enor-
me de trabalho pela frente. Outro dado interessante é o equilíbrio
entre os sexos masculino e feminino, sendo, do total, 53% do sexo
masculino e 47% do sexo feminino.

Tabela 2. Número de pessoas por faixa etária no pr


Número ojeto de assentamento
projeto
Pessoas por faixa etária Número de pessoas
Número (%)
Crianças de 0 a 6 anos 68 20,5
Crianças de 7 a 12 anos 59 17,8
Adolescentes e jovens de 13 a 18 anos 41 12,4
Jovens de 19 a 25 anos 32 9,7
Adultos de 26 a 45 anos 90 27,2
Adultos com mais de 45 anos 41 12,4
Total 331 100,0
Fonte: Plano de Desenvolvimento do Assentamento – Emater/RS.

Quanto ao grau de escolaridade, observamos, na Tabela 3, o


grande número de pessoas com o primeiro grau incompleto que,
somado ao de analfabetos e às crianças com menos de 6 anos de
idade, constitui a grande maioria do assentamento. Chegando a 286
pessoas, ou seja, 86,6% do total das pessoas do assentamento, esse
dado nos aponta para a importância e a necessidade de um traba-
lho forte na formação e educação dessas pessoas, seja no ensino for-
mal para as crianças e jovens, seja na formação profissional, técni-
ca, social e política para todo o assentamento.

Tabela 3. Número de pessoas conforme a escolaridade


Número
Pessoas por grau de instr ução
instrução Número de pessoas
Número (%)
Crianças com menos de 6 anos 69 20,6
Pessoas analfabetas 13 3,9
1º grau incompleto 205 62,1
1º grau completo 12 3,6
2º grau incompleto 14 4,2
2º grau completo 13 3,9
3º grau incompleto 03 0,9
3º grau completo 02 0,6
Total 331 100,0
Fonte: Plano de Desenvolvimento do Assentamento – Emater/RS.

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As famílias são compostas por pessoas com as mais diversas apti-
dões e conhecimentos de trabalho, com diferenças de raças, religião
e cultura. Na área profissional, encontram-se pedreiros, carpintei-
ros, mecânicos, padeiros, costureiras, balconistas, artesãos, entre
outras profissões urbanas. O conhecimento agrícola está restrito às
pessoas com maior faixa de idade, que migraram para a cidade ain-
da em tempo de terem contato direto com a agricultura, ou poucas
pessoas que já atuaram de alguma forma na atividade agrícola.
Para reverter essa situação – que, por um lado, é bom de se tra-
balhar tecnicamente, pois essas pessoas não trazem os “vícios” da
agricultura moderna, agroquímica –, os técnicos que atuam no as-
sentamento têm praticado e transmitido alguns conhecimentos e
experiências agroecológicas de outros assentamentos do MST, de
sua própria região, os quais, inclusive, já foram visitados por lide-
ranças do agora Assentamento Belo Monte. São utilizadas algu-
mas técnicas alternativas, como o uso de adubação orgânica, cal-
das de biofertilizantes, inseticidas biológicos, entre outras, ainda
de forma incipiente, porque, por outro lado, há a necessidade da
produção imediata de alimentos com maior produtividade, o que
está levando os técnicos e as lideranças a terem que utilizar adu-
bação química, num primeiro momento, para elevar a produção.
(Ainda que com nem tão segura qualidade, por enquanto, neste
período de transição.)
Esse conjunto de atores sociais é bastante complexo: de um lado,
estão os mediadores (agentes políticos e técnicos que têm a função
de mediar, facilitar e ajudar, mas não de assumir o papel dos diri-
gentes, que são os próprios assentados) e, de outro lado, estão pes-
soas excluídas da sociedade e do processo de produção, muitas já
sem esperança, com diferentes vícios, carências e deficiências. Am-
bos estão em permanente processo de construção, numa dinâmica
de trabalho em grupo, com uma boa participação, vêm num cres-
cente de interação e conhecimentos, muitos conflitantes, mas que

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discutem, elaboram e aplicam as políticas para a implantação desse
assentamento. Há muitas crises e conflitos decorrentes do processo
de construção do novo. O imediatismo e o assistencialismo são gran-
des obstáculos a serem superados. A “cultura da vila” incrustada na
vida das pessoas dificulta o avanço, porque elas vêm de um mundo
de busca de sobrevivência a qualquer preço, de forma individual,
da falta de cooperação em comunidade, na qual, no máximo, a fa-
mília é o círculo maior de convivência social.
A exploração integrada entre os indivíduos consistiu na forma-
ção de coletivos de trabalho, nos quais os diferentes grupos estabe-
leceram, de acordo com cada trajetória de vida, a especificidade das
atividades: horticultura, fruticultura, apicultura, bovinocultura lei-
teira, avicultura, piscicultura, suinocultura, turismo rural e ecoló-
gico, padaria, olaria (fabrico de tijolos ecológicos), serralheria, cul-
tivo de plantas medicinais etc. Estabelecidas as principais atividades
a serem desenvolvidas, os mediadores, juntamente com as lideran-
ças do movimento, destacaram a importância da capacitação. A
formação é para, num primeiro momento, garantir o auto-susten-
to alimentar das famílias e, num segundo, direcionada para a ação
futura nessas atividades, constituindo-se a organização do trabalho
e geração de renda dos assentados. Os temas enfocados abordam
aspectos importantes para o desenvolvimento das atividades das
famílias no assentamento e suas relações com o mercado, como, por
exemplo, formas alternativas populares de comercialização da pro-
dução agropastoril e prestação de serviços. Dessa maneira, os atores
sociais acreditam chegar a uma capacitação tal, a ponto de consti-
tuírem elementos pessoais indispensáveis no resgate da esperança,
da auto-estima e da sua valorização profissional.
No processo de formação e capacitação, identificou-se a neces-
sidade de os atores sociais do assentamento rururbano refletirem qual
é a forma de conseguirem se manter num espaço social e econômi-
co de integração com a sociedade. Isso está na constante constru-

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ção, avaliação e busca da manutenção da unidade do grupo em
cooperação. As razões que conduziram a essa constatação estão re-
lacionadas à construção da identidade de assentado.
Essa identidade está sendo construída a partir do debate e da
necessidade da criação de consciência da nova vida em comunida-
de. Em torno da escola, da igreja, dos espaços a serem criados para
a juventude, para a participação das mulheres, de forma coletiva.
Esses são elementos que devem influenciar na construção dessa iden-
tidade. O significado para as pessoas é a perspectiva de uma vida
digna, diferente daquela de onde têm origem.

Dos difer entes conflitos


diferentes
Até o presente momento, um ano e meio desde a chegada das
famílias no assentamento, muitos são os conflitos, desafios e pon-
tos de estrangulamento observados, tais como:
• A caracterização do assentamento em divergência aos seus com-
ponentes humanos, por não possuírem um histórico agrícola, além
da reduzida área agricultável disponível;
• A organização do gerenciamento da ocupação da mão-de-obra
e da compreensão da magnitude do projeto;
• O modelo de gestão do assentamento, de forma que permita
a geração de renda e emprego, visando alcançar a auto-susten-
tabilidade;
• A assimilação dos processos coletivos, de forma que o indivi-
dualismo não se sobreponha;
• A preservação do meio ambiente, conservando-o, reflorestan-
do-o, principalmente nas áreas de reserva legal e de preservação
permanente;
• As disputas internas, pelo poder, e externas, por maior parti-
cipação no Estado.
Esstes são alguns dos conflitos socioculturais, econômicos, po-
líticos e ambientais que essa experiência está propiciando e desafian-

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do a organização interna do Assentamento Belo Monte, que passa
por um momento de consolidação inicial, com suas contradições,
pela construção de um regimento interno, regulamentando a vida
das pessoas em sua nova comunidade, que tenta abarcar todos esses
elementos conflitantes, construído de baixo para cima, num pro-
cesso de muita discussão e que vai da coordenação geral do assenta-
mento aos núcleos de base, com assembléias gerais que, em última
instância, delibera e aprova resoluções.
Essa diversidade e complexidade de conflitos desafiam a orga-
nização desse assentamento, colocam em prova a possibilidade de
uma nova política pública, que inclua pessoas que estão em busca
de melhores condições de vida, fora do tradicional, e dos padrões já
existentes, a exemplo da habitação urbana, que gera local de mora-
dia, mas não disponibiliza a possibilidade de trabalho.
O texto de Julia Guivant (1996) “Heterogeneidade do conhe-
cimento no desenvolvimento rural sustentável” traz “lições dos con-
flitos dos conhecimentos para construir uma sustentabilidade”. Para
isso, há a necessidade de recuperar os conhecimentos locais. Méto-
dos participativos têm surgido para isso. O intenso debate entre o
conhecimento local, as relações entre este e o conhecimento técni-
co-científico e o papel dos agricultores, bem como os processos de
conhecimento no desenvolvimento rural, colocam essa questão em
debate nessa experiência. Como é um assentamento diferente, com
um público distinto do camponês tradicional ou do agricultor fa-
miliar, que não conhece a realidade local, bem como suas expecta-
tivas são diversas em relação ao projeto, isso aumenta os desafios para
a construção da sustentabilidade.

Da forma de organização
Após um amplo processo de discussão, a organização interna de-
liberou que cada assentado iria ter uma parcela individual por famí-
lia, dividida em fração ideal de mil metros quadrados (20 m x 50 m)

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para a construção de moradia e outra área maior para uso coletivo de
todo o assentamento e/ou dos grupos de produção. A parte da área
individual constitui-se sob garantia das decisões no âmbito familiar,
enquanto que o restante do lote será destinado parte para a preserva-
ção ambiental e parte para uso coletivo, onde as decisões passam pe-
las instâncias organizadas e constituídas através dos grupos.
A concepção do projeto rururbano – rural e urbano, agrícola e
não-agrícola, moradia em agrovila, formas coletivas de trabalho,
formado por famílias que vêm de uma convivência urbana, e por
algumas pessoas que continuam com atividades no meio urbano,
não obstante haja a obrigatoriedade de no mínimo um membro da
família que tenha atuação no interior do assentamento – desafia
todos na construção e busca da sustentabilidade de tal projeto. Além
disso, essa proposta considera indispensável uma logística mínima
em relação ao mercado, que garanta o acesso dos assentados tanto
para a comercialização da produção projetada para o mercado e de
produtos excedentes quanto para a prestação de serviços.
A organização do assentamento, que libera quadros dirigentes para
seguirem na construção do MTD fora do assentamento, adquiriu
representatividade e o reconhecimento do grupo social que represen-
ta e, por conseqüência, o reconhecimento dos órgãos públicos, inclu-
sive por parte do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Refor-
ma Agrária), que reconhece o assentamento para fins de liberação de
recursos, semelhantes aos demais assentamentos da reforma agrária
que, junto aos recursos do Estado, são disponibilizados para os assen-
tamentos, tais como: o fomento para sua instalação na área e para a
produção de alimentos de subsistência – hortas e pequenas criações –
os primeiros recursos para a obtenção de utensílios domésticos, além
dos recursos para a primeira etapa de implantação, como a constru-
ção das moradias, e o restante para investimentos nos grupos de pro-
dução em sua estruturação inicial e manejo dos recursos naturais. A
segunda etapa da implantação prevê ações que complementam a infra-

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estrutura social básica, que são: eletrificação, água e estrada, além do
Pronaf A, que vem no sentido de consolidar projetos de geração de
renda no assentamento.
Esse assentamento, por sua peculiaridade, também acessou recur-
sos para formação/capacitação associada a alguma atividade de gera-
ção de renda, do Programa Social “Coletivos de Trabalho”, coorde-
nado pela Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, a
partir de ações articuladas entre o poder público, movimentos sociais
e trabalhadores desempregados, com vistas à promoção de melhorias
sociais em comunidades em situação de vulnerabilidade. Os trabalha-
dores recebem uma bolsa-auxílio e cestas-básicas.

Das difer entes par


diferentes ticipações dos ator
participações es sociais e mediador
atores es
mediadores
São vários os órgãos do Estado que, de uma forma ou de outra,
se envolveram nesse projeto, visto que é um assentamento diferen-
te do tradicional e que exigiu maior presença dessa instituição pú-
blica, tais como: o Gabinete da Reforma Agrária (GRA) – respon-
sável direto pelo projeto, pois é dele a atribuição de criação desses
novos tipos de assentamento, pelos recursos financeiros, humanos
e materiais, além de ser quem responde pelo Programa Estadual de
Reforma Agrária; Secretaria Especial de Habitação (Sehab) – respon-
sável pelo projeto de Habitação Rural e saneamento ambiental;
Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (STCAS) –
responsável pelos programas sociais de inclusão, geração de postos
de trabalho e capacitação; Secretaria do Meio Ambiente (Sema) –
responsável pelo licenciamento ambiental; Secretaria de Educação
– por escola e professores; e Secretaria de Agricultura e Abastecimen-
to, através da Emater (SAA) – pela assistência técnica e capacitação.
Uma maior participação dos atores sociais em interface com os
mediadores tem-se dado em momentos importantes, como em reu-
niões periódicas e constantes, entre a coordenação geral do assenta-
mento e os mediadores (assistência técnica e um ou dois agentes

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políticos do GRA), em função dos desafios impostos a todos, como
a gestão econômica e produtiva do assentamento, que vai desde a
produção de alimentos para o auto-consumo, à geração de trabalho
e renda para todos, e à distribuição de solidariedade de recuperar
pessoas, muitas já sem perspectiva para o trabalho com dignidade.
Também ocorreram algumas ações pontuais de outros agentes
externos ao assentamento, como: Oficina de Planejamento, orien-
tações para separação de resíduos sólidos, criação de linha de ôni-
bus Belo Monte – Porto Alegre – Belo Monte, Seminário de Turis-
mo, visitas técnicas, Olimpíadas Participativas, participação no I e
II Fórum Social Mundial, participação em feiras externas e outros,
com a participação de órgãos estaduais.
Embora o assentamento se justifique pela oportunidade de
melhoria da qualidade de vida dos indivíduos marginalizados, essa
condição não é suficiente para sustentar argumentos diante de par-
te da sociedade dominante, que faz oposição sistemática à Reforma
Agrária. Tais circunstâncias conduziram os assentados a observar que,
além da necessidade de utilizar a força de trabalho coletiva para
garantir produtos e serviços excedentes, seria fundamental utilizar
os recursos públicos destinados a cada família da mesma forma. Isso
possibilitou que a implementação de projetos que requerem inves-
timentos iniciais elevados se tornasse viável. O fato está relaciona-
do ao custo dos bens de capital para constituir as ações dos grupos
como, por exemplo, a aquisição de um trator e seus implementos.
O uso desses bens no assentamento seria inviável, tanto na aquisi-
ção individual quanto na de poucas famílias assentadas. Portanto,
há a necessidade da compra conjunta (Ramos et alli, 2002, p. 11).
Outra intensa participação entre mediadores e esses atores sociais
se dá na construção de um regimento interno que permita a auto-
regulação do assentamento. Há uma série de regras, que vão desde
os critérios para preenchimento de vagas que por um motivo ou
outro venha a ocorrer; da participação nos núcleos; da coordena-

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ção; dos setores de produção e socioculturais; dos grupos de produ-
ção; das equipes; número de pessoas por grupo; das penalidades e
advertências; da permanência e do afastamento do assentamento;
das assembléias; da regularização; do grupo de apoio à gestão; da
preservação ambiental; até a convivência comunitária e as relações
humanas. Todos esses itens estão sendo construídos num intenso
debate entre os mediadores e a coordenação geral do assentamento
que, depois de discutido em cada núcleo de base, com todas as pes-
soas, deverá ser aprovado em assembléia geral. Quem não se enqua-
drar ou não cumprir esse regimento interno, mais ainda com as
normas do Estado – condutor da política pública –, corre o risco de
perder o seu lote e sua vaga no assentamento, coisa que já ocorreu
com algumas pessoas. Esse regulamento tem trazido tensões do tipo,
por exemplo, de taxar a coordenação do assentamento como muito
dura, ou muito fraca, que privilegia uns em detrimento de outros,
que tem regras que precisam ser modificadas, aperfeiçoadas etc.
Esse assentamento rururbano nos traz mais uma vez a lição de
que não basta ter um bom projeto, embasado em grandes idéias, com
cálculos e planilhas demonstrando o “que será no futuro”, se não
for construído conjuntamente com os principais atores, que são as
famílias que serão beneficiadas com o projeto. Os papéis e as tare-
fas de cada ator, além das responsabilidades, devem ser pactuados e
divididos, de forma que possam ser executados, avaliados,
reavaliados, replanejados e repactuados constantemente, para que
o projeto tenha resultado efetivo.
O conjunto de pessoas que estão envolvidas com o processo de
construção do projeto está sentindo as dificuldades de se efetivarem
as idéias e planos que, mesmo sendo construídos de baixo para cima,
com participação efetiva dos atores sociais e forte presença do Esta-
do, ainda assim são de muita complexidade e dificuldade, por se
tratar de pessoas com um perfil sociocultural de exclusão, com bai-
xa escolaridade, baixa faixa etária e baixa auto-estima.

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Avaliação geral da experiência
Neste momento, a avaliação da experiência mostra que a von-
tade da maioria das famílias do assentamento rururbano é de se
manter na terra de forma coletiva, mas com a maior privacidade
possível. Querem viver com dignidade. Para muitos, só o fato de
obterem seu “canto” para morar e terem um teto para sua família já
foi uma grande conquista. No entanto, o esforço da direção, dos
mediadores do Estado, e da maioria dos grupos de produção é de
avançar e produzir para o auto-sustento e para gerar renda, cons-
truir ali uma referência, uma nova comunidade, que sirva de exem-
plo para outras experiências nesse sentido.
O processo de organização social do Assentamento Belo Monte
vem evidenciando que as questões complexas referentes a sua im-
plantação estão sendo superadas. Entretanto, os aspectos referentes
ao seu desenvolvimento ainda se mantêm incógnitos. Contudo, as
perspectivas de êxito têm revelado um cenário animador, a partir
dos encaminhamentos consensuais que estão sendo obtidos com a
aplicação de metodologias participativas, tais como diagnóstico,
avaliação e plano de desenvolvimento do assentamento, acompanha-
mento, replanejamento e execução, apesar de todos os conflitos e
das contradições geradas no processo.
Recentemente, foi adotada uma atitude extrema, mas necessá-
ria, no assentamento: a exclusão de sete componentes que não se
enquadraram nas normas internas e no termo de concessão de uso
do seu lote, sendo obrigados a deixarem a vaga para outras famílias
que estão acampadas e fazem parte da organização estadual.
O Programa Estadual de Reforma Agrária, no qual o Projeto de
Assentamento Belo Monte está contido, possui uma portaria de
criação do assentamento e um termo de concessão de uso. Estes
definem uma série de normas, obrigações e deveres em que o assen-
tado deve se enquadrar e cumprir. Caso não cumpra essas normas,
juntamente com as normas internas do assentamento, o regimento

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interno, haverá uma ata relatando o fato e comunicando ao órgão
responsável – o setor de regularização do Gabinete da Reforma
Agrária do Estado –, para apurar tal fato, para o que o Secretário
Extraordinário de Reforma Agrária, através de ordem de serviço,
nomeia uma comissão, abrindo um processo administrativo e noti-
fica os acusados para sua defesa. Depois de cumpridos os prazos e
feito o julgamento por esta comissão, dando o direito de defesa para
o assentado infrator, esse é excluído caso não volte a regrar-se e/ou
a cumprir seus deveres. Essa decisão do assentamento, respaldada
pelo Estado, torna prático o esforço da comunidade de manter a
ordem interna no assentamento no sentido de avançar na organiza-
ção. As irregularidades que ocasionaram essas exclusões foram: má
conduta de assentado, violência sexual contra criança, agressões por
embriaguez, furto comprovado e abandono de lote.
A produção de alimento básico para abastecer todas as famílias
com uma dieta diária mínima necessária para a boa nutrição com
proteínas, carboidratos, e a alimentação das mais de 300 pessoas no
interior do assentamento são os desafios que estão sendo colocados
em prática com ações que já deram resultado de imediato. Até o
presente momento, vêm em plena produção: uma horta coletiva e
algumas individuais, a primeira colheita de aipim, batata e vários
outros produtos, os primeiros animais para carne e produção de leite,
ainda de modo insuficiente, mas com bom andamento. O planeja-
mento para o primeiro cultivo de verão está sendo executado, o que
dará a base da alimentação vegetal e animal para o próximo ano, o
cultivo de segurança alimentar para o próximo período. A alimen-
tação tem sido um dos grandes conflitos e gerador de crise no as-
sentamento, quando de sua falta.
O trabalho dos grupos de produção – grupo da horta, grupo de leite,
grupo de suínos, grupo de lavoura coletiva para auto-sustento e outros
–, juntamente com a construção das casas, vêm consumindo quase toda
a força de trabalho das pessoas no interior do assentamento.

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Atualmente, poucas pessoas vêm saindo do assentamento para
trabalhar fora, contrariando a organização interna, que se resume à
realização de alguns “bicos”, visto que internamente há muito tra-
balho a se fazer, principalmente na construção das habitações, que
será o empreendimento de maior destaque no momento de sua
conclusão.
A construção das casas (parte delas feitas com tijolos ecológicos
fabricados no próprio assentamento por um dos grupos de produção)
está num processo inicial. Esse é o primeiro teste que o assentamento
está enfrentando, pois o trabalho deve ser gerido pelas próprias famílias
do assentamento, somente com o apoio técnico de uma arquiteta, que
presta assessoria e capacita as pessoas do assentamento a construírem
suas próprias casas. Segundo Guivant et alli (1998) “... seguindo-se os
atores, pode-se analisar como estes constroem seus mundos, na medi-
da que forjam vínculos com outros, ‘colonizando’ seus mundos num
processo do qual emergem diversas redes de relações sociais”.

Considerações finais
Essa experiência está só começando. Teremos que fazer ainda
muitas reflexões, no sentido de ajudar a aperfeiçoá-la, no decorrer
de sua construção. Terá esse projeto, que ora inicia, ainda muitos
questionamentos com respostas a serem buscadas. Citando algumas
frases das pessoas que se manifestaram pela idealização de uma nova
vida, logo no início do processo, quando numa oficina de planeja-
mento foram colocadas as questões: “O que queremos fazer? E onde
queremos chegar?”, vieram algumas respostas: “Quero fazer o meu
sonho acontecer”; “Clarear os caminhos, separar o joio do trigo,
eliminar dúvidas e adquirir um norte”; “Trocar idéias, aprender a
trabalhar coletivamente para ter um futuro melhor”. São vontades
e sonhos que ainda devem se concretizar.
Outras reflexões consideráveis são as relacionadas com a
interação do assentamento com o mercado, de como a buscar a

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comercialização dos seus produtos, que devem vir envoltos em uma
diferenciação, bem como a prestação de serviços fora do assentamen-
to, a funcionalidade das rotinas pluriativas, em que cada um deverá
ter um papel definido, responsável por ações que nunca experimen-
taram, simultâneo à continuidade do emprego da mão-de-obra e da
geração de renda. Apesar dessa complexidade, esse Projeto de As-
sentamento de Novo Tipo, denominado rururbano, reúne condi-
ções para se estruturar e se expandir no Rio Grande do Sul.
O surgimento do MTD traz como pauta principal o trabalho.
O assentamento rururbano é uma forma encontrada de pôr em
prática essa pauta. No entanto, outras formas de trabalho vêm sen-
do praticadas como fruto da luta e das conquistas obtidas com a
organização. Uma delas é a participação nos Coletivos de Trabalho,
um programa do governo do Estado, coordenado pela Secretaria do
Trabalho, Cidadania e Assistência Social (STCAS), que beneficiou
mais de 1.500 famílias no movimento, organizadas em núcleos em
várias cidade do Estado. Esse programa tem como eixo central a
garantia do direito ao trabalho e inclusão social, com ações de gera-
ção de trabalho e renda voltadas a dois tipos de trabalhadores de-
sempregados: àqueles historicamente excluídos das relações formais
de trabalho e inseridos no plano da economia informal, e àqueles
incluídos no mercado formal com relativa estabilidade até a década
de 1990 e jogados à margem do processo produtivo, pela
reestruturação produtiva e privatização dos serviços públicos.
Esses núcleos recebem um aporte de recursos por parte da
STCAS/Orçamento do Estado, para o pagamento de bolsas-auxí-
lio alimentar, por um período de 6 meses, quando as pessoas atuam
num plano de formação/qualificação de mão-de-obra na forma de
prestação de algum serviço ou execução de atividades laborais vol-
tadas para a melhoria na infra-estrutura, nos equipamentos sociais
e moradias, ou para a construção de equipamentos para a produ-
ção, na forma de geração emergencial de renda para a comunidade.

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Outro avanço no movimento foi a formação de vários núcleos
em 8 cidades do interior do Estado, com mais de 1,5 mil pessoas
participando de alguma atividade do MTD, além de contatos em
20 municípios, para a organização de mais núcleos.
A organização em nível estadual vem se dando com uma coor-
denação estadual, composta por pessoas representantes de núcleos
e setores já constituídos, como: setor de trabalho, educação e for-
mação, animação e mística e setor de finanças.
Em nível nacional, há contatos de diferentes regiões e Estados,
com possibilidades de organização de trabalhadores desempregados
para uma luta nacional por trabalho, crédito e renda. O que falta,
segundo a coordenação, é “perna”, recursos financeiros e materiais
para ampliar o debate por várias regiões do país.
Há perspectivas de crescimento e unificação de lutas em torno de
uma bandeira com símbolo forte na busca do trabalho, incluindo ou-
tros trabalhadores de outros países da América Latina e, nas duas re-
centes edições do Fórum Social Mundial, firmaram-se os primeiros
contatos com lideranças nacionais e internacionais nesse sentido.
Esse trabalho, além de descrever e registrar essa novíssima for-
mação de mais um movimento social urbano, articulado com o meio
rural e suas respectivas formações político-sociais, em função do
assentamento rururbano, deve apontar para possibilidades, ou não,
de políticas públicas para esse tipo de público.
Analisando a situação das famílias, a partir de um pequeno ques-
tionário com dados básicos, aplicado numa amostra de famílias,
pode-se perceber e retirar alguns elementos para as considerações
finais deste artigo, asseverações e inferência sobre a construção de
um novo movimento social e de um primeiro assentamento de novo
tipo, denominado rururbano, no Estado do Rio Grande do Sul.
Com relação à origem das famílias entrevistadas, percebe-se
que a grande maioria é oriunda ou nascida em várias cidades pe-
quenas e médias do interior do Estado, migrando para as cida-

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des da região metropolitana de Porto Alegre já há alguns anos,
variando de 3 a 8 anos, onde viviam de trabalho temporário sem
carteira assinada e de biscates para sobreviver na periferia da ci-
dade, morando em sub-habitações, sem perspectivas de vida para
si e para a família.
É consenso que as migrações se deram em busca de melhores
condições de vida na cidade grande, visto que a cidade de origem
não oferecia mais condições de trabalho para sobrevivência. Atraí-
dos por parentes que já haviam migrado, ou por ouvirem falar que
nas cidades perto de Porto Alegre há emprego, as pessoas se aventu-
ram em busca de soluções.
As razões por que se mobilizaram no MTD foram as de terem
esperança e perspectivas de se organizar em movimento, para cons-
truir uma vida digna para a família.
As pessoas se mobilizaram porque alguém foi até elas com uma
proposta de organização e conquista do seu futuro. Antes, nenhu-
ma outra organização ou movimento as havia contatado, para
convidá-las ou convencê-las a fazer luta por trabalho.
Foi unânime a afirmação das pessoas que hoje vivem e participam
do primeiro assentamento rururbano do Rio Grande do Sul, o Belo
Monte, de que estão em melhores condições do que antes de sua
adesão ao MTD. Entretanto, ainda estão longe da vida idealizada na
cabeça de cada um, que vem, no dia-a-dia, sendo construída no seu
mundo imaginário, mesmo sem conhecer direito a nova realidade em
que estão envolvidas e sem saber no que isso realmente vai dar. Con-
tudo, há uma grande esperança, na maioria dos casos, de um futuro
digno para todos, apesar de terem experimentado algumas desilusões
e desencantamentos iniciais, em função das disputas, brigas e desa-
venças internas que vêm ocorrendo, o que é normal num processo
como esse. A perspectiva para o futuro, próprio e dos filhos – que são
muitos –, é a de construírem um mundo melhor.

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BIBLIOGRAFIA
ALTIERI, M. (1998). Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura
sustentável. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS.
FEE – Fundação de Economia e Estatística/Secretaria de Coordenação e
Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul (2002). Um século
de população do Rio Grande do Sul – 1900-2000. Edição em CD-
Rom.
FERNANDES, Bernardo Mançano (2000). A formação do MST no Bra-
sil. Porto Alegre: Vozes.
GUTERRES, Enio e THIES, Vanderlei F. (2001). “Problemas da estru-
tura fundiária no Rio Grande do Sul”. Cadernos de Textos da Confe-
rência Estadual de Reforma Agrária, Porto Alegre, pp. 9-14.
GUIVANT, Julia S. (1996). “Heterogeneidade de conhecimentos no de-
senvolvimento rural sustentável”. Artigo, parte do trabalho de pós-
doutorado, realizado na Wegeningen Agricultual University,
Holanda.
GUIVANT, Julia S. et alli (1998). Conflitos e negociações nas políticas de
controle ambiental. O caso da suinocultura em Santa Catarina.
Plano de Desenvolvimento do Assentamento Rururbano Belo Monte.
Escritório Regional da Emater de Porto Alegre e Escritório Munici-
pal da Emater de Guaíba (2002).
Programa Estadual de Reforma Agrária (2000). Rio Grande do Sul.
Projeto de Assentamento Rururbano (2001). Porto Alegre/RS.
Programa Social: Coletivos de Trabalho (2001). Secretaria do Trabalho,
Cidadania e Assistência Social. Rio Grande do Sul.
RAMOS, Ieda Cristina Alves e outros (2002). “Os desafios da reforma
agrária no RS: implantação do Projeto de Assentamento de Novo
Tipo Rururbano”. Texto não publicado.

Trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em


Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em 2002.

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CATÁLOGO EXPRESSÃO POPULAR

1. REALIDADE BRASILEIRA
História das idéias socialistas no Brasil – Leandro Konder .................... R$ 15,00
Belo Monte – uma história da guerra de Canudos – José Rivair Macedo
e Mário Maestri ................................................ R$ 10,00
Mato, palhoça e pilão – o quilombo, da escravidão às comunidades
remanescentes (1532-2004) – Adelmir Fiabani ........................... R$ 18,00
É preciso coragem para mudar o Brasil – Entrevistas do Brasil de Fato – José Arbex Jr.
e Nilton Viana (orgs.) ............................................. R$ 13,00
A linguagem escravizada – língua, história, poder e luta de classes
Florence Carboni e Mário Maestri .................................... R$ 10,00
Tiradentes, um presídio da ditadura – memórias de presos políticos
Alípio Freire, Izaías Almada, J. A. de Granville Ponce (orgs.) .................. R$ 10,00
Morte e vida Zeferino – Henfil e humor na revista Fradim – Rozeny Seixas ........ R$ 8,00
Dossiê Tim Lopes – Fantástico Ibope – Mário Augusto Jakobskind .............. R$ 10,00

2. CLÁSSICOS
Clássicos sobre a revolução brasileira – Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes .... R$ 10,00
Reforma ou revolução? – Rosa Luxemburgo ............................ R$ 8,00
Sobre a prática e sobre a contradição – Mao Tse-tung ...................... R$ 7,00
Fundamentos da escola do trabalho – M. M. Pistrak ....................... R$ 10,00
O papel do indivíduo na História – G. V. Plekhanov ....................... R$ 10,00
A nova mulher e a moral sexual – Alexandra Kolontai ..................... R$ 10,00
Lenin – coração e mente – Tarso F. Genro e Adelmo Genro Filho ............... R$ 10,00
A hora obscura – testemunhos da repressão política – Julius Fucik, Henri Alleg
e Victor Serge ................................................. R$ 13,00
Estratégia e tática – Marta Harnecker ................................. R$ 10,00.
Marx e o socialismo – César Benjamin (org.) ............................. R$ 10,00
Florestan Fernandes – sociologia crítica e militante – Octavio Ianni (org.) ......... R$ 18,00
Che Guevara – política – Eder Sader (org.) .............................. R$ 13,00
Gramsci – poder, política e partido – Emir Sader (org.) ...................... R$ 10,00
Trabalho assalariado e capital & Salário, preço e lucro – Karl Marx .............. R$ 10,00
Teoria da organização política I – escritos de Engels, Marx, Lenin,
Rosa e Mao – Ademar Bogo (org.) ................................... R$ 15,00

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3. VIDA E OBRA
Rosa Luxemburgo – Vida e obra – Isabel Maria Loureiro .................... R$ 7,00
Paulo Freire – Vida e obra – Ana Inês Souza (org.) ......................... R$ 13,00
O pensamento de Che Guevara – Michael Löwy ......................... R$ 10,00
Anton Makarenko – Vida e obra – a pedagogia na revolução
Cecília da Silveira Luedemann ...................................... R$ 15,00
Florestan Fernandes – Vida e obra – Laurez Cerqueira ...................... R$ 10,00
Ruy Mauro Marini – Vida e obra – Roberta Traspadini e João Pedro Stedile (orgs.) ... R$ 13,00
Mariátegui – Vida e obra – Leila Escorsim .............................. R$ 15,00
Lenin e a revolução russa ......................................... R$ 13,00

4. VIVA O POVO BRASILEIRO


Gregório Bezerra – um lutador do povo – Alder Júlio Ferreira Calado ............ R$ 3,00
Abreu e Lima – general das massas – Angelo Diogo Mazin e Miguel Enrique Stedile . R$ 3,00
Lima Barreto – o rebelde imprescindível – Luiz Ricardo Leitão ................. R$ 3,00
Luiz Gama – o libertador de escravos e sua mãe libertária, Luíza Mahin
Mouzar Benedito ............................................... R$ 3,00
João Amazonas – um comunista brasileiro – Augusto Buonicore ............... R$ 3,00
Luiz Carlos Prestes – patriota, revolucionário, comunista – Anita Leocádia Prestes ... R$ 3,00
Marçal Guarani – a voz que não pode ser esquecida – Benedito Prezia .......... R$ 3,00
Roberto Morena – o militante – Lincoln de Abreu Penna .................... R$ 3,00

5. IMPERIALISMO
Imperialismo & resistência – Tariq Ali e David Barsamian .................... R$ 12,00

6. AMÉRICA LATINA
Políticas agrárias na Bolívia (1952-1979) – reforma ou revolução?
Canrobert Costa Neto ............................................ R$ 10,00
Rebelde – testemunho de um combatente – Fernado Vecino Alegret ........... R$ 6,00
Rumo à Sierra Maestra – os diários inéditos da guerrilha cubana
Che Guevara e Raúl Castro ........................................ R$ 10,00
EZLN - Passos de uma rebeldia ...................................... R$ 10,00

7. LITERATURA
A mãe – Máximo Gorki .......................................... R$ 15,00
Contos – Jack London ........................................... R$ 10,00
Assim foi temperado o aço – Nikolai Ostrovski ........................... R$ 18,00
Os mortos permanecem jovens – Anna Seghers .......................... R$ 20,00

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Week-end na Guatemala – Miguel Ángel Astúrias ........................ R$ 13,00
Aqui as areias são mais limpas – Luis Adrián Betancourt .................... R$ 13,00
Poesia insubmissa afrobrasileira – Roberto Pontes ......................... R$ 10,00

8. ESTUDOS AGRÁRIOS
A história da luta pela terra e o MST – Mitsue Morissawa ................... R$ 20,00
Pedagogia do Movimento Sem Terra – Roseli Salete Caldart .................. R$ 15,00
MST ESCOLA – Documentos e estudos 1990-2001 – Setor de Educação do MST ... R$ 15,00
A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL – João Pedro Stedile (org.)
- Volume I – O debate tradicional: 1500-1960 ........................... R$ 13,00
- Volume II – O debate na esquerda: 1960-1980 .......................... R$ 13,00
- Volume III – Programas de reforma agrária: 1946-2003 .................... R$ 13,00

10. DEBATES & PERSPECTIVAS


Tecnologia atômica – a nova frente das multinacionais – ETC Group ............ R$ 8,00

11. TRABALHO E EMANCIPAÇÃO


O ano vermelho – a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil
Luiz Alberto Moniz Bandeira ....................................... R$ 18,00
A dialética do trabalho – escritos de Marx e Engels – Ricardo Antunes (org.) ...... R$ 10,00
Toyotismo no Brasil – desencantamento da fábrica, envolvimento e resistência
Eurenice de Oliveira ............................................. R$ 13,00
Marx e a técnica – um estudo dos Manuscritos de 1861-1863 – Daniel Romero .... R$ 13,00
A liberdade desfigurada – a trajetória do sindicalismo no setor público brasileiro
Arnaldo José França Mazzei Nogueira ................................. R$ 13,00
O trabalho atípico e a precariedade – Luciano Vasapollo .................... R$ 8,00
Trabalho e trabalhadores do calçado – Vera Lucia Navarro ................... R$ 13,00
O olho da barbárie – Marildo Menegat ................................ R$ 15,00
O trabalho duplicado – a divisão sexual no trabalho e na reprodução: um estudo
das trabalhadoras do telemarketing – Claudia Mazzei Nogueira ............... R$ 13,00
O debate sobre a centralidade do trabalho – José Henrique Carvalho Organista .... R$ 13,00

12. REVOLTAS MILITARES


A esquerda militar no Brasil – João Quartim de Moraes ..................... R$ 13,00
A rebelião dos marinheiros – Avelino Bioen Capitani ....................... R$ 13,00

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13. AGROECOLOGIA
Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos ............................... R$ 13,00

14. ASSIM LUTAM OS POVOS


História do socialismo e das lutas sociais – Max Beer ....................... R$ 22,00
Imagens da revolução – documentos políticos das organizações clandestinas de
esquerda dos anos 1961-1971 – Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá ...... R$ 20,00

15. CADERNOS DE EXPRESSÃO POPULAR


As tarefas revolucionárias da juventude – Lenin, Fidel e Frei Betto .............. R$ 6,00
As três fontes – Vladimir Lenin ..................................... R$ 6,00
A História me absolverá – Fidel Castro Ruz ............................. R$ 6,00
Sobre a evolução do conceito de campesinato – Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel
González de Molina ............................................. R$ 6,00

TEXTOS TEMÁTICOS
O Consenso de Washington – a visão neoliberal dos problemas latino-americanos
Paulo Nogueira Batista ........................................... R$ 3,00
Valores de uma prática militante – Leonardo Boff, Frei Betto, Ademar Bogo ....... R$ 3,00
História, crise e dependência do Brasil – Plinio Arruda Sampaio e João Pedro Stedile . R$ 3,00
A ofensiva do império e os dilemas da humanidade – Noam Chomski,
Arundhati Roy e Samir Amin ....................................... R$ 3,00
O neoliberalismo ou o mecanismo para fabricar mais pobres entre os pobres ...... R$ 3,00
A política dos Estados Unidos para o mundo e o Brasil – Samuel Pinheiro Guimarães R$ 3,00

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