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( saculo do cinema 2 Gat nal ai O TRADICIONAL E 0 INVENTIVO EM RENE CLAIR René Clair pronuncia-se na linguagem imagem/ritmica do cinama, como um ponto elevado na vanguatda européta, Conhecedar da tecelagem, artifice em todas as pegas do cinemotor, Clair, vindo desde a ¢poca do mudo, é 0 artista colocado naquela postura da qual ja 5e disse sobre John Ford: 0 homem que dominou a vida no momento exato em que dominou sua arte. Ultrapassando a mecénica, a técnica que angustia o artista nas pocas de inicio € mesmo mais adiante no perlodo da subida, René Clair atinge o criar propriamente dito, ou seja, 0 trabalho que nao deixa antever as suas pecas de armagao, mas que resulta como um toda, independente dos elementos parti- culares que entearam em sua feitura, René Clair nao se flia @ trilha dos chamados inventores mas se perpetua na galeria dos classicos da velha geragao. Les grandes manoeuvres |As grandes manobras, 1955] e Porte de Lilés [Por ternura também se mata, 1957), sé nao se colocam ao lado do passado Le Million {O milhdo, 1931), servem como selo satisfatério para a cristalizagao artis- tica da uma abra, René Clair é dos Unicos velhos cineastas que paderia encertar a carreira em plena consciéneia de ter contribuido de maneira dacisiva na evolugao da arte cinematografica como fendmeno de autonomia artistico-cultural mais comple- x0 do século em curso, malgrado algumas ainda inconcebiveis detragdes de certas correntes intelectuais retrogradas. Que é um cléssico cinematografico? Diriamos, um filme que possuisse: 3] tema universalizante; bj arqumento lucido, dotado de observagae psicokigica profunda; ¢) roteiro enxuto que empregasse os méfodos narratives de maneira consequentemante saidos das propasigdes basicas do argumento; d) direcao madure ao ponte de criar um ambienia, fazer viver os personagens, integrar 0 espectador no munda da imagem em movimento provocanda sucessivas iden- tficacdes ou langando-o em cnses. Objetar-se-ia aqui uma estrutura académica para o filme classica? Com razdo o termo académico, na medida exata em que um cineasta fizes- se dessas narmas um esquema: mas 0 filme classico $6 depois é que sofre tais criticas, tals dissecamentos, René Clair, em Les grandes manoeuvres, apontado na inicio come um tra- dicional? Antes de justified-lo, encerremos Sobre o filme classico dizendo que 08 paragrafcs ou requisitos apresentados para tal funcionam apenas em tese e que, nda existindo movimento de cinema classico, — varando a classicidade Atualmente, tambam nao constituindo um movimento arganizado tip falido neo-realismno, @ arte cinematografica se divide, difusa, em duas linhas basicas: aquela dos cineastas que permanacem nos temas universals, na nar rativa cronoidgica e planificagdo tragicional, e a segunda, aguela composta por cilneastas que cram ou descobrem temas originals, inverter a narrativa, entor fam e movimentam a cémeva para planos até entio inéditos., Enquanto uns zelamn pela linguagem, mantendo-a em alto nivel, outros par: tem dai, rompem a gramatica em busca de uma poética, René Clair, como o primeiro, no filme Les grandes manoeuvres: Stanley Kubrick, core o segundo em O grande golpe ~ | Saal | fe al bet BR ti’ Baa _ Sl aa Michele Morgan, Gérard Philipe eBrigite Bardot em As grandes ‘manobras (1955) A primeira marca de invengéo em Les grandes manoeuvres se ambienta no problema da cor, da cenografia, da musica e da composigéo interna nos personagens em cena. Existe de tradicional a narrativa cronolégica narrada a base de esquetes — note-se que a céamera corre ligeiro de um para outro quadro onde as cenas se desenrolam sempre em ordem crescente, — no contetido humoristice fi- liado verve, ao humor malicioso e a ironia picante da qual, no cinema, René Clair é o maximo criador; por Gltimo na interpretagdo dos atores, sendo que, a propésito, Gérard Philipe é também uma tradigdo clairiana por ser 0 ator de todos seus grandes filmes Assim, tradicional, René Clair consegue, dentro desse ambito, criar uma nova escala de comunicagao artistica. E busca novidades, ao lidar com a cor, elemento novo para ele, Clair, que, ao lado de Chaplin. se levantou contra a sonoridade do cinema que matava © gesto, a mimica, a imagem pura, e contra a cor que rendia a arte sétima a pintura ou ao cartéo postal. Por fim, e tanto tempo é passado, o autor de A nous /a Liberté |A nds a Li- berdade, 1931], Casei-me com uma feiticeira I married a Witch, 1942], Entre a mulher e o diabo {La beauté du diable, 1949), Esta noite é minha |Les belles de nuit, 1952), em As grandes manobras apela para as variagGes mais palidas do ver- melho e mais ativa do amarelo, em conjunto com o fotografo Robert Lefebvre. Na seqUéncia inicial, as ruas planas, limpas, @ as casas justas revelam a in- tencionalidade de racionalizar a cor e o ambiente, fazendo-os funcionar além do decorativa, feito um campo no qual os personagens corressem e falassem livres Nas sequéncias do café, os quadros sao bem cuidados na inspiragao com- positiva da pintura impressionista. Salta o desfile dos soldados, a0 toque de cornetas. Nas cenas interiores a musica avisa, desperta, narra a perturbagdo que a cavalaria causa sobre as mulheres, principalmente o galante Gérard Philipe, Armand de la Verne, o conquistador de caragées femininos. E perfeitamente evocativa além de bem assinalar a época 6 a valsa de Strauss tocada no baile, quando Gérard Philipe e Michele Morgan dangam. Mantendo a estrutura narrativa idéntica a chapliniana (ligeiros esquetes), Clair inventa processos internos, camo as sequéncias do narnoro oficial e cha- peleira, ditos em primeiro plano por pessoas mexeriqueiras que os assistem passar e comentam corm malicia. Nao renegando 9 passado, por novas contribuigdes, Clair se perpetua cineasta.

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