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Resumo
Este trabalho apresenta uma justificativa econômica para o arranjo organizacional da rede
de distribuição de veículos brasileira, baseada em contratos de concessão entre a Montadora
e o Distribuidor. O artigo desenvolve quatro pressupostos, que ao longo do texto são
detalhados com o objetivo de sustentarem uma lógica econômica para existência das
Concessionárias de Veículos como empresas independentes de suas Montadoras. Ao final, o
texto analisa a argumentação de cada pressuposto e propõe algumas considerações finais
que também são relevantes para responder à pergunta inicial: “Por que são independentes
as concessionárias independentes?”.
Palavras chave: Distribuição de Veículos, Contratos de Concessão, Economia.
1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma lógica econômica que justifique o
arranjo da rede de distribuição da indústria automobilística brasileira. A distribuição dos
veículos automotores para o consumidor final é feita através de concessionárias, que assim
como as montadoras, são empresas autônomas, mas que estão diretamente ligadas àquelas
através de um contrato de concessão. Este contrato estabelece que antes do produto final ser
adquirido pelo cliente, deve passar pela concessionária, que na cadeia suprimentos automotiva
representa o elo responsável pela etapa de comercialização dos veículos novos, pela prestação
de serviços pós-venda, pela comercialização de peças para o mercado de reposição e compra
de veículos usados. Mas por que as montadoras de veículos não comercializam seus veículos
diretamente para seus clientes finais? Por que o elo montadora-concessionária existe? Por que
as montadoras não se verticalizam a jusante?
O cerne deste artigo reside nas questões colocadas acima, objetivando respondê-las de
maneira a justificar, através de uma ou mais teorias econômicas, o arranjo organizacional
atual das empresas montadoras de veículos e de sua rede de distribuição. Esta justificativa
estará calcada no desenvolvimento explicativo de quatro pressupostos diferentes.
O primeiro pressuposto que será discutido parte dos elementos da Economia dos Custos de
Transação (ECT) para tentar explicar a existência dos contratos de concessão entre as
montadoras e seus distribuidores. O segundo pressuposto identifica que existem algumas
assimetrias tecnológicas que dificultam a realização da etapa de comercialização por parte das
montadoras. O terceiro pressuposto baseia-se na questão da alocação do capital investido e do
retorno deste quando aplicado à determinada atividade, sugerindo que as atividades realizadas
pela Concessionária (vendas e pós-vendas) são menos rentáveis que as da Montadora. Por
fim, o quarto pressuposto, tem como justificativa a relação entre custos de controle crescentes
e centralização do poder, propondo que caso a montadora centralizasse as atividades de
comercialização haveria um aumento nos seus custos de controle ou governança.
Antes de iniciar o detalhamento dos pressupostos listados acima, o artigo apresenta uma
caracterização da atividade de comercialização de veículos no Brasil exercida pelas
Em novembro de 1979, a lei 6.729 do deputado Renato Ferrari (Lei Renato Ferrari), um
membro da categoria dos revendedores e na época vice-presidente da associação da classe dos
distribuidores de veículos (atualmente chamada FENABRAVE), foi regulamentada e teve
importância significativa para os concessionários, pois regulamentava algumas práticas
comerciais, bem como possíveis indenizações por parte da montadora caso o concessionário
perdesse sua viabilidade comercial e econômica.
Os contratos de concessão atuais entre o produtor (concedente) e o distribuidor
(concessionário) estão baseados nesta lei. No entanto, cada marca o ajusta e especifica seus
produtos, área demarcada, distância mínima e quota de veículos automotores anual, bem
como as condições relativas a requisitos financeiros, organização administrativa e contábil,
capacidade técnica, instalações, equipamentos e mão-de-obra especializada que o
concessionário deve possuir.
Constituem objeto da concessão os seguintes itens: comercialização de veículos automotores,
implementos e componentes fornecidos pelo produtor; a prestação de assistência técnica a
esses produtos, inclusive quanto a seu atendimento em garantia ou revisão; e o uso gratuito da
marca da concedente como identificação.
Entretanto, a concessão entre produtores e distribuidores de veículos automotores,
disciplinada pela Lei 6729, pode sofrer alterações e adequações através das convenções nela
previstas, que são escritas e elaboradas por ambas as partes, representadas por um conselho da
Montadora e pela associação dos Concessionários de uma marca específica.
3. A Economia dos Custos de Transação (ECT)
Segundo KUPFER & HASENCLEVER (2002), os custos de transação são custos que os
agentes enfrentam toda vez que recorrem ao mercado, ou seja, são os custos de negociar,
redigir e garantir o cumprimento de um contrato. Já de acordo com Kenneth Arrow, citado por
SILVA (1999), os custos de transação podem ser definidos como “the costs of running the
economic system”. A transação ocorre, segundo WILIAMSON (1981), quando um produto ou
serviço é transferido através de uma interface tecnologicamente separada. Sendo assim, a
economia dos custos de transação depende da existência de duas ou mais empresas autônomas
e da decisão entre make or buy.
Os fatores determinantes dos custos de transação são: a incerteza, a complexidade do
ambiente, os riscos inerentes às transações, a freqüência das transações e o grau de
especificidade dos ativos. Quando o grau dos fatores determinantes é elevado, os custos de
transação também tendem a ser elevados, e vice-versa.Com o intuito de reduzi-los, os agentes
fazem uso de mecanismos apropriados para regular as transações, denominados estruturas de
governança (AZEVEDO, 1998). As estruturas de governança variam em termos do grau de
hierarquização, desde o mercado “spot”, passando pelos contratos (integração quase-vertical),
que podem ser as concessões ou franquias, até a integração vertical, a qual é escolhida na
situação em que os custos de transação são os mais altos.
“tecnológicas” tem um sentido mais amplo do que apenas assimetrias de base técnica,
referenciando-se também a assimetrias administrativas, gerenciais e mercadológicas. A
eventual existência destas assimetrias dificultaria a integração vertical à jusante pelas
montadoras.
Se por um lado, a decisão de uma empresa em se verticalizar para frente (a jusante)
proporciona maior controle do produtor sobre a distribuição, por outro, trata-se de uma
decisão pouco trivial porque além de o produtor ter que assumir custos, ele passa a ser
responsável por todos os riscos e ações desta operação, o que pode torná-la muito pouco
atraente.
Os autores COUGHLAN et alli (2002) tratam deste assunto argumentando que os produtores,
na maioria das vezes, não possuem estrutura de pessoal suficiente para assumir a atividade de
produção. Mais do que isto, mesmo com algumas pessoas disponíveis, estas não conhecem o
mercado em termos de experiência de distribuição, e podem encontrar grandes dificuldades na
contratação de pessoal qualificado para atender às demandas por prestação de serviço. Pode
ocorrer também que algumas empresas não tenham aptidões gerenciais necessárias para
executar tarefas de distribuição (ROSENBLOOM, 2002). Sendo este o caso, a presença do
intermediário (Concessionária) torna-se indispensável.
Isto não equivale a dizer que a distribuição independente é perfeitamente eficiente, e sim que,
considerando as condições ambientais de cada mercado, a tecnologia e o know-how, torna-se
difícil para um produtor obter os mesmos níveis de eficiência do distribuidor. Embora este
argumento seja puramente comparativo, não desconsidera a melhoria, que somente
aconteceria caso houvesse um grande empenho e investimento do produtor, provocando riscos
substanciais para ele (COUGHLAN et alii, 2002).
O que pode estar por trás deste argumento é a questão da especialização de atividades. A
especialização de determinada firma em uma atividade específica gera e aumenta sua
competência, pois permite que as partes Montadora e Concessionária se concentrem em sua
especialidade, a primeira montando veículos e a segunda comercializando-os e prestando
serviços pós-vendas. Além disso, BOWERSOX & COOPER (1992) afirmam que a
especialização gera economias de escala que justificam economicamente a desintegração
vertical.
No que se refere às assimetrias de base mercadológica, o pressuposto está relacionado ao
conhecimento e experiência no mercado por parte do distribuidor, o que pode ser chamado de
know-how mercadológico. Grande parte das concessionárias de veículos são empresas de
pequeno e médio porte, de capital familiar e, geralmente, são empresas sólidas e tradicionais
nos mercados em que atuam (URDAN, 1999). O conhecimento profundo do mercado, além
de ser muito importante para direcionar a linguagem comercial, torna-se relevante para uma
boa política de estoques e previsão de demanda.
5. Alocação de Capital Investido
Lambert, citado por ROSENBLOOM (2002), aborda a questão “make or buy?” sob o enfoque
financeiro, argumentando que as variáveis mais importantes na escolha da estrutura de
governança são financeiras. De acordo com ele, a escolha pela integração vertical é análoga a
uma decisão de programação de investimentos, e esta decisão envolve uma análise
comparativa, escolhendo-se a alternativa mais lucrativa.
BOWERSOX & COOPER (1992) em uma análise que envolve a decisão da integração
vertical também ressaltam a questão financeira, propondo que estimar a rentabilidade do
capital investido é uma ferramenta muito poderosa na decisão por arranjos de distribuição,
pois permite uma análise comparativa entre vendas e custos incorridos, caso o produtor decida