You are on page 1of 5

Assim que o presidente venezuelano Hugo Chávez anunciou que outro liberticida de sua confraria

bolivariana, o ex-presidente Manuel Zelaya, havia voltado clandestinamente a Honduras, e que ele se
encontrava abrigado na embaixada brasileira em Tegucigalpa, VEJA destacou a editora Thaís Oyama para
cobrir a crise naquele pequeno e paupérrimo país da América Central. Incansável na busca por reportagens
surpreendentes e exclusivas, dois meses antes, ela havia conseguido entrar na Coreia do Norte, para fazer
um relato sobre a vida no país mais fechado do mundo. Sua missão, desta vez, era dar nitidez a um quadro
enevoado por um noticiário deturpado por falsificações ideológicas. Thaís a vem cumprindo com o
brilhantismo habitual. Na semana passada, enquanto se alardeava um "ataque com gás" à representação
brasileira, por parte das tropas do governo interino que a cercam, ela esclareceu que se tratava de uma
inverdade - e também mostrou o grau de irresponsabilidade de Zelaya. Numa conversa telefônica com o ex-
presidente, ouviu dele que "mercenários israelenses" haviam perpetrado o ataque. Loucura, mas com
cálculo.

Para esta edição, Thaís obteve, com exclusividade para o Brasil, uma entrevista com o presidente interino de
Honduras, Roberto Micheletti. "Além de sua assessora de comunicação, estavam presentes à entrevista três
soldados armados com fuzis", conta ela. Na conversa que durou uma hora, o presidente interino fala sobre
seus acertos e erros e revela que, sob o patrocínio de Chávez e com o aval de Zelaya, Honduras se tornara
escala para aviões de traficantes de drogas. Ao final, Micheletti disse que há vinte anos teve uma namorada
paulista com quem quase se casou. À certeza de que o Brasil cometeu uma intromissão indevida na política
interna de outro país, somou-se, em Thaís, a certeza de que Honduras sob Micheletti tem um governo que se
reconhece como de exceção, interino e determinado a devolver o país à democracia plena.

Entrevista Yoani Sánchez

As três mentiras de Cuba


A blogueira cubana diz que as chamadas "conquistas da revolução"
são um
mito e que só quem nunca morou na ilha pode ter admiração por
seu regime

Duda Teixeira

"Convido quem vê Cuba como um exemplo a vir para cá,


Alejandro Ernesto/EFE sentir na pele como vivemos"
A cubana Yoani Sánchez, 34 anos, foi convidada a falar no Senado brasileiro e a comparecer ao lançamento
de seu livro De Cuba, com Carinho (Contexto), em São Paulo. A obra, que chega às livrarias neste fim de
semana, é uma coletânea de textos publicados por ela no blog Generación Y, o primeiro a ser criado em
Cuba. Na internet, Yoani discorre livremente sobre o cotidiano do povo cubano, a ausência de liberdade e a
escassez de gêneros de primeira necessidade – mas, bloqueado pelo governo, seu blog
(desdecuba.com/generaciony) só pode ser acessado fora da ilha. Sua vinda ao Brasil, na segunda quinzena
de outubro, depende de improvável permissão do governo cubano. Nos últimos doze meses, ela solicitou
visto de saída em dez ocasiões para atender a convites no exterior. O visto foi negado em três delas. Nas
demais, os trâmites burocráticos demoraram tanto que ela desistiu. Com 1,64 metro e 49 quilos, Yoani é
formada em letras e vive em Havana com o filho e o marido. Ela conversou com VEJA pelo celular.

Em discurso a respeito do seu pedido de visto, o senador Eduardo Suplicy citou o que considera três conquistas da
revolução cubana: a alfabetização, o aumento da expectativa de vida e a medicina de qualidade. Se pudesse, o
que você diria sobre isso em Brasília?
Eu diria que os laços entre países não devem ocorrer apenas entre governantes ou diplomatas. Quando se trata de
Cuba, as estatísticas oficiais divulgadas pelas nossas embaixadas não podem ser levadas a sério. Sou defensora da
diplomacia popular, aquela que se inteira da realidade diretamente com o cidadão. Não sou uma analista política.
Não sou especialista em nenhum tema. Não sou diplomata. Simplesmente vivo e conheço a realidade do meu país.
Aqueles que roubam o estado, que recebem dinheiro enviado por parentes do exterior ou fazem trabalhos ilegais
vivem melhor que os demais. Uma pessoa que escreve em um blog pode ser condenada sob a acusação de fazer
propaganda inimiga. Os outros países não podem repercutir o clichê de que Cuba é uma ilha de música e rum. É
preciso olhar para o cidadão. Aqui, nós vivemos e morremos todos os dias.

"Sou totalmente contra o embargo.


Não porque ache que as coisas
seriam muito diferentes se ele
deixasse de existir, e sim porque seu
fim acabaria com o argumento oficial
de que vivemos em uma praça sitiada
e, por causa disso, o povo deve
Mas é verdade que 99,8% da população aceitar as mazelas cubanas"
cubana é alfabetizada?
Antes da revolução, nosso país já ostentava um dos menores índices de
analfabetismo da América Latina. Uma das primeiras ações do governo
autoritário de Fidel Castro foi ensinar o restante da população a ler e escrever. A questão principal hoje não é a taxa
de alfabetização, e sim o que vamos ler depois que aprendemos. A censura controla totalmente o que passa diante
de nossos olhos. E isso começa muito cedo. As cartilhas usadas na alfabetização só falam da guerrilha em Sierra
Maestra ou do assalto ao quartel de Moncada pelos guerrilheiros barbudos. Meu filho tem 14 anos. Na sala de aula
dele há seis fotos de Fidel Castro. Tudo o que se ensina nas escolas é o marxismo, o leninismo, essas coisas. Não se
sabe o que acontece no resto do mundo. A primeira vez que vi imagens da queda do Muro de Berlim foi em 1999,
dez anos depois de ela ter ocorrido. Foi num videocassete que um amigo trouxe clandestinamente. Para assistir às
imagens do homem pisando na Lua, foi necessário esperar vinte anos.

A expectativa de vida realmente aumentou?


É uma estatística oficial, sem comprovação, que não resistiria a um questionamento mínimo feito por uma imprensa
livre. Pelo que vejo nas ruas, é difícil acreditar que os cubanos possam sobreviver tantos anos. Os idosos estão em
estado deplorável. Há uma avalanche de dados que poderiam ilustrar o que digo, mas estes nunca são divulgados.
Jamais fomos informados sobre o número de pessoas que fogem da ilha a cada ano. Ninguém sabe qual é o índice de
abortos, talvez o mais alto da América Latina. Os divórcios são inúmeros, motivados pelas carências habitacionais.
Como há cinquenta anos quase não se constroem casas, é normal que três gerações de cubanos dividam uma
mesma residência, o que acaba com a privacidade de qualquer casal. Também nunca se falou do número de
suicídios, um dos mais altos do mundo.

Cuba tem mesmo uma medicina avançada?


O país construiu hospitais e formou médicos de boa qualidade na época em que recebia petróleo e subsídios
soviéticos. Com o fim da União Soviética, tudo isso acabou. O salário mensal de um cirurgião não passa de 60 reais. A
profissão de médico é hoje a que menos pode garantir uma vida decente e cômoda. A carência nos hospitais é
trágica. Quando um doente é internado, todos os seus familiares migram para o hospital. Precisam levar tudo: roupa
de cama, ventilador, balde para dar banho no paciente e descarregar a privada, travesseiro, toalha, desinfetante
para limpar o banheiro e inseticida para as baratas. Eles não devem esquecer também os remédios, a gaze, o
algodão e, dependendo do caso, a agulha e o fio de sutura.

Por que o modelo cubano continua sendo admirado na América Latina?


Cuba só é reverenciada por quem nunca morou aqui. Eu já conheci um montão de gente que idolatrava Fidel e,
depois de um mês vivendo conosco, mudou de opinião. Quando as pessoas descobrem como é receber em moeda
sem valor, enfrentar as filas de racionamento ou depender do precário transporte público, começam a pensar de
modo mais realista. Não estou falando dos turistas que ficam uma semana, dormem em hotéis cinco-estrelas e
andam em carros alugados. Convido quem vê Cuba como um exemplo a vir para cá, sentir na pele como vivemos.

Como o governo tem reagido a seu blog?


O portal Desdecuba.com, em que o site está hospedado, está bloqueado há mais de um ano para quem tenta
acessá-lo de Cuba. Há algumas semanas, cancelaram o site Voces Cubanas, que possuía vários diários virtuais,
incluindo uma cópia do meu. O governo também se esforça para me transformar em uma pessoa radioativa.
Membros da polícia política me vigiam todo o tempo e dizem a meus vizinhos, amigos e parentes que sou perigosa.
Falam que quero destruir o sistema e sou uma mercenária do império. Em um país onde todo mundo trabalha para o
estado ou depende da ajuda do governo, esse método surte efeito. Muita gente já se afastou de mim. Alguns nem
me telefonam. É uma luta desigual. Todo o poder de um estado recai sobre mim. Até minha mãe tem sido vítima
dessa campanha atemorizante. Eles a pressionam no trabalho. Ameaçam tirar seu emprego. Ela não faz nada
especial, que possa desestabilizá-los. Não tem blog. Não é jornalista.
Qual é o trabalho de sua mãe?
Ela preenche formulários em um ponto de táxi.

Como os cubanos veem Hugo Chávez, hoje o maior benfeitor do regime comunista?
Hugo Chávez é o grande responsável pela perpetuação do regime cubano. Cuba seria hoje muito diferente sem esse
aporte de petróleo e de dinheiro da Venezuela. O que me preocupa é o componente de autoritarismo e de
messianismo de governos como os da Venezuela, Bolívia e Equador. Chávez reprime brutalmente a liberdade de
expressão, e temo que os outros sigam essa abordagem, de cujas consequências parecem não ter a menor ideia. Em
lugar da linha de Chávez, Evo Morales ou Rafael Correa, prefiro a da chilena Michelle Bachelet e a de Lula. Eles
perseguem mudanças menos traumáticas e não criam conflitos viscerais entre grupos sociais.

O presidente Lula tem condenado com insistência o embargo comercial americano a Cuba. O que você acha disso?
Se o objetivo do embargo era enfraquecer a ditadura, não funcionou. Essa política não afeta os governantes, que
continuam vivendo muito bem e importando os produtos que desejam. Tampouco se plantou na ilha uma semente
de insatisfação capaz de desestabilizar o governo. A maior parte das pessoas que eram contra o regime já escapou
da ilha. Acima de tudo, o embargo tem sido o maior pretexto do governo cubano para justificar o descalabro
econômico no país. Diante de cada coisa que não funciona, o partido comunista diz que a culpa é dos americanos.
Sou totalmente contra o embargo. Não porque ache que as coisas seriam muito diferentes se ele deixasse de existir,
e sim porque seu fim eliminaria o argumento oficial de que estamos em uma praça sitiada e, por causa disso, o povo
deve aceitar as mazelas cubanas.

Você acha possível que um dia Cuba libere a viagem de cubanos ao exterior?
Tenho escutado esses boatos, mas é improvável que isso ocorra. O controle de entrada e saída é talvez a
mais importante arma do governo para manter a fidelidade ideológica. Imagine o que pensaria meu vizinho,
um militante do partido que ganha em moeda nacional, se eu fosse ao Brasil, conhecesse várias cidades e
voltasse cheia de histórias para contar sobre o que vi e comi. Seria um golpe muito forte no estado. No mais,
essa questão é antiga. Eu até coloquei no blog uma foto de uma revista espanhola de 1991 na qual uma
autoridade cubana fala da iminência da liberação das viagens. Já se passaram dezoito anos desde então, e
nada mudou.

Caso consiga permissão para vir ao Brasil, você pensaria em ficar e


trabalhar aqui? "Vivo o dilema da mãe cubana:
Não tenho esse plano. A matéria-prima do meu trabalho é a realidade manter o filho aqui mesmo sabendo
cubana. Não quero e não posso ficar longe das minhas histórias. Se pudesse que um dia ele terá problemas com o
viajar, eu certamente o faria, mas não seria apenas para o Brasil. Tenho de governo ou deixá-lo ir embora para
passar nos Estados Unidos e na Espanha para receber os prêmios que realizar seus sonhos. Eu ficaria feliz se
ganhei. Talvez desse um pulo à Alemanha e à Suíça. E só. Faz tempo que Teo não precisasse sair, mas creio
aprendi que a vida para mim não está em outro lugar a não ser em Cuba. que ele será um emigrante"
Para o meu país eu voltarei sempre.

Raúl tem 78 anos e Fidel está à beira da morte. Quem vai assumir o poder
em Cuba quando eles forem embora?
Os futuros governantes de Cuba serão pessoas comuns, que não conhecemos. Não mostram publicamente suas
ideias reformistas por medo de que aconteça a elas o mesmo que ocorreu com Carlos Lage, o médico que era vice-
presidente e foi condenado ao ostracismo. Quando a velha-guarda deixar o poder, muita gente carismática e
talentosa sairá das sombras. Será como na União Soviética. Até assumir a Presidência, Mikhail Gorbachev tinha uma
trajetória cinza. Era um funcionário a mais, fiel ao partido. No Kremlin, destacou-se como um transformador.

Seu filho completou 14 anos. Qual é o futuro que o espera?


Teo é um garoto inquieto. Foi criado em clima de tolerância e liberdade. Ele terá muita dificuldade se Cuba continuar
assim. Cedo ou tarde, vai esbarrar nesse muro e pensará em sair. Isso me dói muito. Vivo o dilema da mãe cubana:
manter o filho aqui mesmo sabendo que um dia ele terá problemas com o governo ou deixá-lo ir embora para
realizar seus sonhos. Eu ficaria feliz se Teo não precisasse sair, mas creio que ele será um emigrante.

Como é a situação econômica atual comparada à grande crise ocorrida quando Cuba perdeu a mesada da União
Soviética?
A crise contemporânea ainda não se compara com a dos anos 90. Naquele tempo meus pais me mandavam ir dormir
mais cedo porque não tínhamos o que comer. Minha magreza é, em parte, uma sequela daquele período de fome.
Hoje certamente há uma recaída econômica muito forte. A produção nacional é ínfima e obriga Cuba a importar 80%
dos alimentos que consome. O problema é que o país não tem liquidez para comprar no exterior. A queda, contudo,
está sendo amortecida pelo turismo, pelo dinheiro enviado por cubanos do exterior e pela possibilidade de exercer
uma profissão ilegal.

A liberação de viagens de americanos para a ilha já mudou alguma coisa?


Essa foi uma notícia magnífica para os cubanos, que agora podem reencontrar seus parentes. Essas visitas ajudam
também com palavras de estímulo, dinheiro e produtos básicos. Lamentavelmente, nunca fomos tão dependentes
dos Estados Unidos.

Lya Luft

Contraponto: deixar desabrochar


"Tive um filho, tenho um aluno, e agora? Agora é plantar os pés
no chão, deixar a alma um pouco solta e, como diziam os avisos
nos trilhos de trem de minha cidadezinha natal: parar, olhar,
escutar"
Na coluna passada escrevi sobre educação e autoridade, dois temas complicados nos nossos dias de bagunça
generalizada. Hoje falo sobre seu contraponto, o que me ensinou um velho mestre sábio sobre educação:
"Família e escola fazem muito, se não estorvam. Deixem as crianças e os jovens desabrochar". Na primeira
vez em que escutei a frase fiquei um pouco chocada. Se já naquele tempo, eu ainda universitária,
questionávamos a frouxa autoridade em casa e na escola, que deixava a meninada perdidona e sem limites,
como entender aquela afirmação de quem entendia mais do que a maioria de nós sobre ensino, educação e o
resto?

O tempo e a experiência foram mostrando um pouco do mistério: é preciso juntar tudo isso, bater no
liquidificador da experiência, tentativa e erro, alegria e desespero de quem lida com esses assuntos na prática
e na teoria, e ver no que dá. Pois para lidar com gente não há garantia nem receitas, por mais que sejam
vendidas ou espalhadas gratuitamente por aí em abundância: como conseguir parceiro, como segurar seu
homem, como enlouquecer sua amante, como ficar rico sem esforço, como ter sucesso, como ser feliz em
dez lições a preços módicos.

A questão é como dosar autoridade e liberdade, para que crianças e jovens cresçam. Ou melhor: para que a
gente também continue crescendo, pois sou dos que acreditam que viver não é deteriorar-se, mas se
expandir. E quando o corpo parece encolher, murchar, envelhecer – é bom usar as palavras certas, pois às
vezes os eufemismos soam ofensivos – a alma tem de continuar crescendo. Alma, psique, mente, não
importa o conceito científico, moral, espiritual, que lhe queiram dar.

You might also like