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INTRODUÇÃO1

Surgido a partir do blues dos negros estadunidenses, o rock em pouco


tempo se espalhou pelo mundo como música e estética de uma rebeldia logo
incorporada à expansão da indústria fonográfica da terra do tio Sam.
Chegado ao Brasil ao final dos anos 40, foram necessários cerca de 30
anos para que o “velho” e bom rock se aclimatasse aos temperos das Terras Brasilis
e resgatasse a veia de contestação social característica de seus primórdios,
chegando a sua maior, ou melhor, idade.
Os anos 80 foram o cenário histórico onde o fim da ditadura militar
funcionou como o destapar de um grande caldeirão de demandas sociais, políticas e
culturais. Nesse ambiente é que se processou uma nova cultura de um rock
brasileiro carregado de uma inquietude antropofágica, saído das garagens para
revelar e embalar uma nova geração faminta por devorar verdades absolutas e
receitas prontas, decodificando o discurso dominante e vomitando a reinvenção de
um novo mundo e uma nova nação, que infelizmente “morreu na casca”.
Crítica social através do rock brasileiro dos anos 80 não se propõe
apenas a viajar por uma década de certo gênero musical, mas a procurar na
realidade viva daquele tempo histórico os nexos sociais desta determinada produção
artística como obra social.
Walter Benjamin disse que “uma das tarefas essenciais da arte, em todos
os tempos, consistiu em suscitar uma demanda, num tempo que não estava maduro
para satisfazê-la em plenitude.” Na sua particularidade como produção artística
musical, esta tem sido a tarefa essencial do rock, sendo que em determinados
períodos e culturas essa característica se acentua, como ocorreu com o rock
brasileiro durante a década de 1980.
Para empreender tal análise partimos de uma bibliografia e musicografia
abrangentes, a fim de apreender o rock brasileiro dos anos 80 na sua interação com
a história do rock mundial e com o nosso, made in Brasil, e ao mesmo tempo situar o
conjunto da abordagem no universo bem mais amplo da problemática da música
como produção artística.

1
As músicas citadas nesse trabalho aparecem no anexo na mesma ordem em que foram
citadas no texto.
2

1 MÚSICA É OUTRA HISTÓRIA

Toda música exprime sentimentos e mesmo idéias. Não apenas a música


popular com suas canções compostas de letra e música ou a ópera com suas
estórias e histórias, mas também a chamada música erudita ou clássica, que na
construção de suas escalas, nos seus andamentos, traz uma significação, tem uma
história a contar.
A questão colocada é que os idiomas nacionais e a linguagem musical se
constroem e transitam em freqüências bem distintas. Entretanto, isso não significa
que a música não possa ajudar a contar – num sentido o mais total do termo – a
história da humanidade.
Primeiro trataremos da relação mais imediata entre história e música, para
depois penetrarmos nessa outra história da música.
Em seu “História social da música”, Henry RAYNOR (1981, p. 9)
escreveu:
“A história é provavelmente o mais complexo dos estudos. Para melhor
digestão dividimo-la em vários constituintes e destacamos história política
ou social, econômica ou militar, pensamos em história da arte ou da ciência,
da literatura ou da música. Contudo, tão logo o estudioso se aplica a
qualquer dessas seções muito bem delimitadas do assunto, percebe não
poder apreendê-lo completamente sem referência a pelo menos algumas
das demais. Poderemos acaso compreender o desenvolvimento do
comércio e da indústria depois da reforma sem algum conhecimento sobre a
atitude revolucionária quanto ao dinheiro assumida a partir da reforma, e
que possibilitou o progresso do capitalismo ao afastar grande parte do
estigma da usura? Só podemos compreender a história da ascensão e
queda de Napoleão fazendo referência, entre outras coisas, ao poderio
industrial, e, portanto, financeiro, da Inglaterra. A história, por mais que a
dividamos em departamentos, tende sempre a tornar-se um estudo uno,
com fronteiras extremamente vagas em virtude de sua vasta abrangência.
Afinal, ela é o registro das atividades humanas em geral, e essas são
necessariamente interdependentes; e como se sobrepõem, as inevitáveis
setorizações são forçosamente falseadoras.”

Fica claro então que a história de um longo período não é uma soma de
seus períodos menores de tempo. Da mesma forma, um determinado tempo
histórico não pode ser traduzido pelo encaixe estanque das análises de suas
diferentes estruturas e dimensões, feitas, cada qual, à revelia do todo. Uma
realidade histórica é um todo complexo, uno e sempre contraditório, onde economia,
política, cultura, vida privada e mesmo dimensões “menores” da realidade
encontram-se ligadas, formando um organismo social vivente.
3

Portanto, ao situarmos a música na história estamos indo muito além do


óbvio ou do lugar comum “música é história”. Na medida em que esse exercício da
análise nos possibilite entender como determinado tipo de música apareceu na cena
histórica, com suas determinações sociais específicas, passamos a enxergar o que
antes se mostrava invisível ou inaudível à nossa percepção. Construímos conexões
entre esta música e a sociedade que a produziu e estas conexões que estavam lá
escondidas no todo histórico, tornam-se nossos olhos e nossos ouvidos.
A história da música está, assim, ligada às marchas e contramarchas da
política, dos movimentos sociais às questões econômicas, à ciência e tecnologia, à
cultura e à própria produção cultural que continuamente procura interpretar a
sociedade e, enfim, ao mundo todo, à Aldeia Global, como cunhou Mc Luhan.
Mas se música é história...
Via de regra os livros sobre música dizem respeito à história da música
dos estilos musicais, seus autores, compositores, intérpretes, regentes, solistas,
cantores e instrumentistas. Quase sempre se restringem à evolução (ou involução)
no tempo, das diferentes formas do som socialmente elaborado. E não poucas vezes
essas histórias da música são contadas como se houvessem sido produzidas como
auto-realização de um espírito musical independente e alheio às sociedades e
culturas que as pariram.
Antes de mais palavras sobre a música como produto cultural, talvez seja
razoável ir até sua raiz física, o som.
Aquilo que chamamos som chega aos nossos ouvidos como ondas que
viajam pelo ar, com forma oscilante, compostas de impulsos e repousos, ruídos e
silêncios. Ondas sonoras feitas de emissões pulsantes, invisíveis, inodoras, sem
paladar, que rasgam a matéria do ar e produzem inflexões nas paredes dos nossos
tímpanos.
Como leigos na arte e na ciência do som e da música tal definição nos
basta para concluirmos duas coisas óbvias que colocam, entretanto, uma questão
crucial. Sons, silêncio e ruídos existem por si na natureza como fenômenos físicos e
nós, os humanos, estamos capacitados fisicamente a percebê-los, em determinada
freqüência.
A questão é: diferentes culturas em épocas históricas diversas
manipularam socialmente sons, ruídos e silêncio de distintas formas, elegendo
certos sons e ruídos, tempos rítmicos, abdicando ao mesmo tempo de outros sons,
4

ruídos e ritmos. E essas formas musicais se remetiam e se remetem à percepção


geral do mundo que desenvolvem ou desenvolveram.
A música modal pertenceu a uma determinada época não por acaso.
Produto do berço da humanidade surgiu dos ritos tribais pelos quatro cantos do
planeta, passando pela antiguidade grega, romana, as culturas chinesa, japonesa,
ameríndia, até o canto gregoriano, que preparou os elementos para o
desenvolvimento da música tonal. O pulso corpóreo-cerebral é sua base. Suas
características estão indissoluvelmente ligadas às culturas que as produziram, pois
as criações musicais, de certa forma como as filosofias que tentam explicar o
mundo, numa certa medida são antes explicadas, decifradas pelo mundo, pelas
culturas e sociedades que as criaram.
A música tonal, como ruptura a partir do canto gregoriano até a eclosão
do atonalismo, construiu a ocidentalidade da nossa escuta. Abrange todo o
desenvolvimento da polifonia medieval, passando pelo barroco e o romantismo,
tendo o seu ponto alto entre Bach e Beethoven.
Como “o tempo não para”, o esgotamento dos caminhos da música tonal
abriu os descaminhos para o mundo atonal das sonoridades. Schoenberg, Webern e
outros, escreveram os mapas sonoros para as novas rotas da música
contemporânea, que combinam em várias direções e possibilidades a recuperação
do som-pulso modal, o não-tonal, o não-pulso, ruídos-músicas e vozes atemporais
numa ruptura com o tempo-som linear da música, desembocando no serialismo, no
minimalismo, na música eletrônica, na música de concerto contemporânea e em
vertentes populares como o jazz e o rock.
Essas poucas linhas cheias de palavras que procuraram dar uma
brevíssima síntese da história da música não servem de nada se não se imbricarem
com sons falantes que dêem significação, nexos que possibilitem relacionar de
forma vivente as realidades sociais com suas respectivas produções musicais.
Essa idéia, de relacionar as linguagens musicais com a vida que as
produz, e que pulsa fora das escalas musicais, harmonias, timbres, ruídos, silêncios
e ritmos, não é nova.
Desde a antiguidade grega se pensa a música como elemento agregador
ou desagregador da sociedade.
Assim descreveu WISNIK (1989, p. 99, 100, 101):
5

“Se os chineses tinham uma cosmologia musical baseada na escala


pentatônica, os gregos tiveram a sua, em alguns aspectos similares, mas
baseada na escala de sete tons... os planetas aparecem dispostos no
universo como escala (que é um dos sentidos dados na Grécia ao termo
harmonia – ordenação, equilíbrio e acordo que se depreende dos sons
musicais, no modo como conciliam e põem em consonância a diversidade
dos contrários). Os astros em questão são os sete planetas da astrologia
antiga (Lua, Sol, Vênus, Mercúrio, Marte, Júpiter e Saturno)... A mais
completa e sistemática visão do cosmo musical, e da harmonia das esferas,
encontra-se no final de A República, de Platão (onde o discurso sobre o
equilíbrio da Cidade não deixa de convergir, em alegoria, para a harmonia
celeste concebida como harmonia musical)... pode-se dizer que o modelo
da harmonia das esferas aspira para a música uma permanência sem
acidentes nem desvios (ou transformações), e supõe que a escala (ideal)
seja praticada sob estrita observância, sem deslizamento da norma. Nesse
ponto, ao supor uma ordem (social e musical) dada, que não deve senão
reproduzir-se como tal, e ao afirmar o lugar estratégico da música na
manutenção dessa ordem que busca permanecer imune a toda a crise e
toda transformação, o texto platônico lembra o sábio chinês: [...] Nunca se
abalam os gêneros musicais sem abalar as mais altas leis da Cidade [...]
Logo, o posto de guarda deve-se erigi-lo nesse lugar: na música. (É através
dela) que a inobservância das leis facilmente se infiltra, passando
despercebida [...] Nada mais faz do que se introduzir aos poucos,
deslizando mansamente pelo meio dos costumes e usanças. Daí deriva já
maior, para as convenções; das convenções sociais passa às leis e às
constituições com toda insolência [...] até que, por último, subverte todas as
2
coisas na ordem pública e na particular.”

Corre a história nas seculares escalas das lutas sociais, dos fluxos e
influxos da economia, da política, da filosofia e da música.
Durante a Idade Média, a Igreja Católica, o centro do poder do mundo por
cerca de mil anos, exerceu o mais duradouro e rígido controle sobre o mundo das
artes, das ciências em particular e da cultura em geral.
Não apenas os elementos semântico-simbólicos na literatura e nas artes
plásticas, mas também a filosofia, as ciências naturais e a política e também a
música foram filtradas e modeladas de acordo com a cosmogonia teocêntrica do
poder. No mundo inculto da Idade Média a cultura foi aprisionada nas bibliotecas dos
mosteiros e dos palácios papais. A música profana foi sacrificada e remetida aos
infernos do silêncio, produzindo-se uma reinvenção do som e da música a serviço do
poder eclesiástico.
Conforme WISNIK (1989, p. 42) escreveu:

“Ao abolir instrumentos rítmicos, percursivos, pondo toda a sua rítmica


puramente frásica a serviço da pronunciação melodizada do texto litúrgico, o
canto gregoriano acaba por desviar a música modal do domínio do pulso
para o predomínio das alturas (o cantochão consiste num circunstanciado

2
Na última parte da citação, quando o autor abre colchetes e reticências, está citando diretamente a
República, de Platão.
6

passeio pelas escalas melódicas, percorridas em seus degraus). Com isso


inaugurou de certo modo o ciclo da música ocidental moderna, preparando
o campo da música tonal, que irá explorar amplamente, já com envergadura
instrumental e com outras complexidades discursivas, as possibilidades de
desenvolvimento de uma organização do campo das culturas em que a
melodia vem para o primeiro plano (e onde a instância rítmica não terá mais
a autonomia e a centralidade que tinha antes, se servindo agora de suporte
para as melodias harmonizadas). A música que evita o pulso e o colorido
dos timbres é uma música que evita o ruído, que quer filtrar todo o ruído,
como se fosse possível projetar uma ordem sonora completamente livre da
ameaça da violência mortífera que está na origem do som (já dissemos que
há, em Santo Agostinho, a consciência do caráter problemático desse
desígnio). A liturgia medieval se esforça por recalcar os demônios da
música que moram, antes de mais nada, nos ritmos dançantes e nos
timbres múltiplos, concebidos aqui como ruído, além daquele intervalo
melódico-harmônico evitando a todo o custo... o trítono. Recalcar os
demônios da música equivale de certa forma, no plano sonoro, a cobrir (ou
rasurar) o sexo das estátuas.”

O advento da modernidade em todas as esferas da cultura e das artes foi


escrito na história como gênese e desenvolvimento da sociedade capitalista.
O Renascimento, a formação dos estados nacionais, as grandes
navegações, o mercantilismo, a reforma, as revoluções burguesas e o
estabelecimento do capitalismo industrial constituíram um caminho que pressupunha
a primasia mercantil-industrial sobre a vida, sobre a multifacetada cultura do mundo.
A música que se produziu durante esse período histórico, a música tonal, pode ser
considerada como a musicalidade da transição entre feudalismo e capitalismo.
Se considerarmos a música tonal como um passo musical na história, um
de seus pés estaria pisando ainda nos estertores do ancièn regime e o outro nos
liames do nascente capitalismo financeiro do final do século XIX. Da polifonia
medieval ao romantismo, a partir do progressivo mutismo do cantochão do século IX
em diante, que se introduz a polifonia passando pela fuga bachiana e sua homofonia
barroca e afirmando-se na tradição clássico-romântica de autores distintos como
Mozart, Beethoven, Schubert, Chopin, Brahms e Mahler.
O sistema tonal foi o som da modernidade, música polifônica, complexa e
progressiva horizontal e verticalmente3, admitindo o conflito e sua resolução dentro
do próprio código musical, como afirmou Wisnik.

3
... qual é o lugar daquela nota: qual é o lugar daquela nota no acorde; e qual é o lugar tanto vertical
quanto horizontalmente. E na atividade musical esse é um fator muito importante, que se poderia
chamar de pressão vertical do discurso horizontal. Significa que a linha melódica e o ritmo caminham
na horizontal, mas há uma pressão vertical do acorde, das harmonias, que está sempre ali. Nesse
aspecto a música é igual à história, que tem de ser vivida tanto simultânea quanto
subseqüentemente.
7

E essa progressiva complexidade do fraseado musical pressupõe a idéia


de progresso ilimitado da humanidade, da aventura humana avançando sobre a
natureza. A sanha da técnica em evolução, o aprofundamento da razão e da ciência
instrumentalizadas, a colonização e subordinação dos povos a um ocidente em
movimento, a marcha irrefreável do capitalismo, da sociedade burguesa para a
conquista do mundo.
Mas essa música que hoje popularmente conhecemos por clássica ou
erudita tinha e ainda tem o seu lócus sagrado: a sala ou câmara de concertos. É aí
que se completa a filtragem, a manipulação socialmente empreendida que começa
com autoria da partitura, na escolha prévia dos sons constituintes de uma época e
na sua elaboração musical e termina com a expulsão do ruído, que só retorna com
os aplausos do público após o término da apresentação.
Desde o aparecimento dos primeiros mecenas até a completa substituição
do poder eclesiástico pelo poder do dinheiro, o ocidente europeu produziu uma
música à semelhança da sociedade burguesa, que se esgotou pela saturação, pela
impossibilidade da criação inovadora no interior do próprio código tonal.
De acordo com WISNIK (1989, p.149):

“O desenvolvimento da orquestra clássica anuncia embrionariamente aquilo


que será o sinfonismo moderno, cuja formação não deixa de ser comparável
à transformação da oficina de artesãos (com que se parece à música
barroca) na fábrica dividida em setores especializados sob a condução de
um chefe, forma que ela assumirá cada vez mais marcadamente no século
XIX.”

TOFFLER4, apud WISNIK (1989, p. 240, 241) afirma que:

“Auditórios maiores exigiam sons mais altos – música que pudesse ser
ouvida claramente até a última fileira. O resultado foi a mudança da música
de câmara para formas sinfônicas [...] A orquestra até refletia certas feições
da fábrica em sua estrutura interna. No princípio, a orquestra sinfônica não
tinha regente ou a regência era passada ao redor entre os músicos. Mais
tarde, os músicos, exatamente como os trabalhadores numa fábrica ou num
escritório burocrático, foram divididos em departamentos (seções de
instrumentos), cada um contribuindo para a produção (a música), cada um
coordenado de cima por um gerente (o regente) ou mesmo, eventualmente,
um subgerente muito baixo na hierarquia da gerência (o primeiro violonista
ou chefe de seção).”

O final do século XIX e o início do XX que Hobsbawm5, chamou de a era


das revoluções, foi também a era das dissonâncias, quando se manifestou

4
Escritor do livro A Terceira Onda
8

claramente a ruptura da lei da gramática tonal: “levar as tensões, a qualquer custo,


para a resolução”.
De um modo geral, apogeu e crise do capitalismo coincidem com o
apogeu e crise da música tonal. Do atonalismo de Schoenberg, por volta de 1909 ao
dodecafonismo do início dos anos 20 e daí para música de concerto moderno, a
música serial, o jazz, o rock, o minimalismo dos anos 60 e todas as vanguardas
musicais que se sucederam.
É possível que o gérmem da crise já estivesse lá, há tempos, mesmo
antes da invenção da câmara de concerto burguesa, inoculado nas partituras de
uma fuga de Bach ou numa sonata de Beethoven6, antes que se prenunciassem as
composições de um Wagner7, como os elementos da crise de reprodução capitalista
foram geridos durante a acumulação primitiva.
Mas é fato que a completa transformação da música em mercadoria, com
o advento da indústria fonográfica, é que tornou possível ou pelo menos tangível, a
música como crítica social. A música popular como reverso crítico da grande
indústria cultural e sua cultura de massas para o universo musical8.

5
Historiador inglês contemporâneo, autor de obras como A Era das Revoluções.
6
Na música do período clássico você espera uma ordem natural, uma seqüência natural de tensão e
repouso. E, portanto, quando você tem um acorde de dominante, sabe que ele vai se distender na
tônica. E, quando a Primeira Sinfonia de Beethoven foi executada pela primeira vez, provocou um
tremendo choque, porque começa com o acorde da sétima de dominante não de dó (que é a tônica
de dó maior), mas de fá (que é o quarto grau ou a subdominante de dó maior). O choque que ela
provocou não foi dinâmico nem rítmico, mas harmônico... O que caracteriza a fase final de
Beethoven? Bem, ela desafia a síntese. Algumas obras dessa fase, como a última sonata, que tem só
dois movimentos, ficaram inacabadas. A última sonata desafia algumas expectativas. Há nelas
episódios estranhamente dissonantes e abruptos. (BARENBOIM, D; SAID, E. W., p. 139, 140, 141).
7
Por que Wagner assinala um momento decisivo da música? Por que sempre se pergunta o que
aconteceu “depois de Wagner”? A principal resposta é: a perda da tonalidade. Com a perda da
tonalidade, a música perde certa dimensão que é impossível sem a harmonia. Durante gerações, de
Bach a Wagner, houve um idioma musical e uma espécie de consenso racional, e agora não há mais.
É como se tivessem deixado de existir... É exatamente o princípio de Tristão, que repousa na falta de
resolução, sempre propondo outra pergunta. (BARENBOIM, D; SAID, E. W., p. 139).
8
O surgimento da indústria fonográfica criaria o mercado musical para a música produzida em série,
como mercadoria, portanto, em geral, uma música standardizada, própria ao consumo de grandes
massas.
9

2 DO LADO DE FORA DO CONCERTO – A MÚSICA POPULAR

A música não nasceu popular nem erudita. Surgiu dos ritos tribais como
um meio de diálogo com o desconhecido, como esteio para sacrifícios aos deuses e
de exorcismo contra os demônios.
Muito depois, passados milênios da história humana, é que algumas
sociedades e suas culturas puderam produzir música como atividade profana.
Várias sociedades não romperam com essa relação, digamos, umbilical.
Manteve-se em suas culturas a dimensão mítica da música como seu uso exclusivo,
decorrência do não desenvolvimento de relações mercantis de produção, do Estado
e de classes sociais.
De um modo geral, a eclosão do capitalismo enquanto fenômeno mundial
dizimou ou submeteu a quase totalidade dessas culturas a um processo de
aculturação/assimilação. As nações indígenas do continente americano da África, da
Oceania, e de outros cantos do mundo são prova viva – ou morta – dessa história ou
desse processo que já foi chamado civilizatório.
E por mais paradoxal que nos pareça, hoje uma musicalidade tribalista e
modal permeia o universo musical do ocidente misturada a várias formas musicais
contemporâneas, como tributo de uma vanguarda musical que canta e toca a música
dos “vencidos”. WISNIK (1989, p. 11) define assim:

“Há um vazamento daqueles bolsões que separavam tradicionalmente o


erudito do popular, além de que a música ocidental redescobre as músicas
modais, com as quais se encontra em muitos pontos. Os balineses e os
pigmeus do Gabão são contemporâneos de Stockhausen. Os cantores
populares da Sardenha, com suas impressionantes polifonias, assim como
as mulheres búlgaras (que mantém vivo o canto imemorial da Trácia, pátria
de Orfeu e Dionísio), são focos brilhantes das sonoridades presentes no
mundo. O funk e a música eletrônica convergem juntamente no sintetizador.
O jazz e especialmente o rock se alimentam da oscilação cíclica entre
processos elaborados e processos elementares. A canção faz, em
momentos privilegiados, a ponte entre a vanguarda e os meios de massa.”

E o caráter implacável da história humana, sobre a base da acumulação


como seu elemento propulsor determinante, fundou o Estado moderno e uma nova
sociedade de classes lastreada pela idéia de progresso ilimitado.
Sociedade complexa, mas edificada sobre o conflito, portadora da crise
como elemento genético e, entretanto sustentada pela idéia dominante de uma
10

história natural dos homens onde o Midas do capital transformou tudo em


mercadoria, inclusive a música... e o próprio homem.
A idéia de igualdade numa ordem social fundada no princípio da
desigualdade cristalizou-se como a premissa fundadora do capitalismo: desiguais
feitos iguais pela igualdade das leis e pelas oportunidades desiguais do mercado. O
mesmo princípio guia a teoria da mão invisível de Adam Smith e a mão do regente
que comanda o concerto tonal: levar o conflito ou a tensão à resolução, mas nos
limites do próprio código ou da ordem vigente.
As maiorias não foram convidadas para os concertos e a isso devemos a
existência da música popular, também depois transformada em mercadoria.
A riqueza da cultura popular expressa pela música como nos primeiros
blues, os primeiros passos do rock, o samba antes de descer o morro.
E mesmo antes da existência da grande indústria cultural, com os lundus,
modinhas e depois com os chorinhos, o samba e as marchinhas de carnaval, o
baião, revelam a tensão existente entre o fenômeno da música popular transformada
em mercadoria e a capacidade que a música popular (os músicos e a musicalidade
popular) tem de atacar, de disparar a crítica contra as mais variadas dimensões da
ordem constituída.
Pensadores da cultura popular brasileira como Antônio Cândido9, não nos
esquecendo da genialidade de um Mário de Andrade e outros, captaram essa
dimensão, fazendo uma leitura de texto e contexto da musicografia da MPB. Entre
eles, WISNIK (1979-1980, p. 12,13) diz o seguinte:

“De um lado, sabemos que esse ‘tratamento’ industrial-capitalista tende a


conferir à canção os traços da mercadoria produzida em série, que tem
como horizonte a estandardização, isto é, a subordinação a padrões
10
uniformizados de vendabilidade. O pensador T. W. Adorno , por exemplo,
afirma que, no interior desse tipo de produção para o lucro a mercadoria
engana o ouvinte ao seduzi-lo com a promessa do valor-de-uso da sua
fruição, quando a única coisa que ela realmente oferece é seu prestígio
consumível, o fantasma de um valor musical intrínseco que ela não tem.
Assim é que os apelos dessa música regressiva, segundo ele, excitam e
não satisfazem, agradam pela ‘novidade’ do prazer que frequentemente
parecem fornecer, e decepcionam permanentemente pelo fundo de
redundância e mesmice que abrigam e frequentemente escondem... um
valor de uso falsificado e imaginário que encobre, vicariamente, o valor de

9
Pesquisador da cultura brasileira, autor do famoso ensaio sobre música popular brasileira intitulado
“Dialética da Malandragem”, apud BAHIANA, A. M.; WISNIK, J. M.; AUTRAN, M., Anos 70: Música
Popular, Europa Emp. Graf e Edit. Ltda, 1979-1980, 7v, p. 12-13.
10
Theodor W. Adorno, “Sobre el caracter fetichista em la musica y la regresión del oído”,
Disonancias, Madrid, RIALP, 1966.
11

troca... A má vontade para com a música popular em Adorno é grande.


Podemos entendê-la num europeu de formação erudita... o uso musical
para ele é a escuta estrutural estrita e consciente de uma peça, a percepção
da progressão das formas através da história da arte e através da
construção de uma determinada obra. Por outro lado, o equilíbrio entre
música erudita e a popular, num país como a Alemanha, faz a balança cair
espetacularmente para o lado da tradição erudita, porque a música popular
raramente é penetrada pelos setores mais criadores da cultura... Ora, no
Brasil a tradição da música popular, pela sua inserção na sociedade e pela
riqueza artesanal que está investida na sua teia de recados, pela sua
habilidade em perceber as transformações da vida urbano-industrial, não se
oferece simplesmente como um campo dócil à dominação econômica da
indústria cultural que se traduz numa linguagem estandardizada, nem à
repressão da censura... e nem a outras pressões que se traduzem nas
exigências do bom gosto acadêmico ou nas exigências de um engajamento
estritamente concebido.”

E WISNIK (1979-1980, p. 13, 14) vai adiante:

“No Brasil, a música erudita nunca chegou a formar um sistema onde


autores, obras e público entrassem numa relação de certa correspondência
e reciprocidade... O uso mais forte da música no Brasil nunca foi o estético-
contemplativo, ou da ‘música desinteressada’, como dizia Mário de Andrade,
mas o uso ritual, mágico, ou o uso interessado da festa popular, o canto-de-
trabalho, em suma, a música como um instrumento ambiental articulado
com outras práticas sociais, a religião, o trabalho e a festa. Com a
urbanização e a industrialização esse uso ganhou uma amplitude ainda
maior na caixa de ressonância das grandes cidades, com o advento do
rádio, do disco e do carnaval moderno. Sobre o batuque coletivo do samba
foi se desenhando o melos individual do sambista, que canta com malícia e
altivez a sua condição de cidadão precário, entre a ‘orgia’ e o trabalho,
numa dialética da ordem e da desordem... O fenômeno da música popular
brasileira talvez espante até hoje, e talvez por isso mesmo também continue
pouco entendido na cabeça do país, por causa dessa mistura em meio a
qual se produz: a) embora mantenha um cordão de ligação com a cultura
popular não letrada, despreende-se dela para entrar no mercado e na
cidade; b) embora se deixe penetrar pela poesia culta, não segue a
evolutiva da cultura literária, sem filiar-se a seus padrões de filtragem; c)
embora se reproduza dentro do contexto da indústria cultural, não se reduz
às regras de estandardização. Em suma, não funciona dentro dos limites
estritos de nenhum dos sistemas culturais existentes no Brasil, embora
deixe-se permear por eles...”

É assim que a música popular no Brasil, mais em alguns períodos que em


outros, rebela-se contra a sua condição de mercadoria, revelando valores-de-uso
conceituais que penetram pela malha da peneira da grande indústria cultural.
Conceitos que se tornam usança popular, comunicando-se da canção popular com o
cotidiano nos seus mais variados aspectos.
Apesar do senso comum ininterruptamente alimentado pela grande
indústria cultural, tendo como um de seus veículos a música popular11, podemos

11
(Nota dos autores) “Com todas as torrentes de ‘senso comum’ tantas e tantas vezes encobertas de
tintas de ‘bom senso’, o populário musical brasileiro mais rés do chão, ainda assim, muitas vezes
12

afirmar que em muitos lugares do mundo a música e a musicalidade do povo


possuem esta dimensão de reinventar ciclicamente a condição humana no interior
das culturas de massas, funcionando como uma forma de resistência. Talvez por ser
a música a mais popular entre todas as manifestações artísticas, ela consiga
produzir continuamente novas formas de comunicar facilmente assimiláveis pela
cultura popular e por intermédio delas vazar pela filtragem ideológica do ‘socialmente
aceito’ pela indústria cultural e pela instituição fantasma chamada opinião pública,
quer dizer, pelas classes dominantes e suas idéias, fazendo a crítica por dentro da
crônica do cotidiano. Tem uma letra do Caetano12 que exprime muito bem essa
idéia: “... Se você tem uma idéia incrível / é melhor fazer uma canção / Está provado
que só é possível filosofar em alemão... //”
E essa crítica por dentro da crônica, expressada pela canção popular,
perpassa todo o universo da MPB, em todos os períodos históricos e nos mais
variados gêneros, estilos e gostos musicais.
Desde os primeiros passos da canção popular brasileira até os dias de
hoje, podemos verificar inúmeras manifestações dessa crônica-crítica cantada em
várias épocas, com vários estilos, tratando de muitos temas.
Quanto ao papel da mulher na sociedade colonial e patriarcal, podemos
citar, entre tantos outros exemplos, um lundu do século XIX, citado em “A
Moreninha”, obra de Joaquim Manoel de Macedo13:

“Menina solteira / Que almeja casar, / Não caia em amar / A homem algum; /
Nem seja notável / Por sua esquivança, / Não tire a esperança / De amante /
nenhum. // Mereçam-lhes todos / Olhares ardentes; / Suspiros ferventes /
Bem pode soltar: / Não negue a nenhum / Protestos de amor; / A qualquer
que for / O pode jurar. // Os velhos não devem / Formar exceção, /
Porquanto eles são / Um grande partido; / Que, em falta de moço / Que
fortuna faça, / Nunca foi desgraça / Um velho marido. // Ciúmes e zelos, /
Amor e ternura, / Não será loucura / Fingida estudar; / Assim ganhar tudo /
Moças se tem visto; / Serve muito isto / Antes de casar. // Contra os
ardilosos / Oponha seu brio: / Tenha sangue-frio / Pra saber fugir; / Em
todos os casos / Sempre deve estar / Pronta pra chorar, / Pronta pra rir. //
Pode bem a moça, / Assim praticando, / Dos homens zombando, / A vida
passar; / Mas, se aparecer / Algum toleirão, / Sem mais reflexão, / É logo
casar. //”

coloca questões que ultrapassam esse mesmo senso comum. Parece espantoso mas também
sintomático, que Odair José, aquele do ‘...pare de tomar a pílula...’ tenha sido um dos compositores
mais censurados pela ditadura militar.
12
Caetano Veloso - Língua – Disco Ventos do Norte ao vivo – ano 2000
13
MACEDO. J. M. “A Moreninha”, edição didática, 1968. p. 85, 86.
13

A letra é uma espécie de aconselhamento à “moças de bem”, “moças de


família”, conselhos que tratam do enquadramento à moral patriarcal, mas em um ou
outro trecho (Por sua esquivança... Bem pode a moça... Assim praticando... Dos
homens zombando... A vida levar...) o autor dá como coisa normal certas liberdades
femininas avessas à moral dominante da época. Fazendo uma correlação com um
velho ditado, talvez o autor quisesse dizer que preceitos morais também são “feitos”
para serem burlados. Assim como as leis.
Outro exemplo também longe no tempo, uma chula carioca editada em
Lisboa em 1798, dá um retrato nu e cru da sociedade escravista do Brasil colônia, ao
tratar da atração do “Sinhozinho” pela escrava, revelando as raízes do racismo à
brasileira:

“Onde vás, linda negrinha / Com esse teu desamor / Não corras com tanta
pressa / Tem pena de mim tem dó / ... Linda perfeição / Não queira dar
penas /Ao meu coração / ... Ora anda pra cá / Que eu vou pra lá... Pois já
que te queres ir / Vai cachorra nas más horas / Cara de horrendo macaco /
Tintas de negras amoras... Vai-te ferreiro maldito / Cara de chaminé / Fazer
flor aos crioulos / Que são forma do teu pé... //”

Poderíamos citar e comentar outras tantas canções, correndo pelas


décadas de nossa história e desfilando pelos inúmeros gêneros de nossa rica
história musical.
Vejamos alguns deles:
Foi com o samba, testemunha musical-popular do início da urbanização e
da industrialização nos primeiros anos do século passado, que a canção popular
brasileira começou a desenvolver um senso mais agudo para revelar as misérias da
existência humana na crônica do dia-a-dia. Utilizando quase sempre a sátira sutil,
mas muitas vezes direta, servia-se também do deboche e outras formas
aparentemente simplórias e até resignadas, quase sempre carregadas de certa
sabedoria popular que penetrava as contradições sociais pela observação musical,
expondo todo o tipo de opressão.
No início do século passado, na então capital da república, tempo em que
manifestações da religiosidade e da cultura popular como o candomblé e a umbanda
eram tidos e tratados como caso de polícia, o samba também não teve diferente
sorte. Assim, tudo leva a deduzir que não foi por acaso que o primeiro dos sambas a
ser gravado como samba, trate justamente da coerção e da repressão a que a
nascente expressão musical então sofria.
14

“Pelo telefone” foi gravado pela primeira vez em 1916 e cantado na


avenida no carnaval de 1917, meses depois. Existem várias interpretações relativas
à sua autoria, como a de que Mário de Almeida teria ganhado a parceria por tê-lo
registrado, sendo a composição unicamente de Donga. Entretanto, há uma vertente
de interpretação defendida por Ruy Castro, Wisnik e outros, de que o samba fora
autoria coletiva de compositores como Donga, João da Baiana, Heitor dos Prazeres
e uns mais, que freqüentavam os saraus musicais em casa de Tia Ciata, velha e
famosa baiana que migrou para o Rio. A casa de Tia Ciata é, por isso, tida e
cantada, até hoje, como o berço do samba. É interessante a análise que Ruy Castro
faz da história de “Pelo Telefone”:

“O primeiro samba a fazer sucesso com a palavra samba impressa no disco,


‘Pelo Telefone’ foi composto – onde mais? – na casa se Tia Ciata. Segundo
várias correntes, foi uma criação coletiva dos jovens músicos negros que
não saiam de lá, entre os quais Donga, João da Baiana e Heitor dos
Prazeres, todos filhos das ‘tias bahianas’, mas já nascidos no Rio. Criação
coletiva ou não, quem o registrou na Biblioteca Nacional e passou à história
como seu autor foi o violinista Donga, em parceria com outro habitué de
Ciata, o repórter branco do jornal do Brasil Mauro de Almeida. É possível
que Mauro (cujo apelido, maravilhoso, era ‘Peru dos Pés Frios’). Tenha
apenas dado forma definitiva as várias versões da letra cantadas na casa
de Ciata, mas isso não tira a beleza do fato de o primeiro samba oficial ter
sido assinado por um negro e um branco.” CASTRO (2003 p. 84).

Existem algumas versões do samba que até hoje rivalizam o título de “a


original”, mas independente dessas disputas, o que mais importa é que a
musicalidade popular e inventiva se apropriou do samba, fazendo assim o batismo
do gênero pouco depois do seu “nascimento”, investindo-o da mais ousada picardia
contra o chefe da polícia que fazia vista grossa ao jogo que corria solto pelas ruas.
Diz essa versão: “O chefe da polícia / pelo telefone manda me avisar / que na
carioca tem uma roleta para se jogar... //”
Outra versão, relacionando carnaval e orgia, dava o seguinte recado:

“O chefe da polícia / com toda carícia / mandou-nos avisa / que de rendez-


vuzes / todos façam cruzes pelo carnava... / a lei da polícia / tem certa
malícia / bastante brejeira / o chefe ranzinza no dia da cinza / não quer Zé
Pereira... //”

Entre outras várias, pouco depois da gravação “original”, foi publicada em


um jornal uma nova letra, criticando dessa vez a suposta usurpação do seu
verdadeiro autor:
15

“Pelo telefone / minha boa gente / mandou-me avisar / que o meu bom
arranjo / era oferecido / para se cantar / ai, ai, ai, leva mão a consciência
meu bem... / ó que cara dura dizer na roda / que o arranjo é teu / é do bom
Hilário e da velha Ciata / que o Sinhô escreveu... / tomara que tu apanhes /
pra não tornar a fazer isso / escrever o que é dos outros sem olhar o
compromisso”. //

Pesquisadores como Sérgio Cabral, defendem a tese de que “Pelo


Telefone” é obra de Donga e Mauro enquanto outros, como o sambista Almirante,
afirma tratar-se de produção coletiva incluindo Donga, Mauro, Sinhô, a própria Tia
Ciata e outros. Há ainda a hipótese de que a letra teria sido construída a partir de
um outro “samba” pernambucano e também a versão de Mário de Almeida e outros
de que sua letra se inspirou nas histórias de João do Rio.
Verdadeira qualquer versão, a verdade realmente significativa foi que
apesar da paternidade incerta de seu primeiro rebento, o samba como estilo musical
foi adotado efusivamente pelo povo e logo transformado em mercadoria de consumo
popular Brasil afora.
As marchinhas carnavalescas constituem um grande acervo relativo a um
tipo de olhar muito característico acerca da sociedade brasileira. Seu lócus foi o Rio
de Janeiro e sua época ali dos anos de 1920 até o meio da década de 1960.
Rui CASTRO (op. cit. p. 85 e 86) tece o seguinte comentário sobre o
nascimento das marchinhas:

“Em 1920, Sinhô se superou: acoplou a velha polca ao novo ragtime


americano (ambos filhos das marchas militares européias), deu ao resultado
a picardia da praça Onze e, com ‘O pé de anjo’, sintetizou o outro grande
ritmo carnavalesco: a marchinha – espécie de irmã brasileira do fox-trot e
com vários antepassados em comum”.

Substituta das antigas modinhas, as marchinhas eram compostas por


todo o ano, para serem cantadas no carnaval.
Possuíam, digamos, um duplo caráter. De um lado, aos olhos do
observador de nossos dias, nada ou quase nada seria mais politicamente incorreto,
pois tantas delas tinham como característica uma ofensividade dirigida aos
oprimidos em geral.
Nesta perspectiva, transportavam para a folia carnavalesca a pesada
carga de preconceitos enraizada na sociedade da época.
16

Mas de outro lado às marchinhas também foram contundentes na crítica


contra os mandos e desmandos das autoridades, dos governantes e dos poderosos
em geral. Sua linguagem foi sempre a sátira impiedosa.
Rui CASTRO (2003, p. 95, 96, 97) discorre assim sobre as marchinhas:

“Nada podia ser mais politicamente incorreto do que as marchinhas. Suas


letras eram ‘ofensivas’ a qualquer grupo que você pudesse imaginar:
negros, índios, homossexuais, gordos, carecas, gagos, adúlteras, mulheres
feias, maridos em geral, patrões, funcionários públicos – para cada um
desses temas fizeram-se várias marchinhas arrasadoras. Mas eram tão
divertidas ou absurdas que, incrivelmente, ninguém parecia se ofender.
Outros alvos eram o custo de vida, os baixos salários, a falta d´água, o
‘progresso’, e a destruição de redutos históricos da cidade como a Lapa e a
praça Onze. Durante a segunda guerra elas se politizaram e ridicularizaram
Hitler e os japoneses. Seus autores eram o creme da música brasileira do
período: Ary Barroso, Noel Rosa, Benedito Lacerda, Ataulfo Alves, Herivelto
Martins. E havia os especialistas em Carnaval, os reis das marchinhas,
como Lamartine Babo, João de Barro, Nássara, Haroldo Lobo, Wilson
Batista, Roberto Martins, Luiz Antonio, Klecius Caldas, João Roberto Kelly...
Nem todas as marchinhas eram do contra. Algumas eram a favor – só que a
favor da boemia, do calor, da vagabundagem, do calote, da embriagues, da
solteirice e, óbvio, da nudez (dezenas de músicas sobre Adão e Eva).”

O samba e a marchinha nasceram com o duplo caráter que caracteriza a


música popular enquanto produção artística: de um lado reproduzem o senso
comum, abrigando e mesmo reforçando preconceitos enraizados na consciência
popular; por outro lado, fazem o contraponto às mazelas da vida, nas suas múltiplas
facetas.
Noutros termos, samba e marchinha, assim como outros gêneros que os
precederam e outros mais que vieram depois, realizaram as duas funções básicas
da arte, segundo a definição de Ernest FISCHER (1963, p. 10, 11):

“O homem deseja ardentemente absorver o mundo que o rodeia, torná-lo


seu. Anseia por prolongar, graças à ciência e a tecnologia, o seu eu curioso
e faminto de mundo até as mais remotas constelações e aos mais
profundos segredos do átomo, anseia por unir na arte o seu eu limitado a
uma existência comunitária e por tornar social a sua individualidade... Não
conterá a arte, também, o contrário dessa perda dionisíaca de si mesma?
Não conterá a arte igualmente o elemento apolíneo de espetáculo e
satisfação que consiste precisamente no fato de que o observador não se
identifica com o que está a ser representado, resiste ao poder direto da
realidade através da representação do consciente e encontra na arte aquela
feliz liberdade de que o fardo da vida cotidiana o priva?”

Enfim, a música popular, como a arte em geral, exprime a necessidade da


busca do universal humano, ao mesmo tempo em que também afirma a dimensão
necessária do lúdico, da distração. Como música, independente mesmo de seus
17

significados cantantes, possui as dimensões ao apropriar-se do real, de exprimi-lo –


ou de interroga-lo – e da fuga dessa mesma realidade.
18

3 ESSE TAL DE ROCK AND ROLL

Como já dissemos logo nas primeiras linhas deste trabalho, toda música
possui uma relação significativa com a sociedade que a criou.
Dito de outra forma, aspectos os mais diversos de uma sociedade podem
ser revelados na música ou nas formas musicais que ela produz ao longo da história.
É um axioma da história da humanidade o fato de que a música, assim
como as demais formas de produção artística, é atividade socialmente elaborada,
como a cultura de um modo geral. Mesmo a cultura, que sentimos parecer algo
autômato, tem um entrelaçamento dialético com a história passada e presente. A
arte de um modo geral, em qualquer tempo não pode ser produzida e muito menos
entendida se abstraída a historicidade de sua época.
Em síntese, por detrás de todas as coisas e fenômenos que não
pertençam ao mundo natural, extra-humano, está o homem.
O homem é seu criador, como ente universal, apesar de que a
complexidade crescente de sua vida tenha particularizado a sua existência,
impedindo-o ou dificultando-o de se reconhecer no conjunto de sua produção.
No que se refere à concepção estética da arte, de forma correlata com o
que ocorre com a consciência acerca da economia, a produção e reprodução da
existência humana, desenvolve-se um estranhamento ante as formas de sua
manifestação. Assim, apenas os setores mais avançados e criativos vislumbram e
exploram os nexos existentes entre sociedade e cultura, sociedade e arte de um
modo geral, sociedade e música, particularmente.
Se o cinema é a arte burguesa por excelência, não simplesmente porque
surgiu num tempo em que o capitalismo encontrava-se já formado e senhor do
mundo, mas porque sua essência pressupõe uma produção artística a partir da
reprodução da realidade em movimento, o rock é a música da terceira revolução
tecnológica do capitalismo, porque trouxe nos seus acordes, os ritmos, pulsos e
ruídos, a velocidade e a sonoridade da máquina à explosão e da eletricidade,
imprimindo à canção, à dança e ao comportamento, um processo de reação e
adaptação a esse novo habitat de som e movimento.
O homem do pós-guerra era um outro homem, bastante diferente se
comparado com as gerações anteriores. A realidade do capitalismo de meados dos
19

anos 40 ao início dos 50 em diante abriu um novo horizonte para a história,


podemos dizer uma nova modernidade. A esse respeito, parece-nos interessante
atentar para a definição de modernidade que Marshall BERMAN (1986, p.15) traça
em “Tudo o que é sólido desmancha no ar”:

“Existe um tipo de experiência – experiência de tempo e espaço de si


mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é
compartilhado por homens e mulheres em todo o mundo, hoje. Designarei
esse conjunto de experiências como modernidade. Ser moderno é
encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria,
crescimento, autotransformação das coisas em redor – mas ao mesmo
tempo ameaça tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A
experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas
e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido,
podemos dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma
unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela despeja a todos num
turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição,
de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no
qual, como disse Marx, tudo que é sólido desmancha no ar.”

Com o final da Segunda Guerra em 1945, os rearranjos da política


internacional que se seguiram, uma revolução tecnológica em rápido processo e a
construção de uma nova ordem econômica baseada num longo boom de
crescimento da economia mundial comandado pelos Estados Unidos, mudaram a
face do planeta.
Dessa nova cena emergiu uma nova consciência, que se consubstanciou
em novas formas de agir, de sentir, de pensar o mundo. Conseqüentemente, se
produziu uma nova cultura e novas formas de se fazer arte, em todos os campos.
As artes plásticas, o teatro, a literatura e a poesia, e o cinema, produziram
novas abordagens, novos olhares focados sobre esse novo mundo. Foi também
nesse ambiente de mudanças e novos estados de consciência que a música legou a
humanidade um de seus movimentos artísticos mais importantes de toda a história,
o Rock and Roll.
Não pretendemos escrever uma história do rock. Tal pretensão implicaria
outro fôlego de pesquisa e também outra abordagem. Não dispensaremos o recurso
à história de seus estilos, motivações e épocas, em seus largos traços. Daremos,
porém, ênfase ao que o rock possa ter de seu, particular em relação aos demais
estilos de música. Se é que é possível, uma breve ontologia do rock. Vejamos:
Na sua relação com a sociedade WISNIK (1989, p. 217) definiu assim o
surgimento do rock:
20

“O rock quando surgiu era um extravasamento de energia para fora do


campo de dança usual, o casal de corpo colado e pé no chão. Mas era uma
sobra de energia típica do mundo elétrico-mecânico, que fazia os corpos
voarem e girarem rapidamente em todas as direções (levados no ritmo do
boom econômico do pós-guerra).”

E com essas poucas palavras, consumou uma síntese contemporânea:

“O rock é a centelha que espalha, no campo das músicas dançantes, a


novidade do pulso-ruído. A intensidade e o timbre hiperbolizados estouram
a retícula das elementares cadências tonais da base (a harmonia é rasgada
pelas sonoridades da voz e da guitarra, golpeada pela bateria e soterrada
sob os decibéis do conjunto). De Little Richard a Jimi Hendrix, de Rolling
Stones a Prince, o rock percorre todas as refrações da sua ‘dialética’ e entra
com o jazz e a música ‘contemporânea’ de concerto, em loop – num
processo circular de autocitação e autonegação, em reverberação
simultaneizada com a sua própria história.” WISNIK (1989, p. 216).

Nesse novo ambiente definido por Berman e com essa nova energia
dissecada por Wisnik, o rock não se instalou mansamente, sem resistência.
Ao contrário, o rock e sua gênese pressupõem tensão. A economia de
guerra e a industrialização acelerada nos Estados Unidos resultaram em grandes
levas de migrantes dos campos e dos pequenos núcleos urbanos, para as grandes
cidades. Foi assim que o blues e o country se misturavam com o jazz e o rhythm and
blues. Músicas negras e brancas do campo, das pequenas cidades e dos grandes
centros urbanos entraram num processo centrífugo de influências. O rock é filho
dessa mecânica. “Pronto”, sua química não deixaria mais de criar forças centrípetas
de renovação.
O rock surgiu dessa mistura de ritmos, como música e estilo de vida da
juventude americana. Porém, setores das gerações do entre-guerras e do início
daquele século não o receberam com o mesmo entusiasmo.
O mesmo conservadorismo e racismo que impôs a segregação racial ao
nascente american way of life, não pouparam forças na tentativa de impedir a
disseminação do rock ou mesmo liquidar aquele “menino” que acabara de nascer.
Os primeiros roqueiros eram negros e os primeiros rock stars, Chuck
Berry e Little Richard, também. E mais: o próprio nome rock and roll originara-se de
uma expressão idiomática dos negros americanos, relacionada ao ato sexual. O
establishment reagiu.
As pressões e perseguições que artistas como Chuck Berry e Little
Richard sofreram por parte da mídia e da justiça, por serem negros, mas acima de
tudo por serem astros negros de um público crescentemente branco, são hoje parte
21

de uma história do rock que muitos se esforçam por deixar esquecida. Allan Freed,
empresário musical que em 1951 criou um programa de rádio chamado Moon Dog
Show, logo renomeado Moon Dog Rock na Rool Party, o primeiro unicamente
dirigido ao rock, também seria implacavelmente perseguido, acusado de corruptor da
juventude. Allan era branco, mas o seu entusiasmo pelo rock o colocaria do outro
lado da barricada, junto com os negros pobres e o rock and roll, contra a moral e os
bons costumes. Mas como a história costuma ser cruel com as filosofias e filósofos
que intentam enquadrá-la em moldes, turbilhões de jovens brancos aderiram à nova
onda.
Esse crescente fascínio que o rock exercia também sobre setores da
juventude branca e de maior poder aquisitivo, fez com que, já em 1949, “The Fat
Man”, de Chuck Berry, vendesse mais de um milhão de cópias. No mesmo ano Little
Richard, com hits como “Tutti Frutti” e “Long Tall Sally” era também sucesso.
A grande indústria fonográfica se curvou ao rock. Afinal busines is
busines... E logo apareceriam Bill Haley “com seus” The Comets cantando “Rock
Around the Clock”, Elvis com “That’s all Right Mama” e “Blue Moon of Kentuck”. E
Jerry Lee Lewis com “Crazy Arms” e “Whole Lotta Shakin Going On”. O rock já tinha
seus astros brancos e de moda tida por muitos como passageira tornou-se uma
cultura de massas, que se auto-alimentava, uma espécie de camaleão de ritmos,
vestes, idéias e humores, que se reinventa constantemente.
É indiscutível que o nome Elvis Presley esteja até hoje gravado no
imaginário popular como o rei do rock, mas sua breve rebeldia conferida pela
sensualidade da postura e da dança do primeiro momento foi logo ofuscada quando
o eterno galã voltou do serviço militar. Suas baladas românticas não representavam
mais a rebeldia característica do rock.
Se em termos de música é aceito que quem definiu o rock como estilo foi
Bill Halley, distanciando-o da cadência do blues e aproximando-o do country, com
uma batida de 4X4 com a 2ª e a 4ª acentuadas, também é inegável o peso da
influência negra de sua origem e o papel desempenhado por Chuck Berry.
O rock ganharia o mundo levado pelo cinema. A trilha sonora do filme
“Blackboard Jungle” (Sementes da Violência), que tinha como tema os conflitos entre
professores e alunos, chegaria às grandes telas em 1955, dando um novo e
definitivo impulso à nova rebeldia musical e dançante, mesmo que ainda “sem
causa”.
22

Transformaria o conjunto guitarra, baixo e bateria em uma espécie de


mini-orquestra universal que passaria a dar vazão a um novo estado de espírito que
não cabia (não se ajustava) nas músicas populares tradicionais.
Mas foi nas cidades portuárias da Inglaterra que se criaria o fenômeno
Beatles e logo depois os Rolling Stones. Aqueles, inicialmente bem comportados
com rocks românticos e um visual tipo Doo Woop (o estilo dos grupos vocais de
rock, que usavam terninhos, estalavam os dedos e eram muito afinados) e os
últimos já com uma rebeldia arrebatadora, tanto na postura de durões quanto nas
letras.
O rock pós Elvis se consagraria com os Beatles a partir do álbum
“Revolver” e com os Stones e outros grupos britânicos como The Woo, The Kinks e
The Faces. O inglês falado do outro lado do Atlântico daria ao rock uma temática e
uma postura que se tornariam sua marca recorrente.
Após espalhar-se pelo mundo, na década de 60, a onda rock voltaria à
terra natal, fazendo surgir Bob Dylan e Joan Baez e a fusão com o folk, The Doors
de Jim Morrison, as dissonâncias da guitarra de Jimi Hendrix, o rock blues negro da
branca Janis Joplin.
Era o início do movimento hippie e o encontro do rock com a pop art de
And Warhol, que no início continha a crítica à sociedade de consumo, e a
contracultura do movimento beet de escritores como Kurt Jonnegut e Jack Keroval.
O rock já não era mais a rebeldia “sem causa”, que sacudia o mundo
como uma descarga elétrica levando as mensagens da revolução sexual, cultural e
das drogas como forma de expandir a mente. O rock agora passava a negar os
valores estabelecidos e a moral dominante14.
Com o final da guerra na Coréia, viria o Vietnã e uma onda de protestos e
resistência contra a política do imperialismo americano que encontrou no rock o seu
amplificador de ressonância mundial, culminando com os grandes festivais, que
tiveram em Woodstok o seu ponto máximo.
O início dos anos 70 assistiram a uma nova metamorfose do rock. A
música maldita, taxada de obra do diabo15 e veículo do comunismo –

14
(Nota dos autores) É interessante refletir sobre o fato de que o lema “Paz e Amor” dos hippies, foi
tomado da cultura militar americana, que na época era usado como um código que significava
suspender o bombardeio.
15
(Nota dos Autores) Em 1964, de acordo com o artigo de Jamari França, os Beatles se
transformaram num fenômeno de público e vendas nos Estados Unidos, o pastor David Nobel
23

estranhamente, para o ocidente, o rock era proibido na antiga URSS e seus estados
satélites, definida por sua classe dirigente como instrumento do capitalismo
degenerado -, o rock que já fora algo muito próximo do blues, yê, yê, yê, o rock
durão como o dos Roling Stones, o rock-folk, o rock Hendrix e outras variantes do
transcurso daria forma também a duas outras novas variantes: o hard rock (logo
heavy metal) de bandas como a inglesa Black Sabbath e Deep Purple, Kiss, Queen
e o rock progressivo: Yes, Gênesis, Emerson, Lak & Palmer, Pink Floyd, Led
Zeppelin, Jetro Tull (e ainda os experimentais como Hendrix e Frank Zappa) e outras
mais.
As novas vertentes do rock pressupunham a grandiosidade ou
grandiloqüência, em sentidos diferentes. De um lado, o rock glamour, as grandes
bandas do rock espetáculo, com indumentária exuberante, maquiagem e som
pesado, com o predomínio uivante de guitarras cada vez mais possantes. Algumas
descobriram no apelo ao satanismo uma maneira de arregimentar multidões de
seguidores.
De outro lado, a virtuose do rock progressivo, que praticamente
transmutou o gênero em música erudita das guitarras, órgãos e sintetizadores,
criando peças musicais (faixas de rock) com 5, 10, 15, ou mais minutos de duração.
Essas bandas ou astros também investiam no glamour, como o astro ex-Yes Rick
Wakeman que lançou obras primas como “Viagem ao centro da terra”, “As esposas
de Henrique XVIII” e “Os mitos e lendas do rei Arthur e os cavaleiros da távola
redonda”.
Em bem pouco tempo o rock atitude, contestatório, com acorde agora
ainda mais básico e com uma nova origem e viés ideológico, daria o troco. Chegava
à cena o punk rock.
A atitude e o som punk nasceram nos Estados Unidos. Do underground
para as gravadoras independentes, marcadas pelo espírito “do it yourself” (faça você

escreveu vários livros combatendo o rock: “Comunismo, hipnotismo e os Beatles”, “Rock´n Roll: uma
forma pré-revolucionária de subversão cultural”, “Rock Cristão, um estratagema de Mefistófoles”.
Tempos depois, o pregador americano Jacob Aranza, em seu livro “More backward masking
unmasked”, também segundo Jamari França, descreveria em quatro o plano para a “corrupção da
juventude pelas forças musicais das trevas”: 1) 1955-1965: Promover o sexo e preparar o terreno
para a revolução sexual, 2) 1965-1970: Consumo de drogas, rebelião e outras atitudes contra o
establishment. 3) 1970-1980: Aprofundamento da dependência a sons mais altos e mais violentos. 4)
Anos 80 (etapa final): Elevação dos rock stars ao status de Messias, transformando grandes
conceitos em celebrações satânicas. Vade retro!
24

mesmo), das garagens para os discos e cada vez mais para platéias maiores,
surgiram bandas como “Blondie” e “Ramones”.
Logo o fenômeno cruzaria o Atlântico e se popularizaria na Inglaterra,
levado pelo empresário Malcon Mc Laren. Viriam à luz (ou das trevas, como muitos
ainda encaravam o já adulto rock and roll) Sex Pistols, Clash, Damned e Siouxi e
And the Banshees (esse último já enveredando pelo pós-punk).
O rock punk era a negação do glamour do hard e do virtuosismo do
progressivo, com um som pesado, mas simples, com três acordes, trajando jeans e
camisetas rasgadas, cantando letras que trariam ao mesmo tempo o tom de sua
origem proletária, inconformismo, rebeldia, temáticas anticapitalistas e anarquistas (e
mesmo anarco-sindicalistas) e desesperança.
Novos tempos, novas demandas existenciais e, pra variar, um novo rock,
que durante alguns anos firmou-se como um movimento cultural do proletariado
britânico num período de lutas sociais e de mudanças de mentalidade, que se
encerrou com a derrota da grande greve dos mineiros no início dos anos 80 no
primeiro governo de Margareth Tatcher.
O início dos anos 80 traria bandas com cunho político transitando pelo
politicamente correto e pelo protesto ecológico, como a irlandesa, The Smiths, U2 e
The Police, mas revelaria também todo o complexo universo do pós-punk: góticos,
darks, pós-punk-tecno-pop... dando conta do abatimento ante a situação do mundo e
a mesmice das idéias. Apareceria também o rock dançante New Age, trazendo de
volta um rock alegria como nova carga de energia e o sempre reinventado David
Bowie.
Posta à prova durante os anos 60, 70 e 80, a inegável natureza mutante
do rock provou ser capaz de atender às exigências de reprodutividade da indústria
cultural e ao mesmo tempo decodificar as angústias e alteridades cambiantes do
mundo. É muito provável que, exatamente por isso, o rock ainda seja rock.
Mas duas questões ainda necessitam ser abordadas.
Uma delas é: o rock como todas as demais músicas comerciais, também
produziu coisa ruim. Não poderia ser diferente, uma vez que estamos falando do
ritmo mais tocado e escutado ao redor do mundo. Com certeza é incalculável os
lucros obtidos com o rock pela grande indústria cultural nesses quase sessenta anos
de sua história. A tese de Adorno da transformação da música em mercadoria e de
sua estandardização para o consumo em massa, que oferece um “falso” valor de
25

uso para realizar seu valor de troca com vistas à acumulação, com outras palavras,
a formação da indústria da música e sua incorporação ao capital, certamente
encontrou no rock uma de suas highways da acumulação.
Mas o rock também produziu muita coisa boa, porque justamente uma de
suas características é ciclicamente elevar próximo do limite as contradições sociais e
existenciais de seu tempo. E não é por acaso que a inquietude e a rebeldia de várias
bandas e seus astros muitas e muitas vezes entrou em contraste com a riqueza por
eles acumuladas... tantas vezes já se disse e o próprio rock prova que as boas
criações normalmente são maiores, mais elevadas que seus criadores.
A outra: não é necessário dizer para que se perceba já nas primeiras
linhas dessa brevíssima história do rock o predomínio absoluto do rock americano e
inglês. É fato que o rock surgiu nos Estados Unidos e que as primeiras fases de seu
desenvolvimento e mudanças tenha ocorrido primordialmente entre os EUA e a
Inglaterra. Mas essa sua história inicial não pode obscurecer o fato de que a
indústria cultural tenha até hoje privilegiado o rock anglo-americano, certamente pela
ascendência da língua inglesa sobre o mundo desde o império britânico e depois
com a ascendência do imperialismo americano. Além do aspecto inegável de que a
indústria cultural americana exerce uma espetacular dominação sobre o mundo
inteiro, essa realidade também não pode subtrair ao rock outra de suas
características, a de se fundir com outros ritmos, com outras músicas ao redor do
mundo. Existe um rock misturado com ritmos e instrumentos indianos, Peter Tosh
misturou o reage com rock, o próprio rock se aproximou da música erudita com o
progressivo. No Brasil, o rock se fundiu com o samba, com o baião, com o maracatu
e outros ritmos. O rock surgido num lugar qualquer do mundo, amalgamado ou
influenciado por muitos ritmos e suas culturas se transformou numa música
planetária, africana, asiática, americana, européia e oceânica.
Na década de 90 nesses primeiros anos do século XXI novos roques têm
surgido ao redor do mundo, com novas e recorrentes sonoridades e temáticas.
A cada período novos termos continuam sendo incorporados ao léxico –
ou aos dicionários – do rock, numa corrida que tenta dar conta das novas
tecnologias do som e das leituras musicais do mundo.
O uso dos computadores na edição e mesmo na execução musical, não
eliminou o conjunto básico guitarra, baixo e bateria. O aparecimento da música
26

eletrônica (fusão de discoteque, rock, música serial e tecnologia) não suplantou o


rock, mas convive com ele.
Entretanto, o surgimento da cultura negra do hip hop e o rap a partir do
final dos 80 e início dos 90 representa um verdadeiro questionamento ao tipo de
rebeldia escapista a que o rock muito tem se limitado nos últimos tempos.
Surgido da periferia americana para o mundo, como o rock, o rap trás na
sua música e na sua postura os problemas e questões dos dias de hoje, duma forma
direta e incisiva, dando voz à personagens reais da divina tragédia humana.
Luiz TATIT apud Luiz Maklouf Carvalho (2007, p. 50) dá o seguinte
depoimento sobre o rap:

“Mais do que a voz que canta o rap tira a sua força da voz que fala... O rap
assumiu o lugar da canção de protesto e é hoje a única música de
contestação. É um gênero que tem fôlego para crescer. Sua importância
não está em revelar a realidade da periferia – já que toda música revela
uma realidade -, mas em ser uma forma de expressão, de convencimento e
de persuasão para os seus ouvintes... A narrativa do rap tem um aspecto de
fábula porque coloca o bem contra o mal, um contra o outro, o que tende a
acirrar os ânimos num país desigual como o Brasil, mas aí o problema é
mais social do que musical”.

Bem, como a cultura e o social de uma maneira geral são alimento de


qualquer música, o rock não está apartado dessa realidade. Mas se não procurar
aproximar-se de sua raiz, perderá a natureza contestatória sempre presente na sua
contínua auto-reinvenção ao longo da história. Quem viver ouvirá!
27

4 BROCK 80: TUDO AO MESMO TEMPO AGORA

O termo Brock foi criado pelo jornalista Arthur Dapieve e depois abriu o
título de seu livro “Brock – O rock brasileiro dos anos 80”, editado pela primeira vez
em 1995.
O “B” acrescido ao “rock”, formando o “Br” e súbito a síntese Brock, nada
tem haver com qualquer espécie de nacionalismo. Também não quer significar
nenhum tipo de inferioridade comparativa com o rock internacional.
Ao contrário, a feliz idéia de Dapieve foi dar nome, juntando ao “rock”
uma única letra, à maturidade alcançada pelo rock brasileiro durante a década de
1980.
E esse caminho para a maturidade seguiu, digamos, um itinerário
parecido com o do rock anglo-americano.
Houve, no início, um rock romântico e dançante, portador de um
romantismo juvenil, refratário a temáticas sociais, políticas e culturais mais
complexas.
Porém, para entenderemos esses primeiros passos do rock no Brasil, o
seu desenvolvimento pelos anos 60, 70 e o brock dos anos 80, é necessário
retomarmos a linha evolutiva da canção brasileira, revisitando a Bossa Nova do final
dos anos 50 e 60, a MPB dos anos 60 e 70, o Tropicalismo do final dos anos 60 e 70
e a Vanguarda Paulista no final da década de 70.
O chamado “dó de peito” da canção brasileira já havia sido suavizado nas
sonoridades do canto e dos arranjos pela canção praieira de Dorival Caymi, pela
mensagem sertaneja de Luiz Gonzaga, pela sonoridade de um Jackson do Pandeiro
e pelo pré-bossanovismo do samba de Noel Rosa e pelo samba paulista de
Adoniran Barbosa.
Seja como for, idéias musicais como “... é doce morrer no mar...”, “quando
olhei a terra ardendo, qual fogueira de São João...”, “com que roupa eu vou, pro
samba que você me convidou...” e “saudosa maloca, maloca querida...” já não
exprimiam a realidade brasileira.
Nelson MOTTA (2000, p. 9), relatou assim a música pré-Bossa Nova, pré-
MPB e pré-rock and roll:
28

“A música pelo menos a que se ouvia no rádio e nos discos era insuportável
para um adolescente de Copacabana no final dos anos 50. Boleros e
sambas-canções falavam de encontros e desencontros amorosos
infinitamente distantes de nossas vidas de praia e cinema, de livros e
quadrinhos, de início da televisão e da ânsia da modernização. Para nós,
garotos de classe média de Copacabana, aqueles cantores da Rádio
Nacional e suas grandes vozes, dizendo coisas que não nos interessavam,
em uma linguagem que não entendíamos, eram abomináveis.”

Em 24 de outubro de 1955 foi lançada, na voz de Nora Ney, a música


“Ronda das Horas”, uma versão para o português de “Rock Around the Clock”. Não
era ainda rock, mas um fox muito bem comportado. Em 1957 Cauby Peixoto gravou
o primeiro rock brasileiro, “Rock’ n’ Roll em Copacabana”, de Miguel Gustavo. O
Brasil vivia já os chamados “anos dourados”, a primeira grande onda do nacional-
desenvolvimentismo pós-Vargas, capitaneada por Juscelino Kubitschek, eleito
presidente em 3 de outubro de 1955 e empossado em 31 de janeiro de 1956. Mas o
rock ainda não era um movimento, ainda não empolgava a juventude.
Em 1958 João Gilberto gravaria “Chega de Saudade”, abrindo um ciclo de
uns dez anos da história da música popular brasileira, em que a Bossa Nova se faria
hegemônica, magistralmente descrita por Nelson MOTTA (2000, p. 10):

“Eles se apresentavam de maneira mais informal e intimista, as músicas


pareciam mais leves e melodiosas e as letras falavam de situações e
pessoas parecidas com a vida que se levava nos apartamentos, nas praias
e nas ruas de Copacabana naqueles anos bacanas. A Bossa Nova era a
trilha sonora que nos faltava, que nos diferenciava dos ‘quadrados’ e dos
antigos, dos românticos e melodramáticos, dos grandiloqüentes e dos
primitivos, dos nacionalistas e regionalistas, dos americanos. Tínhamos uma
música que imaginávamos só para nós. João Gilberto era nosso pastor e
nada nos faltaria.”

O nó do “dó de peito” estava desfeito. Com uma batida de samba leve e


cadenciada fundida com o jazz e o coll e com o canto em sincronia ritmada com as
notas musicais, a Bossa Nova se tornaria sinônimo de nova música e transformaria a
música dos músicos, a musicalidade popular e os ouvidos do país.
Getúlio Vargas suicidara-se em agosto de 1954, mas o getulismo vivia e
ganhava nova forma no governo JK, associando o populismo ao capital
internacional.

“A expressão nacional desenvolvimentismo, em vez de nacionalismo,


sintetiza, pois uma política econômica que tratava de combinar o estado, a
empresa privada nacional e o capital estrangeiro para promover o
desenvolvimento, com ênfase na industrialização. Sob esse aspecto, o
29

governo JK prenunciou os rumos da política econômica realizada em outro


contexto, pelos governos militares após 1964.
Os resultados do programa de metas foram impressionantes, sobretudo no
setor industrial. Entre 1955 e 1961, o valor da produção industrial
descontada a inflação, cresceu em 80%, com altas porcentagens nas
indústrias do aço (100%), mecânicas (125%), de eletricidade e
comunicações (380%) e de material e transporte (600%).
De 1957 a 1961, o PIB cresceu a uma taxa anual de 7%, correspondendo a
uma taxa per capta, ou seja, por habitante, de quase 4%. Se considerarmos
toda a década de 1950, o crescimento do PIB brasileiro per capta foi
aproximadamente três vezes maior do que o de resto da América Latina.”
FAUSTO, B. (1994, p. 427).

A Bossa Nova foi, indiscutivelmente, a música do período JK,


fundamentalmente uma música romântica, mas com um novo jeito de cantar e de
falar de amor e da vida, dando voz às novas camadas das classes médias urbanas,
contextualizando na música popular o estado de espírito que dominava o país.
E a Bossa Nova não era só João Gilberto. Tinha outros tantos talentos do
mesmo naipe: Carlos Lyra, Nara Leão, Nana e Dory Caymmi, Luiz Carlos Vinhas,
Roberto Menescal, Johnny Alf, Sérgio Ricardo e vários outros nomes.
Pela Bossa Nova também transitaram nada menos que Tom Jobim e
Vinícius de Morais.
Mas logo viria o tumultuado final dos 50 e o início dos 60. Fim da era JK e
os anos dourados tornaram-se mais que agitados: ameaça de golpe da direita, crise
do governo liberal-populista de Juscelino, mudança da capital pra Brasília, eleição
de Jânio e Jango, golpe preventivo do General Lott, posse do governo Jânio
Quadros.
E em menos de um ano a renúncia de Jânio, nova ameaça de golpe
militar, posse do vice, Jango, João Goulart e o parlamentarismo.
Por baixo desse tampo institucional em que um projeto nacional-populista
se enfrentava com o capital internacional e associado, o imperialismo e seus
representantes e simpatizantes, os de baixo procuravam um novo rumo.
Ainda antes da posse de JK, em 1955, o movimento operário em São
Paulo formava o PUI (Pacto de Unidade Intersindical), que reunia metalúrgicos,
gráficos, têxteis e outros. No Rio, pela mesma época, formava-se o PUA (Pacto de
Unidade e Ação), unindo portuários, marítimos e ferroviários.
Uns poucos anos depois, seria a vez das mobilizações no campo. As
mudanças estruturais empreendidas pelo capitalismo desde o início dos anos 50
mudaram a cara e o estômago do Brasil rural: poucas “ilhas” de produtividade
30

agrícola, crescimento do latifúndio, crescente precariedade das condições de


trabalho, falta da terra pra quem nela trabalhava, desemprego, fome e grande
migração para os centros urbanos. No início dos anos 60 seriam formadas as ligas
camponesas e o Brasil rural não seria mais o mesmo.
Também os estudantes, como os trabalhadores urbanos, rurais e os
camponeses, procuravam entender o tempo em que viviam e buscavam alternativas
para uma vida e um mundo melhores.
Mas o fato é que a CGT (Central Geral do Trabalhadores, formada poucos
anos depois), as ligas camponesas e a UNE, como praticamente todos os partidos e
movimentos da esquerda eram reféns das idéias e da prática política do nacional-
populismo e do stalinismo e seus PCs, no Brasil e no mundo.
Em janeiro de 63, por grande maioria o presidencialismo vencia o
parlamentarismo num plebiscito com grande participação popular. Jango tornava-se
presidente.
Para milhões era chegado o tempo das grandes mudanças. O ex-ministro
do trabalho de Getúlio, do último período Vargas, principal referência das reformas
de base, ex-vice de Juscelino e de Jânio, chegava ao “poder”, à presidência.
Trabalhadores urbanos, rurais, camponeses, estudantes e a chamada
classe média foram às ruas em luta por aquelas reformas de base – reformas
agrária, urbana, educacional, tributária e econômica – a serem realizadas pelo
estado, intelectuais e setores da burguesia nacional.
Atrelados a uma concepção nacional-desenvolvimentista da história
materializada pelas idéias e práticas das frentes populares concebidas a partir da
burocracia dominante de Moscou, o sonho estreito e medíocre do desenvolvimento
autônomo de um capitalismo nacional foi enterrado.
As armas foram o meio utilizado, mas a verdadeira razão do golpe
encontrava-se na inexorável mudança do padrão global de acumulação de capital.
A estratégia contrária à independência de classe na ação e organização
daqueles que são à base da produção das riquezas, de unir os de baixo com
supostos setores democráticos dos de cima e com o estado na sua versão populista,
dava mostras de seus inevitáveis resultados no comício da Central do Brasil, no Rio,
e nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, em todo o país.
Ignácio de Loyola, num conto ambientado nos dias do golpe de 1º de abril
de 1964, escreveu sobre um curto romance entre um jornalista e uma estudante,
31

dando um resumo realista da queda de Jango a partir das manchetes dos Jornais e
de músicas interpretadas por Nara16: “e nos corações / saudades e cinzas foi o que
restou; / pelas ruas o que se vê; é / é uma gente que nem se vê; / que nem sorri; /
se beija; se abraça. //17”
As vinte e oito manchetes:

“SUPRA desapropria terras / Mensagem de Jango ao congresso: reforma da


constituição / Oposição quer derrubar Jango antes das reformas /
Metralhada a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco / Faculdade
ocupada / As senhoras paulistas vão à rua / Ação católica condena
exploração da fé e renova apoio às reformas / Sargentos envolvidos no
levante de Brasília foram condenados a 4 anos / Jurema em São Paulo
defende a legalidade / Ademar em Porto Alegre: Jango não estará no
governo em 65 / Chegou a vez dos remédios: governo quer relação de
preços / Dom Jorge: Igreja está com as reformas / Três mil marujos
sublevados não acatam ordem de prisão / Tensão no país com a crise da
marinha / Alerta no CGT: greve contra perseguições / Estudantes paulistas
farão passeata pelas reformas / Libertados os marujos: Jango dominou crise
/ Golpistas exploram a crise da marinha / Minas em pé de guerra / Ademar:
quem tiver armas que me mande / JG aos sargentos: meu crime é defender
o povo / Trama golpista contra Goulart está em marcha / Bancos fechados
em todo país / Minas: interditados postos e depósitos de gasolina – exército
marcha contra a Guanabara / Paraná tem armas / Tanques nas ruas do Rio
/ Censura estadual nos rádios e TV / Jango caiu.”

“e no entanto é preciso cantar; / mais do que nunca é preciso cantar; / é


18
preciso cantar e alegrar a cidade. // ”

Foi nesse ambiente que veio ao mundo a MPB.


MPM é um termo, um conceito dos anos 60 que passou a significar certo
tipo de música brasileira. Sua marca característica não é um ritmo ou melodia
definido. MPB é realmente um conceito amplo, um multi-hibrído musical: não é
samba, não é rock, não é bolero, não é nenhuma música específica, mas muitas
músicas e fusões de músicas cabem dentro dela, sem problemas.
Outro caminho para procurar entender o que seja MPB é a idéia de
buscar as raízes sociais de seus compositores e músicos.
Ana Maria Bahiana, falando da MPB anos 70, definiu a questão assim:

“Música universitária, a rigor, não existe. É melhor ver e pensar o universo


na música, como classe, e tentar traçar o modo de ação que ele, assim,
desenvolveu ao longo desta década. Sua presença não é novidade: a
ascensão do compositor de formação universitária – vale dizer da classe

16
“Camila numa semana” (ao som de Nara Leão). Os 18 melhores contos do Brasil. 1ª ed., Rio
de Janeiro – GB: Bloch Editores S. A., 1968, p. 201-203.
17
Marcha da Quarta-feira de Cinzas, Carlos Lyra e Vinícius de Moraes.
18
Idem
32

média urbana em seu estrato superior, que constitui a maior parte da


população das universidades brasileiras – e a ascensão da própria Bossa
Nova, a instalação da ‘linha evolutiva’ de que falou Caetano Veloso.
Universitários eram Tom Jobim, Edu Lobo, Carlos Lyra. Universitários
seriam Caetano, Gil, Chico Buarque – e Milton Nascimento escapou de ser
justamente porque pertencia à família modesta demais para aspirar a algo
além de um curso médio, como o de Contabilidade.
Portanto, a formação universitária – não propriamente os bancos das
faculdades, que todos abandonaram a meio caminho, assim que a música
se tornou uma profissão, mas o ambiente em torno das universidades, a
circulação de idéias – está no próprio miolo da música brasileira nesta e nas
duas décadas passadas. A visão do veio principal da música, no Brasil, é,
necessariamente, a visão das universidades – ainda mais que a crítica
constante, em profundidade, surgida em meados dos anos 60, é, também,
de extração universitária. Isso significa, em última análise, que o circuito se
fecha de modo perfeito: a música sai da classe média, é orientada pela
classe média e por ela é consumida.” BAHIANA, A. M., WISNIK, J. M.,
AUTRAN, M. (1979-1980, p. 25)

A percepção de Ana Maria Bahiana da MPB como a música feita pela


classe média para a própria classe média consumir, nos permite entender melhor o
contexto musical dos anos 60 e 70.
Acrescentamos, porém que a “classe” média não pode ser definida como
classe. Entretanto, durante esse período, esse setor social de largo espectro e
situado, digamos, entre os de baixo e os de cima, produziu uma determinada música
na qual se pode perceber uma visão da história e um projeto para ela: o nacional
desenvolvimentismo.
Talvez nenhuma outra letra transpareça tão claramente a visão nacional
desenvolvimentista que permeou a MPB mais francamente nos 60 e com menos
intensidade nos 70, como “Doutor Getúlio”, de Edu Lobo.

“Foi o chefe mais amado da nação / desde o sucesso da revolução /


liderando os liberais / foi o pai dos mais humildes brasileiros / lutando contra
grupos financeiros / e altos interesses internacionais... / ... abram alas que o
Gegê vai passar / olha a evolução da História / abram alas pra Gegê desfilar
/ na memória popular... / ... e encheu de brio todo o nosso povo / povo que a
ninguém será servil / e partindo nos deixou uma lição...//”

Bem, é fato que “Doutor Getúlio”, a música, é muito pouco conhecida.


Mas outras tantas de Edu Lobo, embora longe da forma longa de contar a história
como nos velhos sambas-enredos, tem normalmente aquele devir que se queria
impor à história.
Obviamente o canto da MPB não era só política. Nos grandes festivais da
música popular nos anos 60 a política e o amor dividiam espaço, mas era a MPB
que canalizava inquietudes e descontentamentos.
33

Vejamos a mais famosa e talvez a mais cantada das canções de protesto


da MPB dos anos 60, “Pra não dizer que não falei das Flores”, de Geraldo Vandré:

“Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Somos todos iguais /


Braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas / Campos, construções /
Caminhando e cantado / E seguindo a canção... /... Pelas ruas marchando /
Indecisos cordões / Ainda fazem da flor / Seu mais forte refrão / E acreditam
nas flores / Vencendo o canhão... /... Há soldados armados / Amados ou
não / Quase todos perdidos / De armas na mão / Nos quartéis lhes ensinam
/ Uma antiga lição: / De morrer pela pátria / E viver sem razão... /... Somos
todos soldados / Armados ou não... //”

Vandré faz a crítica ao pacifismo do movimento hippie (ou também à


Bossa Nova e aos cantores e compositores, eminentemente românticos?). Faz a
crítica à hierarquia dos quartéis, falando aos soldados sobre sua origem (qual?), mas
a idéia que guia e a temática que permeia a canção não é a luta de classes. O mote
que movimenta o protesto da canção é toda a nação que caminha na mesma
direção – braços dados ou não. A colaboração consciente para o progresso.
“Ventania”, também de Vandré, cantada num festival depois fala das
transformações estruturais dos anos 60:

“Meu senhor, minha senhora... / a canção que eu trago agora / fala de toda
nação... / que a morte que eu vi no campo / encontrei também no mar /
boiadeiro e jangadeiro / iguais no mesmo esperar / que um dia se mude a
vida / em tudo e em todo o lugar... / já soltei o meu cavalo / já deixei a
plantação / eu já fui até soldado / hoje muito mais armado / sou chofer de
caminhão... / fui vaqueiro e jangadeiro / no campo e no litoral / cantador
serei primeiro / cantando não por dinheiro / por justo anseio geral //”

A canção é, falemos assim, de uma beleza agreste e caiçara,


sobrevivente no motorista de caminhão, impelido pelo progresso excludente e
destruidor àquela nova profissão... Ao invés de cantar as verdadeiras forças de
transformação que a modernização capitalista trouxe a partir dos anos 50, Vandré é
a voz saudosista do Brasil rural.
Mas é claro que as canções, mesmo as de protesto, não podem ter a
mesma precisão que os tratados de Economia, de Política ou Filosofia. De qualquer
maneira, naquele momento, o canto de Vandré representava o protesto de um
projeto político que agonizava.
Por essa mesma época, o rock nacional já era um movimento. Os irmãos
Campelo já haviam estourado nas rádios e nos discos, com hits como “Estúpido
Cupido”, “Biquíni de Bolinha Amarelinha”, e outros.
34

Mas logo seriam substituídos pela Jovem Guarda. Roberto Carlos – que
inicialmente apostou no banquinho e no violão... e na Bossa Nova – e Erasmo
Carlos e Wanderléa formaram o trio que seria o carro chefe da primeira etapa do
rock nacional entre meados dos 60 e 70.
A Jovem Guarda arregimentou e embalou a juventude dos subúrbios do
Rio e São Paulo. O casaco de couro, a minissaia, a brilhantina, um estilo James
Jean à brasileira e rock juvenis eram a fórmula do sucesso.
Tal como a Bossa Nova e a MPB “universitária”, tinham programas na TV,
nas rádios; seus discos eram campeões de venda. A Jovem Guarda representava ao
mesmo tempo uma rebeldia no comportamento e a introdução ou a chegada do rock
no Brasil.
Mas essa rebeldia e assimilação do rock caminhava de mãos dadas com
o desinteresse e mesmo aversão a questões políticas, sociais e comportamentais
mais profundas.
Nelson Motta comentou assim os primeiros tempos da Jovem Guarda:

“Domingo ao meio-dia todos estavam na televisão para a reunião de


produção e o ensaio com os cabelos crespos alisados em tentativas
heróicas de imitar as franjinhas dos Beatles e vestidos com imitações de
seus terninhos justos e gravatinhas finas, com os pés apertados em suas
botinhas, Roberto e Erasmo esperaram nervosos a hora de entrar em cena.
Quando a cortina abriu, uma explosão. Brancas, negras e orientais, ricas e
pobres, feias e bonitas, as meninas que gritavam o tempo todo
representavam a diversidade étnica e social de São Paulo, garotas da
sociedade paulistana lado a lado com as filhas de suas empregadas e dos
operários das fábricas de seus pais, todas gritando por Erasmo, Roberto e
Wanderléa e cantando junto com eles seus sucessos. E os de Wanderley
Cardoso e Jerry Adriani, de Renato e seus Blue Caps, dos Vips, de Leno e
Lílian, e dos Golden Boys.” MOTTA (2000, p. 95-96).

Suas músicas eram assim:

“Meu carro é vermelho / não uso espelho pra me pentear / botinha sem meia
/ só na areia eu sei trabalhar... / Se você quer experimentar / sei que vai
19
gostar... //

Só quero que você / me aqueça nesse inverno / e que tudo mais vá pro
20
inferno! //

Pode tirar o seu time de campo / o meu coração é do tamanho de um trem /


iguais a você eu já apanhei mais de cem / pode vir quente que eu estou
21
fervendo. //”

19
O Bom – Eduardo Araújo
20
Quero que vá tudo pro inferno – Erasmo Carlos
21
Vem quente que eu estou fervendo – Eduardo Araújo
35

E o tempo ferveu mesmo. Os generais já haviam tomado o poder. Castelo


Branco, Costa e Silva, a Junta Militar.
Abertura ao capital internacional associado ao capital estatal e privado
nacional. Progressivo fechamento da democracia com seus atos institucionais: AI 1,
AI 2, AI 3, AI 4, AI 5. Estava pronto o milagre.
O Brasil crescia de novo a passos largos, ao passo que a inflação cedia.
“Em 1968 e 1969, o país cresceu em ritmo impressionante, registrando a variação
respectivamente de 11,2% e 10% do PIB, o que corresponde a 8,1% e 6,8% no
cálculo per capta.” FAUSTO (2002, p. 482).
Era o início do milagre econômico, que não conseguiu esconder o truque
da mágica: internacionalização da indústria, especulação financeira, concentração
do capital, achatamento salarial, desemprego, concentração de terra, aumento das
desigualdades sociais, urbanização desordenada e favelização nos grandes centros
urbanos.
Em 1967, no Festival da Record, “Roda Viva” de Chico Buarque parecia
antever o AI 5 e a censura, que levou a música brasileira (e principalmente seus
compositores populares) a uma profunda crise.
A música de Chico ficou em terceiro lugar. Seus versos falam sobre a
roda da história, particularmente roda do rolo compressor do regime militar que
passou por cima da democracia.

“Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou morreu / A gente
estancou de repente / Ou foi o mundo então que cresceu... / A gente quer
ter voz ativa / No nosso destino mandar / Mas eis que chega a roda viva / E
carrega o destino prá lá... //”

O mesmo Chico que havia entoado o lamento e despedida à democracia,


que venceu o Festival da mesma Record em 1966, (“... e cada qual no seu canto /
em cada canto uma dor / depois que a banda passar / cantando coisas de amor //”),
“A Banda”, acabou se especializando em enganar os censores de plantão, impostos
pelo AI 5.
A MPB mostrava a partir de 68/69 uma outra faceta: a habilidade criativa
em transmitir recados, em protestar contra a censura e a ditadura a partir das
brechas do sistema, característica da MPB, do samba e de quase toda a música
brasileira que praticamente atravessou os anos 70.
36

Mas naquele Festival de 1967, “Alegria, Alegria” chegaria em 4º lugar e


“Domingo no Parque” em 2º, logo atrás de “Ponteio”, de Edu Lobo (“... quem me
dera agora eu tivesse a viola pra cantar...”). O Tropicalismo vinha a público.
As idéias e a estética tropicalista atingiram não somente o universo da
música popular e da MPB. Penetraram no ambiente das artes plásticas, da
dramaturgia, da poesia e do cinema.
Numa breve síntese podemos dizer que as idéias de Hélio Oiticica,
Torquato Neto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Cia. representaram uma
atualização da semana de arte moderna de 1922 para a arte e a cultura brasileira do
final dos 60.
Para a MPB em particular, a antropofagia artístico-cultural do Tropicalismo
significou assimilar (devorar) a cultura pop, a contracultura, o rock and roll (dando-
lhe consistência e contemporaneidade nas letras e nas temáticas, tratando com
profundidade, acidez e mesmo irreverência mortífera, temas adultos e urgentes,
depurando das letras das canções os resquícios da visão de mundo e dos discursos
pré-industriais e proto-modernos...), as guitarras e suas dissonâncias, remixando
tudo isso junto com os elementos mais característicos da cultura brasileira e – pra
usar a idéia de Oswald de Andrade no manifesto antropofágico – “vomitar” uma
reinvenção brasileira de música popular contemporânea.
Vejamos alguns trechos de “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso, vaiada
em uníssono durante sua primeira exibição no Festival da Música da Record em 67:

“Caminhando contra o vento / Sem lenço e sem documento / No sol de


quase dezembro... /... O sol se reparte em crimes / Espaçonaves,
guerrilhas... /... Em caras de presidentes / Em grandes beijos de amor / Em
dentes, pernas, bandeiras / Bomba e Brigitte Bardot... /... O sol nas bancas
de revista / Me enche de alegria e preguiça / Quem lê tanta notícia... /... Por
entre fotos e nomes / Os olhos cheios de cores / O peito cheio de amores
vãos... /... Eu tomo uma coca-cola / Ela pensa em casamento / E uma
canção me consola... /... Por entre fotos e nomes / Sem livros e sem fuzil /
Sem fome, sem telefone / No coração do Brasil... /... Eu vou... / Por que não,
por que não... //

Não é difícil perceber na letra de Caetano a pessoa em busca do sentido


da existência contemporânea (da época) e universal, procurando reinventar esses
sentidos num Brasil (No coração do Brasil... Eu vou...), em crise de paradigmas de
identidade cultural.
37

Como se isso fosse pouco para uma cultura musical demasiadamente


fechada em si mesma, vale relatar que Caetano cantou “Alegria, Alegria”
acompanhado pelos Beat Boys, uma típica banda de rock, no som das guitarras,
baixo, bateria e nas indumentárias de couro e cabelos compridos.
Nelson Motta, narrou o acontecido e o considerou, assim:

“... foi uma gritaria infernal. Traição! Adesão! Oportunismo! Gritavam


nacionalistas exaltados: Caetano estava trocando a ‘música brasileira’ pela
‘música jovem’. Mas ele não estava trocando, estava tentando integrar. Sua
música era só uma marcha leve e alegre, com uma letra caleidoscópica e
libertária. Os três acordes da introdução gritados pelas guitarras eram quase
tudo que tinha de rock. Mas eram mais do que suficientes. Somente a
presença cabeluda e elétrica dos rockers argentinos já servia para
caracterizar a provocação...” MOTTA (2000, p. 149).

No mesmo festival, Gilberto Gil apresentaria “Domingo no Parque”, um


colorido e psicodélico neo-baião fragmentário para contar um típico drama policial
em que o feirante José mata a amada Juliana e o amigo pedreiro João, com uma
faca ao vê-los juntos na roda gigante de um parque de diversões, num típico
domingo qualquer:

“O rei da brincadeira / Êh José! / O rei da confusão / Êh João! / Um


trabalhava na feira / Êh José! / Outro na construção / Êh João!... / Foi no
parque / Que ele avistou / Juliana! / Foi que ele viu! / Juliana na roda com
João / Uma rosa e um sorvete na mão / Juliana seu sonho, uma ilusão /
Juliana e o amigo João... / O espinho da rosa feriu Zé / E o sorvete gelou
seu coração / Olha a faca! / Olha o sangue na mão / Êh José! / Juliana no
chão / Êh José! / Outro corpo caído / Êh José! / Seu amigo João / Êh
José!... //”

Inquestionavelmente, “Tropicália” é a música que mais clara e


genialmente expressa o Tropicalismo:

“Sobre a cabeça os aviões / Sob os meus pés, os caminhões / Aponta


contra os chapadões, meu nariz... / Eu organizo o movimento / Eu oriento o
carnaval / Eu inauguro o monumento / No planalto central do país... / Viva a
bossa... / Viva a palhoça... / O monumento é de papel, crepom e prata / Os
olhos verdes da mulata / O monumento não tem porta / A entrada é uma rua
antiga / Estreita e torta / Viva a mata... / Viva a mulata... / No pátio interno há
uma piscina / Com água azul de Amaralina / Coqueiro, brisa e fala
nordestina / E faróis... / No pulso esquerdo o bang-bang / Em suas veias
corre muito pouco sangue / Mas seu coração / Balança a um samba de
tamborim / Emite acordes dissonantes / Pelos cinco mil alto-falantes / Viva
Iracema / Viva Ipanema... / ... Que tudo mais vá pro inferno, meu bem / Viva
a banda / Carmen Miranda, da, da, da //”.
38

O monumento inaugurado é o próprio Tropicalismo, a antropofagia da


assimilação do mais geral e sua fusão com o particular, simbiose do cosmopolitismo
com os vários “provincianismos” brasileiros.
A roda viva não parou e veio Médici. E logo os anos de chumbo com o
endurecimento do regime. E prisões, torturas, assassinatos políticos, cassações de
direitos civis, a luta armada... Anos 70. Os generais encontraram o lema para seus
governos: “Brasil, ame-o ou deixe-o.” Muita gente foi embora, outros não tiveram
tempo.
Mas a música não calou. A MPB, com Chico e novos nomes como Milton
Nascimento, Ivan Lins, Gonzaguinha e muitos outros, encontrou novas temáticas:
críticas ao nacional-desenvolvimentismo, ao cotidiano. Abriu suas portas ao
feminismo e também as músicas anti-regime militar, com letras cifradas para burlar a
censura.
A Bossa Nova esfriou, mas não morreu. A Jovem Guarda viu seus ídolos
com mais de trinta anos (não confie em ninguém com mais de trinta...), partirem para
o repertório, os ritmos, letras e posturas românticas.
Roberto Carlos, de rebelde comportado e playboy acanhado, passou a
“Rei da Canção”, trocando as tardes de domingo da juventude pelas manhãs dos
programas das rádios AM para as donas de casa.
A juventude passava a consumir o rock pesado importado: Led Zepelin,
Black Sabat, Deep Purple, Rolling Stones e toda a geração pós-woodstock. Foi um
primeiro momento em que o esvaziamento dos festivais, o envelhecimento da Jovem
Guarda, o exílio dos nomes de peso do Tropicalismo e o aperto da censura criaram
um vazio que foi precariamente preenchido pelo rock internacional, de 72/73 até
75/76.
Era um universo do rock completamente hegemonizado pelo produto de
fora, muito próximo do protótipo importado, incomunicável com a cultura e a
realidade brasileiras.
Ana Maria Bahiana definiu assim o fim desse período e o início de um
outro, que marcou o rock brasileiro dos anos 70:

“... e o público, que chegara a formar pequenas multidões de 2 mil


espectadores em festivais ao ar livre como o ‘Dia da Criação’, em Caxias,
em outubro de 72, começa a desertar.
Para onde ele vai indica exatamente o ponto fraco de toda a tendência rock;
quem absorve esse público e atrai novas platéias é o que se poderia
39

chamar de a segunda etapa dessa assimilação do rock no Brasil, nos anos


70 – compositores e músicos que reconhecidamente influenciados pelas
formas musicais importadas, procuram digeri-las e não apenas cultua-las.
Daí surge um esforço de síntese, que acabará formando um dos veios
principais de toda a música brasileira na década. BAHIANA, A. M., WISNIK,
J. M., AUTRAN, M. (1979-1980, p. 43-44).

Apareceria na cena musical, embora estivessem na estrada desde 69, os


Novos Baianos: Morais Moreira, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Galvão e mais
gente, grupo numeroso que conseguia a convivência musical de um som eletrônico
pesado com cavaquinhos e batucadas, com letras que falavam de cultura brasileira,
mas que entravam em transe com o centro do mundo.
Outra banda que também foi decisiva para o surgimento de um rock
nacional autêntico e contemporâneo, foi a Secos & Molhados. Eles foram a primeira
banda brasileira que alcançou níveis satisfatórios de vendagem, embora a sua
passagem tenha sido como um cometa. Apenas dois discos e pouco mais de dois
anos de existência. A banda encabeçada por João Ricardo (mentor intelectual e
letrista) e Ney Matogrosso (vocalista e estrela principal), misturava coisas do folclore
com o rock e tratava de temas quase sempre deixados de lado pelos roqueiros como
o cotidiano, gênero, família, etc.
Não é possível falar do rock no Brasil sem falar dos Mutantes, no final dos
60 e parte dos 70.
Adotados pelo Tropicalismo (principalmente por Caetano, tal qual Gil faria
com Rita Lee, já em carreira solo, tempos depois) como ponta de lança para a
absorção do rock pela música brasileira, os irmãos Arnaldo e Sérgio, Rita Lee foram
os primeiros rockers tipicamente tupiniquins, misturando sons brasilis com a música
de Chuck Berry revelando o avesso do país e pondo a família tradicional, a política
dos políticos e a caretice em geral no lugar onde sempre deveriam estar: o grande
depósito das quinquilharias inúteis da história. Top, top!
E mais: o 14 Bis dos irmãos Venturini, com seu rock progressivo, assim
como o Terço, de pegada mais pesada, mas também influenciados pelo rock
progressivo. O pré-punk do Joelho de Porco, os fundamentais Mutantes egressos do
Tropicalismo e vários outros grupos ou bandas de rock, como o Made in Brasil, a Cor
do Som.
Entre todos, Rita Lee e Raul Seixas foram referências fundamentais na
consolidação de um rock com cara de Brasil. Letras como “Esse tal de roque enrow”,
40

“Ovelha Negra”, “Fruto Proibido”, “Agora só Falta Você”, “Ouro de Tolo”, “Abre-te
Sésamo”, “Gita”, “Eu Nasci a Dez Mil Anos Atrás”, são marcos que deram o suporte
conceitual ao rock brasileiro e que até hoje são lembrados e tocados.
E depois com Geisel as boas intenções da abertura lenta e gradual para a
democracia – será que no inferno também se luta para eleger o Diabo?
Vieram os primeiros revezes do regime: vitórias da oposição nas urnas,
74, 78 e manobras equilibristas, o tapa e o sopro: viriam os senadores biônicos, mas
também o começo da abertura (afrouxamento da ditadura) e a anistia.
Durante o governo Geisel, os truques do milagre começaram a ser
percebidos mesmo que por trás dos panos. A mágica do crescimento deixava de
funcionar como antes e quando as medidas econômicas eram anunciadas, eram
como coelhos tirados da cartola: ninguém acreditava.
A segunda crise do petróleo em 79, a falta de capacidade para
investimentos levou o modelo econômico a uma encruzilhada de perspectivas, ao
crescimento da divida externa e ao início da estagnação que viria com o governo
Figueiredo.
Os tempos, entre o final dos 70 e o início dos 80, eram de liberdades
vigiadas, início da recessão, mesmice cultural e o avassalador fenômeno discoteca,
que pasteurizou os ouvidos com seu “tum-tum” sempre igual, de norte a sul.
Nesse tempo surgia uma outra vertente da música brasileira, transitando
pelo experimentalismo de vanguarda, pela irreverência crítica e impiedosa: Walter
Franco, Arrigo Barnabé, Grupo Rumo, Língua de Trapo, Premeditando o Breque,
Itamar Assumpção, Wisnik, a Vanguarda Paulista.
Essa fauna musical, entendida a expressão como tentando dar conta de
que eram os portadores/criadores do inusitado num mar de calmaria e tédio,
enterrou a velha seriedade musical que os Mutantes, Rita Lee, Raul Seixas, Novos
Baianos, Secos & Molhados já haviam liquidado. Foram fundamentais para o novo
rock que estava por vir, o Brock 80.
Só uma pequena mostra. A história de Fernando Gabeira cantada pelo
Língua de Trapo22, em versão caipira:

“Nois dois vivia intocado e clandestino / Nosso destino era fundo de quintar /
Desconfiavam que nois era comunista / Ou terrorista, de manchete de jornar

22
O que é isso companheiro? – Língua de Trapo
41

/ Nois aluguemo casa na periferia / No mesmo dia, se mudemo para lá. /


Levando uma big de uma metralhadora / Que a genitora se benzia ao oiá. /
Nois pranejemo de primeiro um assarto / Com mãos ao arto, todo mundo
pro banheiro / Nois ria de pensar na cara do gerente. / Oiando a gente,
conferindo o dinheiro. / Mas o tal banco acabô saindo ileso / E fumo preso,
jurando ser inocente. / Nois não sabia que furtar de madrugada. / Era
mancada pois não tem expediente. / Despois de um ano apertado numa
cela. / O sentinela veio e anunciou: / "O delegado pergunto se ocês topa / Ir
prás oropa, a troco de um embaixador". / Na mesma hora arrumemo
passaporte / Pois com a sorte não se brinca duas vez. / E os passaporte
que demos no aeroporto, / Era de um morto e de um lord finlandês. / E
quando veio aquela tar de anistia / Nem mais um dia fiquemo no exterior / E
hoje já fazendo parte da história / Vendendo memória, hoje nois é escritor.
//"

Definir alguma coisa, mesmo simples, pressupõe certo grau de


sensibilidade e acuidade. Entender e sintetizar todo um período da história exige
elevar esse grau ao limite.
Portanto, pra começarmos essa história dos anos 80 e do Brock, vamos
pedir ajuda ao pai do “pai dos burros”, Aurélio Buarque de Holanda: “Uma definição
é muitas vezes sorte. É pegar borboletas no ar, é capturar. É ter um lado poético e
um lado prosaico, duro. E a satisfação quando se vê aquilo cristalizado.”23
Vamos lá, procurar borboletas, por entre dinossauros. O final dos anos 70
e o início dos 80 podem ser definidos como o momento da história recente do país,
em que o último dos governos militares, do general Figueiredo, enfrentava uma
profunda crise nos seus três frontes decisivos: economia, coesão e hegemonia.
Entre 81 e 83, o PIB sofreu um declínio médio de 1,6%. Entre 1980 e final de 82 a
inflação oscilou entre cerca de 110% e 99%, chegando a 223% em 84. Era o que
ficou conhecido como estagflação. Os militares estavam divididos sobre a dosagem
correta de repressão e liberdade a ser aplicada. Amplos setores das classes
dominantes, muitos dos quais haviam apoiado golpe de 64, estavam descontentes
como governo, visto que seus ganhos encolhiam e uma mudança de ares poderia
trazer novo alento. O povão e principalmente a classe média que fazia para com
aqueles a ponte de ligação e formação da opinião, sinalizavam claramente o desejo
de mudança.
Já se disse que quando os de cima não conseguem mais governar como
antes enquanto os de baixo não querem mais ser governados como antes, as
mudanças são inevitáveis.

23
Jornal do Brasil, maio de 1980. Publicado em Quem é quem na História do Brasil. Almanaque
Abril.
42

A passagem para o regime democrático era inevitável, mas como se daria


a transição? Era a pergunta que não queria calar.
De um lado, o lado de cima, havia a idéia quase unânime de que a
passagem à democracia deveria ser lenta e sem traumas (leia-se: sem dar nome
aos bois, contrariamente ao que aconteceu e aconteceria em outras paragens da
América Latina e do mundo), lenta e gradual. E foi o que ocorreu: uma transição
conservadora.
De outro lado, o de baixo, não havia um projeto definido que guiasse aos
rumos da democracia. O que se sabia, e se fez, foi aprendido no se fazendo. E esse
saber, era prático e profundo. O fazer era imperativo para que se pudesse saber.
E se fez: os comitês contra a carestia, os panelaços de protesto, a queda
dos velhos pelegos ligados à ditadura e à patronal e a retomada dos sindicatos pelos
trabalhadores, a fundação do PT, da CUT, e as grandes greves de Osasco, ABC
paulista, Contagem.
Mas como as consciências dos que governam, dos que controlam, é
superior a daqueles que são governados e controlados, o descontentamento e o
anseio por novos tempos foram canalizados para a campanha das Diretas Já!
O povo foi às ruas, afluiu as grandes manifestações, mas o fez como
cidadão, não como classe. Resultado: Democraticamente, cumprindo os preceitos
de cidadãos eleitos, deputados e senadores derrotaram a emenda Dante de Oliveira,
tomando para si a tarefa de escolher o novo mandatário da nação.
A par desses acontecimentos o silêncio não se fez. A música que
atravessou esses anos, especialmente o rock, parecia brotar das entranhas, e das
garagens.
Marilena Chaui, num dos livrinhos da coleção Primeiros Passos – não por
acaso a coleção é dos anos 80 e primeira edição 81 – “O que é Ideologia”, escreveu
o seguinte: “A história é práxis (no grego, práxis significa um modo de agir no qual o
agente, sua ação e o produto de sua ação são termos intrinsecamente ligados e
dependentes uns dos outros, não sendo possível separa-los.).” CHAUI (1981, p.20).
E nos parece que foi assim que aconteceu: o mundo do rock não queria
ser governado como antes nem continuar a tocar e cantar como antes, e essa sua
ação produziu um novo rock, um produto vivo, diretamente ligado àquelas ações e à
consciência que as gerou.
43

Por todos os lugares dos grandes centros – afinal o rock é música urbana
– novos grupos de rock se formavam, mas persistiam como anônimos,
enclausurados nas garagens e fazendo pequenos shows alternativos, com a cara e
a coragem. As grandes gravadoras tinham outros planos para prensar seus vinis.
Arthur DAPIEVE (1995, p. 23), relatou muito bem a situação:

“O roqueiro que abria o ‘Jornal do Disco’ encartado na revista ‘Som Três’ de


janeiro de 1980 tinha vontade de dar um tiro na cabeça – sob o título ‘O
Time que as Gravadoras Escolheram’, estavam lá dez nomes nos quais as
ditas cujas apostavam suas fichas para o primeiro ano da década. Eram
eles: Oswaldo Montenegro (indicado pela Warner), Grupo Paranga
(Bandeirantes), Gilliard (RGE), Gilson (Top Tape), Zé Ramalho (CBS),
Olívia Byington (Som Livre), Paulo André Barata (Continental), Diana
Pequeno (RCA), Djavan (EMI) e Ângela Rô Rô (Polygram). Como se não só
o punk, mas também o rock’ n’ roll, a beatlemania, o heavy metal e o
progressivo nunca tivessem acontecido. Era um panorama desalentador. De
toda essa ‘seleção’, somente a exagerada Ro Ro, bluseira carioca, lésbica
assumida em altos brados, tinha algum parentesco com aquele tal de rock’
n’ roll. Todos os outros eram de uma forma ou de outra, vassalos da
encastelada MPB, quase nenhum – o tempo iria se encarregar de provar
isso – talentoso o bastante para vingar.”

Portanto o Brock adentrou os primeiros anos dos 80 com o espírito do do


it yourself do verão inglês de 76, quando o Sex Pistols achincalhou a família real e
iniciou uma nova era do rock.
Mas esse “faça você mesmo” não se referia somente ao punk-rock. Era
um espírito e uma necessidade que abrangia praticamente todas as novas bandas
adeptas das guitarras, baixo e bateria.
Em São Paulo, por esse tempo já se encontravam on the road gente
como Titãs, Ira! e Ultraje a Rigor.
No Rio o Vímana, Blitz e Barão Vermelho.
Em Brasília Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Capital Inicial.
E ainda Camisa de Vênus em Salvador e Engenheiros do Hawaii em
Porto Alegre.
Existiram outras incontáveis bandas, quase todas já extintas, mas muitas
delas ainda na ativa.
Não pretendemos – e não temos a mínima condição de espaço – falar
aqui de todas elas. Só para citá-las, seria preciso mais de uma página. O importante
é percebermos o fato de que o Brock 80 não foi um movimento planejado,
incentivado ou fomentado pelo estado ou pela grande indústria cultural. Foi um
fenômeno latente e inicialmente subterrâneo, espontâneo.
44

Esse novo rock também não foi conseqüência de um desenvolvimento, de


uma evolução da MPB, e das bandas e dos roqueiros dos anos 70. Foi uma ruptura
com aquela tradição, embora guarde em alguns casos influências do Tropicalismo,
dos Mutantes, de Rita Lee, dos Novos Baianos da primeira fase, de Secos &
Molhados e da eclética vanguarda paulista.
A esse respeito é interessante citarmos um trecho de Mário de ANDRADE
(1976, p. 55), de 1924 (!), parte de um artigo chamado “Reação contra Wagner”:

“É mais ou menos verdade que em arte todo progresso, ou melhor, toda


evolução não se realiza tecnicamente e idealmente da mesma forma. A
evolução técnica se dá pelo desenvolvimento, ao passo que a evolução
estética se dá pela reação. Se as formas vivem e crescem por constante
soma e ajuntamento, o espírito se desenvolve na perpétua revolta.”

Não. O Brock 80 é filho dos estertores da ditadura e da nova república (já


nascida velha).
Sua energia difere daquela que moveu a MPB 60 e 70, numa década
embalada pelos devaneios populistas e noutra lutando contra a ditadura e sua
censura. Sua carga energética estava retida em toda uma geração que cresceu sem
poder manifestar-se e que num certo momento sentiu que aquela era a hora e no
lapso de uma década ou pouco mais produziram um rock de qualidade e de estilos
variados em vários pontos do país.
Sua visão de mundo era aberta, oposta e avessa ao enquadramento
nacionalista.

“Não sou brasileiro, / Não sou estrangeiro, / Não sou brasileiro, / Não sou
estrangeiro. / Não sou de nenhum lugar, / Sou de lugar nenhum. / Não sou
de São Paulo, não sou japonês. / Não sou carioca, não sou português. /
Não sou de Brasília, não sou do Brasil. / Nenhuma pátria me pariu. / Eu não
24
tô nem aí. / Eu não tô nem aqui. // ”

Contrariamente à concepção impregnada na geração dos 60 e mesmo


dos 70, apesar da ditadura, o Brock 80 não tinha a percepção idealizada do estado
como o artífice do bem comum. Sua abordagem era aguda, captada na relação
direta do cidadão comum com o estado, suas leis e aparatos de repressão.

“Sinto no meu corpo / A dor que angustia / A lei ao meu redor / A lei que eu
não queria... / Estado Violência / Estado Hipocrisia / A lei não é minha / A lei

24
Lugar Nenhum – Titãs
45

que eu não queria... / Meu corpo não é meu / Meu coração é teu / Atrás de
portas frias / O homem está só... / Homem em silêncio / Homem na prisão /
Homem no escuro / Futuro da nação / Homem em silêncio / Homem na
prisão / Homem no escuro / Futuro da nação... / Estado Violência / Deixem-
me querer / Estado Violência / Deixem-me pensar / Estado Violência /
25
Deixem-me sentir / Estado Violência / Deixem-me em paz... //”

A polícia apresenta suas armas / Escudos transparentes, cassetetes /


Capacetes reluzentes / E a determinação de manter / Em seu lugar / O
governo apresenta suas armas / Discurso reticente, novidade inconsistente /
E a liberdade cai por terra / Aos pés de um filme de Godard / A cidade
apresenta suas armas / Meninos nos sinais, mendigos pelos cantos / E o
espanto está nos olhos de quem vê / O grande monstro a se criar / Os
negros apresentam suas armas / As costas marcadas, as mãos calejadas /
26
E a esperteza que só tem quem ta / Cansado de apanhar //

Dizem que ela existe pra ajudar / Dizem que ela existe pra proteger / Eu sei
que ela pode te parar / Eu sei que ela pode te prender / Polícia! Para quem
precisa? / Polícia! Para quem precisa de polícia? / Dizem pra você obedecer
/ Dizem pra você responder / Dizem pra você cooperar / Dizem pra você
respeitar / Polícia! Para quem precisa? / Polícia! Para quem precisa de
27
polícia? //

... Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada / Toda forma de
conduta se transforma numa luta armada / A história se repete mas a força
28
deixa a história mal contada... //

E / Garrastazu, / Stalin, / Erasmo Dias, / Franco, / Lindomar Castilho, /


Nixon, Delfin, / Ronaldo Boscoli. / A / Baby Doc, / Papa Doc, / Mengele, /
Doca Street, / Rockfeller. / E / Afanásio, / Dulcídio Wanderley Bosquila, /
Pinochet, / Gil Gomes, / Reverendo Moon, / Jim Jones. / E / General Custer,
/ Flávio Cavalcanti, / Adolf Hitler, / Borba Gato, / Newton Cruz, / Sérgio
Dourado. / E / Idi Amin, / Plínio Correia de Oliveira, / Plínio Salgado. / E /
29
Mussolini, / Truman, / Khomeini, / Reagan, / Chapman, / Fleury. //”

Também é característica do Brock 80 uma relação crítica com a cultura e


sua produção. Longe da postura alienada e de pura diversão da Jovem Guarda, mas
também no pólo oposto ao nacionalismo cultural.

“Quando nascemos fomos programados / Pra receber de vocês / Nos


empurraram com os enlatados / Dos U.S.A., de nove as seis / Desde
pequenos nos comemos lixo / Comercial e industrial / Mas agora chegou
nossa vez / Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês / Somos os filhos
da revolução / Somos burgueses sem religião / Somos o futuro da nação /
Geração Coca-Cola / Depois de 20 anos na escola / Não é difícil aprender /
Todas as manhas do seu jogo sujo / Não é assim que tem que ser / Vamos
fazer nosso dever de casa / E aí então vocês vão ver / Suas crianças
derrubando reis / Fazer comédia no cinema com as suas leis / Somos os
filhos da revolução / Somos burgueses sem religião / Somos o futuro da

25
Estado Violência - Titãs
26
Selvagem – Paralamas do Sucesso
27
Polícia - Titãs
28
Toda Forma de Poder – Engenheiros do Hawaii
29
Nome aos Bois - Titãs
46

nação / Geração Coca-Cola / Geração Coca-Cola / Geração Coca-Cola /


30
Geração Coca-Cola //.”

O Brock teve também a sensibilidade de perceber e questionar a própria


juventude e sua rebeldia, coisa que a MPB já tinha feito (“... ainda somos os mesmos
e vivemos como nossos pais...” – Belchior, etc.), mas o enfoque é também distinto:

“Hey mãe! / Eu tenho uma guitarra elétrica / Durante muito tempo isso foi
tudo / Que eu queria ter... /... Nessa terra de gigantes / (eu sei, já ouvimos
tudo isso antes) / A juventude é uma banda / Numa propaganda de
refrigerantes... /... Nessa terra de gigantes / Que trocam vidas por diamantes
31
//”

A relação com a história também é uma das características do Brock. Sua


visão não é a história como fio condutor do progresso, evolutiva por sua natureza.
Embora não seja uma questão doutrinária, nos parece que o Brock vê a história
como aposta, possibilidade ou desastre.
Vejam os versos de Cazuza:

“... Mas se você achar / Que eu tô derrotado / Saiba que ainda estão
rolando os dados / Porque o tempo, o tempo não pára ... / A tua piscina tá
cheia de ratos / Tuas idéias não correspondem aos fatos / O tempo não
pára... / Eu vejo o futuro repetir o passado / Eu vejo um museu de grandes
32
novidades / O tempo não pára / Não pára, não, não pára... //”

Outra questão decisiva para entendermos o Brock 80 é sua visão sobre


política e também acerca dos partidos.
Citando de novo Cazuza – junto com Arnaldo Antunes dos Titãs as duas
melhores cabeças do Brock 80, mas disparado seu grande poeta –, é necessário
atentarmos para o fato de que o Brock 80 tinha certa ligação com o sindicalismo e
com os partidos de esquerda, mas, não eram, de forma alguma, partidários da
música engajada, característica de setores da MPB 60/70.

“Meu partido / É um coração partido / E as ilusões estão todas perdidas / Os


meus sonhos foram todos vendidos / Tão barato que eu nem acredito / Ah,
eu nem acredito... / Meus heróis morreram de overdose / Meus inimigos
33
estão no poder / Ideologia / Eu quero uma pra viver... //”

30
Geração Coca-Cola – Legião Urbana
31
Terra de Gigantes – Engenheiros do Hawaii
32
O tempo não para – Cazuza
33
Ideologia - Cazuza
47

Ainda com Cazuza, concluímos também que o Brock 80, tem uma relação
de distanciamento com a idéia de nação, um rock anti-exaltação, certa concepção de
que “nação” é uma instituição tão especial que é mesmo feita só para poucos. Uma
abstração.
“Não me convidaram / Pra essa festa pobre / Que os homens armaram pra
me convencer / A pagar sem ver / Toda essa droga / Que já vem malhada
antes de eu nascer... / Brasil / Mostra tua cara / Quero ver quem paga / Pra
gente ficar assim / Brasil / Qual é o teu negócio? / O nome do teu sócio? /
34
Confia em mim... //”

34
Brasil - Cazuza
48

CONCLUSÃO

O Brock 80 também falou, colocando dedos nas feridas, sobre


desigualdades sociais, família, tecnologia, sociedade, cotidiano, homossexualismo
(ou pansexualismo), alienação, gênero, raça, temas sempre urgentes, se abordados
em seu tempo.
Na sua evolução ao longo dos anos 80 e os primórdios dos 90, até ali por
94 – quando apareceu uma banda fantástica de Pernambuco, Chico Science e
Nação Zumbi... Cazuza morreu em 1990 e Renato Russo morreria em 1996 – foi de
ligação e interação profunda com seu tempo.
Podemos dizer que o Brock 80 empreendeu, ao mesmo tempo uma
recuperação de alguns elementos progressivos do rock nacional anterior, da MPB,
do Tropicalismo e da Vanguarda Paulista, mas foi também uma ruptura com certa
linha evolutiva da canção brasileira, traçada lá de trás, passando pelos seus
primórdios e alcançando a Bossa Nova, a MPB e a Tropicália.
Esta ruptura se mostrou na mudança da poética, influenciado pela poesia
concretista dos irmãos Campos, e pelas influências que também recebeu do rock
inglês do final dos 70 e início dos 80, como U2 e do The Smits, como também do
movimento punk britânico e americano.
Mas principalmente, parece-nos que tudo ou quase tudo que o Brock
representou de novo foi o produto de um tempo particular na história, situado entre o
limiar de uma época e o início de outra, entre a vontade de libertar-se da opressão e
o experimento da desilusão.
Ali, naquele tempo, a década de 80, os atores do Brock 80 despejaram
uma grande energia criativa, em sinergia com tudo o que vinha acontecendo do lado
de fora da cena musical em todo o país. Era um tempo de mudanças e junto com as
necessárias mudanças institucionais, processou-se uma necessidade por mudanças
mais profundas que questionassem o mundo e o homem, que virasse a vida do
avesso para procurar os nós de suas costuras.
O Brock 80 foi o legítimo filho da sua época, não por seu sangue, que
teve saudáveis influências do além-mar, mas simplesmente porque sua década-mãe
o criou e o educou de olhos abertos para as coisas do mundo de seu tempo.
Assim, o roque – seguimos aqui o exemplo de Rita Lee, que disse que o
rock brasileiro deveria ser escrito assim mesmo: ROQUE! – dos 80 esteve em
49

consonância com a musicalidade da época, já que foi uma profusão de estilos e de


sonoridades novas e recuperadas, da mesma forma que a chamada “década
perdida” foi riquíssima em experiências de vanguarda em quase tudo o que se possa
pensar.
O Brock 80 foi também impar ao captar os recados que vinham das ruas,
trabalhá-los e traduzi-los para a linguagem musical, fazendo uma música que
dialogou com as coisas do seu tempo e que interrogou até o limite os porquês desse
próprio tempo.
O espírito ontológico do rock, como música planetária que se funde com
ritmos e temáticas as mais diversas por todo o planeta, e que procura se pôr à altura
das inquietações e angústias de cada tempo, esteve indisfarçadamente presente no
Brock 80, fazendo daqueles anos o período mais criativo e contestador do rock
nacional.
Achamos muito ilustrativo citar a conclusão de um manifesto da época
escrito por Clemente, o líder da banda Inocentes, que a seu modo exprime o espírito
do Brock 80: “Estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, para
pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de
Geraldo Vandré e fazer de Amélia uma mulher qualquer.”35
Ao longo das linhas que se seguiram não procuramos simplesmente
contar a história do Brock 80, mas fundamentalmente entende-la. As omissões e as
levadas rápidas no passar da história daqueles anos se devem a isso, ao fato de
que não basta apenas contar uma história de determinada época, mas, acima de
tudo, entender essa mesma época. Por isso, terminamos com uma citação de Marc
BLOCH (2001, p. 125), onde justamente se coloca esse questionamento decisivo
aos historiadores:

“A fórmula do velho Ranke é célebre: o historiador propõe apenas descrever


as coisas ‘tais como aconteceram, wie es eigentlich gewesen’. Heródoto o
dissera antes dele, ta eonta legein, contar o que foi’. O cientista, em outros
termos, é convidado a se ofuscar diante dos fatos. Como muitas máximas,
esta talvez deva sua fortuna apenas à sua ambigüidade. Podemos ler aí,
modestamente, um conselho de probidade: este era, não se pode duvidar, o
sentido de Ranke. Mas também um conselho de passividade. De modo que
eis, colocados de chofre, dois problemas: o da imparcialidade histórica; o da
história como tentativa de reprodução ou como tentativa de análise.”

35
Arthur Dapieve – Brock 80 – o rock brasileiro dos anos 80. p. 165.
50

REFERÊNCIAS
LIVROS

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ARTIGOS DE PERIÓDICOS

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54

GRAVAÇÕES SONORAS
DISCOS DE VINIL

1/3
SECOS & MOLHADOS. _____. Continental, 1973. 1 disco: 33 rpm, microssulco, SLP 10112.
1/3
TITÃS. Go back. São Paulo: BMG Ariola, 1988.1 disco: 33 rpm, microssulco, 670.4033.
55

DISCOS COMPACTOS (Compact Disc – CD)

BLITZ. Meus Momentos. Guarulhos: EMI, 1994. 1 CD; digital, 830602-2.

CAZUZA. Personalidade. Rio de Janeiro: PolyGram, 1991. 1 CD: digital, 510176-2.

LEE, R. Meus momentos. Guarulhos: EMI, 1994. 1 CD: digital, 830680-2

LEGIÃO URBANA. Mais do mesmo. Guarulhos: EMI, 1998. 1 CD: digital, 494495-2.

LIMA. M. Minha história. Rio de Janeiro: PolyGram, 1993. 1 CD: digital, M 5104702.

MAIA, T. Sem limite. São Paulo: Universal Music, 2001. 2 CDs: digital, 73145497902 e
73145497912.

MERCENÁRIAS. 1 CD: Cadê as armas. 1986 e Trashland (1988) (CD baixado da internet, presente
do amigo Carlinhos).

MOREIRA, G. Botinada – a origem do punk no Brasil, ST2 Vídeo, 2001, 1 vídeo disco (110 min):
laser, estéreo.

SECOS & MOLHADOS. _____. Continental. 1 CD: digital, 101800007.

VELOSO, C. Sem lenço sem documento. Rio de Janeiro: PolyGram, 1989. 1 CD: digital, 836528-2.

ZISKIND, H. O som e o sint. CD que acompanha o livro "O Som e o Sentido" de José Miguel Wisnik,
ed. Companhia das Letras (1989). Análises sonoras de exemplos significativos de 3 sistemas
musicais: modal, tonal e dodecafônico. AA 2000.
56

CONSULTAS ONLINE

ALBIN, C. Dicionário da Música Popular Brasileira. Disponível em


http://www.dicionariompb.com.br/detalhe.asp?nome=Inocentes&tabela=T_FORM_E&qdetalhe=his.
Acessado em todos os meses.

ANDRADE, J. P. História do rock: parte 1: Os primórdios. Disponível em


http://www.whiplash.net/materias/historia. Acesso em abril de 2007.

ANDRADE O., Manifesto Antropófago. Disponível em


http://www.lumiarte.com/luardeoutono/oswald/manifantopof.html. Acesso em outrobro de 2007.

_____._____. Parte 2: Anos 50. Disponível em http://www.whiplash.net/materias/historia. Acesso em


abril de 2007.

_____._____. Parte 3: Anos 60. Disponível em http://www.whiplash.net/materias/historia. Acesso em


abril de 2007.

_____._____. Parte 4: Anos 70. Disponível em http://www.whiplash.net/materias/historia. Acesso em


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Censura musical. Disponível em http://www.censuramusical.com. Acesso em todos os meses.

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http://www.brasileirinho.mus.br.artigos/pelotelefone.htm. Acesso em setembro de 2007.
58

ANEXOS
59

LETRAS DE MÚSICA
60

1. Caetano Veloso - Língua

Gosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões


Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó


O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas


E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó


O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção


Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
61

– I like to spend some time in Mozambique


– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem.
62

2. Donga – Pelo Telefone

O Chefe da Folia
Pelo telefone manda me avisar
Que com alegria
Não se questione para se brincar

Ai, ai, ai
É deixar mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhe


Pra não tornar fazer isso
Tirar amores dos outros
Depois fazer teu feitiço

Ai, se a rolinha, Sinhô, Sinhô


Se embaraçou, Sinhô, Sinhô
É que a avezinha, Sinhô, Sinhô
Nunca sambou, Sinhô, Sinhô
Porque este samba, Sinhô, Sinhô
De arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar, Sinhô, Sinhô

O “Peru” me disse
Se o “Morcego” visse
Não fazer tolice
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse-não-disse

Ah! Ah! Ah!


Aí está o canto ideal, triunfal
Ai, ai, ai
Viva o nosso Carnaval sem rival

Se quem tira o amor dos outros


Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio
E o inferno habitado

Queres ou não, Sinhô, Sinhô


Vir pro cordão, Sinhô, Sinhô
É ser folião, Sinhô, Sinhô
De coração, Sinhô, Sinhô
Porque este samba, Sinhô, Sinhô
De arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar, Sinhô, Sinhô

Quem for bom de gosto


Mostre-se disposto
Não procure encosto
Tenha o riso posto
Faça alegre o rosto
Nada de desgosto

Ai, ai, ai
Dança o samba
63

Com calor, meu amor


Ai, ai, ai
Pois quem dança
Não tem dor nem calor
O Chefe da Polícia
Com toda carícia
Mandou-nos avisá
Que de rendez-vuzes
Todos façam cruzes
Pelo carnavá!...

Em casas da zona
Não entra nem dona
Nem amigas sua
Se tem namorado
Converse fiado
No meio da rua.

Em porta e janela
Fica a sentinela
De noite e de dia;
Com as arma embalada
Proibindo a entrada
Das moça vadia

A lei da polícia
Tem certa malícia
Bastante brejeira;
O chefe é ranzinza
No dia de "cinza"
Não quer Zé-Pereira!

Coro (Civis)

Me dá licença, não dou, não dou


Faça favô, não dou, não dou
Pra residença, não dou, não dou
Com pressa vou, não dou, não dou

Coro (Madamas)

Do chefe é orde? Não vou, não vou


Sua atrevida, não vou, não vou
Entrar não pode, não vou, não vou
Vá pra Avenida, não vou, não vou.
64

3. Sinhô - O Pé de Anjo

Eu tenho uma tesourinha


que corta ouro e marfim
Guardo também pra cortar
as línguas que falam de mim

Ó pé de anjo, ó pé de anjo
És rezador, és rezador
Tens o pé tão grande
que és capaz de pisar
Nosso Senhor, Nosso Senhor

A mulher e a galinha
Um e outro e interesseiro
A galinha pelo milho
E a mulher pelo dinheiro
65

4. Chuck Berry - The Fat Man

They call, they call me the fat man


´Cause I weight two hundred pounds
All the girls they love me
´Cause I know my way around

I was standin´, I was standin´ on the corner


Of Rampart and Canal
I was watchin´, watchin´
Watchin´ those people gather

Wah wah wah, wah wah


Wah wah waah, wah wah wah
Wah wah waah, wah wah wah
Wah wah wah

Wah waaa-ah wah


Wah wah wah, wah wah wah
Wah wah wah, wah wah wah
Wah wah wah

I´m goin´, I´m goin´ goin´ away


And I´m goin´, goin´ to stay
´Cause we be in this fast life
Can´t stand this, goin´ away.
66

5. Little Richard - Tutti Frutti

Tutti frutti all Tutti


Tutti frutti all Tutti
Tutti frutti all Tutti
Tutti frutti all Tutti
Tutti frutti all Tutti
alu bam bam balubam balu bam bam

I've got a girl named Sue


She knows just what to do
She walks to the cast
She walks to the west
But she's she girl shat I love best

Tutti frutti all Tutti


Tutti frutti all Tutti
Tutti frutti all Tutti
Tutti frutti all Tutti
Tutti frutti all Tutti
alu bam bam balubam balu bam bam

I've got a girl named Daisy


She almost drive me crazy
She knows how to love me - yes, indeed!
Boy, don't you know what she's doing to me

Tutti frutti all Tutti


Tutti frutti all Tutti
Tutti frutti all Tutti
Tutti frutti all Tutti
Tutti frutti all Tutti
alu bam bam balubam balu bam bam
67

6. Little Richard - Long Tall Sally

Don't tell Aunt Mary about Uncle John.


He claims he got married, but he's having lots of fun.
Oh baby, yeah baby,
Ooh, baby, having me some fun tonight.

Well, long, tall Sally, she's built sweet,


She's got everything that Uncle John needs.
Oh baby, yeah baby,
Ooh baby, having me some fun tonight.

Well, I saw Uncle John with bald-head Sally,


He saw Aunt Mary coming and he ducked back in the alley.
Oh baby, yeah baby,
Oh baby, having me some fun tonight.

Well, long, tall Sally, she's built sweet,


She's got everything that Uncle John needs.
Oh baby, yeah baby,
Ooh, baby, having me some fun tonight.

You know, I saw Uncle John with bald-head Sally,


He saw Aunt Mary coming and he ducked back in the alley.
Ooh, baby, having me some fun tonight.

I'm gonna have some fun tonight,


Have some fun tonight, have some fun tonight,
Everything's all right,
Have some fun, having me some fun tonight.
68

7. Bill Haley - Rock Around The Clock

One, two, three o'clock, four o'clock rock,


Five, six, seven o'clock, eight o'clock rock.
Nine, ten, eleven o'clock, twelve o'clock rock,
We're gonna rock around the clock tonight.
Put your glad rags on and join me hon',
We'll have some fun when the clock strikes one.

We're gonna rock around the clock tonight,


We're gonna rock, rock, rock, 'till broad daylight,
We're gonna rock we're gonna rock around the clock tonight.

When the clock strikes two, three and four,


If the band slows down we'll yell for more.

When the chimes ring five, six, and seven,


We'll be right in seventh heaven.

When it's eight, nine, ten, eleven too,


I'll be goin' strong and so will you.

When the clock strikes twelve we'll cool off then,


Start rockin' 'round the clock again.
69

8. Elvis Presley - That's All Right Mama

Well that's all right mama,


that's all right for you.
Yeh that's all right mama,
just anyway you do.
That's all right,
that's all right,
That's all right my mama,
anyway you do.
Well mama she done told me,
papa done told me too.
Son that gal you're fooling with,
she ain't no girl for you.
That's all right,
that's all right,
That's all right my mama,
anyway you do.
I'm leaving town baby,
I'm leaving town for sure,
then you won't be bothered
with me hanging round your door.
That's all right,
that's all right.
Yeh that's all right my mama,
anyway you do.
Well that's all right mama,
yeah that's all right for you.
That's all right mama,
just anyway you do.
That's all right,
that's all right,
That's all right my mama,
anyway you do.
Dee dee dee dee dee dee,
da da dee dee dee,
da da dee dee dee,
I need your loving.
That's all right.
Well that's all right my mama,
anyway you do.
Yeh that's all right my mama,
anyway you do.
70

9. Elvis Presley - Blue Moon Of Kentucky

Blue moon, blue moon, blue moon,


keep shining bright.
Blue moon, keep on shining bright,
You're gonna bring me back my baby tonight,
Blue moon, keep shining bright.

I said blue moon of Kentucky


keep on shining,
Shine on the one that's gone and left me blue.
I said blue moon of Kentucky
keep on shining,
Shine on the one that's gone and left me blue.

Well, it was on one moonlight night,


Stars shining bright,
Wish blown high
Love said good-bye.

Blue moon of Kentucky


Keep on shining.
Shine on the one that's gone and left me blue.

Well, I said blue moon of Kentucky


Just keep on shining.
Shine on the one that's gone and left me blue.
I said blue moon of Kentucky
keep on shining.
Shine on the one that's gone and left me blue.

Well, it was on one moonlight night,


Stars shining bright,
Wish blown high
Love said good-bye.

Blue moon of Kentucky


Keep on shining.
Shine on the one that's gone and left me blue.
71

10. Jerry Lee Lewis - Crazy Arms

Now blue ain't the word for the way that i feel
That old storm brewing in this heart of mine
Someday crazy arms will hold somebody new
But now I'm so lonely all the time

Crazy arms that needs to hold somebody new


While Your heart keeps sayin' your not mine not mine
Not Mine not mine my troubled minds grows blue
To Another you'll be wed but now i'm so lonely all the time

Now take all those precious dreams i had for you Dear
And take all that love i thought was mine
Some day your crazy arms will hold somebody new
But now i 'm so lonely all the time

Crazy arms that reach to hold somebody new


While My yearning heart keeps saying your not mine
Not Mine not mine not mine my troubled mind goes blue
To another you'll be wed but now i'm so lonely all the time

A Damn Good Country Song


Well I've took enough pills for big Memphis town
Ol' Jerry Lee's dranked enough whiskey to lift any ship off theground
I'll be the first to admit
Sure do wish these people would quit it

You know its tough enough


To straightin' up when these idiots won't leave you alone.
Jerry Lee Lewis's life would make a damn good country song
I've always done my best

I've tried to walk tall


Walk on Killer
But when the evening was over I was drunk stumbling into walls
Well I know I've earned my reputation

Can't they see I've found my salvation?


I guess they'd rather prove me wrong
My life would make a damn good country song
Lets get it now!

I've had my share of women


But they always seem to leave
Gonna put me another quarter
In the ol' pinball machine

Well I know the ol' Killers been wrong


That ol' change came over me took too long
My life would make a damn good country song
Jerry Lee Lewis's life would make a damn good country song!
72

11. Little Richard - Whole Lotta Shakin' Goin' On

I said come on over baby, a-whole lot-ta shakin' goin' on


Yeah I said come on over baby, a-whole lot-ta shakin' goin' on
Well we ain't fakin', a-whole lot-ta shakin' goin' on

Mmm, I said come on over baby, we got chickens in the barn


Whose barn, what barn, my barn
I said come on over baby, we got the bull by the horns
Yeah, we ain't fakin', a-whole lot-ta shakin' goin' on

Well, I said shake baby, shake


I said shake, baby shake now
I said shake it baby, shake
I said shake it baby, shake
We ain't fakin', a-whole lot-ta shakin' goin' on

[Chorus:]
Well, I said come on over baby, a-whole lot-ta shakin' goin' on
I said come on over baby, a-whole lot-ta shakin' goin' on
We ain't fakin', a-whole lot-ta shakin' goin' on

Well my mom-mom-mom, I said shake baby, shake


I said shake baby, shake it
I said shake baby, shake all right
I said shake baby, shake
We ain't fakin', a-whole lot-ta shakin' goin' on

[Chorus]

Easy now

[Chorus 2:]
I said shake baby, shake
I said shake, baby shake now
I said shake it baby, shake uh huh
I said shake it baby, shake, bop bop
We ain't fakin', a-whole lot-ta shakin' goin' on
Yeh,

[Chorus]

[Chorus 2 2x]

I said shake baby, shake


I said shake baby, shake
We ain't fakin', a-whole lot-ta shakin' goin' on

Shake it out
73

12. Dorival Caymmi - É Doce Morrer No Mar

É doce morrer no mar


Nas ondas verdes do mar
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar
A noite que ele não veio foi
Foi de tristeza prá mim
Saveiro voltou sozinho
Triste noite foi prá mim
É doce morrer... (2x)
Saveiro partiu de noite foi
Madrugada não voltou
O marinheiro bonito
Sereia do mar levou
É doce morrer... (2x)
Nas ondas verdes do mar meu bem
Ele se foi afogar
Fez sua cama de noivo
No colo de Iemanjá
É doce morrer... (2x)
74

13. Luíz Gonzaga - Asa Branca

Quando olhei a terra ardendo


Qua fogueira de São João
Eu preguntei a Deus do céu, uai
Por que tamanha judiação

Que braseiro, que fornaia


Nem um pé de prantação
Por farta d'água perdi meu gado
Moreu de sede meu alazão

Inté mesmo a asa branca


Bateu asas do sertão
"Intonce" eu disse a deus Rosinha
Guarda contigo meu coração

Hoje longe muitas léguas


Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Para eu voltar pro meu sertão

Quando o verde dos teus oio


Se espalhar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração
75

14. Noel Rosa - Com Que Roupa?

Agora vou mudar minha conduta, eu vou pra luta


pois eu quero me aprumar
Vou tratar você com a força bru.....ta, pra poder me
reabilitar
Pois esta vida não está sopa e eu pergunto: com que roupa?
Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?
Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?
Agora, eu não ando mais fagueiro, pois o dinheiro não
é fácil de ganhar
Mesmo eu sendo um cabra trapacei.....ro, não consigo ter nem pra gastar
Eu já corri de vento em popa, mas agora com que roupa?
Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?
Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?
Eu hoje estou pulando como sapo, pra ver se escapo
desta praga de urubu
Já estou coberto de farrapo, eu vou acabar
ficando nu
Meu paletó virou estopa e eu nem sei mais com que roupa
Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?
Com que roupa que eu vou pro samba que você me
convidou?
76

15. Adoniran Barbosa - Saudosa Maloca

Si o senhor não istá lembrado


Dá licença de contá
Que aqui onde agora está
Esse edifício arto
Era uma casa véia
Um palacete abandonado( Assobradado e não abandonado. )
Foi aqui seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construimos nossa maloca
Mais, um dia
nem quero me lembrá
Veio os home c'as ferramentas
O dono mandô derrubá
Peguemo tudo a nossas coisa
E fumo pro meio da rua
Preciá a demolição
Que tristeza que eu sentia
Cada táuba que caía
Duia no coração
Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
Os homi istá co'a razão
Nós arranja outro lugá
Só se conformemos quando o Joca falou:
"Deus dá o frio conforme o cobertô"
E hoje nóis pega a páia nas grama do jardim
E prá esquecê nóis cantemos assim:
Saudosa maloca, maloca querida,
Que dim donde nóis passemos dias feliz de nossa vida
77

16. Vinicius de Moraes - Chega de Saudade

Vai minha tristeza


E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer

Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai

Mas, se ela voltar


Se ela voltar que coisa linda!
Que coisa louca!
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca

Dentro dos meus braços, os abraços


Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim

Que é pra acabar com esse negócio


De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você longe de mim
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim
78

17. Vinicius de Moraes - Marcha De Quarta-Feira De Cinzas

Acabou nosso carnaval


Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou

Pelas ruas o que se vê


É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor

E no entanto é preciso cantar


Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem


Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe

Quem me dera viver pra ver


E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz
79

18. Edu Lobo - Doutor Getulio

Foi o chefe mais amado da nação


Desde o sucesso da revolução
Liderando os liberais
Foi o pai dos mais humildes brasileiros
Lutando contra grupos financeiros
E altos interesses internacionais
Deu início a um tempo de transformações
Guiado pelo anseio de justiça
E de liberdade social
E depois de compelido a se afastar
Voltou pelos braços do povo
Em campanha triunfal

Abram alas que Gegê vai passar


Olha a evolução da história
Abram alas pra Gegê desfilar
Na memória popular

Foi o chefe mais amado da nação


A nós ele entregou seu coração
Que não largaremos mais
Não, pois nossos corações hão de ser nossos
A terra, o nosso sangue, os nossos poços
O petróleo é nosso, os nossos carnavais
Sim, puniu os traidores com o perdão
E encheu de brios todo o nosso povo
Povo que a ninguém será servil
E partindo nos deixou uma lição
A Pátria, afinal, ficar livre
Ou morrer pelo Brasil

Abram alas que Gegê vai passar


Olha a evolução da história
Abram alas pra Gegê desfilar
Na memória popular
80

19. Geraldo Vandré - Prá não dizer que não falei de flores

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantado
E seguindo a canção...

Vem, vamos embora


Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)

Pelos campos a fome


Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão...

Vem, vamos embora


Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição:
De morrer pela pátria
E viver sem razão...

Vem, vamos embora


Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)

Nas escolas, nas ruas


Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não...

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição...
81

Vem, vamos embora


Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(4x)
82

20. Geraldo Vandré - Ventania

Meu senhor, minha senhora,


vou falar com precisão.
Não me negue nessa hora,
seu calor, sua atenção
A canção que eu trago agora
fala de toda a nação.
Andei pelo mundo afora
querendo tanto encontrar
um lugar prá ser contente
onde eu pudesse mudar.
Mas a vida não mudava
mudando só de lugar.
Que a morte que eu vi no campo
encontrei também no mar.
Boiadeiro, jangadeiro iguais
no mesmo esperar,
que um dia se mude a vida
em tudo e em todo tugar.
Prá alegrar eu tenho a viola
prá cantar, minha intenção,
prá esperar tenho a certeza
que guardo no coração.
Prá chegar tem tanta estrada
prá correr meu caminhão.
Já soltei o meu cavalo.
Já deixei a plantação.
Eu já fui até soldado,
hoje muito mais amado
sou chofer de caminhão.
Já gastei muita esperança.
Já segui muita ilusão.
Já chorei como criança
atrás de uma procissão.
Mas já fiz correr valente
quando tive precisão.
Amor prá moça bonita,
repeito prá contrmão,
saudade vira poeira,
na estrada e no coração.
Riso franco, peito aberto,
sou chofer de caminhão.
Se você não vice certo,
se não ouve o coração,
não se chegue muito perto,
não perdôo ingratidão.
Riso franco, peito aberto,
vou cantar minha canção.
De setembro a fevereiro
o que vir não vou negar.
Rodando país inteiro,
norte, sul, sertão e mar,
aprendi ser tão ligeiro
que ninguém vai segurar.
Fui vaqueiro e jangadeiro,
no campo e no litoral.
Cantador serei primeiro,
cantando não por dinheiro,
por justo anseio geral.
Cantador serei primeiro,
83

cantando não por dinheiro,


por justo anseio geral.
Cantando por justo anseio geral.
84

21. Celly Campello - Estúpido Cupido

Oh! oh! Cupido!


Vê se deixa em paz
(Oh! oh! Cupido!)
Meu coração que
Já não pode amar
(Oh! oh! Cupido!)
Eu amei há
Muito tempo atrás
(Oh! oh! Cupido!)
Já cansei de
Tanto soluçar
(Oh! oh! Cupido!)

Hei, hei, é o fim


Oh, oh, cupido!
Prá longe de mim
(Oh! oh! Cupido!)

Eu dei meu coração


A um belo rapaz
(Oh! oh! Cupido!)
Que prometeu me amar
E me fazer feliz
(Oh! oh! Cupido!)
Porém, ele
Me passou prá trás
(Oh! oh! Cupido!)
Meu beijo recusou
E meu amor não quis
(Oh! oh! Cupido!)

Hei, hei, é o fim


Oh, oh, cupido!
Prá longe de mim
(Oh! oh! Cupido!)

Eu ví um coração
Cansado de chorar
A flecha do amor
Só trás
Angústia e a dor
(Oh! oh! Cupido!)

Mas, seu cupido


O meu coração
(Oh! oh! Cupido!)
Não quer saber
De mais uma paixão
(Oh! oh! Cupido!)
Por favor
Vê se me deixa em paz
(Oh! oh! Cupido!)
Meu pobre coração
Já não agüenta mais
(Oh! oh! Cupido!)

Hei, hei, é o fim


Oh, oh, cupido!
Prá longe de mim...
85

(Oh! oh! Cupido!)


Mas, seu cupido
Meu coração
(Oh! oh! Cupido!)
Não quer saber
De mais uma paixão
(Oh! oh! Cupido!)
Por favor, vê se
Me deixa em paz
(Oh! oh! Cupido!)
Meu pobre coração
Já não agüenta mais
(Oh! oh! Cupido!)

Hei, hei, é o fim


Oh, oh, cupido!
Prá longe de mim..
(Oh! oh! Cupido!)
Hei, hei, é o fim
Oh, oh, cupido!
Prá longe de mim...

Oh! oh! Cupido!


Oh! oh! Cupido!
Oh! oh! Cupido!
86

22. Os Vips - Biquini de Bolinha Amarelinha

Ana Maria entrou na cabine


E foi vestir um biquíni legal
Mas era tão pequenino o biquíni
Que Ana Maria até sentiu-se mal

Ai, ai, ai, mas ficou sensacional!


Era um biquíni de bolinha amarelinha (chocante)
Tão pequenininho, mal cabia na Ana Maria
Biquíni de bolinha amarelinha (chocante) tão pequenininho
Que na palma da mão se escondia

Ana Maria toda envergonhada


Não quis sair da cabine assim
Ficou com medo que a rapaziada
Olhasse tudo tintim por tintim

Ai, ai, ai, a garota tá pra mim!

Era um biquíni de bolinha amarelinha (chocante)


Tão pequenininho, mal cabia na Ana Maria
Biquíni de bolinha amarelinha (chocante) tão pequenininho
Que na palma da mão se escondia

Ana Maria olhou-se no espelho


E viu-se quase despida afinal
Ficou com o rosto todinho vermelho
E escondeu o maiô no dedal

Olha a Ana Maria aí, gente!


Yêee shenshashional!
Uma onda, é uma onda, é uma onda que é... splish-plash.

Era um biquíni de bolinha amarelinha (chocante)


Tão pequenininho, mal cabia na Ana Maria
Itsy Bitsy Teenie Weenie Yellow (chocante) Polkdot Bikini
Que na palma da mão se escondia
87

23. Eduardo Araújo - O Bom

Ele É O Bom, É O Bom, É O Bom

Ah!, Meu Carro É Vermelho, Não Uso Espelho Pra Me Pentear

Botinha Sem Meia E Só Na Areia Eu Sei Trabalhar

Cabelo Na Testa, Sou O Dono Da Festa, Pertenço Aos Dez Mais

Se Você Quiser Experimentar Sei Que Vai Gostar

Quando Eu Apareço O Comentário É Geral, Ele É O Bom, É O BomDemais

Ter Muitas Garotas Para Mim É Normal, Eu Sou O Bom, Entre Os DezMais

Ele É O Bom, É O Bom, É O Bom

Versão 2

Ele é o bom, é o bom, é o bom


Ele é o bom, é o bom, é o bom

Ah! Meu carro é vermelho |Não uso espelho pra me pentear

Botinha sem meia

E só na areia eu sei trabalhar

Cabelo na testa sou o dono da festa

Pertenço aos dez mais

Se você quiser experimentar

Sei que vai gostar

Quando eu apareço
O comentário é geral

Ele é o bom é o bom demais

Ter muitas garotas para mim é normal

Eu sou o bom entre os dez mais

Ele é o bom, é o bom, é o bom


Ele é o bom, é o bom, é o bom
88

24. Erasmo Carlos - Quero Que Vá Tudo Pro Inferno

De que vale o céu azul e o sol sempre a brilhar


Se você não vem e eu estou a lhe esperar
Só tenho você no meu pensamento
E a sua ausência é todo o meu tormento

Quero que você me aqueça nesse inverno


E que tudo mais vá pro inferno

De que vale a minha boa vida de playboy


Se entro no meu carro e a solidão me dói
Onde quer que eu ande tudo é tão triste
Não me interessa o que de mais existe

Quero que você me aqueça nesse inverno


E que tudo mais vá pro inferno

Não suporto mais você longe de mim


Quero até morrer do que viver assim

Só quero que você me aqueça nesse inverno


E que tudo mais vá pro inferno
E que tudo mais vá pro inferno

Não suporto mais você longe de mim


Quero até morrer do que viver assim

Só quero que você me aqueça nesse inverno


E que tudo mais vá pro inferno
E que tudo mais vá pro inferno ...
89

25. Eduardo Araújo - Pode Vir Quente Que Eu Estou Fervendo

se você quer brigar


e acha com isso estou sofrendo
se enganou meu bem
pode vir quente que eu estou fervendo

mas se você quer brigar


e acha com isso estou sofrendo
se enganou meu bem
pode vir quente que eu estou fervendo

pode tirar
seu time de campo
o meu coração é do tamanho de um trem
iguais a você
eu já ganhei mais de cem
pode vir quente que eu estou fervendo

mas se você quer brigar


e acha com isso estou sofrendo
se enganou meu bem
pode vir quente que eu estou fervendo
90

26. Chico Buarque - Roda Viva

Tem dias que a gente se sente


Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa


No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

Roda mundo, roda gigante


Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A gente vai contra a corrente


Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...

Roda mundo, roda gigante


Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A roda da saia mulata


Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...

A gente toma a iniciativa


Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

Roda mundo, roda gigante


Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

O samba, a viola, a roseira


Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...

No peito a saudade cativa


Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Roda mundo, roda gigante


Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas rodas do meu coração...(4x)
91

27. Chico Buarque - A Banda

Estava à toa na vida, o meu amor me chamou


Pra ver a banda passar cantando coisas de amor
A minha gente sofrida despediu-se da dor
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem
A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Estribilho
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela
A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto o que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar depois que a banda passou
E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor
Depois da banda passar cantando coisas de amor
92

28. Edu Lobo - Ponteio

Era um, era dois, era cem


Era o mundo chegando e ninguém
Que soubesse que eu sou violeiro
Que me desse o amor ou dinheiro...

Era um, era dois, era cem


Vieram prá me perguntar:
"Ô voce, de onde vai
de onde vem?
Diga logo o que tem
Prá contar"...

Parado no meio do mundo


Senti chegar meu momento
Olhei pro mundo e nem via
Nem sombra, nem sol
Nem vento...

Quem me dera agora


Eu tivesse a viola
Prá cantar...(4x)

Prá cantar!

Era um dia, era claro


Quase meio
Era um canto falado
Sem ponteio
Violência, viola
Violeiro
Era morte redor
Mundo inteiro...

Era um dia, era claro


Quase meio
Tinha um que jurou
Me quebrar
Mas não lembro de dor
Nem receio
Só sabia das ondas do mar...

Jogaram a viola no mundo


Mas fui lá no fundo buscar
Se eu tomo a viola
Ponteio!
Meu canto não posso parar
Não!...

Quem me dera agora


Eu tivesse a viola
Prá cantar, prá cantar
Ponteio!...(4x)

Pontiarrrrrrrr!

Era um, era dois, era cem


Era um dia, era claro
Quase meio
Encerrar meu cantar
93

Já convém
Prometendo um novo ponteio
Certo dia que sei
Por inteiro
Eu espero não vá demorar
Esse dia estou certo que vem
Digo logo o que vim
Prá buscar
Correndo no meio do mundo
Não deixo a viola de lado
Vou ver o tempo mudado
E um novo lugar prá cantar...

Quem me dera agora


Eu tivesse a viola
Prá cantar
Ponteio!...(4x)

Lá, láia, láia, láia...


Lá, láia, láia, láia...
Lá, láia, láia, láia...

Quem me dera agora


Eu tivesse a viola
Prá cantar
Ponteio!...(4x)

Prá cantar
Pontiaaaaarrr!...(4x)

Quem me dera agora


Eu tivesse a viola
Prá Cantar!
94

29. Caetano Veloso - Alegria, Alegria

Caminhando contra o vento


Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou...

O sol se reparte em crimes


Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou...

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot...

O sol nas bancas de revista


Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou...

Por entre fotos e nomes


Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não...

Ela pensa em casamento


E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou...

Eu tomo uma coca-cola


Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou...

Por entre fotos e nomes


Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil...

Ela nem sabe até pensei


Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou...

Sem lenço, sem documento


Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...

Por que não, por que não...


Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
95

30. Gilberto Gil - Domingo no Parque

O rei da brincadeira
Êh José!
O rei da confusão
Êh João!
Um trabalhava na feira
Êh José!
Outro na construção
Êh João!...

A semana passada
No fim da semana
João resolveu não brigar
No domingo de tarde
Saiu apressado
E não foi prá Ribeira jogar
Capoeira!
Não foi prá lá
Prá Ribeira foi namorar...

O José como sempre


No fim da semana
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo
Um passeio no parque
Lá perto da boca do Rio...

Foi no parque
Que ele avistou
Juliana!
Foi que ele viu
Foi que ele viu!
Juliana na roda com João
Uma rosa e um sorvete na mão
Juliana seu sonho, uma ilusão
Juliana e o amigo João...

O espinho da rosa feriu Zé


(Feriu Zé!) (Feriu Zé!)
E o sorvete gelou seu coração
O sorvete e a rosa
Oh José!
A rosa e o sorvete
Oh José!
Foi dançando no peito
Oh José!
Do José brincalhão
Oh José!...

O sorvete e a rosa
Oh José!
A rosa e o sorvete
Oh José!
Oi girando na mente
Oh José!
Do José brincalhão
Oh José!...

Juliana girando
Oi girando!
96

Oi na roda gigante
Oi girando!
Oi na roda gigante
Oi girando!
O amigo João (João)...

O sorvete é morango
É vermelho!
Oi girando e a rosa
É vermelha!
Oi girando, girando
É vermelha!
Oi girando, girando...

Olha a faca! (Olha a faca!)


Olha o sangue na mão
Êh José!
Juliana no chão
Êh José!
Outro corpo caído
Êh José!
Seu amigo João
Êh José!...

Amanhã não tem feira


Êh José!
Não tem mais construção
Êh João!
Não tem mais brincadeira
Êh José!
Não tem mais confusão
Êh João!...

Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh!


Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh!
Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh!
Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh!
Êh! Êh! Êh Êh Êh Êh!...
97

31. Caetano Veloso - Tropicália

Sobre a cabeça os aviões


Sob os meus pés, os caminhões
Aponta contra os chapadões, meu nariz

Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento
No planalto central do país

Viva a bossa, sa, sa


Viva a palhoça, ça, ça, ça, ça

O monumento é de papel, crepom e prata


Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde atrás da verde mata
O luar do sertão (Lua de São Jorge)
O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga,
Estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente,
Feia e morta,
Estende a mão

Viva a mata, ta, ta


Viva a mulata, ta, ta, ta, ta

viva a bossa, palhoça, a mata, mulata maria

No pátio interno há uma piscina


Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina
E faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando a eterna primavera
E no jardim os urubus passeiam
A tarde inteira entre os girassóis

Viva Maria, ia, ia


Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia

No pulso esquerdo o bang-bang


Em suas veias corre muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança a um samba de tamborim (esquindim esquindim)
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores
Ele pões os olhos grandes sobre mim

Viva Iracema, ma, ma


Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma

Domingo é o fino-da-bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém...
o monumento é bem moderno
Não disse nada do modelo
98

Do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem

Viva a banda, da, da


Carmen Miranda, da, da, da, da
99

32. Rita Lee - Esse Tal De Roque Enrow

AU!

Ela nem vem mais prá casa


Doutor!
Ela odeia meus vestidos
Minha filha é um caso sério
Doutor!
Ela agora está vivendo
Com esse tal de:
Roque Enrow! Roque Enrow!
Roque En!...

Ela não fala comigo


Doutor!
Quando ele está por perto
É um menino tão sabido
Doutor!
Ele quer modificar o mundo
Esse tal de:
Roque Enrow! Roque Enrow!...

Ro! Quem é ele?


Quem é ele?
Esse tal de Roque Enrow!
Uma mosca, um mistério
Uma moda que passou
-Já Passou!
Ele! Quem é ele?
Isso ninguém nunca falou!
Ôh! Ôh!..

Ela não quer ser tratada


Doutor!
E não pensa no futuro
A minha filha tá solteira
Doutor
Ela agora está lá na sala
Com esse tal de:
Roque Enrow! Roque En!

Eu procuro estar por dentro


Doutor!
Dessa nova geração
Mas minha filha
Não me leva à sério
Doutor!
Ela fica cheia de mistério
Com esse tal de:
Roque Enrow! Roque Enrow!...

Ro!Quem é ele?
Quem é ele?
Esse tal de Roque Enrow!
Um planeta, um deserto
Uma bomba que estourou
Ele! Quem é ele?
Isso ninguém nunca falou!
Ôh! Ran!...
100

Ela dança o dia inteiro


Doutor!
E só estuda prá passar
E já fuma com essa idade
Doutor!
Desconfio que não há
Mais cura prá esse tal de:
Roque Enrow!...

Quem?
Roque Enrow!
Roque Enrow!
Roque Enrow!...
101

33. Rita Lee - Ovelha negra


Levava uma vida sossegada
Gostava de sombra
E água fresca
Meu Deus!
Quanto tempo eu passei
Sem saber!
Uh! Uh!...

Foi quando meu pai


Me disse:
"Filha, você é a Ovelha Negra
Da família"
Agora é hora de você assumir
Uh! Uh! E sumir!...

Baby Baby
Não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrar
Baby Baby
Não vale a pena esperar
Oh! Não!
Tire isso da cabeça
Ponha o resto no lugar
Ah! Ah! Ah! Ah!
Tchu! Tchu! Tchu! Tchu!
Não!
Oh! Oh! Ah!
Tchu! Tchu! Ah! Ah!...

Levava uma vida sossegada


Gostava de sombra
E água fresca
Meu Deus!
Quanto tempo eu passei
Sem saber!
Han!! Han!...

Foi quando meu pai


Me disse:
"Filha, você é a Ovelha Negra
Da família"
Agora é hora de você assumir
Uh! Uh! E sumir!...

Baby Baby
Não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrar
Baby Baby
Não vale a pena esperar
Oh! Não!
Tire isso da cabeça
Ponha o resto no lugar
Ah! Ah! Ah! Ah!
Tchu! Tchu! Tchu! Tchu!
Não!
(Ovelha Negra da Família!)
Tchu! Tchu! Tchu!
Não! Vai sumir!...
102

34. Rita Lee - Fruto Proibido

Não é nada disso, alguém fez confusão!


Vou dar um tempo, preciso distração
Às vezes cansa minha beleza
essa falta de emoção e de sensação

Quem foi que disse que eu devo me cuidar?


Tem certas coisas que a gente não consegue controlar
Comer um fruto que é proibido,
você não acha irresistível?
Nesse fruto está escondido o paraíso, o paraíso

Eu sei que o fruto é proibido,


mas eu caio em tentação
Acho que não!

Comer um fruto que é proibido,


você não acha irresistível?
Nesse fruto está escondido o paraíso, o paraíso

Eu sei que o fruto é proibido,


mas eu caio em tentação
Acho que não!
103

35. Rita Lee - Agora só falta você

Um belo dia resolvi mudar


E fazer tudo o que eu queria fazer
Me libertei daquela vida vulgar
Que eu levava estando junto a você

E em tudo que eu faço


Existe um porquê

Eu sei que eu nasci


Eu sei que eu nasci pra saber

E fui andando sem pensar em voltar


E sem ligar pro que me aconteceu
Um belo dia vou lhe telefonar
Pra lhe dizer que aquele sonho cresceu

No ar que eu respiro, uu
Eu sinto prazer

De ser quem eu sou


De estar onde estou

Agora só falta você, iê, iê


Agora só falta você, aaa...
Agora só falta você, iê, iê
Agora só falta você, au!
104

36. Raul Seixas - Ouro de Tolo

Eu devia estar contente


Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês...

Eu devia agradecer ao Senhor


Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73...

Eu devia estar alegre


E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado
Fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa...

Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa...

Eu devia estar contente


Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado...

Porque foi tão fácil conseguir


E agora eu me pergunto "e daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes prá conquistar
E eu não posso ficar aí parado...

Eu devia estar feliz pelo Senhor


Ter me concedido o domingo
Prá ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos...

Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco...

É você olhar no espelho


Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal...
105

E você ainda acredita


Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social...

Eu que não me sento


No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar...

Porque longe das cercas


Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...

Ah!
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar...

Porque longe das cercas


Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...
106

37. Raul Seixas - Abre-te Sesamo

Lá vou eu denovo
Um tanto assustado
Com Ali-Babá
E os quarenta ladrões
Já não querem nada
Com a pátria amada
E cada dia mais
Enchendo os meus botões...

Lá vou eu de novo
Brasileiro, brasileiro nato
Se eu não morro eu mato
Essa desnutrição
Minha teimosia
Braba de guerreiro
É que me faz o primeiro
Dessa procissão...

Fecha a porta! Abre a porta!


Abre-te Sésamo
Fecha a Porta! Abre a porta!
Eu disse:
Abre-te Sésamo...

Isso aí!
E vamos nós de novo
Vamo na gangorra
No meio da zorra desse
Desse vai-e-vem
É tudo mentira
Quem vai nessa pira
Atrás do tesouro
De Ali-bem-bem...

É que lá vou eu de novo


Brasileiro nato
Se eu não morro eu mato
Essa desnutrição
A minha teimosia
Braba de guerreiro
É que me faz o primeiro
Dessa procissão...

Fecha a Porta! Abre a porta!


Abre-te Sésamo
Fecha a Porta! Abre a porta!
Abre-te Sésamo
Fecha a Porta! Abre a porta!
Eu disse:
Abre-te Sésamo
Hêêêêi!
Abre a porta!
Eu disse:
Abre-te Sésamo...
107

38. Raul Seixas - Gita

“Eu que já andei pelos quatro cantos do mundo procurando”,


“Foi justamente num sonho que ele me falou”

Às vezes você me pergunta


Por que é que eu sou tão calado
Não falo de amor quase nada
Nem fico sorrindo ao teu lado

Você pensa em mim toda hora


Me come, me cospe, me deixa
Talvez você não entenda
Mas hoje eu vou lhe mostrar

Eu sou a luz das estrelas


Eu sou a cor do luar
Eu sou as coisas da vida
Eu sou o medo de amar

Eu sou o medo do fraco


A força da imaginação
O blefe do jogador
Eu sou eu fui eu vou

Gita

Eu sou o seu sacrifício


A placa de contra-mão
O sangue no olhar do vampiro
E as juras de maldição

Eu sou a vela que acende


Eu sou a luz que se apaga
Eu sou a beira do abismo
Eu sou o tudo e o nada

Por que você me pergunta


Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra,
Do fogo, da água, do ar

Você me tem todo dia


Mas não sabe se é bom ou ruim
Mas saiba que eu estou em você
Mas você não está em mim

Das telhas eu sou o telhado


A pesca do pescador
A letra A tem meu nome
Dos sonhos eu sou o amor

Eu sou a dona de casa


Nos pegues pagues do mundo
Eu sou a mão do carrasco
Sou raso, largo, profundo

Gita

Eu sou a mosca da sopa


E o dente do tubarão
108

Eu sou os olhos do cego


E a cegueira da visão

Mas eu sou o amargo da língua


A mãe, o pai, o avô
O filho que ainda não veio,
O início, o fim, e o meio
O início, o fim, e o meio
Eu sou o início, o fim e o meio
Eu sou o início, o fim e o meio
109

39. Raul Seixas - Eu nasci há dez mil anos atrás

Um dia, numa rua da cidade, eu vi um velhinho sentado na calçada


Com uma cuia de esmola e uma viola na mão
O povo parou pra ouvir, ele agradeceu as moedas
E cantou essa música, que contava uma história
Que era mais ou menos assim:

Eu nasci há dez mil anos atrás


e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais (2x)

Eu vi cristo ser crucificado


O amor nascer e ser assassinado
Eu vi as bruxas pegando fogo pra pagarem seus pecados,
Eu vi,
Eu vi Moisés cruzar o mar vermelho
Vi Maomé cair na terra de joelhos
Eu vi Pedro negar Cristo por três vezes diante do espelho
Eu vi,

Eu nasci
(eu nasci)
Há dez mil anos atrás
(eu nasci há dez mil anos)
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais (2x)

Eu vi as velas se acenderem para o Papa


Vi Babilônia ser riscada do mapa
Vi conde Drácula sugando o sangue novo
e se escondendo atrás da capa
Eu vi,
Eu vi a arca de Noé cruzar os mares
Vi Salomão cantar seus salmos pelos ares
Eu vi Zumbi fugir com os negros pra floresta
pro quilombo dos palmares
Eu vi,

Eu nasci
(eu nasci)
Há dez mil anos atrás
(eu nasci há dez mil anos)
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais (2x)

Eu vi o sangue que corria da montanha


quando Hitler chamou toda a Alemanha
Vi o soldado que sonhava com a amada numa cama de campanha
Eu li,
Eu li os simbolos sagrados de Umbanda
Eu fui criança pra poder dançar ciranda
E, quando todos praguejavam contra o frio,
eu fiz a cama na varanda

Eu nasci
(eu nasci)
Há dez mil anos atrás
(eu nasci há dez mil anos atrás)
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais
não, não porque

Eu nasci
(eu nasci)
110

Há dez mil anos atrás


(eu nasci há dez mil anos atrás)
E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais
Não, não

Eu tava junto com os macacos na caverna


Eu bebi vinho com as mulheres na taberna
E quando a pedra despencou da ribanceira
Eu também quebrei e perna
Eu também,
Eu fui testemunha do amor de Rapunzel
Eu vi a estrela de Davi brilhar no céu
E praquele que provar que eu tou mentindo
eu tiro o meu chapéu

(eu nasci)
Eu nasci
(há dez mil anos atrás)
Eu nasci há dez mil anos atrás
(e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais)
111

40. Língua de Trapo - O Que É Isso Companheiro?

Nois dois vivia intocado e clandestino


Nosso destino era fundo de quintar
Desconfiavam que nois era comunista
Ou terrorista, de manchete de jornar
Nois aluguemo casa na periferia
No mesmo dia, se mudemo para lá.
Levando uma big de uma metralhadora
Que a genitora se benzia ao oiá.

Nois pranejemo de primeiro um assarto


Com mãos ao arto, todo mundo pro banheiro
Nois ria de pensar na cara do gerente.
Oiando a gente, conferindo o dinheiro.
Mas o tal banco acabô saindo ileso
E fumo preso, jurando ser inocente.
Nois não sabia que furtar de madrugada.
Era mancada pois não tem expediente.

Despois de um ano apertado numa cela.


O sentinela veio e anunciou:
"O delegado pergunto se ocês topa
Ir prás oropa, a troco de um embaixador".
Na mesma hora arrumemo passaporte
Pois com a sorte não se brinca duas vez.
E os passaporte que demos no aeroporto,
Era de um morto e de um lord finlandês.

E quando veio aquela tar de anistia


Nem mais um dia fiquemo no exterior
E hoje já fazendo parte da história
Vendendo memória, hoje nois é escritor.
112

41. Titãs - Lugar nenhum

Não sou brasileiro,


Não sou estrangeiro,
Não sou brasileiro,
Não sou estrangeiro.
Não sou de nenhum lugar,
Sou de lugar nenhum.
Não sou de São Paulo, não sou japonês.
Não sou carioca, não sou português.
Não sou de Brasília, não sou do Brasil.
Nenhuma pátria me pariu.
Eu não tô nem aí.
Eu não tô nem aqui.
113

42. Titãs - Estado Violência

Sinto no meu corpo


A dor que angustia
A lei ao meu redor
A lei que eu não queria...

Estado Violência
Estado Hipocrisia
A lei não é minha
A lei que eu não queria...

Meu corpo não é meu


Meu coração é teu
Atrás de portas frias
O homem está só...

Homem em silêncio
Homem na prisão
Homem no escuro
Futuro da nação
Homem em silêncio
Homem na prisão
Homem no escuro
Futuro da nação...

Estado Violência
Deixem-me querer
Estado Violência
Deixem-me pensar
Estado Violência
Deixem-me sentir
Estado Violência
Deixem-me em paz...(3x)
114

43. Os Paralamas Do Sucesso - Selvagem

A polícia apresenta suas armas


Escudos transparentes, cacetetes
Capacetes reluzentes
E a determinação de manter
Em seu lugar

O governo apresenta suas armas


Discurso reticente, novidade inconsistente
E a liberdade cai por terra
Aos pés de um filme de Godard

A cidade apresenta suas armas


Meninos nos sinais, mendigos pelos cantos
E o espanto está nos olhos de quem vê
O grande monstro a se criar

Os negros apresentam suas armas


As costas marcadas, as mãos calejadas
E a esperteza que só tem quem tá
Cansado de apanhar
115

44. Titãs - Polícia

Dizem que ela existe pra ajudar


Dizem que ela existe pra proteger
Eu sei que ela pode te parar
Eu sei que ela pode te prender

Polícia! Para quem precisa?

Polícia! Para quem precisa de polícia?

Dizem pra você obedecer


Dizem pra você responder
Dizem pra você cooperar
Dizem pra você respeitar

Polícia! Para quem precisa?

Polícia! Para quem precisa de polícia?


116

45. Engenheiros do Hawaii - Toda Forma De Poder

Eu presto atenção no que eles dizem mas eles não dizem nada
Fidel e Pinochet tiram sarro de você que não faz nada
E eu começo a achar normal que algum boçal atire bombas na embaixada

Se tudo passa, talvez você passe por aqui


E me faça esquecer tudo que eu vi

Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada


Toda forma de conduta se trasforma numa luta armada
A história se repete mas a força deixa a história mal contada

Se tudo passa, talvez você passe por aqui


E me faça esquecer tudo que eu vi

O fascismo é fascinante deixa a gente ignorante e fascinada


É tão fácil ir adiante e esquecer que a coisa toda tá errada
Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada

Se tudo passa, talvez você passe por aqui


E me faça esquecer tudo que eu vi
117

46. Titãs - Nome Aos Bois

E
Garrastazu,
Stalin,
Erasmo Dias,
Franco,
Lindomar Castilho,
Nixon, Delfin,
Ronaldo Boscoli.

A
Baby Doc,
Papa Doc,
Mengele,
Doca Street,
Rockfeller.

E
Afanásio,
Dulcídio Wanderley Bosquila,
Pinochet,
Gil Gomes,
Reverendo Moon,
Jim Jones.

E
General Custer,
Flávio Cavalcanti,
Adolf Hitler,
Borba Gato,
Newton Cruz,
Sérgio Dourado.

G
Idi Amin,
Plínio Correia de Oliveira,
Plínio Salgado.

E
Mussolini,
Truman,
Khomeini,
Reagan,
Chapman,
Fleury.
118

47. Legião Urbana - Geração Coca-cola

Quando nascemos fomos programados


Pra receber de vocês
Nos empurraram com os enlatados
Dos U.S.A., de nove as seis

Desde pequenos nos comemos lixo


Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês

Somos os filhos da revolução


Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola

Depois de 20 anos na escola


Não é difícil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser

Vamos fazer nosso dever de casa


E aí então vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis

Somos os filhos da revolução


Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola
119

48. Belchior - Como Nossos Pais

Não quero lhe falar


Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos...

Quero lhe contar


Como eu vivi
E tudo o que
Aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa...

Por isso cuidado meu bem


Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens...

Para abraçar meu irmão


E beijar minha menina
Na rua
É que se fez o meu lábio
O seu braço
E a minha voz...

Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantado
Como uma nova invenção
Vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pr'o sertão
Pois vejo vir vindo no vento
O cheiro da nova estação
E eu sinto tudo
Na ferida viva
Do meu coração...

Já faz tempo
E eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Esta lembrança
É o quadro que dói mais...

Minha dor é perceber


Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como Os Nossos Pais...
120

Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
As aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu estou por fora
Ou então
Que eu estou enganando...

Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem...

E hoje eu sei
Eu sei!
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Está em casa
Guardado por Deus
Contando seus metais...

Minha dor é perceber


Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como Os Nossos Pais...

Nanananã! Naninananã!
Nanananã! Naninananã!
Hum!...
121

49. Engenheiros do Hawaii - Terra De Gigantes

Hey mãe!
Eu tenho uma guitarra elétrica
Durante muito tempo isso foi tudo
Que eu queria ter

Mas, hey mãe!


Alguma coisa ficou pra trás
Antigamente eu sabia exatamente o que fazer

Hey mãe!
Tenho uns amigos tocando comigo
Eles são legais, além do mais,
Não querem nem saber
Mas agora, lá fora,
Todo mundo é uma ilha
A milhas e milhas e milhas de qualquer lugar

Nessa terra de gigantes


(eu sei, já ouvimos tudo isso antes)
A juventude é uma banda
Numa propaganda de refrigerantes

As revistas
As revoltas
As conquistas da juventude
São heranças
São motivos
Pr'as mudanças de atitude
Os discos
As danças
Os riscos da juventude
A cara limpa
A roupa suja
Esperando que o tempo mude

Nessa terra de gigantes


(tudo isso já foi dito antes)
A juventude é uma banda
Numa propaganda de refrigerantes

Hey mãe!
Já não esquento a cabeça
Durante muito tempo isso foi
Só o que eu podia fazer
Mas, hey mãe!
Por mais que a gente cresça
Há sempre coisas que a gente
Não pode entender

Hey mãe!
Só me acorda quando o sol tiver se posto
Eu não quero ver meu rosto
Antes de anoitecer
Pois agora lá fora

O mundo todo é uma ilha


A milhas e milhas e milhas...

Nessa terra de gigantes


122

Que trocam vidas por diamantes


A juventude é uma banda
Numa propaganda de refrigerantes
123

50. Cazuza - O Tempo Não Pára

Disparo contra o sol


Sou forte, sou por acaso
Minha metralhadora cheia de mágoas
Eu sou um cara
Cansado de correr
Na direção contrária
Sem pódio de chegada ou beijo de namorada
Eu sou mais um cara

Mas se você achar


Que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o tempo não pára

Dias sim, dias não


Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos


Tuas idéias não correspondem aos fatos
O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado


Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não pára, não, não pára

Eu não tenho data pra comemorar


Às vezes os meus dias são de par em par
Procurando uma agulha num palheiro

Nas noites de frio é melhor nem nascer


Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros
Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro

A tua piscina tá cheia de ratos


Tuas idéias não correspondem aos fatos
O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado


Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não pára, não, não pára

Dias sim, dias não


Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos


Tuas idéias não correspondem aos fatos
O tempo não pára

Eu vejo o futuro repetir o passado


Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não pára, não, não pára
124

51. Cazuza - Ideologia

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Ah, eu nem acredito
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Frequenta agora as festas do "Grand Monde"

Meus heróis morreram de overdose


Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver

O meu tesão
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Agora assiste a tudo em cima do muro

Meus heróis morreram de overdose


Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Pra viver

Pois aquele garoto que ia mudar o mundo


(Mudar o mundo)
Agora assiste a tudo em cima do muro
(em cima do muro)
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Pra viver
125

52. Cazuza - Brasil

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer

Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha

Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer "sim, sim"

Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Grande pátria desimportante


Em nenhum instante
Eu vou te trair
(Não vou te trair)

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