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A VipA DOS VERTEBRADOS PARTE I DIVERSIDADE, FUNGOES E EvoLucAo NOS VERTEBRADOS s 45,000 espécies atuais de vertebrados habitam praticamente todas as partes da Terra, enquanto vertebrados hoje extintos viveram em habitats que ndo mais exis- tem. O aumento no conhecimento da diversidade dos vertebrados foi um dos produtos da expansio e das exploragdes européias que tiveram infcio nos séculos 15 ¢ 16. Em ‘meados do século 18, 0 naturalista sueco Carolus Linnaeus desenvolveu uma classifi- cago binomial visando catalogar as variedades de animais e plantas. O sistema lineano permanece como base para a denominacao de organismos vivos até hoje. Um sécuto mais tarde, Charles Darwin explicou a diversidade de plantas e ani- ‘mais como um produto da selegdo natural e evolugao e, no inicio do século 20, 0 traba- tho de Darwin foi complementado com as informagdes nascentes sobre os mecanismos de heranca genética. Esta combinagao de genética e biologia evolutiva € conhecida como a Nova Sintese, ou Neo-Darwinismo, e continua a ser a base para a compreensio dos mecanismos de evolugio. Trabalhos recentes tém ampliado nossa visio dos meca- nismos evolutivos, sugerindo, por um lado, que alguns eventos maiores na evolugao podem ser resultado mais propriamente do acaso que da seleo e, por outro, que @ seleco natural pode, por vezes, estender-se além do nfvel individual a individuos apa- rentados, populagées, ou mesmo espécies inteiras. Métodos de classificagao dos ani- mais também mudaram sua énfase ao longo do século 20, ¢ a classificagao, que come- ‘cou como uma maneira de se tentar organizar a diversidade dos organismos, tem se tornado um modo de gerar hipéteses evolutivas testaveis. A biologiae o registro féssil dos vertebrados tem estado no centro dessas mudan- as em nossa visio da vida. Estudos comparativos da anatomia, embriologia e fisiologia de vertebrados atuais frequientemente complementam o registro fossil. Tais estudos re- vvelam que a evolugdo atua através da modificagao de estruturas jé existentes. Todos os vertebrados tém caracteristicas basicas em comum, as quais s4o produto de sua ancestralidade comum, e as modificages progressivas desses caracteres podem definir © progresso da evolugdo. Portanto, a compreensao da forma e fungio dos vertebrados & bsica para o conhecimento da sua evolugao e da ecologia e do comportamento das espécies viventes. DIVERSIDADE, EvOLUCGAO E CLASSIFICAGAO DOS ‘VERTEBRADOS > = / /, Lt Le o— oN A ‘evolugiio tem um papel central na biologia dos vertebrados pois proporciona um princfpio que organiza a diversidade observada e ajuda a enquadrar as espé- cies extintas no contexto das atuais. A classificagao, inicialmente um processo visan- do associar nomes aos organismos, tem se tornado um método para compreender a evolugao. As idéias atuais sobre evolugo enfatizam a selego natural atuando a0 nfvel dos individuos como 0 mecanismo predominante na produgdo de mudangas 40 longo do tempo. Mecanismos adicionais poderiam envolver selegdo atuando em ni- veis mais altos ou mais baixos da organizacao bioldgica, assim como eventos a0 acaso. Os processos e eventos evolutivos esto intimamente associados as mudangas que ocorreram na Terra durante a historia dos vertebrados. Estas mudangas so resul- tado dos movimentos de continentes e dos efeitos de tais movimentos no climae na geografia. Neste capitulo, apresentamos um panorama do cendrio, dos participantes e das leis que governam 0s eventos que moldaram a biologia dos vertebrados, A Histéria dos Vertebrados Mencione “animal” e a maioria das pessoas pensaré em um vertebrado. Vertebrados sao freqiientemente com- ponentes abundantes e conspfcuos da experiéncia das, pessoas no mundo natural. Vertebrados também so muito diversificados: as aproximadamente 45.000 es- pécies atuais (= atualmente viventes) variam, em tama- rho, desde peixes pesando somente 0,1 grama,quando plenamente adultos, até baleias que pesam cerca de 100.000 quilogramas. Os vertebrados vivem em prati- camente todos os habitats da Terra: peixes bizarros, al- guns com bocas tio grandes que podem engolir presas maiores que eles préprios, percorrem as profundidades marinhas, as vezes atraindo presas através de luzes bri- Ihantes. Quinze quil6metros acima desses peixes, aves migrat6rias voam sobre as cristas dos Himalaias, as mais, altas montanhas da Terra. As aves podem viver em altas altitudes, nas quais mamiferos so impossibilitados de estar pela falta de oxigénio, pois os pulm@es das aves tém um padrdo de ventilagao diferente, mais eficiente na oxigenagdo que o dos mamiferos. Os comportamentos dos vertebrados sio tao diver- sos € complexos quanto suas formas. A vida de um ver- tebrado € energeticamente dispendiosa, ¢ os vertebr: dos obtém a energia necesséria do alimento que conso- ‘mem. Camfvoros alimentam-se de outros animais e apre- sentam uma grande variedade de métodos de captura de presas: alguns predadores percorrem o ambiente para encontrar as presas, enquanto outros esperam que estas, ‘venham até eles. Alguns camivoros perseguem suas pre- sas a alta velocidade, outros as trazem para a boca por suegio. Em alguns casos, os comportamentos de forrageio dos vertebrados parecem ser exatamente aque- les que maximizam a quantidade de energia obtida em relagao a0 tempo dispendido na caga; em outros, po- dem parecer predadores singularmente ineptos. Muitos vertebrados engolem as presas inteiras, algumas vezes enquanto ainda vivas e se debatendo, porém outros tem ‘métodos bastante especificos de matar a presa: serpen- tes venenosas injetam misturas complexas de toxinas, ¢ gatos (de todos os tamanhos, desde os gatos domésti os até os tigres) matam a presa através de uma mordi dda precisa no pescogo. Herb{voros comem plantas: plan- tas ndo fogem quando o animal se aproxima, mas sio de dificil digestdo e frequentemente contém componen- tes téxicos. Vertebrados herbivoros exibem um conjun- to de especializagdes para fazer frente as dificuldades de alimentar-se de plantas: estas especializagdes inclu- em dentes elaboradamente esculturados e tratos digest6rios com regides nas quais microorganismos simbiontes digerem os componentes inacessiveis ao si tema digestério dos vertebrados. A reprodugdo é um fator eritico no sucesso evolutivo de um organismo e os vertebrados mostram um conjunto surpreendente de comportamentos associa dos ao acasalamento ¢ & reprodugo. Em geral, os machos, cortejam as fémeas e estas tomam conta dos jovens, mas, ‘estas regras so invertidas em varias espécies de vertebra- dos. Os modos de reproduc empregados pelos verte- brados variam da postura de ovos a produgio de filho- tes vivos que sao grandemente ou inteiramente inde- pendentes de seus pais (jovens precoces). Estas varia- ‘ges sdo encontradas em quase todos os tipos de verte- brados: muitos peixes e anfibios produzem jovens pre- coces ¢ alguns mamiferos poem ovos. De fato, apenas as aves no apresentam variagdes em seu modo de re- producdo; todas as aves so oviparas. No momento do nascimento ou da eclosio, alguns vertebrados sao inte ramente auto-suficientes e nunca encontram seus pais, enquanto outros (incluindo os humanos) tém longos perfodos de cuidado parental obrigatério. Cuidado parental extensivo é verificado em grupos de vertebra- dos aparentemente distintos — peixes que incubam ovos nna boca, ras que incubam ovos no estomago, e aves que alimentam 0s ninhegos com um fluido denominado “lei te de pombo”, muito similar em composi¢io ao leite dos mamfferos. A diversidade de vertebrados atuais € fascinante, porém as espécies atualmente vivas constituem apenas ‘uma pequena porcentagem daquelas que j4 existiram. Para cada espécie vivente podem ter existido dez espé- cies extintas, e algumas destas ndo tém equivalentes en- tre as formas atuais. Os dinossauros, por exemplo, que dominaram a Terra por 180 milhdes de anos, so tio diferentes de qualquer animal vivente que € dificil reconstituir a vida que levavam. Mesmo os mamiferos jé foram mais diversificados do que hoje em dia: 0 Pleistoceno viu gigantes de varios tipos ~ preguigas tio grandes quanto 0s modemos rinocerontes, ¢ guaxinins € roedores do tamanho de ursos. Humanos so grandes macacos, intimamente aparentados com chimpanzés € gorilas, e muito da biologia dos humanos é melhor com- preendida no contexto de sua heranga de vertebrados. O niimero de espécies de vertebrados provavelmente al- cangou seu maximo no Plioceno ¢ no Pleistoceno, de- clinando depois. Alguns motivos de tal declfnio prova- velmente podem ser atribuidos aos efeitos de humanos sobre espécies que usavam como alimento ou que viam como competidoras, embora modificagdes no clima e nna vegetagdo também tenham sido importantes. No mun- do modemo, entretanto, os efeitos da atividade humana sto poderosos ¢ o destino de outras espécies de verte- brados é muito afetado, para o bem ou para o mal, pelas decisdes humanas. Nossas responsabilidades em rela- ‘¢do aos outros vertebrados ndo podem ser ignoradas. A hist6ria dos vertebrados é fascinante: 0 estudo acerca de onde se originaram, como evolufram, 0 que fazem e como funcionam, proporciona um ntimero sem fim de detathes intrigantes. Na preparacdo para contar essa hist6ria, devemos introduzir algumas informacées bésicas: como so denominados os diferentes tipos de vertebrados e como sto classificados, como a evolugao trabalha, € como teria sido 0 mundo no qual a historia, dos vertebrados se desenrolou. Neste capitulo, apresen- tamos um panorama do conjunto dos vertebrados e dos rocessos evolutivos ¢ das mudancas ambientais que os moldaram. Os Diferentes Tipos de Vertebrados Descrever ¢ classificar a variedade de vertebrados, vi ventes e extintos, tem se tomado mais complicado re- centemente em consequéncia das mudancas nos crtérios usados no reconhecimento de grupos naturais de orga- nismos. Muitos de nés nos acostumamos a classificar 0 vertebrados como peixes sem maxilas, peixes cartilaginosos, peixes dsseos, anfibios, répteis, aves ou ‘mamiferos. Estes nomes sao familiares; cada um invo- ca a imagem de um tipo particular de animal. Quando alguém diz “réptil”, nés pensamos em tartarugas, jaca- 16s, crocodilos, lagartos e cobras. © termo “réptil” co- munica informagdes sobre animais em particular, 0 ‘mesmo sendo verdadeiro para termos como “peixes sem ‘maxilas"e “aves”. (Os animais que reconhecemos por esses nomes ain- da existem, é claro, mas alguns receberam outros no- ‘mes e sdo agrupados de forma diferente atualmente. A razio para esta mudanga € a énfase crescente na propo- sigdo de que grupos animais s6 podem ser identificados se compartilharem uma linhagem evolutiva comum. Basicamente, o método antigo de classificagao (que pode ser denominado de sistemstica evolutiva) agrupava ani- mais com hist6rias evolutivas muito diferentes porque pareciam similares em muitos aspectos importantes. Este método produziu grupos que continham tinhagens evolutivas nao aparentadas. Em contraste, a abordagem moderna da classificagao, que é popularmente conheci- da como cladistica, somente reconhece grupos de orga- nismos aparentados por descendéncia comum, ou filogenia (phyla = tribo, genesis = origem). A aplicagao q Partel Diversidade, Fungdes e Evolugdo nos Vertebrados de métodos cladisticos esté tomando o estudo da evolu- ‘go mais rigoroso do que tem sido até agora. Os grupos naturais reconhecidos pela cladistica também so mais féceis de ser compreendidos do que 0s grupos artificiais ‘20s quai estévamos acostumados, com a excecdo de que estamos familiarizados com os nomes dos grupos at ficiais e que os nomes dos novos grupos as vezes si0 estranhos, Neste ponto, precisamos estabelecer uma base para falar sobre animais particulares, nomeando-os de novo e relacionando os nomes familiares e antigos aos novos, menos familiares. ‘A Figura 1-1 traz os grupos principais de vertebra- dos ¢ os nimeros relativos de espécies atuais, e a Tabe- la 1-1 compara os nomes dos antigos e novos agrupa- ‘mentos de vertebrados, mostrando os capitulos nos quais, as principais discusses sobre esses grupos sero encon- tradas. Nas segdes a seguir, descreveremos brevemente 0s diferentes tipos de vertebrados atuais. Feiticeiras e Lampréias (Myxinoidea e Petromyzontoidea) Unicas entre os Craniata atuais, uma vez que carecem de maxilas, as poucas espécies de feiticeiras e lampréias ‘ocupam uma posigo importante no estudo da evolugao dos vertebrados. Lampréias e feiticeiras tm sido tradi cionalmente reunidas como agnatas (a = sem, gnathos ‘maxila) ou cicl6stomos (cyclos = circular, stom boca), mas provavelmente representam duas linhagens evolutivas independentes. As feiticeiras parecem pos- suir numerosas caracteristicas ancestrais de vertebra- dos, enquanto que a linhagem evolutiva das lampréias {4 possuiu caracteres derivados nao presentes nestes ani- ‘mais viventes. A condigo agnata, tanto de lampréias como de feitceiras, no entanto, 6 ancestral ou primitiva, Lampréias e feiticeiras so peixes alongados, sem escamas e mucosos, no possuindo tecidos duros inter- nos, Sio neerbfagos e parasitas, apresentando especia- lizagdes para tais modos de vida. As feiticeiras (cerca de 40 espécies) so marinhas e ocorrem na plataforma continental ¢ no mar aberto em profundidades em tor- no de 100 metros, enquanto que muitas das 41 espécies de lampréias sio formas migrat6rias que vivem nos oce- anos e se reproduzem em rios. Tubarées, Raias e Quimeras (Elasmobranchii e Holocephali) Os tubardes tém uma reputagdo de ferocidade que a maioria das 350 a 400 espécies atuais teria dificuldade em manter. Muitos tubardes sio pequenos (15 centime- {r0s, ou menos), co tubardo-baleia, que atinge 10 metros de comprimento, éum fitrador que subsiste do plancton que retira da égua. As 450 espécies de raias so peixes achatados dorsoventralmente, freqiientemente bent6- nicos, que nadam por ondulagdes de suas amplas nada- deiras peitorais. Quimeras sio peixes marinhos bizar- 10s, com caudas longas e delgadas ¢ faces com caracte- risticas que lembram coelhos. © nome Chondrichthyes (chondro = cartilagem, ichthyes = peixes) refere-se a0 esqueleto cartilaginoso desses peixes. Amia, Lepisosteus e Outros (Actinopterygii) Os peixes sao tio diversificados que qualquer tentativa de caracterizé-los brevemente esta condenada ao fra- asso. Duas grandes categorias tém sido reconhecidas, os peixes de nadadeiras raiadas (Actinopterygii; actinos aio, ptero = asa ou nadadeira) e os peixes de nada- deiras lobadas (Sarcopterygii; sarco = lobo).. Os peixes actinopterigios que incluimos nesta ca- tegoria so chamados condrésteos, holésteos neopterigios em diversos sistemas de classificagio. A maioria apresenta corpo cilindrico, escamas espessas € maxilas com dentes cortantes. Esses peixes investem rapidamente sobre as presas, apreendendo-as na boca; eles carecem das especializagdes do aparelho maxilar que possibilitaram aos peixes dsseos avangados a utili- zagio de modos de alimentagao mais complexos. Peixes Teledsteos (Actinopterygii) Mais de 20.000 espécies de peixes enquadram-se nesta categoria, cobrindo todas as variagdes imagindveis quanto a0 tamanho do corpo, ao hdbitat e aos habitos de vida, dos cavalos-marinhos ao gigantesco peixe-lua. A maio- ria dos peixes familiares esté nesta categoria - a perca que voc# pescou na égua doce e 0 linguado que voce comeu em restaurantes. Modificagdes do aparelho ma- xilar permitiram a muitos teleésteos de serem altamente especializados quanto a seus habitos alimentares. Peixes Pulmonados e 0 Celacanto Wipnoi e Actinistia) Estes so 0s peixes Sarcopterygii. Sao os peixes atuais mais aparentados aos vertebrados terrestres. Os peixes de nadadeiras lobadas t8m corpo pesado ¢ movem-se lentamente. As quatro espécies de peixes pulmonados vivem em gua doce, enquanto a Latimeria (celacanto) € marinha. Captulo 1 Diversidade, Evolucdo e Classificagao dos Verebrados 5 [—Mniroidea + Ptromyzontoidea (0) EO ‘choices (800) ‘Aetnopterygi 73.700 Aetna + Dipnot (7) Figura 1-1 Diversidade dos vertebrados. As freas no diagrama correspondem 20 niimero aproximado de espécies atuais em cada grupo. Nomes comuns aparecem no interior do cf? culo interno os nomes formais dos grupos esto nas partes externas do diagrama. Salamandras, Ras e Cecilias (Caudata, Anura e Gymnophiona) Estes trés grupos de vertebrados so popularmente co- nhecidos como anfibios (amphi = dupla, bios = vida), devido as suas complexas hist6rias de vida, que frequentemente incluem uma forma larval aquética (a larva das salamandras e cecilias € 0 girino de sapos e 1s) € um adulto terrestre. Todos os anfibios tém pele nua (ou seja, sem escamas, pélos, ou penas), importan- te na troca de 4gua, fons e gases com o meio ambiente. Salamandras so animais alongados, a maioria terres- tre, e usualmente com quatro patas; cecflias so ani- mais Spodes aquaticos ou escavadores; e anuros (ris, sapos, pererecas) so tetrépodes de corpo curto, cabega grande ¢ patas posteriores longas, usadas para andar, ular e trepar. ‘Tartarugas (Testudomorpha) As tartarugas so provavelmente os vertebrados mai imediatamente reconhecfveis. A carapaga que recobre ‘uma tartaruga néo tem duplicata exata em qualquer ou- é Parte! Diversidade, Funcdes.e Evolugdo nas Verebrados tro grupo de vertebrados, ¢ as modificagdes morfolégicas associadas a essa carapaga fazem das tartarugas tetrpodes extremamente peculiares. Elas silo, por exemplo, os tini- cos tetrépodes com ombros (cinturaescapular) e bacia (cin- tura pélvica) internos as costelas. Tuatara, Lagartos e Serpentes (Lepidosauria) Estes trés tipos de vertebrados podem ser reconhecidos por sua pele coberta de escamas, assim como por carac- terfsticas do cranio. As duas espécies de tuatara, ani- mais de corpo robusto, encontradas apenas em algumas ithas proximas & Nova Zelindia, so os tnicos rema- nescentes viventes de uma linhagem de animais deno- minada Sphenodontia, que foram mais diversificados no Mesoz6ico. Em contraste, lagartos e, especialmente, serpentes esto atualmente no pico de diversidade. Ser- pentes so quase tio distintas e facilmente reconheci- ‘eis quanto as tartarugas, mas alguns lagartos sio dpodes como as serpents Jacarés e Crocodilos (Crocodilia) Estes tetrdpodes impressionantes (uma espécie marinha atual tem 0 potencial de crescer até 7 metros de compri- mento) sao descendentes da mesma linhagem (Archo- sauria) que produziu os dinossauros as aves. Os crocodilianos, como sdo coletivamente conhecidos, sio predadores semi-aquiticos com longos rostros arma- dos de dentes numerosos. Sua pele contém muitos os- sos dérmicos (osteodermos; osteo = 0sso, dermis = pele) localizados sob as escamas, proporcionando uma espé- cie de armadura. Os Crocodilia destacam-se pelo cui- dado parental que dedicam aos seus ovos ¢ filhotes. Aves (Aves) As aves so uma linhagem de Archosauromorpha que desenvolveu 0 véo durante 0 Mesozéico. A capacidade das aves para o vbo esté baseada nas penas que proporci nam as superficies que criam a ascensio e a propulsio, € as penas sao as caracteristicas distintivas das aves. De fato, alguns f6sseis de Archaeopteryx, a ave mais antiga conhe- Cida, foram originalmente classificados como dinossauros, ‘uma vez que nenhum trago de penas era visivel. Aves s0 conspicuas, ativas durante 0 dia (diunas), e frequen- temente vocalizam, Como resultado disso, tém sido ex- tensivamente estudadas, muitas das nossas informa gies acerca do comportamento ¢ da ecologia de verte- brados terrestres baseia-se em estudos de aves. Mamiferos (Mammalia) A origem dos mamiferos atuais pode ser tragada, atra- vés da linhagem sindpsida, até 0 Paleoz6ico Superior, a partir de alguns dos mais antigos vertebrados plenamente terrestres. Os mamiferos modemos incluem cerca de 4.050 espécies, a maioria das quais é de mamiferos placentérios Eutheria). Este nome origina-se da presenga, da placenta, uma estrutura que transfere nutrientes da ‘mae para o embrido e remove os produtos indesejaveis, do metabolismo do embriio. Quase todos os animais, familiares em todo 0 mundo sao placentéios. Os mar- supiais dominam a fauna dé mamfferos apenas na Aus- tralia, Cangurus, koalas € wombats sdo marsupiais aus- tralianos familiares. Os estranhos Monotremata, omitorrincos e équidnas, sto mamiferos ~ produzem leite para alimentar seus filhotes ~ masestes eclodem de ovos, nao nascendo ja formados como os marsupiais € placentérios. Evolugao Evolugo & 0 processo que moldou a hist6ria dos verte- brados, e 60 principio subjacente & sua biologia. A com- preensio dos principios e processos evolutivos é essen- cial para a apreciacao da diversidade dos vertebrados, jfique esta diversidade é o resultado direto da evolucio. Téias cientificas sa0 moldadas pela sociedade e pelo sistema filos6fico nos quais so concebidas e, por sua ‘vez, elas podem remodelar a sociedade e a filosofia (Qua- dro 1-1). Esse processo tem constitufdo uma parte cons- pfcua do desenvolvimento da teoria evolutiva nas socie- dades ocidentais e, mais recentemente, nos conflitos em toro do ensino da evolugdo em escolas. Grande parte do pensamento ocidental tem sua origem na filosofia sgrega, mas a evolucao ndo se inclui af. A concepgdo gre- ga de natureza é estitica ¢ a idéia de mudanga evolutiva nas espécies de plantas e animais estd alheia a0 pensa- mento grego. A filosofia de Plato foi baseada no con- ceito de ideal abstrato; as manifestagdes terrenas desse arquétipo (animais ou plantas, por exemplo) eram cépi- as imperfeitas do mesmo. Esta postura foi incorporada pela teologia cristi como a vistio de que a esséncia eter- nae inviolavel de cada objeto no mundo existia na men- te de Deus. Uma interpretacdo estrita da bfblia insiste em que tudo na Terra foi criado por Deus em sua forma presente e, portanto, nada mudou ou pode mudar. Esta visio de vida imutdvel foi incorporada ao pen- samento biol6gico ¢ ainda se manifesta em algumas pré- ticas biol6gicas. Por exemplo, as Regras de Nomenclatura Zool6gica requerem que, quando uma nova espécie é no- Caplo 1 Divrsidade, Evol ¢Classficugio dos Vetbrados 7 7 (g “dea :seperes seatapepeu i ap soxtod Souino i $0 Sopo1) 21809)3, sp1so9|a1, asseyoeyUy i (8 “deo tsnassosidey iB ‘|. ‘mwy) sosnmug e a fBKuondoon, prsojoH assepoeguy |S aE (8 “des teympdso - a) g -axted ‘opfimsa) iz a\3 soipuot;) —IS0spuoND 98S] TEIVUT : 3 8 (g ‘deo ‘sayoig) al 2 euisipe[3 MBksodomoesg. asseyoessut 3] 2 a} uBkroWounay assejoqns, =| 2 a] ag q a| Ele (“deo ssesouinb) 2 7 g| Sle neweooont gewoon aseoans | i el zl fF 3 El 2) lf ( “deo sseres ‘sagseqm) E aa €] ¢] ae iyauesqowseisy — uyouesqousseig asseioans | 4) al | El a] ale 5 3) 3] 2] 2] e] ale (9 ‘deo :seigaduey) yo a] al et ole Paprowozswoniag . af a} ye) a) g eyeworsoo49 wopIO k §) | 3 i (9 “deo ‘sesizontay) le a} dal E PapIouNs F a i ai (c ‘deo ‘oxouue) aq] ys imps0qsore4de> —— meprouporeudag o1ans S| 3] 3 a) €) & (q “deo ‘seipyose) i alee ‘erepsoysosy) erepsoysosy) o}ygns, ~ qq (2 das so;nbupqoiod . a) “ossojfouryeq) ai. g repyoysHWaH ereproyswan |] FF mo TPUaqDIp EAL ODSDDE=OD ‘sauperop exed sopeorput sojmydes so ean a1jISSeI9 Seap Sep sopeprvajduiod sep apeprTEION k Aaljax OLU el>qes vise ‘sepNIWIO UeIO} STUY SeULIO SY IpeID) waNpUOzOLY RoNpAUAISIsB HHO SaNaAtA SOPEAqaUAA SOP [EUOIDIPEN ORSeamSse|D ep opseIEdLHOD FHT BPqRI, Surcptergl (peites com mada lotada) [ ‘Amnon (expdes com embricesareseniando membrana aria) — —_—_— SO ‘eropods (ainsi com quo pass) (g “deo ‘sopeuownd saxiad) roudig (g de> towese;90) enswnsy (ew “12 "61 “seo ‘sosayuuemy yoUUEYY asSE]D, (81 ‘1 ‘et “sdeo ‘sane) saay ass) (e1 “de 1po2ou9 “sg180ef) P0201.) WAPI (51 “de9 sse9oo) saiuadieg wapiogns (61 “deo :souese}) 1u29e7] wapsoqns (1 “deo texerem) enuopouayds ‘wapsoqng yeurends w2psQ) (qi “deo ‘sedtuee) reUIpMISaL, WAPIO, (11 “deo ‘sodes ‘sey ‘wunuy WopIo, (11 “dea seyyooa) ‘euorydouwk wapid a “deo ‘sespueweyes) BI9Pe1N, WPI oudiq, wap 8 Ksaidossox3 wap, BAsoidooses assejogns| ena oD eave ons aay 28 Sara] SRDS TERA OS RIOD OT (Capiulo 1 Diversidad, Evolugto e Clasificacto dos Vertebrados ‘meada, um espécime dessa nova espécie seja designado como espécime-tipo, ou holétipo da espécie. O holstipo € depositado em um museu, onde ele serve como regis- tro permanente dessa nova espécie. O papel original do holétipo foi mostrar como a espécie era. Se vocé tives- se outro individuo que supusesse ser membro da mes- ma espécie, vocé deveria compard-lo com 0 holétipo € decidir-se. Assim, 0 holdtipo era um exemplo nico considerado ao se definir a esséncia da nova espécie. Com efeito, ele constitu‘a o representante designado do ideal Plat6nico de espécie. Nomear uma nova espécie ainda requer um holétipo, mas o pape! do holétipo mudou significativa- mente e, além do holétipo, é comum depositar-se varios, espécimes adicionais denominados pardtipos ou série paratipica. Com os pardtipos, pretende-se mostrar a amplitude de variagdo da espécie em caracterfsticas Quadro 1-1 O desenvolvimento das idéias evolutivas como 0 tamanho do corpo, coloragdo e padrdes. O holétipo, agora, define a espécie naqueles raros casos em que duas espécies ndo nomeadas foram confundi- das ¢ ambas esto representadas na série paratipica. 0 nome vai para a espécie representada pelo hol6tipo, a outra espécie recebe um nome novo. reconhecimento da importincia biolégica da varia- ‘¢40 dentro das espécies constitu a principal modificagao na, idéia de que um espécime poderia, por sis, definir uma espécie, ¢ reflete a mudanca mais significativa no pen- samento biol6gico em dois milénios € meio, desde os escritos de Platdo (cerca de 380 A.C.) até o trabalho de Darwin ¢ Wallace, no século 19. Na visdo Plat6nica, as variagdes dentro da espécie sio imperfeigdes das dife- rentes c6pias do arquétipo, ¢ nao tém significado. Para um bidlogo evolutivo, essas variagdes so a matéria prima da evolugio. O livro de Darwin, The Origin of Species by Means of Natural Selection, esgotou-se em um unico dia ao ser publicado em novembro de 1859. O fervor criado pela teoria da evolugao de Darwin continua até o presente, tendo afetado nao ape- nas a biologia como também os fundamentos fi- loséficos da sociedade ocidental. No entanto, a concepgao darwiniana de que os organismos no 840 imutaveis, mas, ao contrario, se modificam através do tempo, foi precedida por outros con- ceitos de que o mundo ndo era estatico. A idéia que prevaleceu durante a era das trevas - de que a Terra era uma entidade imutavel - come- gou a cair com as sugestdes de Copernicus ¢ Kepler de que a Terra nao é 0 centro do univer- so. As demonstragées, de Newton e outros, de ue muitos eventos fisicos seguem relages ma- tematicas precisas e, particularmente, a demons- tragdo incontestavel dos paleontélogos de que organismos extintos esto registrados como fés- seis em rochas, colocaram em questo um dos dogmas fundamentais do Cristianismo—o de que toda a vida se originou por criag&o divina e, con- sequentemente, era imutavel. Assim, a idéia de que os organismos s4o relacionados e, talvez, até descendentes de an- cestrais primitivos, ndo era totalmente nova para muitos biélogos em meados do século 19. Cien- tistas mais antigos haviam expressado a possi bilidade de animais modificarem-se ou evolui rem através do tempo. A teoria evolutiva de Darwin foi rapidamente aceita pela comunidade cientifica e, em 20 anos, tornou-se o principal arcabougo do pensamento biolégico. Que ca- racteristicas da teoria evolutiva de Darwin a fize- ram cientificamente aceitavel, quando teorias anteriores, tais como a de Lamarck, falharam? Primeiro, as evidéncias apresentadas por Darwin em suporte a evolugao foram esmaga- doras. Elas abrangiam areas tao diversas quan- to a anatomia comparada, a embriologia, a paleontologia, a geologia e a reproduco de ani- mais e plantas. A essa altura, a evolugdo n&o podia ser rejeitada como um conceito especula- tivo. Darwin documentou sua realidade com exemplos explicitos, argumentados de forma I6- gica. A descendéncia a partir de um ancestral comum explicava mais prontamente os caracte- res dos organismos do que uma multidao de (Continua) ‘Parte! Diversidade, Funciese Evolucdonas Veriebrados Quadro 1-1 (Continuagdo) criagdes especiais. Segundo, na explicagao da origem de novas espécies, Darwin forneceu 0 mecanismo, a selegao natural, que se base- ava na variagao inerente que ele verificou ser tao caracteristica de cada espécie. Em uma po- pulagdo natural, forgas seletivas, as quais pode- iam ser fatores ambientais como disponibilida- de de alimento, temperatura ou condigées de umi- dade, ou fatores biéticos, tais como predago ou competicao entre individuos, favoreceriam 08 individuos mais aptos nas condigdes daquele momento. O conceito de Darwin acerca de in- dividuos favorecidos nao se refere tanto a so- brevivéncia de individuos, e sim a sobrevivén- cia da progénie. Ele percebeu claramente que variagSes conferindo vantagem seletiva seri- am transmitidas as geragdes futuras. Variagdes desfavoraveis seriam diminuidas nas geragSes futuras e, finalmente, eliminadas. Um ponto central da teoria de Darwin é a convicgo de que a evolucdo prossegue atra- vés da acumulacao de pequenas modificagoes hereditarias e nao de grandes mudangas brus- cas, e de que as forgas seletivas atuam no in- dividuo. Além disso, foi de Darwin a argumen- tagao de que a evolugao atua sem um plano — tragos hereditarios acumulados ao acaso e se- lego natural dependendo das condicdes pre- dominantes. Por certo, Darwin nao estava a par dos me- canismos de heranga genética, uma vez que o trabalho de Gregor Mendel nao foi comunica- do até 1866 e nao recebeu ampla divulgagao até 0 inicio do século 20. No entanto, Darwin percebeu que, de alguma maneira, mudangas discretas ou mutagdes que afetam a morfologia e outros aspectos da biologia de um animal, como'o seu comportamento, ocorriam nos in- dividuos e eram herdadas. Darwin imaginou que a va-riagdo dentro de uma espécie pro- porciona 0 arcabouco sobre o qual a sele¢ao pode operar para produzir novas espécies. A evolugdo foi vista como progredindo nao ape- nas através da eliminagao de caracteres des- necessarios, mas também pela selegao de va- riagdes acumuladas ao acaso (aparecimento de novos caracteres por mutag&o ou recom- binagao). Novos atributos néo surgiram da necessidade, como postulado por Lamarck, mas sim através da atuacao continua da sele- 40 natural sobre o acumulo de variagdes nos individuos de uma espécie Embora 0 volumoso trabalho de Darwin tenha levado a répida aceitaco cientifica da evolugao, sua teoria da selegao natural encon- trou resistencia. Foi apenas na década de 20 do presente século que as evidéncias acumu- ladas, especialmente no recém-desenvolvido campo da genética, levaram a comunidade ci entifica a dar suporte a selegdo natural. A fu- 8&0 da selecao de Darwin com a teoria genéti- ca 6 conhecida como neo-Darwinismo ou como teoria sintética, a partir do livro de Julian Huxley intitulado Evolution: The Modern Synthesis. Muitos livros apresentaram dados mostrando que mutagSes pontuais e recombi- nago genética so a fonte de variagao, e que a evolugo (mudangas na frequéncia génica) geralmente prossegue em passos curtos, como resultado da selecdo natural agindo na varia- ¢40 genética. Tais processos eram considera- dos suficientes para explicar a origem dos gran- des téxons se atuassem por tempo prolonga- do. Esta concepgao do processo evolutivo é atualmente denominada microevolugao ou gradualismo filogenético. Recentemente, a hipétese de que a evolugdo prossegue através da acumulagdo lenta de pe- quenas mutagdes genéticas e/ou recombinago génica tem sido contestada por varios bidlogos que argumentam que a especiagao observa- da no registro fossil nao parece ser gradual , mas que novas espécies podem aparecer re- pentinamente (Eldredge & Gould 1972, Stanley 1975, Gould & Eldredge 1977, Vrba 1980) Subjacente a este ponto de vista apresentado vigorosamente, esta 0 fato de que as modifi- cagbes graduais ou a transigao de uma espé- cie para outra geralmente faltam no registro fossil. Freqdentemente existe uma lacuna en- tre formas reconhecidamente aparentadas, porém distintas. Com efeito, nos raros casos em que uma espécie ¢ representada por uma longa sequléncia de fosseis, suas caracteristicas nor (Continua) Capitulo 1 Diversidade, Evelucdo e Classificagdo dos Vertebrados 1 Quadro 1-1 (Continuacao) Graduafismo fiético Fregiiéocia Esruwra Tempo Equiibrio pontuado ESS I l malmente mostram variagdo, mas nao uma mu- danga direcional como esperada se a selegao natural estivesse operando. Mais do que pro- gredir através de um actmulo constante de pequenas modificagdes na estrutura, na fisio- logia € no comportamento, a evolugéo parece alternar-se entre periodos de rapida modifica- 40 € periods nos quais pouca ou nenhuma mudanga ocorre (Figura 1-2). As teorias rivais dos processos de especiagdo micro e macroevolutivos tém sido popularmen- te conhecidos por gradualismo e equilibrio pontuado. Os gradualistas esperariam que uma espécie acumulasse modificagdes estru- turais mesmo em um ambiente mais ou menos Figura 1-2 Exemplos de microevolugo (ou madificagdes gradusis) ede macroevolugio. (ou modificagbes pontuadas) apresentadas por espécies a0 longo do tempo. Nos eixos dos grafico esto plotados 0 estado do carster (por exemplo, comprimento do bico) contra 0 tempo. As varias curvas mostram a distribuigSo de frequéncias do estado daquele cardter dentro da populago em tempos especificos. A tendBncia paraespeciar, ‘ou pelo menos para adivergéncia no estado do caréter entre as populagbes, é mostrada pela separagio em duas linhagens. O evento de especiagio ocorre quando as duas populacdes tornam-se reprodutivamente isoladas, como indicado pelo sombreamento. (Modificada de E.S, Vrba, 1980, South African Journal of Science 76: 61-84.) estavel, enquanto que os pontualistas espe- rariam que uma espécie permanecesse em equilibrio estrutural, a menos que o ambiente mudasse significativamente, Central as duas visdes esta 0 fato de que o ambiente, embora estavel em ampla escala por periodos razoa- veis de tempo, oscila continuamente e, portan- to, pressiona incessantemente cada individuo. (© equilibrio pontuado proporciona uma expl- cagao para a existéncia de espécies reconhecivels a0 longo do tempo. Se espécies apareoem repen- tinamente através de répidos ajustamentos es- truturais genéticos, e ent&o permanecem em equilibrio estavel até a proxima pontuago, elas, representam entidades distintas com estrutura e periodo de existéncia definidos. 12 ‘Parte Diversidade, Funcdese Evolugdo nos Vertebrados Variacdo Biolégica A idéia de que duas pessoas (exceto gémeos idénticos) nunca sio exatamente iguais é bastante familiar. Os humanos usam diariamente a variabilidade individual em contextos que vio do reconhecimento dos amigos até a obtenco de impresses digitais de suspeitos de ctimes. A variagdo individual ndo esté limitada & morfologia, como os contomos faciais e as impressdes Cigitais; ela estende-se a qualquer caracteristica que possa ser medida, Esses tipos de variagdo so exemplos de variagiio fenotipiea. Fendtipo de um organismo significa sua forma em sentido bem amplo. Por exemplo, fendtipo pode referir-se & cor (pele clara versus escura), a0 ta- ‘manho ow & forma (alto versus baixo) ou & capacidade de desempenho (corredores répidos versus lentos). Fenétipos também podem ser definidos com base nas caracteristicas moleculares: a hemoglobina B é a forma normal da cadeia beta da molécula de hemoglobina de um humano adulto, enquanto que a hemoglobina S é a forma da cadeia beta que leva & anemia falciforme. As duas formas diferem em um tnico aminodcido: uma valina aparece na hemoglobina $ no lugar de uma glutamina. Fenstipos comportamentais também podem ser de- finidos: os guarus sdo peixes de aquério muito familiares, ocorrendo em rios naturais dos trépicos do Novo Mun- do. Em Trinidad, guarus ocorrem tanto em riachos com relativamente poucos predadores como naqueles em que 05 predadores sio abundantes, e as populagdes desses habitats diferem na coloragdo dos machos e nas respos- tas das {meas & corte de machos com coloragio bri- Ihante ou ndo (Breden & Stoner 1987). As cores vivas, dos machos fazem parte das exibigdes de corte, mas também os tornam mais visiveis aos predadores. Nas 4reas de baixa predagao, a maioria dos guarus machos, tem cores vivas, enquanto que nas éreas de alta predagao, eles so unicolores. Experimentos tm demonstrado diferengas geneticamente determinadas nas respostas das, fémeas de riachos com alta ¢ baixa predago & corte por ‘machos vivamente coloridos ou néo: fémeas de habitats, com baixa predaco preferem acasalar-se com machos brilhantemente coloridos, enquanto que aquelas de dreas, com alta predagdo preferem machos unicolores. Esta res- ‘posta aparentemente mediada pelas chances de sobrevi- véncia da prole. Machos brilhantemente coloridos produ- zem uma prole com machos igualmente coloridos. Em habitats com baixa predacdo, uma prole de machos co- loridos € vantajosa porque eles sao atraentes as fémeas, € correm pouco risco de serem comidos por predado- res. No entanto, nos habitats com alta predacdo, a prole de machos coloridos é vulneravel & predagio, eas fémeas, com tendéncia geneticamente determinada de acasalar- se com machos unicolores sio mais bem sucedidas. Estes tipos de variagdo fenotipica sto manifestagdes da variagdo genética. A evoluglo é definida como mudan- a, no tempo, nas frequéncias das diferentes formas de um gene no conjunto génico de uma populagao. Dife- rentes formas de um gene so denominadas alelos, ¢ 0s diferentes alelos produzem diferentes fenstipos. O genétipo de um individuo € sua composigao genética Lembre-se de que, em organismos com reproducao sexuada, um individuo recebe um alelo da mie e outro do pai. Usando 0 exemplo da anemia falciforme, ha {rés genstipos possiveis: se um individuo recebe a for- ‘ma normal do alelo da cadeia beta de ambos 0s pais. ele serd Hb,Hb,, ot seja, um genétipo homozigoto, produ- indo o fenGtipo normal para a cadeia beta. Um indivi- duo que receba um alelo da mae ¢ um alelo diferente do pai seré Hb,HB,, ou seja, um heterozigoto. Heterozigotos para o alelo da anemia falciforme t&m vantagens nas reas onde a maléria € endémica, apa- rentemente porque as hemécias que contém hemo- globina S colapsam quando o parasita da maléria penetra nas mesmas, e este colapso causa 0 decrésci- mo na concentragao de potéssio no interior da célula € aeventual morte do parasita (Friedman 1978). Um individuo que receba o alelo para a anemia falciforme dos dois pais ter o gendtipo HB,HB,. Estes homozigotos estio em desvantagem, pois as moléc las de hemoglobina colapsam sempre que diminui a concentragdo de oxigénio no sangue, como, por exemplo, durante 0 exercicio fisico. A evolugdo depende da existéncia de variagdo nos ‘gen6tipos dos individuos: (1) manifestada no fendtipo, (2) herdada ¢ (3) associada com diferencas no sucesso reprodutivo. A selegao natural altera a freqiiéncia rela- tiva dos diferentes alelos na populagao, ¢ essas altera- ‘Ges refletem-se em mudangas nas freqiiéncias dos di- versos fenétipos. E mais facil raciocinar em termos de fendtipos em discussbes sobre evolucio porque os fenstipos so visiveis, enquanto que os alelos nio 0 so. No entanto, os alelos 6 que s20 herdados. A variabilidade genotipicaé resultado da agao com- binada de varios processos genéticos verificados nos orga- nismos com reprodugdo sexuada, Durante a meiose e for- ‘magao de gametas (espermatozdides e 6vulos), os pares de cromossomos que constituem o genoma de um indi- viduo so primeiramente duplicados e, entio, separa- dos nos gametas que contém apenas um de cada par de ctomossomos. ( Este € 0 complemento cromossémico hapléide.) Quando dois gametas se unem para formar um zigoto (ovo fertilizado), o niémero dipléide € recu- Capitulo 1 Diversidade, Bvoluydo e Classificagdo dos Verebrados B perado: dois cromossomos de cada par estio presentes, uum do pai e outro da mae. Os alelos nao sdo entidades totalmente independentes; seu funcionamento é afetado pelos outros alelos presentes no gendtipo. Conseqilente- mente, 0 rearranjo genético que acompanha a repro- dugao sexuada € uma fonte importante de variagao fenotipica. As mutages so outra fonte de variaga de menor magnitude que o rearranjo, mas também im- Portantes. As mutagdes podem resultar de erros na c6pia do cédigo genético durante a duplicagao inicial dos cromossomos na meiose, ou podem ser causadas por eventos que precedem a meiose, tais como a exposi- ‘¢do das células sexuais & radiagao ionizante. Outros even- tos celulares podem causar modificagdes na sequéncia near dos locos genéticos nos cromossomos. Uma vez, que a ago dos alelos € influenciada por alelos vizi- nhos, essas mudangas na seqiiéncia de locos podem afe- tar 0 fenétipo. Selecdio Natural A evolucdo resulta da aco da selecao natural sobre os diversos fendtipos, e a selecdo natural atua através do sucesso reprodutivo diferencial, ou seja, a contribuigaio dos diferentes fenstipos para o conjunto génico das préxi- mas geragGes. O termo valor adaptativo é usado para descrever a contribuicao relativa de diferentes indivi- duos as geragdes futuras. Se 0 individuo A produz 100 descendentes que sobrevivem até a reprodugdo, € 0 indi- viduo B produz apenas 90 descendentes, este dltimo tem um sucesso de 90% em relacdo ao individuo A. O valor adaptativo do individuo mais bem sucedido (A, neste exemplo) é definido como 1,00¢ 0 valor adaptativo dos demais € definido em relagao ao individuo A. Logo, © valor adaptativo de B seria 0,90. Isto significa que 08 alelos representados no genétipo de B seriam sub- representados, na proxima geracao, em 10% quando comparados aos alelos do gendtipo A. Neste exem- plo, dir-se-ia que houve sele¢ao contra B, ¢ 0 coefici- ente de selecdo seria 0,10. Modos de Seleciio A selegdo natural pode afetar a distribuigao de fenstipos ‘em uma populagdo de trés maneiras (Figura 1-3). Sele- ‘gio direcional discrimina os individuos em um extremo da variagdo fenotfpica em um carster. Por exemplo, indi- ‘viduos pequenos poderiam estar em desvantagem quan- do comparados com individuos de tamanho normal ou acima do normal. O efeito da selegao direcional consis- te em deslocar, de geraco para geragdo, o valor médio do caréter em diregao aos fenstipos mais aptos. Selesao estabilizadora discrimina individuos que apresentam extrema variagao no caréter fenotipico em qualquer diregao. Ela favorece os individuos com va- lores préximos & média e pode resultar na redugdo da quantidade de variago na populagdo, mas nao altera 0 valor médio. Selecio disruptiva é 0 oposto da estabilizadora, ‘ou seja, individuos nos extremos da amplitude de varia- a0 do caréter so favorecidos, e aqueles préximos & ‘média estdo em desvantagem. A selecao disruptiva au- ‘menta a variago, mas também ndo muda o valor médio. Note-se que estas definigdes assumem que apenas um ‘modo de selegdo afeta o cardter em questio. Na realidade, ‘mais de um modo de selegdo pode ocorrer simultanea- mente, € tanto o valor médio do cardter como 0 total de variagdo podem mudar a0 mesmo tempo. E dificil de- monstrar a sele¢do natural em condigdes naturais pois forgas seletivas diferentes, ¢ por vezes conflitantes, po- dem operar simultaneamente. No entanto, so conhe dos alguns exemplos, ¢ John Endler (1986) fez uma revisio de selegao natural em campo. Niveis de Seleciio ‘Uma das reas ativas de discussio ¢ pesquisa em evolu- ‘gdo € a questdo sobre os niveis nos quais a selegao atua. ‘A evolugio pode ser definida como uma mudanga nas freqliéncias dos alelos, mas serd que a selegao atua dire- tamente nos alelos, nos fendtipos (ou seja, individuos) que tém esses alelos como parte de seu genstipo, ou ainda em nfveis mais altos da organizagao biolégica? Nos exemplos mais bem conhecidos, a selegao age através da reprodugao diferencial de individuos, porém outros tipos de selegao sto igualmente possiveis. Selegio Bénica descreve a selegio de alelos individuais. Normal- mente, um individuo heterozigoto produz némeros jguais de gametas com cada um de seus dois alelos. No entanto, podem ocorrer situagSes nas quais um dos alelos é trans- mitido em mais da metade dos gametas vidveis de um individuo heterozigoto. Este fendmeno 6 denominado distorsio da segregagio ou desvio meistico. Nesta situagdo, o alelo super-representado nos zigotos vidveis, € mais apto (deixa mais descendentes) que o sub-repre- sentado. A selecio interdémica é outra possibilidade. Um deme é uma populagdo local de uma espécie de ampla distribuigdo. Geralmente, as freqiléncias dos alelos di ferem ligeiramente de deme para deme. Se populagoes, que diferem na freqiiéncia alélica se tormarem extintas em taxas diferentes, ou se derem origem a novas popu- lagdes em diferentes taxas, a selecdo poderd atuar em todos os alelos de um deme. 14 Parte Diversidade, Funciese Evolucaonos Veriebrados Direcional Eslabilzadora AA SIN. | | Figura 1-3 Trés tipos de selegio: direcional, estbilizadora e disruptiva. [Em cada caso, 0 eixo vertical represen- ‘wa proporydo de individuos, ¢ 0 eixo horizontal mostra a amplitude de vari- aslo. Os contomnos dos diagramas su- periores mostram a variagéo inicial na populagio. Os individuos nas éreas sombreadas estio em desvantagem em relagio ao restante da populagio. Os diagramas inferioces mostram a varia- $80 nas populagses apis a selegao Ck, valor médio) Disruptiva Essa idéia pode ser estendida considerando-se que diferentes espécies podem ter caracterfsticas que as tor- ‘em mais ou menos provaveis de serem extintas. Por exemplo, espécies com pequena distribuig&o geografi- ca podem ser eliminadas por mudangas locais no ambi- ente, tais como enchentes ou secas, ao passo que espé- cies com ampla distribuigdo geogréfica stio menos vul- nerdveis 20s efeitos de alteragdes locas. A mesma linha de raciocinio pode ser aplicada a outras caracteristicas das espécies — selego de habitat estreita versus larga, por exemplo, ou habitos alimentares especializados versus generalizados. A taxa de especiagdo também pode estar sujeita 4 selecdo. A suposigdo € que uma linhagem evolutiva que origina nova espécie rapidamente tem ‘menor probabilidade de tornar-se extinta do que uma linhagem que especia lentamente. Se essas caracteristi- cas das espécies sdo geneticamente determinadas, elas podem estar sujeitas a uma seleco ao nivel de espé- cle. Esta ainda € uma hipdtese controvertida; uma dis- ccussio mais detalhada pode ser encontrada em Jablonski (1986). Evolugao de Sistemas Complexos Os organismos sdo entidades extraordinariamente com- plexas e aquela complexidade ¢ uma das principais ra- 26s pelas quais so tio fascinantes. Tentaremos ilustrar esta perspectiva ao longo deste livro enfatizandoas ma- neiras pelas quais a ecologia, o comportamento, a mor- fologia e a fisiologia interagem nos vertebrados viventes, € refletindo sobre como interagdes similares no passado podem ter influenciado a evolucdo de vertebrados. Como tais sistemas complexos evoluem? Trés ex- plicagdes gerais tem sido propostas: aos saltos, evolugao ‘em mosaicoe progressio correlata. A hip6tese dos saltos sugeriu que a mistura de caracteres que distinguem um mamffero de um réptil, por exemplo, poderia ter sido adquirida de uma s6 vez como resultado dos efeitos 20 acaso da mutagdo e da recombinagao genéticas. Esta hipétese, que esté associada com 0 infcio do século 20, no € suportada por qualquer de nossos conhecimentos atuais sobre os mecanismos do desenvolvimento ou so- bre o registro fossil. A hipstese da evolugio em mosaico e a hipstese relacionada da progressio correlata so mais consis- tentes com aquilo que observamos durante 0 desenvol- vvimento embriondrio de vertebrados e no registro f6s- sil. £ uma observagio banal que os organismos sio ‘mosaicos de caracteres ancestraise derivados. Por exem- plo, sua mio (= pé anterior) € muito parecida com o pé anterior de um lagarto, mas 0 seu pé (= pé posterior) é bastante diferente daquele de um lagarto, Similarmente, seus olhos sdo essencialmente 0s mesmos que aqueles de um lagarto, mas seu encéfalo apresenta uma tremenda elaboragdo de algumas regides, quando comparado com © encéfalo de um lagarto. A distingto entre evolugéo em mosaico e progresstio correlata focaliza-se na quan- tidade de interagdo que ocorreu entre os grupos (isto 6, pé anterior, pé posterior, olho, encéfalo) durante aevo- lugo. Evolugdo independente dos grupos devido a res- postas coincidentes ao mesmo ambiente novo & evolu- ¢40 em mosaico, enquanto que uma interago na qual modificagdes em um grupo influenciam modificagbes em outros grupos é progressao correlata. Evolupdo em mosaico e progressdo correlata so dois extremos de uma linha contfaua em vez de consti- tufrem altemativas mutuamente exclusivas; exemplos pparticulares podem situar-se em diversos pontos ao longo da linha. Um exemplo particularmente bom e que sera Caplulo 1 Diversidade, Evolusao e Classficagdo dos Veriebrados 15 tratado com mais detalhes neste livro, € a evolugao dos ‘mamiferos a partir de animais primitivos, semelhantes aos répteis. Esta transi¢o envolveu uma multido de modificagoes entre sistemas interdependentes. A endotermia (isto 6, a regulagdo da temperatura do corpo por meio de calor produzido pelo metabolismo de um animal), por exemplo, requer um mecanismo fisiol6gico para a produgdo de calor (alta taxa metabélica) e um me- canismo morfolbgico para reter calor (um revestimento isolante de pélos), sendo que nenhum desses aspectos € vantajoso a menos que um outro ja esteja presente. Esta situagdo “catch-22” é discutida no capitulo 4 e a se- qléncia do aparecimento das modificagGes na estrutura esquelética, na dentig’o, no cuidado parental e no de- senvolvimento do encéfalo, que distinguem mamiferos de répteis, & descrita no capitulo 19. No caso dos mami- feros, vemos claramente um processo de progressio correlata, no qual modificagées na estrutura esquelética foram associadas com modificagdes na locomocao, na fisiologia, na reprodugao € no cuidado parental. Valor Adaptat Definimos valor adaptativo como a contribuigdo gené- tica relativa de diferentes individuos as futuras gera- ges, € a descrevemos em termos do ntimero de des- cendentes produzidos por cada individuo. Esta é uma super-simplificagao no sentido de que os individuos de uma espécie tm alelos em comum e, quanto mais proxi ‘mamente aparentados forem dois individuos, maior seré a proporgao de alelos compartilhados. Irmaos, por exem- plo, tém, em média, 50% de alelos em comum, e meio- irmaos (um pai em comum e outro diferente) compar- tilham 25% de alelos. Como 0s alelos € que sdo trans- mitidos de geragao para geragao, € possivel que um indivfduo aumente seu proprio valor adaptativo (ou seja, transmitindo alelos idénticos aos seus) auxiliando um parente ater sucesso na reprodugdo. Por exemplo, quando seu irmao se reproduz, ele transmite a prole (que so seus sobrinhos) metade dos alelos que compartilha com voce, € 25% dos alelos no genstipo desta prole so os mesmos de seu genétipo (50% dos alelos compartilhados por irmaos x 50% dos alelos no genstipo da prole). Sua prépria prole tem 50% dos alelos de seu gen6tipo, ou seja, duas vezes mais que seus sobrinhos. Tudo 0 mais sendo igual, dois sobrinhos so 0 equivalente de um filho seu em termos da transmissio dos seus alelos as ‘eragGes futuras. Os mesmos céleulos podem ser apli- cados a relagdes genéticas progressivamente mais dis- tantes. O ponto importante é que a reprodugao de pa- rentes contribui para o valor adaptativo do individuo. ‘0 Inclusivo Em algumas situagdes, ajudar os parentes a reproduzir-se ‘com sucesso pode ser a melhor maneira de um individuo aumentar seu proprio valor adaptativo. Acredita-se que este principio do valor adaptativo inclusivo esteja subjacente a muitos comportamentos altruisticos de mamfferos e aves (capitulos 18 23). Variagdo e Evolucdo A variagdo genotfpica e fenotipica é 0 material sobre 0 4qual a selego natural opera, mas nem todos os tipos de variagdo so sujeitos a selegdo € as caracteristicas da biologia de certas espécies podem aumentar ou dimi- nuit a importancia da selecdo. Em primeiro lugar, a va~ riagdo deve ser hereditéria para que a selegao atue so- bre ela, Isto significa que @ variagao nos caracteres fenotipicos deve ter uma base genética e que os pais que apresentam um caréter em particular devem produzir uma prole que também manifeste esse cardter. Nem toda a variagdo apresenta base genética e muitos caracteres que tém base genética também sio afetados pelo ambiente. © tamanho do corpo das tartarugas, a0 eclodir, é um exemplo dessa interagdo entre variagdo genéticae induzida pelo ambiente. Tartarugas recém-eclodidas nao recebem qualquer cuidado parental: elas devem escavar seu cami- ‘nho para fora do ninho, através do solo, encontrar a 4gua € comegar a obler alimento inteiramente por meio dos pr6prios esforgos. Provavelmente, & desejavel que a tar- taruga fémea produza os maiores filhotes que puder pois 0s maiores recém-eclodidos terdo mais forga para esca- var, mover-se-do mais rapidamente para a dgua e pode- ro capturar uma variedade maior de presas que os indi- ‘viduos de menor tamanho. O tamanho da tartaruga re- cém-eclodida esté correlacionado com o tamanho do ovo do qual provém, e algumas tartarugas fémeas colocam vos maiores do que as outras. Tudo 0 mais sendo igual, fémeas que poem ovos maiores produziriam jovens maiores, Sendo mais aptas que as fémeas que colocam ‘vos menores. No entanto, a disponibilidade de agua no ninho também afeta o tamanho dos jovens ~ ninhos em solo timido dio origem a recém-eclodidos maiores que 108 de ninhos em solo seco (Figura 1-4). Além disso, os jovens provenientes de ninhos \imidos também conse- ‘guem rastejar e nadar mais rapidamente do que aqueles de ninhos secos. Este componente da variagdo do tama- nnho do corpo dos jovens nao tem base genética © no pode ser trabalhado pela selegao natural. Se a selegio agir neste tipo de variagao (c este tipo de selecdo ainda no foi demonstrado), deve ser indiretamente, através da redugao do valor adaptativo de tartarugas que esco- Them locais secos para 0 ninho. 16 Parte Diversidade, Fungies« Evolucdo nos Veriebrados Figura 1-4 Estas duas tartarugas recém-eclodidas (Chelydra serpentina) sio provenientes de ovos colocados pela mesma fémea. Os ovos eram do mesmo tamanho quando foram postos e adiferenca no tamanho dos filhotes recém-eclodidos representa um efeito ambiental. A tartaruga da esquerda eclodiu de um ovo incubado em substrato tmido, enquanto que ada diteita € proveniente de um ovo incubado em substrato seco. (Fotografia, cortesia de Gary C. Packard.) Variacio Sujeita a Selegao Natural Algumas fémeas de tartarugas tém um gen6tipo que re- sulta em ovos grandes, com grande quantidade de vitelo, ou seja, hd uma variag&o individual. A variagao indi dual € 0 tipo de variagdo na qual geralmente se pensa em termos de selegio natural — alguns individuos sao maiores que outros, ou mais répidos, ou mais colori- dos, ou mais agressivos. A lista de caracteres pode ser indefinidamente estendida e esses tipos de diferengas dependem do acaso quando gametas se combinam para formar um zigoto. Os efeitos da recombinagao genética e da mutagio levam a diferentes gen6tipos e a diferentes fendtipos, e a selec pode atuar sobre essas diferencas. A variagao individual geralmente € continua, isto 6, alguns animais so pequenos, outros so grandes ¢ a maioria esté entre esses extremos. Variagio continua € a situagao ilustrada na Figura 1-3. Um segundo tipo de variagdo ¢ a descontinua: ao invés de haver uma curva de freqléncias em forma de sino, a variagio descontinua pode ser separada em categorias distintas. O polimorfismo (poly = muitos, morpho = forma) é um tipo comum de variaga0, descontinua. A Figura 1-5 ilustra 0 padrao de polimorfismo em um sapo porto-riquenho, 0 coqut. Alguns individuos so uniformemente coloridos, alguns apresentam listras ao longo dos lados do corpo e outros {tm padres mosqueados de manchas escuras. Esses di- ferentes padrdes so geneticamente determinados ¢ a ‘Capitulo 1 Diversdade, Evolucio Clastificacio dos Vertebrados 7 prole herda os padrées de seus pais. E possfvel encon- ttar individuos com todos esses padrdes em qualquer populacdo desses sapos, mas alguns padres so mais comuns em um tipo de habitat do que em outros, pro- vavelmente porque certos padres sio especialmente cripticos (dificeis do predador detectar) em habitats parti- culares. Em gramados, por exemplo, os padrdes de listras, ‘ocorrem em alta frequiéncia, enquanto que em florestas 98 padrdes unicolores e mosqueados so mais comuns. Em éreas gramadas, os predadores véem os sapos con- tra um fundo de talos de gramineas e o padrio listrado mistura-se com 0s talos retos e de cores claras. Em flo- restas, os predadores frequentemente véem os sapos contra um fundo de folhas caidas; hé muito poucas li- has retas € 0s padrdes mosqueados e uniformes prova- velmente so mais cripticos que as listras. As diferen- as nas freqléncias dos padres em diferentes habitats, indicam que a selego natural atuou no conjunto génico, modificando as frequéncias dos alelos que produzem esses padrdes. O dimorfismo sexual (di = dois) é um caso especi- al de polimorfismo no qual machos e fmeas de uma es- pécie diferem em caracteres sexuais secundérios, como tamanho ou colorago. O dimorfismo sexual resulta dos o © Figura 1-5 Padrdes polim6rficos do coquf porto-riquenho. Estes so quatro dos mais de 20 diferentes padres descritos: (a) mosqueado; (b) unicolor:(c) lstras laterais largas: (d) lstra b). 2. Na evolugio do grupo 2 + grupo 3, a cauda é perdi- da (C > 0). 3. Na evolugao do grupo 3, um artelho da pata anteri- or € perdido (A —> a). As outras duas filogenias so possfveis, mas elas requereriam que a perda da cauda (a condigdo derivada ©) tivesse se originado independentemente no téxon 2. no téxon 3. Ambas essas filogenias requerem quatro modificagdes evolutivas sendo, portanto, menos parcimoniosas do que a primeira filogenia considerada. Geralmente consideramos que a filogenia mais, parcimoniosa € mais provavel de ser correta e € aquela ‘que deverfamos utilizar. No entanto, uma filogenia deste lipo (denominada cladograma) é uma hipstese acerca dos parentescos genealigicos dos grupos incluidos. Como qual- ‘quer hipstese cientifica, ela pode ser testada com novos Vea pulmonar esquerda \\ ~ ho direto ota — Aa esquerso — Septointeratial _— vatvua atioventicur Venticue Figura 3-14 Fluxo sangtineo através do coragio de uma ri. A esquerda, padrio do fluxo ‘quando 0s pulmbes estio ventilando; a dieit cutinea. Flechas em preto, sangue com baixo teor de oxi to mais oxigenado. nos também tém uma ampla variedade de morfologia cardiovasculares. Um pequeno sinus venoso supre 0 trio, ‘to, mas a regido do cone arterial est4 ausente nos adultos € 0s arcos aérticos se originam diretamente do coragio. Os trios sdo totalmente separados, mas a par- te ventricular do coragdo pode nao estar subdividida completamente (queldnios, lagartos e serpentes), ou duas, cimaras totalmente separadas cujo sangue contido em cada uma delas misturam-se via uma confluéncia, se- melhante a uma janela entre as artérias, que carreia 0 sangue de cada ventriculo (crocodilianos). Assim como nos peixes pulmonados € anfibios, estas variedades morfol6gicas permitem a manobra seletiva do sangue entre 0s circuitos sistémico e pulmonar. As mudangas nio se relacionam as diferentes superficies respirat6ri- as, mas respondem a natureza intermitente de ventila- 40 dos pulmdes nestes vertebrados. Embora seja 6bvio nas formas que mergulham, tais como as tartarugas € crocodilianos, os longos periodos de apnéia (sem ven- tilagdo pulmonar) também sao caracteristicos nos lagar- tos e serpentes, especialmente quando sio resfriados e sua taxa metab6lica correspondente baixa. A habilidade . luxo quando ocorre apenas a respira¢o i: flechas brancas, sangue mui- de desviar 0 fluxo sangtiineo dos pulmdes sem ventila- ¢40, geralmente mediada por um ou mais esfincteres musculares vasculares nas artérias pulmonares, prova- velmente tem muitas vantagens fisiolégicas (Burggren 1987). O circuito pulmonar secundério pode economi zar energia quando 0 oxigénio nao esté sendo extrafdo, e reduz 0 extravasamento de plasma dentro dos pul- moes. Durante a ventilagao pulmonar a mistura contro- Jada de sangue oxigenado € nao oxigenado pode resul- tar em uma taxa mais elevada de eliminacdo do didxido de carbono do que é possivel de outra maneira. ‘Aves e Mammalia tém demandas de oxigénio, al- tas e continuas, e s6 experimentam apnéia em circuns. tncias especiais como o mergulho. Seus coragdes so divididos em dois Atrios e dois ventriculos. Si0 especializados como uma bomba sistémica de alta pres- so do lado esquerdo e uma bomba pulmonar de baixa pressio do lado direito. Os dois circuitos vasculares tam- ‘bém so totalmente separados. Os estigios embrionarios do desenvolvimento do coracao e dos arcos adrticos asse- ‘metham-se ao estégio adulto dos sistemas cardiovascu- lares mais plesiomérficos. O sistema cardiovascular das Capitula 3 Os Sistemas de Orgdos dos Vertebrata e sua Evolueao 95 ‘Aves € 0 dos Mammalia so convergentes, ndo herdados de um ancestral comum, e diferem nos detalhes morfoldgicos. A diferenga mais evidente é a redugao dos arcos sistémicos bilaterais caracteristicos de todos 0s ou- tros vertebrados. As Aves retém o ramo direito do arco sistémico pareado ancestral, eos Mammalia retém 0 ramo esquerdo. O coragiio das Aves e dos Mammalia sao relati- vamente maiores em relago a0 tamanho corpéreo do que © coragdo dos outros vertebrados, os vasos terminais 40 ‘mais numerosos, a espessura das paredes dos vasos é mai- or, € © sistema todo, embora sob grande pressio, perde menos plasma para o espago intersticial. O sistema cardiovascular das Aves ¢ 0 dos Mammalia sio capazes de altas taxas de contragao cardiaca, altas presses sistémicas, circulagao répida, habilidade de realizar ajustes répidos profundos na performance, ¢ 0 mais alto grau de controle homeostético entre os vertebrados. Homeostase O conceito de que os organismos tendem a manter 0 meio interno (milieu interieur) dentro de estreitos limi tes, a despeito das mudangas do ambiente externo, foi introduzido pelo fisiologia francés Claude Bernard um ano depois da publicagdo do livro A Origem das Espé- cies por Charles Darwin. Atualmente os conceitos, da evolugdo organica ¢ uma tendéncia observada da maior capacidade dos organismos derivados manterem uma constincia do milieu intereur, estdo profundamente en- trelagados, especialmente nos estudos dos vertebrados. Se existe qualquer tendéncia geral, através do tempo na evolugao dos vertebrados, é uma homeostase mais € mais eficiente. A homeostase dos vertebrados € 0 as- sunto do Capftulo 4. O sangue e 0 rim sao dois sistemas Vertebrata intimamente associados & homeostase. Sangue sangue ¢ um tecido fluido composto de plasma liquido € constituintes celulares conhecidos como células verme- thas (eritrécitos) e eélulas sangtifneas brancas (leucdcitos). sangue transporta, oxigénio, nutrientes, didxido de car- ‘bono, residuos nitrogenados, horménios e calor (para men- ccionar apenas suas fungdes basicas) ¢ € responsdvel pelas reagdes dindmicas da termoregulacdo e do sistema imune ‘quando da invasdo de corpos estranhos. ‘O plasma é um flufdo aquoso que permanece quan- do todos os componentes celulares so removidos do sangue. A 4gua contida no sangue € especjalmente im- portante para a homeostase térmica. Por causa de seu alto calor especifico a Agua demora para se aquecer € resfriar. O grande volume de sangue, que flui através de tecidos metabolicamente ativos, transfere calor para © resto do corpo. O sangue é tio eficiente em transferit calor que estruturas circulat6rias especializadas permi tem a certos vertebrados manterem heterotermia re- gional (temperaturas diferentes em diferentes partes do corpo). A mais comum destas estruturas especializadas sdo as anastomoses arteriovenosas € as retia. plasma sangilineo contribui para outros importan- tes fluidos. O fluido intersticial ¢ essencialmente plasma sangiiineo sem as grandes protefnas, que no passam atra- vés do endotélio capilar. A linfa deriva do fluido intersticial € avolumada pela adigao de algumas protefnas grandes, caracterfsticas do plasma sangifneo e por determinadas, células sangiifneas brancas produzidas nos nédulos linfati- 0s (linfécitos). O flufdo encefaloraquidiano e © humor aquoso do olho, tém um baixo teor de protefnas e pro- porgGes diferentes de pequenos compostos organicos € sais inorganicos comparados ao plasma sangiiineo. O fluido encefaloraquidiano € o resultado do transporte ati vo e altamente seletivo do plasma sangiiineo pelas mem- branas vasculares que recobrem 0 encéfalo. Entre 20 % a 50% do volume do sangue (dependen- do da espécie) consiste de eritrécitos. Estas células sangilineas vermelhas possuem esta cor devido as altas, concentragées de hemoglobina, proteina com radicais de ferro que funciona como transporte para 0 oxigénio. A estrutura dos eritrécitos varia entre os vertebrados. Os eritrécitos da maioria dos mamiferos ndo possuem ni- cleo, deste modo, tecnicamente nio sdo células vivas. Outros vertebrados retém eritrécitos nucleados, mas os nticleos mostram-se inertes funcionalmente. Alguns pei- xes (por exemplo, os peixes antarticos que vive nos blo- cos de gelo, Chaenichthyidae) eliminaram totalmente os eritrécitos, transportado 0 oxigénio exclusivamente pelo plasma. Os locais de formago dos eritrécitos diferem entre asespécies ¢ também mudam durante a ontogenia do indi- viduo. Os locais de hematopoese (formagio das células vermelhas) nos vertebrados adultos incluem os vasos sangtifneos dos peixes, a parede intestinal, os rins figado da maioria dos vertebrados, € uns poucos érgaos cespecializados caracteristicos dos tetrépodes: obago, o timo, 05 nédulos linféticos a medula éssea dos ossos. Nos mamiferos adultos os eritrScitos sao produzidos quase exclusivamente na medula 6ssea. Eritrécitos maduros si0 incapazes de se replicarem ou de se auto reparar, e existe ‘uma reposigdo considerdvel destas células. Novos eritrécitos sto produzidos e liberados na circulagdo e os velhos € danificados sao retirados do sangue, geralmente pelos mes- ‘mos tecidos hematoposticos. Os eritrécitos contribuem na homeostase de varias ‘maneiras diferentes. A afinidade da hemoglobina por oxi- 96 ParieT Diversidade, Fungdes e Evolugdo nos Veriebrados Enio (isto é, quao firmemente as moléculas de oxigénio esto presas & hemoglobina) muda diante de efeitos gené- ticos, fisicos € quimicos. A ilustragdo mais familiar da contribuigao da afinidade do oxigénio pela hemoglobina para a homeostase é 0 modo como 0 oxigénio é liberado ajustado a requisigdes metabsticas dos diferentes tecidos. A afinidade do oxigénio & hemoglobina é diminu- fda em condigdes dcidas e aumentada nas basicas. Em outras palavras, a hemoglobina liberta 0 oxigénio mais prontamente em pH baixo do que em pH mais altos. O diéxido de carbono, que € produzido pelo metabotismo celular, difunde-se no plasma sangiiineo e dai para os eritrécitos. Os eritrécitos so ricos em enzima anidrase carbénica, que catalisa as reagdes entre a Agua e 0 didxido de carbono que produzem 0 dcido carbénico (H,CO)). Acido carbénico se dissocia em um préton (HY) e um fon bicarbonato (HCO, ). Os protons libera- dos pela dissociagdo aumentam a acidez do sangue € 0 baixo pH reduz a afinidade da hemoglobina pelo oxi- génio, resultando na liberagdo do oxigénio pela hemoglobina. Este mecanismo ajusta a libertaco do oxigénio mediante as necessidades metabslicas dos di- versos tecidos, porque a producdo de diéxido de carbo- no é proporcional ao consumo de oxigénio. Nas branguias ou pulmdes 0 processo é invertido: a hemoglobina, que liberta seu oxigénio nos tecidos, é ex- posta a uma alta pressdo de oxigénio e segura 0 oxigénio, liberando prétons no processo. O aumento da concentra- do de protons dirige a reagdo na diregdo inversa, recombinando os prétons com os fons bicarbonato forman- 40.0 écido carbinico. A anidrase carb6nica nos ertrécitos catalisa a formagao de diéxido de carbono e gua a partir do dcido carbSnico, ¢ 0 didxido de carbono difunde-se atra- vés da parede do capilar para a agua ou ar. Células especializadas em promover 0 bloqueio do sangue (trombécitos) esto presentes em todos 0s verte- brados exceto nos Mammalia, onde sio substituidos por estruturas ndo celulares as plaquetas. Estes elementos sangtifneos reagem a superficies onde normalmente no se encontramaderindo as superficie nao familiares assim como uns a0s outros. Proteinas sangiiineas especficas reagem aos tecidos danificados se polimerizando produzindo uma estrutura de fibras que emaranham componentes celulares do sangue formando um tampao ao redor da ferida. Células sangufneas brancas (leweécitos) so me- nos numerosas que os eritrécitos. Existem pelo menos cinco tipos de células brancas sangiifneas nos seres hu- manos. Os leucécitos formam a primeira linha de defesa, apés a invasio de bactérias patogénicas e outros corpos estranhos, estio envolvidos nas respostas inflamat6rias, € dio suporte as atividades antigeno-anticorpo do sistema imune. Diferentemente dos eritrécitos, que normalmente ‘mantém-se dentro dos canais vasculares, 0S leucécitos es- premem-se entre as células endoteliais dos capilares € vénulas e passam a maior parte de sua existéncia moven- do-se livremente através dos tecidos conjuntivos frouxos. Sistema Imune Um aspecto significante da sobrevivén- cia de um organismo € a habilidade de distinguir entre oque € sewe 0 que ndo é seu, de tal modo que a invasio de substincias estranhas possa ser prevenida. Embora todos os animais mostrem alguma capacidade de se reca- nnhecerem & nivel molecular apenas 0s vertebrados possu- ‘em um fluido plasmaintersticial e células integrado, imu- niidade por anticorpos, que resiste a quase todos 0s orga- niismos e toxinas que danificam os tecidos atuando com grande especificidade e meméria (Cooper, 1985) Seguindo quimicamente, com marcas fluorescen- tes, um antigeno (anti = contra, gen = gerar) ou uma substdncia estranha que invade o corpo, & possivel des- cobrir as células, nas Aves e Mammalia, responsdveis pela produgio dos anticorpos, que so a fonte da imuni dade especifica e memorizada. Estas células sio os leucécitos conhecidos como linféeitos B, porque fo ram descobertos primeiramente na bolsa de Fabricius, uma formagao linféide dorsal a cloaca das Aves. As cé- lulas B dispersam-se amplamente nos tecidos linfoides dos vertebrados. Elas produzem imunoglobulinas que sdo secretadas nos fluidos corpéreos. Alguns linfécitos B transmitem, para suas células filhas, informagoes pre- cisas sobre 0 antigeno, deste modo o clone derivado deste linfécito torna-se a base da memsria do sistema imune. As células clonadas dispersam-se amplamente no tecido linfético do corpo e quando sao estimuladas novamente pelo mesmo antigeno iniciam rapidamente ‘a produgo do anticorpo espectfico. Outra classe de linfécitos, os linfécitos T, sio as- sim denominados porque nos Mammalia residem uma parte de sua existéncia no timo, e s6 podem ser distintos or seu comportamento. Um grupo de células T se re- produz totalmente em células citot6xicas. Estas células T “matadoras” viajam através do sistema circulatério e prendem-se firmemente ao seu antigeno especifico, in- Jjetando enzimas digestivas dentro dele. Um segundo ‘grupo de células T, as células T auxiliares, estimulam a atividade das células Be de outras células T e leucécitos fagocitérios. Células T supressoras provavelmente fun- cionam com retroalimentagao negativa sobre outros as- pectos da reagio imune, mantendo-o sob controle para no se tomnar excessivamente severo. Estas células tam- bem sto consideradas significativas auxiliando 0 pré- prio sistema imune a se reconhecer e o seu mal funcio- namento implica em muitas doengas auto-imune. Embora, tanto anticorpos imunoglobulinas e pro- vvel células citotéxicas sejam encontradas nos peixes (Capluulo 3 Os Sistemas de Orgaos dos Vertebrate sua Evolugdo 7 sem mandfbula ndo tem sido evidenciado, até recente mente, 0 alto nivel de diferenciacdo da fungao celular caracteristico do sistema das Aves e dos Mammalia. Atualmente sabemos que o tubardo Heterodontus tém genes quase idénticos Aqueles associados as células T nna Aves ¢ nos Mammalia (Rast e Litman 1994). Toda- via o grau de diferenciagdo destes linfécitos’ nos Gnathostoma ectotérmicos ndo é bem conhecido, € a evolucdo do sistema imune exclusivo dos vertebrados mantém-se indefinida, Rins Manutengdo de uma pequena variagio nas concentra- ‘ges dos solutos, ¢ baixos niveis de residuos t6xicos, sdo fungdes que passam de mao em mao, mas por mui- tos anos os fisiologista evolutivos tém argumentado so- bre qual foi a fungdo ancestral do rim. Se os primeiros Craniata viviam em um ambiente marinho € improva- vel que os rins tenham surgido com 6rgios excretores de Agua. Remover restos nitrogenados ¢ outros residuos pro- vavelmente deve ter sido a fungdo basica do rim. Uma origem na 4gua doce para os primeiros Craniata deve reverter este argumento, Dois conjuntos de termos anatémicos, que desafor- tunadamente no so mutualmente exclusivos, s30 apli- cados para os rins dos vertebrados (Tabela 3-2). Um dos conjuntos descreve uma série ontogenética (de desen- volvimento) de tipos renais: pronéfrico, mesonéfrico ¢ Tabela 3-2 Tipos de Rins dos Vertebrata metanéfrico, segundo a ordem de seus aparecimentos no desenvolvimento embriondrio dos amniotas. Um ou- tro conjunto de termos descreve 0 arranjo, drenagem e estrutura interna como observados na série filogenética (evolutiva) dos adultos dos diferentes grupos de verte- brados: holonéfrico (hipotético, desconhecido atualmen- te em qualquer grupo de vertebrado), opistonéfrico (anamniotas) e metanéfrico (amniota). Ontogenética e, presumivelmente, filogeneticamente os primeiros tbulos, renais eram arranjados em segmentos e abriam-se para © celoma através de uma abertura ciliada em forma de funil, através da qual drenavam o flufdo que derivava do flu(do intersticial (Figura 3-15). Este flufdo era condu- Zido ao longo de um ducto arquinéfrico, que conectava, cada tbulo segmentar a regiao do anus. Aqui os ductos, de cada lado do corpo. se abriam para despejar a urina para 0 meio externo. Um tiltimo estégio envolveu a as- sociagdo de cada tibulo com redes capilares circulat6ri- as onde os residuos passavam diretamente para os tibulos. Deste modo, este sistema se tornou mais e mais, eficiente, as aberturas para o celoma foram perdidas, mas houve o desenvolvimento de numerosos tibulos em cada segmento, Essencialmente, este estgio é 0 mesonéfri- co, na ontogenia, € 0 opistonéfrico nos adultos dos anamniotas. Finalmente, os tibulos se tornaram muito, ‘compactados e numerosos, adquiriram um novo meca- niismo de drenagem formado a partir de uma evaginagao da cloaca e conseguiram a capacidade de concentrar a urina. O rim dos Mammalia € muito especializado por Classificagdo Ontogenética Pronéfrico Desenvolve-se na porgo mais cranial do tecido nefrogénico em todos os Vertebrata, organizagdo segmentar, drenagem pelo ducto arquinéfrico, funcional nos embrides dos peixese anffbios, pre- sente mas no funcional nas fases iniciais dos embrides dos amniotas. Mesonéfrico Desenvolve-se na porgio mediana do tecido néfrico de todos os, Vertebrata, drenado pelo ducto arquinéfrico, no apresenta segmentacio evidente, tdbulos mais numerosos por segmento,, funcional nos embrides de todos os Gnathostoma, mas apenas por curto perfodo de tempo nos embrides das amniotas Classificagdo Filogenéiica Holonéftico ‘Uma estrutura hipotética, nfo encontrada em nenhuum adulto dos atuais Vertebrata. Um tinico tibulo por segmento corpéreo 20 longo de todo comprimento do tecido néfrico, drenado pelo ducto arquinéfrico. Opistonétrico Desenvolve-se nas porgdes mediana e subsequentemente na pos- terior do tecido nefrogenico, drenado pelo ducto arquinéfricoe ductos acess6rios posteriores adicionais de origem nefrogénica, sem segmentagZo, tbulos numerosos funcional nos adultos de todos os anamniotas Metanéfrico Desenvolve-se na porgdo caudal do tecido nefrogénico, drenado por uma evaginago cloacal (o ureter), ndmero muito maior de Gbulos sem evidéncia de segmentagdo, funcional nos embrides mais velhos ¢ nos adultos de todos os amniotas. we Parle Diversidade, Fungdexe Evolugdo nos Verebrados ter adquirido uma organizagio estrutural que permitiu a unidade fundamental dos rins de todos os Vertebrata é uma variagdo excepcionalmente dinmica das concen- _ essencialmente a mesma ~ o nefro tubular (Figuras 3- ‘ragbes da urina. A despeito destas mudangas evolutivas, 15c e 4-1 até 4-6). A fungdo do rim dos Vertebrata é uma Cordde netogénico uct arqundtico ervado dos Woulos ucto arquindtica ‘aumento por proeracso “Tobulo da regio mesonsinca Posterior (acto de Wott) / : Gas inter | corner « Figura 3-15 Desenvolvimento e evolugio do rime do nefro. (a) Regides do nefrotoma em um ‘embrido amniota generalizado com a sobreposigd0 da regido que origina os opistonefros dos adultos ndo amniotas (veja Tabela 3-2). (b) Relagdes do nefrotoma, e do desenvolvimento dos \bulos e do ducto arquinéfrico com os somitos, a placa lateral do mesoderma, eo celoma. (c) {A presumivel condigio dos Vertebrata primitivos (8 esquerda) foi substituda por uma condi- ‘gio intermedidria observada nos rns pronéfricos das larvas de alguns peixes atuais (centro), Finalmente pela condigao observada em todos dos adultos dos Vertebrata atuais. (Capitulo 3 Os Sistemas de Orados dos Vertebrata e wa Evolugdo 9 ‘rea de intensa pesquisa (Brown er al., 1993), Os fun- damentos da fungao do rim (Capitulo 4) so essenciais para 0 entendimento da diversidade na adaptabilidade dda vida Vertebrata. Coordenagdo e Integragao ‘A homeostase fisiolégica ao nivel de érgios individu- ais € apenas uma parte da homeostase do organismo ‘como um todo. As fungdes dos 6rgdos devem ser coorde- nnadas para que atuem harmonicamente se a acao de um nao cancela a agao do outro ou conceder um ajuste & estreita tolerancia dos tecidos. Os sinais transmitidos pelo sistema nervoso ¢ pelas secregdes endécrinas dis- tribufdos para os érgaos alvo via sistema cardiovascu- lar, so coordenadores significantes nesta relaao. O Sistema Nervoso: Anator Dimensées do Encéfalo A unidade bésica da neuroanatomia € 0 neurdnio. Os neurnios so formados pelo corpo celular com proces- S08 finos e longos, os dendritos e ax6nio, que se esten- dem a partir do corpo celular e transmitem impulsos. Geralmente 0 ax6nio é, entre estas extensGes, 0 mais longo e menos ramificado. Nos Gnathostoma so en- voltos por uma bainha adiposa isolante, a bainha de mielina, que aumenta a velocidade de condugdo do im- pulso nervoso. Estas bainhas s4o formadas pelas célu- las de Schwann que se originam da crista neural e, por- tanto so exclusivas dos Vertebrata. Um axGnio trans- mite impulsos a longas distincias para outra célula ner- vosa ou populagio de células nervosas. Geralmente, os axGnios que transportam impulsos de uma populagao de células para outra sdo reunidos como os fios elétri- ‘cos em um cabo. Tais agrupamentos de axGnios no sis tema nervoso periférico (SNP) so denominados ner- vos; no interior do sistema nervoso central (SNC) so denominados de tratos € compdem a maioria da massa branca (assim chamada por causa da cor da mielina). Freqiientemente os corpos celulares agrupam-se, usual- mente em conjuntos com conexdes e fungdes similares, denominados ganglios (no SNP) e niicleos (no con- fundir como ndcleo celular) que compdem a maior parte de massa cinzenta (No SNC). Células nervosas encon- tram-se embebidas em células da glia geralmente nao condutoras, mas fisicamente ¢ fisiologicamente significantes e de um variedade de tipos distintos, ‘Osnervos do SNP esto arranjados segmentalmente, saem da medula neural entre as vértebras. Cada nervo » Evolugao e espinal € complexo, formado de fibras sensoriais soma- ticas que vém da parede do corpo, de fibras sensoriais viscerais originérias das visceras, de fibras motoras viscerais que se dirigem para os miisculos e glandulas viscerais e de fibras motoras somiticas que se dirigem para os muisculos ¢ glindulas sométicos. O corpo das Células nervosas dos dois tipos de fibras sensoriais so agrupados em uma série segmentar de ganglios espinhais adjacentes & coluna vertebral. Eles também derivam de células dacrista neural e, portanto, so ausentes nos ner- vvos segmentares dos Cephalochordata. Estes varios ti- pos de fibras juntam-se no interior dos nervos perifér cos em combinagies distintas que sdo consistentes com nossas hip6teses de sequéncia filogenética. As lampreias tém nervos motores e sensoriais separados que nio se tunem para formar um nervo espinhal complexo. A con- digdo mais derivada, ramos especiais de fibras combi- nadas destinadas a uma érea topogritica, é caracteristi- ca dos amniotas. Os nervos cranianos so um caso espe- cial de modificagéo dos nervos espinhais, incluindo 0 isolamento das fibras relativas a diferentes regides anatémicas em nervos separados. As fibras dos nervos espinhais que se relacionam exclusivamente as fungdes involuntérios do corpo dos Vertebrata formam duas di- visOes motoras que, junto com seus nervos sensoriais correspondentes, sdo conhecidas como sistema nervo- 0 auténomo. Entretanto, 0 sistema nervoso auténomo ‘no est separado totalmente do SNC e do SNP. A divi- do motora simpética do sistema auténomo geralmente estimula um rgio a reagir de modo apropriado & um Conjunto estressante de circunstincias (por exemplo, preparar para um répido gasto de energia). A divisio parasimpatica tem efeito antagénico, promovendo nos ‘6rg0s inervados fungdes apropriadas para as condigdes de repouso (por exemplo, descanso ou digestio). ‘© SNC, também mostra claras evidéncias de segmentagdo, embora esta no corresponda diretamen- te aos segmentos sométicos mas, de modo semelhante as vértebras, parecem ter segmentagao entre somites. (Fraser 1993, Keynes e Krumlauf 1994). A medula neural € a parte mais simples do SNC, apesar de suas inter-relagdes e relagdes funcionais serem complicadas. A estrutura em corte transversal & a de um tubo oco preenchido com uma fina camada de massa cinzenta e uma camada mais externa de massa branca. A medula neural recebe impulsos sensoriais, os transmite inte- ‘gra com outra partes do SNC e envia respostas motoras, apropriadas. Ancestraimente a medula neural tinha uma auto- nomia considerdvel, como nos complexos movimentos natat6rios. Os peixes podem continuar a produzir mo- vimentos natatérios coordenados mesmo quando o en- 100 Parte Diversdade. Funcdese Evolugdo nos Veriebrados TELENCEFALO ! Cértex Bulbo ottatério Hipotdlamo — Hipétise o Butbo oltatrio Nerve terminal ro) 1 1 DIENGEFALO wesencEFALO | Teo | Figura 3-16 Encéfalo Vertebrata, (a) Representagdo esquemitica do estigio de desenvolvi- mento do encéfalo de um Vertebrata generalizado, mostrando as principais divisBes e estrutu- ‘as descritas no texto. Vista lateral em cima; vista em corte sagital embaixo. (b) Encéfalos de Vertebrata representativos representados em vista dorsal. Todos. (0s encéfalos esto represen- tados com aproximadamente o mesmo tamanho, enfatizando-se as diferengas relativas no desenvolvimento de cada regio, Da esquerda para a diteita: Scymnus, Um tubario; Gadus, ‘um Teleostei; Rana, uma ra: Alligator, um crocodiliano; Anser, um ganso; e Equus, um cava Jo, com exemplo de um Mammalia moderno avancado. céfalo 6 separado da medula neural. A tendéncia na evo- lugdo dos Vertebrata tem sido no sentido de circuitos mais complexos no interior da medula neural e entre a medula neural e 0 encéfalo. Com estas conexdes tem havido uma dependéncia cada vez maior das fungdes medulares sob 0 controle dos centros mais elevados do CNS. ‘A neuroanatomia do encéfalo é extraordinariamente complexa (Figura 3-16). Ancestralmente (¢ embriolo- gicamente nos clados dos Vertebrata derivados) 0 encé- falo era tripartido: Uma parte relacionada a olfato, uma segunda com a visio e a terceira com a detecgao de equilibrio/vibragao (ouvido interno). O encéfalo dos atuais Vertebrata 6 composto por cinco regides distin- tas, que contém tanto massa cinzenta como branca, € cada regio servindo a uma funcdo bésica diferente Posteriormente, duas regides se diferenciam da re- ‘gido encefélica embrionéria associada com o desenvol- vimento do ouvido. A mais caudal, 0 mielencéfalo ou medula oblonga, ¢ principalmente uma extensio ante- Capltulo 3 Os Sistemas de Orgios dos Verebratae sua Evolueio 101 rior da meduia neural. Os niicleos da medula oblonga formam sinapses fundamentalmente com os 6rgdos sen- soriais dos miisculos € do tegumento da cabeca, mais um conjunto de micleos associados aos érgaos sensor ais do ouvido interno. Todos os impulsos originérios das células receptoras das regides do equilibrio (vest butar) ¢ da audigdo (coclear), do ouvido dos Mammalia fazem sinapse antes nestes niicleos da medula oblonga. A porgdo anterior da regido caudal do encéfalo em- brionério, denominada meteneéfalo, desenvolve uma importante evaginaco dorsal, 0 cerebelo. O cerebelo coordena e regula as atividades motoras se forem refle- xas, tais como a manutengio da postura, ou diretas, tais como os movimentos de fuga. A massa cinzenta ou nu- clear do cerebelo recebe impulsos nervosos da drea act tica do mielencéfalo (em particular, impulsos advindos dos niicleos vestibulares), impulsos do sistema complexo dos receptores do estiramento dos tenddes e misculos, impulsos do tegumento, dos centros Gpticos, e de ou- {ros centros encefélicos de coordenagao. A regido central embrionéria do encéfalo, 0 mesencéfalo, se desenvolve em conjungdo com os olhos. 0 teto do mesencéfalo & conhecido como tectum e re- cebe impulsos dos nervos dpticos. O assoalho desta re- gio contem tratos de fibras que passam cranial ¢ cau- dalmente para outras regides do encéfalo, assim como, para 0s nécleos vinculados aos movimentos oculares. Uma regido um pouco menor, o diencéfalo, desen- volve-se a partir da regido mais anterior do encéfalo embriondrio e é segmentado no inicio do desenvolvi- mento. Nos amniotas € a estagao de maior nimero de relés entre as dreas sensoriais e 0s centros mais elevados do encéfalo. Os olhos de desenvolvem de evaginagdes Pedunculadas do diencéfalo, os pedinculos permanecem ‘como nervos dpticos (I nervo cranial, Tabela 3-3). Uma evaginagao ventral do diencéfalo contribui para a for- ‘magdo do 6ngio endécrino dominante, a glandula hipéfise, ou pituitéria, que junto com o assoalho do diencéfalo (hipotétamo) forma o principal centro de coordenagao e integragdo neurohormonal. Uma outra glandula endécrina, o érgdo pineal, € uma evaginagao dorsal do diencéfalo. Originalmente era um fotoreceptor mediano (6rgio sensfvel a luz) dos vertebrados plesiomérficos. Finalmente, a regio mais anterior do encéfalo do adulto, o teleneéfalo, se desenvolve em associago com as cépsulas olfatérias © como 0 primeiro nucleo das sinapses olfatérias. O telencéfalo dos Vertebrata ple- mdérficos também coordena impulsos de outras mo- Fr passvo D> imparmedvl 2 fuxo Fo cata de 10% co pas do carpe TELEOSTEO MARINHO Grrr sor lomervo sequen Tr cerca de "edo poso do copoldia Aeidos xginicos Giicose, te. 20 cr #20 oP Fluxo de urna < 1% do paso do corpo ‘one. 300 mOsm Proporgie UP = ar10 TELEOSTEOMARINHO (Liquid do corpo = 350 mOsm; Ambento 1000 mOsm) Urina escass,lverentediuida ‘cecade 300mOsm vertebrados. Um teleésteo de 4gua doce ndo ingere égua porque o movimento osmético de égua jé fornece mais entrada dessa substdncia do que 0 necessério ~ ingerit ‘gua somente aumentaria a quantidade dessa substan- cia que o peixe teria de excretar através dos rins. Os grandes glomérulos de teledsteos de agua doce produzem um copioso fluxo de urina, mas o ultrafiltrado glomerular é isosmético em relagdo ao sangue ¢ con- tém sais sangilfneos essenciais. Para conservar sal, fons so reabsorvidos através dos tibulos contornados 126 Parte’ Diversidade, Fungdese Evolucdo nos Verebrados Figura 4-2 Estrutura e fungio do rim de tele6steos marinhos e de Sgua doce. (a) Compara- ‘slo esquemética da estrutura e das fungdes do néfron em um peixe teledsteo de agua doce e ‘um marinho. TFG € a taxa de filtragdo glomerular com a qual se forma o ultrafitrado, ex- pressa em percentagem do peso do corpo por dia. TCP é o tdbulo contornado proximal (em peixes, as vezes referido como o tbulo proximal). Dois segmentos (I ¢ ll) do TCP sao reconhecidos tanto em telesteos de Sigua doce como nos marinhos. O segmento Ill do TCP. de teledsteos marinhos as vezes é considerado igual ao TCD (tdbulo contornado distal) de teledsteos de fgua doce. As setas escuras representam movimentos ativos de substncias, as setas claras representam movimento passivo e as setas hachuradas indicam, através de seu tamanho, a magnitude relativa do fluxo de fluido. Note que Na° ¢ Cl-sio reabsorvidos no segmento I do TCP e no TC (tabulo coletor) tanto em teledsteos de Agua doce como nos ‘marinhos; agua fui osmoticamente através do TCP tanto em teledsteos de gua doce como marinhos, mas somente através do TC de tele6steos marinhos. A permeabilidade do TC & ‘gua (e também do TCD) €, por isso, baixa em teledsteos de Agua doce. UIP € a proporgio entre a concentrago do ultrafiltrado e a do plasma sanguineo ~ uma medida da capacidade de concentragio de um néfron. (b) Esquema geral dos gradientes osmético e idnico encon- trados em teledsteos de 4gua dove e marinhos. proximal e distal. Pelo fato do tibulo contornado distal, ser impermedvel & Agua, a urina torna-se menos con- centrada & medida que fons sao removidos dela. Final- mente, a urina torna-se hiposmética em relagao ao san- gue. Desta forma, a Agua que foi absorvida pelas bringuias € removida e fons sto conservados. Nao obstante, alguns fons so perdidos pela urina além da- queles perdidos por difusdo pelas brinquias. Sais do alimento compensam parte dessa perda. Além disso, 0 teledsteos de agua doce possuem células especiais lo- calizadas nas branquias e que absorvem fons sédio € cloreto da dgua doce. Estes fons precisam ser levados por transporte ativo contra um gradiente de concentra- gio e esse fendmeno requer energia (Kirschner 1995), Anfibios de 4gua doce enfrentam problemas cosméticos semelhantes. Toda a superficie do corpo dos anfibios esta envolvida no transporte ativo de fons da gua para o organismo. Como os peixes de agua doce, 0s anfibios aquiticos nao ingerem Agua. A acidez inibe este transporte ativo de fons tanto nos anfibios como nos peixes € a incapacidade de manter constantes as concentragdes internas de fons é uma das causas da morte desses animais em habitats acidificados por chu- va dcida. Organismos Marinhos: Teleostei e Outros Peixes Os gradientes osmético e iGnico de vertebrados marinhos sfo amplamente contrérios aqueles aos quais os verte- brados de agua doce estdo sujeitos. A égua do mar é mais concentrada do que os Ifquidos do corpo dos ver- tebrados, existindo um fluxo de 4gua, por osmose, para fora ¢ uma difusao de fons para o interior do corpo. Teleostei O tegumento de peixes marinhos, como aquele dos teledsteos de égua doce, é altamente impermedvel, sendo que a maior parte dos movimentos osmoticos € ‘Onicos ocorre através das brinquias (Figura 4-2). Os glomérulos renais so pequenos e a taxa de filtraga0 glomerular é baixa. Menos urina é formada e a égua perdida com a urina € reduzida. Os tele6steos marinhos ‘do possuem um tibulo contornado distal impermedvel a gua. Como resultado, a urina que sai do néfron é menos copiosa, porém mais concentrada do que a de teledsteos de gua doce, embora sempre seja hiposmética em relagdo ao sangue. Para compensar a desidratagio ‘osmética, os teledsteos marinhos fazem uma coisa incomum - ingerem gua do mar. fons sédio e cloreto so ativamente absorvidos pelo revestimento do intesti- noe a 4gua entra osmoticamente para o sangue. As esti- mativas de consumo de 4gua do mar variam, mas mui tas espécies bebem 25% mais do que o peso de seu pré- prio corpo por dia e absorvem 80 % desta 4gua ingerida Certamente, ingerir gua do mar para compensar a per- dda osmética de §gua aumenta o influxo de fons s6dio € cloreto. Para compensar esta abundancia de sal, células distintas, chamadas eélulas de cloreto, localizadas nas branquias, bombeiam ativamente fons s6dio e cloreto para fora, contra um amplo gradiente de concentracSo. Feiticeiras e Chondrichthyes As feiticeiras minimizam seus problemas com 0 equilibrio idnico regulando so- mente fons bivalentes e reduzindo o movimento osmético da 4gua por serem praticamente isosméticas em relagio 4 4gua do mar. Os Chondrichthyes e celacantos também minimizam 0 fluxo osmético mantendo a concentragao ‘osmética dos Ifquidos de seu corpo proxima aquela da gua do mar. Estes animais retém compostos contendo nitrogénio (primariamente uréia e 6xido de trimetilamina) para produzir osmolaridades geralmente ligeiramente hiperosméticas em relagdo & 4gua do mar (Tabela 4-1). Capiulo-4 Homeostase e Energia: Equilibrio de Agua, Regulagdo da Temperatura e Uso de Energia 27 Tabela 4-1 Concentragdes representativas de s6dio e cloreto e osmolaridade do sangue em vertebrados € invertebrados marinhos. As concentragdes sto 2xpressas em milimoles por litro de égua; todos os valores so aproximados em 5 unidades. A osmolaridade € apresentada em miliOsméis (mOsm; | mOsm = 1 mol de part las dissolvidas por quilograma de égua), (Outros Fatores Osméticos Tipo de animat mOsm Nat ce Importantes Fonte Agua do mar 1000 ‘Agua doce <10 “5 Invertebrados marinhos Celenterados, moluscos ete 1000 470 sas 1 Crustacea, 1000 460 500 1 Vertebrados marinhos Feiticeiras 1000 3935 540 2 Lamp 300 120 95, 2 ‘Teleostet 350 180 150 3 Celacanto <1000a 1180 180 200 Uréia 375 4.10 Elasmobranchil (Carcharhinus leucas) 1050 290 290 Uréia 360 5 Holocephali 1000 340 345 Urcia 280 9 Vertebrados de égua doce Polypteridae 200 100 90 3 Acipenseridae 250 130 105 3 Neopterygii primitivos 280 150 130 3 Dipnoi 240 Ho 90 3 Teleostei 300 140 120 3 Elasmobranchii (Carcharhinus leucas) 680 245 220 Uréia 170 5 Elasmobranchii(raias de 4gua doce) 310 150 150 6 Amphibia 250 100 ~80 7 Vertebrados terrestres Reptilia 350 160 130 8 Aves 320 150 120 8 Mammalia 300 14s 10s 8 “Niels inicoreosmolaridadealtamente vandvels, mas tendendo& 200 m0: sm na 6gua doce Fimtes: 1. WT.W, Pots & G3. Parry 1964, Osmotic and lonic Regulation in Animals, Macmillan, New York, NY: 2. J.D. Robertson, 1954, Jowral of Esperimenul Biology 31:424-442;3. MR. Uris er a, 1972, Comparative Blochemisry and Physiology 42:398-408; 4. GE. Pekford & FG. Grant, 1964, Sctence 155:868.570; R.W. Griffith eal, 1975, Journal of Experimental Zoology 192:185-171; 5. FB. Therson etal. 1973, PhsioogicalZoolony 86:29. 42.6. TB, Thorson et al 1967, Science 158375377: 7. PJ, Bentley, 1971, Endocrines and Osmoreguation, Zoophysology and Ecology Series, vlume I Springer. New York, NY. 8. CL. Prosser, 1973, Comparative Animal Psi Biochemistry and Physiology 39: 185-192: 10. DI. Evans, 1979, Comparative Physiology of Oumorepuation in Animal, ‘Academic, New York, NY. Como resultado, 0s Chondrichthyes ganham égua por difusdo osmética através das brinquias e ndo precisam ingerir 4gua do mar. Este influxo de 4gua permite que existam grandes glomérulos renais, como nos Teleostei de Agua doce, apresentando altas taxas de filtragao e, cconseqiientemente, uma répida limpeza do sangue. Uréia, muito solivel e difunde-se através da maioria das mem- branas biol6gicas, mas as branquias de Chondrichthyes sto quase impermeaveis a uréia e os tibulos renais reabsorvem-na ativamente, Com concentragGes iénicas internas, que so baixas em relacdo a agua do mar, os Chondrichthyes sofrem influxos idnicos através das branquias, como ocorre nos Teleostei marinhos. Dife- logy. 3 digo, Saunders, Philadephia, PA: 9- LJ. Read, 1971, Comparative estado por GM, Maloy rentemente das branquias de Teleostei marinhos, aque~ Jas dos Chondrichthyes apresentam baixas permeabili- dades idnicas (menos do que um por cento daquelas de Teleostei). Os Chondrichthyes geralmente nao possuem Células excretoras de sal, altamente especializadas, nas brdnquias. Em vez disso, eles conseguem 0 equilibrio idnico por meio de secregao de um fluido pela glandula retal, que € aproximadamente isosmotico em relagdo aos Ifquidos do corpo e & agua do mar, mas que contém con- centragdes mais elevadas de fons s6dio e cloreto. ‘A uréia € 0 Gxido de trimetilamina do sangue de Chondrichthyes também contribuem para a flutuabili- dade. Os Chondrichthyes so mais densos que a agua 128 Parte! Diversidade, Funcies¢ Evolugdo nos Vertebrados res € raias ndo possuem a bexiga natatoria que os pei- xes 6sseos utilizam para ajustar sua flutuabilidade, mas muitos tubardes possuem um figado grande, cheio de leo. O dleo é mais leve do que a gua ¢ 0 grande tama- ho do figado auxilia tubardo a flutuar. O tubario Heterodontus portjacksoni, entretanto, possui um figa- do pequeno, com baixo teor de leo, que ndo contribui significativamente para sua flutuabilidade. A uréia e 0 6xido de trimetilamina do sangue e do tecido muscular dessa espécie fornecem uma flutuabilidade positiva por- que estas substincias sio menos densas do que igual volume de égua (Withers et al. 1994). fons cloreto tam- bém fornecem uma flutuabilidade positiva, enquanto que sédio e protefnas so mais densos do que a gua, influ- indo negativamente na flutuabilidade. O efeito liquido desses solutos é uma significativa flutuabilidade positiva Elasmobranchii de Agua Doce e Amphibia Marinhos Alguns Elasmobranchii sao eurialinos — peixe-serra, al- ‘gumas raias-de-espinhoe Carcharhinus leucas sio exem- plos. Na égua do mar, Carcharhinus leucas retém altos niveis de uréia, mas na égua doce os nfveis de uréia em seu sangue declinam. Raias-de-espinho da familia Potamotrygonidae passam toda a sua vida na 4gua doce « possuem concentragbes muito baixas de uréia em seu sangue. As concentragdes de fons sédio e cloreto em seu sangue so 35 a 40 % abaixo daquelas encontradas ‘em tubardes que penetram na égua doce e apenas ligei- ramente superiores aos niveis tipicos de Teleostei de gua doce (Tabela 4-1). Os Potamotrygonidae existem na bacia Amaz6nica provavelmente desde o Terci seu reduzido gradiente idnico-osmético pode refletir sua longa adaptagdo & égua doce. Quando expostos a um aumento de salinidade, os Potamotrygonidae nao ele- vam a concentracio de uréia no sangue, como os Elasmobranchii eurialinos, mesmo que as enzimas ne- cessdrias para a produgao desse composto estejam pre- sentes. Aparentemente, sua longa evolucao na Agua doce levou a um aumento na permeabilidade de suas bringuias & uréia e a uma redugdo na capacidade de reabsorgdo dessa substncia pelos tibulos renais. ‘A maioria dos Amphibia é encontrada na agua doce ‘ou em habitats terrestres. Uma das poucas espécies que ocorre na agua salgada € a ra que se alimenta de caran- ‘guejos, Rana cancrivora. Esta ri habita baixios lodosos do estirancio no sudeste da Asia e é exposta a 80% de gua do mar durante cada maré alta. Durante a exposi- go & Sgua do mar, a r permite que as concentragies idnicas de seu sangue se elevem, reduzindo assim 0 gra- diente idnico. Além disso, proteinas so desaminadas € ‘2 amOnia € rapidamente transformada em uréia, que é liberada para o sangue. A uréia do sangue eleva-se de 20 Tabela 4-2 Concentragao intracelular dos principais {fons inorgénicos em invertebrados marinhos. (Os valo- res das concentragdes esto em milimols por litro; com- pare com a Tabela 4-1.)* Na crag Aguado mar 475-550 «10S. Invertebrados ‘marinhos 54-325 54380 48-175 3-89 8.96 Vertebrados Feiticeiras 2 07 17 2B Todos os outros 8-45 11-30 83-185 2.9 7-11 “Note que os fons monovalentes Nave CI sto eduridos em eay80 94803 ‘do mar e que 0K" aumentaem todos os animas, Pas os edtons bales, especialmente para o Mg", uma redugao ¢enconrada em todos os vertebra os, pore nio em todos os invertebrados marinhos, 830 milimols por litro e as ras tornam-se hiperosméticas, ‘em relagdo égua circundante. Neste sentido, Rana cancrivora funciona como um Elasmobranchii e absor- ve gua osmoticamente. A pele da ra, diferentemente daquela dos Elasmobranchii, ¢ permedvel 3 uréia e esta € rapidamente perdida. Para compensar essa perda, a atividade das enzimas sintetizadoras de uréia € muito elevada. Os girinos de Rana cancrivora, como a maio- ria desse tipo de larva, nfo possuem enzimas sintetiza- doras de uréia até uma fase bastante tardia de seu desen- volvimento. Dessa forma, os girinos desta espécie de +s comedoras de caranguejos precisam utilizar um mé- todo de osmorregulagio diferente daquele usado pelos adultos. Os girinos possuem, nas briinguias, células ex- tra-renais que excretam sal e, através de bombeamento de fons para fora i medida que estes sto difundidos para dentro, estas larvas mantém seu sangue hiposmético em relagdo A 4gua do mar, da mesma maneira que os Teleostei marinhos. Excregio de Nitrogénio pelos Vertebrados Os vertebrados necessitam de alimento em proporgao & sua atividade. O metabolismo de carboidratos € lipidios (compostos por carbono, hidrogénio e oxigénio) produz di6xido de carbono e agua, que sao facilmente elimina- dos. Proteinas e cidos nucléicos constituem outro as- sunto porque contém nitrogénio. Quando uma proteft 6 metabolizada, o nitrogénio é enzimaticamente reduzi- do a aménia por meio de um processo denominado desaminacdo. A aménia é muito difundivel e solivel em gua, mas também é extremamente t6xica. Uma répida excregdo de am6nia é, portanto, crucial. Diferencas nos métodos pelos quais a am@nia é excretada constituem, ‘em parte, uma forma de disponibilidade de agua e, em outra, 0 resultado da filogenia. O nitrogénio ¢ eliminado Capitulo 4 Homeosiasee Energia: Equillorio de Agua, Regulagdo da Temperatura e Uso de Energia 129 pela maioria dos vertebrados como amOnia, como uréia Peixes e Amphibia Muitos invertebrados aquéticos ‘ou como écido tirico. A maioria dos vertebrados excreta excretam am@nia diretamente, assim como 0 fazem os todas essas trés substincias, mas as proporgdes entre os _vertebrados com briinquias, com pele permedvel ou com trés compostos diferem nos diversos grupos de verte- outras membranas permedveis que entram em contato brados (Figura 4-3). com a Agua. A exctegdo de resfduos nitrogenados na Figura 4-3 DistribuigZo filogenttica dos trés principais excretas nitrogenados nos vertebra- dos. Os tipos de substincias excretadas pelos vertebrados extintos so desconhecidos; 0s cexemplos fornecem meramente uma continuidade visual & filogenia. (Modificada de B. ‘Schmidt-Nielsen, 1972, péginas 79-103 em Nitrogen Metabolism and the Environment, edi- tado por J.W. Campbell & L. Goldstein, Academic, London, UK.) 130 Parte Diversidade, FuncBes ¢ Bvolugdo nos Vertebrados forma de aménia é denominada amonotelismo, a excre¢do de uréia é chamada ureotelismo e a excregao de écido rico €uricotelismo. A uréia é sintetizada a partir de améniaem tum processo celular enzimético chamado ciclo da uréia. A sintese de uréia requer um maior gasto de energia do que © da produgdo de am6nia. O valor do ureotelismo, portan- to, refere-se aos beneficios derivados da propria uréia e no A economia de energia. ‘A uréia tem duas vantagens. Primeiro, ela é retida por alguns vertebrados marinhos para opor-se & desidratagio osmética. Uma segunda fungdo da sintese de uréia é a E = faa ‘300 20% Nat i we Kaw : 3 ", 8) 2 Be a ‘esos | 250 f is] sto Race : he g 3 i: 2 i yy ». i : ns § 0 so wae, 0 Pala Figura 4-5 Esquema mostrando como o rim dos mamiferos produz urina dilufda, quando 0 corpo esté hidratado, e urina concentrada, quando 0 corpo esté desidratado. As setas pretas indicam transporte ativo ¢ as setas brancas indicam fluxo passivo, Os nimeros representam a miliosmolaridade aproximada dos fluidos nas regi6es indicadas. As percentagens so 05 volumes da urina, em formagio, em relagdo a0 volume do ultrafltrado inicial. (a) Quando a ‘osmolaridade do sangue cai abaixo da concentragdo normal (cerca de 300 mOsmV/L), 0 ex cesso da agua do corpo € excretado. (b) Quando a osmolaridade aumenta acima do normal, 2 Sgua 6 conservada. (Baseada em FH. Netter. 1973. The CIBA Collection of Medical Illustrations, volume 6, CIBA Publications, Summit, NJ.) lufda. Quando um mam{fero esté desidratado, os ductos coletores ¢ o TCD tornam-se muito permedveis & dguae © volume final da urina pode ser menor do que 1% do volume do ultrafiltrado original. Em determinados roe- dores de desertos, a urina contém téo pouca agua que cchega acristalizar-se quase imediatamente apés a icgao. ‘Um polipeptideo chamado horménio antidiurético (ADH, também conhecido como vasopressina), é pro- 134 Parte Diversidade, Funcies-e Bvolugdo nos Verebrados (©) CORPO DESIDRATADO - ADH PRESENTE - URINA ESCASSA, CONCENTRADA tt Cone Neon ustamedar Medula raion Batata de fox sangblneo Figura 4-5 (Continuagdo) duzido por neurdnios especializados no hipotélamo, ar- ‘mazenado na hip6fise posterior, e liberado para a circu- lagdo sangiifnea sempre que a osmolaridade do sangue & elevada ou quando o volume sangitineo diminui. Quan- do presente no rim, o ADH aumenta a permeabilidade do ducto coletor a gua e facilita a reabsorgdo de agua, produzindo uma urina escassa, concentrada. A auséncia de ADH produz efeitos opostos. O alcool inibe a libera- ‘gd de ADH humana, induz um fluxo copioso de urina e isto freqiientemente resulta numa desidratagio miseré- vel na manha seguinte. A chave para a produgao de urina concentrada de- pende claramente do fato das algas de Henle e dos ductos coletores atravessarem tecidos com osmolaridade cres- cente. Estes gradientes osméticos sdo formados e man- tidos no interior do rim dos mamiferos como resultado de sua estrutura (Figura 4-6), que o distingue dos rins de outros vertebrados. Particularmente importantes sf0 (8 arranjos estruturais dos ramos descendentes e ascen- dentes das alcas de Henle no interior da medula renal e seu suprimento sangiiineo, os vasos retos. Estes ele- mentos criam uma série de tubos paralelos com fluxo Capitulo} Homeosiase e Energia: Equilforio de Agua, Regulagdo da Temperatura e Uso de Energia 135 em diregdes opostas em vasos adjacentes (Fluxo de con- tra-corrente). Como resultado, 0 sédio secretado pelo ramo ascendente da alga de Henle difunde-se para os tecidos medulares para aumentar sua osmolaridade, este excesso de sal é distribuido pelo fluxo de contra- corrente para criar um elevado gradiente osmético no interior da medula (veja a Figura 4-Sb). A concentraga0 final da urina de um mam{fero é determinada pela quan- tidade de s6dio acumulado nos fluidos da medula. Alte- rages fisiol6gicas na concentragdo da medula resultam Capsula fos \Vas0s sanguheos fentranco ne parénguima renal Seio Renal cones Ramos capsule? eperirenal, Media (oramide) Sonat ‘Atria segmentar inetbulor Anta renal Rede capior glomeniar Attia © ‘Vein interlobuat |_Veia areata [anna arcuate 136 Parte Diversidade, Fungoese Evolugtonos Veriebrados primariamente do efeito do ADH sobre a taxa de fluxo sangUineo na medula. Quando 0 ADH esta presente, 0 fluxo de sangue para o interior da medula é retardado e sal acumula-se para criar um elevado gradiente osmético. Outro horménio, a aldosterona, produzido pela glindula adrenal, aumenta a taxa de secregio de sédio para a medula promovendo um aumento na con- centragao de sal nesta parte do rim. Além destes meios fisiol6gicos de concentrago da trina, uma variedade de mamiferos apresenta alteragdes morfolégicas na medula. A maioria dos mamiferos tem dois tipos de néfrons: aqueles com um glomérulo cortical € alga de Henle encurtada, que ndo penetra muito na medula, e aqueles com glomérulos justamedulares, si tuados profundamente no interior do cértex, com algas, de Henle que penetram até a papila da piramide renal (Figura 4-6c). Obviamente, as algas de Henle mais lon- as ¢ mais profundas atravessam grandes gradientes ‘osméticos ao longo de seu comprimento. O fluxo sangii- ‘neo para estas duas populagdes de néfrons parece ser con- trolado independentemente. Os glomérulos justamedulares si mais ativos na regulagdo da excregio de dgua; os glo- ‘mérulos corticais funcionam na regulacao iGnica. Final- mente, alguns roedores de desertos possuem piramides renais excepcionalmente longas. Assim, as alcas de Henle € 08 vasos retos alongam-se e podem produzir grandes diferengas de osmolaridade entre as extremidades cortical e papilar. As concentragGes méximas de urina, medidas em uma determinada espécie de mamifero, correlacionam-se bem com 0 comprimento de suas pi- ramides renais Fésseis dos primeiros mamiferos sugerem que es- tes foram primariamente insetivoros e carnivoros com uma alta demanda de energia. Esta dieta deveria ter sido rica em protefnas que, quando metabolizadas, teriam produzido grandes quantidades de uréia, Uma quanti- dade considerdvel de égua teria sido necesséria para eli- minar estes res{duos nitrogenados a ndo ser que hou- vesse algum meio de concentrar a uréia. O peculiar po- der de concentragio do rim dos mamiferos deve ter sido uma primeira resposta & acumulagio de restos metabs- licos de dietas ricas em proteinas. Diapsida e Chelonia Todos os representantes atuais da linhagem dos Diapsida sao uricotélicos ¢ 0 dcido tricoe seus sais compreendem 80 a 90 % do nitrogénio urinario nna maioria das espécies. Os Chelonia também excretam uma proporgio varidvel de seus residuos nitrogenados na forma de sais do dcido tirico (Tabela 4-4). (5 rins dos Diapsida e dos Chelonia nao possuem as longas algas de Henle que permitem aos mamiferos reduzir 0 volume da urina ¢ elevar sua concentragdo osmética diversas vezes em relacdo 4 concentragdo osmética do plasma sangiiineo. A urina dos rins de Diapsida e Chelonia consiste de uma solugo modera- damente dilufda de écido trico e fons. Ela é isosmética em relago ao plasma sangiiineo ou, até mesmo, um pouco hiposmética em relagao ao sangue. No entanto, 0 dcido trico difere da uréia por ser apenas ligeiramen- te solivel em agua. Ele precipitard a partir de uma solu- do dilufda e € isso que acontece quando a urina sai da uretra e entra na cloaca ou na bexiga. (Muitos Diapsida tém auséncia total de uma bexiga urinéria; outros pos- suem uma bexiga efémera, que é perdida logo apds a sua eclosio; e alguns Diapsida e provavelmente todos os Chelonia apresentam uma bexiga funcional durante toda a sua vida.) O écido rico combina-se com fons na urina e precipita na forma de uma massa esbranquicada ue inclui sais de s6dio, potdssio e de aménia, provenien- tes do Acido trico, € também contém fons mantidos por complexas forgas fisicas. Quando 0 écido tirico e os fons precipitam na solugo, a urina toma-se menos concentra da, Em verdade, a gua € liberada e reabsorvida para 0 sangue, Nesse aspecto, aexcrecao de residuos nitrogenados, na forma de Acido rico € até mesmo mais econdmica em gua do que a excregdo de uréia, porque a agua usada para produzir urina é reabsorvida e usada novamente. ‘A gua, no entanto, nao é a tnica substancia que & reabsorvida na cloaca. Muitos Diapsida e Chelonia tam- bém reabsorvem fons de sédio retornando-os a0 fluxo sangilfneo. A primeira vista, isto parece ser um meca- rnismo marcantemente ineficiente. Afinal, energia foi usada para criar a pressdo sangUinea que forgou, inicial- ‘mente, os fons através das paredes dos glomérulos até a urina, € agora é usada mais energia na cloaca para pro- Figura 4.6 Morfologia macrose6pica do rim de mamiferos, exemplifcada pela do rim huma- 10.) Divisdesestruturais do rim e da porgio proximal do ureter: (b) a artéia renal e suas subdivis6es em relago aos componentesestruturais do rim. A vei enal (no mostrada) e seus ‘amos sio paralelos aqueles da atria: (c diagrama ampliado de uma eogio que se estende da superficie cortical externa do pice de uma pimide renal, a papila renal. As relagdes gerais dos nfrons e dos vasos sanglineos com a estrutura do rim podem ser visualizadas por compa- ‘ago entre estes dingramas. (Baseada em FH, Netter, 1973, The CIBA Collection of Medical Ilustrations, volume 6, Renal Physiology, Oxford University Press, New York, NY.) IBA Publications, Summit, NJ; e H.W. Smith, 1956, Principles of Capitulo4 Homeostase e Energia: Equilforio de Agua, Regulagdo da Temperatura e Uso de Energia 137 Tabela 4-4 Distribuicdo de produtos finais nitragenados entre os Diapsida e os Chelonia. Percentagem de Nitrogéni Urindrio Total Grupo ‘Aménia Uréia Sais de Acido Urico Squamata Tuatara 34 10.28 65-80 Lagartos ¢ serpentes Pequena 08 90-98 Archosauria Crocoditia 25 os 70 Aves 617 5-10 60-82 Chelonia Aquiticos. 444 45.95 124 De desertos 38 15.50 20-50 ‘mover o transporte ativo que retorna os fons para o san- gue. O animal usou dois processos que consomem ener- gia e voltou ao ponto de partida, com um excesso de fons de s6dio no sangue. Por que? A solugdo do paradoxo reside num terceiro meca- nismo conservador de 4gua, presente em muitos Diapsida e Chelonia, representado por glandulas secretoras de sal que forecem uma via extra-renal que libera sal com menos gua do que a urina. Em pelo menos quatro grupos de Diapsida (lagartos, serpentes, crocodilianos ¢ aves) algumas espécies possuem glin- dulas especializadas para o transporte seletivo de fons para fora do corpo (Peaker & Linzell 1975, Minnich 1982). Glindulas de sal s4o amplamente encontradas ‘em lagartos. Em todos os casos, sdo as glindulas nasais laterais que excretam sal. As secregdes das glindulas sdo langadas para o interior das passagens nasais ¢ um lagarto as expele espirrando ou balangando sua cabega. Nas aves, também, a glandula nasal lateral especializou- se para a excregdo de sal. As glindulas esto situadas na Grbita ou em tomo desta, geralmente acima do olho. ‘Aves marinhas (pelicanos, albatrozes, pingtins) possu- em glindulas de sal bem desenvolvidas, assim como muitas aves de 4gua doce (patos, mergulhdes), aves cos- teiras (tarambolas, batuirinhas), cegonhas, flamingos, aves carnivoras (falcdes, éguias, abutres), aves de caga de regides elevadas, o avestruz e o “roadrunner”. De- presses na regido supraorbital do cranio das aves aqué- ticas extintas Hesperornis e Ichthyornis sugerem que estas formas também possuiam glindulas de sal. Nas serpentes marinhas (Hydrophiidae) e nas da familia Acrochordidae, a glandula sublingual posterior secreta um fluido salgado para o interior da bainha da lingua, da qual é expelido quando a lingua é estendida. Em algumas espécies de Homalopsini (um grupo de serpentes aquéticas, com presas posteriores, da regitio Indo-Australiana), a glandula premaxilar secreta sal. Gliindulas secretoras de sal, situadas na superficie dorsal da lingua, foram identificadas em diversas espécies de crocodilos, em um caiman e no aligator americano. A diversidade de glindulas envolvidas com a excre- ‘gio de sal nos Diapsida indica que esta especializacao evoluiu independentemente em varios grupos. Pelo menos quatro glandulas diferentes sao utilizadas para a secregdo de sal pelos Diapsida, indicando que uma glan- dula de sal ndo é um caréter ancestral do grupo, ¢ as dife- rengas entre crocodilianos e aves, e entre serpentes € la- zartos, sugerem que as gléndulas de sal ndo sao ancestrais, ‘nem para os Archosauria e nem para os Squamata. Finalmente, nas tartarugas marinhas e na tartaruga Malaclemys terrapin, uma espécie que habita estuérios, as glindulas lacrimais secretam um fluido salgado em tomo das drbitas. Fotografias de tartarugas no ninho mostram freqientemente vestfgios formados por légri- mas através da areia que adere a cabeca do animal. Aque- las lagrimas so as secregdes das glindulas de sal. Apesar de suas diferentes origens e localizagdes, as propriedades funcionais das glandulas de sal so pra- ticamente similares. Elas secretam um fluido contendo primariamente cétions de s6dio ou de potassio e anions de cloreto ou bicarbonato, em altas concentragdes. Sédio €0 cétion predominante nas secregdes das glindulas de sal dos vertebrados marinhos, potissio esté presente nas secregdes de lagartos terrestres, especialmente de espé- cies herbivoras, como o iguana de desertos. Cloreto é 0 principal anion e os lagartos herbivoros também podem excretar fons bicarbonato. A concentracao osmotica total da secregdo da glan- dula de sal pode alcancar 2000 mOsm/L — mais do que seis vezes a concentragdo osmética da urina que pode 138 Partel Diversidade, Funcies e Bvolugdo nos Vertebrados Tabela 4-5 Secrecdes da glandula de sal em Diapsida e Chelonia Concentragao lonica (mmovt) Espécies e Condigao Nav kK ct Lagartos Iguana do deserto (Dipsosaurus dorsalis) 180 1700 1000 ccondigdes de campo estimadas Lagarto (Uma scoparia) 639 734 465 ccondigdes de campo estimadas Serpentes ‘Serpente marinha (Pelamis platurus) 620 28 635 ‘com excesso de sal Serpente Homalopsini (Cerberus rhynchops) a4 56 - ‘com excesso de sal Crocodilianos Crocodilo marino (Crocodylus porosus) 663 21 632. dieta natural Aves Allbatroz (Diomeda nigripes) 800-900 - ‘com excesso de sal Gaivota (Larus argentatus) ne 4 - ‘com excesso de sal 7 ‘Tartarugas ‘Tartaruga marinha (Caretta caretta) 732.878 18.31 810-992 ‘gua do mar ‘Tartaruga de estuérios (Malaclemys terrapin) 322-908 26-40 - ‘gua do mar ser produzida pelo rim. Esta eficiéncia da excregdo é a explicago do paradoxo da tomada ativa de sal pela uri- na. A medida que os fons sdo ativamente reabsorvidos, a dgua segue passivamente, e assim um animal recupe- ra tanto 4gua como fons da urina. Os fons podem, en- to, ser excretados via glndula de sal em uma concen- trago muito maior e com uma redugao proporcional da quantidade de 4gua necesséria para a eliminacao do sal. Em conseqUéncia, investindo energia na recuperagao de fons da urina, os Diapsida e Chelonia com glindulas de sal podem conservar égua excretando fons por meio da via extra-renal mais eficiente. Anfibios Uricotélicos Durante muito tempo, os anfibi- 95 terrestres foram considerados ureotélicos € as for- ‘mas aquéticas, amonotélicas, No entanto, J.P. Loveridge (1970) descobrit que, durante a estagio seca, um perfo- do durante 0 qual a maioria dos anuros se retira para 0 interior de um buraco e estiva, uma ra sul africana, Chiromantis xerampelina, permanece sobre o solo. Ain- ‘da mais surpreendente € 0 fato de suas excregdes conte- rem Acido rico; bioquimicamente, Chiromantis € como uum lagarto. Subsequientemente, foi demonstrado que a pperereca sul americana Phyllomedusa sauvagei responde da mesma maneira & aridez (Shoemaker et al. 1972). Existe uma ligdo nestas descobertas nao usuais: a con- vergéncia evolutiva trabalha em todos os niveis da or- ganizagao biolégica — anatomia, comportamento, fisio- logia, bioquimica - ¢ sua diregdo € determinada por interagdes com o ambiente Respostas a Temperatura Os vertebrados ocupam habitats desde latitudes frias polares até desertos quentes. Para entender esta adapta- bilidade, devemos considerar como a temperatura afeta tum vertebrado, tal como um peixe que tem pouca capa- cidade de manter uma diferenga entre a temperatura de seu corpo e a da égua em seu redor (um pecilotermo).Os ‘Capitulo $ Homeostase ¢ Energia: Equilforio de Agua, Regulagdo da Temperanurae Uso de Energia 139 ‘organismos tém sido descritos como “bolsas de subs- LAncias quimicas catalisadas por enzimas”. Este ponto de vista, embora estreito, enfatiza que os organismos es- {Wo sujeitos 3s leis da fisica e da quimica. Como a tempe- ratura influencia as taxas com as quais ocorrem as reagdes ‘quimicas, a temperatura afeta os processos vitais dos, ‘organismos. A maioria das reagOes quimicas duplica ou triplica sua taxa para cada elevagdo de 10°C. Descreve- ‘mos esta modificagdo na taxa afirmando que a reago tem um Q,, de 2 ou 3, respectivamente, Uma reagdo que no modifica sua taxa com a temperatura tem um Q,, igual a I (Figura 4-7). A taxa metabilica basal (TMB) de um organis- ‘mo 6 a taxa minima de consumo de oxigénio para sus- tentar sua vida. Isto significa que a TMB inclui os cus- tos da ventilagao de pulmoes ou de brinquias, do bombeamento de sangue através do sistema circulaté- rio, do transporte de fons através de membranas, e de todas as outras atividades necessérias para manter a in- tegridade de um organismo. A TMB nio inclui os cus- tos de atividades como a locomogao ou os custos do crescimento, A’ TMB é sens{vel & temperatura ¢ isto sig- nifica que 0 custo energético da vida é afetado por mo- dificagdes na temperatura do corpo. Se a TMB de um Logartmo da Taxa (unidades arbitrévas) Figura 4-7 Respostas das taxas de temperatura em sistemas nio-vivos e vivos. As linhas etas mostram respos- tas de Q,, tipicas de reagSes inorgani- cas. As lishascurvas mostram umare- ‘glo orginica cataisada por enzimas ‘ea taxa de consumo de oxigénio de um “goldfish” Reagdes enzimaticas Oy “cotden” Reagto Inorgénica 140 Parte! Diversidade, Fungoes e Bvolugao nos Veriebrados peixe & de 2 mililitros de oxigénio por minuto a 10C a resposta do Q,,,é 2, 0 peixe consumird 4 mililitros de oxigénio por minuto a 20C e 8 mi/min a 30°C. Controle da Temperatura do Corpo: Ectotermia e Endotermia Como as taxas de muitos processos biolégicos sio afe- tadas pela temperatura, provavelmente seria vantajoso para qualquer animal ser capaz de controlar sua tempe- ratura do corpo. No entanto, as altas capacidade condutividade de calor da égua tornam dificil para a maioria dos peixes ou anfibios aquaticos manter uma diferenga de temperatura entre seu corpo € o ambiente circundante. O ar tem capacidade e condutividade de calor menores que as da égua e a temperatura do corpo da maioria dos vertebrados terrestres é, pelo menos, parcialmente independente da temperatura do ar. Alguns, vertebrados aquiticos também tém temperaturas do cor- po substancialmente maiores que a temperatura da 4gua em seu redor. Manter essas diferengas de temperatura requer mecanismos termorreguladores e estes so bem. desenvolvidos entre os vertebrados. ‘A classificagdo dos vertebrados em pecilotérmicos (poikilos = varidvel, thermos = calor) € homeotérmicos, (homeos = 0 mesmo) foi amplamente usada durante a metade do século vinte, mas esta terminologia tomou- ‘se menos apropriada & medida que nosso conhecimento sobre as capacidades reguladoras da temperatura de uma ampla variedade de animais tomnou-se mais sofisticado. A pecilotermia e a homeotermia descrevem a variabili- dade da temperatura do corpo e no podem ser pronta- mente aplicadas a grupos de animais. Por exemplo, os mamiferos tém sido denominados homeotermos € os pei xes pecilotermos, mas alguns mamiferos tornam-se entor- pecidos durante a noite ou durante o inverno e permite que sua temperatura do corpo caia 20°C ou mais de seus valores normais, enquanto que muitos peixes vi- vem em Aguas cuja temperatura muda menos do que 2C durante um ano inteiro. Este exemplo mostra a si- ‘waco contradit6ria de um homeotermo que sofre uma variagdo dez vezes maior da temperatura do corpo do que a de um pecilotermo. Devido a complicagdes desse tipo, € muito dif usar rigorosamente as palavras “homeotermo”e “pecilotermo”. Alguns mamalogistas e omitologistas ainda usam estes termos, mas a maioria dos bidlogos que trabalham com regulagao térmica prefere os termos ectotermo e endotermo. Eles ndo sao sindnimos de pecilotermo ¢ homeotermo porque, em vez. de se referi- tem a variabilidade da temperatura do corpo, referem- se as fontes de energia usada na termorregulagao. Os ectotermos (ecto = fora) ganham seu calor de fontes externas — aquecendo-se ao sol, por exemplo, ou fican- do sobre uma pedra aquecida. Os endotermos (endo interno) dependem grandemente da produgao metabs- lica de calor para elevar sua temperatura do corpo. A. fonte de calor usada para manter a temperatura do cor- po € a principal diferenga entre os ectotermos endotermos. Os ectotermos terrestres, como Squamata € Chelonia, ¢ os endotermos, como aves € mamiferos, apresentam temperaturas de atividade entre 30 ¢ 40°C (Tabela 4-6), Endotermia ¢ ectotermia ndo so mecanismos de regulacdo de temperatura mutualmente exclusivos € muitos animais os usam em combinacao. Em geral, aves € mamiferos so endotermos, mas algumas espécies fa- zem uso extensivo de fontes externas de calor, Por exem- plo, “roadrunners” so aves predat6rias que vivem nos desertos do sudoeste dos Estados Unidos ¢ no México adjacente. Em noites frias, os “roadrunners” tornam-se hipotérmicos, permitindo que a temperatura de seu cor- po caia do nivel normal de 38 a 39°C para 33 a 35°C. Durante a manha, eles se aquecem ao sol, elevando as, penas do dorso para expor uma rea de pele negra na regido interescapular. CAlculos indicam que um “roadrunner” consegue economizar 132 joules por hora usando energia solar em vez do metabolismo para ele- vara temperatura de seu corpo. Serpentes normalmente so ectotermas, mas as fémeas de varias espécies de pitons enrolam-se em torno de seus ovos e produzem calor por meio de contragdes ritmicas dos misculos de seus troncos. A taxa de contragées aumenta & medida que a temperatura do ar diminui, e uma fémea de uma piton da {ndia € capaz de manter seus ovos a cerca de 30°Cem temperaturas do ar tao baixas quanto 23°C. Esta produgao de calor requer um aumento substancial na taxa metab6lica da pfton — a 23°C, uma fémea de piton usa cerca de 20 vezes mais energia quando esté chocando do que durante suas atividades normais. Assim, genera- lizagdes sobre temperaturas do corpo e capacidades termorreguladoras de vertebrados precisam ser feitas com cautela e 0 real mecanismo usado para regular a tempe- ratura do corpo necesita de um estudo cuidadoso. ‘Termorregulacio Ectotérmica Desde a época de Arist6teles, lagartos, serpentes e anfi- bios tém sido paradoxalmente chamados de animais de sangue frio e se pensava que pudessem tolerar tempera- turas extremamente altas, Salamandras freqdentemente procuram abrigo em pedacos de madeira e, quando es- tes so colocados no fogo, as salamandras podem sair rapidamente deles. Observagdes desse fendmeno origi- Capitulo-4 Homeostase e Energia: Equilibrio de Agua, Regulagdo da Temperatura e Uso de Energia 141 Tabela 4-6 Temperaturas representativas do corpo de vertebrados. As temperaturas do corpo so aquelas que os animais mantém quando so capazes de termorfegular normalmente. Grupo Temperatura do Corpo Grupos Primariamente Ectotermos Peixes Maioria dos peixes Pequena diferenga de temperatura da agua Peixes Cerca de 30°C na Agua a 20°C (atuns, alguns tubardes) Amphibia Aquaticos Terrestres Pequena diferenca da temperatura da Agua Geralmente ligeiramente abaixo da temperatura do ar devido ao resfriamento causado pela cevaporagio; alguns anfibios elevam a temperatura de seu corpo 5-10°C acima da temperatura do ar por meio de aquecimento ao sol ‘Amniota ectotermos Chelonia e Crocodilia Desde proximo a temperatura da agua até cerca de 35°C, enquanto termorregulando De 20-25°C, para espécies que habitam florestas tropicais, a 35-42°C, para lagartos de Grupos Primariamente Endotermos Squamata desertos, que termorregulam Aves 40-400 Mammalia Monotremata* 28.30 Marsupialia 33.36 Placentaria 36-38 *=Preguigas, que sfo placentérias, apresentam temperaturas do corpo nesta amplitude. rnaram a crenga de que salamandras vivem no fogo. Na primeira parte do século vinte, os bidlogos usavam li- nhas de raciocinio similares. No deserto, os lagartos freqiientemente so encontrados sobre rochas. Se voce se aproxima, 0 lagarto foge mas a rocha permanece e, se vocé colocar a mio sobre ela, esta estard dolorosa- mente quente. Em consequéncia, surgiu o raciocinio de que 0 lagarto deveria ter estado igualmente quente. Os. idlogos se maravilharam com a tolerdncia dos lagartos, ao calor e dados sobre esse efeito. so encontrados em importantes livros de texto da época. Um estudo da termorregulacdo de lagartos, efetua- do por Raymond Cowles ¢ Charles Bogert (1944), de- monstrow a falsidade de observacdes e conclusdes ante- riores. Eles mostraram que os répteis podem regular a temperatura de seu corpo com uma precisdo consideré- vel, € que 0 nivel no qual a temperatura & regulada caracterfstico da espécie. As implicagdes desta desco- berta, em termos da biologia de anfibios e répteis, ain- da estio sendo exploradas. Trocas de Energia Entre um Organismo e seu Ambi- ente Uma breve discussao sobre as vias pelas quais a energia térmica € trocada entre um organismo vivo € seu ambiente é necesséria para entender os mecanis- mos termorreguladores empregados por animais terres- tres. Um organismo pode ganhar ou perder energia por diversas vias e, ajustando o fluxo relativo através de varias vias, um animal pode aquecer-se, esfriar-se ou ‘manter uma temperatura do corpo estavel (Tracy 1982). ‘A Figura 4-8 ilustra as vias de trocas de energia térmica. A energia solar pode atingir um animal de vé- rias maneiras. A radiagdo solar direta atinge um ani- ‘mal quando este est em um local ensolarado. Além dis- so, a energia solar € refletida pelas nuvens e por part culas de poeira na atmosfera, e por outros objetos no ambiente, atingindo o animal por estas rotas indiretas. AA distribuicao dos comprimentos de onda em todas es- tas rotas é a mesma ~ a parte do espectro solar que pe- netra na atmosfera da Terra. Cerca de metade dessa ener- gia € contida nos comprimentos de onda visiveis do es- 142 Pavtet Diversidade, Fungdese Evolupio nos Veriebrados Particulas | RADIAQAO SOLAR, + ESPALHADA No sol 45°C Temperatura do solo Temperatura radiante do obu 20 °C remperatura do ar 35°C RADIAGAO INFRA-VERMELHA, Temperatura 0 lagarto 37°C Figura 4-8 A energia € trocada entre um organismo terrestre e seu ambiente por meio de ‘muita vias, Estas esto ilustradas de forma simplificada por um lagarto em repouso no fundo do leito seco de um riacho de deserto, Pequenos ajustes de postura ou de posi podem ‘mudar a magnitude das diversas rotas de trocas de energia e proporcionar ao lagarto um ‘considervel controle de sua temperatura corpérea, pectro solar (400 a 700 nandmetros) € a maior parte restante situa-se na regio infravermelha do espectro (> 700 nanémetros). As trocas de energia no infravermetho constituem uma parte importante do equilfbrio da radiagao de calor. Todos 05 objetos, animados ou inanimados, irradiam ‘energia com comprimentos de onda determinados por suas temperaturas absolutas. Objetos na amplitude tér- mica de animais e a superficie da Terra (aproximada- ‘mente de -20 a +50°C) irradiam na porgao infravermelha do espectro. Os animais irradiam continuamente calor para o ambiente ¢ recebem radiagio infravermelha do ambiente. Assim, a radiagio infravermelha pode levar 40 ganho ou 4 perda de calor, dependendo da tempera- tura relativa da superficie do corpo do animal e das su- perficies ambientais, além das caracteristicas da radi ‘edo das proprias superficies. No exemplo da Figura 4-8, © lagarto esté mais frio do que a rocha iluminada pelo sol, situada em sua frente, ¢ ele recebe mais energia da rocha do que perde para ela. No entanto, o lagarto é mais ‘quente que o lado sombreado da rocha situada atrés dele ¢ apresenta uma perda Iiquida de energia nesta troca. A temperatura radiante do céu claro é de cerca de 20°C, € assim o lagarto perde energia por radiagao para o céu. O calor & trocado entre objetos do ambiente ¢ 0 ar através de convecgao. Se a temperatura da superficie de um animal for maior do que a temperatura do ar, a cconvecgio levaréa perda de calor, seo ar for mais quente do que 0 animal, a convecgao seré uma via de ganho de calor. No ar parado, a troca de calor por convecgao & efetuada por correntes de convecedo formadas por aque- cimento local; no entanto, no ar em movimento, a convec¢ao forgada substitui a convecgdo natural ea taxa de troca de calor é bastante aumentada. No exemplo mostrado, 0 lagarto esta mais quente do que o ar e per- de calor por convec¢ao. Captulo't Homeostase ¢ Energia: Equillorio de Awa, Regulagdo da Temperatura e Uso de Energia 13 A troca de calor por conducio assemelha-se & convecgdo porque sua dirego depende das temperatu- ras relativas do animal e do ambiente. A perda de calor por conduco ocorre entre o corpo € 0 substrato nos locais onde esto em contato. Isso pode ser modificado alterando a rea da superficie do animal que esta em contato como substrato e modificando a taxa de condu- ¢40 de calor nas partes do corpo do animal que estdo em contato com 0 substrato, Neste exemplo, 0 lagarto ganha calor por condugdo do solo aquecido. A evaporagio de 4gua ocorre na superficie do cor- po ¢ pelo sistema pulmonar. Cada grama de agua eva- porada representa uma perda de cerca de 2450 joules (0 valor exato varia ligeiramente com a temperatura). A evaporagao quase sempre ocorre do animal para 0 am- iente e, assim, representa uma perda de calor. A situa- do inversa, condensacao de vapor d"égua sobre um animal, produziria ganho de calor, mas isso ocorre ra- ramente sob condigdes naturais. A producio de calor metabélico é a dltima via pela qual um animal consegue ganhar calor. Entre os ectotérmicos, 0 ganho de calor metabélico geralmente € insignificante em relagao ao calor derivado direta ou indiretamente da energia solar. Existem umas poucas excegdes dessa generalizagio e algumas delas serdo dis- cutidas mais tarde. Os endotermos, por definicao, deri- ‘vam a maior parte de sua energia calorifica do metabo- lismo, porém as vias de trocas de energia com o ambi- ente sdo as mesmas que aquelas dos ectotermos e preci- sam ser equilibradas para manter uma temperatura do corpo estavel. Controle Comportamental da Temperatura do Corpo por Ectotermos Os mecanismos comportamentais en- volvidos na termorregulagdo ectotérmica sfo bastante diretos e so empregados por insetos, aves e mamiferos (incluindo 0 homem), bem como por vertebrados ecto- termos (Avery 1979). Lagartos, principalmente espéci- €s de desertos, so particularmente bons na termorregu- lagdo comportamental. © movimento para trés € para frente entre 0 sol € a sombra € 0 mecanismo termor- regulador mais Sbvio usado por eles. Durante o inicio da manha ou durante um dia frio, os lagartos permane- ‘cem no sol, enquanto que, no meio de um dia quente, cles se retraem para a sombra e realizam somente bre- ves excursdes para 0 sol. Microhabitats abrigados ou ‘expostos podem ser escolhidos. Durante a manhi, quando tum lagarto esté tentando elevar a temperatura de seu corpo, provavelmente ele estaré em um lugar protegido do vento. Mais tarde, quando esta ficando quente de- mais, ele pode trepar num arbusto ou sobre uma rocha ‘onde ficard exposto & brisa, aumentando a sua perda de calor por convecgao. ‘A quantidade de radiagao solar absorvida por um animal pode ser alterada por meio de modificagao da orientagdo de seu corpo em relagao ao sol, do contorno do corpo e da coloracao da pele. Todos esses mecanis- mos so usados por lagartos. Um animal, orientado per- pendicularmente aos raios solares, intercepta a quanti- dade maxima de radiacZo solar, € um animal, orientado paralelamente aos raios solares, intercepta um minimo de radiag4o. Lagartos ajustam sua orientaco para con- trolar o calor ganho por radiagao solar direta. Muitos lagartos sto capazes de estender ou de apor as costelas para modificar a forma do tronco. Quando 0 corpo esti orientado perpendicularmente aos raios solares e as cos- telas esto estendidas, a drea da superficie exposta a0 sol € maximizada e 0 ganho de calor aumenta. A com- ressdo das costelas diminui a superficie exposta a0 sol e pode ser combinada com orientacdo paralela aos raios para diminuir 0 ganho de calor. Lagartos da familia Phrynosomatidae so um bom exemplo deste tipo de controle (Heath 1965). Se a érea da superficie que um desses lagartos expde diretamente ao sol, quando se encontra achatado contra o solo e com suas costelas em posigdo de repouso, for considerada como 100%, a érea maxima de superficie que um lagarto consegue expor por meio de orientacdo e modificagio do contorno de seu corpo é de 173% e 0 minimo é de 28%. Isto signifi- ‘ca que o lagarto consegue modificar seu ganho de calor radiante mais de seis vezes somente modificando sua posigdo e a forma do corpo. ‘A modificagdo da coloragio também pode aumen- taro controle de trocas de radiagao de um lagarto. (Veja ‘osuplemento colorido.) Lagartos escurecem dispersando melanina em células denominadas melan6foros, situa- das na pele, eclareiam concentrando a melaninana base dos melanéforos. A palidez de um lagarto afeta a quan- tidade de radiagao solar que absorve da parte visivel do espectro e modifica a taxa de aquecimento (na fase mais escura, comparada com a mais clara) em 10 a 75%. Lagartos conseguem uma notavel independéncia da temperatura do ar como resultado de suas capacidades termorreguladoras (Avery 1982). Lagartos ocorrem aci ma do nivel das arvores em muitas cadeias montanho- sas e, durante seus periodos de atividade em dias enso- larados, so capazes de manter temperaturas do corpo de 30°C ou mais acima da temperatura do ar. Enquanto as temperaturas do ar estdo préximas do ponto de con- ‘gelamento, estes lagartos perambulam na drea com tem- peraturas do corpo tdo altas como as daquelas espécies que habitam desertos de terras baixas. Orepert6rio de mecanismos termorreguladores en- contrado em lagartos é maior do que o de muitos outros vertebrados ectotermos. Tartarugas, por exemplo, no 144 Parte Diversidad, Funcies ¢ Evolugio nos Vertebrados conseguem modificar 0 contorno de seu corpo ou sua coloragao, e sua termorregula¢ao comportamental esti limitada a movimentos entre 0 sol e a sombra, € para dentro e para fora da agua. Os crocodilianos sao muito parecidos com tartarugas, embora individuos jovens possam ser capazes de realizar pequenas modificagies, no contorno de seu corpo e na sua coloragdo. A maioria das serpentes nao consegue modificar sua colorago, mas, algumas cascavéis tornam-se mais claras e mais escu- ras, respectivamente, quando se aquecem ou se resfriam, Durante as partes do dia nas quais esto ativos, os lagartos de desertos mantém suas temperaturas ‘corporeas em uma zona chamada faixa de temperatu- rade atividade. Esta € a regiao da temperatura na qual, tum lagarto desempenha todo o seu repertério de ativi- dades — alimentagao, corte, defesa do territ6rio, e as- sim por diante. Para muitas espécies de lagartos de de- sertos, a faixa de temperatura de atividade € to estreita como 4*C, mas para outros ectotermos pode ser tao lar- gacomo 10°C. Diferentes espécies de lagartos possuem faixas diferentes de temperatura de atividade. As ati dades termorreguladoras de um lagarto sio dirigidas de forma a manté-lo dentro de sua faixa de temperatura de atividade, mas a temperatura precisa que mantém den- tro dessa faixa depende de uma variedade de condigdes internas e externas. Por exemplo, muitos ectotermos ‘mantém temperaturas corp6reas mais altas quando es- {Go digerindo alimento do que quando estio jejuando. Fémeas de lagartos, quando desenvolvem filhotes, man- tém temperaturas corpéreas diferentes daquelas de ou- tras épocas, e ectotermos com infecgdes bacterianas expe- rimentalmente induzidas apresentam febre alcangada pela manutengdo de uma temperatura corpérea mais alta do que normalmente conseguida por meios comportamentais (Kluger 1979), ‘Nem todos os lagartos regulam rigorosamente sua temperatura corpérea. Alguns lagartos que vivem na vegetacao rasteira de florestas tropicais, na qual a luz solar nao consegue penetrar, nao elevam a temperatura do corpo acima daquela do ar. Diferengas na intensida- de e na disponibilidade de radiago solar em diferentes estagdes do ano, em habitats diferentes, ou mesmo em diferentes horas do dia, podem alterar 0 equilibrio de ‘custos e beneficios do comportamento termorregulador (Huey 1982). Estes aspectos ecolégicos da termorregu- ago serao discutidos no Capitulo 15. Controle Fisiolégico da Taxa de Modificagdo da Tem- eratura do Corpo por Ectotermos Uma nova dimen- so foi adicionada aos estudos da termorregulagao ectotérmica, na década dos anos sessenta deste sécu- lo, pela descoberta de que os ectotermos podem usar mecanismos fisioldgicos para ajustar sua taxa de mo- Jificagdo da temperatura (Bartholomew 1982). As observagdes originais, feitas por George Bartholomew € seus colaboradores, mostraram que diversos dife- rentes tipos de grandes lagartos eram capazes de aque- cer-se mais rapidamente do que esfriar-se quando expostos as mesmas diferengas entre as temperaturas do corpo e do ambiente. Estudos subseqlentes, fei- tos por outros pesquisadores, ampliaram estas obser- vagGes para tartarugas e serpentes. Do ponto de vista do animal, um aquecimento rapido ¢ um esfriamento lento prolonga o tempo que ele consegue despender na faixa de atividade normal. (© mesmo mecanismo pode ser usado para evitar um superaquecimento. O iguana marinho de Galépagos € um bom exemplo (White 1973). Iguanas marinhos vivem sobre a lava nua e consolidada das costas das ihas. Ao meio dia, abaixo do sol equatorial, a lava pre- ta toma-se extremamente quente — desconfortavelmente, se nio letalmente quente para um lagarto. Retrair-se para a sombra da vegetacao escassa ou para o interior de fen- das nas rochas poderia evitar um superaquecimento, mas, (os machos sao territoriais e aqueles comportamentos significariam abandonar seus territ6rios, provavelmen- te tendo de lutar novamente por eles mais tarde durante 0 dia. Em vez disso, o iguana marinho permanece onde esté e usa controle fisiol6gico da circulagdo ¢ a brisa fresca que vem do oceano para promover um circuito de calor que absorve energia solar na superficie dorsal transporta-o através do corpo, dissipando-o para fora na superficie ventral processo ¢ o seguinte: de manha o lagarto esté frio da noite precedente e permanece ao sol para fazer ‘com que a temperatura de seu corpo atinja a faixa de atividade normal. Quando sua temperatura alcanga este nivel, o lagarto usa ajustes posturais para diminuir 0 aumento da temperatura corpérea e, finalmente, colo- ca-se diretamente de frente para o sol para minimizar seu ganho de calor. Nesta postura, a parte anterior do corpo é mantida afastada do substrato (Figura 4-9). A superficie ventral esta exposta ao vento fresco do ocea- noe uma mancha de lava, abaixo do animal, est som- breada por seu corpo. Esta lava € rapidamente esfriada pelo vento. Uma vasodilatagao local € produzida pelo aquecimento dos vasos sangiiineos: nao importa se 0 calor provém do exterior (do sol) ou do interior (do sangue aquecido). Sangue aquecido, circulando do in- terior do compo para a pele ventral, aquece-a e produz vasodilatagao, aumentando o fluxo para a superficie ventral. A pele ventral do lagarto é mais fria do que o resto de seu corpo - ela ¢ sombreada e esfriada pelo vento €, além disso, perde calor por radiagdo para a Capitulo 4 Homeostasee Energia: Equilibrio de Agua. Regulagdo da Temperatura e Uso de Energia 145 igura 4-9 O iguana marinho de Galgpagos usa uma comt nagio de mecanismos termor- ‘eguladores comportamentais e fisiotdgicos para desviar 0 calor absorvido por sua super- ficie dorsal para sua superficie ventral. (Modificada de FN. White, 1973, Comparative Biochemistry and Physiology 5A; 503-513.) Energia radiante lava fria na sombra criada pelo corpo do animal Desta forma, 0 mesmo mecanismo, que permitiu que © lagarto se aquecesse rapidamente no inicio do dia, 6 transformado em um circuito regulado de calor que transporta rapidamente energia solar da superficie dorsal para a ventral ¢ impede 0 superaquecimento do animal. Em combinagao com ajustes posturais outros mecanismos comportamentais, tais como a es- colha de um local no qual a brisa € forte, estes ajus- tes fisiolégicos permitem ao lagarto permanecer em seu territ6rio durante todo o dia Os mecanismos termorreguladores comportamen- tais e fisiolégicos dos ectotermos esto intimamente re- lacionados entre si. Embora tenhamos tentado simplifi- car nossa apresentagdo discutindo-a separadamente, é cessencial compreender que nem os mecanismos termor- reguladores comportamentais, nem os fisiol6gicos ou ‘05 morfolégicos funcionam por si s6. Eles so usados em combinagao e evolufram em combinagdo. A termor- regulagio de um lagarto (e, como veremos, a de uma ave ou de um mamffero) envolve simultaneamente to- dos estes mecanismos. 146 Parte! Diversidade, Fungdes ¢ Evolugdo nos Verebrados ‘Termorregulagio Endotérmica ‘Aves € mamiferos sdo endotermos que regulam suas altas temperaturas corpéreas por meio de mecanismos que equilibram precisamente a produgao metabélica de calor e a perda de calor para o ambiente. Um endotermo consegue modificar a intensidade de sua produgdo de calor variando sua taxa metabstica ao longo de uma ampla faixa, Desta maneira, um endotermo mantém uma temperatura do corpo constante ¢ alta ajustando a pro- dugdo de calor a uma igual perda de calor de seu corpo sob diferentes condigdes ambientais. Os endotermos produzem calor metabélico de va- rias maneiras. Além da obrigatéria produgao de calor, derivado da taxa metabstica basal ou de repouso, tam- bém existe 0 aumento de calor produzido pela alimen- tagao, frequentemente denominado de ago dinimica especifica ou efeito da ragdo alimentar. Esta produg30, adicional de calor, ap6s a ingestio de alimento, aparen- temente resulta das necessidades energéticas paraaa sin- tese protéica e varia em quantidade dependendo do tipo de alimento processado. E mais alta para uma dieta de carnes e mais baixa para uma dieta de carboidratos. Aatividade dos misculos esqueléticos produz gran- des quantidades de calor, especialmente durante a loco- ‘mogdo, podendo resultar em uma produgio de calor 10 15 vezes maior do que a da taxa metab6lica basal. Este calor muscular pode ser vantajoso para equilibrar a per- da de calor em um ambiente frio, ou pode ser um pro- blema que requer mecanismos especiais de dissipagao em ambientes quentes que se aproximam ou excedem a temperatura do corpo do animal. O tremor, a gerac30 de calor por meio de contragdes de fibras musculares em um padrdo assincrdnico e que nao resulta em movi- ‘mento do mésculo total, é um importante mecanisino de producdo de calor. Aves e mamiferos também possuem mecanismos para termogénese por ndo-tremor. Como os endotermos geralmente vivem sob con- digdes nas quais as temperaturas do ambiente so me- nores do que as temperaturas reguladas do corpo dos proprios animais, a perda de calor para o ambiente & uma circunstncia mais usual do que o ganho de calor, embora o ganho de calor possa constituir um grande problema em desertos. O equilfbrio da perda de calor é, portanto, uma das fungGes reguladoras mais importan- tes para um endotermo, e aves e mamiferos empregam sua plumagem ou sua pelagem de um modo muito efe- tivo como isolante contra a perda de calor. Qualquer material que aprisiona ar é um isolante contra a transferéncia de calor condutivo. Pélos e penas, funcionam como isolante térmico aprisionando ar e a profundidade da camada de ar aprisionado pode ser ajus- {ada elevando ou abaixando os pélos ou as penas. NOs, (08 seres humanos, ficamos com bragos e pemas arrepia- dos quando estamos com frio porque nossos poucos pélos remanescentes clevam-se até uma posigao vertical como uma tentativa semelhante a dos nossos ancestrais ma- mifferos para aumentar nossa camada isolante. Estas respostas fisioligicas & temperatura sdo con- troladas por neurdnios localizados no hipotdtamo do en- céfalo. Em alguns mamiferos, como naqueles que fh bernam, 0 termostato do hipotslamo pode ser reprogra- ‘mado para um controle de temperatura menor, Em ecto- termos, 0 termostato hipotalmico controla comporta- ‘mentos que mantém o animal em circunstincias favord- veis (por exemplo, movendo-se para um ambiente com temperatura preferencial para fugir do excesso de calor ou orientando-se para maximizar a perda ou o ganho de calor) Mecanismos de Termorregulacao Endotérmica A temperatura do corpo e a taxa metabdlica precisam ser consideradas simultaneamente para entender como 08 endotermos mantém suas temperaturas corpéreas ‘em um nfvel estével face as temperaturas ambientais, que podem variar de -70 a +40°C. A maioria das aves e dos mam{feros corresponde ao diagrama general zado na Figura 4-10. Cada espécie de endotermo tolera uma amplitude delimitada de temperaturas do ambiente (T, a T,) acima dda qual a temperatura do corpo pode ser mantida esté- vel através do uso de ajustes fisiolégicos e posturais para a perda ou producdo de calor. Esta amplitude de ‘temperaturas ambientais é denominada de zona de to- lerncia. Acima dessa zona, a capacidade do animal ara dissipar calor é inadequada e, tanto a temperatura do corpo como a taxa metabdlica aumentam & medida que a temperatura ambiente aumenta, até que o animal morre de calor. Em temperaturas ambientes situadas abaixo da zona de tolerincia, a capacidade do animal para gerar calor a fim de equilibrar a perda de calor & ultrapassada, a temperatura do corpo diminui, a taxa ‘metabélica declina e resulta na morte pelo frio. Gran- des animais geralmente possuem valores menores para T, ¢ T, do que animais pequenos porque calor € perdido pela superficie do corpo, e animais grandes t&m pro- Porgdes menores entre superficie € massa do que os animais pequenos. Da mesma maneira, espécies bem isoladas tém valores menores para T, e T, do que aque- las mal isoladas, mas espécies com isolamento térmico pouco espesso geralmente tém valores mais altos para T, do que aquelas com um espesso isolante térmico. ‘A zona termo-neutra (7, a T,) a amplitude de temperaturas ambientais dentro da qual a taxa metabsli- cade um endotermo esté em seu nivel basal e a termor- regulagio € efetuada por modificagdo da taxa de perda Capiulo# Homeostasee Energia: Equllbrio de Agua, Regulago da Temperatura e Uso de Energia 147 ona deregulagio por eraporarto “do canto do corpo Normoteria Figura 4-10 Padres genera- litados de modificagSes na temperatura do corpoe na pro- dugo metabélica de calor de ‘um homeotermo endotérmico fem relagdo A temperatura do ambiente. T, € a temperatura normal do centro do corpo & esta varia um pouco para di- ferentes mamiferos ¢ aves. temperatura letal inferior incipient; . temperatura in- ferior critica; «temperatura superior rftiea 1, temperatu- ra letal superior incipiente; ZIN, zona termo-neutra, Amplitude das temperatures ambiensis. de calor. A zona termo-neutra também é chamada de zona de termorregulacao fisica porque um animal usa processos como elevar ou abaixar seus pélos ou suas penas, modificagdes posturais como encolher-se ou es- icar-se e modificagGes no fluxo sangiiineo (vasocons- trigdo ou vasodilatagao) nas partes expostas do corpo (pés, pernas, face) para ajustar sua perda de calor. ‘Quanto maior for um animal e quanto mais espes- s0 seu isolamento térmico, mais baixa sera a tempera- tura que tolera antes que processos fisicos se tomam, inadequados para equilibrar sua perda de calor. A tem- peratura inferior critica (7,) € 0 ponto no qual um animal precisa aumentar a producao de calor metab6l co para manter a temperatura do corpo estével. Na zona de termogénese quimica, a taxa metabélica aumenta & ‘medida que a temperatura do ambiente diminui. A qua- lidade do isolamento térmico determina a quantidade de calor metabélico produzido, necessério para com- pensar uma modificagao na temperatura do ambiente. Isto significa que animais bem isolados termicamente apresentam curvas relativamente rasas para o grdfico de aumento do metabolismo abaixo da temperatura in- ferior critica; animais sem um bom isolamento térmico apresentam curvas mais ingremes (veja Figura 22-3). Muitas aves e muitos mamiferos do Artico e do Antérti- Co sio to bem isolados termicamente que conseguem tolerar as menores temperaturas da Terra (cerca de - 70-C) aumentando apenas trés vezes seu metabolismo basal. Animais nao tio bem isolados termicamente po- ‘dem ser expostos a temperaturas abaixo de sua tempe- ratura letal inferior (7,). Neste ponto, a produgio de calor metabélico alcangou sua taxa maxima e ainda é insuficiente para equilibrar a perda de calor para 0 ambiente. Sob estas condiges, a temperatura do corpo diminui ¢ 0 efeito de Q,, na temperatura, sobre reagdes quimicas, faz com que 2 taxa metab6lica também dimi- nua. Uma condicdo de “feed-back” positivo é iniciada, na qual a temperatura do corpo em diminuigao reduz a produgao de calor, causando mais redugao na tempera- tura do corpo. A morte por hipotermia (temperatura do corpo baixa) segue-se. Os endotermos so notavelmente bons para manter temperaturas estaveis do corpo em ambientes frios, mas tém dificuldades em temperaturas ambientais altas. A temperatura superior critica (7,) representa 0 ponto no qual a perda de calor, nao por evaporacéo, foi ‘maximizada pelo uso de todos os processos fisicos dis- pontveis para o animal ~ expondo reas pouco isoladas do corpo e maximizando o fluxo sangiifneo cutaneo. Se estes mecanismos forem insuficientes para equilibrar 0 ‘ganho de calor, a tinica opcdo que os vertebrados tém € usar a evaporaco de égua através do ofegar, da sudorese 148 Parte Diversidade, Funcdes Evolugdo nos Verebrados ou da vibragdo gular. A variagdo da temperatura de T, para T, € a zona de resfriamento evaporativo. Muitos, ‘mamiferos suam, um processo pelo qual égua € liberada pelas glindulas sudoriparas na superficie do corpo. A ‘evaporagio do suor esfria a superficie do corpo. Outros animais ofegam, respirando rapidamente e pouco pro- fundamente, de modo que a evaporacdo de Agua do sis- tema respirat6rio propicia um efeito resfriador. Muitas aves usam uma vibragdo répida da regio gular para eva- porar 4gua para a termorregulagdo, O ofegar e a vibra- do gular requerem atividade muscular, e parte do res- friamento evaporativo que conseguem é usada para com- pensar a produgdo maior e necessaria de calor metabslico. Na zona letal superior (7,), 0 resfriamento evaporativo nao consegue equilibrar 0 fluxo de calor de um ambiente quente e a temperatura do corpo aumenta. Ocfeito de Q,, na temperatura produz um aumento na taxa do metabolismo, e a produgao de calor metabélico eleva a temperatura do corpo, aumentando ainda mais a taxa metabdlica. Este processo pode levar & morte por hipertermia (temperatura do corpo alta). A dificuldade que os endotermos enfrentam ao re- gular a temperatura do corpo em elevadas temperaturas ambientais pode ser um dos motivos pelos quais as tem- peraturas do corpo da maioria dos endotermos situam- se entre 35 € 40°C. A maioria dos habitats raramente presenta temperaturas do ar maiores do que 35°C. Até mesmo os tr6picos tém temperaturas médias anuais in- feriores a 30°C. Assim, as altas temperaturas do corpo, mantidas por mamfferos, asseguram que, na maioria das situagdes, o gradiente de calor ocorre do animal para 0 ambiente. Temperaturas corpéreas ainda mais elevadas, de cerca de 50°C por exemplo, poderiam assegurar que ‘os mamiferos sempre foram mais quentes do que 0 seu ambiente. No entanto, existem limites superiores para as temperaturas corpdreas possfveis. Muitas proteinas sofrem desnaturagdo em toro dos 50‘C. Durante 0 es- tresse pelo calor, algumas aves ¢ alguns mamiferos po- dem tolerar temperaturas de 45 a 46°C durante algumas horas, mas somente certas bactérias, algas € poucos invertebrados existem em temperaturas maiores do que aquelas. Este € outro caso no qual a diregao da evolugao dos vertebrados foi estabelecida por um equilibrio entre necessidades bisticas e realidades fisico-quimicas. Vantagens de uma Alta Temperatura Corpérea Mamt feros e aves tém altas taxas metabdlicas de repouso, pelo ‘menos seis vezes a TMB de ectotermos. Embora seja energeticamente dispendioso, existem beneficios em regular a temperatura do corpo em um nivel mais eleva- do do que em um nivel baixo, que sto independentes dos mecanismos de termorregulagdo discutidos na se- fo precedente. J4 notamos que a bioquimica de vertebrados envol- ve milhares de reagdes interativas ¢ catalisadas por enzimas, a maioria das quais é sensivel & temperatura. Uma temperatura interna constante é necesséria para obter 0 maximo de coordenagdo quimica entre estas rea Ges. Além disso, quanto mais alta a temperatura do cor- ‘po, mais répida serd a resposta das células as necessida- des do organismo. Embora seja capaz de atuar em tem- peraturas muito baixas (como em peixes rticos), 0 SNC funciona mais rapidamente em temperaturas mais altas. ‘Como exemplo, os neurotransmissores, tais como a ace- tilcolina e a norepinefrina, atuam difundindo-se a partir do local de sua liberacdo, através de jungdes sindpticas até a superficie do receptor pés-sindptico. Como a difu- so & um processo fisico, sua taxa aumenta a medida que a temperatura aumenta. Uma alta temperatura do corpo intensifica a taxa de processamento de informa- Ges, uma vantagem competitiva frequentemente negli- genciada quando se considera 0 sucesso de mamiferos € aves. Respostas muito répidas podem ser vitais para a captura de presas e para evitar predadores. Alguns ecto- termos apresentam os mesmos beneficios neurolégicos quando esto aquecidos, mas respostas muito répidas durante noites frias somente podem ocorrer em homeo- termos endotérmicos. Além disso, a viscosidade dos mésculos diminui em temperaturas elevadas. Esta redu- 40 na fricgdo interna pode resultar em contrago mai r4pida, mais forte e com tempos de resposta mais répidos. ‘Assim, a homeotermia endotérmica tem algumas vantagens Gbvias sobre aectotermia. (A ectotermia tem suas préprias vantagens que so discutidas no Capitulo 16.) A ectotermia € a condigdo ancestral para os verte- brados. Como evoluiu a endotermia? A Evolugao da Endotermia A endotermia evoluiu de uma condigao ancestral ectotérmica pelo menos duas vezes na hist6ria dos vertebrados ~ nas aves e nos ma- miferos. Certas evidéncias sugerem que os Pterosauria (Archosauria voadores do Mesoz6ico) também possam. ter sido endotérmicos e; se isso for verdadeiro, poderia representar uma terceira origem independente da endotermia. Como essa transigao poderia ter ocorrido? A diferenca nas fontes de calor utilizadas por ecto- termos e endotermos cria um paradoxo quando se tenta entender como uma linhagem cvolutiva mudou da ectotermia para a endotermia. Os ectotermos dependem do calor do exterior de seus corpos ¢ as principais espe- cializagdes da termorregulacdo ectotérmica facilitam as trocas de calor com o ambiente. As superficies do corpo dos ectotermos apresentam pouco isolamento térmico, provavelmente porque esse isolamente poderia interfe- rit com o ganho ou coma perda de calor. As taxas meta- bélicas de ectotermos sao baixas e os ectotermos nor- Capiulo-4 Homeostase e Energia: Eguillorio de Agua, Regulagdo da Temperatura e Uso de Energia 149 malmente ndo obtém calor suficiente do metabolismo para aquecer significativamente o corpo. (Os atuns e tu- bbardes de corpo aquecido, descritos na se¢do seguinte, € as tartarugas marinhas, discutidas no Capitulo 13, si0 excegdes destas generalizacdes devido a seu grande ta- manho do corpo, aos seus altos nfveis de atividade e as suas especializagdes do sistema circulatorio.) Assim, 05 mecanismos termorreguladores de ectotermos sao ba- seados em baixas taxas metabélicas, em pouco isola~ mento térmico e na répida troca de calor com o ambiente. ‘A regulacdo endotérmica apresenta exatamente as caracterfsticas opostas. As altas taxas metabélicas dos endotermos produzem grandes quantidades de calor eeste calor € retido por seus corpos pelo isolamento fornecido por pélos ou penas. A termorregulagao endotérmica con- siste, em grande parte, de ajustes da camada isolante para que a perda de calor equilibre o calor produzido pelas altas taxas do metabolismo, Uma mudanga evolutiva da ectotermia para a endotermia parece encontrar uma situagdo “catch-22”: uma alta taxa metabélica é imitil a nao ser que um ani ‘mal apresente isolamento térmico para reter 0 calor metabolicamente produzido, porque sem esse isolamen- to, o calor é rapidamente perdido para 0 ambiente. No entanto, 0 isolamento térmico nao tem propésito para ‘um animal que nao tenha uma alta taxa de metabolismo porque, nesse caso, hd pouco calor intemamente pro- duzido para ser conservado pelo isolamento. De fato, 0 isolamento pode ser um empecilho para um ectotermo porque impede que o animal se aquega. Raymond Cowles demonstrou este fato na década de 1930, quan- do fez pequenos casacos de pele para lagartos e mediu suas taxas de aquecimento e resfriamento. O beneficio potencial de um casaco de pele para um lagarto é, certa- ‘mente, seu efeito de manter 0 lagarto aquecido & medi- da que o ambiente esfria. No entanto, nos experimentos de Cowles, os lagartos nunca alcangaram aquele bene- ficio propiciado por um isolamento térmico porque, ‘quando usavam os casacos de pele, de inicio eram inca- pazes de aquecer-se. ‘Aqueles lagartos bem vestidos ilustram o paradoxo da evolugio da endotermia: o isolamento térmico é ineficiente sem uma alta taxa metabslica, e 0 calor pro- duzido por uma alta taxa metabélica é perdido se néo houver um isolamento térmico, Por essa linha de racio- cinio, nenhum dos dois aspectos essenciais da endotermia seria seletivamente vantajoso para um ectotermo sem ‘que houvesse o desenvolvimento prévio do outro. As- sim, como evoluiu a endotermia? Aendotermia provavelmente evoluiu como um pro- save > Resumo das Equaptes Giicose Aestee Giicose CO, +H,0+38 ATP ‘rowers ido tea * 2ATP #24 ATP (CHO) 36 ATP Upido Ciclo se Krebs 4.0. Glicoginio Meco, + H,0 +30 ATP Giicogbnio Awe, Acido too + 2ATP CO, + H,0+ ~48 ATP uPioios “4 co, COsretingulos «28 equagties mostra a endimento aproximade de ATP fem moles porsegmento de sols carbonos de substato, botismo anaerdbico precisa parar. Assim, o metabolis ‘mo aerSbico pode continuar quase indefinidamente, en- quanto que 0 metabolismo anaerdbico pode produzir grandes quantidades de ATP, porém somente por um curto perfodo de tempo antes que o substrato seja gasto 154 Parte Diversidade, Funcdese Evolucdo nos Vertebrados 0 animal esteja exausto. Animais com altas capacida- des aerébicas podem ser considerados especializados para atividades sustentadas durante certo tempo, enquan- to que animais com baixas capacidades aerdbicas slo cespecializados para atividades repentinas e répidas. Tabela 4-7. Valores representativos do coragiio e do sangue para vertebrados. ‘Massa do Coracdo Rendimento Press Hemoglobina Massado — (percentagem da cantiaco Sanguinea Hematécrito (¢/100mLde Espécies Corpo (ke) massa do corpo) __(ml/g.min) (mmHg) _(percentagem) _sangue) Peixes: carpa v 015 a3 31 105 Lagartos: iguana ' 019 58 15 3 84 Mamiferos: clo 14 065 150 134 46 148 Niveis Metabélicos Em Vertebrados ‘A quantidade de energia que os vertebrados usam € re- fletida pela quantidade de oxigénio que consomem. Em geral. a taxa minima pela qual os animais consomem oxigénio € determinada pelo nivel necessério para sus- tentar a vida. A taxa maxima pode ser determinada pela capacidade dos sistemas respirat6rio e circulat6rio — isto 6, a taxa pela qual o oxigénio ¢ os nutrientes podem ser supridos as células (Weibel 1984). 0 limite aerébico inferior, frequentemente denominado de taxa metabé: ica basal (TMB), é determinado pelo minimo de ener- gia necesséria para manter a vida em estado organiza- do. Como regra, os vertebrados raramente operam em sua TMB. Por isso, & necessério definir as condigdes sob as quais a TMB é medida. Quando o consumo de oxigénio, em repouso, € medido apds uma refeicao, 0 metabolismo seré pelo menos 5 a 30% maior do que a TMB devido aos custos da digestao. Outros fatores, tais como perturbagdes visuais ou mecinicas, provocam aumentos significantes na tomada de oxigénio, indu- Zindo o estresse; niveis baixos de oxigénio e altos de didxido de carbono tém efeitos pronunciados no meta- bolismo energético. Como a elevacdo da temperatura geralmente aumenta as taxas das reagdes quimicas, in- Cluindo as do metabolismo aerdbico, ela pode ter uma influéncia grande sobre os organismos. 0 Efeito do Tamanho do Corpo A TMB & registrada em termos do volume de oxigénio consumido por uni- dade de tempo a pressdo e temperatura padréo (PTP). Obviamente, animais grandes consomem mais oxigé- nio do que animais pequenos (Figura 4-13). Para per- mitir comparagoes entre animais de diferentes tamanhos, a TMB é ajustada ao tamanho do corpo para fornecer uma TMB especifica para massa (taxa de consumo de oxigénio/ massa do corpo). Torna-se imediatamente evidente que, entre os vertebrados, a TMB especifica para massa diminui a medida que 0 tamanho do corpo aumenta. A inclinagdo da regressio da TMB sobre a massa do corpo é aproximadamente similar para dife- rentes tipos de vertebrados e, também, para uma ampla, variedade de invertebrados. Essa relagdo intrigou os bid- logos durante mais de 100 anos, mas uma explicagio clara e certa ainda é ilus6ria. Diversos bidlogos salientaram que, com a diminui- ‘¢%0 do tamanho, um aumento da TMB especifica para massa poderia resultar da drea relativamente maior da superficie do corpo de animais pequenos. A érea da su- perficie & proporcional a um expoente de 2/3 (0,67) da massa do corpo. Hé cerca de 100 anos, Max Rubner demonstrou que a perda de calor através de cada unida- de da superficie do corpo de ces pequenos e grandes foi a mesma (cerca de 100 quilocalorias por metro qua- drado), mesmo que a TMB espec‘fica para massa tenha, sido maior para ces pequenos. Para explicar esse para- doxo, ele argumentou que cdes pequenos precisam per- der calor mais rapidamente do que os cies grandes devi- do a sua érea relativamente grande da superficie do cor- po. Para manter as temperaturas do corpo, 0s cies pe- quenos compensam o aumento de sua perda de calor com um aumento na TMB especifica para massa. Rubner, verificou que a regressdo da TMB sobre a massa foi su- ficientemente proxima de uma inclinagdo de 0.67 para que o fendmeno pudesse ser explicado pela geometria, do corpo. Para muitos vertebrados, esta inclinagao tem um valor préximo de 0,75, isto &, a TMB varia a um expo- ‘Tabela 4-8 Contribuigdes aersbicas e anaerdbicas esti madas para 30 segundos de atividade para um mamffe- 10 (0 rato-canguru, Dipodomys merriami) ¢ um lagarto (0 iguana do deserto, Dipsosaurus dorsalis) Milimols de ATP por Grama de Massa do Corpo, (Capiiulos Homeostase e Energia: Equilibrio de Agua, Regulacdo da Temperanrae Uso de Energia Expécies Aerdbica Anaerébica Toal Dipodomys 0.0098(70%) _0.0043(30%) 0.0141 Dipsosaurus 0.0084(24%) —0.0142(76%) 0.0186 Fonte UA, Roben & DE, Batali, 1979, ournal of Experimental Zoology 208: 73-76, 135 Figura 4-13 Comparagao en- tre 0 tamanho do corpo ¢ a taxa metabslica deectotermos © endotermas. Grifico supe roo} rior: 0 metabolismo total por ENDOTERMOS hora, plotado contra a massa woh Mamiteros e 2 do corpo (ambos em escala logaritmica) condyz a uma i- ‘ha reta com uma inclinagdo situada geralmente entre 0.65 ‘€0.85 equeé, por convengo, considerada igual 0,75. Gré- fico inferior: metabolismo to- tal, convertido em consumo de Metals Tot 0 On) (ictnagso ‘oxignio por unidade de mas- ‘sado corpo, por hora, para for- nnecer uma taxa metabélica cespecifica para massa (TMB), 01 Plotando a TMB contraamas- ‘ado corpo (ambas em escala logaritmica), origina-se uma ‘nelinagao que é, por conven- ‘lo, considerada como -0.25, oor ‘000007 04 10 Peso corpéro0(K3) ente de % € no de 2/3 da massa do corpo (Kleiber 1961). Subseqiientemente, os argumentos tedricos avan- caram para sustentar a regra de Kleiber. Um expoente de massa de 0,75 pode ser derivado da mecanica da locomogo (McMahon 1973) e da geometria de quatro dimens6es (Blum 1977). Recentemente, o expoente de ‘massa de 0,67 ressurgiu como o valor previsivel para comparagdes entre individuos de tamanhos diferentes, mas da mesma espécie (Heusner 1982). Feldman & McMahon (1983) sugeritam que, tanto 0,75 como 0,67 sdo expoentes vélidos, 0 primeiro aplicando-se a com- aragdes entre espécies diferentes ¢ 0 segundo sendo apropriado para comparagdes entre individuos da mes- ma espécie. Embora a base mecanistica do fendmeno permaneca inexplicada, dois pontos so claros: a taxa ‘metab6lica esta relacionada com o tamanho do corpo em todos os vertebtrados ¢ esta relagdo tem profundas, consequiéncias ecolégicas ¢ evolutivas. Embora os valores exatos das inclinagdes que relaci- ‘onam 0 metabolismo com a massa do corpo aindaestejam sujeitos a debate, € claro que as inclinages so menores do que 1. A taxa metabélica pode ser interpretada como a necessidade de energia de um animal. Como a inclinagao do metabolismo versus massa é menor do que 1, duplicar (© tamanho de um animal ndo duplica suas necessidades cenergéticas. Para entender esta relagio, assuma que 0 ex- ppoente de massa para o metabolismo seja 0,75 e considere ‘um animal pesando 2,5 kg e outro animal da mesma espé- cie, com peso de 5 kg. As taxas metabolicas dos dois ani- mais sero proporcionais a suas massas do corpo elevadas a0 expoente 0,75. Portanto, TM do animal 1 = (2,5 kg)""* = 1,99 e TM do animal 2 = (5 kg)" = 3,34 156 Parte Diversidade, Funcaes e Evolugdo nos Verebrados As necessidades energéticas dos animais grandes so apenas 1,68 vezes maiores do que aquelas dos animais pequenos. Em termos ecoldgicos, isto significa que um animal pequeno apresenta maior necessidade energética para seu tamanho do que um animal grande, embora um animal grande necessite mais energia no total do que um animal pequeno. elo menos duas linhas de regressio so necessdrias para ajustar os dados de TMB para todos os vertebrados (Figura 4-13). As TMBs menores dos ectotermos re- Resumo sultam, em parte, da auséncia de geragdo interna de calor para manter uma temperatura alta do corpo. A ‘TMB de um ectotermo é, em média, um sexto daquela de um endotermo do mesmo tamanho. O custo para manter uma temperatura elevada do corpo requer que aves € mamiferos consumam mais alimento do que ec- totermos do mesmo tamanho. No entanto, os vertebra- dos so animais méveis e, sendo ectotérmicos ou endo- térmicos, todos eles necessitam de mais energia quando ativos. Os vertebrados, assim como outros organismos, sao prin- cipalmente compostos por égua. Solutos inorganicos organicos estio dissolvidos na agua e os complexos pro- cessos bioquimicos que tornam 0s organismos auto-sus- tentaveis requerem regulagao do contetido de éguae das concentragdes de solutos em seus tecidos e em suas cé- lulas, A maioria dos vertebrados apresenta concentra- ‘Ses osméticas entre 250 ¢ 350 miliOsmols por quilo- grama de égua, enquanto que a da égua doce geralmen- te € inferior a 10 miliOsmols ¢ a da égua do mar é de cerca de 1000 miliOsmols. Sédio e cloreto so os prin- cipais compostos osmoticamente ativos na gua do mar na maioria dos vertebrados. As branquias dos peixes ¢ a pele dos anfibios sdo permedveis & égua. Teledsteos de agua doce e anfibios possuem con- centragdes osméticas ¢ idnicas mais altas do que a do habitat circundante. Conseqtientemente, eles precisam competir com um fluxo osmético para seu interior € ‘com uma difusio de fons para fora. Eles produzem uri- na copiosa, dilufda, para excretar 4gua e empregam ener- gia para a tomada de fons do meio exter. Os teledsteos marinhos so menos concentrados do que a gua do mar, eles perdem agua por osmose e ganham sal por difusao. Estes peixes ingerem agua do mar ¢ usam transporte ativo para excretar fons. Feiticeiras, elasmobranquios e celacantos tém concentragdes osméticas proximas as da gua do mar, mas as concentrages iGnicas sao diferen- tes daquelas de seu ambiente. Como resultado, 0 movi- mento osmético de gua é lento, mas energia € usada para regular as concentragdes de solutos. A desaminagio de proteinas durante 0 metabolis- mo produz aménia, que € t6xica. A aménia € muito so- hivel em égua, eos vertebrados aqusticos excretam amd- nia como seu principal produto da excrecdo nitrogenada (amonotelismo). Animais terrestres nao encontram égua suficiente a disposi¢ao para serem amonotélicos. Os mamiferos convertem aménia em uréia, que ndo € t6xi: cae € muito solivel. A capacidade do rim dos mamife- ros para produzir urina concentrada permite a esses ani mais excretar uréia (ureotelismo) sem uma perda exces- siva de 4gua. Os rins dos Diapsida e dos Chelonia nao apresentam a capacidade concentradora de urina dos rins, dos mamiferos e estes animais transformam grande par- te da am6nia em écido tirico (uricotelismo). O écido tirico no € muito solivel e se combina com fons para formar sais de urato, que se precipita na cloaca. Como 0 sal se precipita, a 4gua é liberada e a uricotelia é muito eco- némica em termos de dgua. Alguns animais uricotélicos economizam ainda mais égua utilizando vias extra-re- nais de secrecdo de sal (glindulas de sal) para eliminar s6dio € cloreto em solugdes que podem exceder a 2000 miliOsmols. ‘A temperatura afeta profundamente os processos bioquimicos que sustentam os vertebrados, sendo os ‘mecanismos termorreguladores bastante comuns. Alguns peixes ¢ anfibios conseguem manter uma diferenga de temperatura entre seus corpos e a 4gua em seu redor, ‘mas alguns atuns e tubardes, que nadam muito rapida- ‘mente, apresentam temperaturas em seus misculos, que esto 10°C ou mais acima da temperatura da 4gua. Pei xes Istiophoridae possuem tecidos especializados que produzem calor que aquece os olhos ¢ 0 encéfalo, Mui- tos vertebrados terrestres tém a capacidade de regular a temperatura de seu corpo. Os ectotermos dependem de fontes de calor externas a0 corpo para sua termorregula- 40, equilibrando 0 calor ganho e perdido por meio de radiagdo, condugdo, convecgdo e evaporagao. Este é um processo complexo e eficaz; muitos ectotermos mantém ‘Capitulo Homeosiase e Energia: Equiltrio de Agua, Regulagdo da Temperatura e Uso de Energia 157 temperaturas estaveis do corpo, substancialmente mais clevadas do que as temperaturas do ambiente enquanto estio termorregulando. Os endotermos usam calor pro- duzido metabolicamente e manipulam sua exposigao 20 sol para equilibrar as taxas de produgao ¢ perda de ca- lor. A termorregulagao endotérmica confere uma consi deravel independéncia das condigdes ambientais, mas € energeticamente cara. Os mecanismos de termorregula- do ectotérmica e endotérmica sio bastante diferentes, € ‘uma transigdo evolutiva da ectotermia para a endotermia seria complexa. Nao obstante, esta transigo ocorreu pelo menos duas vezes, uma na evolugao das aves e outra na evolugio dos mamfferos. As origens evolutivas dos dois, componentes essenciais da endotermia - exposigdo a0, sole uma elevada taxa metabstica - provavelmente eram diferentes de seu significado atual s vertebrados usam duas vias de produgio meta- bolica de energia: metabolismo aerdbico e metabolis- ‘mo anaerdbico (glicélise). © metabolismo aerébico re- ‘quer um sistema circulat6rio que consegue transportar Referéncias oxigénio ¢ substratos metabélicos para os tecidos ati ‘vos, enquanto que 0 metabolismo anaerdbico depende das reservas de glicogénio presentes nas células. Am- bos podem produzir ATP com elevadas taxas, mas so- ‘mente 0 metabolismo aerSbico pode ser sustentado du- rante longos periodos de tempo. Os endotermos depen- dem, primariamente, do metabolismo aerdbico para sus- tentar atividade. Como resultado, eles apresentam ele- vadas taxas de consumo de oxigénio, mesmo quando esto inativos. Os ectotermos usam o metabolismo anaerdbico quando precisam produzir ATP em altas ta- xas, € apresentam baixas taxas de consumo de oxigénio quando em repouso ~ cerca de 1/7 daquela de endo- termos do mesmo tamanho. Animais grandes, tanto endotermos como ectotermos, necessitam de mais ener- gia do que os animais pequenos, mas as necessidades energéticas aumentam mais lentamente do que o aumento da massa corpérea. Como resultado, animais grandes necessitam de menos energia por grama de tecido do corpo do que os animais pequenos. ‘Avery, R.A. 1979, Lizards: A Study in Thermoregulation. University Park, Baltimore, MD, Avery, R.A. 1982, Field studies of reptilian thermoregulation. Pages 93-16 in Biology ofthe Reptilia, volume 12, edited by C.Gans and FH. Pough. Academic, London, UK. Bartholomew, G. A. 1982. Physiological control of body tempera ture, Pages 167-211 in Biology ofthe Reptilia, volume 12, edit ed by C.Gans and F H, Pough. Academic, London, UK. Bennett, A.F, and J. A. 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O solo, as rochas € os calgamentos sobre 0s quais vocé caminha nao parecem ser leves, mas nao so to densos como 0 material subjacente a eles. Os continentes sao forma- dos por rochas sedimentares e fgneas com uma densi- dade média de 2,7 gramas por centimetro cibico, en- quanto que o manto situado abaixo dos continentes con- siste de rochas baséiticas com uma densidade média de 3,0 gramas por centfmetro ciibico. Um bloco continen- tal flutua sobre o manto da mesma forma que um bloco de gelo flutua na agua. O calor do niicleo da Terra produz lentas correntes de convecgao no manto. Colunas de basalto fundido ele~ vam-se em diregao a superficie da Terra formando as, cristas meso-ocednicas onde alcangam 0 topo da Jitosfera e se espalham horizontalmente (Figura 5-1).O fundo dos oceanos € cruzado por uma cadeia de cristas, que se estendem em torno do globo. A crosta mais jo- ‘vem da Terra é encontrada nos centros dessas cristas€ 0 fundo dos oceanos torna-se mais velho & medida que se afasta do eixo da crista. As zonas de subducio for- mam-se nos locais nos quais a litosfera afunda nova- mente para o interior do manto e os continentes deri- ‘vam sobre placas tect6nicas formadas por esses pro- ‘cessos. Como resultado desse ciclo de elevagao nas cris- tas meso-ocednicas ¢ afundamento para o interior do manto nas zonas de subdugio, ndo existem rochas mais velhas do que com 200 milhdes de anos em qualquer local dos fundos oceanicos. Movimentos das placas tectonicas sdo responsé- veis pela seqiiéncia de fragmentagao, coalescéncia ¢ fragmentagao dos continentes, que ocorreu durante os ‘iltimos 500 milhdes de anos. Plantas e animais foram transportados juntamente com os continentes em deri- va, em colisio e em separagdo. Quando os continentes se moveram em dire¢do aos pélos, as linhagens evolu- tivas de plantas e animais, que transportavam, encon- traram climas mais frios e, até mesmo, glaciagao. Quan- do continentes ja separados colidiram, as floras e faunas terrestres e marinhas que tinham evolufdo em isola- mento, foram capazes de misturar-se. O efeito destas colisdes pode ter sido particularmente critico para or- ganismos em habitats marinhos rasos. Quando dois ccontinentes coalescem, a érea total de habitats marinhos rasos decresce porque um grande continente apresenta ‘menos litoral em proporcao & sua rea terrestre do que aquele apresentado por dois continentes menores. Al- ‘gumas linhagens, tanto de organismos marinhos como de terrestres, extingiiiram-se quando os continentes co- lidiram e outras ampliaram sua distribuigdo geogréfica. ‘A posigao dos continentes afeta os padres de cir- culagio ocednica e, devido ao fato das correntes oceani- cas transportarem enormes quantidades de calor, aque- “ ‘Grite meso-ocetica Ltostera Figura 5-1 Estrutura geol6gica generalizada de um continente, Os blocos continentais flutu- ‘am sobre uma crosta basaltica. As setas mostram os movimentos dos elementos da crosta e ‘suas interagSes com o manto causando a deriva continental las modificagdes no fluxo da égua afetam o clima mun- dial. Durante grande parte do Mesoz6ico, a posi¢ao dos continentes permitiu uma livre troca de gua, no Polo Norte, com Agua mais quente do sul, tendo as reas bbem setentrionais sido mais quentes do que o so hoje em dia, Dinossauros Omitischia, crocodilianos e gran- des tartarugas viviam em florestas latifoliadas no Alasca. Quando os continentes se aproximaram de suas posi ‘gGes atuais, as trocas de 4gua entre o Oceano Artico eos ‘oceanos Atlintico e Pacifico foram reduzidas e 0 Ocea- no Artico esfriou e depois congelou. Uma vez que a égua congelou, uma cobertura permanente de geloe neve for- mou-se sobre 0 Oceano Artico. Essa camada reflete, agora, grande parte da energia solar gue incide nessas, latitudes setentrionais, produzindo o Artico gelado que conhecemos hoje. Seis antigos blocos continentais existiam do ‘Cambriano até o Siluriano (Figura 5-2). Um grande blo- co chamado Lauréneia incluiu a maior parte da Améri- cado Norte, a Groenlandia, a Escéciae parte do noroes- te da Asia, ¢ quatro blocos menores continham outras partes do atual Hemisfério Norte (Baltica - Escandinvia e grande parte da Europa central, Casaquistania — sul da Asia central, Sibéria ~ nordeste da Asia ¢ China ~ Mong6lia, China e toda a Indochina). O sexto continen- te antigo, Gondwana, incluia a maior parte do que & hoje 0 Hemisfério Sul (América do Sul, Africa, Antérti- cae Austrélia) mais a India, o Tibete, 0 Iran, a Arébia Saudita, a Turquia, o sul da Europa e parte do sudeste dos Estados Unidos. No Cambriano superior, Gondwana, Lauréncia, Sibéria e Casaquistania ocupavam o Equador, a China situava-se ao norte e Baltica ao sul (Figura 5-2). Duran- te os seguintes cem milhdes de anos, Gondwana de ‘vou para o sul e, no Siluriano médio, aleangou 0 Polo Sul, Em contraste, os continentes restantes permanece- ram perto do Equador (Veevers 1994) O Ambiente da Evolugao dos Primeiros Craniata ‘A formagio de continentes durante 0 inicio do Protero- 26ico foi acompanhada por modificagdes quimicas que mudaram dramaticamente a composigao dos oceanos € da atmosfera (Holland 1984). Os mares primitivos pro- ‘Capitulo S Geografiae Ecologia do Cambriano ao Devoniano Médio 161 ‘CAWBRIANO SUPERIOR ‘ORDOVICIANO MEDIO SILURIANO MEDIO Figura 5-2 Localizagio dos blocos continentais do Cambriano superior até 0 Siluriano, Gondwana derivou para o sul ¢ 0s continentes setentrio- nais estavam localizados perto do cequador. A Africa B Biltica C China K Casaquistania L Lauréncia S Sibéria vavelmente eram écidos, com altos niveis de diéxido de carbono e de outros compostos produtores de dcidos. 0 ‘oceano € a atmosfera provavelmente eram quimicamen- te redutores devido a auséncia de oxigénio livre (Kempe & Degens 1985). A evolugdo de organismos produtores de oxigénio e consumidores de diéxido de carbono, du- rante 0s dois bilhdes de anos do Proteroz6ico, resultou nas condigGes ocednicas e atmosféricas que reconhece- ‘mos atualmente - condigdes quimicamente oxidativas e ‘mares alcalinos. As redugdes do didxido de carbono e da acidez dos mares tomou possivel a formagdo e a pre- cipitagdo de minerais contendo carbonato de célcio. Pré- ximo ao final do Proterozsico, ocorreu uma mudanca biética importante ~ a evolugio de formas capazes de secretar partes esqueléticas articuladas a partir de orga- nismos de corpo mole (McMenamin & McMenamin 162 Parte Diversidade, Fungies Evolugdo nos Verebrados 1989). A répida irradiagao de animais com partes duras durante © Cambriano inferior iniciou 0 cenério para a origem dos Craniata. Quao bem podemos descrever o habitat desses pri- meiros Craniata? A associagao de cordados do Cambria no superior, do Ordoviciano e de muitos do Siluriano com braquiGpodes, crindides e corais ~ todos inverte- brados marinhos - aponta para uma origem em mares rasos quentes. Durante o Cambriano superior e 0 Ordo- viciano, a América do Norte foi amplamente coberta por ‘um mar continental raso que, aparentemente, proporcio- nou as condigdes necessérias para a evolugdo de um cordado até um Craniata. O habitat geral das primeiras formas fossilizadas provavelmente foi o fundo do mar. Além disso, geoquimicos € geofisicos sugerem que a gua do mar do Paleozéico era ionicamente muito se- melhante ao observado atualmente (Nicolls 1965). Os pri- ‘meiros Craniata, portanto, se defrontaram com proble- ‘mas fisiol6gicos semelhantes Aqueles enfrentados pelos modernos tunicados, equinodermos e pterobrnquios. ‘Animais heterotréficos como os Craniata dependem, em Giltima instancia, de plantas como fonte priméria de energia. Que tipos de plantas existiam no Paleozéico inferior? Organismos simples, unicelulares, originados nos mares Pré-Cambrianos ~ as cianobactérias - so exemplos (Rogers 1993). No Ordoviciano, no entanto, algas pluricelulares mais complexas, verdes e verme- Ihas, haviam aparecido (Stewart 1983, Scagel et al. 1984), Fitoplancton como diatomaceas e dinoflagelados, ‘uma importante fonte de alimento nos habitats aquati- cos atuais, eram abundantes nos mares do Ordoviciano. ‘A maioria das algas verdes e vermelhas fossilizadas era secretora de calcério, mas fosseis de algas nao-secretoras sugerem que algas multicelulares nao-calcérias também ram importantes nesses antigos mares Tasos. Ecossistemas Terrestres do Paleozéico A evolugio de plantas terrestres ¢ de ecossistemas ter- restres pode ser seguida desde o Pré-Cambriano até o Tercidrio (revisto por Behrensmeyer et al. 1992). Os ambientes terrestres praticamente nio apresentavam vida no Paleoz6ico inferior. Esteiras de bactérias provavel- ‘mente existiram em habitats terrestres timidos a partir do Pré-Cambriano (Horodyski & Knauth 1994), mas nao existem evidéncias diretas de plantas terrestres até 0 Siluriano superior. Solos fossilizados do Ordoviciano tem. padrdes mosqueados que provavelmente indicam a pre- senga de esteiras de bactérias, ¢ sinais de erosio suge- rem que parte da superficie do solo foi coberta por al- ‘gas, mas nio existe evidéncia de plantas com raizes (DiMichele & Hook 1992). A primeira irradiago im- portante de plantas para a terra provavelmente ocorreu entre 0 Ordoviciano médio e superior. Estas plantas pio- neiras incluiam bridfitas (representadas agora por mus- _g08 € hepiticas), Kquens (associagdes simbidticas entre algas e fungos) e fungos. A paisagem poderia ter pareci- do deserta de acordo com nossos padrdes atuais ~ na maioria nua, com alguns poucos tipos de vegetais bai- xos limitados a dreas dimidas. A diversidade da vida terrestre aumentou durante 0 Siluriano e uma planta sem rafzes e sem folhas, chama- da Cooksonia, € abundante em depésitos fosseis do Siluriano superior. Cooksonia, que cresceu até um: tura de 10 a 15 milimetros, consistiv de um grupo de caules ndo ramificados em cujo topo se encontram es- truturas, do tamanho de uma cabeca de alfinete, produ- toras de esporos. Fésseis de uma planta vascular com raizes e folhas (Baragwanathia) tém sido encontrados em locais do Siluriano superior da Austrélia (W! 1986). Baragwanathia tem caules com folhas e € muito similar em estrutura aos modemos licopédios. As fo- Ihas reprodutivas dos licopédios modemos tém uma es- trutura diferente daquela das folhas estéreis da planta, mas Baragwanathia nio apresentava uma tal distingao. ‘Como seus parentes modernos, Baragwanathia crescia até uma altura de alguns centimetros. As plantas de Rhynia apresentavam caules sem folhas surgindo de ra- mos horizontais que se espalhavam sobre 0 solo e ab- sorviam agua e nutrientes. Cortes transversais de fés- seis revelam um centro de tecidos nos caules, contendo ccanais que transportavam agua e nutrientes dos locais de absorgio dessas substincias até os tecidos nos quais ocorria fotossintese. Lignina, um polimero que fornece resisténcia nas plantas modernas, estava presente nestes, ‘ibulos (Niklas & Pratt 1980). A impermeabilidade & ‘4gua nas plantas terrestres € principalmente devido a duas substncias cerosas, cutina nas folhas e suberina nas rafzes, estas substincias quimicas também estavam pre- sentes nas primeiras plantas vasculares terrestres (Niklas 1979, Chapman 1985). s invertebrados invadiram o ambiente terrestre no Siluriano. Fésseis de aracnideos e escorpides sio co- ‘hecidos, mas niio existem fosseis dos animais que es- tes predadores pudessem ter comido. Provavelmente pre- davam artrépodes menores que comiam vegetago morta (chamados de detritivoros) ou fungos ou, ainda, ani- mais que pastavam microrganismos que cresciam sobre vegeta¢do morta, Esta cadeia alimentar simples é muito diferente das complexas teias de consumidores ¢ preda- dores, que comegaram a desenvolver-se no Devoniano ¢ alcangaram uma forma essencialmente moderna a partir do Permiano (DiMichele & Hook 1992). Capitulo 5 Geograjia e Ecologia do Cambriano ao Devoniano Medio 163 Os ecossistemas terrestres aumentaram em com- plexidade através do Devoniano inferior e médio, mas as {eias alimentares permaneceram simples. O ambien- te terrestre ainda poderia ter parecido nu, embora as modificagdes que ocorreram desde o Siluriano deveriam ter sido evidentes. As plantas limitavam-se a ocorrer em bancos de rios e em outras éreas com umidade pratica- mente continua e formavam manchas compostas pot uma tinica espécie, mas a diversidade de espécies de plantas foi maior do que havia sido no Siluriano. Muito mais dramético deve ter sido 0 aumento em altura, pos- sivel para as plantas vasculares (que podiam transpor- tar Agua do local de absorgdo para outras partes da plan- ta). Por ocasido do Devoniano médio, estas plantas pro- vavelmente atingiram alturas de dois metros e o dossel \do por elas poderia ter modificado as condigdes mi- croclimaticas sobre o soto. As plantas fornecem a base para a vida animal ter- restre, mas nao existe evidéncia de que os invertebrados do Devoniano se alimentavam de plantas vivas. Em vez disso, os detritfvoros consumiam materiais vegetais mortos. Diplépodes eram abundantes e havia a presen- a de colémbolos e Acaros. Os insetos mais antigos co- nhecidos provém de sedimentos do Devoniano inferior do Canada. Estes detritivoros eram predados por cen- topéias, escorpides, pseudoescorpides e, pelo menos, por uma espécie de aranha, Climas do Paleozéico Inferior O clima resulta da interagao de luz solar, temperatu- ra, chuva, evaporacao e vento ao longo de um ano. Pelo fato do clima afetar profundamente os tipos de plantas e animais que ocupam uma érea, o conheci- ‘mento de paleoclimas nos auxilia a entender as con- digdes sob as quais as plantas e os animais evolui- ram. Os fatores primérios que determinam os climas terrestres de grandes reas, como 0s continentes, sd0 posicdo latitudinal (isto é, quanto a0 norte ou 20 sul do equador, 0 que afeta a quantidade de energia solar recebida), a proximidade de um oceano (que ameniza as modificagdes da temperatura e fornece gua via evaporagao e chuva) e a presenga de barrei- ras, como montanhas, que influenciam movimento da umidade atmosférica (Cox & Moore 1993), DEVONIANO INFERIOR Polar <> ‘Anbentos costes de pletaterma eontnotat "| omico ee a oi Temporado Tropical Figura 5-3 Localizago dos blocos continentais eos prov veis climase padries da Iago ocedinica no Devoniano inferior. K, Casaquistinia: B. Baltica, Tea Parle Diversidade, Fungiese Evolucdo nos Veriebrados Paleoz6ico inferior é caracterizado por espessos depésitos calcérios ao longo das bordas € no interior dos continentes, sugerindo que os perfis terrestres eram baixos e que os mares invadiam partes dos continentes (Bray 1985). Paleoclimatélogos acreditam que toda a Terra pode ter tido um clima frio no Cambriano. Entre- tanto, através dos dltimos 500 milhdes de anos ou mais, a Terra provavelmente teve 0 mesmo tipo geral de cli ma como o de hoje em dia, sendo que as regides polares sdo mais frias que as localidades equatoriais, e climas tropicais, temperados e boreais podem desenvolver-se (Fi gura 5-3). A deriva latitudinal dos continentes (ao norte ou ao sul do equador) afetou os climas continentais a longo prazo. Do Ordoviciano a0 Tridssico, os movi- mentos dos continentes posicionaram grande parte da América do Norte e, em menor extensio, 0 oeste europeu, préximos ao equador. Nesse longo lapso de tempo, essas reas estiveram expostas a um clima quente e estavel a0 longo do ano. Somente reas si tuadas fora dos tr6picos teriam sido sujeitas a for- tes mudangas sazonais no clima, como as observadas atualmente. Referéncias Behrensmeyer, A. K., J.D. Damuth, W. A. DiMichele, R Potts, H Dieter Sues, and S. L. 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Atualmente a 4gua cobre 69% da superficie terrestre (esta porcentagem foi bem maior no passado) € fornece diferentes habitats que se estendem desde o fundo dos oceanos e lagos até rios de grande correnteza e pequenos corpos d’4gua nos desertos. Existem peixes com adaptagdes para todos estes habitats e as aproximadamente 25.000 espécies de peixes atuais sao objeto desta parte do livro. A vida na 4gua apresenta desafios e muitas oportunidades para os vertebrados. Os habitats aqudticos estio entre os mais produtivos da Terra, e a energia est4 dispont- vel de maneira abundante em muitos destes habitats. Outros habitats aquéticos, como © fundo dos oceanos, nao tem produgao de alimento “in situ” e os animais que vivem af dependem da energia produzida em outro local. A estrutura fisica dos habitats aqu- 4ticos tem uma variagao semelhante: enquanto alguns habitats aquiticos (por exemplo, recifes de coral) tém uma complexidade estrutural muito grande, outros (como o mar aberto) realmente nao tém nenhuma. A diversidade de peixes reflete especializagdes para esta variedade de habitats. A diversidade de peixes e os habitats onde vivern tem oferecido oportunidades sem paralelo para variagdes na hist6ria da vida. Algumas espécies de peixe produzem milhdes de ovos, que sdo liberados na 4gua para se dispersarem e se desenvolverem por conta prépria, outras espécies produzem poucos ovos e protegem tanto os ovos como 6s juvenis, € muitos peixes dio 2 luz a juvenis precociais. Os machos de algumas espécies de peixes so maiores que as fémeas, em outras 0 contrério é verdadeiro, algumas espécies os machos inexistem, ¢ umas poucas espécies mudam de sexo a0 longo da vida. Os mecanismos alimentares tém sido um elemento fundamental na evolugio dos peixes e as especializacdes dos peixes modernos vao, desde espécies que engolem presas maiores que elas mesmas, até espécies que projetam suas maxilas na forma de um tubo, sugando pequenos invertebrados que vivem em fendas estreitas. Nesta parte do livro consideramos a evolugao deste extraordindrio grupo de vertebra- dose as condigdes ecolégicas no Devoniano, que contribuiram para o préximo grande avango da evolugdo, a origem dos vertebrados terrestres. Os PRIMEIROS VERTEBRADOS O s primeiros Craniata conhecidos eram organismos aqudticos filtradores, mas re- resentaram um importante avango em relagio aos protocordados filtradores (Capftulo 2). Eles usavam contragdes musculares no lugar do batimento ciliar para movimentar a gua. Uma bomba muscular pode movimentar, em organismos simila- res, um volume de 4gua muito maior que 0 conseguido pelo movimento ciliar ¢ os primeiros Craniata foram capazes de crescer muito mais que os protocordados. Oso, uma forma particular de tecido mineralizado, foi a segunda inovacao dos primeiros Craniata. Provavelmente, a carapaga Gssea que revestia estes animais dava uma certa protegdo contra predadores e também poderia ter sido um depésito de minerais que contribufam na homeostase. Com estes avangos, associados a mobilidade, foi possivel aos primeiros vertebrados irradiarem em zonas adaptativas, que ainda nao tinham sido ocupadas. Conhecemos relativamente bem a anatomia de alguns destes primeiros Craniata, porque a estrutura interna de suas carapacas dsseas revela a posigdo e forma de muitos érgdos internos. O encéfalo e nervos cranianos destes Craniata muito ple- siomérficos eram consideravelmente semelhantes aos de um vertebrado atual, a lampreia, Neste capitulo tragamos os primeiros passos da irradiagdo dos Craniata ha aproximadamente 500 milhdes de anos atrés.. A Primeira Evidéncia dos Craniata ‘© maior avango dos Craniata foi a evolugao dos proces- 505 fisiol6gicos, que possibilitaram a construgao de um. esqueleto composto por fosfato de célcio (0ss0). meiramente, esta capacidade limitou-se & superficie do corpo, os tecidos dérmicos, mas posteriormente esten- deu-se aos tecidos endoesqueléticos de provavel ori- gem mesodérmica. Os tecidos dsseos so mais apropri- ados para fossilizar do que os tecidos moles, ¢ 0 regis- tro f6ssil dos Craniata € extenso apés a evolugdo do sso (Forey e Janvier, 1994), Os fragmentos fésseis mais antigos, que se acredit serem de Craniata, datam do Cambriano superior e mé- dio Ordoviciano entre 125 ¢ 40 milhdes de anos antes do periodo no qual os fésseis de Craniata tomaram-se abundantes (Repetski, 1978). A forma melhor conhe da destes primeiros organismos encontra-se nas rochas denominadas “Old Red Sandstone”, formadas entre 0 Siluriano superior e o médio Devoniano, localizadas no sudeste da Inglaterra e Pais de Gales, ¢ em rochas simi- lares localizadas na Escécia, Noruegae Spitsbergen, que datam de 400 milhdes de anos. A estrutura microsc6pi- ca dos primeiros espécimes é similar a das placas 6sseas, dérmicas de certas formas Craniata inquestionavelmente pposteriores (Figura 6-1), mas que também tém sido com- paradas com 0s restos de certos artrépodes fosseis (Blieck, 1992). Podemos assumir que estes animais primitivos ca- racterizavam-se também por olhos em posigdo lateral, narinas duplas, um complexo de tecidos 6sseos ¢ teci- dos semelhantes a osso, e todas as outras caracteristicas, reconhecidas como bésicas para o estoque ancestral dos, Craniata. Estes fragmentos 6sseos também nos conta que 0880, pelo menos na superficie do corpo, evoluiu pre- maturamente na historia dos Craniata, O registro f6ssil dos primeiros Craniata revela pou- co sobre 0 curso da evolucao desde os primeiros Craniata do Cambriano atéo repentino aparecimento de uma gran- » Figura 6-1 (a) Primeiros fragmentos conhecidos, que se acredita serem de origem Craniata, Excamas do PTERASPIDA Anatolepis do Cambriano provenientes de Oklahoma, Washington ‘e Wyoming superior t8m sido identificadas com seguranga. Durante o Ordoviciano inferior Anatolepis teve uma ampla distribuigio na América do Norte até Spitzbergen,e géneros aparen- tados ocorreram na Austrdlia. Duas vistas do mesmo espécime (@ esquerda) mostra na superfi- ie ornamentos pontiagudos (semelhantes a pequenas linguas) com as pontas voltadas prova- vvelmente para a regio posterior do corpo, ¢(&direita) detalhe de uma placa 6ssea revelando; ‘uma camada superficial slida, uma eamada mediana rica em cavidades, e uma camada interna lamelar compacta. (Microfotografias por varredura com ampliago de aproximadamente 220 vvezes, cortesia de J.E. Repetski, U.S. National Museum). (b) Diagrama tridimensional de um bloco de um osso dérmico de um Heterostraci (Baseado em B. Stahl, 1974, Vertebrate History, McGraw-Hill New York; ¢ L. Halstead, 1969, The Pattern of Vertebrate Evolution, Oliver & Bayal, Edimburgo, UK.) 68 Pane I Veriebrador Aqudticos: Peixes Cartlaginaros ¢ Osseo de variedade de Agnatha e organismos mandibulados no Siluriano superior. Estes fsseis nao fornecem qual- quer indicio sobre a evolugdo da organizagio Craniata a partir de um ancestral invertebrado. Também nao escla- recem sobre a evolugdo dos vertebrados mandibulados a partir de seus predecessores Agnatha. Muitos biologistas inferem que Vertebrata foi o dl- timo grande grupo de animais a evoluir. A maioria dos outros filos animais apareceu 50 milhdes de anos antes dos primeiros fsseis de Craniata nas rochas mais anti- gas do Cambriano, suficientemente sem distorgdes cau- sadas pelas forgas geofisicas, fomecendo bom material fossil. A hipstese mais aceita € que os primeiros Craniata ‘ram, com certeza, animais pequenos, de corpo mole € ‘cuja existéncia no foi registrada pois as condigdes ne- ‘cessérias para a fossilizagao dos tecidos moles eram raras. s primeiros fésseis reconhecidos como Craniata so encontrados no Cambriano superior e Ordoviciano € sio fragmentos pouco expressivos. Mas, quando estes fragmentos so seccionados e examinados a0 microsc6- pio (Figura 6-1), mostram um tecido 6sseo com trés ‘camadas internas de considerdvel complexidade — j4 tio derivada quanto aquela dos fragmentos de Craniata mais recentes. Se tal complexidade histolégica evoluiu gradativamente, esta complexidade sugere que estes ‘Craniata experimentaram considerdvel evolugao, antes da primeira evidéncia féssil conhecida ter sido depositada. A formagao de osso requer a coordenagdo, no minimo, de trés tipos de tecidos: primeiro, fibroblastos que perten- ‘cem a uma estrutura colégena muito organizada na qual 0 fosfato de célcio € depositado na forma de hidroxia- patita; segundo, células produtoras de horménios que regulam a producao de hidroxiapatita; e terceiro, esclero- blastos, células especiais que depositam os minerais no interior da estrutura colégena. E improvavel que estes varios tecidos tenham evoluido num perfodo de tempo suficientemente curto para produzirem o aparecimento relativamente repentino dos f6sseis de Craniata. Se isto for verdadeiro porque ndo existem fésseis mais antigos de Craniata? Talvez as condigdes para fossilizacao simplesmen- te nao existissem durante os primeiros momentos da evolucdo dos Craniata. Esta hip6tese ¢ improvavel por- que organismos delicados, como as medusas, fos- silizaram durante o Précambriano e deixaram impres- sbes tio boas, que sua anatomia interna pode ser deci- frada, Contempordneos aos fragmentos dos primeiros Craniata esto 0s braquiépodes que apresentavam grande diversidade. Alguns braquiépodes tinham concha de hidroxiapatita, o mesmo sal de fosfato de célcio encon- trado no 0ss0, e tiveram uma fossilizagao perfeita Talvez os primeiros Craniata vivessem em um habitat impréprio para a fossilizagaio, Muitos estudiosos da evo- lugdo dos Vertebrata, especialmente A.R. Romer (1966), propdem que os vertebrados evoluiram em cursos de gua doce € rios (como jé discutido no Capitulo 2). Estes ambientes sio reas de erosio, e nio ocorre deposigio, conseqiientemente so impréprios para uma boa fossilizagdo. Entretanto, a difragdo de raios-X da estru- tura cristalina dos fragmentos e suas matrizes adjacen- tes indica que estes espécimes fossilizaram no mesmo local onde sdo encontrados atualmente. Reconstrugies ecolégicas tém sido feitas utilizando as técnicas de ané- lises espectrofométricas, as quais comparam fosseis de formagées diferentes entre si e talvez com colegdes melhor conhecidas de fsseis de outros lugares. Estes estudos tém levado &conclusdo que os primei- ros Craniata viveram, morreram e foram depositados no ambiente marinho. Entretanto, novas localidades de al- ‘guns dos estratos que contém Craniata primitivos pare- ccem ser de cursos de Agua doce e rios Graffin, 1992). Quer Iimnicos, quer marinhos, algum fator eritico im- pediu que a fauna torna-se abundante ou diversificada. Talver, este fator critico tenha sido a variagdo de salini- dade. O ambiente mais l6gico que apresenta esta limita- ‘¢do é uma zona estuarina eurihialina. Neste caso, alguns dos primeiros Craniata eram capazes de tolerar o estresse dda variabilidade salina, assim como muitos peixes atuais ‘Mas por que os Craniata apareceram to tarde no registro féssil? A hipétese mais aceita (mas a mais di cil de comprovar) € que os primeiros Craniata e sua evolugao ocorreram num ambiente que impedia a fossi- lizagao dos tecidos moles. Qual Era a Aparéncia dos Primeiros Craniata? Dois sitios paleontolégicos primitivos tém fornecido a maioria dos fésseis mais antigos de Craniata (Repetski 1978, Romer 1968), mas sem um exame microscépico dos fragmentos é muito dificil de serem reconhecidos. Um dos sitios € uma pequena ilha costeira no mar Bél- tico e a costa adjacente & cidade de (Leningrado) St. Petesburgo. O segundo sitio inclui a formagao denomi- nada “Harding Sandstone Formation” que se estende do estado de Arkansas ao estado de Montana. Os fosseis do Situriano de maior distribuigao sao semethantes aque- les do Ordoviciano, mas as vezes so articulados. As colegdes com a maior diversidade de fésseis, descober- tos até 0 momento, encontram-se nos depésitos silu- rianos da América do Norte (Quadro 6-1). Os tecidos 6sseos aumentam muito as chances de fossilizagio e nosso registro da vida Craniata comegou com fragmentos dsseos. A posigao inicial do osso foi em uma carapaga exoesquelética dérmica. Esta “con- 169 Capitulo 6 Os Primeiras Vertebrados Quadro 6-1 Reconstruindo os primeiros Craniata my J — dos fragmentos de hidroxiapatita do Cambriano superior serem aceitos como res- tos de Craniata, s4o as placas ésseas articula- das que servem de base para a reconstrug3o destes primeiros vertebrados, e estas, s0 mui- to raras. Fésseis completos sé s4o conhecidos ‘no limite Siluriano/Devoniano, Somente trés for- magées geolégicas, localizadas na Australi ‘América do Norte e América do Sul, tém forneci- do fragmentos de Craniata do Ordoviciano. O porque disso € ébvio. Estes Craniata Heteros- traci, tinham 0 corpo recoberto por uma cara- aca éssea formada por numerosas placas pe- quenas e poligonais, que se encaixavam firme- mente entre si. CondigSes muito especiais e rapidas de soterramento em estratos destina- dos a softer distorgdes minimas ao longo dos 470 milhdes de anos subseqientes, foram ne- cessérias para manter estas pequenas peas articuladas. Estas condigdes necessarias S80 sem divida muito raras. Ocorrem em poucos ambientes costeiros marinhos de aguas rasas, talvez baixios planos entre marés, forneceram as condi¢des requeridas. Esforgos tém sido fei- tos nas reconstrugdes completas dos Craniata do Ordoviciano médio e superior (Ritchie in Rich e van Tets 1985, Elliott 1987, Gagnier, 1989) Tanto Arandaspis, da Australia Central como Astraspis, da encosta leste das Montanhas Ro- chosas, aleangavam 13 a 14 centimetros de com- primento e tinham nadadeira caudal simétrica (Figura 6-2). Tinham 0 corpo todo recoberto por pequenas placas ornamentadas, que mediam no maximo 3 a5 milimetros. Embora as placas se dispusessem, uma ao lado da outra nas re- gides cefélica e branquial, posterior & regidio mediana as placas tinham uma disposigao imbricada, uma sobre a outra, semelhante a disposi¢éo das escamas dos peixes atuais. Estas placas ésseas mostram especializacdes para canais sensoriais, protegao especial dos olhos, e na reconstrugéo do espécime norte americano oito aberturas branquias localizadas de cada lado da cabeca ‘Se considerarmos estes caracteres ances- trais nos Craniata, ento as largas placas de prote¢o cefélica, as aberturas branquiais sim- ples e a nadadeira caudal hipocerca dos ttt mos Heterostraci, deve ser caracteristicas derivadas desta irradiagao de peixes sem ma- xilas. As reconstrugdes dos dois géneros mos- tram olhos bem desenvolvidos. Se, os olhos das feiticeiras néo degeneraram secundaria mente, estes membros paradoxais da fauna moderna podem ter ancestrais que predaram os peixes reconstruidos do Ordovician. Descrigbes completas das regides branquiais dos fésseis, australianos e sul-americanos, assim como, das regiées rostral e bucal, destes Craniata do Or- doviciano, provardo ser do maior interesse. Figura 6-2 Reconstrugdes de dois Craniata do Ordoviciano: (a) Arandaspis da Aus- Irdlia: (b) Astrapis da América do Nore; (c) Sacabambaspis da Bolivia. Sacabambaspis foi duas vezes maior que 0s outros, chegando a 35 centimetrs. ({a] Modificado de RV. Riche GF. van ets, 1985, Kadimbara, Pioneer Design Studio, Lilydale, Vitoria, ‘Australia (b] de DK. Elliott. Science 273: 190-192: c] de PY.Gagnier, 1989, National Geographic Research S: 250-253.) _I cha’ de revestimento parece ter causado aos primeiros Craniata muitos problemas também experimentados, pelos crustéceos marinhos: como crescer dentro de uma pele mineralizada. A irradiagdo dos Ostracoderme ¢ a hist6ria dos experimentos evolutivos para resolver 0 dilema “do crescimento com uma armadura de reves- timento”. A partir da natureza das varias armaduras, alguns paleont6logos notaram que 0 osso provavelmente evoluiu separadamente em cada uma das linhagens de “ostracodermes” (Carroll, 1987). Além do osso estes organismos do Siluriano pos- sufam outra inovagao, trocaram o batimento ciliar por um mecanismo de bombeamento muscular para filtrar © alimento, Alimentagdo por filtragem ciliar é um me- 170 Parte Il Vertebrados Aqudticos: Peixes Carilaginosos ¢ Osseos Ccrstas da carapagacaiea Abertura banguial . ¢ \ @ Capitulo Os Primeiros Vertebradox 7 ‘canismo comum entre os invertebrados (Capitulo 2). Nes- tes invertebrados (a grande maioria € séssil ou que se locomove muito pouco) a égua é sugada passando pelas estruturas filtradoras devido a atividade de um grande niimero de células ciliadas. Os ciflios nao sto especial- mente efetivos para sulgar a agua a distancia. A égua rica em alimento deve serlevada para um aparelho ciliado filtrador. Entretanto, 0s Craniata atuais sugam a égua para oes won fT a ec ci wo a te 6 mw nh A bo e © Verba yoo wow | 0 a 6 ena G = Gnatrestoma Fh Heterostact C= Lamprois Ma ~ Osmoanformes Gesicuas) (© - Osteostct mo ficialmente assemelham-se aos Galeaspida, mas supdem- se que tenham tido apéndices pareados com misculos semelhantes aqueles dos Osteostraci. Por esta razdio Os- teostraci e Pituriaspida so agrupados junto com os Gna- thostoma como Myopterygii Foram encontrados, nos sedimentos do fim do Situ- riano até 0s do Devoniano, um quarto grupo de Cephalaspida os Anaspida (an = sem). Todos os espé- cimes medem ao redor de 15 centimetros de compri- mento, estes peixes de dgua doce tinham as proporgdes corporais semethantes a dos guanis (Figura 6-9) e as- semelhavam-se aos, provavelmente nao aparentados, Theleodonti. Do mesmo modo que seus parentes Os- teostraci, os Anaspida tinham uma Gnica abertura nasal mediana anterior a0 fordmen pineal. Fileiras de esca- mas estreitas (quando presentes) cobriam 0 corpo de maneira semelhante a encontrada a0 longo da regido posterior dos Osteostraci, mas as escamas planas eram 180 ‘Parte It Vertebrados Aquiticos: Peixes Cartlaginasos ¢ Osseos esbogando varias homologias nos aparelhos de alimentago das feiticeiras e lampreias (Yalden 1985) forem provados corretos, ndo apenas o conceito de taxon valido para Ciclostomata de- veria ser sustentado (Figura 6-7b), como tam- bém a hipétese dos atuais vertebrados sem mandibula comporem 0 grupo irmao para os Gnathostoma deveria ser aceito, uma conclu- so conseguida em outros grupos por Schaeffer e Thomson (1980). Uma viséo muito diferente sobre as simila- ridades entre as lampreias e as feiticeiras foi alcangada pelos autores concentrando, as ob- servagées no estado do carater dos peixes f6s- seis sem mandibula e procurando interpretar a anatomia das formas viventes em relag3o Aque- la dos antigos peixes extintos. Uma hipdtese pro- posta em 1920, e ndo muito aceita atualmente é a das feiticeiras como grupo irm&o dos Heterostraci e as lampreias como grupo irmdo dos Osteostraci (Figura 6-7c). Esta hipétese foi baseada em varias reconstrugées hipotéticas or Eric Stensio sobre a anatomia funcional dos Heterostraci fundamentada no que se conhe- cia das feiticeiras atuais (Olson 1971). A circu- laridade deste raciocinio tem levado muitas filo- genias recentes examinarem as similaridades entre as feiticeiras e os Heterostraci como de- vidas a retengo de numerosos caracteres an- cestrais em cada taxon. Os proponentes da validade de parentes- co préximo entre entre lampreias e feiticeiras acreditam que as diferengas entre elas so devidas a adaptagées recentes relacionadas ao fato das lampreias serem anadromas (isto &, osmoregulago) e ao habito das feiticeiras de se enterrarem no substrato marinho (isto , degeneracao de estruturas ndo plesio-mérficas ‘08 olhos, ouvido intemo e sistema da linha-late- rentesco proximo diante do fato de existirem poucas evidéncias que a maioria dos caracteres das feiticeiras so degenerados em relagao a0 dos ancestrais. Estes autores separam as fei- ticeiras na base da evolucdo dos Craniata, al- ‘gumas vezes identificando-as claramente como ‘grupo itmao dos vertebrados, neste caso nao ‘80 consideradas vertebrados (Figura 6-7d) Focando as lampreias sob 0 ponto de vis- ta do parentesco dos peixes sem mandibula atuais, muitos autores aceitam um arranjo gru- po irm&o Anaspida/iampreia, mas discordam que estes dois sejam parentes proximos dos Osteostraci (Figura 6-7d e e) ou que os Qsteostraci sejam mais aparentados dos Gnathostoma (Figura 6-7f). Este julgamento depende inteiramente de quais caracteres S40 valorizados e qual a diregao do estado do ca- rater é considerada derivada nas interpreta- ges realizadas. Para exemplificar, se 0sso acelular, representado pela dentina nos Gnathostoma, é considerado uma condigao derivada do osso celular ancestral, ent&o, con- trario a quase todo os arranjos propostos, os Heterostraci tornam-se o grupo irmao dos Gna- thostoma ja que fodos os seus tecidos minera- lizados s&o acelulares. Outra possibilidade dentro de tais suposigées, to boas quanto um campo minado, na tentativa de determinar 0 parentesco dos peixes sem mandibula e os Gnathostoma (Figura 6-79: Maisey 1986) mos- tra o parentesco Anaspida/lampreia como equi- vocado, mas propdem a possibilidade de Anaspida/Gnathostoma sejam grupo irméo. Aceitamos com reservas esta teoria em nossa filogenia (Figura 6-4). Os grupos de Theleo- donti de corpo achatado descritos mais recen- temente, Galeaspida da China e Pituriaspida da Austrdlia, néo ajudam a esclarecer este quadro. Em 1889, 0 paleontologista americano Edward Drinker Cope escreveu: “Estamos tolhidos no em- penho de apresentar o parentesco entre os Verte- brata mais inferiores e antigos pela falta de conhe- cimento de sua estrutura" (veja Forey 1984). O ‘embarago continua (Forey e Janvier, 1993 e 1994), formadas por camadas de osso acelular. Entretanto, a cabega era em muitas espécies recoberta por um com- plexo de escamas pequenas ou era nua. Os Anaspida também diferiam dos Osteostraci por possufrem uma nadadeira caudal hipocerca. So considerados terem sido comedores de detritos do fundo que obtinham com a cabega inclinada para baixo numa posigao que faz lem- brar Aquela proposta para os Heterostraci. Suas proje- ‘Ges estabitizadoras dorsal, anal e laterais ou dobras, os espinhos e escudos associados a estas projegdes ¢ a for- ma achatada de seus corpos fusiformes provavelmente forneceram uma agilidade e capacidade locomotora nao conhecidas nos Heterostraci ou Osteostraci. Durante o fim do Siluriano e Devoniano a maioria dos maiores grupos conhecidos de Craniata sem mandi bula extintos coexistiam (Figura 6-4). alimentagao por filtragdo muscular, o aumento da mobilidade e a protegio {que 0s ossos dérmicos proporcionaram foram caracteres 181 Capitulo 6 Ox Primeiros Vertebrados importantes para estes animais, Juntas estas caracteris- ticas foram a alavanca para a proliferagio de variagdes no tema Craniata, que se espalhou pelas aguas do pla- neta. Seja onde for a fotossintese origina particulas pe- ‘quenas de matéria capaz de serem sulgadas e digeridas, ‘95 vertebrados competiram com sucesso com as linha- gens de invertebrados por esta fonte de alimento. O plano corpéreo bésico dos Agnatha deu origem a for- mas cegas, Heterostraci de focinho tubular e corpo praticamente nu, Anaspida com boca em forma de ventosa, que deixaram suas marcas nos corpos de outros organismos. 182 ‘Parte It Vertebrados Aquaticos: Peixes Carilaginosas e Osseos Figura 6 -8. Detathes dos osteostracos (a) Osteostraco plesiomérfico, Tremataspis, Siluriano superior, reconstrugSes lateral (8 ditita), dorsal (Aesquerda),e ventral (embaixo), (b), Osteostracos derivados: (1 1) reconstrugao do encéfalo e nervos cranianos de Kioeraspis, baixo Devoniano, mostrando detalhes obtidos 2 partir das impressdes deixadas na face interna da carapagacefélica: Tyriasps do Siluriano superior e Boreaspis com rostro muito longo do baixo Devoniano. (c) Diversidade morfoldgica nos Galeaspida do baixo devoniano da ‘China. (d) Pituriaspida do baixo Devoniano da Austrdlia. Todas as escalas correspondem a um centimetro (Modificado primeiramente[a, ]J.A. Moy-Thomas e R.S-Miles, 1971, Paleozoic Fishes, Saunders, Philadelphia, PA; [¢.d] PJanvier em J.Hanken ¢ B.K.Hall, 1993, The skull, volume 2, University of Chicago press, Chicago, IL) Aqui observamos, pela primeira vez, um fendme- no que se repetiv muitas € muitas vezes na hist6ria dos vertebrados: aparece uma modificagao importante na es- trutura Craniata e, uma enxurrada de formas usando esta, nova modificagdo em conjunto com especializagbes apa- recem em cena, A partir de uma forma generalizada a vida Vertebrada irradia em vérias diregdes explorando 05 recursos que estas inovagGes possibilitaram 0 acesso. Peixes sem Mandibula Atuais s dois grupos distintos de peixes recentes, lampreias € feiticeiras, nao tém mandfbula, Seu registro fOssil € espar- 80, As lampreias conhecidas do Carbonifero - Hardistiella do estado de Montana e Mayomyzon do estado de Illinois. ‘Myxinikela, €incontestavelmente uma feiticeira e uma se- gunda feiticeira possivelmente parente, Gilpichthys anvier, 1981) tem sido encontrada nos mesmos dep6- sitos junto com Mayomyzon (Nelson, 1994). Os “Agnatha” sobreviventes (um grupo parafilético) tém caracteres plesiomérficos que estio presentes nos Craniata mais antigos. Eles nao tém mandbula nem apén- dices pareados para auxilié-los na locomogao. Alguns, entretanto, so ectoparasitas obrigat6rios de outros ver- tebrados. Por possufrem bocas circulares sem mandfbu- la estes peixes tém sido reunidos freqiientemente nos Ciclostomata (cyclo = um circulo, stoma = boca), as lampreias nos Petromyzontidae € as feiticeiras (ou en- guias-de-muco) nos Mixinidae. Estes grupos mostram diferengas to grandes na morfologia, como resultado da longa separagao filogenética e seus habitats e habitos diferentes, que nao sao considerados parentes proximos pela maioria dos sistematas (Figura 6-4). Osso no uma caracteristica universal dos Craniata como demons- tram os Craniata sem mandfbula atuais. Feiticeiras (Myxinoidea) As feiticeiras (Figura 6-10) sio exclusivamente ma- rinhas. Grupo irmio dos Vertebrata, as feiticeiras no tém vértebras. As quatorze espécies reconhecidas, agru- padas em seis géneros, tém distribuigdo relativamente ampla, principalmente nas plataformas continentais (Brodal e Fange, 1963).As feticeiras quase nunca se afas- tam do fundo, freqiientemente em regides profundas da plataforma. Algumas vivem em colénias, cada indivi- duo vive enterrado no lodo dentro de uma galeria ca- racterizada, em algumas espécies, pela entrada em for- ma de um pequeno vulcdo. Poliquetos e camardes so encontrados no intestino de muitas espécies de feticeiras ¢, provavelmente, vivem de modo semelhante a0 das tou- peiras procurando suas presas abaixo ou sobre a superfi- cie do lodo, Devem ser muito ativas quando estao fora de suas galetias, porque so atrafdas rapidamente por iscas € peixes moribundos e penetram em suas cdmaras bran- quiais. Pequenas diferengas morfol6gicas entre popula- ‘des indicam que as feiticeiras nao se dispersam muito, tendendo a viver e reproduzir no mesmo local adulto das feiticeiras geralmente ultrapassa um metro de comprimento. Tém 0 corpo alongado, sem fescamas, cor rosa 3 purpura e, uma nica abertura nasal terminal, que se comunica com a faringe por meio de tum ducto largo. Os olhos degenerados ou rudimentares siio recobertos por pele espessa. A boca é circundada por seis tentaculos que podem ser expandidos e movimenta- dos para frente para trés pelos movimentos da cabega quando a feiticeira esté procurando alimento. No interi- ‘orda boca duas placas cémeas multicuspidadas dispdem- se lateralmente & uma estrutura protusivel semelhante a lingua. Estas placas afastam-se uma da outra quando protraidas, dobram-se sobre si mesmas quando retraf- das e, as cilspides se interdigitam funcionando como uma pinga ao se retrairem, © mecanismo de alimenta- ‘¢o das feiticeiras € descrito como “extremamente efi- Ciente para estes vermes alongados”, porque as placas de queratina abrem e fecham, respectivamente, quando saem e entram na boca (Mallat 1985). Quando se ali- ‘mentam de um peixe concentram seus esforgos beliscan- do superficies imegulares, tais como, as bringuias ou Anus, onde podem abocanhar mais facilmente acame. Uma ver fixa A presa, a feiticeira enrola-se sobre si mesma Capitulo 6 Ox Primeinos Vertebrados 183 BE He Pp AN co nee if YS Aberturas branquiais Espinho lateral a » yo ‘Aberturas branquials Escudos pés-coldlicas E*Pinne lateral Nadadeira dorsal Lobo epicordal da nadadeira caudal LED KK cS ‘Abertura branquial Cesta branquial Figura 6-9 Reconstrugio de peixes do Siluriano superior considerados Anaspida. (a) Pharyngopepis: (b) Lasanius; () Jaymoytius mostrando (no esquema circundado) estruturas internas conhecidas da regido da cabeca (modificado de J. A. Moy-ThomaseR.S. Miles, 1971, Paleozoic Fishes. Saunders, Philadelphia, PA.) formando um n6 em sua cauda que se desloca em dire- do a regido anterior do corpo até o ponto onde este né fornega 0 ponto de apoio para que o animal possa abocanhar € dilacerar a presa. As feiticeiras s6 se ali- mentam de peixes mortos ou doentes e, freqiientemen- te, iniciam sua alimentagao consumindo apenas a carne suficiente para que possa entrar no interior da cavidade ‘celomatica, onde se alimentam das partes mais macias. 184 Pure I! Vertebradas Aquéticos: Peixes Cartlaginasos ¢ Osseos ‘rand! externa i Encéfalo, ofaterio Naina Tenicuo Ducto ranquiat fexalante comum te) Camaras branqual ‘Abertura inernas (as camaras branquiais Faringe Figura 6-10 Feiticeira: (a) vista lateral; (b) corte sagital da regito cefilica, (modificado de D. Jesen, 1966, Scientific American 214 [2}: 82-90.) Oalimento ingerido pela feiticeira € envolvido por uma camada de muco, que é secretado pela parede intesti- nal. Esta membrana € permedvel as enzimas digestivas, mas ndo é digerida ¢ é excretada como um envoltério impo, que envolve as fezes. O significado funcional desta curiosa caracterfstica é desconhecido. Diferentes géneros e espécies de feiticeiras tem um nimero varidvel de aberturas branquiais externas. Ocor- rem de I a 15 aberturas de cada lado do corpo (Figura 6-10), mas as aberturas ndo correspondem ao niimero de cdmaras branquiais internas. As aberturas externas localizam-se posteriores & regitio mediana do corpo, en- quanto as cAmaras branquiais sio mais anteriores. Os longos tubos, que levam a égua das cémaras branquiais, fundem-se reduzindo o nimero de aberturas externas para as quais se dirigem. A posigdo posterior das aber- turas branquias pode estar relacionada ao habito escavador destes animais. ‘A anatomia interna das feiticeiras também é pecu- liar. Elas ndo tém vértebras, tgm rins plesiomérficos € apenas um canal semicircular de cada lado da cabega. Este Gltimo carter tem sido objeto de muitos debates, técnicos. Northcutt (1985) verificou que cada canal se- micircular aparenta ser um s6, mas neurologicamente sido estruturas sensoriais duplas, como nas lampreias, que tém dois canais semicirculares. As feiticeiras apesar de serem animais alongados nao tém o sistema da linha lateral. Trabalhos recentes sugerem que existem tracos da linha lateral no género Eptatretus, mas néo sabemos se isto € uma condigo ancestral ou uma redugao secun- daria de estruturas ancestralmente bem desenvolvidas, ‘Ao longo das paredes laterais do corpo abrem-se glindulas mucosas que secretam grandes quantidades de ‘muco ¢ filamentos espiralados protéicos densos. Estes filamentos em contato com a égua do mar enrijecem, se entrelagam retendo 0 muco mais fluido que envolve 0 corpo da feiticeira. Este mecanismo de defesa de sabor detestavel (Conniff, 1991) aparentemente € um meio de intimidagao para os predadotes. Quando o perigo passa a feiticeira dé um n6 no corpo, abandonaesta massa de muco, espira fortemente para desobstruir a passagem nasal Contrastando com todos os outros Craniata as fei- ticeiras tém coragdes acessérios na regidio caudal que se somam ao coragao préximo a branquias. Existem sinus 185 Capitulo 6 Or Primeinos Vertebrados sangiifneos amplos onde a pressio do sangue é baixa. Os varios coragdes das feiticeiras nao sio inervados, 0 que significa que o ritmo de bombeamento € mais in- trinseco do que coordenado pelo sistema nervoso cen- tral. O sistema vascular sangilineo apresenta poucas das reagdes imunes caracteristicas dos outros Craniata e sua concentrago osmética é aproximadamente a mesma da gua do mar (veja Capitulo 4). Examinando as gonadas pode ser que algumas poucas espécies sejam hermafro- ditas, mas pouco se conhece dos mecanismos reproduti vos. Os ovos ovais medem aproximadamente 1 centé metro de comprimento. Envoltos por uma membrana resistente, 0s vos so fixos ao fundo oceanico por meio de ganchos ¢ so concebidos para incubar em seu inte- rior pequenas feiticeiras completamente formadas sem passar pelo estégio larval. Infelizmente quase nada se sabe da embriologia e biologia dos primeiros estigios de vida de qualquer feiticeira Tem havido um aumento na interagdo econdmica entre as feiticeiras e os humanos ao longo destas duas ‘ihtimas décadas, isto é mais um exemplo como as espé- cies de vertebrados esto cada vez mais freqilentemente sendo ameagadas pela sociedade humana, burguesa, tecnol6gicae altamente consumidora. Os pescadores usando mecanismos adequados, tais como, redes especiais vém realizando capturas que ameagam o futuro mercado das feiticeiras. Nao é de surpreender que um mercado espe- cializado tenha respondido rapidamente quando foi impingido as feiticeiras, pertencentes a um recurso no usual, um valor comercial equivalente ao'de muitos pei xes comestiveis: a inddstria do couro. Quase todo os produtos de couro denominados “couro de enguia” so manufaturados por meio de um processo de curtimento especial das peles de feiticeiras. A demanda internacio- nal para este couro levou a erradicagdo especialmente das populagées de feiticeiras de captura economicamente facil, primeiro nas 4guas da Asia, e posteriormente a0 longo da costa oeste da América do Norte. Esforgos re- centes de pesca esto voltados para a captura das feiti- ceiras da América do Sul e do Atlantico Norte. Esta € uma explorago dos recursos naturais tipica do homem ‘que tem 0 apoio da sociedade, como a pesqueira, cuja cexploragdo freqilentemente esgota os estoques porque ne- nhuma atengao & dada ao conhecimento da biologia dos recursos naturais e suas caracteristicas de sustentago e renovagao. Por exemplo, nao temos idéia do perfodo de vida das feiticeiras, nao sabemos como exatamente ou onde se reproduzem, onde vive a forma juvenil, quais, so as dietas ¢ a energia requerida pelas feiticeiras na natureza ou virtualmente qualquer outro dos pré-requisi- tos para um manejo adequado. Como resultado, artefatos de “couro de enguia” provavelmente se tomnario tio raros quanto os confeccionados com pele de baleia ou marfim. Lampreias (Petromyzontidae) Embora semelhantes as feiticeiras quanto as dimensoes € forma do corpo, as 41 espécies de lampreias (Figura 6-11) sao radicalmente diferentes das feiticeiras sobre ‘outros aspectos. Possuem vértebras, embora estes 03505 sejam mingisculos. Todas as lampreias especializadas si0 anddromas; isto é, sobem os rios ¢ cursos de 4gua doce para se reproduzirem, Algumas das espécies mais espe- cializadas sao conhecidas apenas em gua doce. Os adul- tos nunca se alimentam ou migram e atuam, apenas € to somente, como um estégio reprodutivo no ciclo de vida destas espécies. As lampreias tm uma ampla dis- tribuigdo geogrdfica exceto nos trépicos € nas regides polares mais extremas. As espécies anédromas, que pas- sam parte de suas vidas no mar alcangam grandes di- menses chegando a 1 metro de comprimento. As espé- cies menores alcangam no maximo 25 centimetros de comprimento. Pouco se conhece dos habitos de vida das lampreias adultas porque, geralmente, s6 so observadas durante © perfodo reprodutivo ou quando capturadas junto a0 seu hospedeiro. A despeito dos érgdos sensoriais serem bem desenvolvidos anatomicamente nao esté claro ain- da como a lampreia localiza ou ataca inicialmente sua presa, No cativeiro as lampreias nadam esporadicamen- te por meio de ondulagdes amplas e pouco eficientes do corpo. Prendem-se a0 corpo de qualquer outro verte- bbrado por sucgdo e raspam uma ferida rasa e penetrante no tegumento do hospedeiro. A boca € circular € 0 es6fago estreito localiza-se no fundo de um largo funil carnoso revestido internamente por denticulos cérneos cOnicos. A lingua protusfvel € recoberta por denticulos cGmeos similares, ¢ estas duas estruturas permitem a0 ‘mesmo tempo uma fixagdo segura e uma répida abrasio do tegu-mento do hospedeiro. Uma glandula oral secre- ta um anticoagulante. Provavelmente a alimentagao € continua quando a lampreia esté presa a seu hospedeiro. Geralmente as lampreias no matam seus hospe- deiros, mas quando abandonam suas presas deixam-na debititada com uma ferida aberta sobre o corpo. No mar as lampreias tém sido encontradas alimentando-se de diferentes espécies de baleias, golfinhos e peixes. Os nadadores dos Grandes Lagos tém relatado que depois de ficarem muito tempo dentro d’dgua a temperatura da pele cai e sofrem tentativas de ataque de lampreias. A maior parte da dieta de uma lampreia adulta consiste dos flufdos do corpo do hospedeiro. O trato digest6rio € reduzido, 0 que € apropriado para um animal que se alimenta de dietas ricas e de facil digestio como o san- gue € flufdos corpéreos. Uma nica abertura nasal, localizada na regido dorsal, se continua por um tubo de fundo cego vizinho 0 encéfalo e em intima proximidade a glandula hip6fise. 186 Parte Il Veriebrados Aquétics: Peixes Carilaginosos ¢ Osseos wo w ‘ota veel Fanoge ‘Abertura intrnas 08 autos branquiss Figura 6-11 Lampreias: (a) Corte sagital da regido cefélica; (b) vista lateral de um adulto:(c) larvade lampreia (amocete). (0s olhos sdo grandes ¢ bem desenvolvidos, assim como 0 ‘corpo pineal, que € visivel como uma ténue mancha atrés, da abertura nasal. Contrastando com as feiticeiras as, lampreias tém dois canais semicirculares de cada lado da cabeca — uma condi¢ao compartilhada com os extintos Osteostraci. Os nervos, que saem segmentalmente a0 lon- 0 da medulla neural, tém suas rafzes dorsal e ventral to- talmente separadas entre si, esta é uma particularidade das ampreias no compartlhada por nenhum outro vertebra- do vivente, Somando-se a isso 0 coraao néo é aneural como 0 das feiticeiras é inervado por ramos do sistema parasimpético. Nas lampreias estes nervos causam a aceleragio endo a depressio cardfaca, como ocorre em todos 0s outros Craniata. Capitulo 6 Os Primeiros Vertebrados 187 Sete pares de aberturas branquiais abrem-se logo atrds da cabega. As células cloragégenas nas brinquias e os rins bem desenvolvidos regulam os fons, a 4gua e os dejetos nitrogenados mantendo a osmolaridade dos flu- {dos corp6reos permitindo as lampreias viverem em salinidades varidveis. As fémeas produzem centenas a milhares de ovos que medem poucos milimetros de di Ametro € ndo possuem um envolt6rio especializado como o encontrado no das feiticeiras. Da mesma maneira que as feiticeiras as lampreias no tém ductos para transpor- {ar 05 produtos das g6nadas para 0 meio extemo. Em seu lugar os 6vulos e espermatozbides slo liberados no celoma e contrages da parede do corpo expelem os gametas atra- ‘vés de poros localizados préximos as aberturas dos ductos urindrios. A fecundago é externa ‘As lampreias desovam depois da temperatura dis- parara migragdo em diregdo as cabeceiras dos cursos de gua doce onde o fluxo corrente € moderado e 0 leito € formado por pedregulhos e cascalho. Elas constréem ninhos que recebem a desova. Os machos, apés se uni- rem as fémeas, escolhem um local, 0 casal fixa-se por meio da boca as rochas locais maiores ¢ agitam seus corpos violentamente. Pequenas pedras so deslocadas € car-regadas a uma pequena distancia pela correnteza. O ninho esté pronto quando a cova escavada pelo casal € murada do lado da nascente com pedras maiores e do lado oposto com pedras bem menores e areia 0 que pro- move um delicado redemoinho no interior do ninho. A. gua dentro do ninho € oxigenada por esta turbuléncia, mas nao ocorre um fluxo forte em uma tinica diregao. O casal esgota suas ttimas energias depositando 6vulos € espermatozbides — um processo que pode demorar dois dias. A fémea se fixa as rochas alinhando o corpo parale- Jamente a correnteza enquanto 0 macho enrola o corpo a0 dda femea fenilizando os Svulos assim que so expelidos. Os adultos de lampreia morrem apés a reprodugio. A larva nasce ao redor de duas semanas. E radical- mente diferente dos adultos e foram descritas pela pri- meira vez como um género distinto, Ammocoetes (Fi- gura 6-11c). Este nome foi mantido como um nome popular para a forma larval. De uma semana a dez dias aps a eclosdo os delicados amocetes de 6 a 10 milime- tros de comprimento abandonam 0 ninho. Sdo cor de rosa, tém corpo vermiforme com um amplo capuz oral € olhos nao funcionais recobertos pela pele. A corrente- za local leva os amocetes rio abaixo para remansos € pocas d’4gua calmas onde se enterram no lodo mole € passam de trés a sete anos como filtradores sedentérios. ‘A protusdo do capuz oral suga agua através da faringe muscular onde as particulas de alimento ficam presas a0 muco e séo engolidas. Um amocetes pode passar toda a vida larval no mesmo buraco sem qualquer mudanga ‘morfol6gica e comportamental até alcangar 10 ou mais, ccentimetros de comprimento € muitos anos mais velho. A metamorfose inicia-se na metade do verdo e produz uum juvenil cinza-prateado pronto para comegar sua fase parasita. A migracdo rio abaixo para um lago ou para o mar pode no acontecer até a metamorfose, da proxima primavera. A fase adulta geralmente ndo ultrapassa dois anos € muitas espécies retornam para se reproduzir de- pois de um ano. Algumas espécies de lampreias perde- ram a fase adulta parasita, As larvas metamorfoseiam deixam seus buracos para se reproduzirem e morrerem imediatamente. Durante os tiltimos cem anos 0 nimero de homens, ¢ lampreias tem aumentado de forma surpreendente. A lampreia marinha Petromyzon marinus era endémica do lago Ontério e desconhecida nos outros Grandes Lagos até 1921. O rio StLawrence deségua as 4gua do lago Ontério © nao é era uma barreira para a dispersio das lampreias marinhas e 0s rios e riachos que deséguam no ago Ontério asseguravam o assentamento das populagdes. Durante as migragdes reprodutivas as lampreias trans- poem as quedas d’4gua rastejando lentamente usando a boca sulgadora, mas os 50 metros das Cataratas do Niagara (entre os lagos Ontirio e Erie) so demais até para as lampreias mais apaixonadas. Apés a construgdo de canal Welland que conectou os lagos Erie e Ontario em 1829, as lampreias nao invadiram imediatamente 0 Jago Erie; demorou um século para as lampreias se es- tabelecerem na bacia drenada pelo lago Erie. Desde 1920 as lampreias se dispersaram rapida- mente através da bacia dos Grandes Lagos. O fato sur- preendente nao é 0 de invadir a parte superior dos Gran- des Lagos, mas sim que levaram muito tempo para i ciar a invasio, As diferentes condigdes ambientais, que variam entre os lagos, pode fornecer a resposta para esta curiosa demora. O lago Erie € 0 mais eutrofico ¢ quente de todos 0s lagos e seus cursos alimentadores, sto pouco apropriados. A maioria destes tributdrios atra- vvessam terras planas com plantagdes cultivadas de modo intensivo desde o inicio do século dezenove. Os cursos "Agua sao lodosos e seus leitos modificados pelas ati- vidades humana. Por causa da geologia dos terrenos a correnteza destes rios é lenta e ndo existem gravetos € rochas em seus leitos. Talvez as lampreias simplesmen- te no tenham encontrado locais apropriados para de- sovar no lago Erie e desenvolver uma populagao nume- rosa. Entretanto, assim que as lampreias alcangaram 0 Jago Erie ganharam répido acesso para os outros lagos. Em 1946 eram conhecidas em todos os Grandes Lagos. Encontraram condiges favorsveis e foram capazes de se dispersar sem restrigdes até os interesses esportivos ¢ pesqueiros se alarmarem com a redugao de importantes espécies de peixes comerciais, tais como, a truta, 0 ba- calhau de égua doce (Lota lota e L. maculosa) ¢ as pes- cadas brancas de égua doce. Lampreicidas quimicos, 188 Parte I! Vertebrados Aqudticos: Pixes Cartlaginasos ¢ Osseos barreiras elétricas e mecdnicas tém sido empregados nos ‘meses de reprodugdo para promover a queda das popu- lagdes de lampreias aos niveis atuais. Embora as popu- lagdes de grandes peixes, incluindo as de valor comer- cial estejam se recuperando nunca serd possivel descui- dar destas medidas contra as lampreias apesar de dispen- diosas. A hist6ria da queda da pesca nos grandes Lagos é mais uma das centenas na hist6ria recente da vida dos Resumo vertebrados onde a falta humana, em entender e apreci- ar o entrosamento natural da biologia de nossos paren- tes préximos, tem levado a mudangas graves em nosso ambiente. A introdugdo de espécies exoticas (= nao in- dfgenas) é a principal causa do declinio de muitas espé. cies selvagens, especialmente nos ambientes aquiticos (Allan e Flecker, 1993). ‘As evidéncias fosseis indicam que os Craniata evolui- ram provavelmente num ambiente marinho durante 0 Cambriano. Pouco sabemos sobre o grupo até algumas formas desenvolverem carapagas dsseas dérmicas. A evolugao do oss0, do bombeamento muscular para fil- trar alimento do aumento da mobilidade direcionou- se para pelo menos dois grupos distintos de Craniata sem mandfbula: primeiro os Pteraspida, depois os Referéncias Cephalaspida. A ampla irradiacdo destas formas de- ‘monstra as numerosas solugdes bem sucedidas para 0 problema de crescer dentro de um carapaca. Somen- te dois tipos de sobreviventes desta irradiagao exis- tem atualmente: as feiticeiras e as lampreias, Toda- via, 08 peixes sem maxilas sobreviventes ilustram es- pecializagdes extremas que 0 plano corpéreo Craniata ancestral € capaz. Allan, J. D, and A. S. Flecker. 1993. Biodiversity conservation in running waters. Bioscience 43(1)32-43, Blieck, A. 1982. At the origin of chordates, Geobios (Lyon) 25:101— 113. Brodal, A. and R.Fange (editors). 1963. The Biology of Myxine. 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DOS CHONDRICHTHYES \N Mt, DP ere elativamente logo depois das primeiras evidéncias de vertebrados no registro féssil, apareceu 0 préximo grande passo na evolucao dos vertebrados: maxi- las e apéndices pareados com suporte interno. As maxilas realizam uma variedade de fungdes na biologia dos vertebrados, mas o seu maior uso é na alimentagao. Nadadciras pareadas foram a segunda importante inovacao porque possibilitaram aos vertebrados uma natagdo controlada com preciso na direcdo. E notével a diversidade de especia- lizagdes para predacdo, disponiveis para um vertebrado mandibulado, a natagdo preci- sa, € 0 aparecimento destes caracteres sinalizaram uma nova irradiagio dos vertebra- dos. Os peixes cartilaginosos (cagdes, raias e quimeras) so os descendentes desta irradiagdo ¢ apresentam uma combinagdo de caracteres derivados, como por exemplo, esqueleto cartilaginoso com uma anatomia em grande parte plesiomérfica. Os tuba- res experimentaram trés grandes irradiagdes, que podem ser claramente associadas ‘40 aumento dos mecanismos alimentares especializados e os cagGes sobreviventes sao um grupo de peixes diversificado e bem sucedido. Neste capitulo analisamos a origem das maxilas e das nadadeiras pares ¢ as fungdes que estas duas inovacdes representa- ram no sucesso dos peixes cartilaginosos. O Aparecimento da Mandtbula eas Caracteristicas Exclusivas dos Gnathostoma 5 fsseis de vertebrados com maxilas so conhecidos desde 0 médio Siluriano, Pode parecer estranho, que uma nova caracteristica morfoldgica notével como as maxilas, deva aparecer antes da ampla irradiag3o dos peixes Agnatha em vez.de se originar de algum grupo Agnatha produto desta irradiacdo. Entretanto, este padrao de ‘evolugio é observado varias e varias vezes ao longo da hist6ria evolutiva dos vertebrados — grandes novas ino- vagdes aparecem a partir de membros menos especia- lizados de uma linhagem. Alguns nichos ecol6gicos foram tio favordéveis a0 plano corpéreo Agnatha que nenhum avango evolutivo, realizado até 0 momento, foi capaz de substitui-lo. AS lampreias ¢ feiticeiras so a prova viva deste fato. En- tretanto, a grande maioria dos peixes Agnatha sucum- biu ao que se conceitua, de modo geral, ter sido a com- petigdo com os vertebrados mandibulados. Atualmente, no sabemos exatamente que caracterfsticas dos verte- brados mandibulados contribuiram, eventualmente, para a répida exting3o dos peixes sem mandibula. Albert Sherwood Romer (1962) sugeriu que “tal- ‘vez.0 maior avango de todos na hist6ria dos vertebrados foi o desenvolvimento da mandfbula e a conseqiiente revolugdo no modo de vida dos primeiros vertebrados”. ‘A mandibula permite a manifestagao de comportamen- tos que, de outro modo, deveriam ser dificeis se ndo im- possfveis. A presenga das maxilas ao redor da boca, movi: rmentadas por masculos, permite ao organismo agarrar os objetos firmemente. Quando as maxilas so providas de dentes a mordedura torna-se segura. Dentes com arestas largas e cortantes reduzem o alimento em porgdes de tamanho comestivel e dentes achatados trituram 0s al ‘mentos duros. Quando as maxilas dos vertebrados evo- luiram novas fontes de alimento tornaram-se disponi- veis. Aparentemente, as maxilas colocaram os primei ros Gnathostoma em uma posigao de domfnio por au- mentarem de tamanho, e os Gnathostoma dio a impres- sdo que substituiram muitas linhagens de vertebrados sem mandfbula durante o Devoniano. As fungdes das maxilas no se limitam a captura e mastigagao da presa. Uma mandibula mével capaz de prender permite um novo comportamento ~ a manipu- lagdo de objetos ~ que integra muitos aspectos da biolo- gia dos vertebrados. As maxilas podem ser usadas para cavar buracos ou carregar pedrinhas ou vegetagao para construir ninhos, ou para segurar o parceiro durante a cor- te ou 0s juvenis durante o cuidado & prote, Nao é de admi- rar que Romer tenha dado tanta importancia as maxilas. 5 peixes mandibulados aparecem no registro f6s- sil jd bem diferenciados, sem formas intermediérias (Moy-Thomas e Miles 1976, Romer 1966). Os fosseis do Siluriano consistem de espinhos, escamas, dentes € mandfbulas isolados. As primeiras mandfoulas no re- gistro f6ssil fornecem pouca compreensio de sua hist6- ria evolutiva. Nossa convicgdo que as maxilas origina- ram-se através de modificagdes do esqueleto dos arcos, branquiais baseia-se nos estudos detalhados da Anato- mia ¢ Embriologia comparadas. A crista neural mostra ter sido 0 tecido chave na evolugo das maxilas e mui- tos outros caracteres derivados dos Gnathostoma (Ca- pitulo 3). Algumas células da crista neural migram para 8 arcos viscerais para formar as cartilagens pareadas, superiores, palatoquadrado e as inferiores mandibu- ares, que formam as maxilas (Figura 7-1). Entre as ma- xilas € 0 resto do esqueleto branquial delineia-se o se- gundo arco visceral conhecido como arco hidideo, que estd associado ancestralmente com o suporte das maxi- Tas fixando-as ao eranio. As células da crista neural tam- bém contribuem na formagao do esqueleto branquial, constitufdo primitivamente por cinco conjuntos de ele- mentos pareados articulados, quatro em cada um dos lados estendendo-se desde a coluna vertebral até a li- nha mediana ventral, onde uma tinica série de elemen- tos no pareados unem os arcos bilaterais. Este esque- leto branquial é totalmente interno as branquias ectodérmicas, contrastando com 0 esqueleto branquial dos Agnatha que é externo as brinquias endodérmicas. Formas fésseis de transi¢ao tanto de Agnatha como de Gnathostoma mostram exatamente a mesma dicotomia. Esta posigio e origem confusas das bringuias, re- lativa a seus suportes, tém sido hé muito um obstéculo para diferentes hip6teses razodveis sobre alguns vertebra- dos sem mandfbula terem dado origem aos vertebrados ‘mandibulados. Cuidadosa reavaliago dos dados (Mallat, 1984) originou uma hipétese para solucionar o problema. Os atuais wubardes possuem cartilagens extra branquiais, nos locais das cartilagens dos arcos branquiais das lampreias e, as lampreias podem ter contribuigdes tanto, endodérmicas como ectodérmicas para suas superticies branquiais. Um ancestral comum para aqueles peixes sem mandibula, mais préximos dos Gnathostoma, pode ter tido um suporte esquelético tanto dos lados externo como interno das brinquias incluindo tanto componen- tes endodérmicos como ectodérmicos (Figura 7-Ic). Tal suporte duplo pode ser explicado por um aumento no tamanho dos itens alimentares utilizados pelos pré- Gnathostoma. Talvez 0 tecido conjuntivo de revestimen- to da luz da faringe tenha se condrificado permitindo a0s pré-Gnathostoma aprender particulas maiores sem danificar as delicadas lamelas branquiais. Esta nova maneira de formacao do esqueleto deve ter estabelecido © estigio para a evolugdo posterior da mandibula. Uma série de diferentes caracteres derivados adi- cionais do cranio, do corpo e dos aparatos mecanosen- soriais, é evidente nos f6sseis Gnathostoma e foram re- tidos nas formas atuais (Tabela 7-1). Numerosas carac- teristicas distinguem os atuais Gnathostoma das lam- preias e, especialmente das feiticeiras, embora a maior parte das vezes niio sejam detectaveis nos fosseis. Elas incluem 0 aumento na agéo de rotagdo dos misculos oculares extemnos; mielinizago das fibras nervosas; € dois tipos de actinoprotefna contratil, uma especifica para os misculos lisos e outra para os misculos estriados (as actinoproteinas das lampreias so de um tinico tipo). ‘A anatomia das visceras dos Gnathostoma inclui muitos elementos derivados desconhecidos para os peixes sem ‘mandibula; uma valvula espiral intestinal, um fluxo ve~ noso porta renal, ductos mesonéfricos e ovidutos distin- tos, panereas com fungdes tanto endécrina como exécrina © baco. Muitos horménios endécrinos, glandulas endécrinas distintas e mecanismos de estocagem/mobi- lizagdio dos metabélitos, sdo caracteres derivados dos Gnathostoma. Todas estas caracteristicas distintivas enfatizam tanto, 0 longo isolamento evolutivo dos pei- xes mandibulados e dos sem maxilas atuais, como as ‘maiores inovagdes das primeiras linhagens Gnathostoma. A locomocio foi aperfeigoada devido a existéncia de uma nadadeira caudal heterocerca ¢ nadadeiras pla- nas com esqueleto interno formados por raios cartilagi- nosos, Sem sombra de divida este € 0 caracter derivado ‘mais marcante partilhado pelos Gnathostoma depois da ‘mandibula ~ apéndices pareados peitoral e pélvico com cinturas internas de suport. A Origem das Nadadeiras As maxilas so vantajosas apenas quando direcionadas para um objeto. A succdo pode sorver para dentro da boca objetos que estdo a pequenas distdncias, mas ge- ralmente 0 corpo deve estar direcionado para o objeto. Isto parece simples, mas o deslocamento de um corpo 192 Parte! Veriebrados Aqudticor:Peses Cartlaginozor e Oreos Regito ‘abocutar Espiréculo Faringobranguial Palatoquadrado Mandibua (rani) ‘Reo boideo Notgcorda "anaemic ‘apa se tans ganas os eco ‘auspice mens ‘eto nese enaiegenn ae opanese meses e er Saotranwoes 0 Figura 7-1 Evolugio da mandfbula dos vertebrados a partir dos arcos viscerais anteriores: (a) condigao Agnatha: (b) condi¢d0 Gnathostoma; (c) Diagrama em corte transversal de uma faringe Craniata generalizada mostrando as relagdes de parentesco entre os componentes do arco visceral dos Agnatha e dos Gnathostoma. nas trés diregdes do espaco € complicado. A guinada (movimento para a direita e para a esquerda) combina- da com a arfagem (movimento para cima e para baixo) determinam 0 contato exato com um alvo dificil. O ba- Tango (rotagao sobre 0 eixo craneo-caudal do corpo) deve ser controlado para uma mordedura eficiente. Sao ne- cessdrios ajustes répidos nos movimentos de guinada, arfagem e balango especialmente quando o alvo se move evasivamente. E pouco provavel que o desenvolvimento de nadadeiras fortes e méveis tenha coincidido com a evolugdo da mandibula. As nadadeiras atuam como estabilizadores, aplican- do forgas sobre a coluna d’dgua. Como a agua € pratica- mente incompreens{vel, a forga aplicada por uma nada- deira em uma diregdo contra a coluna d’égua provoca 0 aparecimento de uma forga de igual intensidade na dire- ‘sao oposta (Figura 7-2). Desta maneira, as nadadeiras, podem inibir o movimento de balango se pressionarem, a 4gua na diregao do balango. As nadadeiras peitorais, projetando-se horizontalmente inibem 0 movimento de arfagem. © movimento de guinada € controlado pela expansdo das nadadeiras impares, localizadas nas linhas medianas ventral e dorsal do corpo. As nadadeiras tam- ‘bém realizam outras fungdes. Elas ampliam a érea da nadadeira caudal para aumentar 0 impulso durante a pro- pulsdo. Dependendo do Angulo que as nadadeiras for- mam com a coluna d’agua elas produzem forga de as- censao, Os espinhos presentes nas nadadeiras so utili- zados na defesa e tomiam-se mecanismos injetores de veneno quando associados & glindulas de veneno. As marcas coloridas nas nadadeiras sdo usadas para trans- mitir sinais visuais estimuladores para potenciais par- ceiros, rivais ¢ predadores. ‘A estrutura das nadadeiras dos primeiros vertebra- dos foi muito variavel. Os Agnatha tinham espinhos ou escamas alargadas derivados do escudo ésseo dérmico, que funcionavam como nadadeiras. Os Osteostraci ti- nnham estruturas peitorais em forma de remos sem es- Capitulo 7 OAparecimento dos Vetebrados Mandibulados a Irradiagao dos Chondrichthyes 193 Tabela 7-1 Caracteres derivados dos Gnathostoma encontrados nas formas fésseis e atuais. Caracteres do Cranio 1. Traéculas pareadas derivadas da crista neural contribuem para o assoalho do cranio acompanhando 0 aumento da re- {ido anterior do encéfalo ‘Aumento da regio anterior do crdnio para terminar em uma fontanela pré-cerebral 3. Incorporagdo de um ou mais arcos neurais regido posterior docrinio 3a, Aumento da regio posterior do crinio, deslocando © foramen magno para uma posigao mais posterior 4. Adigo de um terceiro canal semicircular (horizontal) Presenca de estaconios de carbonato de célcio ou otolitos Desenvolvimento de um processo pésorbital no condrocrénio separando as fungdes de suporte das maxilas erevestimento doolho 7. Miisculos basiocranianos com origem no crinio ¢ insergao nos arcos branquiais Caracteres do Tronco 8. Um septo horizontal de tecido conjuntivo dividindo a mus- culatura do tronco em unidades dorsal (epiaxial) e ventral (hipoaxial) 9. Arcos neural ¢ hematico (geralmente mineralizados) apare- ccem regularmente ao longo da notocorda Caracteres Sensoriais 10. Um padrdo gnico e conservativo de canais cefélicos do sis tema da linha-lateral 11. O sistema da linha-lateral nas regides laterais do tronco ou -ado por escamas especializadas Foe: 6G Maitex, 1986, Cladistics 2201-256 truturas intemas de suporte. Alguns Anaspida tinham a0 longo das laterais do corpo superficies de tecido com a forma de nadadeiras. As primeiras nadadeiras pareadas, embora sendo cardter universal para os Gnathostoma, apresentavam detalhes estruturais diferentes. Os dois primeiros grupos de Gnathostoma, os Acanthodi ¢ os Placodermi, ilustram este fato. Os Acanthodi tinham um rimero variavel de espinhos, algumas vezes associados a ‘membranas, que se estendiam ao longo de duas linhas ventro- laterais do corpo. O esqueleto interno das nada- deiras dos Acanthodi (Figura 8-17) era composto no ‘mfnimo de duas fileiras de cartilagens cilfndricas asso- ciadas aos espinhos e raios em forma de fios que nao se retraiam para dentro da nadadeira. Os apéndices peito- rais dos Placodermi geralmente tinham mais elementos cilfndricos e nadadeiras raiadas com espinhos que se retrafam para dentro da nadadeira. As primeiras nada- deiras embora, quase sempre na mesma posigao, eram radicalmente diferentes quanto as estruturas intema € externa e quanto a0 ntimero. Ha pouca evidéncia fossil sobre a origem das na- dadeiras, especialmente das nadadeiras peitoral e pél- vica, que foram significantes nos estégios posteriores da evolugdo dos vertebrados. Embora, alguns dos pri- meiros pesquisadores tenham concebido uma semelhan- a entre as nadadeiras peitorais e os arcos branquiais, uma origem branquial € extremamente duvidosa. As nadadeiras derivam do mesoderma e tém inervagdo € musculatura somstica, nao visceral. ‘A teoria da “nadadeira-dobrada” como tendo ori- ginado os apéndices pareados foi muito defendida nas grandes discussdes. Esta teoria foi baseada em certos Anaspida, tais como Jaymoytius (Figura 6-9), que ti- nham um par de estrutura planas de base larga, que se estendia das branquias ao anus. Os primeiros Acanthodi tinham espinhos pareados na mesma posig’o. Compa- rando esta sucessdo hipotética as orlas membranosas pareadas do anfioxo, nadadeiras discretas teriam sido coneebidas como originérias de nadadeiras dobradas contfnuas. Estas nadadeiras dobradas, embora pareadas lateralmente, eram impares nas posigdes dorsal e poste- rior do corpo. Divididas em pequenos segmentos e em iiimero reduzido, as nadadeiras dobradas foram decla- radas como a origem das nadadeiras dos peixes atuais. Mas, realizando uma conexdo direta entre estas trés construgdes temos, simplesmente, um conjunto artifi- cial de organismos sem nenhuma relagao filogenética, Por nao existirem evidéncias f6sseis para documen- tarem estes eventos, a teoria das nadadeiras dobradas tornou-se pouco atraente, € parece mais aconselhdvel considerar a nadadeira estrutura tao benéfica que so- freu evolugdes miltiplas. Evolugao méltipla com re- sultados similares é esperada quando atribufmos para as nadadeiras apenas uma variedade limitada de for- mas e posigdes que promovem avangos hidrodinamicos. Deste modo, as nadadeiras dos Osteostraci podem ser convergentes aquelas dos Gnathostoma. Os primeiros fosseis de Gnathostoma podiam ou nao ter tido apéndi- ces pareados estritamente homélogos. As cinturas ¢ ele- mentos bdsicos dos apéndices pareados dos atuais Gna- thostoma mostram ser homélogos. ‘A nadadeira caudal heterocerca muito desenvolvi- da 6 uma caracterfstica quase tao universal dos primei- ros peixes com mandibulas como as nadadeiras pareadas. Comparativamente nadadeiras caudais desen- volvidas foram encontradas em alguns peixes sem man- dibula, embora alguns outros peixes sem mandfbula ti vessem nadadeiras caudais hipocerca ou de outra for- ‘ma. O direcionamento brusco da notocorda para 0 lobo dorsal ow ventral da nadadeira caudal promoveu um aumento consideravel do lobo, uma estrutura importante na aceleracdo répida (Webb e Smith 1980). Somando- se a isso, 0s Gnathostoma com nadadeiras de raios car- 194 ‘arte H_Veriebrados Aquiticos: Peixes Cartilaginosose Oxseos Guinada uinada Figura 7-2 Um Acanthodi, Climatius, em vistas lateral e frontal para mostrar a orientagio da arfagem, da guinada e do balango, e as nadadeiras que contrabalangam estes movimentos. tilaginosos tém um lobo caudal rigido de rea conside- rével, que aumenta a aceleragdo. A natacdo impulsiva € importante no deslocamento de um predador e promo- ‘ve economia significativa nos termos de energia loco- motora quando impulsos de aceleracdo so alternados com deslizamentos. Todos os peixes com uma nadadei- ra caudal com um eixo esquelético interno ao lobo dorsal ou ao ventral tém uma nadadeira que ndo se dobra du- rante 0 impulso natatério. (Os Gnathostoma apareceram como quatro grados distintos, todos se diferenciando no Devoniano — a era dos peixes. Um destes grados, os Placodermi, ficou iso- lado dos outros trés (Chondrichthyes, Acanthodi € Osteichthyes) apesar de compartilhar varios caracteres, derivados dos Gnathostoma. Os misculos mandibula- res dos Placodermi eram diferentes dos misculos man- dibulares dos outros Gnathostoma, assim como seus dentes nao se comparavam em nada com os dentes dos outros Gnathostoma, e a anatomia do esqueleto das na- dadeiras pareadas dos Placodermi nao apresentava homo- logias com as dos outros Gnathostoma. Os Placodermi nao deixaram descendentes na fauna moderna. O se- gundo grado, o dos Chondrichthyes, esté claramente relacionado com todos os outros Gnathostoma, desen- volveram redugdes distintivas e especializagdes da arma- dura dérmica, calcificagao intema, mobilidade das maxi- las ¢ nadadeiras, ¢ especializagées reprodutivas, Estes caracteres sobreviveram com sucesso até os dias de hoje. Os dois sitimos grados de peixes, os Acanthodi ‘5 Osteichthyes (juntos formam 0 téxon Teleostomi),, podem ser parentes muito préximos e formam a base de toda a evolugio subseqiiente dos vertebrados (Capf- tulo 8). Antes de retornamos a esta maioria de espécies do passado e do presente, voltamos para os Placodermi € Chondrichthyes para examinarmos a variedade dos primeiros Gnathostoma. Placodermi: Os Peixes com Carapaca Entre os primeiros Gnathostoma no registro féssil exis- te uma colecdo espetacularmente diversificada de pei- xes geralmente recobertos por uma armadura 6ssea, 0s Placodermi (Figura 7-3). R.L. Carroll (1987) colocou 4que 0s Placodermi nao tém formas atuais andlogas ¢ as pesadas armaduras externas indicam modos de vida par- ticularmente dificeis. Os Placodermi devem ter sido ini- cialmente bent6nicos; geralmente seus corpos eram ge- ralmente achatados dorsoventralmente com superficies ventrais planas. Embora os Placodermi compartilhem ‘uma lista impressionante de caracteres derivados com ‘outros Gnathostoma, muitos elementos de sua morfolo- gia parecem ter isolado os Placodermi dos outros verte- brados mandibulados. A mais chamativa destas caracte- risticas € a posigdo dos misculos mandibulares. Em to- dos 05 outros Gnathostoma os msculos mandibulares, Capiulo? OAparecimento dos Verebrados Mandibulados ea Tradiagao dos Chondrichtves 195 tage fixam-se externamente aos elementos esqueléticos das dermi em geral, a mandfbula pode ter se desenvolvido ‘maxilas. Nos Placodermi, onde foi possivel determinar, mais de uma vez entre os peixes ancestrais, o antepassado ‘0s misculos mandibulares sao mediais aos elementos _comum imediato dos Placodermi ¢ todos os outros Gna- do palatoquadrado. Se isto € verdadeiro para os Placo- thostoma pode ter tido uma mandfbula nao funcional. Figura 7-3 Placodermi: (a) vistas lateral, frontal ¢ dorsal de um Arthrodira, Coccosteus, ‘médio Devoniano: (b) um Placodermi peculiar Bothriolepis, com um exoesqueleto articula- {do que sustentava aos apéndices peitorais: (c) tréstipos amplamente variados de Placodermi: ‘uesquerda)o predador gigante, Dunkleosteus, Devoniano superior, (8 direita) Rhamphodopsis semelhante as quimeras (veja também a Figura 7-11b); (em baixo) Gemuendina semelhante as raias. (Modificado de J.A. Moy-Thomas e R.S. Miles, 1971, Paleozoic Fishes, Saunders, Philadelphia, PA.) 196 Parte! Versebrados Aquaticos:Peixes Canilaginosose Osseos Os Placodermi também tinham estruturas com a fungdo de dentes que ndo correspondem a de qualquer outro Gnathostoma. Tinham um arco hi6ideo que ndo estava envolvido diretamente com a na mesma fungao de sus- tentagdo como nos outros Gnathostoma e é distintamen- te diferente no arranjo e nimero dos elementos com re~ lagdo aos outros vertebrados. Superficialmente os primeiros Placodermi, os Ar- throdira, assemelhavam-se aos Pteraspida e Cephalas- pida na aparéncia e habitat (Figura 7-3a). Como 0 pré- prio nome Placodermi (placo = placa, derm = pele) de- fine, tinham 0 corpo coberto por um escudo 6sseo es- sso, freqlientemente ornamentado, que cobria a meta- de ou 0 tergo anterior do corpo. Até a sua extingo, no inicio do Carbonifero, alguns Placodermi tinham a es- trutura das nadadeiras peitorais mével e muscular que devem ter contribufdo para um modo de vida ativo. Ou- tos Placodermi, os Antiarchi, desenvolveram apéndi- ces peitorais com eixos rigidos internos, que se encaixa- vam nos tecidos moles na regido da articulagao, estes tubos ésseos seriam reminiscéncias dos apéndices dos artrépodes (Figura 7-3). A carapaca cefélica, dos primeiros Placodermi, era formada por numerosas placas largas, e uma fenda es- treita as separavam do mosaico formado pelas peque- nas placas corporais que recobriam 0 resto do corpo. Uma conexdo mével entre as vértebras anteriores € 0 cerdnio permitia o levantamento da cabega. Esta articu- Jagdo craniovertebral permitia que a boca se abrisse num Angulo maior que aquele permitido pelo abaixamento ‘da mandibula, ou quando pressionasse a mandfbula con- tra o substrato, deste modo, um Placodermi deveria es- Perar pacientemente a aproximagao de sua presa. Du- Tante sua evolugdo os Arthrodira predadores desenvol- veram uma especializagao curiosa que aumentava a aber- tura da boca. O espaco entre as placas cefalicas eas compereas, aumentou e desenvolveu-se um par de articulagées, cada uma delas sobre cada nadadeira peitoral na mesma li nha da antiga articulagao craniovertebral do esqueleto axial. Este arranjo permitiu grande flexibilidade entre as placas e permitiu uma abertura muito maior da boca Pois a cabeca movia-se para trds. Somando-se a isso, provavelmente houve um aumento na eficiéncia respi: rat6ria e um aperfeicoamento do controle da natagio. Arthrodira nome dado para esta ordem de Placodermi faz jus a esta estranha especializacao: arthrs (articula- g40), dira (pescogo). Os Placodermi foram os vertebrados mais numero- sos do Devoniano, Durante este perfodo os Placodermi irradiaram em um grande niimero de linhagens e tipos. Ancestrais dos Placodermi eram primariamente mari- ‘nhos, mas a grande maioria das linhagens tomou-se adap- tada para os habitats de égua doce e estuarinos. Todavia mantiveram suas robustas armaduras indicando a capa- cidade de metabolizar fosfato de célcio nos ambientes pobres em fosfato. O género Dunkleosteus foi um Ar- throdira predador voraz alcangou até 10 metros de com- primento. O género Bothriolepis, um Antiarchi, susten- tava 0 corpo sobre 0 substrato por meio de nadadeiras peitorais rigidas. Outros grupos de Placodermi tinham o palatoquadrado firmemente preso ao cranio e placas den- {{geras complexas e s6lidas para triturar conchas de mo- Iuscos. Em alguns Placodermi o dimorfismo sexual dos apéndices pélvicos sugere a ocorréncia de fertilizagio intema e, provavelmente, cépula com complexos com- portamentos. Outros grupos mostram uma tendéncia para achatamento dorsoventral muito acentuado, olhos no dor- so da cabega e boca subterminal, que sZo indicativos de especializagdo bentOnica. O género Gemuenidina apre- senta uma semethanga surpreendente com as raias mo- demas, embora tivessem 0 corpo totalmente recoberto por um mosaico de pequenas placas, nao puderam reali- zar 08 mesmos movimentos ondulat6rios locomotores das raias com suas amplas nadadeiras peitorai Os Placodermi nao tinham dentes. Ossos dérmicos muito modificados recobriam as cartilagens maxilares dos Placodermi e, mesmo que tivessem arestas cortan- tes como facas e pontas robustas para cortare perfurar as presas, eles estavam sujeitos a0 desgaste e a quebra sem reposigao. As maxilas dos Placodermi freqiientemente cram fixas ao cranio e sem mobilidade, ou se articulavam muito pouco com a bainha da cabeca. Isto impediu a par- ticipagao das maxilas no ato da suc¢ao, um processo de captura de alimento de grande sucesso evolutivo como mostrado pelo sucesso entre os peixes mandibulados € rnovamente numa vasta maioria dos atuais peixes sem man- 4 no fim do Siluriano os Agnatha (Capitulo 6) tinham diversificado os Gnathosto- ma cartilaginosos (Capitulo 7) estavam no meio de sua primeira irradiagao. Neste ponto da hist6ria evolutiva dos vertebrados apareceu um grupo de peixes que alcanga- ram 0 maior sucesso evolutivo, os peixes dsseos. Os primeiros fosseis de peixes 6sseos datam do Siluriano superior e estavam em plena expansao no médio Devoniano, Uma vez mais as progressivas especializagdes dos mecanismos alimentares foram um dos pontos chave na evolucao do maior grupo de vertebrados. Um aumento progressivo da mobilidade entre 0s 0550s maxilares e 05 cranianos permitiu aos peixes dsseos de nada- deiras raiadas explorarem uma variedade maior de presas e modalidades predatorias. As especializagGes relativas a locomogao, aos habitats, ao comportamento e a biologia acompanharam as dos meéanismos alimentares, ¢ 0s peixes 6sseos formam o maiore 0 mais diversificado grupo de vertebrados atuais. Suas formas corpéreas, comportamen- tos e fungdes mecanicas estio intimamente relacionados as caracteristicas do habitat aquético e as propriedades da 4gua como um ambiente favoravel a vida. Vivendo na Agua Sessenta e nove por cento da superficie da Terra esté co- berta por dgua doce ou salgada. A maior parte desta égua forma os grandes corpos d°dgua acednicos, povoados em toda sua extensao pelos vertebrados, especialmente 0 peixes dsseos. AS Sguas doces, dos rios ¢ lagos, do planeta retém uma porcentagem infima de toda a égua existente no planeta ~ cerca de 0,01%. Esta porcenta- gem 6 muito menor que a das 4guas que se encontram na atmosfera, sob a forma de gelo e as subterrineas, mas as dguas limnicas so de uma riqueza biol6gica ex- traordindria. Os rios e lagos so habitats complexos com hist6rias relativamente curtas na escala de tempo geol6gi co. Todavia, o tempo de existéncia dos rios e lagos é sul Cientemente longo para que os processos evolutivos se efe- tuem nestas drenagens isoladas. Aproximadamente 40% de todos os peixes dsseos, 0 maior téxon de vertebrados, vive exclusivamente na gua doce. Portanto, os ambi ‘entes aquaticos deram origem aos primeiros vertebrados € forneceram suporte para os primeiros grandes passos da evolugao dos vertebrados. Atualmente, os ambientes aqué- ticos fomecem mais habitats para a maioria das espécies de vertebrados do que qualquer outro ambiente. ‘A gua é um ambiente que propicia a vida dos ver- tebrados. O nivel de saturagdo de oxigénio da dgua é 20 vezes menor que o retido em um mesmo volume de ar, ¢ 08 processos bioldgicos e quimicos podem baixar a zer0 taxa de oxigénio dissolvido na dgua. A gua é 830 vezes ‘mais densa e 80 vezes mais viscosa que o ar, deste modo, © deslocamento na gua € energeticamente dispendioso. Uma propriedade da massa d’gua é o aumento signifi- cativo da pressio com o aumento da profundidade. Ou- tras caracteristicas fisicas limitam a penetragio da luze afetam a velocidade da transmissio do som, impondo limites aos sistemas sensoriais. E evidente que a 4gua foi o bergo da vida e das adaptagdes que dominaram os primeiros 150 a 200 milhdes de anos de evolugio dos vertebrados. Embora, cada um dos maiores clados de peixes mostrem solugdes diferentes para os desafios am- bientais, um exame das especializagbes dos peixes 6s- se0s para a vida na dgua revela uma das chaves do su- cess0 evolutivo destes vertebrados a versatilidade. As altas taxas de energia usadas para sustentar 0s altos nf veis de atividade, caracteristica de muitos peixes, de- pendem de uma troca eficiente de gases nas branquias. ‘A maioria dos peixes nadam por meio de contragdes, ‘ondulat6rias dos misculos do corpo. A orientagdo usu- almente é visual, mas existem outros sentidos incluin- do o sistema da linha-lateral (para detectar ondas de baixa freqliéncia) e a cletrorrecepgao. Neste capitulo serdo descritas muitas especializagées basicas, que per- mitiram aos peixes tornarem-se vertebrados ativos e de suicesso no ambiente aquético. Muitas das estruturas ¢ suas fungdes nos peixes alcancaram o estégio para a vida no ambiente terrestre. Obtendo Oxigénio na Agua: Branquias A maioria dos vertebrados aquéticos possui branquias, evaginagdes da superficie do corpo nas quais ocorre a troca de gases. As bringuias dos peixes encontram-se no interior das bolsas faringeas (Figura 8-1). Freqiien- temente, o fluxo da 4gua € unidirecional — entra pela boca e sai sob as coberturas branquiais (opérculos). La- minas bucais internas, na regio anterior da cavidade bu- cal e outras margeando internamente os opérculos, atu- am como valvulas prevenindo 0 refluxo da égua. As superficies respiratérias das branquias sao delicadas pro- jegGes situadas nas faces laterais de cada arco branq (Figura 8-1b). De cada arco branquial estendem-se duas colunas de filamentos branquiais. As extremidades dos filamentos branquiais de arcos adjacentes tocam-se quan- do os filamentos estio estendidos. Desta forma, a dgua deixa a cavidade bucal e passa entre os filamentos. A troca de gases ocorre através das numerosas projegdes microscépicas dos filamentos, as lamelas secundérias (Laurent e Dunel 1980). ‘Aaco do bombeamento das cavidades bucal e oper- culares cria uma pressio positiva através das brdnquias, de tal modo, que a corrente respiratéria sofre uma pe- quena interrupgao apenas durante cada ciclo de bom- beamento (Figura 8-Ic). Nos peixes pelgicos, tais como. cavalas, tubardes, atuns e espadartes ha a redugao ou perda da habilidade de bombear égua através das bran- quias. A corrente d’4gua é gerada pela natagao com a boca levemente aberta, um método conhecido por ven- tilagao forcada (“ram ventilation”), e os peixes devem permanecer nadando continuamente. Uma grande maio- ria de outros peixes mudam para a ventilagao forgada quando esto nadando e durante o resto do tempo con- fiam no bombeamento. O arranjo vascular das branquias nos Teleostei maximiza as trocas gasosas. Cada filamento branquial tem duas artérias, um vaso aferente disposto no sentido da base para a extremidade do filamento, e um vaso eferente na qual o sangue retorna para o arco (Farrell, 1980). Cada lamela secundéria é um espago sangiifneo que conecta os vasos aferente ¢ eferente (Figura 8-2a). O fluxo do sangue através das lamelas secundérias € ‘posto ao fluxo da égua que circunda a brinquia. Este arranjo estrutural, conhecido como sistema de contra- corrente, assegura a maxima difusio do oxigénio para dentro do sangue (Figura 8-2b). Peixes peldgicos, tais como os atuns que mantém a atividade por longos peri- ‘odos de tempo, tém filamentos branquiais reforcados, Brandes éreas respirat6rias e uma alta capacidade de trans- portar oxigénio por milfmetro de sangue quando com- parada aos peixes bent6nicos lentos, tais como os lin- Buados € 05 peixes da famflia Batrachoididae (peixe- diabo e mamangé-liso). Os vertebrados terrestres raramente encontram bai- as concentragdes de oxigénio, o ar contem 20.9% de oxi- génio por volume. Nos ambientes aquéticos a quantidade de oxigénio dissolvido na 4gua é muito menor que a pre- sente em um volume igual de ar (um litro de ar contem 209 mililitros de oxigénio enquanto um litro de 4gua con- tem apenas 10 mililitros de oxigénio). O aumento de tem- peratura reduz a solubilidade do oxigénio na dgua. Altas temperaturas e alto metabolismo de micro-organismos po- dem produzir condigdes anéxicas (auséncia de oxigénio). s peixes que vivem nestas condiges no podem obter 0 oxigénio por meio das bringuias e apresentam estruturas respiratGrias acessdrias, que lhes permite respi- raro aratmosférico. O peixe-elétrico Eletrophoruseletricus (poraqué) além das brinquias tem uma grande série de Papilas altamente vascularizadas na regio da faringe. 0 poraqué vem a superficie para abocanhar ar, e 0 oxige- nio se dif unde através das papilas para o sangue. Outros peixes engolem are extraem 0 oxigenio através de regi- ‘es vascularizadas do intestino. Os peixes anabatfdeos da Asia tropical (por ex., “bettas” e “gouramies", en- contrados em lojas de aquério) tém cdmaras vasculari- zadas na regiao posterior da faringe denominadas labi- rinto € que atuam de modo similar. Muitos peixes tém respiragio aérea facultativa, isto é, desviam a captagdo do oxigénio das brinquias para 6rgdos acessérios quan- do a pressio do oxigénio do meio aquitico toma-se bai xa, Outros, como o poraqué e os anabantideos, tém respi- ragdo aérea obrigatéria. As bringuias ndo sdo capazes de ccaptar sozinhas 0 oxigénio necessério, apesar do ambiente aquitico estar saturado de oxigénio. Estes peixes sufocam se impedidos de chegar a superficie para respirar 0 a. Os peixes pulmonados sulamericanos e africanos tém respiragio aérea obrigat6ria. Os pulmdes sao evagi nagdes derivadas do trato digest6rio e estruturas e res- postas similares podem ser encontradas nos atuais pei- xes de nadadeira raiada mais plesiomérficos, os Polyp- teridae. Respirag2o aérea é uma caracteristica ancestral de todos os Osteichthyes, talvez até de formas anterio- res aos primeiros Acanthodii do Devoniano. Provavel mente, 0s primeiros peixes de gua doce do Devoniano encontraram presses ambientais semelhantes aquelas Capitulo 8 Forma de ida Dominante na Agua Teleostomi ea MaiorIrradia de Peixes 22 Figura 8-1 Anatomia funcional das brinquias dos Teleostei: (a) posigdo das bringuias na ccabega ¢o fluxo comum da gua: (b) Os padries do fluxo da gua (flechas em pontilhado) € do fluxo do sangue através das branguias (flechas em linha continua); (c) mudangas na pres- slo da Agua através das bringuias durante as vérias fases de ventilagio. (Modificado de G.M. Hughes, 1963, Comparative Physilogy of Vertebrate Respiration, Harvard University Press, Cambridge, Mass.). enfrentadas pelos peixes de 4gua doce tropicais atuais. 05 primeiros pulmées também podem ter servido como flutuadores para produzir uma densidade mais préxima da neutra, assim como, a homdloga bexiga natatéria dos Teleostei. Locomogiio na Agua A natagao resulta das contragdes seqlienciais dos miscu- los de um lado do corpo e do relaxamento simultdneo dos misculos do outro lado do corpo. Deste modo, um lado 222 Partell’ Veriebrados Aquticos: Peis Cartlaginosos e Oxseos Figura 8- 2, Sistema de contracorrente respiratoria nas bringuias de peixes Actionoplerygil, (a) A direcio do fluxo da dgua, através da brinuia, oposta ado fluxo do sangue no interior das lamelas secundarias,(b) Desta contracorrente resulta uma maior tensdo de oxigénio ‘no sangue e menor tensdo de oxignio na 4gua que circunda as brinquias. (c) Se o fluxo da 4gua e do sangue fossem na mesma diego, fora e dentro da lamela secundéria, ocorrerd uma baixa tensdo de oxigénio no sangue branguial. (Modificado de G.M. Hughes, 1963, (Comparative Physiology of Vertebrate Respiration, Harvard University Press, Cambridge, MA; R.E Reinert in J.B Matthews Aquariology: The Science of Fish Health Management, Tetra, Mortis Plains, NJ: M.Hildebrand, 1988, Analysis of Vertebrate Structure, 3*edigio, Wiley, New York, NY: e PB Moyle, 1993, Fish: An Enthusiasts Guide, University of California Press, Berkeley, CA.) do corpo se curva momentaneamente € esta curva se propaga para a regio posterior do corpo. Portanto, quan- do em movimento o peixe oscila de um lado para outro As ondulagdes laterais sto mais visfveis em peixes alonga- dos, tais como, lampreias ¢ enguias (Figura 8-3). A maior forga para a natagdo ver dos misculos da regio poste- rior do peixe (Rome et al., 1993). Em 1926, Charles Breder classificou 0s movimen- tos ondulatérios dos peixes em trés tipos: anguiliforme = tipico de peixes muito flexiveis capazes de curvat metade do corpo na forma de uma onda sinusbide; ea- rangiforme — as ondulagdes limitadas na sua maioria & regidio caudal, a curvatura do corpo é de amplitude me- nor que a do caso anterior; ¢ ostraciforme — corpo inflexivel, ondulagdo da nadadeira caudal (Figuras 8-3 e 8-6). Estas categorias bésicas tém sido amplamente subdivididas e redefinidas desde 1926 (Lindsey 1978, Webb 1984, Webb ¢ Blake 1985) entretanto, sao titeis para o entendimento da locomogio na agua. Muitas das especializagdes da forma do corpo, estrutura da superficie corpérea, nadadeiras e arran- jo muscular aumentam a eficiéncia natat6ria dos di- ferentes tipos de natagao. Um peixe nadando deve vencer, a forga da gravidade produzindo forca de ascensio, e a resisténcia da 4gua produzindo forga de impulso (Figura 8-4) ‘Capitulo ® Forma de Vida Dominante na Agua: Teleostomi e a Maior Iradiagao de Peixes 223

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