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bolivariana, o ex-presidente Manuel Zelaya, havia voltado clandestinamente a Honduras, e que ele se
encontrava abrigado na embaixada brasileira em Tegucigalpa, VEJA destacou a editora Thaís Oyama para
cobrir a crise naquele pequeno e paupérrimo país da América Central. Incansável na busca por reportagens
surpreendentes e exclusivas, dois meses antes, ela havia conseguido entrar na Coreia do Norte, para fazer
um relato sobre a vida no país mais fechado do mundo. Sua missão, desta vez, era dar nitidez a um quadro
enevoado por um noticiário deturpado por falsificações ideológicas. Thaís a vem cumprindo com o
brilhantismo habitual. Na semana passada, enquanto se alardeava um "ataque com gás" à representação
brasileira, por parte das tropas do governo interino que a cercam, ela esclareceu que se tratava de uma
inverdade - e também mostrou o grau de irresponsabilidade de Zelaya. Numa conversa telefônica com o ex-
presidente, ouviu dele que "mercenários israelenses" haviam perpetrado o ataque. Loucura, mas com
cálculo.
Para esta edição, Thaís obteve, com exclusividade para o Brasil, uma entrevista com o presidente interino de
Honduras, Roberto Micheletti. "Além de sua assessora de comunicação, estavam presentes à entrevista três
soldados armados com fuzis", conta ela. Na conversa que durou uma hora, o presidente interino fala sobre
seus acertos e erros e revela que, sob o patrocínio de Chávez e com o aval de Zelaya, Honduras se tornara
escala para aviões de traficantes de drogas. Ao final, Micheletti disse que há vinte anos teve uma namorada
paulista com quem quase se casou. À certeza de que o Brasil cometeu uma intromissão indevida na política
interna de outro país, somou-se, em Thaís, a certeza de que Honduras sob Micheletti tem um governo que se
reconhece como de exceção, interino e determinado a devolver o país à democracia plena.
Duda Teixeira
Em discurso a respeito do seu pedido de visto, o senador Eduardo Suplicy citou o que considera três conquistas da
revolução cubana: a alfabetização, o aumento da expectativa de vida e a medicina de qualidade. Se pudesse, o
que você diria sobre isso em Brasília?
Eu diria que os laços entre países não devem ocorrer apenas entre governantes ou diplomatas. Quando se trata de
Cuba, as estatísticas oficiais divulgadas pelas nossas embaixadas não podem ser levadas a sério. Sou defensora da
diplomacia popular, aquela que se inteira da realidade diretamente com o cidadão. Não sou uma analista política.
Não sou especialista em nenhum tema. Não sou diplomata. Simplesmente vivo e conheço a realidade do meu país.
Aqueles que roubam o estado, que recebem dinheiro enviado por parentes do exterior ou fazem trabalhos ilegais
vivem melhor que os demais. Uma pessoa que escreve em um blog pode ser condenada sob a acusação de fazer
propaganda inimiga. Os outros países não podem repercutir o clichê de que Cuba é uma ilha de música e rum. É
preciso olhar para o cidadão. Aqui, nós vivemos e morremos todos os dias.
Como os cubanos veem Hugo Chávez, hoje o maior benfeitor do regime comunista?
Hugo Chávez é o grande responsável pela perpetuação do regime cubano. Cuba seria hoje muito diferente sem esse
aporte de petróleo e de dinheiro da Venezuela. O que me preocupa é o componente de autoritarismo e de
messianismo de governos como os da Venezuela, Bolívia e Equador. Chávez reprime brutalmente a liberdade de
expressão, e temo que os outros sigam essa abordagem, de cujas consequências parecem não ter a menor ideia. Em
lugar da linha de Chávez, Evo Morales ou Rafael Correa, prefiro a da chilena Michelle Bachelet e a de Lula. Eles
perseguem mudanças menos traumáticas e não criam conflitos viscerais entre grupos sociais.
O presidente Lula tem condenado com insistência o embargo comercial americano a Cuba. O que você acha disso?
Se o objetivo do embargo era enfraquecer a ditadura, não funcionou. Essa política não afeta os governantes, que
continuam vivendo muito bem e importando os produtos que desejam. Tampouco se plantou na ilha uma semente
de insatisfação capaz de desestabilizar o governo. A maior parte das pessoas que eram contra o regime já escapou
da ilha. Acima de tudo, o embargo tem sido o maior pretexto do governo cubano para justificar o descalabro
econômico no país. Diante de cada coisa que não funciona, o partido comunista diz que a culpa é dos americanos.
Sou totalmente contra o embargo. Não porque ache que as coisas seriam muito diferentes se ele deixasse de existir,
e sim porque seu fim eliminaria o argumento oficial de que estamos em uma praça sitiada e, por causa disso, o povo
deve aceitar as mazelas cubanas.
Você acha possível que um dia Cuba libere a viagem de cubanos ao exterior?
Tenho escutado esses boatos, mas é improvável que isso ocorra. O controle de entrada e saída é talvez a
mais importante arma do governo para manter a fidelidade ideológica. Imagine o que pensaria meu vizinho,
um militante do partido que ganha em moeda nacional, se eu fosse ao Brasil, conhecesse várias cidades e
voltasse cheia de histórias para contar sobre o que vi e comi. Seria um golpe muito forte no estado. No mais,
essa questão é antiga. Eu até coloquei no blog uma foto de uma revista espanhola de 1991 na qual uma
autoridade cubana fala da iminência da liberação das viagens. Já se passaram dezoito anos desde então, e
nada mudou.
Raúl tem 78 anos e Fidel está à beira da morte. Quem vai assumir o poder
em Cuba quando eles forem embora?
Os futuros governantes de Cuba serão pessoas comuns, que não conhecemos. Não mostram publicamente suas
ideias reformistas por medo de que aconteça a elas o mesmo que ocorreu com Carlos Lage, o médico que era vice-
presidente e foi condenado ao ostracismo. Quando a velha-guarda deixar o poder, muita gente carismática e
talentosa sairá das sombras. Será como na União Soviética. Até assumir a Presidência, Mikhail Gorbachev tinha uma
trajetória cinza. Era um funcionário a mais, fiel ao partido. No Kremlin, destacou-se como um transformador.
Como é a situação econômica atual comparada à grande crise ocorrida quando Cuba perdeu a mesada da União
Soviética?
A crise contemporânea ainda não se compara com a dos anos 90. Naquele tempo meus pais me mandavam ir dormir
mais cedo porque não tínhamos o que comer. Minha magreza é, em parte, uma sequela daquele período de fome.
Hoje certamente há uma recaída econômica muito forte. A produção nacional é ínfima e obriga Cuba a importar 80%
dos alimentos que consome. O problema é que o país não tem liquidez para comprar no exterior. A queda, contudo,
está sendo amortecida pelo turismo, pelo dinheiro enviado por cubanos do exterior e pela possibilidade de exercer
uma profissão ilegal.
Lya Luft
O tempo e a experiência foram mostrando um pouco do mistério: é preciso juntar tudo isso, bater no
liquidificador da experiência, tentativa e erro, alegria e desespero de quem lida com esses assuntos na prática
e na teoria, e ver no que dá. Pois para lidar com gente não há garantia nem receitas, por mais que sejam
vendidas ou espalhadas gratuitamente por aí em abundância: como conseguir parceiro, como segurar seu
homem, como enlouquecer sua amante, como ficar rico sem esforço, como ter sucesso, como ser feliz em
dez lições a preços módicos.
A questão é como dosar autoridade e liberdade, para que crianças e jovens cresçam. Ou melhor: para que a
gente também continue crescendo, pois sou dos que acreditam que viver não é deteriorar-se, mas se
expandir. E quando o corpo parece encolher, murchar, envelhecer – é bom usar as palavras certas, pois às
vezes os eufemismos soam ofensivos – a alma tem de continuar crescendo. Alma, psique, mente, não
importa o conceito científico, moral, espiritual, que lhe queiram dar.