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28-Ago-2007
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LPR: Houve, mas não tanto quanto necessário. Isso tem a ver com o que eu
disse anteriormente. Houve transferências de recursos da Eletrobrás para o
Tesouro Nacional, que poderiam ter sido investidos na ampliação da
geração elétrica federal. Também os recursos de Itaipu, que somavam mais
de US$ 1 bilhão por ano, foram transferidos para o Tesouro Nacional. Eu
discordava de tal proporção, dentro de meu ponto de vista não era correto.
Tínhamos também a retenção de recursos para o superávit primário, uma
série de proibições na Eletrobrás – não era possível ser sócio majoritário em
parcerias com o setor privado -, dificuldades enormes de acesso ao crédito,
ao BNDES. Passei o ano de 2003 sem ter nenhum aporte do BNDES, não por
culpa do banco, mas sim pelas regras que a Fazenda impunha e que o
BNDES cumpria. Calculo que R$ 7 bilhões foram passados às empresas
privadas elétricas estrangeiras, quase todas as distribuidoras privatizadas, e
não conseguia nada para as empresas pobres do Norte e do Nordeste, que
eram distribuidoras federais – de Alagoas, do Acre, do Amazonas, de
Rondônia –, que tinham muitas dificuldades e nenhum recurso. Eu tinha que
tirar dinheiro dos investimentos da Eletrobrás para cobrir as despesas
operacionais dessas empresas de estados com problemas econômicos,
enquanto a AES e os grupos estrangeiros tinham grandes aportes de
recursos do BNDES.
Tive problemas nas negociações que fiz com as empresas estrangeiras com
as quais tínhamos contratos, dos quais eu e minha equipe discordávamos.
Nós repropusemos algumas cláusulas e conseguimos a aceitação de parte
delas, mas não de todas. Infelizmente, depois da minha saída, tenho a
notícia de que não se completou a negociação com a usina de Cuiabá, da
Enron e da Shell, que precisa ser renegociada. Comecei a fazer isso com
Furnas, cujo conselho presidi, e pelo que sei existe uma posição contrária na
Aneel, complicando a vida de Furnas.
O rosário é muito comprido. O próprio leilão de energia velha foi muito ruim
para as empresas federais, tanto é que as privadas não participaram e as
geradoras estatais tiveram grandes perdas vendendo energia
excessivamente barata para compensar a energia excessivamente cara das
empresas privadas geradoras, quase todas estrangeiras. O caso mais
lamentável são as termelétricas, que compram energia de Furnas bem
barata –R$ 18 por MWh -, ficam desligadas e revendem essa energia a R$
140 por MWh para as distribuidoras, que é o valor que é repassado para o
consumidor na cobrança de tarifas. Portanto, não estou de acordo com boa
parte do encaminhamento que tem sido dado para o setor elétrico
atualmente. Não posso, porém, dizer que tudo ficou como estava. Criou-se a
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que está sendo organizada, e as
privatizações foram interrompidas.
LPR: Sim, mas conjunturalmente, pela grande luta dos sindicatos, das
organizações de profissionais, e devido à crise energética. Mas a decisão
política entendo que foi do governo Lula. Não vou nem tanto ao mar nem
tanto à terra, tenho grandes reclamações e tive muitas dificuldades em
fazer valer meu ponto de vista quando estava na Eletrobrás. No entanto,
muitas das questões que colocamos no programa de governo, como a
suspensão das privatizações, estão sendo cumpridas.
CC: Você fez referência às estatais, que estão vendendo sua energia a um
preço muito baixo. Isto está minando a sua capacidade de investimento?
LPR: O respeito aos contratos é uma besteira completa, uma bobagem que
esses economistas embotados inventaram. Eu briguei com algumas
empresas estrangeiras e não tive rompimento nenhum, simplesmente
cheguei e disse que os contratos eram absurdos, que precisávamos sentar e
renegociar, que só ia pagar o que deveria pagar, e que precisávamos
arrumar uma outra forma, pois aquela não servia para a empresa. Uma vez,
tivemos uma briga grande com a AES por conta de uma empresa de
informática de transmissão por fibra ótica, na qual éramos sócios e a AES
havia abandonado a empresa. Depois brigamos com investidores japoneses.
Todos queriam que a Eletrobrás assumisse o pagamento. Não concordava
com isso, queria mudar o rumo.
Acho que seria possível à Eletrobrás ter um outro papel no setor elétrico
brasileiro, muito mais dinâmico, muito mais agressivo e sem precisar de
grandes problemas, uma vez que o grupo estrangeiro entende que negócio
é negócio. Ele entra na questão do negócio como um lutador de boxe, e o
Estado brasileiro entra de salto alto. Eu entendo de boxe e, se os
estrangeiros estão preparados para a briga, você precisa brigar. Depois,
apertam-se as mãos e tudo volta ao normal. Este é o mundo do capitalismo.
A empresa estatal, nesse mundo, não pode tratar contratos com esses
grandes grupos de multinacionais como coisas sagradas; tem de tratá-los
como contratos, como eles tratam. Você vai lá, vê os contratos e diz que tal
item é impossível, pois se perde uma quantidade imensa de dinheiro, é
injusto, é incorreto, e precisamos renegociá-lo. Alcança-se, assim, uma
posição de força. É um besteirol o que esses economistas do século XIX,
recauchutados para os séculos XX e XXI, continuam a pregar. Para dar um
exemplo, preste atenção se vai acontecer isso com a Varig, que é uma
empresa nacional importante de aviação. Ela tem dívidas, principalmente
com a BR Distribuidora, com a Infraero e com o governo federal. Nada pode
ser feito, pois a Varig precisa ter uma solução de mercado. Sabe qual é?
Vem um grupo estrangeiro, propõe algo para o controle da empresa, chega
na Infraero e na BR e consegue um abatimento das dívidas para 20% do
valor. O grupo estrangeiro pode, mas a Varig, brasileira, não pode. É uma
mentalidade de besta quadrada. Isso é o que se faz, o grupo estrangeiro,
quando chega, consegue tudo do governo. É preciso mudar essa história de
que em contrato não se mexe. Não se mexe quando é a favor do Brasil,
quando é contra, mexe.
LPR: Na proporção devida, não. Do jeito que as coisas vão, o setor privado
não está investindo o suficiente, o governo continua com a questão de que
quem deve puxar os investimentos é o setor privado e mantém a Eletrobrás
muito aquém do que podia. Se o setor privado não investir, vamos sair
correndo atrás do prejuízo, arriscando um novo apagão caso a economia
cresça muito.
CC: Como foi a sua participação no início deste governo quanto à proposição
de um novo modelo para o setor elétrico?
LPR: Não vou usar a palavra “desfigurada”, pois o que tenho que fazer é
corrigir erros. A proposta não foi implementada na sua plenitude, e foram
deixados buracos que a comprometeram muito, como a manutenção dos
contratos e a descontratação da energia contratada das geradoras federais,
substituídas por geradoras privadas. Não se previram esses itens no
modelo, e eles foram sendo tolerados. E, finalmente, há a própria
Eletrobrás. No nosso modelo, seu papel era diferente, seria a principal
empresa elétrica brasileira, e não freada como é hoje, com a baixa
remuneração de sua energia.
LPR: Fiquei muito feliz, a criação do conselho de presidentes foi uma solução
muito importante e bem sucedida da gestão da Eletrobrás, e lamentarei se
ela não continuar. Também muito importante foi o saneamento financeiro
do grupo, resgatando o prestígio da Eletrobrás como empresa, aumentado,
inclusive, o seu valor de mercado. Depois que saí de lá, não posso dizer que
o mesmo tenha acontecido. A Eletrobrás teve uma queda acentuada no
valor das suas ações, deixando de ter o papel que podia ter como empresa.
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/777/112/
Charge
Esta imagem não é parte original do artigo publicado no correio da Cidadania e eu
não sou o autor do artigo publicado no Correio da Cidadania, assinado por Valéria
Nader e no qual colaboraram Mateus Alves e Luís Brasilino.
http://humanismus.blogspot.com/2009/11/microincidente-apaga-o-brasil.html
http://humanismus.blogspot.com/2009/11/burrice-institucionalizada-ou-
mau.html